Janet Dailey
Amante Ind贸cil
Tradução de ISABEL PAQUET DE ARARIPE RECORD
EDITOR RECORD Título original norte-americano THE ROGUE Copyright (C) 1980 by Janet Dailey Todos os direitos reservados inclusive o direito de reprodução no todo ou em parte de qualquer forma. Esta edição é publicada mediante acordo com os editores originais, Pocket Books, New York. Direitos de publicação exclusiva em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S. A. Rua Argentina 171 — 20921 Rio de Janeiro, RJ que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil Digitalização e arranjo: Fátima Chaves Esta obra destina-se ao uso exclusivo de portadores de deficiência visual.
As histórias do Velho Oeste estão cheias de lendas sobre um garanhão branco marchador. Muitos personagens respeitáveis mencionaram, nos seus diários e documentos, ter visto o cavalo selvagem branco. Dentre os primeiros estava Washington Irving. Dizia-se que esse magnífico garanhão percorria as regiões do Texas ao Oklahoma, entrando pelo Novo México e Colorado. As suas façanhas eram inúmeras. Era conhecido por muitos nomes: o Garanhão Marchador Branco, o Corcel Branco das Pradarias, e o Mustang Branco. Os índios chamavam-no de Cavalo Fantasma das Planícies.
CAPÍTULO 1 A cordilheira oriental das montanhas do deserto lançava longas sombras matutinas no solo do vale. Suas encostas eram escurecidas por bosques espessos de juníperos e pinheiros. Vinda do sul, a brisa trazia o cheiro de água dos canos de irrigação que borrifavam os campos onde a salva e o capim de Nevada davam lugar a um tapete verde. Montes de feno, como montículos dourados de pão, jaziam ao lado dos anexos da estância de cavalos e gado. Estábulos, currais e galpões de equipamento pontilhavam o quintal, dominados pela casa ampla e despretensiosa que se situava numa elevação, cuja posição ligeiramente mais alta dava-lhe uma vista geral da propriedade inteira. A água preciosa não era desperdiçada em relvados, e a vegetação resistente do deserto ocupava a terra ao redor dos prédios. Três cavalos árabes bem novinhos pinoteavam dentro de um dos currais. Duas pessoas os observavam, junto à cerca. Uma delas era jovem; a outra, velha. Com os braços jogados sobre a tábua superior da cerca, o homem grisalho era flexível e curtido como uma boa corda. Os seus olhos eram permanentemente apertados, devido aos longos anos fitando o sol e o vento. A experiência se estampava no seu rosto castigado pelo sol, juntamente com um certo azedume derivado dos sonhos perdidos. O mais perto que Rueben Spencer já chegara de obter sucesso na vida fora fazer uma bela jogada num oito num cassino de Ely, e ganhar o salário de um mês. O mais perto que chegara de ter um lar era uma unidade nos alojamentos da estância — casa, comida e salário, cortesia do patrão. E o mais perto que Rube chegara de ter a sua própria família era a garota adolescente encarapitada na cerca ao seu lado, a filha do patrão. Ele não deixara rastros na vida que o vento de Nevada não pudesse apagar num minuto. Para Diana Someis, tudo estava à sua frente. O mundo esperava aos seus pés, como desde o dia em que nascera. Com 13 para 14 anos, Diana estava começando a dar-se conta dos privilégios que advinham de ser a filha única do pátrio, privilégios a que anteriormente não dava muita importância. Essa percepção dava-lhe uma sensação de autoridade e poder. Ficava evidente na sua postura a inclinação levemente régia da cabeça, a rigidez voluntariosa do queixo.
Abaixava a cabeça apenas para um homem, e este era o seu pai. Era a força propulsora da sua vida. Somente na companhia dele é que a vulnerabilidade brilhava nos olhos tão nitidamente azuis quanto o céu claro de Nevada. A mãe era uma lembrança esfumaçada, uma presença nebulosa no passado, que morrera quando Diana estava com quatro anos, de complicações causadas por uma pneumonia. Um retrato num álbum de fotografias confirmava a existência da mãe, mas Diana não tinha nenhum sentimento de perda por alguém de quem mal se lembrava. A estância dos Somers consistia em mil acres próprios, mais milhares de outros acres federais arrendados para pastagem. Diana era a princesa deste pequeno império, seu pai o rei. Jamais lhe ocorrera que devia haver uma rainha. Precisava apenas do pai, e este dela. O mundo estava completo. O barulho estrondoso de uma camioneta que veio sacolejando pela trilha cheia de sulcos que ligava a auto-estrada ao quintal da estância chamou a atenção da menina. Olhando por cima do ombro, Diana franziu a testa ao ver o veículo desconhecido. A ruga da testa ficou mais funda ao ver a placa do Estado de Arizona. Virou-se para Rube Spencer. — O que acha que esse estranho quer?
Rube olhou e cuspiu velozmente pelos cantos da boca o suco do fumo que estava mascando. — E eu lá vou saber! — Deu de ombros. — Pode ser que seja o novo homem que o Major contratou. — Que novo homem? O Major não me falou nada sobre contratar alguma pessoa. 8
Todos chamavam o pai de Diana de Major, inclusive ela mesma. John Somers pedira demissão do exército poucos meses depois do nascimento de Diana. Abandonara uma promissora carreira militar para voltar para a estância da família quando o irmão mais velho morrera num desastre de automóvel. Trouxera consigo a disciplina e a autoridade militares, e o título de Major permanecera com ele. — Mesmo assim, contratou.
— Onde eu estava?
Rube fez uma pausa para recordar. Deve ter sido quando a gente estava fenando e você estava dirigindo o trator. É, deve ter sido naquele dia. Eu estava medicando a égua cinzenta. Rube abominava o trabalho de fazenda, e escapulia sempre que havia alguma coisa a ser feita. Finalmente, o Major parara de contrariá-lo e o encarregara exclusivamente dos cavalos. Saí do estábulo e vi o Major conversando com esse sujeito, mostrando-lhe a estância. Continuou a tagarelar, mas depois que Diana arrancou de Rube a informação de que ele sondara o Major e este lhe contara que contratara um novo empregado, ela parou de prestar atenção. Poucas pessoas escutavam tudo o que Rube tinha a dizer. O Major certa vez declarara que Rube podia falar até deixar um homem surdo. A camioneta escalavrada parou diante da casa principal. O bater de uma porta de tela fez Rube parar abruptamente a sua arenga, lembrando-se de que tinha serviço a fazer, o seu sexto sentido avisando-o da aparição do Major. Diana não ligou para o repentino interesse de Rube pelo seu serviço. Dando meiavolta, ela saltou da cerca do curral, pretendendo conhecer o homem que o Major não lhe contara ter contratado. A ideia não lhe agradava. Ao longo dos anos, ele sempre confiara nela, ensinando-lhe cada faceta dos negócios da estância até que Diana os conhecesse quase tão bem quanto o Major. A intimidade entre os dois era algo que ela prezava demais, e ter descoberto essa brecha na comunicação a deixava inquieta. Esguia, vestida como um rapazinho, Diana atravessou o quintal da estância com passadas longas, copiadas das do Major. Num gesto nervoso, mas essencialmente feminino, ergueu a mão para alisar um dos lados do cabelo muito negro, cortado num estilo masculino. O Major desceu os degraus da varanda e dirigiu-se para a camioneta. Com os ombros empinados e a postura ereta, não pesava mais um grama sequer do que quando largara as forças armadas. As calças de vaqueiro marrom escuro, de tecido resistente, tinham um vinco militar. A camisa estampada tinha um colarinho muito engomado, e as botas brilhavam de tão
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bem engraxadas. O cabelo escuro era curto, nem de longe tocava o colarinho, as costeletas cheias de fios grisalhos. O Major era um homem vigoroso, cheio de vitalidade, nascido para mandar. Um homem bonitão e distinto, bastaria a sua posição na comunidade para torná-lo alvo das mulheres casadouras. Isto, e mais a sua bela aparência, tornavam-no duplamente desejado. No passado, Diana tivera ciúmes das mulheres que bajulavam seu pai na igreja ou na cidade, mas a indiferença dele acabou por tranquilizá-la de que não tinha interesse em casar-se pela segunda vez. Toda a sua vida ele a vivera num mundo orientado para o lado masculino, desde sua infância na estância até o exército e de novo a estância. Estar solteiro combinava com ele. As vezes em que procurava companhia feminina, fazia-o discretamente. Diana não se sentia ameaçada pelas noitadas ocasionais do pai, e encarava com desprezo qualquer mulher que tentasse com ele um relacionamento mais permanente. Ria intimamente daquelas que diziam ao Major que ela precisava de uma mãe. Precisava apenas dele, e estava resolvida a tornar a recíproca verdadeira. A voz era enérgica, mas amistosa, ao cumprimentar o homem que saltou da camioneta para vir ao seu encontro. Os dois estavam apertando as mãos quando Diana chegou junto do Major. O porte dela era tão ereto quanto o dele, a pose igualmente autoritária. O pai lançou-lhe um olhar carinhoso e indulgente, mas não deu nenhuma demonstração de afeto, tal como botar-lhe a mão no ombro. Não que Diana esperasse um gesto desses. O seu comité de recepção está completo, Holt, agora que a minha garota preferida chegou. — O Major se dirigia ao homem na frente deles. Esta é a minha filha, Diana. Nosso novo empregado, Holt Mallory. Ela o inspecionou francamente, como se fosse necessária a sua aprovação antes que este Holt Mallory começasse de fato a trabalhar. Alto — cerca de um metro e oitenta — esguio e rijo, tirou cortesmente o chapéu de palha Stetson da cabeça. O cabelo castanho espesso e despenteado fora queimado pelo sol até chegar ao tom do tabaco. As feições bronzeadas eram talhadas em linhas implacáveis. Os olhos eram de um cinza duro e
metálico, como lascas de aço. Pareciam muito mais velhos do que deveriam ser, pela sua idade cronológica, que não devia ultrapassar os 26 anos. Como vai, Srta. Somers?
A voz era baixa, e meio arrastada. — Bem, obrigada. Arrepios de antipatia correram pela sua pele, um sentimento que se intensificou quando Diana olhou para o Major. 10
Aquele é o seu filho? perguntou o Major, olhando para além do novo empregado, e o olhar de Diana acompanhou o do pai. — Guy, venha aqui cumprimentar o Major. Holt Mallory falava suavemente, mas estava definitivamente dando uma ordem. Um garoto de nove anos estava parado ao lado da camioneta. Magro e pálido, parecia perdido e ajustado. Tinha sido feita uma tentativa de grudarlhe à cabeça as mechas rebeldes do cabelo louro avermelhado, mas sem muito êxito. Hesitante e relutante, ele se adiantou e apertou frouxamente a mão do Major. — Como vai, senhor? — murmurou. O Major se endireitou e sorriu. — É um belo menino, Holt. Diana olhou de novo para o garoto, tentando ver o que o pai podia ter visto de ”belo” nele, mas não achou nada. Parecia um garotinho comum, pequeno e sensível, e com medo da própria sombra. Diana sentiu uma onda de desprezo pela falta de força do menino, mas suavizada por um inexplicável desejo de protegê-lo. Vou-lhe mostrar onde vão ficar, Holt declarou o Major, depois virou-se para Diana. Você traz o Guy. Assim, terão uma chance de se conhecerem. Diana não tinha vontade de conhecer melhor o garotinho. Mas, se era isso o que o pai queria... disfarçou um suspiro e estendeu a mão para segurar a do garoto. Este a escondeu atrás das costas, e Diana deu de ombros, demonstrando o seu desinteresse.
Vamos indo, Guy disse, e saiu atrás do pai e do novo empregado. Quando viu que o garotinho não conseguia acompanhá-los, Diana
começou a andar mais devagar. Nunca tivera muito contato com crianças, exceto os seus colegas de classe, da mesma idade que ela. Fitou o menino de olhos baixos, e tentou puxar conversa. Você é do Arizona?
Fez-se um momento de silêncio depois da pergunta. Diana pensou que não ia receber resposta. A seguir, os olhos azuis redondos ergueram-se para ela. — Não. Meu pai morava no Arizona, mas minha mãe e eu morávamos em Denver. — Onde está a sua mãe?
O lábio inferior dele tremeu. Morreu. 11
— A minha também. — Diana informou, com empatia polida. — Morreu quando eu tinha quatro anos. — Fitou o homem à frente deles, que caminhava ao lado do Major. — Como é que vocês moravam em Denver e o seu pai no Arizona? Seus pais eram divorciados?
O garoto confirmou com um gesto de cabeça. Diana não culpava a mãe do garoto. Também não gostava desse homem, mas ficou surpresa quando o menino manifestou a mesma opinião. — Quando a minha mãe morreu, no mês passado, ele apareceu e falou que era meu pai, e que agora eu ia morar com ele. O tom de voz do menino demonstrava imenso ressentimento. — Quer dizer que nunca o havia visto antes? perguntou Diana, franzindo o cenho. Vovó e vovô disseram que ele é o meu pai, portanto acho que é admitiu. Mamãe me contou que papai se mandou depois que eu nasci, porque não queria nenhum de nós dois.
Lembrando-se daqueles olhos duros e cinzentos, Diana não pôde deixar de acreditar. Se era assim que se sentia, por que está ligando para você, agora? disse, pensando em voz alta. O pequeno Guy Mallory pareceu crispar-se ante a pergunta. Ele alega que sempre me quis respondeu, com ceticismo mas que a minha mãe não deixava que me visse. Mas ela deixaria. Sei que deixaria. A explosão em defesa da mãe fez com que Diana lhe lançasse um olhar avaliador. O garoto podia ser sensível, mas não era completamente manso. Estou certa que a sua mãe deixaria, se ele realmente quisesse ver você concordou Diana. Pobre menino, pensou, sentindo um momento de piedade pelo garoto que tinha um pai que não o desejava. Não admira que tivesse um ar tão confuso e assustado. Estavam passando pelos pequenos cercados onde ficavam os valiosos garanhões árabes do Major. Uma das facetas do funcionamento da estância era a criação e a exposição de cavalos árabes puros-sangues. Além das 30 éguas reprodutoras e suas crias, havia animais de um e dois anos de idade, alguns sendo conservados para desfilar em exposições e outros sendo preparados para venda. Além disso, a estância tinha uma manada de cavalos para o trabalho. Os dois garanhões árabes estavam num cercado, a certa distância dos outros cavalos. O magnífico baio Shetan correu para a cerca relinchando para o dono. Não havia nada de estranho nisso, mas Diana notou o olhar arregalado com que o menino fitou o animal. — Sabe montar? — perguntou ela. 12
Nunca tinha visto antes um cavalo de perto, só na televisão, e da camioneta, quando a gente estava vindo para cá. Vai ver um bocado, de agora em diante. Pode até aprender a montar, enquanto estiver aqui. É fácil. -É?
A voz ofegante dele fazia parecer que Diana acabara de lhe oferecer o mundo inteiro. — Claro. — Ela deu de ombros. — Eu lhe ensino. Imediatamente lamentou o impulso que a fizera oferecer-se. Não queria passar o verão inteiro bancando a babá de um guri bobão. — Puxa vida! — Guy Mallory agora vibrava de alegria, as feições anteriormente tensas cheias de animação. — Que fantástico!
A sua voz exuberante chamou a atenção dos dois homens que estavam parados à porta da maior unidade dos alojamentos, a que estava vazia há mais de um mês. Um sorriso suavizou os contornos duros das feições de Holt Mallory enquanto olhava curiosamente para o filho, que praticamente dava pulos de alegria. — Que animação é essa, Guy?
— Ela me prometeu ensinar a andar a cavalo! Holt Mallory franziu ligeiramente a testa. — Nunca me contou que queria aprender — disse, com naturalidade forçada. Era óbvio que Guy havia se aberto mais com Diana naqueles poucos momentos do que nas horas passadas com o pai. — Mas quero! — declarou Guy. E ela vai-me ensinar!
— É muita generosidade da Srta. Somers, mas não há necessidade de incomodá-la. Se quiser aprender, Guy, eu mesmo ensino... isso é, se o Major não fizer objeção a nos emprestar um cavalo. — Não faço nenhuma objeção, Holt, mas já que Diana se ofereceu para ensiná-lo, acho que seria uma boa ideia deixar que o fizesse — insistiu o Major. A estância vai dar muito trabalho nos próximos dois meses. Diana vai ter mais tempo livre do que você. E será boa companhia para o garoto, irá ajudálo a se adaptar ao novo ambiente. Holt Mallory não pareceu muito satisfeito com a lógica do raciocínio do Major. É verdade admitiu, e encarou Diana com o seu olhar de aço. Contanto que você não se importe, comigo tudo bem.
— Não me importo — mentiu ela. — Que legal! — exclamou Guy. — Prefiro mesmo que ela me ensine. O garoto não notou como os músculos do maxilar do pai se contraíram, mas
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Diana notou. E o Major também. — Quando podemos começar? — indagou Guy. — Hoje?
O Major sorriu. Hoje não. Seu pai vai precisar da sua ajuda para desfazer as malas e se instalar na nova casa. Tome a chave, Holt. — Entregou-lha. — Diana e eu vamos deixar vocês dois explorando sozinhos o lugar. Se precisar de alguma coisa, ou tiver alguma dúvida, estarei em casa a maior parte do dia. Obrigado, Major. Diana se perguntou se Holt Mallory estava agradecendo ao Major pelo emprego ou por ter contornado o momento constrangedor. Afinal, não fazia diferença. Virou-se com o pai e dirigiu-se para a casa grande. Estavam quase chegando à varanda quando ela comentou:
Não me tinha dito que havia contratado um novo empregado. Não? replicou ele distraído, com o pensamento longe. Devo ter-me esquecido. Ele não quer o garoto. O Major parou para fitá-la, dando-lhe agora atenção integral. Quem meteu esta ideia na sua cabeça?
— O Guy me contou. — Parece que vocês dois conversaram bastante, nessa curta caminhada. O bastante para saber que o homem é praticamente um estranho para ele. Guy nunca o vira antes da mãe morrer. Abandonou os dois quando o Guy não passava de um bebé.
