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BALAS
NÃO MATAM IDEIAS
40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba 1974/2013 ORGANIZADORES: ADOLPHO Queiroz e LETÍCIA Hernandez Ciasi
Prefeitura de Piracicaba | Secretaria Municipal da Ação Cultural | CEDHU Piracicaba
BALAS NÃO MATAM IDEIAS 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba 1947/2013
O riso das obras vencedoras na visão de acadêmicos, pesquisadores e jornalistas brasileiros
Adolpho Queiroz e Letícia Hernandez Ciasi (Organizadores)
Salão Internacional de Humor de Piracicaba (40, 2013: Piracicaba). São Paulo, Nova RC Editora, Rio Claro, Centro Nacional de Humor Gráfico, 2013. Adolpho Queiroz e Letícia Hernandez Ciasi (Foto da 4ª. Capa - Professor Manoel Nascimento – Universidade Presbiteriana Mackenzie) ISBN XXXX Mostra comemorativa dos 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, 24 de agosto a 31 de outubro de 2013. 1. Caricaturas e desenhos humorísticos - Brasil - Piracicaba – Exposições. 2. Humor. 3. Salão de Humor de Piracicaba CDD XXXX Índice para catálogo sistemático 1. Salão Internacional de Humor de Piracicaba: Artes 741,598.161.2 2. Piracicaba (SP): Humor gráfico: Artes 741,598.161.2 Proibida a reprodução total ou parcial sem a prévia autorização dos editores. Direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9610 de 19/02/1988. Feito o depósito legal na Biblioteca Nacional. Lei nº 10994 de 14/12/2004.
Impresso no Brasil em 2013 Gráfica Nova RC Editora
Prefeitura do Município de Piracicaba Secretaria de Ação Cultural Centro Nacional de Humor Gráfico de Piracicaba Av. Maurice Alain, 454 - Vila Rezende CEP 13405 123 – Piracicaba/SP Caixa Postal 12 Fones: (019) 3403-2620 e (019) 3403-2615 contato@salaodehumor.piracicaba.sp.gov.br www.salaodehumor.piracicaba.sp.gov.br
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SUMÁRIO Apresentação: Salão de Humor: 40 anos preservando a liberdade de expressão Gabriel Ferrato dos Santos, Prefeito de Piracicaba .................................................................................... 7 40 anos do Salão de uma longa e valiosa caminhada Rosangela Camolese, Secretária de Ação Cultural ..................................................................................... 8 Foi num sábado que o início se deu e obrigado, PIRACI40ANOS! Zélio Alves Pinto ......................................................................................................................................... 9 Lendo e relendo a história dos 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba Adolpho Queiroz ................................................................................................................................. 10, 11 Ó Pátria amada! LetÍcia Ciasi ............................................................................................................................................... 12 O humor é coisa séria Gaudêncio Torquato (ECA/USP) ............................................................................................................... 15 Laerte Coutinho – Adolpho Queiroz (Mackenzie/Anhanguera) ......................................................... 16,17 Angeli – Adolpho Queiroz (Mackenzie/Anhanguera) ........................................................................... 18,19 Luiz Gê – Dagomir Marquezzi (FAAP) ................................................................................................. 20,21 Chico Caruso – Antônio Holfeldt (PUC/RS – INTERCOM) ....................................................................... 22 Marcos Benjamin – Nélia Del Bianco (UNB) ............................................................................................. 23 Fausto Prates – Silvia Yasulaitis (UFSCAR)......................................................................................... 24,25 Glauco – César Bolaño (UFS – ALAIC) .................................................................................................... 26 Lailson – Kleber Mazziero (ESPM) .......................................................................................................... 27 Santiago – Josemary Quevedo (UFRGS) ............................................................................................ 28,29 Yoshimaro Sakita – Luiz Fernando Santoro (ECA/USP) ...................................................................... 31,31 Rubens Kiomura – Vanessa Molina (ESPM/Mackenzie) ..................................................................... 32,33 João Carlos de Souza – Daniela Ota (UFMS) ...................................................................................... 34,35 Hernani Lucas – Gustavo Alvim (UNIMEP) .............................................................................................. 36 Renato Canini – Suzi Lagazzi (UNICAMP) ............................................................................................... 37 Jorge Izar – Paulo Botão (UNIMEP) ................................................................................................... 38,39 Gilmar Godoy – Romualdo Cruz (UNIMEP/Villetim) ........................................................................... 40,41 Ricardo Castro – Luana Panke (UFPR) ............................................................................................... 42,43 Santiago – Sérgio Dayrell Porto (UNB) ............................................................................................... 44,45 Roland Fridy – José Mauricio C.M.Silva (Mackenzie) e Afonso C.A. Figueiredo (Faculdade São Luiz) ............. 46,47 Igor Smirnow – Roberto Gondo (Mackenzie/POLITICOM) ................................................................. 48,49 Eduardo Grosso – Mariza Reis (Mackenzie) ............................................................................................ 50 Luiz Osvaldo Rodrigues, LOR – Jorge Tarquini (ESPM) .......................................................................... 51 Gilberto J. Ferreira – Maria Cristina Gobbi (UNESP/Bauru) ................................................................ 52,53 Rosana Munhoz – Rosana Schwartz (Mackenzie) .............................................................................. 54,55 Adão Iturrusgarai – Lourdes Gabrieli (PUC/SP – Mackenzie) ............................................................. 56,57 Valeri Kurtu – Eneus Trindade (ECA/USP e ABP2) ............................................................................. 58, 59 Moacir Knorr Gutieres – Celso Figueiredo (Mackenzie) ..................................................................... 60, 61 Claudio Antônio Gomes – Ingrid Gomes (ISCA/Limeira) ................................................................... 62, 63
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Luc Descheemaeker – Victor Kraide (PUC/Campinas – UNIMEP) ........................................................... 64 Jordan Pop Iliev – Monica Carnielo (UNITAU – Anhanguera) .................................................................. 65 Ireno Guimarães – Paulo Bonfá (RISADARIA) ................................................................................... 66, 67 Jean Plantu – Cândida Almeida (PUC/SP – Anhanguera) .................................................................. 68, 69 Constantin Pavel – Nahara Mackovics e Quico Soares (Barão de Mauá – Ribeirão Preto) ..................... 70 Luccas Longo – Fausto Longo (Senattore PD/Itália) ............................................................................... 71 Benjamin Cafalli – Glaucia Davino (Mackenzie) ................................................................................. 72, 73 Valentin Druzhinin – Alexandre Huady T. Guimarães (Mackenzie) .................................................... 74, 75 Fred Ozanan – Margarida Kunsch (ECA/USP) .......................................................................................... 76 Eloar Guazzelli - Regina Giora (Mackenzie) .............................................................................................. 77 Osvaldo da Costa – Antonio Clérsiton (UFPE).................................................................................... 78, 79 Rodrigo Rosa – Hertz W. Camargo (UEL) ........................................................................................... 80,81 Paulo Vilanova – Nair Prata (UFMG) .................................................................................................. 82, 83 José A. Costa – Camilo Riani (UNIMEP) .................................................................................................. 84 Erdogan Bassol – Maurici Scarpari (Anhanguera/Piracicaba) ................................................................. 85 Evandro Alves – Wilson Bueno (UMESP)................................................................................................ 86 Leandro Spett – Erich Vicente (Tribuna Piracicabana) ............................................................................. 87 Pavel Constantin – Jorge Vidigal (UNIMEP) ...................................................................................... 88, 89 Erasmo Spadoto – Gilson Novaes (Mackenzie Campinas) ...................................................................... 90 Evaristo Rodrigo – Fernando Almeida (UMESP) ...................................................................................... 91 Mahmood Nazari – Paulo D’Elboux (Anhanguera Santa Barbara) ........................................................... 92 Josef Jurczyszyn – Joacir Cury (Gazeta de Piracicaba) ........................................................................... 93 Abrojan Vladmir – Daniel Galindo (UMESP)............................................................................................. 94 Angel Boligan – Anita Simis – (UNESP/Araraquara) ................................................................................ 95 Thiago Hoise – Gisely Hime (FMU) .................................................................................................... 96, 97 Dário C. Lazcares – Marialva Barbosa (UFRJ) ................................................................................... 98, 99 Musa Gumus – Rose Vidal (Universidade de Vila Velha/ES) ................................................................. 100 Rumen Dragostinov – Marco Antônio Batan (Católica de Santos) ........................................................ 101 Angel Boligan – Paulo R. F. Leal (UFJF) ......................................................................................... 102, 103 Oleksy Kustovsky – Cinara Augusto (Católica de Santos) ..................................................................... 104 Os quadrinhos em Piracicaba – Alvaro Moya (ECA/USP) ...................................................................... 106 Marcia Braga – Adriana Omena (UFU) ................................................................................................... 107 Eloar Guazelli – Isabel Orestes Silveira (Mackenzie) ......................................................................108, 109 Cláudio Gomes – Bruna Guimarães (Faculdade Módulo Caraguatatuba) ......................................110, 111 Willian Hussar – Roberto Elísio (IMES/São Caetano) ....................................................................112, 113 Marcelo Lelis – Marcelo Marques de Melo (UMESP) ....................................................................114, 115 Marcos de Souza – Letícia Costa (UNITAU) ................................................................................... 116, 117 Dálcio Machado – Ricardo Viveiros (Conselho Consultivo) ........................................................... 118, 119 Luis G. Paffaro – Francisco de Assis (ESPM) ................................................................................120, 121 Luiz G.Guimarães – Sandra Reimão (ECA/USP) ............................................................................122, 123 Gilmar – Maria Claudia Setti G. Franco (UMESP) ..........................................................................124, 125 José Raimundo Costa – Kátia Saisi (PUC/SP) ............................................................................... 126, 127 Omar Turcios – Ude Valentini (Jornal de Piracicaba) ..................................................................... 128, 129 O maior vencedor: Yuri Kussobokin – Adolpho Queiroz (Mackenzie/Anhanguera) .............. 130, 131, 132
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Salão de Humor: 40 anos preservando a liberdade de expressão existência Comemorar 40 anos de de Humor do Salão Internacional fo rm a de de Pi ra cic ab a é um a mocrático comemorar o espírito de cie da de so pr ed om in an te na piracicabana desde ade. a fundação da nossa cid , um a po m te É, ao m es m o cia de tên sis demonstração de re lão o Sa em nosso povo – como foi les qu e su a or ig em – àq ue en to ao pr et en de m o ali nh am ve rs ão , pe ns am en to ún ico mocratas autoritária de falsos de no ss o qu e tra fe ga m pe lo continente. com Seu nascimento coincide “m ila gr e” o su sp iro fin al do em 1973, econômico brasileiro, suor obtido com o sangue, ria do s aio e lág rim as da m forçados brasileiros, que foram pi or es a co nv ive r co m os ra m ili ta r m om en to s da di ta du período de comandada por Médici, ico assencrescimento econôm ial e na ta do no ar ro ch o sa lar nd a e da co nc en tra çã o da re ico, e do ôm riqueza, do lado econ de m os su fo ca r da s lib er da de ca. cráticas, na esfera políti esso, oc pr e ss de Na contramão acicaba Pir de o Salão de Humor ra çã o ge a ab ria es pa ço pa ra ra ria va a Pa sq ui m , qu e já co nt to único de tentativa de pensamen uma arena então, abrindo mais com muito para a reflexão crítica, denunciava humor, que retratava e a Na çã o a es cu rid ão em qu e a. Quanto brasileira estava metid pr es sã o re m ais au m en ta va a político de política, mais humor m e e ao s co nt es ta çã o ao re gi costumes.
A distensão lenta, gradual e segura do general Geisel, que sucedeu a Médici em 1974, já em meio à falência do “milagre” econômico, com inflação crescente e alto endividamento externo, abriu mais uma senda para que o humor acompanhasse o movimento de reorganização da sociedade civil na luta para a abertura do regime. Sobreviveu a momentos tensos, junto com o país, como as mortes, nos porões da ditadura, do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, em 1976. Antes, portanto, de ser uma iniciativa de grande mérito para o desenvolvimento das artes gráficas, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba representou uma abertura política e social de envergadura, contra qualquer tipo de governo inconsequente e autoritário. Por isso, o evento resistiu ao tempo e sobrevive até hoje, mesmo com a derrocada do próprio regime de exceção que o inspirou. Acompanhou, com mais humor, a queda do último homem do regime militar na primeira metade dos anos oitenta, o general João Batista Figueiredo, que preferia os cheiros do cavalo aos cheiros do povo. A volta da democracia deu gás novo ao evento, que já era tido como uma referência internacional e, por isso, servia de válvula de escape a artistas dos cinco continentes, impedidos de se manifestar em seus respectivos países, predominantemente aqueles sob a guarda dos soviéticos, dos aiatolás ou de tiranos de qualquer espécie. Isto, sem mencionar as escorregadelas dos democratas – às vezes nem tanto – no poder. Cada evento do Salão é uma sinopse anual da história de nossa (in)civilização nacional e internacional. Com a conquista definitiva do Engenho Central pelo município, perpetuou-se o evento ao fixar no Armazém 14 desse incomparável patrimônio histórico e arquitetônico da cidade, o Centro Nacional de Documentação, Pesquisa e Divulgação de Humor Gráfico de Piracicaba (CEDHU). O departamento, responsável pelas atividades referentes ao Salão, pôde assim dar mais um salto de qualidade em sua missão de nos mantermos como a Capital Mundial do Humor. Portanto, os 40 anos comemorados neste agosto de 2013 são motivo de festa e muita criatividade, no qual demonstraremos, mais uma vez, a nossa resistência a um cenário de tentativas evidentes ou ações efetivas de retrocesso à liberdade de expressão na América Latina. É uma data para homenagear o espírito livre de homens e mulheres espalhados pelo planeta, que sempre demonstraram sabedoria, mesmo nos momentos mais difíceis, e jamais se curvaram ou se curvarão aos impostores, mantendo sempre a convicção de que o humor é um dos caminhos para vencer a hipocrisia e preservar a liberdade. Gabriel Ferrato dos Santos Economista, UNICAMP/UNIMEP, Prefeito Municipal
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40 anos de uma longa e valiosa caminhada O ano de 2013 é, definitivamente, especial para o universo das artes gráficas. Criado em meio à ditadura militar, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba completa 40 anos, sempre com edições ininterruptas e cumprindo seu papel fundamental na valorização da arte do desenho de humor. Tornando-se internacional já nas primeiras edições, nosso Salão vem evidenciando trabalhos produzidos por cartunistas do mundo todo. Entre eles, há muitos piracicabanos que se destacam e que já estiveram entre os grandes premiados, o que muito nos orgulha. A idéia inicial era realizar um evento paralelo ao já prestigiado Salão de Arte Contemporânea, porém o Salão de Humor criou vida própria e hoje é um patrimônio do povo, que conta com inúmeras ações concomitantes.
Comemoramos as muitas exposições paralelas daquele que pode, sem dúvida nenhuma, ser considerado um dos maiores salões de humor do mundo. Obras de inestimável valor têm sido expostas em importantes pontos da cidade, levando a arte e o humor para o maior número possível de cidadãos. E, além disso, um intenso trabalho tem feito o Salão chegar a todos os espaços possíveis, seja por meio de mostras paralelas ou ações de diversos tipos, realizadas em todas as partes do Brasil e do mundo. O Salãozinho de Humor, que em 2013 chega a sua 11ª edição, é também motivo de satisfação. E que satisfação! Anualmente, milhares de trabalhos compostos por crianças e adolescentes de 7 a 14 anos chegam até nós, com o objetivo de participar desta verdadeira “menina dos olhos”. Uma das exigências é que os participantes estejam devidamente matriculados em escolas públicas ou particulares. Os desenhos do nosso Salãozinho passam por uma comissão de seleção e premiação, que avalia qualidade, linguagem e técnicas utilizadas. Cada estudante pode enviar até duas obras nas categorias Charge, Caricatura, Cartum ou Tiras/História em Quadrinhos. São aceitos desenhos com qualquer técnica e com tema livre. O desenho é uma linguagem universal e as crianças se comunicam facilmente por meio dele, por isso o Salãozinho de Humor é um sucesso a cada edição. E o resultado de ações tão significativas como estas não poderia ser outro: nosso Salão de Humor tem conquistado cada vez mais admiradores em todos os cantos do planeta, o que pode também ser explicado pelo trabalho de uma equipe incansável, sempre com o objetivo de fomentar cada vez mais o Salão e a cultura de uma forma geral. É uma grande honra ter feito parte desta vitoriosa história, sempre cumprindo nosso papel de dar continuidade a este momento voltado à alegria, ao riso e, especialmente, à reflexão, promovida pela leveza na abordagem dos temas. Parabéns a todos os responsáveis por esta valiosa caminhada. Vida longa ao Salão Internacional de Humor de Piracicaba! Rosângela Camolese Engenheira formada pela Escola de Engenharia de Piracicaba e Secretária Municipal da Ação Cultural
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Foi num sábado que o início se deu e obrigado, PIRACI40ANOS! Um dia Assim é, dizia meu avô: começa a você acorda e o tempo nunca voar em velocidade que foi sim as antes alcançou. E de desde a última semana po voou agosto em 1974. O tem , e com e já lá vão quarenta anos ele, o Salão de Humor de , meu Piracicaba virou verdade e só irmão. São aventuras qu gente cabem na vida e que a r. ve insiste em transcre
Primeiro o sonho, depois a vontade juvenil e a falta de limite às expectativas, mesmo sabendo que o eterno só existe na história sem nunca ter testemunhas. No início, sob o olhar grave e suspeitoso da autocracia vigente, o desafio da aventura vinha a ser também um risco por conta da desafiante linguagem do cartum a revelar confidências do regime. Ainda pelo poder metafórico do humor a permitir driblar instrumentos de censura da ditadura, organizadores e artistas colocavam em risco suas liberdades. Como evolução natural e proteção dos envolvidos era necessário mudar o patamar de atuação do salão que já era, mas tornou-se oficialmente internacional inclusive no nome, a criar assim um escudo de proteção aos cartunistas e organizadores, com o respaldo apalavrado da imprensa da Europa. Foi um percurso longo e acidentado, porém, compensador, pois chegamos na 40ª edição. Ventos sopraram pro e contra ao sabor do humor dos políticos da terra e, por sorte, somou a favor. Costumo convidar o público para a centésima edição do Salão, nas solenidades de aberturas do evento e cada vez o repito com mais certeza: Na centésima edição, amigo, espero encontrá-lo lá. Eis-nos aqui, obrigado pela força e vida longa ao Salão Internacional do Humor de Piracicaba! Zélio Alves Pinto, Jornalista, Artista Plástico, um dos fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, Membro do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor
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Lendo e relendo a história dos 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba Há alguns anos, o diretor do CEDHU, Centro Nacional do Humor Gráfico de Piracicaba, o cartunista Eduardo Grosso apresentou uma proposta para a realização de uma paralela do Salão, a ser exibida na praça central da cidade, que contivesse desenhos vencedores dos primeiros anos da mostra, com pequenas historietas recontando as origens políticas e os acontecimentos que culminaram com a realização do evento. Em sua opinião, as novas gerações precisavam conhecer melhor quem eram os autores pioneiros, suas ideias e, em havendo, as ideias que permearam a construção de cartuns e charges eternizadas nos catálogos, nas publicações e pelo espaço virtual. Na ocasião foram produzidos apenas quatro textos, que acabaram compondo um artigo embrionário do que viria a ser a grande proposta para o livro dos 40 anos. Quando submeti os originais do texto “O Rei Estava Nu”, ao seu criador, Laerte Coutinho, me disse, nas conversas que estabelecemos na época via Facebook, que arte “não se explicava” e que o texto apresentado “tirava o brilho do trabalho original porque explicava a piada”. É difícil mesmo, no campo das artes, explicar piadas, gansos esganiçados ao lado dos tachos de cobre – que os artistas das belas artes adoram – ou o non sense da arte contemporânea.
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Aí fui buscar no campo da filosofia da linguagem, nas minhas aulas no mestrado na Universidade de Brasília, com o prof. Sérgio Porto, um hermeneuta, a dimensão teórica necessária para a apropriação do diversificado, complexo e politizado acervo do nosso Salão e, com isso, cumprir formalmente a promessa que fiz ao nosso diretor do CEDHU, de ajudá-lo a traduzir, para as novas gerações especialmente, o significado original que se difundiu com 40 anos de belas provocações políticas e artísticas, nos campos do cartum, charge, caricaturas e também das histórias em quadrinhos. Também partilhei da preocupação do Eduardo, que cresceu artística e administrativamente vendo o Salão crescer e acompanhou e acompanha de muito perto, o êxito do filhote predileto do Salão, o Salãozinho de Humor, que reúne milhares de crianças de sete a 14 anos, despertadas para o campo das artes por esta provocação que a cidade de Piracicaba lhes oferece e que, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, constrói um trabalho de compreensão sobre este segmento das artes gráficas, difundindo-o pela Rede Municipal ,em parceria com a Delegacia de Ensino estadual da cidade, que anualmente transforma o humor em conteúdo didático à formação de milhares de jovens estudantes. Assim, então sem me preocupar com o que poderiam pensar os artistas quando “explicarmos” à nossa maneira as suas piadas e provocações, lancei-me a este projeto a partir da noite de encerramento do 39º Salão, num jantar festivo realizado entre jurados, organizadores e artistas num restaurante da cidade, quando recebi autorização da Secretaria de Ação Cultural, Rosangela Camolese, para articular esta obra comemorativa. No instante seguinte, pedi a autorização para o mais emblemático dos autores destes 40 anos, presente desde o primeiro, Alcy Linares Deamo, para que pudesse usar o seu trabalho vencedor nas primeiras edições, depois transformado em cartaz e agora, glória definitiva – para ele e para mim – na capa do nosso livro. No terceiro Salão, em pleno Teatro São José, com todas as pompas, meio decepcionado, Alcy me soprou nos ouvidos: “Sexto lugar é Portuguesa de Desportos!”. Guardei comigo estes anos todos, o desabafo do artista, que nos brindou com uma obra singular anos depois. Um palhaço, equilibrado num monociclo, desenha com um pedaço de giz a corda bamba pela qual trafega o seu veículo, num movimento peculiar. Como quem traça o próprio caminho. Naquela noite de comemoração, quando comunicado da idéia, Alcy me autorizou a usar o trabalho na capa e me disse “aquele personagem somos nós mesmos, os cartunistas, balançando nas cordas, desenhando a cada dia o nosso trajeto, as nossas vidas cheias de incertezas.” Com os amigos que fiz durante estas quatro décadas do Salão, quando se pergunta qual o trabalho paradigmático destes 40 anos, a grande maioria diz com convicção: “O equilibrista do Alcy”. Escolhi depois disso, com a vivência que tenho em quase 30 anos de vida universitária, e dos contatos feitos através da INTERCOM, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a origem da maioria dos articulistas que são professores doutores e mestres, jornalistas e pesquisadores da área de comunicação, de diversas
universidades brasileiras e veículos de comunicação para me ajudarem a “recontar” a história do nosso Salão, a partir da hermenêutica interpretativa, que assegura ampla liberdade para a reinterpretação destas histórias. O resultado, como se verá nas próximas páginas, vem de 76 autores do Brasil de sul a norte, de leste a oeste, através de professores e pesquisadores da área de comunicação, em Universidades públicas e particulares, jornalistas, publicitários, relações públicas, semioticistas, cineastas, quadrinistas, com publicações no Brasil e no exterior, que nos brindam com as percepções que tiveram sobre as obras que lhes enviamos. A todos, minha gratidão! São os artistas sendo avaliados publicamente, numa atitude inédita do nosso Salão, que até aqui avaliou apenas – por critérios estéticos, artísticos e geralmente políticos, o trabalho de cada um. São quase 400 vencedores ao longo destes 40 anos. Naturalmente não caberiam num volume como este, mas ensejam, ao mesmo tempo, que novas histórias sejam reconstituídas daqui a algum tempo, para confirmar ou confrontar as ideias aqui apresentadas. Que procuram dizer, basicamente às novas gerações de admiradores desta mostra, que a linguagem universal do humor ajuda a derrubar barreiras gigantescas. Com a sua coragem, Piracicaba, através dos artistas, contribuiu para que se derrubasse a ditadura no Brasil e que a democracia voltasse, pelas eleições diretas. Vencida esta etapa, temos outras tantas lutas ainda a vencer. A luta contra a intolerância, de qualquer forma, é uma delas. A luta contra a corrupção no poder público, a maior de todas, por certo. Aqui e no exterior. Aliás, o Salão de Piracicaba saltou das barrancas do nosso rio famoso e hoje, via internet, consegue ser difundido em 70, 80 países do mundo de características tão distintas como o México e o Azerbaijão; Cuba e China; Argentina e Bulgária. Mas às margens do nosso rio, no esplendor do Engenho Central, ao menos uma vez por ano, alguns ainda pela via dos Correios, mas, a maioria pela nuvem digital, chegam a Piracicaba para a festa mais perene de reconhecimento do humor gráfico como arte transformadora. Lamentamos apenas este ano a ausência de Yuri Kussobokin, o ucraniano que por oito vezes venceu o Salão, em várias categorias nos últimos anos, falecido em janeiro, depois de ter nos assegurado que participaria do nosso júri de premiação em 2013. Suas contribuições para a elevação do nível do Salão foram indiscutíveis; ao lado do cartunista campineiro Dálcio Machado e do quadrinista piracicabano Willian Hussar, que venceram em seis anos alternados. O Salão de Humor fez um bem enorme a Piracicaba. É uma obra coletiva, construída a muitas mãos e cérebros diferenciados Não tem dono, nem patrão. Nem deve ter. Conta com o apoio decisivo da Prefeitura Municipal, através da sua Secretaria de Ação Cultural, que com os seus representantes formais e funcionários ao longo de quatro décadas, ajudaram a construir este patrimônio. E é o mais antigo e perene de todos, inclusive das referências internacionais como os do Canadá, Itália, França, Japão e do Irã, que foram extintos e criados, enquanto os “caipiracicabanos” iam, aos poucos, lapidando esta obra prima do humor mundial. Quarentão, o Salão está a exigir dos seus parceiros, nos diversos níveis a partir de agora, uma retomada de posição para o seu fortalecimento. A entrega do PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO RUMO AO CINQUENTENÁRIO (1974/2023), que o Conselho Consultivo do Salão está formalizando nesta ocasião ao poder público local, é o embrião para, quem sabe, no futuro, termos na cidade um CEDHU muito bem estruturado e dentro dele, um museu do riso, uma escola de artes gráficas para o humor, uma biblioteca especializada, uma gibiteca, um acervo digital para teses, dissertações e livros da área e um sem número de outras ações que coloquem a cidade como uma referência ainda maior neste campo. Para que as atividades do humor gráfico sejam permanentes e não apenas sazonais na cidade, região e país. Agradeço por fim, minha aluna, minha orientanda em outras pesquisas, Letícia Ciasi, do curso de Publicidade e Propaganda do Mackenzie que, ao longo dos últimos meses esteve ao meu lado, zelosa e competente, garimpando informações ao meu lado, cobrando os pesquisadores, organizando os originais para que se transformassem nesta obra. Que o idealismo dos pioneiros ilumine os caminhos das novas gerações, para que prossigam esta obra. E, como todo livro de história que começa com “Era uma vez...”, termino dizendo, “... e quem quiser que conte outra!” Adolpho Queiroz, Pós doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Anhanguera Santa Bárbara d´Oeste.
