No Rescaldo do Incêndio: mensagens do Portugal real

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NO RESCALDO DO INCÊNDIO mensagens do Portugal real * Samuel Pereira Pinto, arquitecto

- texto publicado no Jornal Praça Alta, Ano XX, XXI,N.ª N.ª228 235--1413de deOutubro Maio de de 2015. 2014.


N O R E S CA L DO DO INC Ê ND IO

NO RESCADO DO INCÊNDIO - texto publicado no Jornal Praça Alta, Ano XXI, N.ª 235 - 13 de Maio de 2015.

mensagens do Portugal real O antigo castelo de Almeida ficará para sempre ligado a um dos aAlgo de nós morre com o fogo! Por ventura a ingenuidade de que controlamos o destino e soberanos vencemos a natureza. Pensamos que enquanto sociedade conquistámos o direito de não sujarmos as mãos, que nada mais é que o facilitismo de nos demitirmos das nossas obrigações. Somos capazes de despejar um balde de água sobre a própria cabeça, mas não de deitar um balde nas chamas. Viajamos para o estrangeiro mas desconhecemos a realidade das pessoas que morram a escassos quilómetros de nós. O que nos sobra em palavras faz-nos falta em mãos. Acreditamos ser arquitectos, mas nunca fomos pedreiros. Importamos modelos de desenvolvimento, exportamos doutorados. Esquecemos a nossa própria identidade… Fazem-nos acreditar que habitamos um país voltado para o futuro. E nós acreditamos! Mas esse Portugal que a politica faz por evitar, ignorar ou esconder parece teimar em vir ao de cima com a mesma violência de um incêndio e cadência com que as festas e as tragédias se sucedem nos meses de Verão.


N O R E S CA L DO DO INC Ê ND IO

Acordados do sonho Ocidental estamos no pesadelo do Portugal real! E tudo isto sem sair do mesmo lugar. Não falo do Portugal dos noticiários, das reportagens feitas ao jeito da BBC vida selvagem, mas do Portugal dos velhos, das poucas crianças que no Inverno percorrem ao frio o caminho para a escola, dos que partem, dos que ficam, dos que sofrem sentados à soleira, dos que voltam em Agosto, da alegria efémera e da saudade eterna. Dos homens montados nas pickups, dos agricultores montados nos tractores, dos homens que caem dos tractores, dos que bebem para afogar as mágoas, dos que inevitavelmente acordam um dia e colocam a corda ao pescoço ou a caçadeira nos queixos. Dos que morrem, dos que se matam. Mas, também dos mesmos velhos que com esforço colocam a enxada às costas ao rebate do sino, dos analfabetos que sem hesitação avançam nas chamas munidos de pás, das mulheres envergando o xaile negro, combatendo o fogo como quem exorciza o demónio, dos amigos que entram por casa, dos conhecidos que trazem palavras e comida à porta depois da desgraça. Daqueles que tendo nascido na terra do infortúnio se encontram unidos para vida, no melhor e no pior. Do país dos valores, o Portugal fraternal, do abraço sincero, da mão esticada, do “Então seu caralho, tudo bem?”, das portas abertas, da mesa posta, do sorriso fácil, das pessoas genuínas, da minha infância, dos ingénuos. Dos parvos? O meu. Algo de nós morre com o fogo! Por ventura, a ingenuidade de que devemos permanecer assim: ingénuos, seguindo a lei dos homens e a vontade de Deus. Que traçando o caminho correcto alguém se lembrará de nós na capital da demagogia. Algo inscrito na nossa própria essência, na nossa insularidade, que nos leva à incapacidade de colocar as mãos nos bolsos e repousar a cabeça no travesseiro. Os nossos genes de granito que nos colocam no trilho da resiliência. . . que nos levam a aceitar a adversidade; seja o clima, a miséria, a guerra, o fogo ou o facto de sermos portugueses de segunda em Portugal.

* Samuel Pereira Pinto


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