Não é assim tão simples, Diana. Os pais de Guy mal tinham 16 anos quando se casaram. Foi um daqueles casamentos ”obrigados”. Eram simplesmente jovens demais, e, como acontece com muitos casais adolescentes, a coisa não deu certo. Depois que se separaram, a mulher saiu do Arizona com o bebé. Holt nunca mais teve notícias dela até que os sogros avisaram-no que tinha morrido. Não era o caso de não querer ver o filho. Holt não sabia onde ele estava. Soava plausível, porém Diana preferia a versão de Guy. — Não gosto dele declarou. — Não é do seu feitio fazer julgamentos apressados — disse o Major, franzindo a testa. Não gosto dele repetiu. — Vai mudar de ideia. É excelente com cavalos e entende direitinho de gado. Mais do que isso, tem potencial administrativo. — Administrativo? O que há de especial nisso?
— Não fico mais moço a cada dia que passa. Daqui a alguns anos vou
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precisar de alguém para dirigir a estância, para tirar um pouco do peso dos meus velhos ombros. Holt vai precisar de mais alguns anos de amadurecimento. Se meus instintos não me falharam, ele vai ser um líder, algum dia. Diana ficou calada. Sabia que, se fosse menino, o Major estaria pensando em entregar-lhe a administração da estância dali a alguns anos, ao invés de entregá-la a um estranho. Aquilo doía. O verão já não prometia ser tão agradável quanto antes da chegada de Holt Mallory. Entrando na casa um passo atrás do pai, acompanhou-o através da sala de estar até a sala de jantar adjacente. O mobiliário da casa era austeramente masculino, arrumado numa ordem precisa. Tudo era confortável, mas muito prático. A mesa estava posta para o café da manhã, uma rotina diária na casa dos Somers.
Enquanto o Major puxava uma cadeira à cabeceira da mesa, a governanta chegava da cozinha, trazendo um bule de café recém-coado e um prato de rosquinhas feitas em casa. Sophie Miller era uma mulher emaciada e sem atrativos. Embora tivesse apenas 40 e poucos anos, o cabelo castanho era cheio de fios grisalhos, e penteado num estilo severo, uma coroa de tranças no topo da cabeça. Viúva há muitos anos, sem filhos, nos últimos seis anos morara na estância como governanta do Major. Era uma pessoa insípida, fazia o seu trabalho sem chamar a atenção. Diana sentava-se na cadeira à direita do pai. Até onde a sua memória alcançava, sempre o acompanhara nessa refeição matinal, bebendo café desde a idade dos oito anos. Pai e filha compartilhavam de quase tudo. Esta não estava sendo uma das vezes em que Diana apreciava a situação. Ainda estava perturbada porque o Major não a informara da contratação do novo empregado. Também estava aborrecida pelo modo como ele não dera importância à antipatia dela por Holt Mallory. O café fumegava na xícara do Major, enquanto Sophie enchia a xícara diante de Diana. O Major desdobrara o guardanapo e colocara-o sobre as calças vincadas. Olhou para o prato de rosquinhas, e sorriu para Diana. — Chocolate, as suas favoritas, Diana — comentou, e recebeu em resposta um aceno desinteressado de cabeça. — Sophie as fez especialmente para você. A insinuação sutil fez com que Diana saísse do seu mutismo contemplativo. — Obrigada, Sophie. Falou as palavras com indiferença, por sobre o ombro, e a governanta retribuiu-as com um leve sorriso, pois já aprendera a não esperar mais nada de Diana. 15
Para Diana, Sophie não passava de mais uma de uma série de governantas que tinha entrado e saído da sua vida. Sophie simplesmente durara mais do que as outras. A maioria delas não gostara do isolamento da estância, que as impedia de ver família e amigos. Como Sophie não tinha família, e aparentemente poucos amigos, o emprego lhe agradava. Diana não se interessava por governantas. Sua vida girava em torno do Major. As governantas eram figuras sem rosto que trabalhavam para ele. Nunca se ligara a nenhuma
delas. Só seu pai existia. O que interessava a ele interessava a ela. No momento, ele demonstrara um interesse incomum pelo novo empregado. E Diana não estava gostando. Durante as semanas que se seguiram, sua primeira impressão de Holt Mallory não se alterou. Ele a tratava com cortesia, com o respeito devido à filha do patrão, porém jamais com a afeição indulgente que os outros empregados da estância expressavam. Para os outros, ela podia ser a queridinha, a mascote da estância, mas não para ele. Quanto ao Guy, transformara-se virtualmente na sombra dela, quer Diana quisesse, quer não. Geralmente não queria, embora houvesse momentos em que a sua atitude quase de adoração fizesse bem ao ego da mocinha. Este não era um desses momentos. Enquanto caminhava rapidamente para os cercados dos garanhões, com Guy nos calcanhares, desejava fervorosamente que ele sumisse da vida dela... permanentemente. Posso montar com você, por favor? Repetiu o pedido que ela recusara, segundos atrás. Estou ficando bom. Você mesma falou. Não! Vou exercitar os garanhões. Ela fazia isso, com regularidade, na arena, a uma distância segura das éguas reprodutoras e de quaisquer encrencas. Já lhe disse um milhão de vezes que não pode montar a égua ao meu lado quando estou montando um dos garanhões. — E por que não?
Diana lançou-lhe um olhar irritado. — O seu pai ainda não lhe contou os fatos da vida?
Guy enrubesceu furiosamente, e ficou calado, mas não saiu do lado dela. No cercado, ficou olhando por entre as tábuas enquanto Diana pulava a cerca, os arreios jogados sobre o ombro. O garanhão baio veio saltitando para junto dela, conhecendo a rotina, ansioso para esticar as pernas. — Se quiser ser útil, Guy — havia um tom levemente irritadiço na voz enquanto colocava o freio na boca do animal — vá apanhar a sela no depósito para mim enquanto faço Shetan andar um pouco na ponta da corda. Tudo bem disse, e se mandou, ansioso para obedecê-la.
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Quando voltou, não trazia a sela, e nem vinha sozinho. Diana olhou e viu Holt Mallory caminhando atrás do filho pálido. Lançou-lhe um olhar de indiferença e virou-se para Guy. Pensei que tinha mandado você trazer a sela. — Eu... — O que acha que está fazendo, Srta. Somers?
Havia algo na maneira serena com que fez a pergunta que a deixou irritada. Fez parar o baio que dava voltas em torno dela, a meio-galope, na ponta da corda, e enfrentouo. Era integralmente a filha do patrão olhando para um simples empregado. — Não creio que seja da sua conta. Guy me disse que está pretendendo montar esse garanhão. — Estou. E o Major sabe?
— Claro que sabe — retrucou Diana, indignada. Ele deve estar maluco para deixar um fiapo de garota como você... Não teve oportunidade de completar a frase, quando Diana interrompeu,
furiosa:
Monto melhor do que praticamente qualquer um neste rancho, talvez no condado. — Isso não quer dizer grande coisa. — Abriu o portão do curral e entrou, trancando-o atrás de si. — Passe-me uma ponta da corda com que exercita o cavalo. — Por quê? perguntou, desconfiada. Digamos que estou fazendo um teste — respondeu. Diana pressentiu um desafio, e não pôde recusar. Passou-lhe uma das pontas, e ele recuou. Cerca de um metro os separava. — Segure firme — advertiu Holt. — Não deixe que eu a arranque das suas mãos.
Enrolando a longa corda de couro na mão, deu um puxão firme. Diana enfiou os calcanhares no chão e resistiu, com êxito. Um repelão forte e repentino fez com que caísse aos trambolhões, de encontro ao peito dele. Ele a segurou pelos ombros para escorá-la, a sua força superior dando-lhe um choque como o de um aguilhão de gado. Diana afastou-se bruscamente. Isso foi sujeira acusou-o. Não prova nada. Não? A boca do homem retorceu-se num sorriso irónico e sem humor. — Se aquele garanhão quisesse, podia arrancar as rédeas da sua mão, como eu fiz. Shetan é um cavalo bem treinado defendeu-se Diana. — E nunca
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ando nele perto das éguas, só na arena, e assim mesmo depois de exercitá-lo um pouco no chão. Sou perfeitamente capaz de controlá-lo. — Até mesmo um cavalo muitíssimo bem treinado pode se rebelar, nem que seja por alguns segundos. Com alguém como você no lombo, não precisaria de mais tempo. Há anos que monto esses garanhões disse, floreando um pouco a verdade. Não me importa o que fez antes. Enquanto eu estiver por aqui, não vai montar informou-lhe. — Você não passa de um simples empregado — Diana declarou, com desprezo altivo. Não pode me dizer o que devo fazer. Acabei de dizer. — Holt parece ter razão. — Ao escutar uma terceira voz participando da discussão acalorada, Diana deu meia-volta e deparou com o Major de pé, junto ao portão do curral. Acho que seria melhor que você não exercitasse mais os garanhões, Diana. Desde o começo que isso me preocupa. Há vezes em que é preciso usar a força até num cavalo muitíssimo bem treinado. E você não seria capaz. Todos os nervos do corpo dela gritaram em protesto, mas não emitiu um único som. Enfiou a corda nas mãos de Holt e caminhou rigidamente para fora do curral. Tinha os olhos secos, mas havia um bolo enorme em sua garganta. Pensou que iria sufocar com ele.
Diana caminhava às cegas, sem se importar para onde ia, dirigindo-se para as planícies além do curral. Passaram-se vários minutos antes”que escutasse alguém correndo às suas costas. Diana olhou para trás e viu Guy. Se ainda quiser montar começou ele, hesitante, quando ela finalmente tomou conhecimento da sua presença. Toda a raiva contida subitamente explodiu. — Seu guri burro! É tudo culpa sua! — acusou. — Por que teve que abrir a boca e contar ao cretino do seu pai o que eu estava fazendo?
O rostinho dele ficou branco. — Não tive intenção, juro. Não tive intenção imitou Diana, sarcasticamente. Pensei que não gostava do seu pai, então o que é que tinha que estar falando com ele a meu respeito?
— Não gosto dele — insistiu Guy mas ele me perguntou o que eu estava fazendo com a sua sela e... ... você contou para ele concluiu ela. Você disse que queria ser
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meu amigo, mas não é meu amigo. Vá embora e me deixe em paz! Não o quero por perto! Não passa de uma peste!
— Desculpe. Não tive intenção. Os olhos ficaram cheios de lágrimas, enquanto fitava o solo, o queixo trémulo. Começou a fungar, aparentemente sem conseguir se mexer. Diana ainda o fitava com desprezo, quando as lágrimas começaram a transbordar dos cílios claros e a escorrer pelas faces dele. A mãozinha não conseguia conter o fluxo. Sentiu-se subitamente constrangida. Não conseguia lembrar-se da última vez em que vira alguém chorar. Diana não sabia o que fazer.
— Pare de ser um bebé chorão — resmungou, mas aquilo só pareceu aumentar o volume das lágrimas, a despeito da tentativa valente de Guy em obedecê-la. — Vamos, pare com isso. — Franziu a testa, de impaciência e constrangimento. Diana virou-se parcialmente, não querendo vê-lo chorar. Esqueça o que eu disse. Não foi culpa sua. Foi o seu pai criando encrenca, tentando ganhar as boas graças do Major, fingindo preocupar-se com a minha segurança. Ele está-se lixando para você ou para mim. Quer dizer que não está zangada comigo? Guy queria ter mais certeza. Estou zangada, de um modo geral. Lançou-lhe um olhar de esguelha e fez uma oferta de paz, meio a contragosto. — Vou até o açude para me refrescar. Quer vir junto?
— Não estou de calção — disse, após uma hesitação. — E daí? Diana alçou os olhos, com indiferença. — Também não estou de maio. Quer vir junto, ou não?
Ele aceitou ansioso, esfregando os últimos vestígios de lágrimas do rosto. Enquanto caminhava ao lado dela na direção do açude dava umas fungadinhas de vez em quando. O verão foi de mal a pior, na opinião de Diana. Mais e mais das suas atividades foram cerceadas. Nos verões anteriores, cada minuto do dia era ocupadíssimo. Agora, lutava contra o tédio. Chutando uma pedra que estava no caminho, Diana enfiou as mãos nos bolsos de trás das calças de brim e correu os olhos com impaciência pelo pátio da estância. Sem dúvida deveria haver alguma coisa para ela fazer. Soltou um suspiro chateado. Sempre restava o Guy. Diana mudou de direção e dirigiu-se para os alojamentos. A porta da última unidade estava aberta. Sem se dar ao trabalho de bater na porta de
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tela, foi entrando e parou ao ver Holt Mallory em frente à pia da cozinha, sem camisa, no meio do gesto de enxugar o rosto com uma toalha.
— Faz parte da boa educação bater antes de entrar na casa dos outros disse, e terminou de enxugar o rosto e as mãos. — Estou procurando o Guy. Onde está?
O ressentimento brilhava sombriamente nos olhos azuis dela. — Lá fora, nalgum lugar. Quando ele se virou para pendurar a toalha, os olhos de Diana se dilataram de curiosidade. Uma rede de cicatrizes marcava a pele bronzeada das suas costas. Como foi que arranjou essas marcas nas costas? quis saber. Houve um instante de hesitação, antes de Holt estender a mão para a camisa. — Não me lembro. — Alguém o espancou. Você não ia esquecer uma coisa dessas acusou Diana. Olhou para ela por um momento longo, difícil. — A gente pode esquecer qualquer coisa, se quiser. — Concentrou-se em abotoar a camisa. Disse que estava procurando o Guy. Ele está lá fora. Diana fitou-o com especulação curiosa, mas sabia que ele nada mais lhe diria. Finalmente, virou-se e saiu à procura de Guy. Mas não esqueceu o assunto. Trouxe-o à baila no almoço com o Major. Sabia que Holt Mallory tem as costas cheias de cicatrizes? Parece que alguém o chicoteou. Tocou no assunto como se não estivesse muito interessada. O olhar do Major foi rápido e penetrante. Não diga! A sua resposta foi deliberadamente serena. Passe o sal. Como foi que as arranjou?
Diana colocou o sal e a pimenta junto do prato dele. — Perguntou ao Holt?
— Perguntei. O que foi que ele falou?
— Disse que não se lembrava. Claro que é mentira. — Deu levissimamente de ombros, rejeitando a resposta dele. — Como foi que ele as arranjou, Major? Esteve na prisão antes de vir para cá?
Não creio que ainda chicoteiem as pessoas na prisão, Diana replicou ele, num tom indulgentemente seco. — Pode ser que não o façam mais, porém... como foi que ele as arranjou?
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— Não sei dizer, Diana. Falou como se realmente não soubesse, mas Diana suspeitava que sabia. Simplesmente não ia contar para ela. Sempre lhe contara tudo. Jamais houvera segredos entre os dois. Ficou magoada, mas não deixou de fantasiar sobre o modo como Holt adquirira as cicatrizes, embora não voltasse a tocar no assunto. Quando o verão acabou, chegou a época do recolhimento do gado do outono. Era uma das épocas favoritas de Diana. Cavalgando durante horas e horas, a quilómetros do quintal da estância, dormindo ao lado de uma fogueira sob um dossel de estrelas, era excitante e aventuroso nos locais ermos. Sempre havia tanta coisa a se ver, veados pastando, uma visão ocasional de um carneiro silvestre do deserto, ou de uma manada de cavalos selvagens em fuga, recortados contra o céu no topo de uma montanha. À luz dourada da aurora, Diana apertou de novo a cilha da sua sela, um saco de dormir amarrado com capricho perto da patilha. Por toda parte havia movimento, os outros serena e eficientemente se preparando para o começo do acontecimento anual. Todos os rostos eram conhecidos. O ano todo, a estância geralmente empregava uma média de 18 homens numa base regular, mas extras eram contratados durante a época do recolhimento do gado, ou da fenação. Em geral, era gente do lugar. Era raro o Major contratar estranhos para serviço de meio expediente. Por sobre o assento da sela, Diana viu Holt Mallory se aproximar com um ar de quem estava no comando da operação. O que havia começado como uma antipatia à primeira vista quando ele chegara à estância, aumentara muito nos últimos meses. Fervia no
olhar que Diana lhe lançou. As passadas firmes dele demonstraram uma leve hesitação quando os olhos frios e cinzentos a fitaram. Foram dela para os cavalos selados e o saco de dormir antes de se desviarem, pensativos. Quando Diana o viu parar para falar com o Major, apertou os lábios num gesto desagradável. Seu pulso acelerou-se num pressentimento de mau agouro, ao ver os dois olhando na sua direção. Não estava gostando do modo como o Major a fitava, nem do aceno breve de cabeça que fez para Holt, depois de um diálogo relativamente longo. Quando o Major começou a caminhar para junto dela, Diana fingiu não estar notando, jogando as rédeas sobre o pescoço do cavalo e preparando-se para montar. Diana chamou a voz enérgica. Merda! praguejou intimamente, mas deu meia-volta para fitá-lo. Adotou uma expressão de serenidade, enquanto um sexto sentido a avisava com antecedência das próximas palavras. 21
— Este ano você vai ficar em casa, Diana. O pai ia direto ao assunto, sem rodeios. — Desde os oito anos que vou ao recolhimento de gado do outono. Além disso, você precisa de toda ajuda possível. E sabe que posso montar e laçar tão bem quanto os seus melhores homens. O trabalho é duro demais para uma garota como você. Nunca me queixei Diana fez questão de dizer. Não me incomodo com a poeira e o calor e os músculos doídos. — Sei que não se queixa. — O Major Somers sempre falara com ela como se fosse uma adulta. Sua atitude sempre fora muito honesta e franca. Desta feita, não estava sendo diferente. — Você está crescendo e tomando corpo, Diana. Não fica bem continuar a dormir ao relento por várias noites na companhia de homens. Diana replicou com franqueza igual. — Não está sugerindo que um dos rapazes possa tentar me molestar, está? São todos meus amigos. Exceto Holt Mallory. É ridículo. Além disso, você vem junto.
Não desta vez. Estou ficando muito velho para dormir no chão duro informou-lhe o pai. Mas a questão não é esta. Não quero que você cresça e seja uma Calamity Jane durona e machona. Quero que seja uma dama, e não parecida com um garoto. Está entendendo?
— Sim, Major. Rendeu-se aos desejos dele. — Ótimo. — Pareceu satisfeito com o resultado. — Eu vou passar o dia inteiro andando de jipe continuou o Major. — Aqui vai ficar relativamente quieto para você. Por que não chama a Sophie para levá-la para fazer compras... umas roupas novas que sejam mais femininas do que essas calças de brim?