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Ó Pátria amada! us 20 Nasci em 1993. Nos me Ditadura anos, pude conhecer a dos és av Militar somente atr em um ci livros de história. Cres e Brasil livre de censuras acesso os tem je, repressões. Ho idade à internet e a uma enorm a ra de outros recursos pa o comunicação. Talvez iss vá saber a nc nu eu e signifique qu governo o que é lutar contra um nifique sig o tirano. Ou, talvez iss para lutar que a nossa inspiração sses por uma causa venha de . ia” “livros de histór
Há dois anos comecei a minha graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tive o privilégio de, logo no primeiro semestre, conhecer o professor Adolpho Queiroz. Através de sua experiência no mundo acadêmico (e da minha estrela da sorte, eu diria...), recebi seu convite para fazer parte de um grupo de pesquisa. A partir daí, entrei em contato com profissionais incríveis da área da comunicação; li e reli, e agora posso falar com propriedade sobre o mercado de trabalho publicitário no Chile, ou sobre a história da imprensa na Argentina. Então, quando o professor me apresentou seu novo projeto de trabalho, não hesitei em oferecer a minha ajuda. 40 anos de história? Fiquei extasiada! Mas ainda não sabia o quanto o Salão Internacional de Humor de Piracicaba poderia me contar. Vi charges e cartuns sobre períodos e acontecimentos históricos, todos eles carregados do “jeitinho brasileiro” - até mesmo os internacionais – de falar muito com pouco. Li em primeira mão os comentários de acadêmicos, pesquisadores e jornalistas brasileiros sobre as imagens de humor do Salão, pessoas que, em sua grande maioria, viveram ou sofreram as consequências daquela época. Soube também que o primeiro Salão de Humor aconteceu no Mackenzie, em 1973. Fernando Coelho dos Santos, Vice-Presidente Administrativo do Diretório Central da Universidade, foi quem tomou a iniciativa de criá-lo, por causa de um concurso de caricaturas que havia acontecido anos antes dentro do campus. A partir de seu contato com Zélio, incentivador inveterado do humor, aconteceu o 1º Salão Mackenzie de Humor e Quadrinhos. Foi então que criei laços ainda maiores com esse livro. É incrível pensar que alguém como eu, Mackenzista, deu seu grito de liberdade numa época em que não se podia nem pensar nessa palavra. O meu Brasil atual, tecnológico e livre de censura e repressão, ainda passa por dificuldades. Talvez isso signifique que a inspiração para eu lutar por uma causa esteja mais próxima de mim do que eu imagino. Talvez a minha geração também entre nos “livros de história”. Letícia Ciasi Aluna do 4º semestre de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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CARTUM E CHARGE
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O humor é coisa séria O tom do mundo, escreveu Montesquieu em “Meus Pensamentos”, consiste muito em falar de bagatelas como se fossem coisas sérias, e de coisas sérias como se fossem bagatelas. Talvez seja essa lição que explique porque os nossos governantes e estrelas do mundo político gostem tanto de fazer essa inversão, adoçando o cotidiano com pitadas de humor, uma espécie de alimento açucarado para suportar esses tempos de corrupção, denúncias, favorecimentos ilícitos, doenças da velha política encravada no EstadoEspetáculo.
Mas o humor, como se sabe, não integra o escopo profissional do político. Sua contribuição, nessa esfera, é como figurante de alguém capacitado para emoldurar a vida social e política com os traços estéticos da arte gráfica, espaço reservado a poucos. E aqueles que tiverem a curiosidade de procurar compreender a relação entre a política e o humor, a vida social e a arte, encontram a melhor pista no Brasil: o Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o maior evento do gênero no país, que completa 40 anos. Deixando de lado a história que culminou com a criação do mais importante congresso de humor gráfico do Brasil e um dos mais celebrados na esfera sempre criativa e inovadora das artes gráficas no contexto das nações, passo a enxergar a extrema relevância do Salão dentro do universo da locução. Na técnica, nos métodos e processos de interpretar os atores da vida cotidiana, por meio do desenho de humor, distingue-se aquela massa que agrega inventividade, sensibilidade, nuances e matizes que, juntas, compõem o formidável aparato da genialidade. Daí se poder afirmar que os profissionais do humor estão no ápice da concorrida escalada da expressão. Fazer humor é enxergar a vida de forma plural. É o ver o ser humano em todas as dimensões. E por que é importante o humor? Porque não ter humor, como lembra André Comte-Sponville “é não ter humildade, é não ter lucidez, é não ter leveza, é ser demasiado cheio de si, ser demasiado severo ou demasiado enganado a respeito de si, é quase sempre carecer de generosidade, de doçura, de misericórdia”. O humor contribui igualmente para o aperfeiçoamento de condutas e melhoria dos processos em todos os campos de atividade, seja por meio de um discurso crítico/satírico, seja por meio da simples amostragem de atos da vida cotidiana. Há um bem a ser pinçado da ironia, que é um riso que zomba, um riso que faz pensar, um riso que envergonha os que trilham pelo caminho da ilicitude. Fecho este breve texto com Spinoza: “não ridicularizar, não deplorar, mas compreender. Sim. Mas se não houver nada a compreender? Resta rir. Não contra (ironia), mas de, mas com, mas no (humor). Melhor rir do que chorar”. Gaudêncio Torquato, ECA/USP e jornal “O Estado de S.Paulo”
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1974
Laerte Coutinho
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O rei estava vestido Adolpho Queiroz, Pós Doutor em Comunicação, UFF, Mackenzie/Anhanguera Santa Bárbara d´Oeste O cartum vencedor do I Salão de Humor de Piracicaba foi assinado pelo artista Laerte Coutinho, que vinha das primeiras aventuras pelo campo através da revista “Balão”, publicada pelos estudantes do curso de Comunicação, da ECA/USP. Vivíamos um período difícil na vida política do Brasil, pois estávamos naquela ocasião no décimo ano de vigência da revolução militar que em 31 de março de 1964 deu um golpe de Estado, retirando o presidente eleito, fechando o congresso nacional, impondo a censura à imprensa e iniciando um período de exceção na vida publica. O Salão de Humor de Piracicaba surgiu também para ser um instrumento de contestação política ao regime militar da época. A justificativa para a escolha deste prêmio pelos jurados era de que a obra tinha sido inspirada numa fábula escrita por Hans Christian Andersen. A original contava a história de um rei vaidoso que gostava de se vestir bem e criativamente e que, em determinada ocasião foi procurado por um costureiro aventureiro e criativo que lhe propôs construir a roupa mais original que há havia vestido. O costureiro pediu-lhe que se despisse e “inventou” que lhe colocava um pano aqui, outro ali. Um sapato assim, outro assado, um colar exótico, enfim, foi ampliando a imaginação do rei. Enfim, criou a indumentária apenas na imaginação real que a tudo assistia embevecido. Com a roupa “pronta” o rei ordenou que se abrissem as portas do palácio para que ele pudesse mostrá-la aos nobres e aos plebeus do seu reino e começou a caminhar em torno do palácio e, entre sussurros, quase todos o aplaudiram pela “nova” e “criativa” indumentária do rei. Até que um menino exclamou à sua mãe em voz alta: “O rei está nu!”. Irado, o rei ordenou que o prendessem. Que ingênuo! Foi o único a declarar a verdade na ocasião. A roupa do rei não existia e ele estava caminhando completamente nu. Numa alegoria ao regime militar da época, os torturadores que aparecem no trabalho premiado representam os integrantes do regime militar, cujas práticas de prisão e tortura aos que discordassem do regime de época eram recorrentes e constantes. Na fábula de Andersen, o menino se retrata na prisão e berra, para acompanhar aos demais que assistiram ao desfile: “O rei estava vestido!” Ao admitir também que o rei que estava “nu” na roupa criativa do seu costureiro e a unanimidade exigida pelo rei. Tal qual nas ditaduras – incluindo a militar no Brasil – discordar ou emitir opinião contrária aos governantes, não é permitido. A fábula de Andersen e a sua nova contextualização diante da revolução de 64 foi o jeito de dizer, a partir do Salão de Humor de Piracicaba que também a sociedade civil na época era contrária aos métodos utilizados pelo governo ditatorial daqueles dias. A unanimidade que as ditaduras gostam de representar começou a ser quebrada também a partir do Salão de humor de Piracicaba, pois ao admitir de forma violenta que o “rei estava vestido!”, o artista e a sociedade queriam reafirmar o contrário, “o rei está nu!”, ou em outras palavras, não apoiamos as ações do governo militar. Descobri recentemente, reorganizando os documentos do Salão que também o trabalho vencedor não foi unanimidade entre cinco jurados. Venceu por 3 a 2. O eco daquele premio foi importante para as forças de oposição que começavam a se organizar para restabelecer a ordem democrática no país. O “não” de Laerte Coutinho foi uma das importantes contribuições das artes e do humor gráfico contra a ditadura militar no Brasil.
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1975 Angeli
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Sorriso Insincero Adolpho Queiroz, Doutor, Mackenzie/Anhanguera Santa Bárbara d´Oeste A mesma ditadura militar que inspirou a criação do Salão de Humor de Piracicaba recebeu outro “presente” com a escolha deste cartum, de autoria do Arnaldo Angeli Filho, ou simplesmente Angeli, outro integrante - à época – da nova geração de cartunistas que emergiu a partir do salão de Piracicaba. Seu trabalho premiado com o 3º lugar mostra um grupo de pessoas – como se fosse uma analogia à sociedade civil do período – preso num cercado rodeado de arame farpado, guardas armados e um espião mal disfarçado. No cercado há um pouco de tudo o que representava a sociedade daqueles dias: médicos, hippies, palhaço, negros, velhos, crianças, cegos, mulheres, todos invariavelmente com fisionomias tristes. E um único sorriso no cercado: um homem que segura um feixe de bexigas coloridas, o único feliz naquele emaranhado de tristezas. Há entre os personagens um amarrado e amordaçado. Enfim, a sociedade presa, calada, tristonha e sem grandes chances de se manifestar como a que foi submetida pelos militares durante quase 25 anos da ditadura militar, entre 1964 a 1985. Na cena seguinte ao serem “libertados” do cercado os integrantes da sociedade presa recebiam como brindes — e eram obrigados a exibir! – uma pequena máscara com o formato de um sorriso. As máscaras eram distribuídas por duas mesas que controlavam o movimento. Na da esquerda está um personagem militar, com o mesmo sorriso do Dick Vigarista, personagem dos desenhos animados e, ao seu lado, sentado servilmente, o que poderia representar um político da época que executava sem contestar as determinações dos militares e distribuía o sorriso insincero às pessoas que iam saindo do cercado/prisão. A outra mesa também é emblemática da época. Nela estão um padre e um monsenhor, com a mão direita erguida para o alto. Este símbolo, ao contrário, com a mão esquerda erguida para o alto foi criado pela revolução socialista soviética em 1918 para representar o posicionamento dos trabalhadores socialistas daqueles dias. A mão erguida à direita representa, ao contrário, o conservadorismo. Ao levantar a mão direita o representante da igreja católica mostrava-se a favor de revolução conservadora e contra o comunismo, como queriam os militares de 64. No primeiro plano da obra premiada apareciam os seis primeiros personagens “felizes” com a soltura da prisão e aparente liberdade conquistada. Na época o trabalho de Angeli teve um grande impacto. Era de novo, de uma ironia vigorosa contra o regime que encarcerava, prendia, matava e torturava pessoas e ainda as obrigava a saírem “felizes” e esperançosas num regime ditatorial. Não era isso o que pretendia a sociedade brasileira na época e mais uma vez o Salão de Humor de Piracicaba, ao premiar uma critica contundente, ajudou a dizer ao regime militar que gostaríamos de sorrisos sinceros. E que só a volta da democracia poderia devolvê-los ao povo.
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Luiz Geraldo Ferrari
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A ordem unida de Luiz Gê Dagomir Marquezi, jornalista formado pela FAAP, colaborador de diversos jornais e revistas e, mais recentemente, colaborador da revista Isto é O tanque de guerra é um dos mais marcantes símbolos de poderio militar. Tudo nele impressiona: o tamanho, a aparência de um animal pré-histórico, as muitas rodas girando a mesmo tempo, e até o sentido meio fálico do seu canhão giratório. Impressiona. Especialmente quando usado contra civis. Foi o pôster mais marcante da revolta chinesa de 1989: um único cidadão de camisa branca interrompendo a marcha de uma longa fileira de tanques. O desafio foi a gota d’água para as autoridades chinesas desencadearem o massacre da praça Tianamen. De certa forma a repressão em Beijing marcou o fim de uma época. Hoje não se usam mais tanques para se reprimir protestos de civis. É muito mais eficiente lançar milicianos do regime em motos brandindo barras de ferro contra manifestantes. Ou prender eventuais líderes antes que cheguem às ruas. Essa charge do Luiz Gê é dessa era dos tanques como ícone da repressão. Como grande mestre da charge brasileira, Gê usou a imaginação para reunir elementos diferentes numa única peça gráfica. Em 1975 o regime dos militares vivia uma fase consolidada. Não tinham muito o que discutir com a população civil. Faziam comunicados. Liam carrancudos o que tinham a declarar sem olhar para a câmera. O Gê misturar a imagem de um militar lendo um dos seus comunicados com a esteira de um tanque. A esteira vira papel e vice-versa. O estilo lembra a arte usada em literatura de cordel: uma gravura chapada em preto e branco. Até as manchas que marcam a madeira usada na madeira onde a gravura é esculpida. E sendo Luiz Gê, o protagonista da charge não é um militar qualquer. Na sua representação, ele está de costas para o sol, a face coberta por uma sombra simbólica. Seu uniforme tem as marcas da arrogância do poder absoluto: o quepe alto, a faixa transversal, a calça enfiada por dentro das botas. É possível imaginar o lustre de seus coturno. Empertigado no alto do tanque sua presença é ainda mais intimidadora. O tanque pode estar fora de moda. Mas a opressão que ele projeta é um fantasma sempre presente.
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1976
Chico Caruso
O circo de Caruso Antonio Hohlfeldt, Doutor, PUC /RS e presidente da INTERCOM Estávamos começando a sair da ditadura. Mas ainda havia mortes – Vladimir Herzog, por exemplo, em 1975 – e muitas proibições. É neste contexto que Chico Caruso, sempre atento aos contextos, idealiza esta charge, vencedora do concurso de 1976: o espaço é o do circo. No picadeiro, deveria ocorrer uma apresentação do palhaço. É provável que todo o público, ali reunido, estivesse à espera da anedota, função tradicional do palhaço. Mas então aparecem dois policiais, com as indefectíveis capas, sem qualquer identificação facial: eram assim os esbirros da ditadura. O palhaço é preso e levado para fora do picadeiro. Nas arquibancadas, os grandes e expressivos olhos frustrados dos espectadores são tudo o que sobra. A charge é mais do que evidente. Ela é expressiva, claro, mas ela consegue propor duas leituras simultâneas para o receptor. De um lado, a referência ao contexto imediato: sempre corremos o risco de sermos presos por algo que fizemos ou não fizemos, mas dizem que fizemos. De outro lado, o espetáculo, que deveria ser o do circo da gargalhada, transforma-se no circo da tristeza e da ausência, pela prisão. E ainda que todos vejam e saibam o que ocorre, não haverá um que se aventure a libertar o palhaço. E são tantos mais! Mas o medo impera, e os policiais saem com o palhaço em suas mãos. Parodiando o filme “Em nome da Rosa”, de Jean-Jacques Annaud, por sua vez baseado no romance homônimo de Umberto Eco, a charge dá seu último recado, a lembrar a todos que é proibido sorrir, não se pode ter alegria, está interditado a gente ouvir o outro, e o picadeiro, assim, fica vazio: assiste-se ao nada.
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Marcos Coelho Benjamin
Resistir e conformar Nelia R. Del Bianco, Doutora, UNB Instrumento universal de crítica, a charge permite revelar verdades escondidas. O trabalho de Marcos Benjamin, criado em plena ditadura militar, ironiza a pseudo-seriedade das instituições de controle e repressão no propósito de proteger a sociedade. Ao representar o cidadão, aparentemente acanhado diante da força do aparato estatal, Marcos joga luz sob algo que somente anos depois a filósofa Marilena Chauí (1986) desvendou ao pesquisar sobre a cultura popular brasileira: o conformismo está associado à resistência. Na condição de subjugado pela força do poder, o brasileiro, para sobreviver, adota a estratégia da resistência. Situação paradoxal porque não é a resistência que se faz pelo uso das armas, da força, da luta, mas é aquela que se cala. A dialética que se estabelece no contraditório cria outras maneiras de viver uma situação de conflito explícito, a exemplo do período de ditadura militar. Pego em flagrante por andar com “más companhias”, o brasileiro se faz de inocente. Pura estratégia de resistência sem enfrentamento. Diz sim e diz não ao mesmo tempo, adere e resiste ao que pesa a força da lei ou do costume. O real é tecido de paradoxos.
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1977 Fausto Prates
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A fome de Fausto Silvia Yasulaitis, Doutora UFSCAR Esta imagem possui um forte viés de crítica social e, como signo não verbal, retrata com alta carga de dramaticidade o tema da dura realidade da fome, figurativizada pela magreza dos personagens, traço visual que configura a isotopia da desnutrição. A narrativa é contada tendo como base pictórica dois conjuntos de elementos sígnicos em primeiro e segundo plano, bem como em plano inferior e superior. Em primeiro plano está uma família miserável e faminta em farrapos; em segundo plano está o contexto no qual está inserida, representado por palafitas e uma árvore seca, que sugere um ambiente árido e hostil provocado pela seca. Ambos os planos interagem: a árvore está seca, esperando que a vida lhe seja devolvida, bem como a família de famintos, à espera por socorro divino e por comida. Os elementos pictóricos inferiores refletem as condições sub-humanas, já os superiores retratam o sonho, a fantasia, representados por um farto prato de comida analogamente a um disco voador. A imagem retrata, portanto, o dilema daqueles que vivem em condições subumanas, porém ainda lançam um olhar prospectivo. Esta interpretação é sugerida posto que toda a família olha para cima, o lado positivo, que representa o milagre, o divino, o alento e a esperança, em contraposição ao plano inferior, que retrata a fome, a desnutrição, a seca e a falta de esperança. Numa estrutura mais profunda é possível notar que a narrativa se sustenta em oposições sêmicas e contraditórias: atingível x inatingível, fome x fartura, céu estrelado x terra seca, sonho x realidade, retratando um espaço híbrido, real e irreal ao mesmo tempo. Pode-se associar a não realidade ao fato da família querer e não poder, e o não sonho ao fato da família estar ligada duramente à realidade pelos pés descalços no chão, embora busque se alienar dela. Além de oposições temáticas, a produção é marcada por aspectos positivos ou eufóricos em contraposição aos aspectos negativos ou disfóricos. Há um predomínio dos aspectos negativos, marcados pela disforia da família faminta e maltrapilha, os semblantes desesperados e uma paisagem marcada pela seca. Por outro lado, a barriga da mulher que gesta uma vida tem uma conotação positiva, sugerindo a possibilidade de se fecundar uma nova realidade, um resto de esperança. O principal aspecto eufórico é representado pelo prato de comida que alude a um disco voador, representando uma possibilidade de socorro advindo do céu. Merecem destaque os elementos da natureza: o céu azul e estrelado e a noite clara. É interessante que estas características consideradas positivas podem assumir valores negativos, sinalizando que não irá chover, e a seca e a fome não irão dar uma trégua. A situação vivida pela família é tão trágica, que até os elementos mais belos da natureza os deixam de assim ser, por simbolizarem a seca que os castigará ainda mais. Na produção artística em questão tem-se o discurso dos despossuídos, cujas modalidades da sintaxe narrativa podem ser assim definidas: não poder e querer. Na estrutura narrativa, num percurso virtualizante, tem-se uma família querendo saciar sua fome e posicionada em relação a um objeto de valor, um prato de comida. No percurso atualizante, tem-se um não poder, pois o prato de comida está para aquela família tão inatingível e distante deles quanto um disco voador. Em termos estéticos, o autor lança mão de traços propositalmente pouco elaborados, tão rudes quanto a situação dos personagens retratados. Assim, diante da imagem, se tem a sensação nítida de estar diante de um grito de socorro, que se traduz na palavra “comida”.
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Glauco
A visão da censura por Glauco César Bolaño, Doutor UNICAMP e professor da Universidade Federal de Sergipe, presidente da ALAIC Tanto tempo se passou desde a época em que o grande Glauco nos alimentava de crítica e sorrisos, numa situação terrível como a que vivemos durante o longo período da ditadura militar, mas a sua mensagem permanece atual. Já não há censura à imprensa, por certo, mas será que todas as vozes podem ser ouvidas? A liberdade de imprensa é apenas o primeiro grau de algo muito maior: o direito de cada cidadão a informar e ser informado, sem constrangimentos da parte dos poderes constituídos, ou dos micro poderes que compõem o mundo da vida, ou das concentrações de poder econômico que constituem os próprios meios de comunicação, funcionando segundo as regras do puro mercado. Mais ainda, é parte do direito de cada comunidade ou grupo, dos que formam a complexa estrutura social, de expressar autonomamente a sua cultura, dispondo dos instrumentos adequados, garantidos pelo Estado. Tendo em vista a situação social de um país, como o nosso, em que o exercício do jornalismo ainda é dos mais arriscados do mundo, em que uma mídia extremamente concentrada exerce uma espécie nefasta de censura que não se apresenta como tal, em que a cultura popular, quando não privatizada e transformada em mercadoria, torna-se invisível para a maioria do povo, a luta pela liberdade de expressão, pelo direito fundamental à comunicação e contra toda censura são bandeiras tão atuais quanto naqueles anos em que a verdade era tão perigosa, mas o sorriso denunciava ainda a fé de que a esperança venceria o medo.
