ALTERAR O MAPA DO INTERIOR o “interior” e a “interioridade” * Samuel Pereira Pinto, arquitecto
- texto publicado no Jornal Praça Alta, Ano XXI, N.ª 235 - 13 de Maio de 2015.
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ALTERAR O MAPA DE INTERIOR - texto publicado no Jornal Praça Alta, Ano XXI, N.ª 235 - 13 de Maio de 2015.
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O “interior” e a “interioridade”: problemas endémicos, recursos endógenos Apesar de remontar a finais do século XIX, inícios do século XX, a dicotomia entre Litoral e Interior parece permanecer como uma das mais generalizadas, e enraizadas, visões sobre o território português. Fundamentada no antagonismo geográfico e apoiada em “índices de desenvolvimento” esta visão foi perpetuada indiscriminadamente pelos meios de comunicação social, contribuindo para a construção de uma imagem mental caricatural de um país dividido algures em dois ou a duas velocidades, que se apresenta gradativamente da costa para a fronteira com Espanha.Uma imagem que poderia ser resumida pela conhecida expressão: “Portugal virou costas a Espanha”, atribuída a Oliveira Martins. Ainda que encontre um fundo de verdade na história, a oposição entre Litoral e Interior apoiada na geografia física não se assume hoje como um modelo só por si para a interpretação do território e muito menos como um instrumento prático, isto porque a própria geografia deixou de ser um factor determinante, ou o único para o desenvolvimento. O determinismo da situação geográfica vê-se substituído pela relevância actual da variável da comunicação, não existindo mais uma correspondência obrigatória e absoluta entre afastamento geográfico e o isolamento, com consequências no desenvolvimento, se é que alguma vez existiu. No novo mapa de desenvolvimento assente na comunicação e nos fluxos,
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emerge a importância das redes de transporte tradicionais, mas não só. O desenvolvimento para o século XXI joga-se, num campo mais amplo, no acesso à informação, com destaque para os meios de comunicação e redes de sociais, com consequências sobre a própria definição do que entendemos por “interior”. A este respeito ser do “interior” não deveria ser mais interpretado como um dado incontornável, mas uma circunstância relativa. De modo que, o conceito deveria ser progressivamente substituído, numa perspectiva prática, pela ideia da “interioridade”, que descreve a resistência de um indivíduo, ou grupo de pessoas à interacção com o exterior ou a sua incapacidade para tal, que é em si uma causa e uma sintoma num ciclo vicioso que urge quebrar; sendo que o “interior” se assume nesta perspectiva como a tradução física da “interioridade”, ou da fraca densidade relacional. No cerne da questão, alimentando o ciclo vicioso, encontra-se um problema endémico, que a avaliar pelas estatísticas e perspectivas de progressão não pode mais ser resolvido internamente: a perda de população e o seu envelhecimento generalizado, fruto de anos de emigração e políticas que determinaram a quebra do vinculo ancestral do homem à terra e o consequente êxodo rural. A interioridade com tudo o que acarreta, nomeadamente a falta de investimento e por conseguinte de desenvolvimento, anda de mãos dadas com a jovialidade ou a falta dela. É dizer, a pouca representação de uma população capaz de simultaneamente assegurar a transmissão de conhecimentos intergerações e suprir as carências locais, estimulando uma maior abertura ao exterior e trazendo uma visão dinâmica, global e competitiva, que possa ser
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vertida no território por meio do empreendedorismo, aproveitamento os recursos endógenos. A este respeito, o isolamento geográfico foi responsável por um curioso paradoxo: se por um lado determinou a fraca atractividade económica dos territórios incapazes de fixar convenientemente a indústria e se modernizarem, por outro lado foi precisamente o isolamento que possibilitou a preservação dos seus traços identitários. Preconceitos à parte “interior” deveria ser também e sobretudo sinónimo de oportunidade, pelo conjunto do seu património histórico, não só o património material, com destaque no caso de Almeida para a arquitectura, mas do património imaterial, ligado à etnografia dos povos e aos saberes. Sendo hoje certo que crescimento não é garantia de progresso, o interior emerge cada vez mais como o último reduto de uma cultura apoiada num capital humano único, dotado de conhecimentos específicos e intransmissíveis baseados na experiência prática continuada, que constituem factores de diferenciação numa cultura globalizada, e que décadas de políticas centralistas quase conduziram à extinção. Por ventura, a única viável a longo prazo, se correctamente reinterpretada a partir de uma perspectiva sustentável. Isto é, que não implique a perda dos seus traços identitários ou a delapidação do seu património. Um modelo de equilíbrio entre o homem, a história e os recursos naturais, cujo futuro se joga também no campo social através da inclusão.