— Está bem — concordou Diana. Se era uma dama o que o pai queria que fosse, estava disposta a aquiescer. Daquela manhã em diante, Diana iniciou a transformação. Foi às compras, adquiriu roupas novas que acentuavam a sua feminilidade, sem exagerar nos babados e laços. Começou a se interessar pelo que acreditava serem coisas de mulher, tais como cozinhar e costurar. Contudo, não foi a extremos. Continuava a montar frequentemente, e a executar tarefas menos árduas na estância. Era uma regra que apenas os ho’mens solteiros se utilizavam das acomodações oferecidas pela estância. Os poucos empregados casados moravam fora
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da estância, em geral em pequenas propriedades particulares. Raramente, ou nunca, Diana tinha contato com as mulheres dos empregados. Contudo, naquele inverno, o vizinho mais próximo deles, Alan Thornton, dono da estância a 16 quilómetros de distância, casou-se. Era natural que Diana travasse conhecimento com a sua jovem mulher, Peggy, que era professora primária. Era a sua primeira associação de verdade, com uma mulher adulta. Foi Peggy que persuadiu Diana a deixar os seus cabelos negros e sedosos crescerem até um comprimento que a realçava mais, e fez sugestões quanto ao tipo e quantidade de maquilagem que ela devia usar.
Diana escutava os sonhos de Peggy, tentando compreender as fantasias românticas da mulher mais velha. A estância dos Thornton era consideravelmente menor, e portanto bem mais pobre do que as imensas propriedades do Major. Quando Peggy falava dos seus planos para reformar a pequena casa da estância, Diana tentava soar entusiástica, mas sabia que jamais sobraria dinheiro para fazer um terço das coisas que Peggy idealizava. Era impossível para ela compreender o contentamento esfuziante da mulher. Era igualmente difícil para Diana compreender as suas colegas de classe, na escola. A preocupação delas com cantores de música popular, garotos de rosto espinhento e fofocas parecia uma tolice. Como sempre, Diana brilhava como aluna e era a favorita dos professores. A combinação de cabelos negros lustrosos, olhos azuis brilhantes e um corpo esguio e cada vez mais atraente tornava-a ainda mais popular com os garotos. Diana sentiase mais à vontade com eles, tendo sido criada num ambiente quase exclusivamente masculino, porém eles lhe pareciam juvenis demais, quase sempre. A sua atitude para com Holt Mallory não mudou. Continuou a considerá-lo um inimigo. E guerreava abertamente sempre que possível, tentando solapar a sua influência cada vez maior sobre o Major. Antagônica, Diana aproveitava todas as oportunidades para dar-lhe ordens, abusando da sua posição como filha do patrão. Tentava constantemente lembrar a Holt que não passava de um empregado, pago para obedecer ao Major... e a ela própria. Quando ele estava no estábulo, Diana jamais selava o seu cavalo, mas exigia que ele o fizesse. Usava todos os meios ao seu alcance para irritá-lo, torcendo secretamente para que ele chegasse ao ponto de se demitir. Guy ainda agia como seu cachorrinho, andando atrás dela sempre que podia. Não parecia importar-se com o modo como Diana o tratava. Era grato por qualquer fragmento de atenção que Diana lhe desse. E ela lhe dava apenas o bastante para ter certeza de que a barreira entre Guy e Holt continuasse firme no lugar. Se ele gostava dela, não podia gostar do homem que era seu pai. 23
CAPÍTULO 2
No começo do verão em que faria 17 anos, Diana soube pela primeira vez o que era ficar gamada por alguém. Um novo empregado fora contratado para treinar os valiosos cavalos árabes do Major, um perito em prepará-los para se exibirem. O nome do homem era Curly Lathrop. Alto e musculoso, com cabelos escuros crespos e olhos castanhos luminosos, tinha um encanto natural e o sorriso fácil. Aos olhos de Diana, era um deus grego que criara vida. A filha do patrão nunca era ignorada, mas ela se botou em campo para fazer com que Curly Lathrop a considerasse muito mais do que isso. Flertava com ele, e ele retribuía, mas sempre com ar indulgente, como se a considerasse uma simples criança. Ficava frustrada porque ele não a enxergava como a mulher que ela sentia ser. O aniversário de Diana foi num dia quente no final de julho. Fez pouca diferença dos outros que comemorara anteriormente. Sophie preparara o seu bolo favorito, como de praxe, e enfeitara-o para o jantar. Guy fizera, laboriosamente, um chaveiro de couro com as iniciais dela. Peggy viera visitá-la, à tarde, para dar-lhe um lenço de cabeça de seda e contar a novidade: esperava o primeiro filho. E Diana escutou os planos de Peggy para o quarto do bebé. O dinheiro que haviam economizado durante dois anos para reformar e modernizar a cozinha estava agora sendo guardado
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para as coisas do bebé, contas de médico e hospital que apareceriam. Diana deu os parabéns que a outra esperava, mas perguntou-se intimamente por que Alan e Peggy não tinham esperado mais alguns anos antes de dar início a uma família. Não achava que já estivessem em condições de fazer isso. À noite, na hora do jantar, o Major presenteou-a com a habitual variedade de presentes de aniversário. Diana usou o seu mais novo vestido de festa para a ocasião e soltou exclamações com a ênfase adequada de felicidade, ao receber os presentes. Com apenas os dois sentados à mesa, ignorando Sophie, que simplesmente ocupava uma cadeira, Diana não estava com disposição para festas.
Mais tarde, foi para a varanda e se apoiou na grade para olhar as estrelas lá em cima, tomando cuidado para que nenhuma farpa entrasse na renda do seu vestido branco. Diana tocou nos botões da frente do vestido e ficou desejando que Curly estivesse ao seu lado. O olhar dirigiu-se desejoso para os alojamentos dele. Não havia luz na unidade que ele ocupava, mas o seu furgão estava estacionado do lado de fora. Foi então que Diana viu uma luz na sala de equipamentos do estábulo. Teve uma ideia súbita que fez com que prendesse a respiração. Antes que o orgulho ou a discrição a afastassem, entrou às pressas na casa. O pai trabalhava no escritório, e Sophie já se isolara no seu quartinho nos fundos da casa. Diana entrou na cozinha e cortou um pedaço do bolo de aniversário. Enrolando-o num guardanapo, levou-o até o estábulo. Diana fingiu surpresa ao entrar na sala e encontrar Curly limpando os equipamentos. — Ah, é você. Vi a luz e pensei que Holt estivesse aqui — acrescentou, como explicação. — Verdade? — perguntou, olhando para ela com ceticismo irónico. — É, verdade — retrucou ela, com um olhar provocante de desafio. — O que tem aí na mão? — quis saber Curly, olhando para o guardanapo. Uma fatia do meu bolo de aniversário. Como já disse, vi a luz e pensei que era o Holt. Estava trazendo um pedaço do bolo para ele dar ao Guy. Diana adentrou mais pela pequena sala, dando de ombros. Mas, já que ele não está aqui, e você está, pode comê-lo. O sorriso dele dizia que ainda não estava acreditando na história, mas fingiria que acreditava. — Não gostaria de ficar com a guloseima do Guy. — Não há problema. — Ofereceu-lhe o bolo envolto no guardanapo. 25
Dou o pedaço do Guy amanhã. Sophie fez um bolo grande. Vai ficar velho antes que eu e o Major possamos comê-lo todo.
A verdade é que gosto de coisas doces admitiu Curly, com um brilho nos olhos que fez o pulso dela se acelerar. Um leve tremor de excitação percorreu-a quando os dedos dele a tocaram, ao tirar o bolo da sua mão. Quer dizer que hoje é o seu aniversário, hem?
— Hã-hã — replicou, vendo-o desenrolar o guardanapo e dar uma mordida no bolo. — Quantos anos está fazendo? — indagou, entre uma mordida e outra. Diana teve vontade de mentir, mas ele provavelmente já sabia quantos
anos tinha. Dezessete. Depois de alguns minutos, terminou de comer. Que bolo gostoso. Limpou o farelo das mãos. Gostaria de ter sabido que hoje era o seu aniversário. — Por quê? — murmurou, um tanto sem fôlego. — Teria comprado um presente pra você. — Não esperaria que o fizesse. Mas não teria sido maravilhoso se o tivesse feito?, perguntou-se Diana, sonhadoramente. — O que foi que o seu namorado lhe deu?
— Não tenho namorado. — Mentirosa. Uma garota linda assim, todos os garotos da escola devem ser malucos por você. O coração quase parou quando ele disse que era linda, especialmente quando o olhar ecoava as suas palavras. — Todos eles parecem tão imaturos. Diana tentou parecer muito adulta ao responder. Quando ele deu uma risadinha abafada, ela se virou, magoada porque a achara engraçada. Que vestido bonito comentou. Imagino que o Major tenha dado uma grande festa, lá na casa grande. Não. Tivemos apenas um jantar sossegado.
O tom de voz indiferente indicava que não esperara outra coisa. Os aniversários deviam ser comemorados com mais do que apenas um jantar, um bolo e alguns presentes falou Curly, com ar reprovador. É? lançou-lhe um olhar de esguelha. E como você comemora os seus aniversários?
— Com alguns drinques e um pouco de dança, e, com sorte, a companhia
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certa. Manteve os olhos fitos nos dela. Não é lá um grande aniversário, sem essas três coisas. — então o meu não foi lá um grande aniversário — suspirou Diana, porque não tinha mesmo sido. Já que não lhe comprei um presente, vou ver se posso fornecer os ingredientes necessários para uma comemoração. — Curly piscou o olho e foi até o canto mais próximo, onde havia vários pequenos baús de guardados empilhados. Levando o dedo à boca, num breve gesto de quem pedia segredo, esticou a mão por trás deles e tirou de lá uma garrafa de uísque. Conservo-a aqui para fins estritamente medicinais... para me manter aquecido nas noites frias explicou, sabendo que o Major era severíssimo no tocante a se beber em serviço. — Hoje, vamos usá-la para a finalidade apropriada. — Tirou dois pequenos copos de papel de uma pilha que havia num armário de madeira e serviu a bebida num deles. Hesitou antes de servir a segunda dose, olhando para Diana. Bebe álcool? Não quero ser acusado de estar corrompendo uma menor. — Já bebi álcool sim. Só uma vez em toda a sua vida, mas não ia admitir isso para ele. Quem sabe que, se pensasse que era mais um pouco mundana do que na realidade, poderia tratá-la como mulher, ao invés de como criança. Adicionou a bebida ao segundo copo, e entregou-lho, erguendo o dele num brinde. Para uma moça muito linda. Feliz aniversário, Diana.
Quando engoliu a bebida, ela fez o mesmo. O fogo queimou-lhe a garganta, tirandolhe o fôlego. Diana tentou não tossir, e conseguiu manter a sua reação ao nível de um arquejo sufocado. Faz mesmo a gente se aquecer, não é? riu, a voz rouca. Faz, sim concordou Curly, e voltou a encher o copo. E também ajuda a gente a relaxar. Depois de mais dois goles, Diana descobriu que ele também estava certo quanto a isso. A bebida ainda queimava ao descer, mas não tanto quanto da primeira vez. E fazia-a sentir-se agradavelmente descontraída, dando a tudo ao seu redor um brilho cor-de-rosa. Conversaram sobre coisas triviais. Tornou a encher o copo dela. A moça estava começando a sentir-se deliciosamente tonta, quando Curly estalou os dedos. — Prometi-lhe que haveria dança, não foi? Vamos. Pegou-a pela mão e saiu com ela da sala de equipamentos. No largo corredor do estábulo que se estendia ao comprido para dividir as baias, Curly ligou o rádio que o Major instalara ali para acalmar os cavalos. 27
Uma balada instrumental romântica saía dos alto-falantes. A única iluminação provinha da luz da sala de equipamentos. Ele se virou, lançando-lhe aquele sorriso sedutor e fascinante. — Quer dançar comigo? — perguntou, como se estivessem num clube noturno, e não num estábulo. Quero respondeu Diana, e pareceu flutuar para os braços dele. Ele era forte. Podia sentir os seus músculos possantes enquanto a abraçava. Moviam-se ao ritmo lento da música. Diana jamais dançara assim antes; podia sentir a pressão das coxas dele contra os seus quadris, e a mão espalmada no meio das suas costas. Que está achando desta comemoração de aniversário? — O belo rosto parecia estar a poucos centímetros de distância. — Bebida, dança... -e a companhia certa — completou Diana, dando o último ingrediente. — E a companhia certa — concordou Curly. O seu olhar varreu o rosto que se erguia para ele. — É uma pena que eu não estava aqui no seu último aniversário. Os doces
dezesseis anos. Imagino que não esteja chegando ao décimo sétimo aniversário sem ter sido beijada. — Já fui beijada algumas vezes — disse ela, fazendo as palavras soarem como se fossem uma atenuação da verdade. Ficou olhando para os cachos crespos do cabelo dele, com vontade de tocá-los e de correr os dedos por entre eles. — Hoje? indagou ele. -Não. Nenhum aniversário é completo sem um beijo de aniversário falou Curly. Já fora beijada antes, mas quando a boca do rapaz moveu-se sobre a sua, o beijo não se pareceu com as prévias experiências desajeitadas. Tomou conta dos lábios com uma habilidade de perito. O efeito relaxante da bebida que ingerira permitiu a Diana deixar o instinto dirigir a sua reação. Nada mau para uma amadora comentou ele, quando o beijo acabou. — Os meus professores não têm sido exatamente profissionais. Tentou parecer tão calma quanto ele o fora, mas o beijo dele fora tão maravilhoso quanto o haviam idealizado os seus devaneios românticos. Deixe-me dar-lhe algumas lições grátis. Tudo bem. Já não fingiam mais estar dançando. Os braços envolveram-lhe o pescoço, enterrando os dedos nos cachos muito crespos da sua nuca. Sentiu o
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cheiro de u isque no bafo dele, e sabia que o seu cheirava igual. A pressão da boca do rapaz forçava para trás a sua cabeça. Diana não tinha certeza se era a bebida, ou o beijo longo e embriagador, que a estava deixando tão tonta. Concluiu que era uma combinação das duas coisas, quando ele começou a mordiscar o seu pescoço, e dar início a uma nova série de sensações. Ela gemeu, em resposta, e agarrou-se ainda mais a ele, que voltou à sua boca, beijando-a de novo com perícia devastadora. Venha. Afastou-se, tomando-a pela mão e arrastando-a atrás de si enquanto se dirigia para a extremidade oposta do corredor do estábulo. A cabeça girava, sem se dar
conta direito do que estava acontecendo, ou por quê. Havia um monte de feno macio empilhado contra a parede. — Vamos ficar mais confortáveis aqui. Ajoelhou-se e puxou-a para junto de si. Meu vestido conseguiu protestar Diana. Não se preocupe com ele, boneca falou. Os dois estavam deitados na palha, a boca do rapaz logo acima da sua. Algo dizia a Diana que aquilo estava errado. — Mas... Você falou que eu era a companhia certa lembrou-lhe Curly, uma das mãos acariciando-lhe toda a extensão do braço. Foi admitiu, num sussurro, e desviou o olhar para a boca do rapaz, tão juntinha da sua. Por favor, beije-me de novo, Curly. E ele atendeu prontamente ao pedido, repetidas vezes, cada beijo mais apaixonado do que o anterior. A língua entreabriu os lábios dela e forçou os seus dentes. Resistiu, fugindo da penetração, um medo confuso tomando conta dela. — Qual o problema, boneca! — debochou ele, parcialmente. — Ninguém lhe ensinou a dar um beijo de língua?
— N... não. — É fácil. — Beijou os cantos dos lábios, uma sensação excitante. — Vou lhe mostrar. — Ela parecia não ter força de vontade, exceto para aprender o que ele quisesse lhe ensinar. Basta abrir a boca. Diana o fez, devagarinho, e os lábios pousaram úmidos sobre os dela, a língua deslizando por entre os dentes para explorar as cavidades íntimas da sua boca. Por um momento, ela simplesmente se submeteu. Aos poucos, sentiu um desejo de corresponder. Em tentativa, deixou a língua mover-se contra a dele, finalmente devolvendo a intimidade erótica do beijo. Ah, Deus, boneca. Respirava pesadamente, enquanto os lábios se moviam de leve sobre a face dela, dirigindo-se para a curva do pescoço. -
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Você é demais. Dirigiu-se para a orelha, lambendo-a. Diana estremeceu ante os arrepios deliciosos que correram sobre a sua pele. A mão deslizou pelo quadril da moça, puxando-a, mais para junto de si, depois foi subindo até a curva do seio. Diana tentou afastar a mão dele, mas parecia perder as forças. As carícias estavam-se tornando íntimas demais. A cabeça ordenava-lhe que o fizesse parar, mas seus músculos conseguiam apenas oferecer uma resistência simbólica. Curly estava beijando de novo os lábios dela, e parara de massagear-lhe o seio, levando a mão para o decote do seu vestido. Tudo parecia estar bem de novo, até que Diana deu-se conta de que ele estava desabotoando a frente do vestido. Tentou livrar-se do beijo. Não! arquejou, zangada, e tentou juntar as partes da blusa quando ele as afastou, mas seus esforços foram completamente ineficazes. — Não lute contra mim, boneca. O bafo era quente e úmido sobre a face dela, a boca buscando os lábios que fugiam. A cabeça girava, estava muito tonta. Não se importara com os beijos, gostara deles, mas estas carícias estavam indo mais longe do que Diana pretendera ir. Os dedos dela rodearam o pulso cabeludo do rapaz, mas não pôde deter a mão que se enfiou pelo seu sutiã e tirou o seio de dentro do bojo de renda. Ele só ficou satisfeito depois que o outro estava livre, pouco se importando que o sutiã a estivesse apertando dolorosamente. Tem umas mamas legais, boneca murmurou, com voz rouca. Olhe só como elas me fitam, tão jovens e firmes. Antes que Diana pudesse adivinhar as suas intenções, já baixava a cabeça e beijava os seios redondos e espremidos, lambendo e mordiscando os mamilos. Desesperada, tentou empurrá-lo para longe de si. O medo começava a penetrar na névoa de álcool que entorpecia a sua mente. Mas uma parte de si sentia um certo estímulo sensual ante o gesto erótico. Curly, não quero que faça isso sussurrou num pânico entremeado com um pouco de raiva. Claro, boneca, claro. Porém ignorou os protestos dela.