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O macaco falante de Lailson Kleber Mazziero, MS UMESP e doutorando, Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM Olhe, eu que já tenho muitos mais anos vividos do que a viver, devo deixar aqui um depoimento: 1977 não era moleza. A conjuntura social era temerária; o panorama econômico era assustador; o quadro político, sombrio. O presidente Ernesto Geisel, que assumira a presidência do Brasil em março de 1974, acreditava num ambiente social regido pelo já então envelhecido AI-5, penava com uma situação econômica na qual a inflação beirava os 35% ao ano, apregoava uma abertura política “lenta, gradual e segura”. A abertura de Geisel, vista hoje, 30 e tantos anos depois, parece um tanto esquizofrênica, bastante bipolar, sempre parcial. Ao mesmo tempo em que, em 1976, afastou do comando do 2º Exército o general da linha dura Eduardo d’Ávila Mello (após a morte do jornalista Vladimir Herzog em outubro de 1975 nos porões do DOI-CODI, órgão de repressão vinculado ao exército), promulgou a Lei Falcão, que impedia o debate político, a divulgação de propostas, a exposição de plataformas eleitorais nos meios de comunicação. Já em 1977, ao mesmo tempo em que exonerou o ministro do exército, general Sylvio Frota (linha dura até a medula), fechou o Congresso e decretou o famigerado “Pacote de Abril”, que asseguraria ao partido da situação a maioria nas câmaras de deputados e senadores nas eleições do ano seguinte. Nesse cenário histórico pouco sadio, assaz confuso, a voz dos humoristas soava como a infusão que nos sustentava vivos (e lúcidos!) a todos. Poder ver, àquela altura, a charge de Lailson de Holanda, foi uma honra, um alívio, uma festa. Uma fresta pela qual entrou uma réstia de luz a contrastar com a... Não; a contestar a escuridão.
Lailson de Holanda
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1978
Santiago
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A floresta de Neltair Rebés Abreu, Santiago, 6º lugar no Salão de Humor de Piracicaba Josemari Quevedo, MS pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul A perspicácia e a atemporalidade para tratar temas sociais são certamente duas das principais qualidades do trabalho de Santiago ao longo da sua carreira. Com a premiação recebida no Salão de Humor de Piracicaba, de 1978, este cartunista gaúcho nascido em Santiago do Boqueirão, centro oeste do Rio Grande do Sul, recebe destaque pela contumaz e objetiva análise de cunho artístico, carregada de humor, ironia e deboche. Santiago brinca com a predileção pelo tema ambiental na abordagem crítica dos tempos. Não bastasse o assunto atravessar décadas, vale ressaltar o traço simples da complexidade humana presente na charge. O meio ambiente permeia os anseios e enriquece os traços do cartunista até hoje. Desenhos que abordam a destruição e a irresponsabilidade de ações de poderes sobre a natureza são atualizados no seu portfólio, sem abrir mão do riso desconfortável sob a condição humana pastelão, vítima de suas ações em nome de um sonhado desenvolvimento. A contradição está demonstrada no quadro pelos personagens, pela ação em movimento do macaco solto no ar em meio a uma ex-floresta. Qual dos Brasis estaria ali na imagem de 1978? Hoje, podemos encaixar muitos episódios de nosso país na mesma charge, em um golpe da ironia: Belo Monte, Código Florestal, índios desapropriados de suas terras... Interessa observar no selvagem, que veste tanga e de faca, o sonho a la Tarzan ambientado em meio ao pesadelo do desmatamento promovido com a concordância certeira de indivíduos de sua mesma linhagem. O macaquinho e o tucano, de costas, estão na pseudo-floresta constituída de tocos de árvores no dourado progresso. Nem mesmo os animais parecem partilhar alguma esperança, embora a cena seja cômica. Ironia fina e cortante mais uma vez. As máquinas e motosserras não estão ali, mas deixam vestígios para a imaginação do expectador de que estiveram. Mais do que atual, a charge de 1978 traz a realidade mordaz que passa por cima da preservação do meio ambiente e convulsiona cidades e campos de países que, se separados por fronteiras, estão no mesmo planeta. Para nossa surpresa e alerta, uma preocupação que não nasce dos corações de ecologistas dos anos 2000: a urgência vem de antes e encontra na charge de Santiago em 1978 um sinal claro de presente.
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Yoshimaro Sakita
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As pegadas de Yoshimaro Sakita Luiz Fernando Santoro, Doutor ECA/USP O ano de 1979 foi emblemático para os movimentos sociais organizados, e para a defesa dos direitos humanos. Ao mesmo tempo em que eclodiam as greves no ABC paulista, após a revogação do AI-5 um ano antes, acontecia a primeira ocupação de terra em Ronda Alta, RS, e era sancionada a Lei da Anistia, que beneficiou quase mil brasileiros cassados, exilados, banidos ou perseguidos por suas atividades políticas. Mas esse clima de abertura política ainda conviveu com momentos de intensa repressão, onde operários, como Santo Dias, foram assassinados. Por todo o país eclodiam denúncias sobre o desaparecimento de pessoas pelas ações das forças de repressoras do regime militar. Esse é o pano de fundo para o trabalho de Sakita, que conseguiu captar em uma cena toda a desconfiança e o medo das atividades dos agentes de serviços secretos, sempre truculentos e capazes de aperfeiçoar os mecanismos dessa repressão, especializando-se em desaparecimentos sem deixar vestígios, evidenciado pela ausência de pegadas. Denúncias sobre restos mortais de presos em sepulturas clandestinas eram notícias constantes na mídia, recém-liberada da censura prévia que sufocou jornais e jornalistas da década de 1970. As notícias confirmando que vários presos políticos realmente desapareceram, como o ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971 e tema de reportagem esclarecedora em 1978, criaram um clima de verdadeiro terror, mesmo nesse momento de transição decorrente da aprovação da lei da Anistia. No cartum de Sakita, os agentes mal-encarados que carregam imobilizado um homem negro e franzino, uma pessoa comum em um cenário inóspito e isolado, aponta para um desfecho que não deixa dúvidas sobre o que a pobre vítima pode esperar. O cartum que possui grande qualidade estética e de conteúdo tem o mérito de tratar um tema de modo a ser compreendido universalmente. No caso, os agentes podem ser reconhecidos por suas roupas e traços físicos como representantes de forças repressoras em qualquer lugar do mundo. E o mesmo pode ser dito da vítima, que mesmo sem legenda nos leva a adivinhar o que está pensando ao olhar para trás: “Estou frito!”; A caracterização de todos os personagens, dos elementos de cena e da paisagem não deixam dúvidas a qualquer leitor sobre o papel das forças repressoras e de sua forma de agir. Temos aqui um excelente exemplo do humor que faz rir da desgraça do outro que está numa situação tão sem saída, que acaba gerando ao mesmo tempo, tensão, alivio, prazer e o inevitável riso.
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1980 Rubens Kiomura
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Os tempos do Mobral de Rubens Kiomura Vanessa Aparecida Franco Molina, MS. Puc/SP, ESPM e Mackenzie Quando fui convidada a interpretar um dos trabalhos vencedores para este livro, além da satisfação pelo convite, me senti novamente uma menina de oito anos. Tive o prazer e o privilégio de frequentar o Salão durante boa parte da minha infância e adolescência, pois toda a minha família e meus pais são de “Pira”, e assim, me veio logo à cabeça os cartuns expostos nas araras do saguão do Teatro Municipal Dr. Losso Netto e os “longos” (já que eu e meus irmãos éramos crianças...) percursos que fazíamos para vermos quase todos os trabalhos e os detalhes dos desenhos e das estórias. Eu tinha a impressão de que esses percursos duravam horas e havia uma censura dos meus pais quanto a alguns trabalhos de conotação sexual (pulávamos essas araras então); contudo, para mim, essas horas não eram aborrecidas, pois eu podia conversar e debater de maneira inteligente e madura com os meus pais sobre as questões do Brasil e do mundo, quando eles me explicavam e traduziam as ideias dos cartunistas; falávamos sobre os traços dos artistas, era libertador! Morávamos em uma cidade menor que “Pira” e eu me sentia sufocada, com o provincianismo que me cercava por lá. Desta forma, sem dúvida que eu me lembrava, ainda hoje, deste cartum de Rubens Kiomura, apesar dos meus oito anos, pois este trabalho fez com que meus pais nos ressaltassem mais uma vez sobre a importância dos estudos desde cedo e a necessidade de que tínhamos de nos destacar para conseguirmos um lugar melhor, já que talvez a possibilidade de nos colocar não seria garantida. A conversa e a imagem surtiram efeito... Cá estou, mestre e professora de duas escolas renomadas de Comunicação e Marketing de São Paulo, e ainda, consultora sênior de Pesquisa Mercadológica. Muito direcionamento, boas amizades, estudo, perseverança, trabalho, contatos e oportunidades que foram e vieram. Como mencionei, posso afirmar hoje que não só essa nossa conversa ficou gravada em mim, mas o traço de Kiomura também nesses 32 anos passados. Revendo o desenho agora, entendo porque ainda me lembro dele, a força da sua mensagem (que conseguiu instigar uma menininha de oito anos): o autor mostra com traços simples a mesma feição entusiasmada e esperançosa do gari nas diversas fases do seu desenvolvimento educacional. Entretanto; mostra também de maneira simples e doída, o gari ainda sendo gari, mesmo diplomado. E simples e doído, é perceber que ainda, 32 anos depois, a oportunidade de trabalho digna com a formação acadêmica, é para poucos neste nosso país. Por isso, ao findar esse texto, acabei por mostrar e explicar o cartum para minha filhinha de quatro anos. Com certeza também será inspirador para ela.
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1981 Jo達o Carlos de Souza
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Os pratos de João Carlos Daniela Ota, Doutora pela UMESP e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul A ilustração traz de forma bem humorada e crítica a figura do Congresso Nacional, considerado o cartão postal de Brasília, capital federal do país. Sede do poder Legislativo no Brasil, o local abriga o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. São consideradas atribuições do Legislativo a elaboração de leis federais e a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, entre outras. Obra arquitetônica de Oscar Niemeyer, o Congresso Nacional está situado no Eixo Monumental, principal avenida de Brasília, e retrata a arquitetura moderna brasileira. Desde 1987 o prédio faz parte do patrimônio da Unesco como peça urbanística no Plano Piloto e desde 2007 teve a estrutura arquitetônica tombada pelo Iphan. Como disse Niemeyer, a “arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia”. Os objetivos tanto arquitetônicos quanto do poder Legislativo são nobres, porém, a ilustração descreve bem a situação de dualidade e diferença social no país. Na obra original, a menor semiesfera (côncava) representa o plenário do Senado Federal, e a maior (convexa), a Câmara dos Deputados. Na ilustração, de um lado o prato (convexo) pronto para ser saboreado, remetendo a fartura, pujança e a classe social privilegiada economicamente, incluindo aqui até mesmo os nossos representantes parlamentares. Do lado oposto à figura côncava, como se o prato estivesse fechado para o cidadão trabalhador. As duas torres de escritório de 28 andares, também pode remeter a esta cisão, a divisão entre as classes sociais que ainda é significativa no país. Ou seja, na ilustração, um dos locais que deveria zelar para que todo cidadão brasileiro tenha acesso a condições básicas é demonstrado ainda pela condição díspar e de privilégios que acentuam as diferenças entre a população. Estas diferenças sociais são muito bem captadas e manifestadas culturalmente no Brasil, seja por meio da arte ou da música. Como diz o samba “Corda no Pescoço”, cantado por Beth Carvalho: “E o povo, como está? Está com a corda no pescoço. É o dito popular: deixa a carne, e o rói o osso...Vivo levando rasteira, levando canseira, com o pires na mão. Jogo de cartas marcadas, os nossos problemas não tem solução. Tanta conversa fiada e a grande virada não passa de esboço. Mas da fruta que eles gostam, eu como até o caroço”.
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1982 Hernani Diniz Lucas
As classes segundo Hernani Gustavo Jacques Dias Alvim,Doutor em Comunicação pela PUC/SP, jornalista,advogado, administrador e reitor da Universidade Metodista de Piracicaba Não é fácil definir o humor. Talvez, por essa razão, são muitas as definições que encontramos para esse sentimento. Nenhuma satisfaz inteiramente. Gosto muito da expressão, que li alhures, anos atrás: “humor é um incêndio na lógica”. Não guardei o nome do autor, porém tenho apreciado essa arte nada fácil, a partir dessa frase genial. E o humorista gráfico é o que consegue traduzir, por meio de desenhos, riscos e traços, situações e fatos do cotidiano, inclusive a própria desgraça, com sua “capacidade de valorizar o cômico, o pitoresco, o absurdo ou o insólito”. Sei que estou diante do bom humor, quando ele produz em mim riso e alegria. Quando o humor é utilizado como forma de crítica social, ou seja, com o propósito de despertar a nossa consciência para as desigualdades ou mazelas sociais, todos rimos muito melhor, mas, ao mesmo tempo, nos anima a lutar contra a injustiça, os preconceitos, a opressão, as diferenças sociais próprias deste planeta em que vivemos. O autor deste trabalho, com seu agudo senso crítico, consegue, diante do crescimento da classe C em nosso país, sem dúvida, fenômeno social de nosso tempo, imaginar uma cena que subverte a lógica, ao colocá-la como concorrente de classes inferiores e não daquelas que estão, na realidade, sendo as atingidas por essa transformação. É risivel, porém, concomitantemente, cenário nos leva a pensar nas questões sociais decorrentes, desperta nosso sentimento de cidadão e pode induzir-nos ao estudo e à busca de soluções para problemas do nosso cotidiano. Nisso residem a força e o serviço prestado pelo humor, mui especialmente no cartum que nos foi dado interpretar.
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1983 A política traçada pelo humor Suzy Lagazzi, Doutora UNICAMP/IEL Esta charge de Renato Canini, premiada em 1983, no décimo Salão de Humor de Piracicaba, reúne o bom (do) humor e a maestria do desenho. Pelas mãos experientes do cartunista e ilustrador gaúcho, temos nosso olhar focado em um momento político extremamente agudo da história do Brasil. Momento marcado por sentimentos diversos, a ditadura militar compõe um cenário lido em posições bastante distintas, que na voz de muitos trará a morte, a tortura, o desaparecimento, a clandestinidade, o sofrimento, a coerção, a traição, a censura, mas trará também vozes de aprovação, de conivência, e mesmo de indiferença. Nesse espectro amplo de leituras, ganha importância a proposta de Canini, de dar visibilidade ao social pelo viés do humor, que neste caso, imprime uma crítica fina e mordaz à prepotência dos militares na ditadura brasileira. 1983 é o ano em que o movimento pelas Diretas Já começa a ganhar corpo. Resposta de uma sociedade na qual não mais cabia a continuidade dos militares no governo, resposta de um momento social em que o pesar de grande parte da população brasileira começa a tomar força, o movimento pelas Diretas Já ganhará as ruas e trará as eleições diretas em 1985. Portanto, 1983 é um ano sensível social e politicamente. A tarja preta desenhada por Canini no braço do cidadão anônimo nos diz do luto de uma sociedade sem voz no cenário político, acuada em suas possibilidades de se significar. E o militar, desenhado com todas as honras e pompas que o regime ditatorial lhe conferiu, mostra no tamanho de sua tarja seu pesar sem fim, pelo fim dos anos de poder que o condecoraram com tantas medalhas e insígnias. Renato Canini traz para o salão de humor o refinamento de uma leitura que não faz concessões. Bravo!
Renato Canini
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1983
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O Brasil de Izar Paulo Roberto Botão, jornalista, MS Metodista e Coordenador do Curso de jornalismo da UNIMEP Páginas e mais páginas de texto não conseguem muitas vezes expressar de forma clara e objetiva uma ideia, um conceito, uma opinião. O texto, em muitas situações tergiversas, vai e volta, diz e desdiz. “Sob nova direção”, do artista Jorge Izar, ao contrário, se expressa de forma simples e eficaz, permite uma identificação rápida do tema e de sua importância no contexto de um Brasil que em 1984 luta pela consolidação do seu processo de redemocratização e busca desvencilhar-se das amarras da longa ditadura a que foi submetido. A mensagem é realçada pelo uso das cores de nossa bandeira e pelo simbolismo do bonito mapa do nosso território. Uma composição que sem dúvida estimula a reflexão sobre o momento e os desafios do país. O trabalho é significativo enquanto exemplo de jornalismo de opinião, aquele que se propõe a atribuir juízo de valor aos fatos, oferecer ao leitor/cidadão mais do que a mera informação, estimular uma reflexão sobre os seus significados e impactos da notícia sobre a sociedade. Especificamente, trata-se de uma charge, pois constitui uma cena, utiliza o elemento sátira e transita entre o “fazer rir” e o “fazer pensar”. O humor no jornalismo tem esta capacidade, a de trazer à tona um tema relevante e através de uma mensagem de fácil leitura estimular o debate sobre este tema. E é neste campo que se constrói o jornalismo opinativo, que além da charge também se utiliza da caricatura, do cartoon e do comics. A contribuição à formação do senso crítico é inestimável, principalmente por que a linguagem utilizada aproxima o público jovem, em muitos casos sem paciência para transitar por outros formatos deste gênero, como o editorial, o artigo, o comentário, muito provavelmente também pela incapacidade daqueles que os produzem de buscar inovação de linguagem, de ousar em novas posturas estéticas, sem naturalmente que isto signifique abrir mão dos compromissos éticos tão próprios do jornalismo.
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1984 Gilmar de Godoy
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Todo homem é uma ilha Romualdo Cruz, jornalista /UNIMEP, diretor do Villetim. A obra em bico de pena do artista gráfico Gilmar Godoy deveria irritar profundamente a horda politicamente correta dos “ecochatos” que tentam controlar nosso entendimento sobre a realidade. Porque de simples sua mensagem não tem nada. A composição é sim um truque para induzir a uma leitura superficial do contexto. Um náufrago. A solidão da ilha. Uma árvore cortada que lhe serve de banco. Outra árvore e última em vias de ser cortada, mas que foi salva pela ideia primitivista de fazer de seu tronco uma simulação de TV. E vários pássaros atentos ao inusitado. Como diria Ariano Suassuna aos seus alunos de Estética, na Universidade de Pernambuco, ao longo da história da arte, a partir de Platão, o belo concebido pelo artista foi se diluindo no campo da beleza e as qualidades imanentes à obra deixam gradativamente de ser o ponto central das atenções para formulação de novos conceitos sobre a qualidade artística. Enquanto isso, as interpretações sobre essas qualidades, pela ótica de quem as aprecia, foram ganhando força. Segundo o mestre nordestino, no plano teórico, a filosofia da arte se tornou, nesse sentido, o caminho mais seguro ao entendimento do universo criativo para quem não quer cair em ciladas fáceis. No campo do humor gráfico a tese de Suassuna é elevada à quintessência, pelo fato de a mensagem ser muito mais importante do que o meio. O desenho, muitas vezes, chega a ser secundário, um mero suporte, se a mensagem for impactante e cumprir o seu papel. A força da arte avança para o campo das ideias e o conflito se dá entre o que o artista pretendia dizer e as múltiplas interpretações do público sobre ela, a partir do complexo filtro da formação cultural de cada um. Nesse quesito, a obra de Gilmar Godoy surpreende pelo domínio técnico e cumpre as duas funções. Vale recordar que, ao lado de Eduardo Grosso, ambos artistas gráficos lotados na Secretaria Municipal da Ação Cultural de Piracicaba (SEMAC) e especialistas em bico de pena, temos na cidade uma dupla que vale por um verdadeira escola de mestres do nanquim, que transita sem perder a pose entre Gustave Doré e Cássio Loredano. Voltando ao assunto original, que é decifrar a obra de Gilmar Godoy, ele nos oferece elementos de sobra para cairmos nas armadilhas dos clichês. Há o apelo ambientalista, da árvore sendo cortada e a destruição da natureza. Há o apelo consumista, sintetizado pela TV ou o simulacro dela. Sobra ainda uma casquinha para tratarmos, no conjunto, da alienação, jargão base de quem faltou às aulas dos professores menos dogmatizados. Antes da conclusão, vão algumas especulações. Se o náufrago estivesse carente, com saudade de alguém, poderia muito bem ter esculpido no tronco o corpo da amada. Se precisasse de misericórdia e proteção divina, poderia ter esculpido uma cruz. Se fosse um moderninho, teria esculpido um tablet. A graça está na ideia de ele ter esculpido uma TV de botão, o que revela sua memória imediata da tecnologia e, consequentemente, sua idade. Pois bem. Disso tiramos pouca coisa além de que se trata de um homem de meia idade, entediado com o ambiente, na esperança de que a TV lhe proporcione alguns momentos de distração, até, quem sabe, alguém chegue para salvá-lo. Mas visto por outro ângulo, o náufrago poderia ser também o cidadão comum, a ilha seria a sala de estar de sua própria casa, e as aves seriam os familiares. É o arquétipo de uma vida real. Chega do trabalho cansado, senta-se no sofá e liga a TV. A família se reúne ao redor para o momento coletivo, mas ele continua sisudo e visivelmente entediado. O fato de a família estar leve e esvoaçante não abala seu comportamento, pois sua crise está em outro plano, na metafísica, talvez. E o vazio da TV não preenche seu vazio existencial. A mensagem de Gilmar Godoy não é única e está longe de ser óbvia. Multifacetada, por todos os ângulos nos confunde e nos enche de dúvidas. Traz, em última instância, uma crítica frontal ao espírito de um tempo em que não se decifra, mas se devora um enigma como se fosse guloseima. Não se avança no entendimento, mas tiram-se conclusões fajutas sobre tudo. Na contramão dos acontecimentos, o artista pode estar dizendo: ‘Todo homem é uma ilha’, entregue a sua vasta solidão. Mas não captamos essa mensagem de fundo porque estamos preocupados com a árvore.
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1985
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Sobre o ato de ver “fora da caixinha” Luciana Panke, Doutora e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná Uma das características do uso do humor como estratégia comunicativa é expressar a partir da intertextualidade. O riso pode ser niilista, assumidamente de transgressão, de rebeldia, às instituições. Será sempre possível conceber o humor como o produto de um trabalho expressivo que afetará não só a estrutura dos sintagmas, mas também as várias dimensões, denotativa ou conotativa, da linguagem. (Camilo, Panke, 2008). Nesse sentido, vemos o trabalho do argentino Ricardo Castro, vencedor do salão de 1985, explorar diversos elementos que possibilitam suscitar interpretações distintas sobre sua proposta. Seguimos a comentar algumas possibilidades de leitura, sem limitar o olhar do leitor sobre a obra. A ironia é um dos elementos privilegiados na comunicação humorística. Aqui, encontramos uma metáfora sobre o ato de estar preso. Mesmo restrito a um local com apenas uma janela distante, o indivíduo consegue “pintar” a vida além das paredes que o cercam. O enxergar “fora da prisão” pode representar todas as limitações impostas pelos indivíduos e pelo mundo no que diz respeito e a possível superação das restrições. O sujeito fica preso, mas ainda pode ver fora da “caixinha”. As cores da tela são determinadas pela atitude dele em não se contentar com o que está ao seu redor. É a vontade de ir além que leva o sujeito a superar sua condição, subir nessa escada e enxergar o mundo sob outra perspectiva. Parece que o autor quer ressaltar que nada pode impedir o crescimento de um indivíduo que não se conforma com a prisão social. O mundo sempre será um reflexo do nosso olhar.
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1986
Neltair Abreu (Santiago)
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Entressafra e desemprego, assim na terra como no céu... e no inferno Sérgio Dayrell Porto, Doutor e pós doutor em Comunicação pela Universidade de Otawa, Canadá. Excoordenador do programa de pós graduação em comunicação da Universidade de Brasília O mar não tá pra peixe, o inferno anda carente de almas condenadas, e o céu vive uma entressafra de bemaventurados. O que teria havido com a colheita mostrada pelo cartunista gaúcho de Neltair Abreu (Santiago), onde estaria seu humor extraído de imagens de um cemitério todo vazio? Até mesmo parece que as pessoas estavam deixando de morrer, e em consequência, deixando de receber suas condenações ou prêmios eternos. O Santo Anjo do Senhor passeia entre os túmulos e não consegue carregar nenhuma alma santa que seja capaz de receber o prêmio celestial. Do outro lado, Lúcifer está com seu rabecão vazio, não tendo encontrado ninguém que se deixe queimar nas profundezas dos infernos. A vida teria perdido seu sentido, a ponto de não haver nem mais condenações por mau comportamento, tampouco premiações por boa conduta. Sinal dos tempos? Ninguém mais peca, ninguém mais pratica boas ações? Tá todo mundo no zero a zero. Que vida mais besta essa, sem gozos ou sofrimentos, o que fariam as religiões daqui para frente? Hermes – deus e porta-voz – conhecido como deus psicopompo, aquele que levava as almas condenadas para os infernos e as bem-aventuradas para os céus, na aurora boreal ou no crepúsculo do anoitecer, caso se defrontasse com essa situação pintada pelo cartunista Santiago, entraria em desespero e diria que a interpretação teria morrido, que as hermenêuticas teriam perdido sua função de interpretar a vida, a morte, e as situações escondidas da existência. Haveria então um retrocesso no mundo acadêmico, ciência e arte perderiam a companhia de seu eterno desafiante, o poder de interpretação do homem. Tudo seria positivo, os números seriam inteiramente exatos e as inspirações e intuições interpretativas seriam banidas da terra. As ciências humanas e sociais fechariam suas portas, o amor seria tirano a ponto de impedir que os amantes lutassem por seus encantos e Lúcifer e o Santo Anjo do Senhor, desempregados, não iriam mais encontrar o rumo dos infernos e dos céus.