Diana sentiu a mão tocar-lhe o joelho e começar a subir por sob a bainha da sua saia. Todo o prazer inconsciente que sentia com o seu toque sumiu ante esta intimidade nova e perigosa. Tentou fugir com o corpo, socando-lhe a cabeça e os ombros, chutando-o enquanto erguia a saia dela. Pare com isso! Largue-me!
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Sua provocadorazinha dos diabos rosnou ele, e rolou para cima dela, imobilizando-a com o seu peso. Abriu a boca para gritar, mas ele a cobriu com a dele, abafando o som. Agarrou um punhado do cabelo dela, puxando-o pelas raízes para manter imóvel a sua cabeça. A garganta emitia ruídos de medo, sufocados pelo beijo brutal. A saia já estava pela cintura, e ele usava as pernas para forçá-la a abrir as dela, sem se importar com os socos de raspão que ela lhe dava. O medo que ela sentia estava sendo substituído por uma raiva intensíssima, uma fúria por ele ousar violentá-la. Os dedos tentavam arrancar-lhe as calcinhas, o seu membro ereto e duro pressionando-lhe a coxa nua. Num momento ele estava em cima dela, logo depois não estava mais. Por um segundo atordoado, Diana pensou que era alguma coisa que ela tivesse feito, ao ver Curly se pôr de pé. Dê o fora daqui, Holt! resmungou. Isto não é da sua conta... a não ser que queira ser o próximo, depois de mim. Os olhos de Diana fitaram a segunda figura, diante de Curly. De todas as pessoas que gostaria que viessem salvá-la, Holt Mallory era a última que teria escolhido. Deixe isso pra lá, Curly foi a resposta mortalmente serena. Deixo, uma ova!
Na penumbra, Diana viu Curly lançar um soco no rosto de Holt, que tocou de raspão no braço esquerdo erguido. No mesmo instante em que Holt bloqueou o primeiro golpe, enfiou um soco na virilha de Curly. Este se dobrou em dois, caindo de joelhos, a boca aberta, os olhos vidrados e arregalados de dor. Diana esperou com ansiedade
selvagem pelo golpe seguinte, mas este não ocorreu. Holt dera um passo para trás, os braços abaixados. Ela se pôs de pé, resolvida a não deixar Curly se safar com tanta facilidade, depois de quase tê-la estuprado. Havia um forcado espetado no canto da pilha de feno. Ela o agarrou e correu na direção da figura ajoelhada, soluçando de desejo de vingança. Filho da mãe! gritou, com voz rouca. Vou... Diana estava tão concentrada em Curly que não viu Holt se interpor no seu caminho até que os dedos dele se fechassem no cabo da madeira do forcado para arrancá-lo da sua mão. Lutou para reaver a posse da sua única arma, porém Holt arremessou-a no monte de feno como se fosse uma lança. Já ia pegá-la de novo, mas um braço de ferro rodeou-a para esmagá-la contra o peito dele. — Solte-me — Diana debatia-se inutilmente nas mãos dele. — Ele tentou me estuprar! Merece morrer!
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— Cale a boca. — Holt cobriu a boca da moça com a mão, os olhos cinzentos e frios fixando-a penetrantemente quando tentou mordê-lo. Às suas costas, Diana podia ouvir Curly pondo-se de pé, com esforço. Holt fitou-o com olhar severo. Está despedido, Lathrop. Arrume as suas coisas e suma daqui dentro de uma hora. Não me pode despedir por causa dela. Curly ainda ofegava de dor. Meu Deus, era o que ela estava pedindo. Desde que cheguei aqui vive atrás de mim, me vigiando, me provocando, andando por aí com a blusa semiabotoada e usando essas calças justas. Você tem visto. Parecia uma cadela no cio. Diana ficou enojada pelo que ele disse. Era constrangedoramente verdadeiro. Mas não alterava o fato de que tentara possuí-la contra a sua vontade. A raiva que sentiu pela humilhação serviu apenas para alimentar o ódio por Curly. — Oficialmente, está sendo despedido por beber em serviço. — Holt ignorou as acusações feitas por Curly. A prova é a garrafa de uísque que está na sala de equipamentos. Fim da linha para você, Curly. Pode ir dando no pé!
A mão dele continuou a abafar os gritos de protesto de Diana. Ela lutou contra o braço que a comprimia, os botões da camisa magoando-lhe os seios. Holt só a soltou depois que a porta do estábulo se fechara atrás de Curly. Ela deu meia-volta, abotoando às pressas a frente do vestido. — Como pôde deixá-lo ir embora, assim, sem mais nem menos? — Os olhos que voltou para Holt eram de um azul assassino. — Que tipo de homem você é, deixando-o partir depois do que tentou fazer comigo? O Major lhe teria dado uma surra de arrancar o couro. Por que motivo? retrucou, desafiador. Por ter aceito um dos seus muitos convites? Todo mundo viu o jeito como você andou se pavoneando para ele. Curly tinha razão. Era o que você estava pedindo. Se não fosse pelo Major, eu nem teria interferido. Sentiu-se queimar pela vergonha que as palavras dele provocaram. — Ele não vai-se safar assim, desse jeito. — A voz era tensa, enquanto se virava para ir embora. — O Major providenciará para que seja castigado. Dedos fortes agarraram-na pelo braço, e fizeram Diana dar meia-volta. — Não vai contar ao Major uma palavra do que aconteceu — ordenou Holt. — Vou — desafiou-o a moça. — Ele vai chamar a polícia e botar Curly na
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cadeia. E também vou contar a ele o modo covarde como você cuidou do assunto. Quando eu acabar, você também não vai mais trabalhar aqui!
Sua vaca mimada. A expressão denotava profundo desprezo. Acabamos de perder o melhor treinador de cavalos do Estado, e você só consegue pensar em sangue. Quer que o Major defenda publicamente a sua honra, sabendo que andou atrás do Curly como uma piranha barata? Pouco se lhe dá que o Major faça papel de palhaço diante de todos os seus amigos, contanto que você consiga a sua vingança. Ele é um homem bom demais para merecer uma filha como você. O ataque exigia algum tipo de revide. Não havia palavras para rebater o que ele dissera, portanto Diana estalou-lhe uma bofetada na face. Os olhos dele pareceram adquirir
a cor da prata derretida. Agarrou-a pelo pulso e arrastou-a até o pequeno banco que havia diante de uma das baias. Holt dobrou-a sobre o joelho, a saia lhe caindo à volta do pescoço. Não! berrou Diana, num protesto chocado, dando-se conta subitamente das intenções dele. Já era tarde demais, pois as suas calcinhas haviam sido parcialmente arriadas, e a primeira palmada forte fora aplicada na carne macia. Ela soltou um grito estrangulado de dor. Embora se debatesse o quanto pudesse, não conseguia se soltar. Enterrou os dentes nos lábios, depois disso, permitindo que apenas gemidos e grunhidos lhe escapassem da boca. Diana não queria que ninguém escutasse os seus gritos e a encontrasse numa posição tão humilhante. Holt não tentou diminuir a força das palmadas. A surra pareceu durar uma eternidade, até que ele a fez levantar. Com o rosto vermelho, os olhos marejados de lágrimas que não se permitia derramar, Diana lançou-lhe um.olhar orgulhoso e magoado, os joelhos trémulos, mas mantendo-a ereta. Está satisfeito? indagou, desafiadora, com voz vacilante. As linhas duras do rosto dele estavam impassíveis. — Alguém já devia ter feito isso há muito tempo. Pra seu governo Diana fez uma pobre tentativa de parecer sarcástica vim mesmo aqui hoje para ver o Curly. Queria que ele me notasse. Queria que me beijasse, mas não... Ele me ofereceu um pouco de uísque e bebi, porque não queria que pensasse que eu era uma criança. Depois, quando ele... eu não conseguia... — Estava tendo dificuldades em usar as palavras certas. — Nunca pretendi que ele fizesse o que ia fazer quando... Que diferença fazia? Diana se afastou, frustrada. De qualquer modo, Holt provavelmente não ia acreditar nela, e pouco se lhe dava se ele acreditasse ou não. Por que teve que ser ele a entrar e encontrá-la com Curly? Por que
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não pode ser outra pessoa qualquer? Deus, que vontade tinha de chorar... mas não na frente dele. Ele se pôs de pé e veio ficar ao lado dela. Quando Diana se recusou a fitá-lo, pegoua pelo queixo e virou à força a sua cabeça.
Se o que está dizendo é verdade, da próxima vez que isso acontecer, e com o seu tipo de mulher sempre haverá uma próxima vez acrescentou, frio e insensível há duas coisas que pode fazer. Arrancar-lhe fora os olhos com as suas lindas unhas bem-feitas, ou enfiar-lhe o joelho na virilha com quanta força tiver... se realmente não quer que ele faça amor com você. — Obrigada pelo conselho — retrucou Diana, com azedume. Se as suas pernas não estivessem tão trémulas, experimentaria nele a última sugestão. Os olhos de Holt se estreitaram. E nem uma só palavra disso para o Major, ou outra pessoa qualquer ordenou. Nem mesmo uma insinuação. O Major sabe que já adverti Curly uma vez sobre a bebida. Não vai ficar desconfiado, a não ser que seja por culpa sua. Entendeu?
— É, entendi. — Não vou deixar que magoe ou envergonhe o Major — avisou. — O seu senso de lealdade é impressionante. A ultima coisa que Diana desejava fazer no momento era falar com qualquer pessoa sobre o que acontecera esta noite. Simplesmente esperava poder esquecer, mas tinha a sensação de que a mera visão de Holt Mallory bastaria para fazê-la lembrar-se sempre. Afastou o queixo da mão dele, e se virou. — Para onde vai?
— Para casa — retrucou, bruscamente. — Não desse jeito — respondeu Holt, com igual brusquidão. — Fique quieta. — Começou a tirar o feno do vestido e dos cabelos. Quando acabou, estendeu-lhe o seu lenço. — Assoe o nariz. — Não é preciso — recusou Diana, piscando para tirar a última lágrima dos olhos. Enquanto se dirigia para a porta, escutou a voz de Holt. Lembre-se do que falei. — Não é provável que me esqueça. A sua resposta seca era verdadeira. O seu traseiro estava tão dolorido que Diana sabia que esta noite teria que dormir de barriga para baixo.
Diana não falou uma palavra a ninguém sobre aquela noite. Fingiu surpresa quando o Major mencionou que Curly fora despedido, lamentando o fato. Aqueles que notaram o modo como ela vagueava desanimada pela estância,
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nas duas semanas seguintes, atribuíram o fato à partida de Curly, sem se dar conta de alguma ligação. Agora, Diana odiava Holt. Diana formou-se na escola secundária brilhantemente, dirigindo o discurso de formatura ao rosto orgulhoso do Major, sentado numa cadeira junto ao corredor, lá na frente. Matriculou-se na universidade em Reno, seguindo a sugestão do Major. A princípio, Diana tentara argumentar contra a sua ida para a universidade. Não tinha o menor desejo de continuar os estudos. No que lhe dizia respeito, a sua educação já estava completa. Mas, qual o objetivo de ir para a faculdade? Sei tudo que preciso insistira Diana, num final de tarde de verão. Não existe uma só coisa que um professor possa me ensinar sobre a vida na estância que eu não possa aprender com você. Sei cuidar dos livros e fazer todos os lançamentos. — Não vou deixá-la desperdiçar a sua inteligência. Além disso, na universidade há mais do que aulas e professores. O Major sorrira, com indulgência. Há irmandades, festas, atividades das quais participar. Precisa provar mais coisas na vida antes de ser tão positiva sobre aquilo que acha que deseja. Diana continuara cética. Não vou mudar de ideia. Pode ser que não admitiu ele mas pelo menos terá conhecido algo mais do que a vida que sempre levou. Uma batida à porta interrompera a discussão. Quando o Major abrira a porta de tela para deixar Holt entrar, o ressentimento aflorara dentro de Diana. Lera a expressão dela, e depois olhara para o Major. — Desculpe. Não queria atrapalhar.
O pedido de desculpas fora suave, com o grau apropriado de respeito. Diana poderia ter-lhe dito que a sua presença atrapalhava a vida dela desde o dia em que ali chegara. Porém, cada vez que tentava bloqueá-lo, o Major lhe dava as boas-vindas. Tornara-se uma batalha perdida. Não está atrapalhando declarou o Major. Diana e eu estávamos discutindo os planos dela de ir para a faculdade. Diana também teve vontade de corrigir tais palavras. Eram os planos ”dele”, não dela. — O que foi?
— Há dois compradores aqui interessados nos seus cavalos árabes. Querem ver especificamente os potros de um ano — explicara Holt. O Rube vai trazer o jipe para leválos até o pasto. Achei que o senhor gostaria de vir junto; os compradores parecem ter olho clínico para o gado bom. — Pode cuidar disso sem mim. 35
Fora um pronunciamento singelo da confiança na capacidade de Holt. Diana fitara o pai, abalada pela declaração dele, e as suas implicações. O Major já delegara responsabilidades anteriormente, porém nunca quando os seus puros-sangues árabes estavam envolvidos. Holt tinha-se instalado firmemente, e ela não mais podia ignorar o fato. A descoberta deixara-a de ouvidos moucos para o resto da conversa. O ruído da porta de tela sendo fechada trouxe-a bruscamente à realidade. Os seus quatro anos na faculdade vão passar tã”o depressa que acabarão antes que perceba. O Major continuara a discussão anterior sem nem quebrar-lhe o ritmo. Agitada, ela se afastara. O Major chegara por trás e apoiara a mão no seu ombro. Sentira pouco consolo com essa rara demonstração de afeto. O Major sempre fora um homem muito controlado emocionalmente, expressando muito raramente os seus sentimentos íntimos, parte da rígida disciplina das forças armadas, além de uma conduta masculina natural. Sempre quis que você cursasse a faculdade, Diana disse-lhe, suavemente. — Todos os pais sonham em ver os filhos formados. Não sou diferente.
Diana não pôde achar um argumento contra isso. A vida inteira fizera o que ele queria. Agora era tarde demais para romper o hábito. Não ia aguentar suportar o desapontamento dele, se recusasse. Além disso, depois da conversa dele com Holt, não parecia haver muitos motivos para ela continuar na estância. Mesmo assim, emitira um pequeno protesto. — Mas Reno fica tão longe, do outro lado do Estado. — Não tão longe que a impeça de vir para casa nos fins de semana prolongados e nas férias consolara-a o pai. E então, Diana cedera. Consolando-se com a ideia de que o estava agradando, jogou-se de corpo e alma na vida da universidade. Seu horário de aulas no primeiro ano não lhe permitiu passar muitos fins de semana em casa, restringindo-lhe as visitas à época das férias, que passavam depressa demais, e eram espaçadas demais. Para fazer o tempo passar mais depressa, Diana resolveu tomar parte em muitas atividades e festas do campus. Fez muitas amizades superficiais, mas as suas horas sobrecarregadas jamais continham os minutos extras que permitiriam aprofundar relacionamentos, quer masculinos, quer femininos. O verão passou num piscar de olhos. Parecia que mal chegara na estância, e já estava na hora de partir para o semestre de outono. No seu segundo ano na universidade, houve duas ocorrências de grande importância. Em outubro, foi chamada ao gabinete do reitor, onde lhe informaram
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que o pai sofrera um leve ataque cardíaco e estava no hospital. Diana tomou o primeiro avião para Ely. Enquanto o fitava, deitado na cama do hospital, notou que parecia pálido, mas sem outras marcas aparentes. O Major sempre parecera tão invencível. Era um choque descobrir que não. Uma luz vigorosa ainda brilhava vivamente nos seus olhos, não bruxuleante, mas também não eterna.
Não fique tão preocupada, Diana ralhou ao ver a expressão no seu rosto. Ainda me sobram muitos anos. Só tenho que maneirar um pouco, nada mais... levar a coisa mais na maciota. Vou-me certificar disso. Como assim? quis saber o Major. Vou ficar em casa até que esteja melhor. — Uma coisa foi você abandonar a faculdade e tomar um avião para ver com seus próprios olhos que estou bem, outra bem diferente, e desnecessária, é ficar sentada segurando a minha mão — informou à filha, severamente. Tenho Holt e Sophie para tomar conta de mim. Diana quis ressaltar que, como sua filha única, era seu direito cuidar dele, e não privilégio de empregados, mas o Major não lhe deu chance de falar. Vou passar a direção da estância para as mãos de Holt. Atualmente, é mais do que capaz de dirigi-la. Tenho sorte em tê-lo comigo. Não havia como se enganar quanto à admiração e ao respeito na voz dele. Quero ficar em casa com você. — Mocinha, pode-me fazer mais feliz voltando para a faculdade e se formando. Depois disso, espero que ache um homem inteligente e ambicioso para ser seu marido, quem sabe mais tarde tenha alguns filhos. As chances de conseguir qualquer uma dessas coisas isolando-se na estância são praticamente impossíveis. Sim, Major concordou Diana, perguntando-se se ele a estaria mandando embora se fosse um filho, ao invés de uma filha. Diana ficou hospedada num motel em Ely até que o pai tivesse alta do hospital. Alegava que era porque não queria fazer diariamente a viagem de uma hora de ida e volta para a estância. A verdade, contudo, era que não queria ficar na estância, sabendo que era Holt Mallory quem a dirigia. No mês de fevereiro, Diana compareceu a uma conferência especial da sua classe de ciência política. O orador convidado era um lobbyist profissional dos interesses de mineração de Nevada. Chamava-se Rand Cummings. Alto, extremamente bonito, com cabelos escuros crespos e olhos azuis, era encantador,
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eloquente e inteligente. Diana sentiu uma atração instantânea pelo homem, mas a sua experiência com Curly deixara-a cautelosa. No final da conferência da tarde, Diana e mais alguns outros que não tinham aulas posteriores permaneceram, ostensivamente para fazer mais perguntas. Apenas um cego não teria notado Diana, e Rand Cummings não era cego. ”Por acaso” foram juntos até o estacionamento. Ele a convidou para sair, e Diana aceitou. Não foi exatamente uma paixão desenfreada, já que Diana estava resolvida a não se deixar levar pelas emoções. Rand se enquadrava na maioria dos requisitos que ela exigia. Era maduro, tinha 20 e tantos anos, bem-situado na profissão que escolhera, e ambicioso. Era parecido o bastante com Curly para excitá-la fisicamente, no entanto não a pressionava para terem relações íntimas. Durante os abraços mais apaixonados, Diana sentia que as reações dele eram controladas, mesmo quando ela estava à beira de se descontrolar. Essa disciplina aumentava o respeito que sentia por ele. No fim de semana anterior às férias de verão, Rand viera de Carson City para ficar com ela. A noite de domingo era a última que passariam juntos. Quando Rand a trouxe para casa, estacionando o carro perto do dormitório dela, Diana jogou-se prontamente nos seus braços. Abandonou-se aos seus beijos possessivos, de certa maneira testando o controle dele. Antes que o desejo o dominasse, Rand desvencilhou-se dos braços dela, mas não a afastou. Ao invés disso, sentou-a de lado, no colo, e satisfez-se com uma exploração vagarosa de seu pescoço e garganta. Nunca tenho muita certeza a seu respeito, Diana murmurou. Havia experiência no modo sensual com que a mordiscava junto à
orelha. Fazia com que ela sentisse arrepios de prazer em toda a pele. Os dedos buscaram as ondas crespas do cabelo do rapaz, para se enterrarem na sua espessura. Não? sussurrou. Porém Rand não parecia achar essencial ter certeza a respeito dela. É uma bela mulher. Daria uma esposa excelente para um membro de grupos de pressão, como eu. Na verdade, seria até mesmo valiosa para um lobbyist.
Diana recuou ligeiramente, espiando as belas feições através dos cílios recurvos. — Isso está-me parecendo um pedido de casamento — brincou. — E é. Quero que se case comigo, Diana — declarou. 38
Por um instante, ela não deu resposta. Tentou vê-lo como o Major o veria, imaginando se encontraria nele as mesmas qualidades positivas que ela encontrara. — Pode dar um jeito de voar comigo para casa no fim de semana que vem? — perguntou. — Gostaria que conhecesse o Major. — É o que pretendia mesmo fazer — disse Rand, e sorriu — para poder pedir-lhe formalmente a mão da filha em casamento. — Não logo de saída — disse Diana, rapidamente. E apressou-se a explicar: — Gostaria que primeiro ele o visse e tivesse uma chance de conhecê-lo, embora ligeiramente, antes de você fazer o pedido. Às vezes os pais podem ficar exageradamente críticos, se descobrirem imediatamente. Você é que sabe concordou ele. Quando obtivermos o consentimento dele continuou Rand, cheio de confiança iremos escolher juntos o seu anel de noivado. Por entre beijos e carícias, discutiram o futuro. Nem mesmo para si própria Diana admitiu que evitara concordar em casar-se com ele antes de saber a opinião do Major. Queria bem a Rand, e o seu contato não lhe era desagradável. Parecia ser todas as coisas que sempre desejara num marido. Mas queria ter certeza de que o Major aprovava a sua escolha. Quando ligou para casa, na semana seguinte, para avisar ao pai que havia convidado Rand para ir com ela no fim de semana, ele não fez perguntas. A última semana de aulas pareceu interminável a Diana, mas o voo para Ely pareceu mais rápido, de tanta expectativa. O Major parecia ter-se recuperado totalmente do enfarte, embora Diana notasse que se cansava com mais facilidade, agora, e que havia ficado bem mais grisalho. Deixou que imaginasse que Rand era uma pessoa especial, sem saber quão especial, e deu-lhe tempo de formar suas próprias impressões.
Na véspera do dia em que Rand devia partir, Diana ficou a sós com o pai no escritório, antes do jantar. Conversaram sobre banalidades por alguns minutos, até que ela perguntou:
— O que acha do Rand?
Parece-me muito inteligente e simpático. A coisa é séria entre vocês dois? Imagino que seja, já que o trouxe aqui para casa. Ele me pediu em casamento. E você quer a minha aprovação concluiu o Major. — Quero. E quanto ao seu diploma?
Rand e eu já discutimos o assunto admitiu Diana. Vou continuar, mas com menor carga horária do que agora. Isso significa que vamos ter que
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esperar alguns anos, antes de pensar em filhos, mas nos dará mais tempo juntos, também. Então, não vejo por que fazer objeções. Gosto dele, e se você quer se casar com ele, não há mais nada a ser dito, não é? sorriu ele. Não concordou ela. Rand está esperando na varanda para falar com você. Quer a sua permissão para casar comigo. Não o deixe ficar esperando. Mande-o entrar ordenou o Major, com falsa severidade. Marcou-se um dia em agosto para o casamento, para permitir aos recém-casados um tempinho para a lua-de-mel antes que Diana voltasse à faculdade para o semestre de outono. Sobrava pouco tempo para fazer planos para a festa do casamento. O verão inteiro pareceu ser consumido com os arranjos necessários. Ia ser um grande casamento, com recepção posterior na estância.
Mesmo nos momentos mais atribulados, Diana sentia-se aliviada por ter algo para fazer. Tinham ocorrido mudanças na estância desde a doença do Major, mudanças pequenas, mas perturbadoras mesmo assim. Holt e Guy agora almoçavam na casa grande. Havia um propósito duplo nisso. O Major insistia que era uma insensatez fazer Sophie tentar cozinhar para duas pessoas. Sempre sobrava comida demais. Além disso, a hora do almoço permitia que Holt tivesse um tempo para conferenciar com o Major e obter o seu conselho para os problemas surgidos. Quando Diana voltou, Holt sugeriu a suspensão desse hábito, para dar ao Major mais tempo junto com a filha, mas a sugestão foi rejeitada como desnecessária. Diana não fez nenhum comentário, mas tentou precisar estar sempre em outro lugar na hora do almoço. Ainda antipatizava com Holt com a mesma intensidade de antes, mas não mais tentava opor-se à sua presença na estância, apenas ignorava-a o mais que podia. No fim de semana anterior ao casamento, Rand voou para Ely a fim de estar com ela. Diana estava no aeroporto para recebê-lo quando o avião chegou, na sexta-feira. Não desperdiçaram palavras ao se verem, pois Rand imediatamente a tomou nos braços e deulhe um beijo longo e possessivo. Quando finalmente soltou-lhe a boca, continuou com as mãos unidas atrás das costas dela. — Sentiu saudades minhas? — quis saber Rand. — Parece que há um mês não a vejo, ao invés de duas semanas. Com todos os preparativos de última hora para a festa, as provas do vestido, e tudo o mais, o tempo voara, no que dizia respeito a Diana. Mas a frase dele deixou-a satisfeita. — E quando foi que tive tempo de sentir saudade? — brincou Diana. 40
Você ligou para mim todos os dias. Beijou-a fortemente, os olhos escuros queimando-lhe o rosto, quando ergueu a cabeça. — Tinha que ligar todos os dias, ou ficar maluco imaginando o que estava fazendo, e com quem estava. A insinuação de ciúme era excitante. — não confia em mim, Rand?
Tentou forçar uma despreocupação na voz. — Como é que vou saber o que está fazendo, quando está tão longe de mim? Podia estar-se encontrando com os antigos namorados, para não falar naqueles cowboys fortões na estância de seu pai. Diana inclinou a cabeça para trás e achou graça. Ainda não deu uma boa olhada de perto nos homens que trabalham para nós. Ainda sorrindo, tranquilizou-o: Além do Major, só existe um homem na minha vida... você. Ele relaxou a pressão à volta do corpo dela, e ergueu a mão para acariciar de leve a face e o contorno do maxilar. Você é tão linda, Diana. Não sei se jamais permitirei que fique longe dos meus olhos. A intensidade ardente do olhar deixou-a constrangida. Aquele ciúme era desnecessário. Quando se comprometia com um homem, era integralmente. Rand ia ser seu marido. Fora criada com um senso de moral rígido demais para não levar a sério os seus votos matrimoniais. Um pouco perturbada pela atitude dele, Diana procurou desviar de si a sua atenção. O que andou fazendo nessas duas últimas semanas? perguntou, simulando severidade. — Arrumou um par de coristas em Reno para lhe fazer companhia durante as noites solitárias? Eu estou aqui na estância, com o Major de olho em mim, mas não há ninguém para vigiar você. Pode estar mandando uma brasa firme. — Mas há uma diferença, meu amor. — Rand beijou-lhe a ponta do nariz. O modo como passo os meus últimos e preciosos dias de solteiro não é da sua conta. Chauvinista acusou Diana, dando uma risada. — Agora conhece a verdade a meu respeito — riu baixinho, e abraçou-a pelos ombros, para andarem juntos até a saída do terminal. — Agora, falando a sério, descobri que há um apartamento maior vago no prédio onde moro. Disse ao administrador que talvez nos interessasse. O meu apartamento é um pouco pequeno. Não quero que nos apressemos a comprar ou construir uma casa em Carson City. 41
Diana balançou a cabeça, concordando. Gostaria de ter tempo para ver o apartamento, semana que vem. Não se preocupe tranqúilizou-a Rand. O administrador prometeu guardá-lo para nós até voltarmos da lua-de-mel. Ele me deve alguns favores. Depois que apanharam as malas, Diana levou-o até a camioneta da estância. Entregou-lhe as chaves para guardar as malas na parte de trás. Peggy Thornton, nossa vizinha, me ofereceu um chá-de-panela na semana passada falou Diana. Espere só até ver todos os presentes! Logo que a gente chegue em casa, vou mostrá-los a você. Infelizmente vai ter que esperar até mais tarde, meu bem disse ele, fechando a parte de trás da camioneta e dirigindo-se para o lugar do motorista. Preciso dar primeiro uns telefonemas. Mas pensei que tinha vindo passar o fim de semana comigo protestou ela. E vim. É por isso que estou querendo me livrar dos telefonemas hoje
falou Rand, abrindo a porta para Diana poder deslizar por baixo do volante até o meio do banco. Não dá para esquecer os negócios ao menos este fim de semana? indagou, ligeiramente irritada, quando ele se sentou ao volante. Não se eu quiser abater esta viagem do imposto de renda, e quero. Sorriu e deu partida no carro. Só o que tenho a fazer é conversar com dois sujeitos nas minas de cobre, e levá-los para almoçar. Quero que venha comigo, para obter logo alguma prática do que é ser mulher de um lobbyist. Tem certeza de que quer que eu vá com você? Não entendo nada de mineração admitiu Diana. — Querida, e nem precisa. — Lançou-lhe um olhar brincalhão. — Só o que tem a fazer é parecer bonita, sorrir, e ser amável com os homens, flertar com eles um pouco. Sabe, não vai ser difícil estar casada comigo disse Rand, com amplo sorriso. Você vai ser capaz de fazê-lo sem qualquer sacrifício. É uma barbada. Diana estava disposta a fazer o que o Rand queria, assim como sempre estivera disposta a fazer o que o pai quisesse, no passado.
O Major está-nos esperando para o almoço lembrou-se. Tem telefone lá na mina declarou Rand. Pode ligar para ele e dizer que só chegaremos à estância na parte da tarde. A iniciação de Diana ao mundo de Rand foi agradável. Não se sentia nem um pouco constrangida com a conversa de homem, tendo sido acostumada a esse tipo de situação a vida toda. Ocasionalmente, as discussões sobre as minas e seu funcionamento tornavam-se técnicas demais para ela acompanhar,
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mas raramente duravam muito. Um dos funcionários da mina logo notava o silêncio dela, sorria, e mudava o rumo da conversa para incluí-la. E Diana lembrou-se do conselho de Rand Foi simpática, sorriu muito, e flertou um pouco
Quando Rand finalmente dirigiu a camioneta para a estância, Diana olhou para o relógio. — Você errou nos cálculos. São quase quatro horas. O Major estava-nos esperando logo depois das duas. Talvez eu devesse ter telefonado. Ele sabe que você está comigo. Duvido que esteja preocupado Rand fez pouco caso da preocupação dela. Diana estava sentada perto dele, a cabeça apoiada no encosto do banco. Virou-se ligeiramente para olhar o perfil e a beleza serena dele. Rand estivera meio quieto, desde que deixaram a mina. Como me saí9 indagou baixinho. Foi um sucesso estrondoso. Lançou-lhe um olhar breve, arrogante e sorridente. O elogio fez-lhe bem, e Diana sorriu
E não era para ser?
Era, mas não exagere advertiu Rand.
— Exagerei7 — perguntou, com a incerteza brilhando nos olhos. Uma reta comprida estendia-se à frente deles. Rand abraçou-a e puxou-a mais para junto de si, beijando-lhe os cabelos. — Não — respondeu. — Acho melhor me acostumar a olhar para os homens e ver como cobiçam a minha mulher. Mais uma semana e serei a sua mulher murmurou Diana, apoiando a cabeça no ombro dele. Diana estava tão nervosa quanto qualquer noiva quando chegou o dia do seu casamento. Não havia necessidade. A cerimónia foi impecável. O pátio da estância estava cheio de convidados. Nem mesmo o calor do verão pôde diminuir a animação e a atmosfera festiva que contagiaram a todos. Rand era bem-relacionado e muitos dos seus clientes importantes compareceram ao casamento e à recepção. Agora, ele e Diana estavam cercados por vários deles, aceitando os brindes de champanha em sua homenagem. O Major estava com eles. Pela sua expressão, Diana podia ver que estava satisfeito por ela ter feito um casamento tão bom. Aquilo a deixou orgulhosa ao olhar para Rand, o seu marido. Quando as taças foram erguidas em outro brinde, um dos homens exclamou:
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Sabem que ainda não beijei a noiva?
Nem eu ecoou um outro. Mais homens alegaram não ter tido o privilégio. Não era verdade, mas Diana ficou calada. Nenhum dos homens foi ofensivo, ou deu mais do que um beijinho amistoso. Ela se submeteu de bom grado a todos. Quando o último ia-se afastando, deitou a cabeça para trás para o seguinte. O sorriso se imobilizou nos seus lábios ao ver Holt Mallory de pé na sua frente. Chegou bem na hora, Holt declarou o Major. Diana está deixando todos aqueles que se esqueceram de beijar a noiva na igreja acertarem as contas agora.
A boca dura retorceu-se num sorriso irónico. Holt não deu resposta ao Major, mas cumprimentou-a com excessiva polidez. — Boa sorte, Sra. Cummings. — Inclinou a cabeça rapidamente, a boca insultantemente fria de encontro aos lábios dela. Depois, virou-se para Rand. Parabéns disse, apertando a mão do marido dela. Os lábios ficaram gelados pelo toque levíssimo dos dele, um toque tão superficial, mas que bastou para estourar a bolha de felicidade que ela sentia. Odiou-o por ter estragado o seu dia, por ter-se feito notar, quando sabia o quanto ela o desprezava. Não importava que o Major fosse perceber a ausência de Holt na fila dos cumprimentos. Ela apenas sabia que não ia mais recuperar aquela sensação especial que estava tendo antes que ele aparecesse. O ressentimento brilhou nos seus olhos ao ver Holt se afastar. Passaram-se vários segundos antes que Diana se desse conta de que havia mais alguém à sua frente. Um Guy alto e desajeitado inclinou a cabeça e beijou-lhe a face. Espero que seja feliz, Diana resmungou, e se mexeu, constrangido, um leve rubor tingindo-lhe o rosto bronzeado. — Obrigada, Guy, vou ser. Tentou soar sincera, mas na sua voz havia uma amargura que sobrara do encontro com o pai de Guy. É... bem... Fez uma careta sem jeito e virou-se para Rand. Não havia nada de amistoso no olhar que Guy lhe lançou. — Parabéns. Desajeitadamente, Guy apertou a mão do marido de Diana e se afastou rapidamente, perdendo-se no meio da multidão, como Holt o fizera. Diana ficou olhando para ele, por um segundo. Então, o braço de Rand envolveu-lhe a cintura, e ele murmurou junto ao seu ouvido:
Acha que posso beijar a noiva?
Ela forçou um sorriso e ergueu a cabeça para ele. — Claro. 44
CAPITULO 3 Diana olhava pela janelinha do avião. Lá embaixo, na distância, podia ver a neblina fumacenta da usina de fundição ao norte de Ely. Logo estariam pousando, e ela estaria em casa, desta feita para sempre. Estava com as mãos cruzadas no colo, o polegar distraidamente esfregando o dedo onde costumava ficar a aliança. A certidão de divórcio estava na bolsa, dissolvendo um casamento que durara quase quatro anos. O aviso de ”NÃO FUME” foi aceso, indicando que o avião estava prestes a aterrissar, e Diana recostou-se no assento, fechando os olhos e se perguntando, pela milésima vez, onde falhara. Fora tão bom no começo, cheio de toda a paixão dos novos amantes que se descobriam. Ardera forte demais, depressa demais. Os problemas começaram a surgir sob a superfície aparentemente feliz em menos de um ano. A princípio, Diana aceitara as discussões amargas como parte de algo que todos os recém-casados experimentavam, e ignorava as acusações maldosas como coisa que sumiria quando aprendessem a confiar um no outro. Quando se deu conta de que eram sinais de alerta, já era tarde demais. Lutou até o amargo fim para salvar o casamento, recusando o divórcio que Rand exigia, e suportando mais de um ano de quartos separados. Finalmente, Rand tomara as rédeas da situação, e a história toda tornara-se suja e feia. 45
As rodas deram um único solavanco na pista, depois rolaram suavemente para diante. Diana abriu os olhos e se sentou mais ereta no assento. No passado, a combinação de cabelos pretos e olhos azuis tornava-a impressionantemente atraente. A maturidade acrescentara a beleza. Olhou pela janela enquanto o avião taxiava até o pequeno prédio do terminal. Quando finalmente parou no pequeno pátio de manobras de cimento, reuniu-se aos outros passageiros que desembarcavam, de pé no corredor. Estavam em abril, e o sol da manhã era agradavelmente cálido, enquanto ela descia os degraus da rampa.
Ao entrar no prédio, Diana olhou à sua volta, sem reconhecer ninguém no minúsculo terminal. Será que o Major estava tão aborrecido que nem mandara alguém vir buscá-la? Ergueu um pouco o queixo, um mecanismo de defesa contra a dor da ideia. Há mais de dois anos não aparecia em casa, dois anos querendo vir, mas adiando a viagem até que as coisas melhorassem entre ela e Rand. Diana. Fitou o rapaz que parecia conhecê-la. Alto, esbelto mas musculoso, tinha o cabelo da cor da areia do deserto, e olhos azuis-claros. Adiantou-se, vestindo uma calça de brim nova e uma camisa branca limpa. Bem-vinda ao lar disse, em voz baixa, rouca de emoção. Diana fitou a boca sensível e o cabelo levemente desmanchado, as mechas rebeldes domadas pelo peso e pelo comprimento da cabeleira. A incredulidade tomou conta dela. Guy? Identificou-o, hesitante, depois riu com gosto pela primeira vez em muitos meses, ao perceber que estava certa. Guy! Nem posso acreditar que é você mesmo! Mudou tanto!