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1987 Roland Fiddy
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Um “picadeiro” chamado “Sociedade do Controle” José Mauricio Conrado Moreira da Silva Doutor PUC/SP e Mackenzie e Afonso Celso de Assis Figueiredo, Administrador Faculdade São Luiz/SP Podemos pensar a complexa sociedade atual como uma espécie de “Prisão de Liberdade Vigiada”. Esta metáfora usual em nossos dias refere-se à crescente ideia de como somos vigiados pelo governo. A mesma ideia também pode ser um picadeiro para “bufões” subverterem sua ordem. Afinal, o layout de um “panóptico” e de um “circo” são, na prática, o mesmo. Jeremy Bentham, o jurista inglês do século XIX é o “inventor” do Panóptico. Aquele se tratava de uma prisão desenhada para causar uma eterna sensação de vigília. Talvez, Jeremy Bentham não tivesse imaginado que sua invenção pudesse sofrer ataques de subversão. Roland Fiddy, o autor da charge apresentada no Salão de Humor de Piracicaba em 1987, já satirizava a ideia da sociedade do controle, em plena época da guerra fria. Na sátira do panóptico de Roland Fiddy, o observador postado centralmente possui olhos intimidadores. Mas, alguém sempre parece encontrar um meio de subverter esta intimidação. O que não se imaginava, era que a sociedade, no futuro, poderia criar outras estratégias de subversão, muito por conta das tecnologias que seriam conquistadas. Desta forma, se nos dias de hoje, pudermos ver Julian Assange, e seu Wikileaks, além de Yoani Sanchez, e seu blog Generación Y, como bufões da sociedade do controle, é possível ver, de certa forma, que Roland Fiddy já “profetizava” esta ideia em sua charge, mesmo sem apontar para as tecnologias da informação, algo tão presente nos dias atuais. Pois, até mesmo o jovem Edward Snowden, que neste mês de maio de 2013, ao denunciar o governo americano, acusando-o de que esteja vigiando a vida de inúmeros cidadãos, está nos dando uma momentânea oportunidade de dar outro significado a quem nos vigia. É Roland Fiddy quem nos orienta, em seu trabalho, para esta leitura onde neste picadeiro os olhos intimidadores do vigilante também podem ser os olhos da platéia.
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1988 Igor Smirnow
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O atirador de Igor Smirnow Roberto Gondo Macedo, Doutor pela UMESP, pós doutorando pela ECA/USP, Presidente da POLITICOM, Universidade Mackenzie. O humor como manifestação política foi utilizado por inúmeras sociedades, antes e depois do período cristão. Figurando com níveis de intelectualidade: do crasso à complexidade de interpretação da figura ou caricatura, o humor sempre ganhou forma no sentido de expressar relações de espaço/tempo e permitir a perpetuação de um momento por intermédio da imagem. O ganhador do 15º Salão de Humor no ano de 1988 permite realizar essa análise, no que tange a lógica de sua imagem e complexidade social e política exercida na interpretação de sua obra. Vale ressaltar o período conturbado e de intensos conflitos ideológicos que permeavam os anos finais da década de 80. A tensão da Guerra Fria que estava nos seus anos de declínio, ainda ecoava nas sociedades envolvidas nos dois blocos globais, liderados respectivamente pelos Estados Unidos da América e o antigo bloco da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. A manifestação de Smirnow sintetiza com objetividade o momento político vivido pelo mundo, em um sentido de competitividade hegemônica ideológica sem precedentes. O uso do humor como uma das variáveis aliadas das ações de comunicação política transita pelo estratégico e se materializa nas ações governamentais e também na interlocução dos múltiplos atores sociais envolvidos no processo, seja democrático ou ditatorial. O que difere os dois contextos é o fundamental sufrágio de liberdade de expressão, calado em regimes de alto poder de opressão social. A lógica da competitividade a todo custo e da destruição do real é do potencialmente inatingível contemplam a ilustração vitoriosa de 1988, onde foi possível unir humor, política, competitividade internacional e a catarse social gerada pela divisão ideológica. A violência da eminente e tensa guerra, misturada com os múltiplos alvos semióticos, compreendendo nações, contextos e conjunturas sociais da época.
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O cupido de Eduardo Grosso Mariza Reis, Doutora PUC/SP, Universidade Mackenzie Em contexto cultural pós-moderno de emissão de mensagens, os signos criados representam valores de verdade circunstanciais. A charge analisada desconstrói o significado original do mito romântico de Cupido, casto e angelical e assume uma postura pragmática funcional ao envolver a flecha em um preservativo. A imagem ironiza, portanto, a ambiguidade que existe entre os aspectos racional e romântico do comportamento dos amantes. Apaixonar-se na contemporaneidade demanda atitudes que evitem doenças sexualmente transmitidas. Entre sentidos e significados, o trabalho passa o recado, entre outras conotações possíveis, sobre a necessidade da prática de sexo seguro.
Eduardo Grosso
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Luiz Osvaldo Rodrigues
Promessa de pai para filho de Luiz Osvaldo Jorge Tarquini, MS pela UMESP e professor da ESPM Em 1974, o Brasil não tinha graça alguma. Aliás, era uma desgraça só, encabeçada por aqueles tipos sisudos que gostavam de um porão. Mas isso não significava que aqui não houvesse quem quisesse (e pudesse) saber de graça, mesmo em meio a tanta semgracença. Eis que surge um verdadeiro grupo de resistência e, armados de talento, papel, tinta e olhar aguçado, inventaram o Salão de Humor de Piracicaba. E olha que não era piada pronta – ao contrário: teve trabalho até demais da conta para sair o primeiro. Depois disso, não que humor tivesse virado assunto sério, daqueles que servem para teses e teorias acadêmicas. Humor (ainda bem) continua sendo algo para ser desfrutado, levando para o campo da leveza e iluminando com lampejos de razão até mesmo os assuntos mais tristes. Afinal, havia coisa melhor do que fazer humor sobre a dita cuja? Claro que não só ela ou a política foram astros nesses 40 anos – mas uma coisa ficou bem clara nessa trajetória: assim como Millôr Fernandes já havia dito, que “jornalismo é oposição – o resto é armazém de secos & molhados”, humor de verdade não serve se for chapa-branca. É triste, chato e sem graça humor a favor. Esses 40 anos do Salão estão aí para confirmar: humor foi, é e (enquanto liberdade houver) continuará sendo o espaço para alfinetar, polemizar e chamar a atenção. A política é apenas um dos assuntos possíveis, ao lado de tudo o que há no universo. Inclusive a tristeza ou aquele nó na garganta, como provou LOR na charge que brilhou no Salão de 1988. Esse médico mineiro, que de jaleco branco responde pela alcunha de Luiz Oswaldo Rodrigues, mostra que “refletir seriamente” não quer dizer seriamente refletir. A ponto de servir, hoje, até como uma maneira bem-humorada de entender nossa (por vezes risível) história. Agora, humor dos bons, daqueles que realmente fazem mais do que arrancar um riso fácil à custa dos outros (e nunca de si mesmo), necessita de um pouco de tutano. Lá em 1988, estávamos no rumo da “terceirização” do Brasil para credores e o FMI, de nos tornarmos inquilinos em nossa própria terra. Só mesmo com um olhar realmente aguçado e inteligente para conseguir fazer humor de qualidade. Se uma coisa o brasileiro aprendeu com tantos anos de Salão de Piracicaba é que humor não é para ser engraçado apenas: é para ser alerta, inspirado, delicado, contundente e ao mesmo tempo leve, entre tantas outras coisas. Em 2013, o Brasil não é mais aquele país sem graça – e que voltou às suas graças originais. Porém, deixemos para as campanhas políticas o samba-exaltação – que o Salão de Humor de Piracicaba, agora “internacional” e quarentão, continue a ser o espaço de livre expressão e olhar crítico sobre o que, em sua seriedade, serve mesmo é para produzir o melhor do humor.
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1989 Gilberto JosĂŠ Ferreira
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Democracia Multicultural Autóctone Maria Cristina Gobbi, Doutora UMESP e professora do programa de pós-graduação em Comunicação UNESP/Bauru A celebração de 40 edições de humor, criatividade, arte e sensibilidade é motivo sempre de muita comemoração. O Salão Internacional de Humor de Piracicaba é um festival de humor gráfico realizado anualmente desde 1974, na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo. O espaço nasceu sob o signo da resistência, onde artistas gráficos registravam de forma bem humorada as convulsões sociais, a supressão das liberdades individuais e surgiu no mesmo momento em que o regime militar, instaurado no país, censurava todos os meios de comunicação, torturava e exilava dissidentes. Era o auge do “milagre brasileiro” de bandeira nacionalista e desenvolvimentista sob um regime de exceção. A primeira exposição do Salão “foi praticamente só com artistas colaboradores do lendário tablóide O Pasquim” - semanário brasileiro editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, reconhecido por seu papel de oposição ao regime militar. A partir da segunda edição o Salão abriu as portas para artistas de outros países, com destaque para o francês Claude Moliterne em 1975 e o mexicano radicado nos EUA Sergio Aragonés em 1976. Na década de 1980, já com notoriedade internacional e com a abertura política nacional, passou a privilegiar outros temas, ganhando relevos que ultrapassaram os muros do regionalismo local, adquirindo contornos internacionais, com a partição de artistas de vários países. Para comemorar a efeméride de 40 anos está sendo lançada a publicação e um dos trabalhos selecionados é a imagem crítica, a meu ver, do povo brasileiro que ascende ao poder nos palcos da democracia nacional. O desafio multicultural representado na figura autóctone demonstra a predominância da amalgama de uma cultura de resistência democrática, refletida no contorno do homem da região. O negro, um retrato bem humorado do comediante de TV, Tião Macalé , com a faixa de chefe de estado, retrata as discussões cotidianas do colorido do povo brasileiro e desafia o pensamento para a assimilação do nacionalismo, que resiste a homogeneidade étnico-racial e econômica, e evidencia o hibridismo e a maleabilidade cultural, criando à consciência uma política identitária, que não pode ultrapassar a liberdade individual do cidadão, mas que alcança no reconhecimento da ascensão do outro as singularidades de um país repleto de diversidade. E por esse e por tantos trabalhos artísticos de grande valor que anualmente ganham espaço em Piracicaba, através do Salão Internacional do Humor, que a cidade é reconhecida como a Capital Mundial do Humor e o evento é considerado um dos maiores do mundo no gênero. A cada edição reúne trabalhos em cartum, charge, caricatura e tiras, além de mostras paralelas, com exposições em vários espaços culturais da cidade. A efeméride também está sendo comemorada com o lançamento pelo CEDHU Piracicaba (Centro Nacional do Humor Gráfico) do novo site do evento. Além de dados históricos disponibilizados em um novo layout, o espaço permite mais interatividade. Está disponível no endereço virtual: www.salaodehumor.piracicaba.sp.gov.br
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Rosana Munhoz Silva
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Bandidos e mocinhos de Rosana Munhoz Rosana Schwartz, Doutora PUC/SP e professora da Universidade Mackenzie O cartum para a história é um texto analítico, crítico e sintético do período em que foi criada ou de um problema. É um registro/documento que desvela a multiplicidade de visões, mentalidades, comportamentos e representações no jogo das relações sociais. Discurso pictórico de imediata absorção, informa os observadores, independentemente de sua formação, geração, classe social, gênero e etnia. Consiste em uma expressão visual, um desenho, que guarda em sua superfície sensível, a marca de quem a produziu, reproduziu, consumiu e produções mentais individuais e coletivas. O estudo dessa fonte, além desses aspectos, leva em conta o lugar ambientado, as mensagens implícitas e explicitas e as expressões das personagens. A charge de Rosana Munhoz Silva, de 1989, nos leva ao período após a promulgação da Constituição Cidadã e revela alguns processos simbólicos geradores de sentimento de insegurança e falta de liberdade diante dos direitos dos “mal feitores” nas famílias de classe média. As novas leis desencadearam sentimentos naquele período nessas famílias de que os “bandidos” teriam mais direitos, fato que propiciou a sensação de abandono e insegurança. A caracterização colorida dos personagens da família, destaca o problema da imobilidade diante dos novos “direitos” e a casa rodeada por grades, o encarceramento involuntário como alternativa encontrada. Consegue reunir nos traços, personagens da família a sensação de estagnação, fragilidade, e nos “bandidos”, movimento, liberdade, articulação e ideia de domínio do espaço. Sem o conhecimento prévio da data da elaboração do cartum, a sua definição temporal confunde o observador, pois a crítica inserida encontra-se presente na atualidade.
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1990
Ad達o Iturrusgarai
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Cada um vê o que quer Lourdes Gabrieli, Doutora PUC/SP e professora da Universidade Mackenzie. Em comunicação, é bastante conhecida a polaridade entre o que o receptor quer ver e o que o emissor quer que se veja. Em publicidade, no jornalismo, nos textos científicos, na arte, nos textos e nas imagens em geral, em graus diferentes, os autores usam do recurso da persuasão para fazer com que os receptores entendam exatamente o que deve ser entendido. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer, são apenas graus diferentes, porque todas as formas de comunicação têm um objeto a ser comunicado, e o emissor espera que o leitor compreenda da forma como a comunicação foi planejada. Na publicidade, fica mais obvio. No jornalismo, no texto cientifico, talvez um pouco menos, e na arte, menos ainda. Mas existe sempre um esforço de persuasão na linguagem. A. Citeli, estudioso da comunicação, refere-se à persuasão como “uma pele colada ao corpo”. Por isso não faz diferença o conteúdo que está sendo veiculado, já que esta “pele” recobre o objeto comunicado, quer seja ele uma verdade, uma meia verdade, ou uma mentira. O fato é que a persuasão trata os conteúdos como verossímeis, quer dizer, passiveis de serem verdadeiros. Se forem verdadeiros ou não, não vem ao caso. Em segundo lugar, é preciso dizer que comunicação é uma via de mão dupla, com informação que vai e vem, e quando chega ao receptor e é decodificada, recebe sempre acréscimos, que a transformam. Assim, ela quase nunca será a mesma, na recepção, daquela que foi criada, no momento da emissão. A comunicação vem mostrando, através dos meios tradicionais e decididamente, a partir dos novos meios, interativos por natureza, que todo receptor é também um emissor, pois decodifica as mensagens recebidas segundo seu repertório, formado também pelo entorno. Muitas vezes, inclusive, reenvia a mensagem, acrescentando, interferindo, e enriquecendo o processo. No cartum “Só Cristo Salva”, o autor tem um objeto a comunicar, mas formata seu discurso para, mais que permitir, convidar o leitor a participar da confecção da mensagem por meio da interpretação, ao deixar brechas na leitura. Assim, se você quer ver Cristo salvando, ok. Se quer ver um salva-vidas na praia, ok. Se acredita em Deus, e considera esta uma crítica à religião, ok. Se é ateu, vai compreender a mensagem também. E tudo o mais que você encontrar neste contexto. Provavelmente vai ser uma mistura do que o autor diz com aquilo que reuniu no seu repertorio de experiências. E acredite, o objeto comunicado está lá, confrontando o receptor, ainda que seja esta uma via de mão dupla. O fato de ter sido atingido pela mensagem, por si só significa que o formato persuasivo empregado funciona, e nos coloca como questionadores, ou co-emissores. Além disso, faz rir, e esta é uma das mais antigas e eficientes ferramentas persuasivas.
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Valeri Kurtu
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Dialogias, policonia e intertextualidades visuais entre Bosch e América de Valeri Kurtu Eneus Trindade, Doutor ECA/USP, presidente da ABP2, Associação Brasileira dos Pesquisadores em Publicidade e Propaganda Entre os inúmeros vencedores do Salão Internacional do Humor de Piracicaba, coube a mim a tarefa de comentar a imagem vencedora na categoria cartum de 1990, de autoria do alemão Valeri Kurtu, intitulada América. O simples desenho de humor pode ser revelador de inúmeras conexões e genialidades que se traduzem no produto criativo gráfico. Para demostrar essa potencialidade de diálogos imagéticos, no melhor sentido dos estudos dialógicos apontados por Mikahil Bakhtin (1995), estabelecerei pontos de contato com a obra premiada e a estética do autor Hieronymus Bosch, pintor holandês que à sua época, Séc. XV e início Séc. XVI, tratou do temas bíblicos. A questão inicial que se pode ter, refere-se ao fato de que como um cartum alusivo ao descobrimento da América tem relação com temas bíblicos e como tal imagem se relaciona com a estética de um pintor do Séc. XV? A reposta a possibilidade desse diálogo se dá por outra ideia bakhtiniana que se refere ao conceito de polifonia, pois sobre uma subjetividade em discurso ressoam sempre outras vozes. Certamente, no caso em observação, as vozes se manifestam e imagens, uma policonia, se assim podemos tratar, que relaciona a obra de Vareli Kurtur com a estética do baixo corporal da exaltação aos prazeres da carne, da cotidianidade, da ironia e dualidade entre o sagrado e o profano. Bosch pintou O Jardim das Delícias, As tentações de Santo Antônio, entre outras obras que o consagraram no universo canônico das imagens mundiais de origem judaico-cristã. A obra de Kurtu parece-nos um convite a esse imaginário do Séc. XV, que se transfere ou contamina a cena do navio liderado por Cristóban Colombo, rodeado de pássaros, com a indicação de América “à vista”. Tal perspectiva ilustra a crença de homens europeus cristãos na busca do paraíso terrestre, talvez O Jardim das delícias de Bosch, na expectativa de explorá-lo em todas as suas possibilidades, inclusive na perspectiva que transgride a moral católica. A genialidade da obra de Kurtu aponta para a presença dialógica e intertextual de fontes inspiradoras, canônicas, do imaginário pictórico mundial, que explica de modo sensível parte daquilo somos e que deu origem a América.
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1991
Moacir Knorr Gutierres
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Escravos incompetentes da tecnosfera Celso Figueiredo, Doutor PUC/SP, professor Universidade Mackenzie Nada de novo sob o céu. Entretanto continuamos encantados com a tecnologia. A palavra “novo” mantém sua aura de frescor, de qualidade superior, de modernidade. Imagine-se no distante ano de 1991, antes do boom da internet e sua consequente azáfama computacional. Antes dos notebooks, dos DVDs, em plena “era” do fax. Nesse ano, muito antes do grande deus “sistema” ou do oráculo Google, o gaúcho MOA, codinome para Moacir Knorr, anteviu um dos mais bizarros e divertidos paradoxos da sociedade contemporânea. A tecnologia evolui rápido e nos seduz a todos com as propaladas facilidades que carrega consigo. Nada é dito, contudo, sobre o lento aprendizado desse organismo antigo: o ser humano. Viciado em seus hábitos, acostumado com maneiras arraigadas pelo tempo, compramos eletrônicos como quem compra juventude. Adotamos tecnologia sem termos intimidade com ela. Fazemos o que era para ser fácil mais e mais difícil porque a semiosfera não coincide com a tecnosfera. O universo de nossos signos não muda com a velocidade dos produtos de consumo e seus significados. Moa viu isso com clareza. E soube traduzir para seu traço esperto a sensação do impróprio que a tecnologia traz numa cena cotidiana, com a qual todos somos obrigados a nos deparar pelo menos uma vez ao ano: o dentista. Aquele ser cercado de máquinas e equipamentos pontudos e provocativos, de aço preciso e gelado. Inóspito. É nessa aura de técnica e tecnológica que vemos o dente ser arrancado da maneira mais canhestra, amarrado a um cordão, preso à porta. Toda a tecnologia disponível, inútil. O homem, esse bicho ancestral, não acompanha a velocidade da evolução técnica. O traço fofo e arredondado de MOA deixa a questão no ar: o dentista está colocando ou tirando as luvas? Ou, em outros termos: será que ele sabe que o dente do paciente já foi arrancado? Essa irônica dúvida que o autor deixa no ar é uma possível crítica aos profissionais que se cercam de equipamentos, às vezes como formas de parecerem mais competentes do que realmente são. Objetos tecnológicos emprestam hoje mais do que juventude. Hoje eles emprestam autoridade àqueles que parecem saber utilizá-los. Mas o bicho homem continua o mesmo, com suas mazelas cotidianas dentre as quais, a tão temida dor de dente. Para dores as mais diversas, o melhor remédio ainda é o humor.
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1992
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Apocalipse: Rosane Collor e as antenas venenosas Ingrid Gomes, Doutora UMESP, professora do Instituto de ciências Sociais Aplicadas, Limeira/SP A figura de “boa moça” da ex-primeira dama da República, Rosane Collor, nos anos de 1990-1992, até o impeachment de Collor, representada no cartum premiado de Gomes, do ano de 1992 do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, traz a discussão dos enlaces da política, com a comunicação persuasiva, do papel econômico do país na época e em primeiro plano o papel de Rosane enquanto estética feminina e em específico sobre sua posição de decisão diante do ex-presidente Collor. Rosane é vista como uma mulher de corpo sexy, com lembranças conservadoras, identificadas no detalhe da estampa de bolinhas das peças íntimas que veste, que só aparecem porque o casaco está aberto, indicando a conotação sexual que evidencia a mudança de “boa moça”, visto que sua posição moral no exercício de primeira dama era social, com elementos de boa conduta de esposa e de família. Mais a cima de Rosane, há um subcartum indicando pessoas com óculos assistindo a algo, talvez num cinema, inertes ao espetáculo. Ao lado esquerdo da ilustração há as “antenas de escorpião”, como é representada a mão direita da ex-primeira dama, ressaltando um quadro com um super-homem entregando cesta básica, e abaixo um homem-palhaço numa camisa de força, sentado, pensando em grandes nomes da história da corrupção, ditadura e convencimento, como Hitler, Stalin e Sadam Hussein. E à frente de Rosane um rato na figura de Collor, com trajes de pugilista brasileiro, sendo conduzido por uma arena móvel, com mais cara de carrinho de brinquedo, com o título de modernidade, e quem leva o carrinhocarruagem é um porco, magro e ágil como um cachorro. O Rato-Collor é pequeno perto da glamourosa Rosane e sua sedução que convence. Mais uma imagem forjada no contexto da mídia, em especial, pela televisão que em massiva representação trouxe um Collor brilhantemente lindo e honesto, caçador natural de marajás. E sua esposa seria sua aliada nessa empreitada. Simplesmente um casal-produto, sem defeitos. Mas que agora, ela daria as cartas, trazendo a público, informações que o comprometiam, com a finalidade inclusive de isentar-se de qualquer culpa na improbidade administrativa do marido. O palhaço-louco rememora a reflexão rápida que a sociedade brasileira teve que digerir depois das primeiras aparições de Pedro Collor, na revista Veja, escancarando a corrupção que inaugurava o início do período político democrático no Brasil, da primeira eleição direta após 1988, que começou numa corrida entre os meios de comunicação parcializando-se em prol de Collor. Sob o título de apocalipse o cartum pontua, no texto não-verbal, Rosane com a mão direita levantada para afugentar Rato-Collor, o golpe é venenoso pelo que indica as antenas da mão de escorpião, a clareza moral de suas roupas e acessórios e claro, por sua postura dúbia de mulher em pleno estado de mudança das rédeas do aparelho político midiático, representa o apocalipse moderno. Cuidado!
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O bobo da corte de Luc Vitor Kraide, MS. Umesp, professor PUC-Campinas e UNIMEP Os trabalhos do belga O-Sekoer são marcados pela sutileza na crítica aos temas de ordem política. Neste cartum, assim como em outras obras premiadas, ele optou em direcionar seus traços ao regime monárquico. Vale a pena contextualizar que em 1992, ano da 19a edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, a Bélgica vivia o 42o ano sob o reinado de um mesmo monarca, fato que provavelmente motivou essa incrível retratação de uma “bem humorada” família real. É impressionante perceber como o cartunista conseguiu transmitir tamanha expressividade com meia dúzia de linhas e dois ou três pingos de cores. A austeridade, o poder e a pompa da rainha são evidenciados na fisionomia e simbolizados pela coroa fortemente estilizada. Ao mesmo tempo visualizamos um rei desapontado, envergonhado e praticamente se arrastando ao lado e um pouco atrás dela, mas que ainda assim ostenta a nobreza dourada sobre a cabeça. O ponto alto da piada está concentrado no canto esquerdo, na figura do bobo da corte destacado pelo enorme gorro colorido, que nesta tela também representa o príncipe e sucessor do trono. A mensagem contida neste cartum é digna da conquista do 1o lugar, provoca aquele sincero sorriso no canto da boca dos mais diversos tipos de público, justamente porque O-Sekoer consegue unir criatividade, ironia e política num conjunto inusitado e crítico, mas de fácil compreensão.