Você não mudou. Agarrou-lhe ambas as mãos com força, com o mesmo olhar de adoração de sempre. O comentário deixou-a séria. Mudei, sim, Guy Diana corrigiu-o em voz baixa. Como vai? indagou, o olhar preocupado perscrutando-lhe o rosto, notando a tensão e a angústia através da máscara transparente de serenidade. — Estou bem — mentiu Diana. Sentia-se destruída, o seu mundo disperso como as peças de um quebra-cabeças. Não achava que o quadro ia parecer o mesmo, quando ela juntasse todas as peças de novo. — Nunca esperei que o Major fosse mandar você vir-me buscar — falou, mudando de assunto. — E quem mais? Não fui sempre seu escravo? — brincou Guy, mas havia algo muito sério nos seus olhos. 46
Ela percebeu que ele ainda segurava as suas mãos, e soltou-as suavemente.
É, acho que foi. Sorriu e também fingiu que era uma brincadeira. Onde estacionou o carro?
Bem aí fora. Podemos apanhar a sua bagagem na saída. Já deve estar lá. Olhou ao seu redor, mas não viu nenhum dos passageiros que viajaram com ela no avião. Além do agente de viagens e do guarda de segurança, as únicas outras pessoas no terminal de uma sala só pareciam estar esperando para tomar o próximo avião. Acho que sim concordou Guy, dando-se conta também de que eram os últimos a sair. Do lado de fora, apenas as duas malas esperavam sob o toldo. É só isso?
É. O resto das minhas coisas chegará pelo avião de carga, daqui a um ou dois dias. Enquanto ele levava a bagagem para o carro, Diana o examinava. Exceto pelo colorido, pouco havia nele que lembrasse o garotinho pálido e magro que chegara na estância, fazia dez anos. Dez anos, pensou. Isso significava que Guy estava com 19 anos. Não o vira da última vez que estivera em casa. Viera apenas passar o fim de semana, e ele estava ausente, examinando umas cercas da estância. Da última vez que Diana o vira, Guy acabara de fazer 16 anos. Na época era magro e desconjuntado. Tornara-se mais musculoso, um rapaz bonitão, não com a beleza clássica de Rand. Havia’ algo de limpo e puro em Guy, e Diana sentiu-se estranhamente maculada, em contraste. — O que há? — perguntou Guy, franzindo a testa, e Diana percebeu que notara que ela o estava fitando. Estava pensando na baita confusão que fiz da minha vida replicou, com um suspiro baixo e amargo na voz, ao entrar na camioneta. Guy fechou a porta do lado dela, e ficou ali parado. Todos cometem erros, Diana. Era mais do que um erro. Falhara completa e desgraçadamente, mas gostou da tentativa dele de consolá-la. Alguns são maiores do que os outros. Um sorriso tenso curvou-lhe os lábios. — Certo?
É isso aí. Guy retribuiu o sorriso e deu a volta pela frente do furgão para entrar no lugar do motorista. Ao saírem do aeroporto, virou para o sul, na auto-estrada. Quer parar na cidade para tomar café ou comer alguma coisa?
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Diana sacudiu a cabeça. — Não. Quero apenas ir para a estância. — Que bom que você voltou para casa. — Também acho. — Nunca deveria ter saído de lá, mas nada se ganharia pensando nisso — Como vai indo tudo?
-Bem. Diana lançou-lhe um olhar. O perfil forte lembrava-lhe o do pai. — Como você e Holt estão-se dando? — indagou, lembrando-se da rixa entre eles, que ela ajudara muitas vezes a aumentar. Estamos nos dando melhor. Torceu a boca num ar de auto-escármo. Acho que se pode dizer que aprendemos a nos tolerar mutuamente. Holt é um homem difícil de se conhecer. Ainda não consegui descobrir o que se passa dentro dele, ou por que se incomodou comigo. Complexo de culpa, imagino. Diana teve dificuldade em imaginar Holt Mallory sentindo-se culpado por qualquer coisa. Perdeu a vontade de falar sobre ele. E como vai o Major?
Melhorando. — Melhorando? Como assim? — indagou, franzindo a testa. Não sabia? perguntou, com ar de surpresa. O Major teve outro ataque faz uns dois meses. Ela sentiu um arrepio frio na espinha. Fitou a estrada à frente, sem vê-la.
Não, não sabia. Nem sequer insinuou que não estava passando bem, nem por carta, nem quando falei com ele ao telefone. Por que ninguém me contou? Era obrigação de Holt. Por que não o fez?
Talvez achasse que você sabia. Guy não estava tentando defender o pai, simplesmente sugerindo uma possibilidade. Há dois meses. Foi quando finalmente contei ao Major que Rand e eu estávamos tendo problemas recordou Diana, falando em voz alta. Isso não teve nada a ver Guy parecia acompanhar-lhe os pensamentos. O Major andava exagerando. Tivemos uma temporada longa e fria na época dos animais darem cria, e estávamos dando um duro danado para que as perdas não fossem muito grandes. Diana deixou-se convencer de que ele tinha razão. Como foi que ele reagiu quando soube do Rand e de mim?
Aceitou tudo teoricamente. É claro que ficou chateado por sua causa, mas... Guy hesitou. Por que se casou com ele, Diana?
Não sei. Deu de ombros e espiou pela janela. Acho que pensei
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que o amava. Rand era bonito, inteligente e bem-sucedido. Queria se casar comigo, e o Major gostava dele. Não sei por que me casei com ele repetiu. Talvez estivesse apenas querendo alguém que me amasse. Depois disso, rodaram em silêncio por muitos quilómetros. A autoestrada atravessava a garganta de uma montanha, em meio a uma floresta de pinheiros anões do deserto, e descia para um vale de salva e grama. Quando voltaram a falar, foi sobre coisas sem importância; ambos evitavam cuidadosamente os assuntos dolorosos. No final da viagem de uma hora, Guy entrou no pátio da estância e parou diante da casa grande. Diana fitou o lar da sua infância. Quase esperara ver o Major aparecer na varanda para recebê-la, ao ouvir o carro chegar, mas a varanda estava vazia.
— Diana?
Guy segurava a porta aberta, esperando para que ela saísse da camioneta. Ela o fez, passando a mão nervosa pela saia bem talhada. Vá entrando instou ele, vendo-a hesitar ao seu lado. Levo as suas malas. Estava poucos passos atrás dela, quando Diana entrou na casa. Tudo parecia exatamente igual à época em que ela vivera ali. Nem mesmo os móveis haviam sido mudados de lugar. Sentiu um bolo na garganta ao olhar à sua volta. A governanta apareceu no corredor que vinha da cozinha. — Alo, Sophie. Aos olhos de Diana, a mulher não envelhecera um dia. — Alo, Senhorita. O Major está no quarto, descansando. Como vai ele?
— Bem, mas o médico insiste para que fique deitado duas horas de manhã e de tarde, diariamente explicou a mulher. Vá até o quarto. Sophie olhou para Guy, parado junto à porta, as malas na mão. Vou mostrar ao Guy onde deve botar a sua bagagem. Agora que o momento havia chegado, Diana se dava conta de que estava apreensiva em enfrentar o Major. Sentia-se como a filha pródiga que voltava, sem saber como seria recebida. Desviou o olhar para Guy, que, ao seu jeito tranquilo, dera-lhe bastante apoio nesta última hora. Vá indo disse ele, e sorriu. Encontro você na hora do almoço. Obrigada por ter ido receber-me no aeroporto falou Diana, depois correu para o quarto do pai, antes de perder a coragem. A porta estava fechada, e ela bateu uma vez, esperando até ouvir uma voz masculina vigorosa dando-lhe permissão para entrar. O Major estava deitado sobre o edredom que cobria a cama, completamente vestido. 49
— Diana — sorriu. — Pensei ter ouvido o furgão lá fora, e imaginei se seria você. Não fez nenhum esforço para se levantar da cama, quando ela se aproximou.
Alo, Major Impulsivamente, Diana se inclinou para beijar-lhe a face. Como vai?
Bem. Deu uma palmadinha na mão que se apoiava no seu braço. Porém Diana podia ver que a doença desgastara este homem, tão vigoroso no passado. Perdera peso, embora ainda estivesse fisicamente em forma, e a sua cor não era muito boa. O cabelo antes escuro agora estava quase totalmente grisalho. Ela sentiu os músculos da garganta se apertarem. Desculpe não estar no aeroporto para esperá-la disse, fazendo uma careta. Falaram que preciso descansar. Não é fácil receber ordens, quando se está acostumado a dá-las. Os olhos eram aguçados como sempre, e examinaram-na atentamente. — Mas o que estou querendo saber é como está-se sentindo. — Bem — mentiu Diana, não pela primeira vez, e afastou-se da cama, abraçando o próprio corpo. Os olhos brilhavam com lágrimas não derramadas, enquanto fitava o teto. Desapontei você, não foi?
Diana reprovou ele não fale tanta bobagem
Não é bobagem. Tenho um diploma superior que não tenciono usar. Meu casamento acabou. Nem sequer lhe trouxe um neto. Diana enumerava os seus fracassos como se necessitasse confessar a sua culpa. Um diploma superior nunca é desperdiçado, e muitos casamentos fracassam. Quanto ao neto, ainda bem que você e Rand não tiveram filhos, já que a coisa não deu certo. É difícil para um dos pais criar um filho sozinho. Eu sei — lembrou-lhe o Major. — Não quero que fique sentindo pena de si mesma. Você tentou. Um homem não pode pedir mais do que isso da filha. Com o tempo, terá outra chance e as coisas serão melhores para você. — Não quero outra chance. — Diana piscara para afastar as lágrimas ante a repreensão. — Vim para casa para ficar, Major. Aqui é o meu lugar. Desta vez, não pode me mandar embora. Olhando para ele, deitado na cama, uma sombra do que fora, Diana sentiu que realmente precisava dela. Nunca a mandei embora. Ela não discutiu.
— Bem, de qualquer maneira, estou de volta. — Ergueu os ombros, num gesto descuidado. — Está com uma filha de vinte e quatro anos nas mãos... quer queira, quer não. 50
Não me parece que eu tenha muita escolha, não é? comentou o Major, com ar indulgente. De agora em diante vou cuidar do senhor!
O sorriso alegre que lhe lançou não combinava com a expressão dos olhos azuis, pungentes na sua súplica de que ele não fizesse objeções. Já lhe disse ultimamente que é a melhor filha que um homem pode ter? falou, a voz meiga e afetuosa. Não ultimamente admitiu Diana. Mas pode me dizer mais tarde, depois de ter descansado mais um pouco. Preciso desfazer as malas. Depois pensei em dar uma volta, reexplorar os meus velhos cantinhos. — Vejo você na hora do almoço. Ao fechar a porta do quarto, o sorriso se desvaneceu. Caminhou devagarinho para o seu antigo quarto, onde suas malas estavam pousadas no chão. Havia uma sensação de segurança nas paredes familiares, de conforto e proteção. Aqui, nada podia ameaçá-la. Nesta casa, nesta estância, estava a salvo de qualquer perigo. Fora um erro tê-la deixado. O divórcio sujo e amargo pelo qual Diana acabara de passar parecia que acontecera há séculos. Estava em casa, e tudo estava nos eixos de novo. Diana desfez as malas rapidamente e vestiu os únicos jeans que ainda possuía, subitamente ansiosa para explorar a estância e retomar a antiga vida. As suas botas velhas estavam no armário, e calçou-as. Do lado de fora, Diana caminhou até os pequenos cercados onde ficavam os cavalos. O rosto irradiava contentamento enquanto esfregava o focinho encanecido do garanhão baio que veio cumprimentá-la. Bem ao longe podia ver formas escuras pastando na relva farta do sopé das montanhas. Diana sabia que deviam ser os potrinhos, de um e dois anos. Voltou a atenção para o garanhão árabe idoso, cujos ancestrais eram crias do deserto, assim como ele. Sua idade avançada não lhe diminuía a beleza clássica. A cabeça
delicadamente proporcional, com os olhos grandes e luminosos, e a conformação impecával do corpo eram as marcas de um puro-sangue. Dando uma última palmadinha no pescoço lustroso, Diana se afastou, indo na direção dos estábulos, que brilhavam recém-pintados de branco. A porta estava aberta, e ela entrou. Seus olhos não conseguiram ajustar-se imediatamente à penumbra, depois da luz do sol brilhante. Um cavalo relinchou no escuro, os cascos mexendo-se sobre o feno que cobria o chão de sua baia. Os cheiros familiares de feno e cavalos, couro e sabão de sela trouxeramlhe um sorriso à boca. 51
Ouviu o som de passos que se aproximavam da porta do estábulo, acompanhados pelo barulho de estribos que balançavam, pendendo de uma sela carregada. Diana virou-se para cumprimentar o empregado da estância que vinha entrando, imaginando que fosse Rube Spencer ou um dos outros homens que trabalhavam há muito tempo para o Major. Era Holt Mallory. O olhar a tocou, identificou-a e ignorou-a enquanto passava por ela e ia para a sala de equipamentos. Naquele breve segundo, Diana teve de novo a sensação de que os olhos cinzentos dele tinham 100 anos de idade, de que não havia nada que não houvesse visto ou experimentado. Foi o mesmo pensamento que teve quando o viu pela primeira vez. E, como da primeira vez, uma onda de violenta antipatia arrepiou-lhe a pele. Irritada pelo modo como ele ignorara a sua presença, sem nem mesmo um cumprimento, Diana seguiu-o, parando à porta da sala de equipamentos. Viu enquanto ele tirava a sela de cima do ombro e colocava-a sobre o descanso de madeira para selas. Ombros largos estreitavam-se até cintura e quadris esbeltos. O seu corpo alto não tinha um grama de carne desnecessária. Ela teve a sensação de que a lâmina de uma faca não conseguiria penetrar naqueles músculos de aço. — Vejo que não mudou, Sra. Cummings. — Continuava de costas para ela, a voz fria e arrastada irritante na sua indiferença. Ainda anda por aí de calças apertadas e a blusa semidesabotoada. Agora está correndo atrás de quem?
Ela levou depressa a mão à frente da blusa, fechando de novo a casa que se abrira. Ficou com as faces quentes e vermelhas, enquanto um ressentimento feroz ardia-lhe nos olhos. De ninguém retrucou Diana e o nome é Somers. Voltei legalmente a usar o meu nome de solteira. Vejo que também não mudou, Holt. Ainda é o mesmo filho da mãe frio e arrogante que sempre foi. Virou-se para olhá-la. Os anos haviam moldado as suas feições em linhas abrasivamente masculinas. O dourado rebrilhava no castanho do seu cabelo, visível sob a aba curvada do chapéu Stetson. Diana examinou-o, a postura aparentemente indolente mascarando um estado de alerta e tensão. Era tão fascinante e mortífero quanto uma cobra que oscila antes de dar o bote. Por que voltou?
Diana ficou furiosa com a pergunta. Mas que pergunta mais ridícula! Aqui é a minha casa!
Quanto tempo pretende ficar?
Holt não se deixou intimidar pela raiva que ela mal controlava. — Aqui é a minha casa — repetiu. — Não vou embora. 52
Ainda não fez mal o suficiente? -Mal?
Já a avisei antes quanto a magoar o Major informou-lhe, friamente. — Pode estar doente, mas não é cego. Se pretende continuar tendo seus inúmeros casos, não vai poder escondê-los dele. Quando isso acontecer, você terá que se ver comigo. Meus casos! O ar perturbado era revelador. O que você sabe sobre... — Pensou mesmo que as historinhas sórdidas sobre o seu casamento não iam chegar até este lado do Estado? — Os músculos do maxilar enrijeceram-se de desprezo. Não foi a infidelidade que seu ex-marido usou como motivo para pedir o divórcio?
Como... Quem... A sua mente estava num turbilhão. Jamais imaginara que os boatos maldosos tivessem chegado até ali. — Aqui é terra de cobre — lembrou-lhe ele. — As histórias provavelmente percorreram todo o circuito das companhias de mineração, levando-se em conta o envolvimento do seu ex-marido com elas. Os fofoqueiros deitaram e rolaram quando os boatos sobre a filha do Major chegaram aqui. — Ah, Deus — gemeu Diana, virando-se. — Era tudo mentira. Nunca tive caso com ninguém. Rand pensou que... Ele... — Voltou a olhar para Holt, prendendo a respiração. — O Major... também ouviu as fofocas?
Os olhos de Holt fitavam-na, apertados, vivamente cinzentos e avaliadores. Suponho que sim. Nunca perguntei. Era um esforço manter a cabeça erguida. Estou surpresa de que não tenha contado para ele. Tento tornar as coisas mais fáceis para o Major, não mais difíceis. Ah é? Foi por isso que não se preocupou em me avisar quando o Major teve o último enfarte? — perguntou Diana, com ar de desafio. Não sabia que você não estava a par replicou Holt, serenamente. Mas, mesmo que soubesse, ainda assim não lhe teria contado. — Ele é meu pai. Eu tinha o direito de saber. Para poder arrastar a sujeirada do seu divórcio até a porta da casa dele? Isso realmente o teria feito sentir-se melhor falou, com um desdém seco. Que tipo de filha eu seria se não quisesse estar ao lado dele quando precisasse de mim? — indagou, veemente. — Sei que tipo de filha você é... mimada e egocêntrica. 53
Diana espalmou a mão contra o rosto dele, a mão doendo com a violência da bofetada, mas havia satisfação na dor. Teve apenas um segundo para saborear a sensação, antes que algo explodisse contra a sua face, com uma força que jogou a sua cabeça para o
lado e trouxe-lhe lágrimas aos olhos. Atordoada, cobriu a parte do rosto que ardia e olhou para o homem que a esbofeteara. Agora, eu sei que tipo de homem você é. Gosta de bater, não é? falou, friamente. Faz com que se sinta forte e poderoso?