Luc Descheemaeker
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1993 Jordan Pop Iliev
O espantalho de Jordan Monica Franchi Carniello, Doutora pela PUC/SP, professora da UNTAU/Taubaté e Faculdade Anhanguera de São José dos Campos A pobreza é um fenômeno universal e está presente, de forma mais ou menos visível, em todas as sociedades contemporâneas. Nesse contexto, ocorrem os processos de inclusão e exclusão social, evidenciam-se as diferenças entre os indivíduos e se estabelecem os códigos simbólicos de cada grupo. A restrição de acesso à educação, saúde, trabalho digno, informação colocam o indivíduo em uma situação marginal. A busca pela aceitação, o reconhecimento de pares, a inserção em grupos sociais são demandas do ser humano que se intensificam pela exclusão decorrente da pobreza. Nessa charge, o mendigo se identifica com o espantalho, cuja função é assustar, espantar aqueles seres que incomodam, que vão prejudicar o sistema de produção (a lavoura). Assim como o espantalho, o mendigo, representação da pobreza, do excluído do sistema produtivo, assusta a sociedade, incomoda, coloca em xeque um sistema instituído que é, inerentemente, excludente. Nota-se que o espantalho possui roupas melhores que as do mendigo. Aquele paletó que já não serve ao proprietário da lavoura, descartado e usado para fazer o boneco espantalho, está em melhores condições de conservação do que o vestido pelo mendigo, demonstrando um abismo social, uma discrepância de valores, evidenciando a problemática da má distribuição de renda. Ainda assim, o mendigo identifica similaridades simbólicas tanto no vestuário quanto na situação solitária do espantalho, que ironicamente é uma figura que está eternamente de braços abertos, solitária em meio à lavoura. A charge, de autoria de artista da Macedônia, poderia ser atribuída a autores de quaisquer outras nacionalidades, pois faz uso de um código comum a diversas culturas, e tendo como base o princípio da charge, o humor, linguagem universal.
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1994 Ireno Carraro Guimar達es
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O time campeão de Ireno Paulo Bonfá, jornalista e criador do RISADARIA Tirem as crianças da sala! Este desenho do Ireno eterniza a máxima: “Só rindo para não chorar”. Tal qual uma fotografia, ele capta na forma de um instantâneo cômico o momento vergonhoso que se sucedeu à conquista do tetracampeonato mundial pela seleção brasileira, em 1994. Logo após as manchetes pela vitória, a torcida recebeu a notícia bizarra de que a delegação nacional retornava dos Estados Unidos carregada de muamba! Numa época em que a importação de produtos eletrodomésticos e eletrônicos não era algo corriqueiro, jogadores e dirigentes foram às compras e embarcaram tudo. Acreditavam que – com a medalha no peito – ninguém repararia em seu “contrabando light”. Mas a imprensa descobriu. E os humoristas cumpriram com o papel de criar risadas a partir de algo verdadeiramente triste. Eu rio hoje. Eu ri à época da publicação. Mas eu não me conformo com a pequeneza do ser humano. Olhe novamente a charge. Você percebe a escalação da seleção em caixas empilhadas, obviamente. Notou algo diferente? O cartunista notou: o então lateral Branco, um dos heróis da conquista, tem mais caixas do que os seus colegas... Porque trouxe três geladeiras! É ou não é totalmente excelente? Passados 20 anos, quase tudo mudou. Atletas profissionais são ainda mais ricos. A Copa do Mundo voltou ao Brasil. A informação circula numa velocidade inimaginável. Os desenhistas de humor, porém, mantêm-se numa posição idêntica à que sempre tiveram: são tradutores do bom senso que o senso comum às vezes ignora. Fazem graça estimulando a reflexão e apontando os disparates da vida cotidiana, como fez Ireno ao participar da 21ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Na Copa do Mundo do cartum, foi ele o merecido vencedor.
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1995 Jean Plantu
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A divergência de Jean Plantu Cândida Almeida, Doutora PUC/SP, professora da PUC/SP e Faculdade Anhanguera SP Em perspicaz reverência política, o chargista francês, Jean Plantu, consegue exprimir através da charge, o cerne da tormenta israelense: a liderança política da região Palestina. O fato em questão são as eleições para presidente da Autoridade Palestina em que o então líder do grupo Fatah, Yasser Arafat, consagra-se eleito em processo eleitoral democraticamente questionável. Em um território em que religião e política se confundem nos processos administrativos, o chargista buscou evidenciar esse fato demonstrando as diferenças entre as forças dos dois grupos (Hamas e o Fatah) que disputavam poder na região da Palestina. De um lado o grupo sunita Hamas é apresentado por signos que demonstram a força religiosa mulçumana representadas pelas vestes, pelo tapete em reverência à Maomé e pelo elemento sígnico de maior poder simbólico na charge: a bomba. Nesse sentido, dá-se a interpretação de que a força do grupo concentra-se não no poder das urnas, mas no poder da força bélica. E é para essa força bélica (a bomba) que o integrante do grupo faz a reverência que, em princípio, deveria ser um ato de fé no profeta. De outro lado, vemos o líder do Fatah (à época) em pose de reverência, tendo no lugar do tapete, um envelope de cédula de voto e à sua frente, a urna. Segue-se então a interpretação de que a força de Arafat na disputa pelos dois grupos para governar a palestina estava centrada no processo democrático eleitoral. Assim, pela caminho de Arafat, o estado tenderia a uma postura respeitosamente laica. Para além dos personagens humanos, outro elemento visual importante de se destacar está ao centro: uma bomba da paz carrega a bandeira do estado palestino. Esse símbolo faz-nos lembrar da benção repetida em reverência ao profeta Maomé, “A paz esteja com ele”. Apesar dos signos da paz, o que vê-se é uma crítica ideológica, pois, em contrapartida, há um reforço entre os olhares dos personagens principais, acirrando as diferenças entre os grupos. Em uma rica composição, quase totalmente desprovida de recursos sígnicos da linguagem verbal, o autor consegue expor diversas relações, posicionamentos e valores que estão em jogo nos complexos (e fatais) processos políticos (que muitas vezes são, também religiosos) da região. Arrematando a análise, vale pontuarmos que a visão do chargista parece expor uma opinião pessoal nutrida pela divulgação midiática que nos chega sobre conflito. Sabemos que a ONU, EUA e diversos países europeus têm interesse político e econômico na permanência do Fatah no poder. A clareza desse posicionamento dá-se pela inclusão de determinados elementos visuais na ilustração do integrante do Hamas: moscas sobrevoando a cabeça do sujeito não devem querer induzir a nenhum tipo interpretação ingênua, senão a uma leitura um tanto depreciativa.
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1997 Constantin Pavel
O garçom do romeno Pavel Nahara Cristine Makovics Fusco, Doutora pela UMESP e coordenadora do Curso de Comunicação do Centro Universitário “Barão de Mauá” de Ribeirão Preto e Quico Soares, MS. Faculdade São Luiz, Jaboticabal/SP S.O.S. – Save Our Soul. Socorro – salvem nossas almas. Eu adoro pensar e às vezes até afirmar que para ser brasileiro é preciso ser profissional antes, ou melhor, não dá para ser amador nesta terrinha. Analisando este cartum do Pavel, já começo a lembrar do nosso descobrimento ou seria achamento? – os peles vermelhas já estavam aqui. Eu acredito que ali já nasce o nosso espírito gaiato, essa forma de conseguirmos sempre rir da gente mesmo, nem que seja na base do jeitinho. Tem quem jura que o Brasil já nasceu como um erro de Português, outros que acreditam que Pedro Álvares Cabral quando gritou: Terra à vista, Caminha retrucou: Deixa que eu sopro! E assim caminhamos e como no Cartum do Pavel: afundamos. Mas vamos ao rir. O barco afundando e a tripulação com água até o pescoço só resta deixar a ponta da mão pra fora e esperar o último suspiro. Curioso que este garçom que aparece servindo champanhe está vestido de vermelho (coincidência?) e em uma boia verde e amarela (outra?), além de não se importar com seu redor ainda faz: tsssk, tsssk com a outra mão para a massa afundada. Pois aqui que mora a grande arte do Cartum: a de fazer rir através da doída reflexão de nossa eterna síndrome de vira-latas e da indefectível lei de Gerson: gosto de levar vantagem em tudo, certo? Errado. Boia Brasil e vamos botar logo o nariz pra fora e respirar – mas sem jeitinho e com uma enorme vontade de acertar e rir da gente mesmo. Rir ainda continua sendo o melhor remédio, até para alguns males crônicos.
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1998 Um pai de muitos filhos, um filho de muitos pais! Fausto Longo, arquiteto, Senador pelo PD da Itália e um dos fundadores do Salão de Humor de Piracicaba Depois de quarenta anos de convívio entre incontáveis trabalhos e tantas personalidades de diversas profissões, nacionalidades e culturas que participaram dos processos de seleção e premiação deste salão, ainda me surpreendo com o fato de persistir, apesar de toda dessa diversidade, da conjuntura de cada pais, das múltiplas técnicas, linguagens e realidade de cada artista participante e mesmo de cada jurado, uma sempre explicita identidade sinérgica entre trabalhos selecionados e as causas mais caras a humanidade. Parece uma confirmação periódica do DNA do Salão de Piracicaba, que, desde seu nascedouro, expõe de modo claro e inequívoco sua vocação ao destilar inteligentemente a intolerância dos cartunistas, chargistas, quadrinistas e caricaturistas em relação a quaisquer ato, atitude ou demonstração de desrespeito a dignidade e a liberdade humanas. Selecionado e premiado unanimemente por um júri internacional de altíssimo nível crítico e de saber, coordenado pelo saudoso Jose Mindlin, esse trabalho consegue incorporar a alma dos grandes pintores do velho mundo e transmitir uma forte mensagem de cunho social. Retrato de um Brasil que busca superar suas contradições de pais rico de recursos e pobre de políticas capazes de produzir uma sociedade mais justa e generosa. Alma, pensamento e técnica, como se diz hoje, tudo junto, tudo misturado! Um encontro gráfico surreal entre dois artistas, dois tempos, duas culturas. Luccas Longo, apropriando se da identidade e da força plástica da obra de VanGogh, expressa, com a mesma intensidade, uma verdade incomoda, um silencio que grita. Em cada pincelada, em cada traço, um gesto que faz ressuscitar a alma inquieta de Vincent em sua busca pela perfeição cromática. Luccas, por sua vez, faz dessa busca o seu recado, duro e sensível, a um só tempo, sobre a realidade dos homens do campo. Essa forma contundente, satírica, do dizer gráfico está presente em praticamente todo o acervo do salão. Um percurso sobre esse conjunto nos permite revisitar quarenta anos de nossa história e, mais que isso, de uma história que, por vezes, não poderia ser contada senão através da liberdade que tem caracterizado o Salão de Humor de Piracicaba.
Luccas Longo
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1999 Benjamin Cafalli
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Texto para charge de Benjamin Cafalli Gláucia Davino, Doutora ECA/USP e professora da Universidade Mackenzie O ano 2000 foi marco do fim do século XX e entrada do novo século. No Brasil, somou-se a este marco a comemoração dos 500 anos da chegada das “dez naus, três caravelas e 1500 homens” liderados por Pedro Álvares Cabral que ao avistar e batizar o “Monte Pascoal”, aportaram no litoral da Bahia, onde ocorreu a primeira missa. Daí para frente, a linha do tempo, a atuação dos “protagonistas”, “antagonistas” e “figuração” da história das terras brasileiras, dentre guerras, ideias inovadoras e reprimidas, conflitos e movimentos sociais, busca do ouro e extrativismo, imigrações, miscigenação, escravidão e liberdade, monarquia e república e outros feitos, se amalgamaram gerando o que hoje é o nosso país. O Brasil da bandeira verde, amarela, azul e branca Na comemoração dos 500 anos do descobrimento, vozes ufanistas propuseram eventos festivos e cívicos apoiados em gastos públicos de milhões de reais. As propostas comemorativas giraram em torno da celebração das memórias dos cinco séculos de bravas lutas, desafios e conquistas de um povo harmônico oriundo da diversidade de raças e culturas. Por outro lado, outras vozes vaguearam pelo “pessimismo” sobre a chegada dos portugueses ao “novo mundo”, numa postura que se opôs ao mito da supremacia europeia que se imputou sobre os nativos, considerados pelos homens do “velho mundo civilizado” como diferentes, selvagens e atrasados. Nesta dicotomia ótica sobre a data e seus motivos festivos ou sorumbáticos surgiu, pelo lado festivo, representado pelas instâncias do governo brasileiro, a síntese visual das naus e caravelas no logotipo oficial comemorativo, sob a incumbência do designer gráfico, político de esquerda e atuante em marketing político, o santa-mariense Luciano do Monte Ribas. Duas velas de navegação fixadas sobre uma base composta pelo número 500, tudo em fundo branco, cores chapadas e traçado limpo. O logotipo oficial de Ribas condensa esta linha do tempo: da chegada com as naus e caravelas (composição e formato) ao Brasil contemporâneo (cores da bandeira). As velas (pelas quais o vento ajuda a dirigir) nas cores principais verde e amarelo, e o costado (representando o tempo 500 anos) em azul. Benjamin Caffali Brasil, autor da charge em questão, não valeu-se de habilidades específicas como a de desenhista, de caricaturista, nem da boa construção de falas de personagens. Sua destreza foi ocasionar a ironia a ser compreendida além do que é mostrado, pelo humor de ideias (dissertativo, não narrativo), através do conhecimento do assunto (verbal e visualmente), conhecimento dos códigos que pudessem estabelecer vínculos de cumplicidade com o público e da construção e interpretação da linguagem gráfica. Se as funções do humor são as de operar no emocional para persuadir e interferir na compreensão do público sobre o alcance social e político do assunto de forma catártica, reflexiva e crítica, o autor ousou. Se apropriou do logotipo oficial e fez simples intervenções visuais. Como um professor a corrigir um trabalho, assinalou com um xis sobre os 500 e o substituiu por 250 o que corrompeu a proposta de grandiosidade, de heroísmo da festividade e estabeleceu embate entre as duas visões diferenciadas sobre os fatos. Ele articulou os símbolos e os conceitos. Na primeira vista a esta charge, me veio imediatamente à memória a famosa frase de outro brasileiro de olhar ferino, Nelson Rodrigues “Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”.
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Valentin Druzhinin
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Valentin Druzhinin: humor politicamente correto? Alexandre Huady Torres Guimarães, Doutor em Letras pela PUC/SP, Diretor do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP Valentin Druzhinin começou, ainda na adolescência, nos anos 1960, a publicar sua produção de cartuns em periódicos. Nesses mais de cinquenta anos, expôs suas obras e conquistou inúmeros prêmios em várias partes do mundo, entre as quais o Brasil, onde obteve o segundo lugar, em 1999, no Salão de Humor de Piracicaba, com o cartum reproduzido. Autor de estilo particular, Valentin Druzhinin explorou nesse seu trabalho um tema, hoje, provavelmente, caracterizado como politicamente incorreto, uma vez que a figura feminina está representada, por meio de seus traços, em conformidade com a imagem estereotipada construída em torno da mulher que não para de falar. A metade inferior de sua obra é destinada à ambientação, pela qual o leitor observa uma mesa, dois copos e um cinzeiro. Das laterais inferiores surgem, sob fundo preto, os corpos de um homem – à esquerda – e de uma mulher – à direita – para concederem destaque para o punctum no centro da imagem. Segundo Arnheim (2000, p. 285), a perspectiva central “oferece uma imagem rigorosamente realística do espaço físico; proporciona um padrão compositivo rico e aprimorado; e a concepção de um mundo que converge, comunica sua própria expressão característica.” Os dois corpos em diagonal formam a figura de um triângulo, destacando ao centro do cartum a língua feminina que é comparada, transformada em um aparelho telefônico. Os braços do homem e os dois canudos, em diagonais paralelas, direcionam, conduzem o olhar do receptor, também, para essa comparação metafórica. A metáfora é uma figura de linguagem estudada, em primeira instância, nos domínios da Língua, entretanto, seu conceito expande-se para outras áreas do conhecimento. Para Azeredo (2008, p. 418), a “metáfora consiste no emprego de palavras ou expressões convencionalmente identificadas com dado domínio de conhecimento para verbalizar experiências conceptuais de outro domínio.” O mesmo estudioso da Língua acrescenta (p. 418), ainda, que a metáfora “é um recurso de expressão amplamente usado no discurso cotidiano, por mais que seja tradicionalmente tratado como característico da linguagem da poesia.” É comum, conforme observado, que a metáfora seja utilizada em diferentes gêneros discursivos verbais, todavia, sabe-se que outras linguagens, como a visual, exploram essa figura tão interessante para aproximar ideias de domínios distintos, portanto, nem sempre óbvios. A associação da língua feminina com o telefone remete à questão, como já observado, da estereotipia feminina, pela qual, costumeiramente, as mulheres são retratadas como muito falantes, o que, por vezes, irrita os homens e o que serve, ainda, como mote para diversas piadas masculinas. Valendo-se, portanto, do senso comum, Valentin Druzhinin busca um fato corriqueiro e, por meio de um homem de olhar vazio e sem boca que aperta o botão pause, cessa a fala de uma mulher. O riso, portanto, nasce de um ato guardado no inconsciente coletivo masculino, composto há mais de quinze anos, quando as questões do politicamente incorreto ainda não dominavam o espaço do humor.
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Fred Ozanan
Cobertor de pobre de Fred Ozanan Margarida Maria Krohling Kunsch, Diretora da ECA/USP, Titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo No alto, com alguma condição, o leito de um hospital privado, acessível somente para quem pode pagar por um convênio médico. Embaixo, no chão, um pedaço de pano rasgado a ser oferecido como leito a quem buscar atendimento no SUS - Sistema Único de Saúde. O beliche sugerido por Fred Ozanam explicita, de maneira concisa, a diferença de classes da nossa sociedade, abordando a problemática da saúde no Brasil. O artista poderia ter desenhado cada um desses leitos lado a lado, mas a força de sua imagem reside na escolha da figura do beliche: uns por cima, outros por baixo. O SUS é uma importante conquista da luta por direitos; é fundamental que todas as pessoas tenham acesso à saúde. Mas como explicar as longas esperas nos hospitais, a falta de leitos, a situação das mulheres que são obrigadas a dar à luz em corredores porque não são atendidas a tempo? O que explica as péssimas condições em que se encontram os hospitais públicos? Há casos extremamente graves, como o de mulheres com câncer de mama que precisam aguardar um ano por uma cirurgia. Dinheiro nós sabemos que o governo tem: basta ver os enormes investimentos feitos na construção e na reforma de estádios de futebol para a Copa de 2014, entre outros gastos absurdos que não suprem as reais necessidades da população. E os convênios? Resolvem os problemas da saúde no Brasil? Quem paga suas mensalidades, muito altas conta com um atendimento digno? Nem sempre. Que o digam os idosos. Médicos já não atendem nos seus consultórios porque recebem um valor ínfimo de honorários. Quem é prejudicado? O cidadão. Tratamentos diferenciados e urgentes são passiveis de inúmeros questionamentos e de longas filas de espera. Para além do humor, a imagem de Fred Ozanam, artista do Piauí, imprimiu em sua arte uma mensagem que nos faz refletir sobre questões cruciais que afetam a população mais carente. Chama atenção para uma questão social relevante e pode contribuir para conscientizar pessoas para mudar essa situação. Para além da saúde, vale lembrar que, assim como o governo deve oferecer hospitais públicos de qualidade, precisa também oferecer outros serviços públicos de qualidade: escolas, ônibus, metrôs, trens, restaurantes populares, centros culturais e parques. De modo que, pouco a pouco, aqueles que estão por cima e por baixo estejam lado a lado.
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2001 2 de outubro de 1992 – A memória na Charge Regina Giora, Doutora em Psicologia Social, PUC/SP, professora da Universidade Mackenzie O Salão Internacional de Humor de Piracicaba ocupa um lugar de destaque na cultura brasileira há 40 anos e tem sido reconhecido internacionalmente devido à alta qualidade de suas atividades. Nascido no Brasil nos “anos de chumbo”, sobreviveu, principalmente porque encontrou no humor uma forma eficiente e eficaz de tecer uma crítica severa de cunho político e social a situação na qual viviamos. A charge é reconhecidamente uma das principais modalidades de represetnação gráfica surgida no século XIX e ocupa um espaço privilegiado, no Salão devido principalmente a sua força de expressao e comunicação: provoca o riso e ao mesmo tempo leva à reflexão. O desenho, como se sabe, é fundamental na charge e pode vir acompanhado de signo verbal para reforçar a mensagem a ser transmitida. O conteúdo representado aponta para o ridículo da ação humana provocando inevitavelmente o riso. Numa única imagem carregada de valores éticos e estéticos, a charge expressa uma visao de mundo crítica que desnuda a ideologia imposta pelo poderes dominantes. Isso pode ser observado no trabalho de Elloar Guazelli, premiado em 2001 pelo Salão, que põe à mostra o trágico massacre do Carandiru ocorrido em 1992 em Sao Paulo. Como naõ rir do ar arrogante, prepotente e sisudo – reforçado pelos óculos, bigode e testa proeminente do comandante militar -, que passa em revista, de pé, do alto do jipe, os mortos estendidos lado a lado no chao do presídio? Como não refletir sobre o espaço ocupado pelo poder repressor que o principal personagem da ilustração representa e que o isola dos demais? Aí está o poder da charge.
Eloar Guazelli Filho
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Osvaldo da Costa
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O santuário de Osvaldo da Costa Antônio Clériston, Doutor pela Universidade de Pernambuco, chargista profissional Charge é um tipo de enunciado crítico e opinativo do campo do humor gráfico, veiculado pela mídia impressa e eletrônica, cujo efeito de sentido considera a história, o contexto amplo e o horizonte social imediato. Seu registro se configura através do desenho caricatural de personalidades, objetos e cenários, além de outros elementos verbais e não-verbais articulados a temas e personagens em evidência na atualidade e sua realização relativamente estável se dá através da relação dialógica entre chargista - mundo compartilhado - registro - leitor. A charge de Da Costa, premiada em 2001 no Salão Internacional de Humor de Piracicaba, tem como intervenção surpreendente a estratégia discursiva da substituição. Sua cenografia mostra um altar, cujo santo foi substituído por um contador que registra o consumo de energia. O horizonte social imediato revela uma intertextualidade com o apagão e o racionamento de energia elétrica ocorrido durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Anotamos também uma intradiscursividade com outras dezenas de charges publicadas no Brasil durante os meses de maio e junho de 2001 (ver chargeonline.com.br), onde se vê ambientes escuros e velas acesas em variadas situações. A vela, que ocupa mais ou menos o centro ótico do enunciado é, justamente, o elemento discursivo irônico, posto que pertence tanto ao sagrado quanto ao mundano. O efeito espirituoso está na inesperada substituição de referenciais sacros por outros específicos que se tornam profanos: a engenhoca eletro-mecânica como motivo de adoração; e a bandeira do Brasil que, além de situar o lugar do acontecimento, representa o governo federal – alvo da crítica.
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Rodrigo Rosa
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Transfomar a metálica realidade em ouro: A alquimia do riso Hertez Wendel de Camargo, Doutor. em comunicação UEL ,professor da Universidade Estadual de Londrina/PR A palavra “elixir” tem sua origem no árabe, onde o termo nascido no universo das mil e uma noites, aliksir, significa “a pedra filosofal dos ancestrais”. No entendimento dos alquimistas da Idade Média, por meio das propriedades da pedra filosofal era possível transmutar qualquer metal sem valor em ouro. O humor gráfico, aquele feito de papel ou pixels, também possui a propriedade de transformar coisas vis em elementos mais nobres. A matéria-prima do humor que a gente vê e lê é a cultura, a cidade, a realidade, tudo transmutado pela ironia, pelo sarcasmo, mas, principalmente, pela capacidade de rir das mazelas humanas. O humor gráfico, que encontra sua materialidade no real, alça o cotidiano à magia e eternidade da imagem, possibilitando um outro olhar para a humanidade – apesar dos tons irônicos e, por vezes, histriônicos de charges, caricaturas e quadrinhos. Fantasioso, colorido, exagerado, imaginativo, cômico, mas totalmente verdadeiro em sua mensagem, o humor gráfico mostra a vida como ela é, mas travestida de riso. É exatamente tudo o que me vem à cabeça ao observar o trabalho do artista Rodrigo Rosa. Em sua obra, o artista retrata uma cena dentro de um supermercado. Um guarda de trânsito desvia o fluxo de consumidores de um acidente, enquanto outro registra o depoimento de uma dona de casa revoltada. A revolta é por ter seu carrinho de compras destruído, abalroado, por outra dona de casa, com cara de “culpa no cartório”, que cruzou irresponsavelmente o corredor principal. Para criar o sentido do fantástico, é preciso a mensagem se localizar entre o real e o imaginário, portanto, o artista, brinca com o fantástico a partir da ideia de dois guardas rodoviários dentro do supermercado, como moto e tudo, atendendo a ocorrência, isolando a área do acidente; e, para aumentar a dramaticidade, produtos estão jogados ao chão, carrinhos amassados. Imagens típicas de um acidente de trânsito dos grandes centros. Por meio do seu trabalho, Rosa desperta para a reflexão de como os sistemas urbanos estão presentes, dialogam entre si e estruturam a vida cotidiana. O trânsito e o consumo, que se entrecruzam na charge, são um retrato da vida urbana e de como tendemos a nos organizar, mesmo no simples ato de ir ao supermercado, em conformidade, ou repetição mecânica, às nossas relações com a cidade. O estresse do dia-a-dia, no caso, produto do trânsito, é transposto para outros setores da vida, por exemplo, para o universo do consumo. E me faz pensar se em outros setores da vida, essa estressante urbanidade também está projetada? Nas relações interpessoais, amorosas e profissionais, acidentes também acontecem, choques culturais são comuns, assim como os engarrafamentos de desejos, tragédias sociais, desvios ideológicos, personalidades esburacadas, conceitos intelectuais intrafegáveis. A quem recorrer quando somos atropelados pela modernidade da vida urbana? Sendo o riso um elixir, portanto, pedra filosofal que cada um de nós carrega na alma, trata-se, portanto, de um elemento transformador, estimulador do pensamento crítico. Depois do riso, nada ou ninguém é mais o mesmo. É assim que vejo o trabalho de Rodrigo Rosa: alquimista capaz de transformar a metálica realidade em ouro puro por meio da qualidade do seu humor.