O que esperava que eu fizesse? Parei de virar a outra face há muito tempo. Holt era rápido, forte e perigoso. Qualquer meiguice que pudesse possuir estava bem enterrada e vigiada. Holt ficou calado ao passar por ela, alto e imponente, ignorando-a. Jamais alguém havia feito com que Diana se sentisse tão pequena e sem valor. Virou-se, mas as longas passadas já o haviam levado para fora da sala de equipamentos, e do estábulo. Maldito! — xingou-o, com um soluço. 54
CAPÍTULO 4 Diana estava ajudando Sophie a pôr a mesa para o almoço quando Holt e Guy entraram na casa grande. Holt fez um breve cumprimento de cabeça na direção das duas mulheres, antes de caminhar até onde o Major estava sentado. Diana ferveu por dentro, sabendo que o cumprimento não fora dirigido para ela. Dois podiam fazer o mesmo jogo. — Quer ajuda? — indagou Guy. Ante o olhar espantado de Sophie, Diana se deu conta de que a oferta não teria sido feita se ela não tivesse estado lá. Estamos quase acabando. De qualquer modo, obrigada, Guy. Colocou o último copo na mesa. — Só falta agora botar a comida nas travessas e trazê-la para a mesa. Acompanhou Sophie até a cozinha e voltou com uma vasilha fumegante de molho. A porta de tela bateu quando Rube Spencer entrou com seu andar arrastado atravessando as compridas salas de estar e jantar. Viu o Major e tirou o chapéu empoeirado e manchado de suor, segurando-o à frente do corpo com ambas as mãos. Cabelos grisalhos e espetados pularam para fora, em todas as direções, como se há semanas não vissem um pente.
Foi com Holt que Rube falou. 55
Espiei embaixo de todas as pedras, mas nenhum sinal da égua castanha. Eu lhe disse que ela não estava lá, mas você não quis me escutar. Tive que passar o raio da manhã toda procurando um cavalo que sabia que não estava lá. Como se não tivesse nada melhor para fazer. — De que égua estão falando? — indagou Diana. — Nashira — disse Guy, pois Holt não respondeu. — Lembra-se dela. Tinha uma estrela na testa e as quatro patas brancas. Os potrinhos dela sempre saíam réplicas perfeitas da mãe. Estou lembrada. Meneou a cabeça. Deu cria pela primeira vez na primavera seguinte à chegada de vocês. Este ano ela foi estéril, e não quis cruzar com nenhum dos nossos outros garanhões. Holt soltou-a no pasto com os potrinhos de um ano explicou Guy. — Descobriu por onde ela pode ter fugido? — indagou Holt a Rube. Encontrei um lugar onde o arame superior estava arriado. Havia alguns rastros do outro lado admitiu. Imaginei que fossem dela, e seguios durante algum tempo, até que se misturaram com um monte de rastros de cavalos selvagens. Holt ergueu uma das sobrancelhas, com ar pensativo. Acha que se misturou a uma manada? indagou. Não sou nenhum raio dum índio protestou Rube. Só o que sei é que o chão era muito rochoso, e não consegui distinguir a marca dos cascos em separado. Pelo que pude ver, só havia uns quatro cavalos, talvez menos. Não me parece que seja um garanhão selvagem com seu harém. O mais provável é que sejam alguns potrinhos de um ano forçados a abandonarem a manada. Não conheço nenhuma manada que chegue assim tão perto da estância. Esses cavalos selvagens geralmente preferem botar mais distância entre eles e as pessoas, a não ser que seja um ano de seca, e temos tido chuva boa, até agora. Não como alguns anos atrás, quando... Nós nos lembramos como foi a seca, Rube interrompeu o Major.
Sim, senhor, eu sei que se lembram. — Rube sacudiu a cabeça, respeitosamente. — Imagino que agora vão-me mandar sair em busca da égua. Se deu nela vontade de se mandar, não se pode dizer até onde terá ido. Ora, pode estar... — Não creio que seja necessário — declarou Holt. — Ela provavelmente estará de volta daqui a um ou dois dias... para beber água, pelo menos. — Talvez não — rebateu Rube. — Já lhe falei, andou chovendo. Não ia precisar voltar para cá por causa da água. Podia achá-la lá fora, especialmente se se juntasse aos cavalos selvagens. 56
— Aqui é o seu lar. Não é provável que se afaste muito daqui. Nunca demonstrou inclinação de se mandar, antes — ressaltou Holt. Isso não quer dizer nada. Rube já ia dar uma cuspidela de fumo mascado, enojado, quando se lembrou a tempo de que estava dentro da casa do Major. — Não há nada que possa ficar mais selvagem do que um cavalo domado depois que tomou o seu primeiro gostinho de liberdade. Todo cavalo selvagem descende do seu gado dito domado. Não existiam cavalos selvagens até que os espanhóis trouxeram para cá os seus cavalos de montaria. Alguns se soltaram e... O almoço está servido. O aviso de Sophie chegou em boa hora para poupá-los de uma lição de História sobre a introdução do cavalo na América do Norte. — Bem, se não acham que preciso sair à procura da tal égua, vou voltar para o meu trabalho. Não vou atrapalhar o seu almoço disse Rube, e farejou o ar, de modo apreciador. Puxa, que cheiro bom. Nem me lembro quando foi a última vez que comi comida que não saiu de uma lata. Diana não ignorou a insinuação nada sutil, e sugeriu:
— Por que não nos faz companhia, Rube? Há comida de sobra para todos. Não quero forçar a minha presença. — Mas já estava-se dirigindo para a mesa. — Porém, se acham que tem o bastante, para mim seria um maná.
— Claro que achamos — tranquilizou-o Diana, e ocultou um sorriso ante o ar exasperado, mas malicioso, do Major. Pode ir sentando onde quiser, Rube, enquanto vou buscar mais um prato. Quando todos estavam sentados, Diana ficou à cabeceira oposta à do pai, na mesa retangular, com Guy à sua direita e Rube Spencer à sua esquerda. Depois que o Major fez a breve oração de graças, todos ficaram ocupados demais passando os pratos para conversar. A concentração continuou na comida, até Guy lembrar:
Você costumava pegar cavalos selvagens quando moço, não é, Rube?
É verdade respondeu, entre um bocado e outro. Mas isso foi muito antes de seu tempo. Diabo... — Um rápido olhar para o Major e ele alterou o começo da frase. — Raios, eu era um garoto naquela época, mais moço do que você. Que bons tempos, correndo feito um doido por entre a salva atrás de um bando de cavalos bravios, sabendo que, se o seu cavalo desse um passo em falso, vocês dois quebrariam o pescoço. Seus olhos brilhavam enquanto falava, lembrando-se do perigo e da emoção. Então, soltou um suspiro e voltou ao presente. — Claro, isso foi antes da tal lei que fizeram para protegê-los. 57
— Porém, se não fosse pela lei, não teria sobrado nenhum mustang ressaltou Guy. É, mas agora há demais deles insistiu Rube. Agora, um cavalo selvagem não tem mais inimigos naturais, tirando o homem. Claro que aqui e ali existe um puma. E lá uma vez ou outra um coiote derruba um cavalo aleijado ou velho. Mas o resto dos mustangs... Deu de ombros como que a indicar que não havia animal predatório que os ameaçasse. — Não tem coisa mais linda que a visão de um cavalo não-domesticado, correndo livremente. Diana ignorou o seu argumento prático. Eu estava subindo um barranco, certa vez, e dobrei uma curva. Deparei com um mustang. Jamais esquecerei o modo como ele ergueu a cabeça e relinchou para mim, alarmado, antes de disparar para as colinas. Claro, é lindo de se ver concordou Rube. Também é lindo deparar com uma corça e seu filhote, mas se não fosse pelos caçadores controlando o número de veados, seriam a
praga de cada fazendeiro e estancieiro do país. Não estou dizendo que quero livrar-me de todos os cavalos bravios. Sou como o Major — indicou o patrão com o garfo e a maioria dos estancieiros. Não me importo de partilhar o pasto com os cavalos bravios. Mas o estancieiro sabe como é, quando se tem um ano ruim. Um cavalo, como qualquer outro animal, precisa de uma certa quantidade de terra onde buscar o alimento. Se uma área fica superlotada, e vem um período de seca, não é bonito vê-los. Sacos de ossos arrancando as cascas das artemísias. Rube estremeceu. Já os vi. E prefiro ver um cavalo ser abatido a tiros a ver morrer daquele jeito. — Limita a manada — aparteou Holt. — Os fracos vão morrendo e os fortes sobrevivem. — Pode ser — admitiu Rube. — Num mau ano, será que o governo não poderia alimentá-los? — sugeriu Diana. — Logo deixariam de ser cavalos selvagens, se se começasse a fazer isso. Ficariam feito os ursos, esperando à beira da estrada, suplicando uma esmola. E essas criaturas orgulhosas e bravias que você fica imaginando não existiriam. Não Rube sacudiu a cabeça. Se querem ser selvagens, que sejam selvagens. Mas se a gente quer domá-los, então vamos arrebanhá-los. Não é o que eu gostaria de ver disse Diana, sacundindo a cabeça. Nem eu concordou Guy. Lembra daquela vez em que os poços do Alan secaram falou, referindo-se ao dono da estância vizinha e o Departamento arrebanhou a manada de cavalos selvagens que pastava na terra dele? O Major nos levou até lá para vê-los, porque eu jamais tinha visto um
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cavalo selvagem. Não pareciam lá grande coisa, de pé no curral, de cabeça baixa. — É, e você me implorou para abrir a porteira e soltá-los — lembrou-se o Major. Levei um tempão para convencê-lo, e a você também, Diana, de que pegar aqueles cavalos fora um gesto de humanidade. Estou lembrado disse Guy, balançando a cabeça, com um sorriso de menino.
Um cavalo selvagem não é lá grande coisa de se ver, depois de apanhado declarou Rube. Se esse maldito pessoal do leste que está sempre gritando para Washington que é preciso salvar os cavalos selvagens, se eles vissem um deles, iam rolar de rir. Metade dos garotinhos de escola pensa que estaria salvando o Fury. Os tais mustangs são uns pangarés baixinhos, magricelas, feios pra caramba. A maior parte do pessoal da cidade pensa que um cavalo bravio é como um dos árabes do Major. O que a gente devia fazer era pegar um bando daqueles caras do leste, trazê-los para cá, jogá-los em cima de uma sela e levá-los num passeio de três ou quatro horas pelas montanhas do deserto, onde poderão ver uma manada com os próprios olhos. Mas eles não estão interessados em ver um cavalo bravio. Só querem saber se estão por aqui. Diabos, estão por aqui, sem dúvida resmungou, indiferente ao olhar de reprovação do Major. E em número grande demais, digo eu. Ora, de todos os cavalos bravios que ainda existem no país, a metade está aqui em Nevada. Mais de cinquenta mil, segundo dizem. Nem todos os cavalos bravios que vi eram feios. Diana entregou a travessa de carne para Rube, e ele serviu-se uma segunda vez. — Alguns eram bem-conformados, com um corpo musculoso. É por causa do gado de estância que fugiu. Esses animais introduzem sangue novo numa manada que está-se cruzando entre si há anos. — Além disso, acredito que o exército soltou alguns garanhões de remonta quando dispersaram a cavalaria — aparteou o Major, acrescentando a explicação à afirmação de Rube. Isso foi há alguns anos, é claro. Não importa que aparência tenham, ainda é emocionante vê-los. Diana ergueu os olhos do prato, depois de falar, olhando acidentalmente na direção de Holt. Viu o brilho cínico no olhar dele. Não participou muito da conversa, Holt. Qual a sua opinião sobre os cavalos bravios? — indagou, com polidez sardónica. Até agora o seu olhar frio percorreu as pessoas sentadas à mesa você e o Guy defenderam com veemência o lado dos mustangs. Rube defende os estancieiros. O Major, diplomaticamente, resolveu ficar no muro. O resultado é dois para os cavalos, um para o estancieiro, e uma abstenção. — Holt
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ignorou a governanta e a sua opinião, mas Sophie parecia não esperar outra coisa. Voto junto com o Rube. Sou contra a lei que protege os cavalos selvagens. — Lançou a Diana um olhar irónico. — Imagino que agora você e Guy irão acusar-me de ser a favor de matar o Bambi. — E é? — indagou Diana, irritando-se ante o olhar zombeteiro dele. — Sou respondeu, simplesmente. Foi o que pensei retrucou ela. — Vocês dois nunca concordam em coisa alguma? — falou o Major, sorrindo. — Nunca — replicou Diana, espetando com o garfo o último pedaço de carne no prato. — Posso trazer agora a sobremesa, Major? — perguntou Sophie. Pode, por favor. Vou ajudá-la. Diana afastou a cadeira da mesa e se levantou, precisando escapar, ainda que temporariamente, da presença de Holt. No terceiro dia após a sua chegada, Diana resolveu que estava na hora de fazer uma visita a Peggy Thornton. A informação de Holt, de que as mentiras sórdidas que cercaram o seu divórcio já haviam chegado até a sua comunidade natal, tinha feito, inicialmente, com que Diana resolvesse isolar-se na estância, mas percebeu que isso era impossível. Apenas daria credibilidade às histórias. Até o momento, o Major não fizera perguntas sobre os motivos para o divórcio. Enquanto Diana não estivesse certa de que ele havia tomado conhecimento dos boatos, não ia trazer o assunto à baila, não se houvesse uma possibilidade de que ele não soubesse. O fato de evitar o assunto a deixava tensa, induzindo-a a tomar a decisão de passar algumas horas longe da estância. Depois do almoço, pegou uma das camionetas da estância e guiou os poucos quilómetros até a casa de Peggy. Diana não visitava a estância dos Thornton desde o verão em que ela e Rand se haviam casado. Ela não havia prosperado, nesse ínterim. Paus de cerca quebrados eram sustentados e escorados em posição, ao invés de serem substituídos por novos. A pintura branca da pequena casa estava lascada e descascada, dando-lhe uma aparência carcomida. Havia brinquedos espalhados pela
varanda e pelo quintal. O carro estacionado debaixo de uma árvore era o mesmo que Alan já possuía quando ele e Peggy se casaram. Com um sentimento de depressão, Diana saltou do furgão e foi até a varanda da frente. Foi recebida por uma zoeira diante da porta de tela: um
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rádio aos berros, vozes infantis, barulho de panelas, um bebé chorando. Diana bateu com força, sem ter certeza de ser ouvida acima de toda aquela zoeira lá dentro. Uma figura apareceu por trás da tela. Sim? — A pergunta foi seguida instantaneamente por um grito radiante de reconhecimento. Diana! Entre!
A porta de tela foi aberta. — Alo, Peggy. Mas o sorriso que deu à amiga não lhe chegou aos olhos. A mulher parecia magra e cansada, sem dúvida por causa do bebé aos gritos que balançava no quadril. O seu cabelo avermelhado não tinha brilho, embora os olhos castanhos fossem vivos e animados como sempre. — Ouvi contar que voltara — falou Peggy e fez uma pausa para ralhar com a garotinha de três anos sentada no chão, em meio a uma confusão de panelas e frigideiras. Já lhe falei para não mexer nos armários, Sara. Vá lá para fora brincar com seus brinquedos. A criança de cabelos vermelhos fez beicinho, num breve gesto de rebeldia, antes de obedecer. Crianças! Peggy riu e sacudiu a cabeça, num desespero simulado. Gasta-se tanto dinheiro com brinquedos, e elas preferem brincar com as nossas panelas de alumínio. — Cheguei em má hora, não foi? Diana murmurou, em tom de desculpas. O bebé apoiado no quadril de Peggy ainda chorava e tentava enfiar o punhozinho cerrado dentro da boca aberta. — Devia ter telefonado. — Acredite se quiser, esta é uma boa hora. Peggy achou graça e caminhou até o velho fogão, onde uma mamadeira estava sendo aquecida em banho-maria. — A qualquer hora, aqui é sempre um caos. Agora, até que você está com sorte, porque um deles está
dormindo. — Testou a temperatura do leite na parte de dentro do pulso, conseguindo não soltar o bebé que se remexia todo, e enfiou o bico na boquinha ansiosa. E logo o Brian aqui também estará — falou amorosamente para o bebé que mamava gulosamente. — A Sara devia estar tirando a sua soneca. O segredo é este... fazer com que todos os três durmam ao mesmo tempo. — Tem três filhos?
Diana perdera a conta, ao longo dos anos. Sara tem três anos. Amy fará dois em julho. E Brian está com quatro meses, é a menina dos olhos do pai. E todos ainda usam fraldas. — Peggy soltou um suspiro. — Tenho que incluir a Sara, porque ainda as usa quando vai dormir. Mas o Alan finalmente tem o seu filho homem. Tem trabalhado tanto ultimamente que não tem tido muita chance de curti-lo. Parece que o
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Brian sempre está dormindo quando o Alan está em casa. Ele adora as meninas, também, mas um filho é algo especial para um homem. — É, eu sei — murmurou Diana..i
— Puxa vida! Eu aqui falando feito uma matraca e nem lhe ofereci uma cadeira ou algo para beber. Sente-se. — Estava com as mãos ocupadas alimentando e segurando o bebé, assim indicou com um gesto de cabeça as cadeiras junto à mesa da cozinha. — Ainda há café no bule, que posso esquentar, ou prefere algo gelado?
— Nem uma coisa nem outra, Peggy, obrigada. Sentou-se numa das cadeiras, e Peggy ajeitou-se em outra. Que bom que veio me ver. Quando ouvi contar que voltara, tive vontade de ir lá darlhe as boas-vindas, mas não tenho ninguém para ficar com as crianças. Já que seu pai anda doente, não quis levar o meu trio barulhento comigo. Alan tem trabalhado até tão tarde que quando acabo de dar o jantar dele e de lavar a louça já está na hora de dormir.