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2002
Paulo Volmar Mattos Vilanova
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Deixai vir a mim as criancinhas Nair Prata, Doutora em Linguistica pela UFMG, Coordenadora do Curso de jornalismo da Universidade de Ouro Preto/MG Parece que o versículo bíblico “Deixai vir a mim as criancinhas...” tem sido levado muito a sério por alguns sacerdotes da igreja, mas num sentido pouco apropriado, provocando um pipocar de numerosos e graves escândalos de casos de pedofilia praticados pelo clero contra crianças e adolescentes, um problema que ganha proporções mundiais. O cartunista Paulo Volmar Mattos Vilanova capta este problema com maestria, marca registrada desse artista gaúcho que iniciou a vida profissional como carteiro, começou no desenho no Atelier Livre do Senac de Porto Alegre e depois ganhou o mundo com suas charges criativas e mordazes. O professor José Marques de Melo diz que o cartum é uma “anedota gráfica” construída a partir de fatos verídicos, embora representem “uma expressão criativa do cartunista, que penetra no domínio da fantasia”. Assim, o trabalho de Vilanova provoca o humor, mas ao mesmo tempo coloca o dedo numa ferida profunda da nossa sociedade. A Classificação Interna de Doenças (CID 10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), item F65.4, define a pedofilia como “Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes”. Não há dados que apontem que a prática da pedofilia seja maior entre os sacerdotes do que entre a população leiga; no entanto, o comportamento de um padre que abusa de uma criança ou adolescente para satisfazer seus desejos sexuais coloca em cheque o papel desempenhado pela igreja na vida da sociedade. Para a população fiel, o sacerdote cristão representa a figura de Deus na Terra, a encarnação do bem, da bondade, da santidade, da pureza, da moral incólume. Como imaginar que uma figura assim possa ter desvios na sua sexualidade e ataque justamente o seu rebanho? Chega a ser uma traição, como uma punhalada nas costas, porque o punhal está nas mãos de um homem carregado de simbolismos sagrados. Em 2001, o papa João Paulo II publicou um documento especial qualificando o comportamento de “crime grave”. Mas a situação é tão séria que, pela primeira vez na história da Igreja Católica, um papa tratou oficialmente do assunto por meio de uma Carta Pastoral, confirmando a vontade de quebrar o silêncio secular em torno do tema. No documento, de março de 2010, direcionado aos católicos da Irlanda, Bento XVI afirmou: “Como vós, fiquei profundamente perturbado com as notícias dadas sobre o abuso de crianças e jovens vulneráveis da parte de membros da Igreja na Irlanda, sobretudo de sacerdotes e religiosos. Não posso deixar de partilhar o pavor e a sensação de traição que muitos de vós experimentastes ao tomar conhecimento destes atos pecaminosos e criminais e do modo como as autoridades da Igreja na Irlanda os enfrentaram”. Num outro trecho da carta, o papa se dirigiu diretamente aos religiosos pedófilos, afirmando: “Traístes a confiança que os jovens inocentes e os seus pais tinham em vós. Por isto deveis responder diante de Deus onipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos. Perdestes a estima do povo da Irlanda e lançastes vergonha e desonra sobre os vossos irmãos”. Ao chamar a si as criancinhas para esses atos de vergonha e desonra, na realidade os religiosos pedófilos ferem não apenas os pequenos e suas famílias, mas também a fé que a humanidade tem num mundo puro, confiável e justo.
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2003 José Antônio Costa
Terra ou Trabalho de José Antônio Camilo Riani, MS em Comunicação/UMESP, professor da UNIMEP e presidente do Salão Universitário de Humor O primeiro grande desafio ao se analisar um trabalho de humor premiado é o eterno risco de ficar com aquele ar desajeitado de quem ‘explicou a piada’ ... Mas quando nos deparamos com uma das pérolas do vastíssimo repertório de Jota A., esse eterno ‘papa-salões’, fica impossível não parar, rever, refletir e viajar por entre deliciosas pistas e encruzilhadas que percorrem seus trabalhos. Com este desenho, ele prova que diferentes categorias do humor gráfico podem andar de mãos dadas (além de pernas, braços, pés e cabeças). Ao considerarmos as características que delimitam as categorias presentes nos salões de humor no Brasil, podemos saborear esta incrível ‘Charge’, que traz um personagem real (Lula presidente), em um momento histórico específico, a partir de um tema nacional/local (Brasil). Mas basta imaginar um líder ‘genérico’, em um território fictício qualquer, não datado, que a situação se enche de humor universal e extrapola fronteiras, levando-nos a mergulhar naquilo que poderia ser considerado também como um divertido e perspicaz ‘Cartum’. Afinal, quem não identifica a faixa que marca os líderes, as placas que caracterizam manifestações e a figura simbólica do velho e simpático espantalho? Em um mundo insanamente tecnológico, em que técnicas transgênicas multiplicam colheitas sob fogo cruzado de disputas econômicas, ideológicas e ambientais, como não se solidarizar com esse velho amigo abandonado que, tempos atrás, montava guarda dia e noite, sob sol e chuva, sem abandonar seu posto? Pois Jota A., como cartunista iluminado, abre as portas generosas de sua arte ao ‘desamparado’ e nos faz rir com poesia, delicadeza, crítica e bom humor da melhor qualidade, além de conquistar mais um prêmio para sua vasta coleção. E tudo isso, sem correr o risco de deixar aquele que ri por último... Sem entender a piada!
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O Palhaço de Erdogan Maurici Scarpari, publicitário formado pela UNIMEP, coordenador do Curso de Publicidade das Faculdades Anhanguera/Piracicaba A pluralidade do humor vem dessa transcendência de fronteiras que estabelece formas de leituras diversas, onde as diferentes percepções do mundo são traduzidas em piadas, e que em muitos casos não escapam do universal. O trabalho do cartunista Turco Erdogan Basol, que participou em 2003 do Salão de Humor de Piracicaba, tem como ponto de referência O PALHAÇO, que em primeira instância é uma figura que nos faz rir, mas dentro de seu universo ele pode chorar. Na abrangência da imagem, a dor e o humor estão num mesmo contexto, pois presenciamos o funeral desse palhaço, onde se sobressaem os grandes pés do morto fora do caixão e as lágrimas dos amigos que acompanham o enterro. “Não há portanto, cena real, séria, e até mesmo dramática, que a fantasia não possa levar à comicidade pela evocação dessa simples imagem. Não há brinquedo a que um campo mais vasto esteja aberto.” 1. Essa contraditória harmonia é a fonte de sua energia, que considerado puro e primitivo, é sincero em assumir a dor e ser capaz de rir para transgredir. Erdogan, portanto, cria sua obra consciente, aliando universos, evocando esse espírito de artista, de colocar sua verdade através do humor, de dizer aquilo que precisa através da imagem. O Palhaço, em sua essência, questiona a ordem social, é disso que ele se alimenta, é disso que o autor necessita, pois o riso é contagioso, a piada se regenera.
Erdogan Bassol
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Evandro Alves
Mente refinada numa figura simplória. Bin Laden continua vivo Wilson da Costa Bueno, Doutor pela ECA/USP, professor do programa de pós graduação em comunicação da UMESP Bin Laden frequentou o nosso imaginário e o da opinião pública internacional como um personagem misterioso, fugidio, dotado de uma personalidade impenetrável, uma espécie de figura quântica, que está aqui e em todo lugar ao mesmo tempo. Uma onipresença que, durante anos, incomodou particularmente o Tio Sam, pela sua indiscutível capacidade de desafiar a inteligência de sistemas sofisticados e pela disposição para uma violência incontrolável. A ilustração, assinada por Alves, chama a atenção pela desconstrução desse personagem complexo, redesenhado a partir de traços simples, objetivos, diretos, que escancaram suas intenções belicosas e seus compromissos com uma perspectiva planetária, um autêntico protagonista do nosso tempo. Caricaturalmente, Bin Laden é exposto com seus troféus de guerra, dependurados em paredes toscas, e um charuto nas mãos que evoca um míssil com fogo na ponta, indicativo de sua natural e aterrorizadora prontidão para o embate permanente. Mas, ao mesmo tempo, Bin Laden se apresenta de maneira despojada, não denotando estar preparado para a sua guerra particular (e que nos envolveu a todos), tranquilamente acomodado em uma poltrona e de pés descalços. Um autêntico missionário da violência que se esconde atrás de um guerreiro implacável. O cenário, com um móvel enorme que não acomoda quaisquer objetos e uma mesinha, com apenas um copo de água, retrata fielmente nossa percepção sobre esse personagem civilizatório: uma figura carismática, extraordinariamente simples, e que tinha como arma letal a sua espantosa habilidade de driblar radares e satélites, e de organizar ações espetaculares. Um Messias às avessas que continua inspirando seguidores em todo o mundo que, assim como ele, se empenham em manter em alerta poderosos e refinados sistemas de vigilância. Alves, com grande sensibilidade, resgata esse personagem em sua essência, trazendo-o de volta à nossa memória. Uma tentativa ao mesmo tempo simples, mas incrivelmente perturbadora.
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O malabarismo da violência Erich Vallim Vicente, jornalista, editor-chefe de A Tribuna Piracicabana. Geração do ódio que copia a crueldade da estúpida hipnose na TV. Qual violência é pior!? Fome, indigência e o racismo, invalidando, intimidando muita gente e você. Qual violência é pior!? (Cólera, banda punk de São Paulo) A violência se manifesta de maneira diversificada, diluída no tecido social. Como feridas no corpo, são mais visíveis aquelas que jorram o sangue, não as que se acumulam em uma hemorragia social. A justiça liberal, baseada nos bons modos e costume, reprime o que é um atentado à vida; porém, a maior falha dos tribunais, sobretudo no Brasil, está na incapacidade de desentupir as artérias de um sistema engordurado pela insanidade criada pela fome voraz de lucro e poder. O que é mais violento? O crime hediondo, cara-a-cara, dos confrontos do tráfico com a polícia? A ironia do discurso político incapaz de ser transformador e, pior ainda, que não incentiva, ou por si só não desenvolve, qualquer atitude que não a de um rebanho no caminho do abate? Quem é mais desumano? Quem aperta o botão da bomba ‘H’, a quilômetros de distância do alvo? Ou o soldado entrincheirado, suando frio, com suas mãos trêmulas, pensando na esposa e nos filhos prestes a serem órfãos? A tecnologia cria o distanciamento. O carro, o vidro blindado, até um crucifixo dependurado no retrovisor, tudo é uma tentativa de se proteger de uma violência que, dia após dia, vai encurralando, primeiro os mais desprotegidos, mas pouco a pouco chegará aos afortunados de todas as bandeiras. Nem um muro é capaz de evitar que a violência, direta ou indiretamente, chegue aos lares. Não é a paz de espírito ou uma vida reconfortada em aparatos tecnológicos, transformados em objetos de primeira ordem que evitarão a violência. Mas só a justiça social. A paz não se compra. Qual violência é pior? É aquela que está invisível, que goteja em porões, em gritos sufocados de uma sociedade que quer, e precisa, se expressar livremente, longe dos estereótipos que alguém tentou lhe moldar. A violência que mais machuca não é aquela que mata com um tiro, uma pedrada na cabeça; mas esta que se esconde em um código moral feito para transformar a paz em um bem de consumo, não em direito social. Qual violência é pior? É o sangramento interno, o que causa hemorragia.
Leandro Spett
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2004 Pavel Constantin
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Os peixes de Pavel Constantin Jorge Vidigal da Cunha, MS.em comunicação pela UMESP, Assessor de Marketing da UNIMEP Interessante este cartum de Pavel Constatin, que mostra o peixe grande, vamos chama-lo de “Peixão”, alegre ao ver um cardume de 18 peixinhos se aproximando. No primeiro quadro podemos perceber a reação do peixão, que é de alegria pois o alimento estava garantido. No segundo quadro percebe-se que alguma coisa estranha estava acontecendo, pois o peixão estava com uma expressão de má digestão, alguma coisa estranha estava acontecendo dentro dele, algo que não caiu bem na sua digestão. No terceiro quadro a grande surpresa e tristeza do peixão: dos 18 peixinhos que ele engoliu, 14 saíram com vida e os mesmos comeram/engoliram a sua própria carne, deixando somente a sua cabeça e o esqueleto de seu corpo. O peixão parece uma piranha, mas a sua mandíbula é diferente e seu olhar não é agressivo como o de uma piranha. Seu olhar está representado em três expressões, sendo a primeira um olhar dócil e alegre, a segunda, um olhar de mal-estar e a terceira expressão, olhar de estar chateado pela situação. Não é um olhar de raiva e sim de tristeza e decepção. A lição que este cartum nos traz é que na vida nunca podemos menosprezar os pequenos, principalmente quando estes se tornam um grupo unido. Para tornar-se grande e respeitado é preciso valorizar a equipe, dividir os méritos. Caso contrário, ficaremos contemplando o vazio e o estrago da partida daqueles que não soubemos valorizar, deixando em nós marcas profundas de dor e tristeza, representado pelo terceiro quadro.
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2006 Erasmo Spadotto
As balas do Spadotto Gilson Alberto Novaes, Professor na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “campus” Campinas. O trabalho do cartunista Spadotto, vencedor do Salão de Humor de 2006 reflete com uma sutileza notável, um problema que nossa sociedade convive desde muito tempo: a violência urbana, inclusive a infantil. Desde aqueles tempos observamos que nossas crianças e jovens tem para com as cápsulas que matam a mesma intimidade que tínhamos com as guloseimas do passado! Duas crianças, uma subindo num caixote para alcançar o baleiro, ambas empunhando um revólver e uma terceira com uma escopeta nas costas, todas buscando munição, mostra quão vulnerável estava nossa sociedade, já naquela época! Bons tempos aqueles em que as crianças buscavam caramelos nos baleiros! O cartum nos instiga a uma pergunta: onde estão os adultos que deveriam cuidar do baleiro e/ou das crianças? Antigamente, mesmo os baleiros com guloseimas eram mais vigiados e as crianças protegidas.
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2007 Primeiro Lugar Cartum Fernando Ferreira de Almeida, MS em Comunicação pela UMESP, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da UMESP 2007, o jornal a Folha de S. Paulo publica: “Após dez anos papa encontra o Brasil menos Católico”; Bento 16 visita o Brasil, “Tragédia em Congonhas: Avião da TAM com 176 bate em prédio e explode”; Reportagem da folha de S. Paulo “revela os bastidores da decisão do Supremo Tribunal Federal de abrir ação penal contra os 40 denunciados pelo mensalão”; “O repórter-fotográfico Antônio Gaudério ganhou o Grande Prêmio Folha de Jornalismo de 2007 por revelar as condições degradantes em que vivem os bolivianos aliciados para trabalhar em confecções paulistas”; “Aquecimento Global”, de 3 de fevereiro de 2007, rendeu a Eduardo Asta, Alexandre Argozino e Claudio Angelo o prêmio na categoria Arte. Em meio a estes destaques, é anunciado em Piracicaba que Evaristo Daniel Rodrigues, natural de Mineiros do Tietê, atuando em agência de publicidade em Barra Bonita, é o vencedor na categoria cartum no 34º Salão Internacional de Humor de Piracicaba. O cartum é de um canibal, que ocupa o primeiro lugar no pódio, sugerindo ter vencido a competição comendo os demais competidores. O desenho tem destaque pelo “traço gozado, hilário, simples e direto”. Mas o destaque maior estava por vir, a suspensão do prêmio por suposto plágio, polemica aberta pelo site brazilcartoon. O assunto virou discussão na internet com opiniões de cartunistas com posições contrarias e favoráveis à originalidade. O alerta ficou para o júri, que para alguns críticos deveria ter sido mais cauteloso. E ficou a dúvida, “é plágio ou coincidência?”
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2008 Mahmood Nazari
Até o silencio incomoda Paulo César D´Elboux, MS em Comunicação/UMESP, coordenador do Curso de Publicidade da Faculdade Anhanguera de Santa Bárbara d´Oeste A solução gráfica encontrada por Mahmood Nazari para definir o quanto a imprensa, quem a lê, quem a faz e quem a pensa, é questionadora no mundo todo é uma saudável provocação. Em situação normal, vizinhos reclamam dos outros pelo latido dos cachorros, pelos saltos altos que pipocam nas salas, pela cantoria nos banheiros no meio da madrugada, pelo som alto, pelas festas. Mas, jamais pela leitura de um jornal, livro ou revista. A leitura signífica acumulo de conhecimento, aumento da percepção crítica, engajamento político, entre outras situações. Mas nunca a ponto de interferir na vida do vizinho debaixo, como sugere o autor. Um ponto de vista especial, para uma ação inusitada. Que só mesmo o Salão de Humor de Piracicaba poderia nos proporcionar.
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2009 Pecado capital? Joacir Cury, jornalista formado pela UNIMEP e editor do jornal Gazeta de Piracicaba O cartum do polonês Joseph Jurcczysznyn sintetiza o consumismo global na representação de uma das mais famosas marcas de fast food. O McDonald’s dita as normas, como Moisés nos dez mandamentos, e como uma religião tem seus seguidores pelo mundo a fora. A gula dos simpatizantes, atraída pela excelente e milionária propaganda, não abre mão do sanduíche de nome, sem gosto gostoso, mas sempre na moda. Jurcczysznyn – difícil de ler e de se pronunciar – não precisa de palavras no seu crítico trabalho, apenas de um fundo vermelho, o ‘emão’ tradicional em amarelo e três dos algarismos romanos para transmitir o que uma marca significa. Ela é maior que a empresa, não tem preço, emplacou e é sucesso. E o interessante no cartum é que ele nos convida à degustação, sem contar até dez, mesmo àqueles que odeiam a marca e preferem os trailers ou as lanchonetes das esquinas com suas mesas encardidas nas calçadas. Na verdade, consumir McDonald’s – diz o cartunista na sua obra – é status, é social, é juventude e modernidade, não importa o sabor. Presente no 36º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o cartum de Joseph Jurcczysznyn certamente deu água na boca em jovens e marmanjos visitantes, que correram para o carrinho de cachorro-quente. O desejo de comer a marca é maior do que a fome. Sintetiza Jurcczysznyn.
Josef Jurczyszyn
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2010 Abroian Vladimir
Nariz pra lá, pés pra cá de Abroian Daniel Galindo, Doutor em Comunicação pela UMESP, em que atua como professor no programa de pósgraduação em comunicação A charge criada por Wladimir Abroian, apresenta-se como um traço característico das grandes ideias, ela é absolutamente simples e pontual para não dizer certeira em sua leitura. Contudo, após o riso quase que mecânico, brota uma certa seriedade em um momento mais contemplativo. Afinal, podemos visualizar um comportamento recorrente e decorrente de uma sociedade pós-moderna que independentemente do lugar ou espaço geográfico alimenta sua busca contínua pela satisfação e pelo prazer. Uma civilização reconhecidamente hedônica. O hedonismo aqui retratado apresenta-se no desenho conectado ao prazer pela comida, pelo sexo e por tantos outros aspectos da vida pós-moderna. No entanto, o traço do artista carrega ainda a certeira definição freudiana da sublimação, quando os impulsos do id rompem o seu espaço de contenção e restrição pessoal e social, para expressar-se livremente como a calça já aberta, em uma evidente reação diante de um estímulo meramente representativo. Tudo isso em relação a postura passiva e o olhar contemplativo diante das iguarias que aparenta alimentar a alma e não o corpo. Finalmente, o traço permite uma revisão ou localização do ciclo de vida ou o contraponto entre a maturidade da observação contemplativa e a jovialidade das reações mais explosivas e emocionais que somadas resgatam a vida, o sonho, o desejo e muita imaginação dos observadores.
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O choque ecológico de Angel Boligan Anita Simis, livre docente em Sociologia da Comunicação, UNESP/Araraquara A cidade de San Antonio de los Baños, em Cuba, conhecida por ser a sede da Bienal del Humor, e local de nascimento de Angel Boligan certamente influenciou a escolha de sua carreira. Atuando como Presidente da agência Cartonclub (El Club de la Caricatura Latina) e como membro do Sindicato Internacional de Caricaturistas Caglecartoons, INC., dos EUA, da agência Courrier International da França, bem como da Unión Nacional de Escritores y Artistas de Cuba (U.N.E.A.C), conjuga a ironia do traço com a práxis política e apresenta um humor gráfico instigante, fino e perspicaz. Residindo no México desde 1992, Angel Boligan ganhou o mundo e já acumula mais de 130 outros em diversos países. Entre estes o primeiro prêmio na categoria de Meio Ambiente do 37o Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em agosto 2010, um espaço consagrado por sua história e referência não apenas para todos os cartunistas, mas também o público em geral conhecedor dos momentos emblemáticos que marcaram a iniciativa durante a ditadura militar. O artista foi premiado por sua capacidade de síntese e impacto imediato, sua marca registrada mais uma vez demonstrada neste cartum, cuja imagem, só aparentemente explícita, proporciona diferentes ilações sempre sob a perspectiva ecológica. O desenho de um ser humano com pernas vegetais enraizadas e corpo coberto de pelo líquido escorrido de um barril de petróleo seguro por braços vegetais que a boca aberta na pequena cabeça está a beber, nos leva a refletir sobre a intoxicação que nosso meio, e nós como parte dele. Mais que uma denúncia sobre o dano ao meio ambiente, aí está um ataque ao poder estúpido do capital.
Angel Boligan
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Thiago Hoise
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Tiago Hoisel: de aluno a professor Gisely Hime, Doutora ECA/USP, coordenadora do programa de lato sensu em comunicação da FMU Adoro circo. Fecho os olhos e penso num circo. As cores, as luzes, a alegria, o movimento. Cor, luz e movimento também marcam o esporte. Mas, nem sempre a alegria. Por isso, adorei a charge de Tiago Hoisel. No pódio erguido no centro do estádio lotado, os dois atletas campeões observam desaprovadoramente a alegria do terceiro colocado: um palhaço de pernas de pau que se alonga quase ao céu, nariz em riste, à luz do sol, contra o céu azul! Seriam competidores na modalidade salto em altura? Neste caso, o palhaço estaria em vantagem com suas longas pernas de pau! Ou não? O inusitado da situação faz pensar... Cor, luz e textura gritam no traço de Tiago Hoisel. Combinando a ilustração aos recursos digitais, a imagem ganha dimensões e, assim, realismo. Com enquadramento de fotografia, parece distorcida por uma grande angular que valoriza a forma circular do estádio, abobadado pelo céu. Os cabelos do palhaço, ao melhor estilo Bozo, esvoaçam ao vento. Tão real e, ao mesmo tempo, tão subversiva, alçando o terceiro colocado tão além do lugar mais alto do pódio! Vencedor da edição de 2010, o jovem baiano é um dos muitos talentos revelados pelo evento, que renovam o cenário nacional da ilustração, com domínio técnico, criatividade e irreverência. “Foi minha escola. Graças ao Salão de Humor de Piracicaba consegui me desenvolver profissionalmente”, assim Tiago Hoisel define o Salão do Humor, hoje, diversos outros prêmios colecionados, renomado, produzindo para as principais publicações editoriais do País e para importantes agências de publicidade nacionais e internacionais. Não à toa foi incluído no livro Illustration Now 3, da editora Taschen, que exibe uma coletânea dos 150 ilustradores mais influentes do mundo na atualidade.
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2011 Dario Castillejos Lazcares
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Dario Lazcares: homem contemporâneo? Marialva Barbosa, Doutora em História e decana do programa de pós-graduação em comunicação da UFF. Professora do programa de pós graduação em comunicação na UFRJ. Uma imagem transformada pela crítica que sai do traço e se constitui como síntese de uma ideia. Uma narrativa que faz do traço a expressão maior da caracterização do mundo. Um espelho, alguém que se dispõe a ajudar outro que, de fato, é ele mesmo. Escrever sobre qualquer imagem é profundamente difícil. Mas quando essa imagem tem na sua narrativa a crítica construída no traço que desenha o gesto e produz a humanidade de quem o conduziu é ainda mais problemático. O desenho de Dario Lazcares, vencedor do Salão de Humor de Piracicaba, em 2011, revela uma perspectiva do tempo que denominamos contemporâneo que, caracterizado pelo isolamento e pela distância, produz a cegueira momentânea de não se ver no outro e não ver o outro. Agamben (2009), ao falar do contemporâneo afirma que pertencer ao presente é não se adequar às pretensões do seu tempo, sendo inatual. Caracterizando a contemporaneidade por uma singular relação com o tempo, o pensador afirma ser esse tempo marcado, duplamente, pela aderência e pela distância. Aqueles que aderem à época não vivem a contemporaneidade exatamente por não conseguir vê-la, já que o olhar está ofuscado pelo agora, não podendo deslocá-lo para visualizar o que chamamos tempo presente. Deslocando o sentido do termo para aquele que experimenta a vida, o autor define contemporâneo como o que consegue ver, apesar das luzes que provém da sua época, as sombras, a obscuridade: “Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém do seu tempo” (2009, p. 64). Nesse sentido, podemos dizer, metaforicamente, que o homem construído por Lazcares é uma síntese do homem contemporâneo, já que o espelho ofusca a luz e coloca em seu rosto o facho de trevas que vem de seu próprio tempo. E esse facho pode ser não perceber que o outro, que ele vê, é ele mesmo, imagem ofuscada apesar do espelho. Na imagem há certa dimensão do que podemos chamar espaço de experiência. O presente do homem que olha e não vê coloca-se como distante, fora dele mesmo. Nessa dimensão de um olhar que não percebe o agora mesmo, temos um tempo sem passado e sem perspectiva futura. O que existe é uma temporalidade permanentemente marcada pelo instante. Isso faz com que transitoriedade seja a prática mais evidente das relações sociais, intermediadas por aparatos que primam pela possibilidade de produzir a sensação da simultaneidade temporal. Nesse sentido, o aparato tecnológico (aqui representado pelo espelho que se antepõe ao olhar de quem vê e não vê) torna-se prótese pela ação daquele que dele faz uso numa dada temporalidade, criando um novo tempo marcado pela possibilidade do eterno presente.
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Musa Gumus
O faminto segundo Musa Gumus Rose Vidal, MS em Comunicação pela UMESP, doutoranda na mesma instituição, professora da Universidade de Vila Velha/ES O 38º Salão Internacional de Humor de Piracicaba (2011) além da premiação principal concedeu menções honrosas nas mesmas categorias das oficiais. Um dos agraciados, o turco Musa Gumus, pelo trabalho alimentação. Não é de hoje que a charge é levada como crítica social, neste trabalho de Musa Gumus o desenho nos leva a duas interpretações mais com sentidos iguais. Uma poderia ser a impaciência do cliente pela refeição e que chegou ao ponto de comer a própria mesa. Num outro olhar seria que “o apressado come cru”, destacando que ele está sem tempo e precisa comer rápido e não aguenta a demora. Ambas interpretações revelam o cotidiano do homem que vive essa dromocracia, ou seja, sob o poder da velocidade (termo cunhado por Eugenio Trivinhos). Sempre correndo, sempre contando no relógio cada segundo, cada instante, escravo da sociedade de informação. A charge de Gumus revela o quanto temos perdido e não aproveitado cada momento de nossas vidas, preocupados apenas com que temos que fazer, sem perceber como e para que fazemos. Hoje os diálogos estão cada vez mais escassos, haja vista, que o cliente da charge aponta para o relógio desesperado sem saber o real motivo da demora (será que tanta assim?) da refeição. A vida passa rápido demais, porém a cordialidade, o companheirismo e a apreciação de pequenas coisas é que dão o tom da essência humana, como por exemplo, degustar sem pressa uma simples refeição.
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Rumos de Rumen Dragostinov, Bulgária Marco Antonio Batan, Doutor em Comunicação pela ECA/USP, coordenador do Curso de Comunicação da Católica de Santos Para entender o sentido da charge é fundamental visualizar a localização geográfica da Bulgária exatamente na confluência da Europa e Ásia. Ao noroeste fica a porta para o Ocidente, a leste, a costa do Mar Negro, que atrai turistas o ano inteiro. Ao norte ficam as planícies das margens do Danúbio e ao sul a área montanhosa. A Bulgária faz fronteira com Romênia, Sérvia, Grécia e Turquia e com população que inclui ciganos e macedônios. A charge descreve um diabo dissimulado como poste de sinalização em solo búlgaro em cruzamento que repete no solo a forma de estrela, símbolo presente na atual bandeira da Bulgária. Com cara de paisagem, mas com o rabo de fora, o diabo sonso dá opções para a esquerda e para a direita, indicando o caminho ao mesmo tempo do Ocidente e das delícias do Mar Negro. Ambos pecaminosos, representando desejos de consumo. Já a mão no céu indica o norte como único caminho, com a tranquilidade das planícies das margens do Danúbio, intimamente ligadas à cultura milenar búlgara. Isso conduz para o entendimento de que a virtude está no centro, em caminho reto sem desvios. As eleições de 2013 parecem confirmar a visão do autor em 2011. A eleição de partido do centro-direita hoje vence sem maioria e substitui um governo socialista. Na charge as cores quentes cedem lugar às cores frias, mas a luz (a salvação) está ao centro e ao norte do caminho. Não é de admirar que o indivíduo viajante, de poucos pertences amarrados em trouxa pendurada ao ombro em uma vara – símbolo carinhoso de andarilhos pobres eternizado no cinema mudo de Chaplin - com expressão leve de quem está andando ao sabor do vento, ao chegar ao cruzamento tenha mais opções erradas do que a certa, como o diabo gosta. Adotando Deus e o Diabo como personagens num país com profunda religiosidade (85% de cristãos ortodoxos), a charge faz crítica em que ressalta indecisão e alienação no comportamento dos cidadãos búlgaros, toma partido político e põe o dedo na ferida com bom humor.
Rumen Dragostinov
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2012 Angel Boligan
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A Siria contemporânea de Boligan Paulo Roberto Figueira Leal, Doutor em Comunicação, professor do programa de pós graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG O humor inteligente tem capacidade de síntese admirável. Por meio dele, com economia de traços e de palavras, compreende-se mais facilmente um fenômeno que, na realidade, tem alta complexidade. Ter sucesso em tratar com simplicidade – nunca com simplismo – de temas potencialmente áridos, como a política internacional, ilustra essa característica: o chargista mexicano Angel Boligan, vencedor do Prêmio Charge do 39º Salão do Humor de Piracicaba, brilhantemente exercita em seu trabalho a capacidade de síntese associada à inteligência e à sensibilidade. Um frágil barco de papel da Organização das Nações Unidas (ONU) navega – em rumo de saída – no mar avermelhado de sangue dos conflitos da Síria: que imagem poderia ser mais econômica para dar conta dos enormes dilemas e desafios da comunidade internacional sobre como lidar com o drama daquela guerra civil? Como os grandes bailarinos que comovem com um leve movimento, como os grandes atores que sensibilizam com um breve olhar, como os grandes filósofos que iluminam a compreensão com uma rápida frase, os grandes chargistas põe o dedo numa ferida que precisa ser tocada e fazem pensar com uma simples imagem. Intrincadas questões geopolíticas, que demandariam longos tratados argumentativos no mundo acadêmico, revelam-se a nós de maneira clara, por meio do traço de Boligan: elegante e reveladora síntese que nos sensibiliza, nos ajuda a compreender e, quem sabe, nos estimula a melhorar a nós mesmos e ao mundo.
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Oleksy Kustovsky, Ucrânia Cinara Augusto, Doutora em Comunicação pela ECA/USP e professora do curso de Comunicação da Católica de Santos Confessionário para todos? No contexto do campeonato europeu de futebol de 2012, com Ucrânia e Polônia como anfitriões esperando milhares de turistas, a charge evoca o “clima poluído” de jogos de poder e do entrelaçamento entre desporto e política prejudicando não só o Euro 2012, mas as esperanças de progresso econômico e social para a Ucrânia após a independência da Rússia, em 1991, por conta de investimentos em infraestrutura para o evento. E, claro, com a liberdade de expressão para criticar governo e políticos, nem a religião escapa, num país onde o desejável diálogo ecumênico parece emperrado. Na charge, em fila a perder de vista, aguardam pessoas vestidas sobriamente e passam bagagens, mas o que seria rotina comum de alfândega em aeroportos internacionais vira crítica mordaz, com o viajante tendo que se espremer e ajoelhar para contar pseudos pecados. Do outro lado do surpreendente “confessionário”, um bispo. Sentado, mãos calmamente cruzadas sobre o colo, um pé delicadamente embicado, a expressão levemente entediada de quem tem que ter paciência. Suprema ironia em referência ao Arcebispo Maior dos cristãos ortodoxos orientais? A charge diz, sem palavras, somente com os mecanismos visuais – o cinza azulado e apagado do lado de fora para as cores firmes, mas frias do interior, o desenho que esclarece os personagens principais – o turista com perfil de terceira idade, único vestido de camisa e bermuda com estampa que lembra um ostensório, público não usual em estádios de futebol e o bispo, todo o poder concentrado no religioso – que o resultado do evento pode não ser bem o esperado. Ainda assim, pelo time do coração e outras questões complexas, talvez até valha a pena uma palavrinha ao pé do ouvido certo... Humor cáustico e, em certa medida, universal. Melhor para o Salão de Humor de Piracicaba.
Oleksy Kustovsky
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CARICATURAS E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
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Os quadrinhos em Piracicaba Alvaro Moya,ECA/USP, Membro Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba Tinha que ser em Piracicaba! Nos anos 50, Edson Rontani criou pela primeira vez, o que viria ser um fanzine no futuro. Denominava-se “Boletim de Ficção Científica Alex Raymond”. (Só muitos anos depois alunos da ECA e FAU da USP criaram o primeiro fanzine brasileiro, o “Balão”). O nosso grupo de quadrinhos na Capitar criou um apelido carinhoso para Edson, graças ao seu porte físico e o paletó de botões cruzados: Clark Kent! Nos meados dos anos 70, o Mackenzie organizou um Salão de Humor. Os cartunistas de São Paulo e Rio apoiaram e compareceram. Lembro-me do encerramento festivo, anos depois, com uma mesa digna de Leonardo Da Vinci. Encabeçados por Ziraldo, todos destacaram a luta d’O Pasquim contra a ditadura militar. A plateia de jovens não estava nem aí com a luta pela democracia. Então, solenemente foi anunciada a palavra final de Millor Fernandes. Este empunhou o microfone e declarou, mais solene ainda: “Está encerrada a sessão!” Tinha que ter um encerramento digno do humor nacional...
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Esse evento incentivou um grupo de intelectuais, jornalistas e professores de Piracicaba de criar um Salão definitivo sobre o tema tão caro aos brasileiros. Procuraram a pessoa certa: Zélio. Aí, o resto é história. Ali residiu a luta contra a ditadura, nos anos de chumbo. A Prefeitura da cidade apoiou a iniciativa, tornando-a com o passar dos anos em evento de prestígio internacional. A mudança de prefeitos jamais alterou o apoio, pelo contrário, foi crescendo cada vez mais. Enquanto muitos eventos internacionais infelizmente terminaram, o nosso é dos mais longevos na categoria. Desde o início teve presença internacional: Rinaldo Traini com o exemplo do Salão de Comics em Lucca, na Itália. E no ano de 1976, a vinda como convidado primeiro, o expert em Bandes Dessinées, o francês Claude Moliterni. O qual ficou tão encantado que escreveu e publicou na sua editora Dargaud, um álbum em quadrinhos desenhada por Walter Fahrer intitulado (como parodia do clássico do cinema francês Hiroshima Meu Amor de Alain Resnais, cineasta fanático por Dick Tracy e Mandrake): Pirracicabá, Mon Amour. Com direito a personagens brasileiros como Jayme Cortez e Alvarro de Moyá como vilão... Como se vê, os quadrinhos tiveram presença no Salão desde o início. No ano seguinte ao francês, veio Sergio Aragones, mexicano radicado nos States, colaborador de prestígio na revista humorística Mad. Nome respeitado no mundo todo. Nesse começo também, tivemos a presença de grandes nomes no Brasil como Millor Fernandes, Fortuna, Ziraldo (irmão do Zélio), Jaguar, Alcy, a turma de O Pasquim. E gente nova como Laerte, Angeli e Glauco. Este último homenageado no nosso 39º Salão. Maurício, o maior nome no Brasil, o mais bem sucedido, o pai que consagrou sua filha Mônica como um ícone nacional, conhecida do Oiapoque ao Chuí, desde 1959 acompanhando o crescimento das crianças brasileiras e deixando uma lembrança delicada de suas infâncias. Ele esteve e está em Piracicaba. Na primeira edição, Ciça já estava presente, prenunciando a presença feminina importante hoje nos salões como Pryscila Vieira, Patricia Machado, Shima Jalal Kamali, Deborah Santos Nani Mosquera, Catia Ana Baldoino da Silva e outras. Temos também jovens autores de Piracicaba como Érico San Juan. E os workshops de quadrinhos ministrados mesmo longe das datas dos Salões, fazendo da cidade do humor uma escola de quadrinistas. Que começou com o piracicabano William Hussar, hoje no comité de direção do Festival. Foi surpreendido quando apresentou uma obra em “3D” e ganhou o primeiro prêmio em quadrinhos. Recebendo trabalhos de todos os rincões do Brasil, chegou ao status internacional e, nos comics, recebe obras notáveis com bons desenhos e textos criativos de países diversos como Espanha, Mexico, Irã, China, Turquia, Uzbequistão, Servia, Croacia, Cuba, Romenia, Equador, Ucrania, Itália e Argentina, esta aliás mandou um trabalho que conquistou um prêmio para los Hermanos... Piracicaba, além de cheia de flores e cheia de encanto, é cheia de humor.
1985 Márcia Pereira Braga
Jânio derretendo-se de bêbado Adriana C. Omena dos Santos, Doutora, Universidade Federal de Uberlândia/MG A caricatura do Jânio Quadros bêbado, enviada para o Salão Internacional de Humor no ano de 1985, é de autoria de Marcia Pereira Braga e diz respeito a uma fase do político Jânio Quadros, com a conotação de que estava bêbado a ponto de estar derretendo. Jânio da Silva Quadro foi o vigésimo segundo presidente do Brasil, de janeiro até agosto de 1961, quando renunciou. Em 1985, elegeu-se prefeito de São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a caricatura diz respeito exatamente a esse período em que Jânio retorna à vida pública. Os traços caricaturais da personagem evidenciam a personalidade peculiar de Jânio, que teve uma de suas frases célebres registrada em jornais no período em que era candidato a prefeito, em resposta ao jornalista que o questionou porque bebia e respondeu: “Bebo porque é líquido. Se sólido fosse, comê-lo-ia.” A caricatura retrata as especificidades da situação política, social e econômica de Jânio Quadros, figura polêmica da política brasileira que, ao voltar à cena política como prefeito de São Paulo, em 1986, pendura em seu gabinete um par de chuteiras indicando que pretendia aposentar-se da política e das disputas eleitorais. A mensagem que a imagem pretende transmitir diz respeito à opinião da autora acerca do político, uma vez que a caricatura se trata de um gênero do jornalismo opinativo, com uma função humorística clara, de fazer rir e refletir, desnudando a situação representada. Uma breve reflexão acerca da caricatura do Jânio evidencia que o humor não é apenas a arte de fazer rir, mas uma análise crítica da vida da personagem e da situação vivida por ela, no caso, a apreciação da bebida por Jânio Quadros.
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1985
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Eloar Guazzelli
Músicos em quadrinhos de Eloar Isabel Orestes, Doutora PUC/SP, professora da Universidade Mackenzie. A narrativa é contada tendo como base pictórica dois elementos sígnicos que criam unidade na cena: um quadro com a imagem de São Jorge, o santo guerreiro e um Jukebox (máquina que reproduz música quando se insere uma moeda). Com esses elementos simples a composição estética destaca a imagem geométrica central de cor amarela e a essa forma que se repete, é acrescenta gradualmente figuras humanas que pela nostalgia da melodia cantada resgatam da memória, a saudade de um grande amor. O olhar então é sequestrado pelas imagens das notas musicais que dão ritmo a leitura sem texto tipográfico, mas que permitem inúmeras outras interpretações, especialmente as voltadas às questões afetivas. Para contar essa narrativa um homem se põe a ouvir e a lembrança da mulher amada surge. A música cessa, mas a menina que entra traz a canção de volta ao colocar novamente uma moeda na máquina. Outro homem chega, ouve a canção e vê um casal que dança. Saudades do amor para um e amor sendo saudado para outros. Até o cachorro é afetado pelo som. Surge um alcoólatra que de entorpecido cai. Eis a dúvida: cai pelo som, pelo álcool, pelo sono ou por saudades? Ele é retirado. Agora uma mulher e um homem, um novo encontro acontece. Outra pausa ouve-se o silêncio. Outra mulher coloca a moeda e ressurge a saudade, um homem aparece e a leva seria isso um consolo, uma nova substituição pela falta e ausência da lembrança do amor? O fim da narrativa tem seu ápice no quadrinho com alguém limpando o local e como efeito surpreso surgem da máquina três músicos. Essa cena pitoresca nos faz esboçar um sorriso pelo humor jocoso expresso na fala dos personagens que trabalharam tocando o dia inteiro por conta de alguns trocados. É legitimo dizer que Eloar Guazeli Filho consegue propor um contraste sutil que rompe de modo inteligente com o estado melancólico do saudosismo romântico e eleva a leitura para um salto de humor. Uma pitada de graça sem pedantismo.
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1994 Cau Gomez
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O guerreiro de Claudio A. Gomez Bruna Vieira Guimarães, MS UMESP, coordenadora do curso de comunicação da Faculdade Módulo, Caraguatatuba/SP A taça da Copa do Mundo de 1994 ajudou a contextualizar a caricatura de “Dunga”, capitão da Seleção Brasileira e principal responsável pelo tetracampeonato. Ele, vivendo um dos momentos mais inesquecíveis da carreira de jogador de futebol: ser campeão do mundo. Autorretrato inusitado de Carlos Caetano Bledorn Verri ou simplesmente Dunga. Testa franzida. Cabelo arrepiado. Boca carnuda. Olho encolhido e ranzinza. Uma mistura de homem das cavernas enrustido no colete de pele animal. Taça transformada em “osso” para luta. Convicção de que venceria a “luta” da Copa dos Estados Unidos. Aquarela em tons pastéis e nas cores marrom, bege e amarelo (ouro). Nem precisou de tons mais fortes para aumentar a vibração da caricatura. Muito bem feitos os traços da boca, queixo e testa de Dunga. Bochecha vermelha “cansada” pela trajetória determinante que resultou no pódio mais alto da Copa. Os traços grosseiros, desproporcionais e fortes que o cartunista fez de Dunga, serviu também para “prever o futuro” do então, técnico Dunga. De 2006 a 2010, ele comandou a Seleção Brasileira com sua personalidade rígida e exemplar, de homem sério, responsável, bruto e rústico. Um jeitinho brasileiro de ditador carrancudo. Ele marcou o seu tempo. Que venham outros Dungas para nos trazer o hexa, o hepta e o octacampeonato. Quem sabe o hexa vem agora, na Copa do Brasil de 2014.
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Willian Hussar: uma nova perspectiva para os quadrinhos Roberto Elísio dos Santos, Doutor em Comunicação Eca/USP, Professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação do IMES, São Caetano do Sul Desde seu surgimento, as narrativas sequenciais tem se caracterizado pela bidimensionalidade: os desenhos sobre papel, ou até mesmo fotografias em relação de continuidade, apresentam um mundo chapado, tendo como ilusão de profundidade apenas os efeitos permitidos pela perspectiva. Até mesmo no ambiente virtual, as histórias em quadrinhos são limitadas pela tela plana do computador ou tablet. Mas as histórias contadas nas obras realizadas por William Hussar acrescentam a tridimensionalidade a esse produto cultural. Suas narrativas são pequenas esculturas em relevo que permitem um novo olhar e uma nova sensibilização do leitor/observador. Elas exigem um olhar atento aos detalhes às cores e texturas dos objetos colocados em cena – como elementos de cenografia que ocupam o palco formado pela vinheta. Essa mise-en-scène é acrescida por elementos próprios dos quadrinhos, a exemplo dos recordatórios onde são inseridos os textos da narração, e da relação sequencial. Mais profundo que o emprego de objetos tridimensionais, no entanto, é o conteúdo dos relatos, que tratam de questões existenciais e metafísicas do ser humano. Podem ser enquadrados, portanto, no âmbito das denominadas histórias em quadrinhos poético-filosóficas. Hussar é um participante habitual e veterano do Salão de Humor de Piracicaba, no qual foi premiado em seis edições e para o qual realizou o cartaz do 38° evento. Formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, esse artista participou de exposições do Brasil e do exterior e publicou seus trabalhos em vários títulos, como a edição da revista Brasilian Heavy Metal, lançada em 1996.
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1997 Marcelo Eduardo Lelis
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Marcelo Lélis – “Domínio Legal” Marcelo Briseno Marques de Melo, Doutor em Comunicação e Artes pela Universidade Mackenzie, coordenador do curso de rádio e televisão da UMESP Marcelo Eduardo Lélis de Oliveira já é um veterano do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Em 1988 foi premiado na categoria HQ e em 1997 no 24° Salão recebeu novamente o prêmio de melhor HQ com “Domínio Legal”. Lélis nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, onde realizou suas primeiras experiências com ilustração. Inicialmente atuando em um jornal local, utilizando nanquim colorido e posteriormente desenvolvendo a técnica da aquarela que se tornou característica de seus trabalhos. O artista mineiro desenvolveu sua técnica praticando sem ter cursado formalmente nenhuma escola de arte. Sua passagem pelo Estado de Minas e outros jornais lhe deram o conhecimento de novos materiais e a experiência da pressão das redações quanto ao fechamento das edições, tornando-o um desenhista versátil e veloz. Analisando o traço de Lélis, podemos notar que seu estilo de representação gráfica se aproxima do naturalismo. Seus personagens, ainda que se apresentem de maneira caricaturada, conservam características como proporção corporal e iluminação, distanciando-o da classificação de traço fantasioso. Também notamos a semelhança com o traço europeu. O estilo de Lélis, que traz uma linha bem definida, naturalista e com o uso de hachuras, se aproxima muito do estilo que alguns ilustradores europeus imprimem em seus trabalhos. Porém, as influências de estilo do autor não estão ligadas diretamente a nenhum artista ou movimento artístico específico, mas sim a sua experiência de vida somada com toda a variedade de referências visuais que teve contato. A escolha dos materiais aplicados em suas HQs juntamente com as experiências que viveu fazem de seu trabalho algo único. A identidade do artista transparece na sua técnica de aquarela como se fosse uma assinatura, trabalhando a pincelada, a paleta escolhida e a combinação das cores. O uso de recursos referentes à aquarela diferencia muito o seu trabalho. Lélis, diferente de muitos artistas que trabalham com a tinta aguada prefere a tinta mais seca. Utiliza a mistura de tinta de forma mais uniforme com uma proporção de água e tinta equilibrada trabalhando a combinação de vários tons de um mesmo matiz e um bom jogo de luz e sombra. Para atingir a luz ideal, Lélis faz uso do branco do papel sem a adição da tinta branca para que a ilustração ganhe vida. Sua opção de uso dos tons das cores está ligada com sua origem em Montes Claros, que se reflete na opção de trabalhar com cores quentes e que se aproximam da cor da terra. As HQs de Lélis, como em “Domínio Legal”, apresentam uma grande sintonia entre escritor e ilustrador com a história e permitem ao leitor experimentar duas versões narrativas explorando sua capacidade imaginativa ao combinar o texto com as ilustrações. “Domínio Legal”, além de ser um trabalho representativo do estilo do quadrinista mineiro, também se mantém extremamente atual, já que a disputa das emissoras de TV pela audiência aos domingos e a mobilização de fiéis entre igrejas continuam com embates acirrados, e seguem como tema recorrente nos meios de comunicação!
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1998 Marcos de Souza
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Vale tudo! Leticia Costa, Doutora pela UMESP, professora da Universidade de Taubaté/SP De Tim Maia intérprete existem histórias inesquecíveis. Mas delas sobrevivem certamente a saudade pelo jeito de cantar, pelo humor cáustico do cantor-personagem, pelo estilo que criou num segmento da música popular brasileira. Já o síndico do elevador de Marcos de Souza, o Quinho, é uma caricatura exuberante. Que entre cobras e lagartos, suores mal escondidos, pescoço denso, olhar amoroso, sobressai-se a voz. Mesmo que não se ouça o seu swing estão nos lábios carnudos do velho Tim, a identidade maior desta caricatura. Como quem beija o infinito, deixando transparecer um bigodinho ridículo é de lá que sai o canto/encanto de Tim, tão bem capturado pelo traço do autor. Trata-se de uma das mais belas caricaturas do acervo rico que o Salão de Humor de Piracicaba acumulou ao longo de 40 anos de uma história bem sucedida, dando espaço, vez e dignificando as artes gráficas de autores brasileiros e estrangeiros.
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1998 Dรกlcio Machado
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Chico Buarque por Dálcio Ricardo Viveiros, jornalista e membro do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Há séculos existe a caricatura, arte do traço e da troça, aquele jeito inteligente, sensível e atrevido de buscar nas características físicas de alguém uma conexão com o que lhe vai na alma. Ou seja, a pessoa por fora e por dentro em um novo contexto de interpretação ligado à vida, e de maneira bem humorada. Alguns grandes pintores como Goya, Bosch, da Vinci, Grosz e o nosso Di Cavalcanti, fizeram isso com maestria. No Brasil, temos grandes artistas da caricatura. Um deles, sem dúvida, é o Dalcio Machado. Ou, simplesmente, “Dalcio” como assina os seus trabalhos. Ele nasceu em Campinas (10/02/1972), interior de São Paulo, iniciando sua carreira aos 16 anos no “Correio Popular”, diário local. Desde os anos 1990 ampliou seus horizontes trabalhando para importantes meios de comunicação e editoras do País (“Veja”, “O Estado de S. Paulo”, “Playboy”, TV Globo etc). Ilustrou inúmeros livros infantis e criou um seu, editado pela Companhia das Letrinhas, “Não brinque com a comida!”. É um dos artistas gráficos mais premiados no Brasil e no Exterior. O que inclui o “Award of Excellence”, recebido no 11th International Editorial Cartoon Competition, promovido pelo Canadian Committee for World Press Freedom – Unesco, em Ottawa, Canadá. Mas, como um “quase mineiro” (casou com a Lu, de Passos-MG, e descobriu o pão de queijo) segue pessoa simples, afável e aberta ao constante aprendizado da arte e da vida, não necessariamente nessa ordem. Em 1999, Dalcio venceu a edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba com uma caricatura do Chico Buarque de Holanda. Como crítico de arte, se pretendesse analisar esse específico trabalho, poderia dizer sem medo de errar que é uma obra-prima do gênero. E não foi sem razão que conquistou o mais importante prêmio do País. Chico, nessa caricatura de Dalcio — muito além de ressaltados os traços físicos marcantes —, traz na força do seu conhecido olhar a essência do homem, compositor e intérprete. Revela a inquietação do intelectual comprometido com paz, liberdade e justiça. Caracteriza o boêmio tímido, nostálgico e amante da arte. O formato dado à cabeça de Chico determina a grandeza de seu pensamento ao caracterizar uma torre. Algo como um farol que emite a luz do conhecimento e, assim, orienta os viajantes ao som de suas canções. Todas elas que, como a arte da caricatura, ao mesmo tempo em que divertem também fazem pensar. E como é bom pensar, assim como fazem o Chico e o Dalcio.
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2002 Luiz Gustavo Paffaro
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Texto para caricatura de Paffaro Francisco de Assis, Doutor em Comunicação pela UMESP e professor da ESPM No italiano, caricare – origem semântica da palavra “caricatura” – refere-se a satirizar, ridicularizar, ironizar. E bem é assim que ela age no meio social. Formato híbrido, que transita entre as artes plásticas (o desenho) e o jornalismo (gênero opinativo), a representação de pessoas em traços exagerados tem espaço cativo em veículos da imprensa, especialmente no jornal, na revista e, mais recentemente, na internet. No exemplo que aqui vemos – assinado por Paffaro, de Vinhedo (SP) –, isso tudo se evidencia: é o ator Raul Cortez (1932-2006) quem aparece em linhas acentuadas: com orelhas grandes, testa franzida, bigode superdimensionado. Diferentemente da charge, cujo propósito é criticar, humoristicamente, um fato ou um acontecimento situado no espaço e no tempo, a caricatura trata – ainda que com humor – apenas da figura enfocada. Não interessa, quase sempre, a situação ou o momento em que possa estar. A referência feita pelo cartunista é essencialmente ao personagem. No entanto, e mesmo não sendo regra, seu destaque costuma acompanhar alguma projeção midiática, mas que dificilmente será lembrada no futuro. O autor da caricatura que observamos, Luiz Gustavo Paffaro, está acostumado a retratar figuras públicas ou personagens da cena noticiosa. Faz isso, profissionalmente, desde 1997. Seus desenhos, aliás, volta e meia circulam em veículos de prestígio, como o jornal Folha de S. Paulo e a revista SuperInteressante. Além disso, ele mantém um blog (http://paffaroartes.blogspot.com.br/), no qual compartilha muitas de suas produções. Fazer “releituras” de sujeitos em destaque é, por isso mesmo, sua especialidade. De volta à imagem de Raul Cortez: os traços engraçados, que ampliam a orelha esquerda e acentuam os vincos em torno dos olhos e na testa, não o expõem ao ridículo. É que a caricatura não se presta, necessariamente, ao deboche. Se ela pode ser severa, em muitos casos, mas também consegue ser amável ou aparentemente ingênua; do mesmo modo, pode tanto estigmatizar quanto humanizar certos personagens, segundo nos ensina José Marques de Melo, em seu livro A opinião no jornalismo brasileiro (Petrópolis, Vozes, 1985). Sem entrar no mérito da qualidade artística da peça (os fios de cabelo e da barba, o brilho dos olhos e até o amassado da roupa são de impressionar...), cabe dizer que a figura de Cortez é aqui revivida – apesar de, muito provavelmente, não ter sido essa a intenção, já que a obra data de alguns anos antes da morte do ator. Todavia, independente de seu real propósito, fato é que olhar para o semblante caricato faz voltar no tempo. O desenho, assim, oscila entre o humor e a nostalgia. Faz sorrir, sem debochar. Faz lembrar, sem precisar de palavras para estimular a memória.
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2003 Luiz Gustavo Guimar達es
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Frida Khalo nos traços de Luís Gustavo Guimarães Sandra Reimão, Doutora pela PUC/SP, professora da ECA/USP Nos traços de Luís Gustavo Guimarães, o cabelo preto de Frida Khalo (1907-1954) arrumado em coque se transforma na representação do macaco domesticado com o qual ela convivia. O desenho é de um mico comodamente sentado – ele nos observa com um olhar inquisidor e afirmativo, questionador e seguro, cheio de certezas e também pleno de vontade de conhecer o outro, o diferente. O doméstico e o distante. O mico que agora está acocorado no alto da cabeça veio da floresta, do lugar das árvores e plantas com suas folhas e flores – representadas no vestido. É da natureza também que vêm as flores do algodão – que colhidas e trabalhadas por mãos humanas e máquinas se transformam no tecido rústico do vestido e no branco da gola da renda. Natureza e indústria. As grandes superfícies planas que no trabalho de Frida Khalo remetem aos muralistas mexicanos que no século 20 construíram uma arte que dialogava com a arte popular do país e buscava redimir as tradições pré-colombinas, se fazem presente na caricatura de Luiz Gustavo Guimarães no vermelho sem sombras que faz fundo ao branco, também sem sombras, da pele. Os cílios pretos reforçados nos enviam a traços de Pablo Picasso, especialmente em alguns retratos de Dora Maar. A sintaxe picassiana também se faz presente na boca que se reparte em duas e um pedaço se transforma em brinco. Muralismo e Cubismo. Ao explicitar facetas latentes em elementos constituintes da poética de Frida Khalo, construída a partir do que lhe era próximo, a caricatura de Luiz Gustavo Guimarães nos mostra como essa mulher e artista foi universal a partir da valorização de seu lugar de vida, de sofrimento, de lutas e de cultura.
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2006
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Gilmar
As histórias de Gilmar Maria Claudia Setti de Gouvêa Franco, Doutora pela UMESP Foi um prazer ver e ler os quadrinhos do Gilmar, dada à leveza do traço e do texto. O Quadrinho enquanto objeto visual expressivo de comunicação e informação torna possível tecer análise de como se dá o processo de construção e reconstrução de identidades. Imagem e texto trazem um duplo movimento de incorporação de aspectos da sociedade e constroem novas realidades identitárias que permitem um novo olhar sobre os novos papéis reservados aos gêneros feminino e masculino. O modelo atuante no imaginário social brasileiro aponta para mudança de estereótipos e de valores de diferenciação social. Ocre utiliza símbolos que constituem o ideal de representação do feminino na sociedade contemporânea onde a análise das significações presentes nas representações, sobretudo imagéticas, dos personagens e de seu comportamento social na vida cotidiana se desvendam com graça e inteligência. Nas duas sequências de tiras é interessante ver o macho alfa sendo desmoralizada, a força da vontade da mulher definindo os caminhos da relação e o pragmatismo feminino, ou seja, Gilmar desconstrói a figura da mulher objeto e da mulher feminista uma vez que ambas negam o seu desejo, e representa a mulher contemporânea. Enfim a felicidade!
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2007 JosĂŠ Raimundo Costa
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Atualidade e sensibilidade na homenagem a um dos mais importantes nomes da arquitetura moderna Kátia Saisi, Doutora em Comunicação,PUC/SP A caricatura de Oscar Niemeyer foi a vencedora do 34º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, não apenas na categoria Caricatura, mas também do grande prêmio do Salão, o Zélio de Ouro. Nada mais justo. O personagem retratado pelo carioca José Raimundo Costa do Nascimento, o Ray Costa, é ninguém menos que uma das personalidades mais conhecidas do Brasil e do mundo em termos de arquitetura moderna. Oscar Niemeyer (1907-2012) chegou a ser eleito como um dos mais importantes gênios vivos de seu tempo. Iniciou sua vida profissional em 1935, no escritório de Lucio Costa e Carlos Leão, após uma juventude boêmia, típica carioca. Dizia ele que não queria, como a maioria de seus colegas, se adaptar a uma arquitetura comercial como o que se via por aí. Foi muito além de inovar a paisagem e os conceitos, com suas curvas características de suas obras. “”Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual”, falou. Responsável por inúmeras obras, como as principais de Brasília, o artista é admirado em todo o mundo e recebeu os principais prêmios da área. Teve uma profícua produção em termos de arquitetura, urbanismo, escultura, serigrafia, cenografia, mobiliário, ilustração e literatura, tendo publicado nada menos que doze livros. Mas também foi uma referência em termos de postura política, defensora do comunismo. Chegou a visitar a antiga União Soviética, onde se encontrou com diversos líderes. Fidel Castro teria dito sobre ele: “Niemeyer e eu somos os últimos comunistas deste planeta”. Para Niemeyer, não bastava fazer uma cidade moderna, era preciso mudar a sociedade. “A vida pode mudar a arquitetura. No dia em que o mundo for mais justo, ela será mais simples”, disse. De uma jovialidade e lucidez ímpares, morreu em dezembro de 2012, às vésperas de completar 105 anos de idade. Até o fim de seus dias, continuou ativo, crítico e cheio de projetos. “Desejo ver um mundo melhor, mais fraternal, em que as pessoas não queiram descobrir os defeitos das outras, mas, sim, que tenham prazer de ajudar o outro.” Para nós, brasileiros, que acabamos de perder Oscar Niemeyer, o trabalho de Ray Costa é de extrema atualidade. O artista consegue capturar, em seus traços monocromáticos e curvos, toda a expressividade do arquiteto. Um belo e justa homenagem a quem nos deixou um legado inestimável em termos de obra e postura frente à vida.
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2009 Omar Figueiroa Turcios
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O Obama de Omar Ude Valentini, jornalista formada pela UNIMEP, diretora de redação do Jornal de Piracicaba O colombiano Omar Figueroa Turcios traz em sua veia artística lápis, aquarela e tinta. Vivendo na Espanha com suas cores, em bichos e personagens, nos brinda com esse Barack Obama. A caricatura, feita em lápis de cor e aquarela, mostra em seu fundo a transparência do poder feita na ave símbolo americana, a águia. Turcios, como é chamado, passa em seu trabalho a força de uma imagem explícita no sorriso do país que quer dominar o mundo, seja contra armas químicas ou numa guerra declarada ao terrorismo. Assim nasceu nosso Salão Internacional de Humor, há 40 anos declarando guerra aos coturnos, que mudaram seus passos diante da grande bandeira que é o humor crítico e sem medo algum de baionetas ou fuzis armados. Pensar que na década de 1970, mais precisamente em 1974, amigos que aqui viviam decidiram inventar uma arma mais poderosa que a pólvora: a tinta. Em preto e branco ou em cores, cartuns, charges e caricaturas expressavam a mais inquieta insatisfação com o momento de repressão e a angústia de famílias e da sociedade, fracionda por jornalistas, músicos etc. Gemadas nos ombros de autoridades verde-oliva, viam nascer uma chama que não se apagaria por quatro décadas e, mesmo sendo chamado de ”quarentão”, resiste e mostra a democracia da arte feita e aceita em qualquer língua. São 40 anos de exposição e mais ainda, de reflexão. Uma leitura da nossa história e do mundo, em obras produzidas por artistas que têm no Salão uma vitrine e uma maneira de registrar seu nome na parede de uma das mais importantes galerias do mundo do humor gráfico. Parabéns, Salão, pelos seus 40 anos!
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YURI
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KUSSOBOKIN
O maior vencedor do Salão O mundo está menor e Piracicaba também fez/faz parte deste mundo, que desde terça feira, dia 15 de janeiro de 2013 perdeu Yuri Kosobukin. Este artista ucraniano foi entre o final dos anos 80 ao início dos 2000, o maior vencedor do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Yuri Kosobukin nasceu em 1950 na Rússia (antes da divisão territorial). Ele estudou engenharia aérea civil e graduou-se no Instituto de Aviação em Kharkiv. Em seguida, trabalhou no Centro de Design de Aviões Antonov em Kiev, como engenheiro. Ele não tinha qualquer formação artística profissional antes de começar a transformar seus primeiros cartuns. Mas mais tarde, ele desenvolveu seu próprio estilo único e inimitável. Sua estreia na imprensa como cartunista foi em 1976, dois anos depois do início do nosso Salão aqui em Piracicaba, com a idade de 26 anos, quando seus primeiros cartuns apareceram em periódicos diversos. Desde então, milhares de seus desenhos foram publicados em jornais e revistas em vários países do mundo. Ele também trabalhou em vários periódicos russos (Segodnya, Kyivska e Pravda). Até janeiro ele estava trabalhando como artista freelancer. Seus desenhos participaram em centenas de competições internacionais de humor gráfico e desenhos animados e ganhou mais de 450 prêmios diversos, entre os quais mais de 100 grandes prêmios. Seus trabalhos foram expostos em tantos países do mundo, que seria mais fácil dizer em quais eles não foram. Exposições individuais em Cuba, França, Alemanha, Itália, Polónia, Rússia, Turquia, Ucrânia. Viveu e trabalhou em Kiev, Ucrânia. Ao longo de 40 anos, ele foi o artista mais premiado do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Esteticamente, com traços relativamente simples, construiu o estereótipo do homem modelo dos seus trabalhos. Ora carecas, ora com chapéus de guerra ou cartolas. Barrigudos e corpulentos. Óculos. Olhos sempre arregalados. Nariz em forma de pepino. Olhares sombrios, nunca alegres, sempre ensimesmados. E no movimento das mãos, a senha para resolver suas histórias de uma página, suas comunicações agudas, que voaram pelo mundo como um soco no estomago contra as estruturas vigentes. Em um dos cartuns, ele carrega uma arma com as notícias de um jornal e tenta dizer à sociedade sobre a violência estampada dia após dia nos jornais de todo o mundo, como uma onda de difusão do mal estar, da criminalidade, uma apologia permanente dos desmandos. Notícia ruim é a que vende jornais, infelizmente. Com este cartum, venceu em 1995. Em outro, premiado com o primeiro lugar na categoria charge em 1993, no Salão de Piracicaba, há dois detalhes impressionantes. Uma língua gigantesca, impedida de falar, embora ele a balance aos quatro ventos. E duas tarjas negras sobre a boca, mostrando que é proibido falar. Na antiga União Soviética, onde iniciou seu arsenal de contradições, para a Ucrânia livre do comunismo de hoje, passaram se anos, mudaram-se (ou tentaram- se mudar...) os costumes e práticas políticas, mas o seu recado permaneceu ao longo destes 40 anos, como um dos mais marcantes da história do nosso Salão. Este cartum faz parte da capa do livro comemorativo aos 30 anos do Salão, editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Era possível vê-lo hilário. Como neste outro trabalho também exposto em Piracicaba, tripudiando sobre os nomes dos jogadores de futebol de Portugal (e quem sabe também do Brasil...), cuja inscrição na camiseta, fala por si. Este trabalho foi premiado no Salão de 1988, sua primeira inserção no rol dos vencedores.
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Mas indiscutivelmente o “patrão ladrão”, que enquanto é vestido por seu funcionário, aproveita para lhe pôr a mão no bolso para roubá-lo, é um dos mais fortes e robustos cartuns contra a tirania. O trabalho foi premiado no Salão de 1989 e recebeu o Prêmio Bamerindus. Ele venceu também na categoria cartum os salões de 1991, com um violinista que tocava para enriquecer os cofres do exército do seu país. Ficou em 2º lugar em 98 na categoria cartum. Voltou a vencer com um padeiro que tirava cópias Xerox de pães numa copiadora e, por fim, seu último prêmio foi em 2002, quando obteve outro primeiro lugar, com uma revolta engraçada de soldados russos. De 1988 a 2002, Yuriy Kosobukin contribuiu para elevar o nível do nosso salão com as suas charges e cartuns. E para difundi-lo no seu país ou por onde passou com as suas exposições. Seria um dos convidados para o júri de premiação do nosso Salão este ano. Não virá! Mas merece o nosso carinho e gratidão por sua presença entre nós nestes anos todos. Seu traço, suas mensagens, seus recados ao invés de lápides, que se transformem num hino contra a corrupção e os desmandos. Daqui e de lá! Adolpho Queiroz, pós doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Anhanguera Santa Bárbara d´Oeste.
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OS ORGANIZADORES
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BALAS
NÃO MATAM IDEIAS
(Foto: Prof. Manoel Nascimento / Mackenzie)
Adolpho Queiroz é publicitário formado pela UNIMEP, mestre em comunicação pela UNB, doutor pela UMESP e pós doutor pela Universidade Federal Fluminense/RJ; ex-presidente da INTERCOM e POLITICOM. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Anhanguera de Santa Bárbara d´Oeste. É um dos fundadores e atual presidente do Conselho Consultivo do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Leticia Hernandez Ciasi é aluna do 4º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista do projeto IPEA/SOCICOM. AUTORES – Adolpho Queiroz (Mackenzie/Anhanguera), Adriana Omena (UFU), Afonso C.A. Figueiredo (Faculdade São Luiz), Alexandre Huady Torres Guimarães (Mackenzie), Alvaro Moya (ECA/USP), Antônio Clériston (UFPE), Antônio Holfeldt (PUC/RS – INTERCOM), Anita Simis (UNESP Araraquara), Bruna Guimarães (Faculdade Módulo Caraguatatuba), Cândida Almeida (PUC/SP – Anhanguera), Camilo Riani (UNIMEP), Celso Figueiredo (Mackenzie), César Bolaño (UFS – ALAIC), Cinara Augusto (Católica de Santos), Dagomir Marquezzi (FAAP), Daniel Galindo (UMESP), Daniela Ota (UFMS), Eneus Trindade (ECA/USP e ABP2), Erich Vicente (Tribuna Piracicabana), Fausto Longo (Senattore PD/Itália), Fernando Almeida (UMESP), Francisco de Assis (ESPM), Gabriel Ferrato dos Santos (UNICAMP/UNIMEP, Prefeito Municipal), Gaudêncio Torquato (ECA/USP), Gilson Novaes (Mackenzie Campinas), Gisely Hime (FMU), Gláucia Davino (Mackenzie), Gustavo Alvim (UNIMEP), Hertz Wendell de Camargo (UEL), Ingrid Gomes (ISCA/Limeira), Isabel Orestes Silveira (Mackenzie), Kátia Saisi (PUC/SP), Lourdes Gabrieli (PUC/SP – Mackenzie), Joacir Cury (Gazeta de Piracicaba), Josemari Quevedo (UFRGS), José Maurício Conrado Moreira da Silva (Mackenzie), Jorge Tarquini (ESPM), Jorge Vidigal (UNIMEP), Kleber Mazziero (ESPM), Letícia Hernandez Ciasi (Mackenzie), Letícia Costa (UNITAU), Luana Panke (UFPR), Luiz Fernando Santoro (ECA/USP), Maria Cláudia Setti G.Franco (UMESP), Maria Cristina Gobbi (UNESP/Bauru), Marco Antônio Batan (Católica de Santos), Marcelo Marques de Melo (UMESP), Margarida Kunsch (ECA/ USP), Marialva Barbosa (UFRJ), Mariza Reis (Mackenzie), Maurici Scarpari (Anhanguera/Piracicaba), Monica Carnielo (UNITAU – Anhanguera), Nélia Del Bianco (UNB), Paulo Bonfá (RISADARIA), Paulo Botão (UNIMEP), Paulo D’Elboux (Anhanguera – Santa Barbara), Paulo Roberto Figueira Leal (UFJF), Nahara Mackovics/Quico Soares (Barão de Mauá – Ribeirão Preto), Nair Prata (UFMG), Regina Giora (Mackenzie), Ricardo Viveiros (Conselho Consultivo), Roberto Elísio (IMES/São Caetano), Roberto Gondo (Mackenzie/POLITICOM), Romualdo Cruz (UNIMEP/Villetim), Rosana Schwartz (Mackenzie), Rosângela Rizolo Camolese (EEP/Secretaria de Ação Cultural), Rose Vidal (Universidade de Vila Velha/ES), Sandra Reimão (ECA/USP), Sérgio Dayrell Porto (UNB), Silvia Yasulaitis (UFSCAR), Suzi Lagazzi (UNICAMP), Ude Valentini (Jornal de Piracicaba), Vanessa Molina (ESPM/Mackenzie), Victor Kraide (PUC/Campinas – UNIMEP), Wilson Bueno (UMESP), Zélio Alves Pinto (Artista Plástico).
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Centro Nacional de Documentação, Pesquisa e Divulgação do Humor CEDHU Av. Maurice Allain, 454 Vila Resende, Piracicaba/SP Tel.: 19-3403-2615 / 3403-2620 / 3403-2621 Email: contato@salaodehumor.piracicaba.sp.gov.br
GABRIEL FERRATO DOS SANTOS – Prefeito Municipal de Piracicaba ROSÂNGELA RIZZOLO CAMOLESE – Secretária da Ação Cultural EDU GROSSO – Diretor do CEDHU Piracicaba
CONSELHO TÉCNICO CONSULTIVO (2013 A 2016) ADOLPHO QUEIROZ (presidente) ÁLVARO DE MOYA CARLOS COLONNESE RICARDO VIVEIROS ROSÂNGELA RIZZOLO CAMOLESE WILLIAN HUSSAR ZÉLIO ALVES PINTO
COMISSÃO ORGANIZADORA DO 40º SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR 2013 CARLOS COLONNESE (presidente) ADOLPHO QUEIROZ ANDRÉ MARTINS CAROLINA FERRAZ PERENCIN DERMIVAL DA SILVA PINTO EDUARDO FERREIRA GROSSO EDSON RONTANI JÚNIOR GILMAR DE AGUIAR GODOY HELOÍSA GUERRINI FERRAZ JOSÉ DE ARIMATEIA SILVA JÚNIOR LUIZ ANTÔNIO LOPES FAGUNDES LUISA ROSENBERG COLONNESE MARIA TERESA CARNIO COLETTI ROSÂNGELA RIZZOLO CAMOLESE WILLIAN HUSSAR
EQUIPE CEDHU PIRACICABA EDU GROSSO – Diretor CAROLINA FERRAZ PERENCIN – Escriturária JOSÉ DE ARIMATÉRIA JÚNIOR – Programador Cultural ROSELI FERNANDES – Serviços Gerais VICTOR RENSI - Estagiário
BALAS NÃO MATAM IDEIAS 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba 1974/2013 ORGANIZADORES – Adolpho Queiroz e Leticia Hernandez Ciasi CAPA – Alcy EDITORAÇÃO ELETRÔNICA – Impar Comunicação FOTOS E ESCANEAMENTO – Christiano Diehl FOTO DOS ORGANIZADORES – Manoel Nascimento
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