— Eu entendo. — Conte-me, e como vai indo a alegre divorciada? — Quando Diana empalideceu ante a terminologia, a expressão alegre de Peggy foi imediatamente substituída por uma expressão preocupada. — Desculpe. Escolhi mal as palavras, não foi? Sei que o divórcio deve tê-la magoado. Não tive a intenção de ser grosseira. — Você ouviu, não foi? — perguntou Diana, numa voz calma, serena. Peggy não fingiu não saber ao que Diana estava-se referindo. — As fofocas sobre as suas atividades extraconjugais. Torceu o nariz, em menosprezo. — A mim me pareceu um monte de baboseiras, a não ser que você tivesse mudado drasticamente, no que não acredito. — Nenhuma das histórias é verdade. O Rand me acusou de ter casos... — Por quê? Quero dizer, sem dúvida... — Peggy hesitou, tentando verbalizar com tato a sua pergunta. Foi uma dessas coisas malucas, confusas. Rand conhecia um bocado de gente importante... executivos de diversas companhias de mineração, além de funcionários do estado. Depois que nos casamos, vivia me dizendo para tratá-los bem, ser simpática para com eles. Se me convidavam para jogar ténis ou golfe, ou para dançar, eu devia aceitar. Devia sempre sorrir e ser amável, tratá-los de modo especial. Isso era importante para ele e seu trabalho Diana explicou, contente por ter alguém com quem se abrir. Então, agi assim para agradá-lo. Aí, Rand começou a acreditar que eu estava sendo mais do que ”simpática” para com eles. Ficou com tanto ciúme que parei de aceitar qualquer convite. Não adiantou. Rand me acusou de ir encontrar-me
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com eles às escondidas. Essas discussões levaram a outras, até que, finalmente, nenhum dos dois aguentou mais. Houve coisas demais ditas nos momentos de raiva, inesquecíveis e imperdoáveis. — Deve ter sido difícil — comiserou Peggy mas, no final das contas, estou certa de que tudo foi para o seu bem. — Inclinou a cabeça para o lado. — Ainda o ama?
— Não sei o que sinto. — Confusa, correu a mão pela cabeleira negra e sedosa. Tentei estar tão certa de fazer a escolha correta, antes de nos casarmos. E ver tudo terminar desse jeito... A sua voz foi morrendo, derrotada. Para lhe dizer a verdade, não fiquei surpresa ao saber que estava-se divorciando. Tinha a sensação de que ia se dar mal, quando se casou com ele, mas torcia para estar errada. — O que a fez pensar que era um erro? — indagou Diana, franzindo o cenho. Duas coisas, acho. Parou para botar a mamadeira vazia sobre a mesa e levar o bebé ao ombro para fazê-lo arrotar. Você e Rand encaravam a vida de modos tão totalmente diversos. Você foi criada à sombra do seu pai, e não creio que exista um homem de princípios mais rígidos do que o Major. Não quero dizer que seja um santo, nem que espere que você seja, mas tem certos valores que você adquiriu, simplesmente estando exposta a eles a vida toda. Rand vivia num mundo essencialmente político, onde o fim justificava os meios. Não me surpreenderia se as acusações que ele lhe fez seriam o que ele teria feito, se os papéis estivessem trocados. Está-me entendendo?
Sim, acho que estou. Diana soltou um suspiro. Que pena você não ter mencionado antes o que sentia. — Não creio que tivesse adiantado. — Peggy esfregou as costas do bebé e olhou pesarosa para a amiga mais moça. — Você parecia mais impressionada com o fato do seu pai ter aprovado a sua escolha do que com a opinião de qualquer outra pessoa sobre o Rand. Sempre esteve mais preocupada com a reação dele ao que você faz... ou deixa de fazer. É natural, suponho, que ele se tenha tornado a figura central na sua vida. Sua mãe morreu quando era tão jovem. Mas, às vezes, acho que dá importância demasiada à opinião dele. Espero não tê-la ofendido com o que falei. — Não ofendeu, e provavelmente tem razão. O seu casamento com Rand acabara virtualmente há um ano, mas ela se recusara a admiti-lo porque não quisera enfrentar o Major, trazendo o seu fracasso. Talvez, se não
tivesse sido tão teimosa, o divórcio há um ano pudesse ter sido um pouco menos amargo e injurioso. 63
Peggy olhava para além de Diana. — O Alan está chegando. Franziu o cenho. — O que será que houve?
— Olhou para o bebé, a cabeça apoiada no ombro, dormindo. Mas, não é incrível? Brian está dormindo de novo. Alan vai pensar que nunca está acordado. Ouviram passos na varanda. Oi, bem cumprimentou Peggy, sorrindo, quando a porta de tela se abriu. Oi. O sorriso era cansado ao entrar em casa, a filhinha ruiva saltitando ao seu lado. — Alo, Diana. — Cumprimentou-a com um gesto de cabeça. — Bem-vinda ao lar. Vi a camioneta aí fora, e imaginei quem teria vindo nos ver, lá da casa do Major. — Alo, Alan. Como vai? — retribuiu o cumprimento. Bem. — Olhou para Peggy. — Tem cerveja na geladeira?
Deve ter respondeu Peggy, depois levantou-se para ir pegá-la, quando ele se sentou à mesa. Que bom ver você, mas pensei que tinha dito que ia passar a tarde toda trabalhando. Alan empurrou o chapéu de cowboy de palha para trás da cabeça, e soltou um suspiro. O alternador do trator deu o fora. Diana pôde ver as marcas de tensão no rosto dele, decorrentes de grandes responsabilidades e pouco lucro. — Ah, não — gemeu Peggy, consternada, e entregou-lhe a lata de cerveja. — Ah, sim falou, com uma careta, abrindo a lata. Tomou um gole da cerveja e olhou com cara feia para a lata. Não está muito gelada. Nada está. Acho que há alguma coisa errada com o termostato ou a unidade de refrigeração da geladeira — respondeu Peggy.
— Só nos faltava isso — resmungou ele. A pequena Sara subiu para o seu colo e tentou roubar um golinho de cerveja. Você não devia estar tirando uma soneca, Sara? Por que ela não está na cama?
A segunda pergunta foi dirigida a Peggy. — Ia botá-la na cama logo que acabasse de dar a mamadeira do Brian explicou, mas num tom de desculpas que irritou Diana. — Venha, Sara. Você e Brian agora vão para a caminha. A garotinha começou a choramingar, e foi arrastada da cozinha pela mão. Diana esperou até que Peggy voltasse para se despedir. A atitude sem consideração de Alan para com a mulher trouxera constrangimento ao ambiente. Pode ficar mais um pouquinho falou Peggy, tentando induzi-la a não ir embora. 64
Nãoposso, juro. Só vim dar uma fugidínha de alguns minutos, enquanto o Major estava descansando — insistiu Diana. — Qualquer hora eu volto. — Quem sabe as coisas estarão mais tranquilas, da próxima vez. Ambos levaram Diana até a varanda, e ficaram acenando enquanto ela saía com o carro. Durante todo o percurso até em casa, Diana tentou entender como Peggy podia ser tão alegre e animada. Não tinha uma casa bonita, nem roupas bonitas, e nem muita esperança dessas coisas no futuro. Tinha três filhos que a deixavam exausta. Para culminar, Alan não parecia dar-lhe valor. Mas Diana dava. Aqueles momentos de conversa íntima haviam aliviado muitos dos seus complexos de culpa em relação ao fracasso do seu casamento. 65
CAPÍTULO 5
Estava-se tornando um hábito para Diana ajudar Sophie com as refeições, especialmente o almoço. Dava-lhe uma desculpa para não se envolver em discussões anteriores ou posteriores à refeição, nas quais Holt estivesse incluído. Estava pondo a mesa quando Guy entrou. — Oi. Holt não vem almoçar, não há necessidade de botar um lugar para ele — informou. Não vem almoçar? repetiu Diana. Onde está?
Nashira, a égua, ainda não voltou. Ele e Rube saíram para ver se a encontravam. Falou que, se não estivesse de volta até onze e meia, não era preciso preparar almoço para ele. Bem, o almoço já está preparado. Tudo bem. Estou com fome suficiente para comer a parte dele. Guy não ligou para a resposta mal-humorada. Já estava acostumado com a sua atitude para com Holt. Guy não estivera falando à toa, quando declarara que estava com fome. Só se recostou na cadeira depois de esvaziar o prato três vezes. — O que andou fazendo para adquirir um apetite desses? — perguntou o Major, encarando-o, divertido. 66
Trabalhando foi a resposta sorridente. Guy lançou um olhar malicioso para Diana, antes de explicar ao homem mais velho: Quero terminar tudo que o Holt me mandou fazer até o meio da tarde. Como ele não está aqui para me dar mais serviço, quero convidar Diana para ir passear a cavalo comigo, hoje à tarde. Parece-me que já escutei essa história antes comentou o Major. Quando eram mais moços, você vivia convidando Diana para ir passear a cavalo com você. Vivia me perseguindo para ir passear a cavalo com ele corrigiu a moça, com um sorriso gozador.
Era porque o Holt não me deixava sair a passeio sozinho, até eu fazer doze anos — defendeu-se Guy, bem-humoradamente. — Se o Major está disposto a fingir que não me vê tirar a tarde de folga, quer ir passear comigo, Diana?
— Não quero metê-lo em encrencas com o Holt — disse ela. Tal pensamento jamais lhe ocorrera, no passado. Não vejo por que meteria raciocinou o pai. Se o Guy consegue fazer o trabalho de um dia em menos de um dia, não vejo motivo para o Holt se queixar. Assunto encerrado declarou Diana. Com o Major do seu lado, Holt não ousaria dizer-lhe uma só palavra. A que horas saímos?
Lá pelas três. Os cavalos estarão selados e esperando, no estábulo prometeu ela. Diana dera passeios a cavalo quase todas as manhãs, desde que voltara,
mas esperou com prazer a hora de sair com Guy. Ele contribuía bastante para levantar-lhe a auto-estima abalada, com a sua simpatia e pequenas atenções. Alguns minutos depois das três ele apareceu no estábulo, bronzeado e arrumadinho. Diana sentiu o cheiro de uma forte colónia pós-barba, ao passarlhe as rédeas da sua montaria. Percebeu que tomara banho e se barbeara para encontrá-la. Foi uma descoberta agradável, saber que ele se preocupara com a aparência. — Não está com cara de quem andou dando duro — observou Diana. — Graças a um banho e uma muda de roupas limpas — falou, confirmando o que ela já adivinhara. O corpo alto subiu agilmente na sela. É a primeira vez em quatro anos que cavalgamos juntos. Achei que a ocasião merecia um esforçozinho extra. Você está muito bem. Falava com sinceridade. Para onde vamos?
Para onde você quiser. Vá na frente. 67
Parecia mesmo igual a antigamente, Diana instando o cavalo a seguir em frente, e Guy vindo atrás dela. Desviando-se do verde dos campos de feno, cavalgaram a meiogalope por entre a salva do deserto, até deixarem o quintal da estância bem para trás. Os únicos sons que ouviam eram aqueles que criavam, o ranger do couro da sela e o bater dos cascos dos cavalos no solo arenoso. Quando Diana botou o cavalo andando a passo, Guy emparelhou com ela. Sem a brisa que o meio-galope gerara, o sol deixava a pele dela suada e pegajosa. — Está mais quente do que pensei. O verffo está chegando. ”
O que você vai fazer, Guy?
Mudou de assunto, repentinamente curiosa a respeito dele. Quando? riu-se ele, achando a pergunta ambígua demais para responder. Já faz um ano que acabou a escola secundária. Tem planos? Está pensando em entrar para a faculdade? Ou para as forças armadas?
Holt queria que eu fosse para a faculdade, mas... Deu de ombros. Não sei. Estou cheio de escola e estudos. Naturalmente, o Major sugeriu que eu podia tentar uma das forças armadas. — Há alguma coisa que gostaria de fazer?
O que estou fazendo. Não, é sério insistiu, quando Diana sorriu. Gosto de trabalhar aqui. Gosto de trabalhar com cavalos. Holt falou que levo jeito com eles. Sempre levou, depois que finalmente deixou de ter medo deles. — Não tinha medo deles — protestou. Depois, admitiu: — Bem, talvez um pouquinho, no começo. De qualquer modo, o que quero fazer é trabalhar com cavalos. Sempre pensei que, quem sabe, algum dia o Holt poderia economizar o suficiente para comprar um cantinho próprio. Acha que ele vai?
Diana frequentemente o imaginara deixando a estância, mas nunca pensara em Holt como dono da sua própria estância. Não sei. Ele tem apenas trinta e cinco anos, ainda é moço o bastante para isso. Mas não creio que vá deixar o Major, especialmente agora que ele está doente. Por quê?, Diana ficou-se perguntando, sentindo de repente um gosto amargo na boca. Será que Holt ficava por um sentimento de lealdade? Ou será que esperava que, quando o Major morresse, lhe deixasse alguma coisa em testamento, em troca dos anos de serviço fiel?
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— E quanto a você? — indagou Guy. O que vai fazer?
— Ficar aqui. Cuidar do Major. Além disso, não estou fazendo planos. A resposta foi abrupta, cortando a curiosidade dele com a sua secura. Ele a magoou, não foi? perguntou o rapaz, suavemente. Com os pensamentos concentrados em Holt, ela levou um segundo para perceber que Guy estava-se referindo ao seu ex-marido. Só as pessoas de quem a gente gosta podem nos magoar. Rand e eu paramos de gostar um do outro há muito tempo. O que acontece é que estou um tantinho desiludida com a condição supostamente feliz do casamento. Vamos mudar de assunto, sim?
Guy atendeu ao seu pedido, mudando o rumo da conversa para tópicos mais gerais. Diana notou como ele se tornara mais autoconfiante, como o pai, só que Guy era meigo, enquanto Holt era grosso. Guy era sensível e sério, mas divertido, definitivamente não tinha nada do pestinha que fora no passado. Enquanto conversavam e riam, especialmente sobre os velhos tempos, os cavalos iam seguindo quase que por conta própria. Estavam voltando para a estância antes de Guy ou Diana terem-se dado conta de que haviam mudado de direção. A represa de terra do açude erguia-se à direita deles, com o verde dos salgueiros espiando por cima do muro. Diana freou o cavalo.
Guy, vamos nadar sugeriu. Ele hesitou, algo tremulando na sua expressão. Depois, concordou. — Tudo bem. Levando os cavalos até o lado oposto do açude, desmontaram e deixaram os animais pastando numa área relvada perto da beira d’agua. O cascalho machucou as solas nuas dos pés de Diana, ao tirar as botas e meias, e se pôr de pé para tirar as roupas. Não pensou duas vezes antes de ficar pelada. A vida inteira nadara nua, sozinha ou com Guy. Dobrou as roupas numa pilha, com capricho, e colocouas ao lado das botas, cônscia de que, mais adiante, Guy estava fazendo o mesmo. Nem lhe ocorreu olhar. Não tinha a menor curiosidade ou interesse. A anatomia de um homem não era novidade para ela, muito menos a de Guy. Andando nas pontas dos pés sobre a terra áspera, Diana não tinha o menor constrangimento de estar despida. Aquecida pêlo sol, a água estava agradavelmente fresca, quando ela foi entrando no açude. Quando já estava na altura dos joelhos, mergulhou, sem ouvir o barulho do mergulho que se seguiu
ao seu. Espadanando água perto do centro do açude, virou-se e chamou:
A água está uma delícia, Guy. Venha. 69
A última palavra foi pontuada por um grito estrangulado, ao ser puxada para baixo por mãos que lhe envolviam os tornozelos. Libertada, Diana subiu em direção à luz, vindo à tona ofegante, cuspindo água, e deparando com um Guy risonho a curta distância. Borrifou água no rosto dele antes de se virar e se afastar nadando. Porém não era mais a melhor nadadora dos dois. Ele a alcançou facilmente, pronto para dar-lhe um caldo.
Depois de um quarto de hora de brincadeiras meio brutais, Diana pediu uma trégua, sem conseguir superá-lo, como no passado. Começaram a nadar mais tranquilamente, alternando o nadar e o boiar, curtindo a água que refrescava a pele do calor do sol. Ao sair do açude, Diana caminhou com cuidado pelo cascalho até uma nesga de areia fina. Parou para torcer os cabelos, que pingavam. Um sorriso satisfeito pairava nos seus lábios, enquanto Guy caminhava cuidadosamente sobre o chão áspero, para reunir-se a ela. Quer se enxugar com a minha camisa? ofereceu o rapaz. Não. Largou-se na areia, sentada com as pernas estendidas para a frente e os braços apoiados nos cotovelos, o rosto erguido para o sol. O sol logo vai me secar. — É verdade. Sentou-se ao lado dela, à maneira índia, inclinando-se para a frente para apoiar os braços nas coxas. — Como foi gostoso — suspirou Diana. — A gente costumava nadar pelado aqui sempre, lembra? No verão, quando fazia muito calor, achava que ia derreter antes de chegarmos aqui. — Eu me lembro concordou Guy, com um gesto de cabeça, correndo os dedos pelos cabelos para forçá-los a se ajeitarem um pouco. — Lembra daquela vez em que o Holt nos pegou? — recordou ela, com uma risada. — Ele nem imaginava que você sabia nadar. -É, ele tirou o couro, quando chegamos em casa. Pegou uma pedra chata e arremesou-a sobre a superfície do açude. O riso se desvaneceu de sua expressã”o enquanto lhe lançava, um olhar de esguelha. O cabelo louro molhado fora escurecido pela água até chegar a uma tonalidade de ouro rústico. Os ombros e os braços eram suavemente musculosos. Não era mais um menino. Porém as suas palavras haviam trazido de volta as lembranças do menino que fora, e da vez em que Holt os surpreendera, cheio de uma fúria sem emoção. Naquela época, aos 16 anos, Diana não tivera medo. Aquilo acontecera antes da surra que levara de Holt na noite do seu 17 aniversário. Ele
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mandara que Guy saísse de dentro d’agua, mas Diana permanecera, nadando sozinha depois que Guy se vestira e fora embora com o pai. Diana não soube do que acontecera até a próxima vez em que ela e Guy tinham ido nadar, e ele conservara as cuecas no açude. Quando soube que Holt o proibira de nadar despido, implicara com ele desapiedadamente. Quantas vezes mergulhara para tentar tirarlhe as cuecas? Não se lembrava, mas foram inúmeras. Raras vezes conseguira o feito, e duas vezes fizera as cuecas descerem para o fundo do açude, enrolando-as numa pedra. Diana se perguntava como Guy explicara a falta das roupas de baixo. Na época, parecera-lhe uma brincadeira gozada. Somente agora lhe ocorria que fora cruel. Dava-se conta de que jamais fora muito bondosa para com ele, considerando-o um chato, um pestinha, implicando com ele, debochando dele por causa de tudo, desde o topete rebelde até a dificuldade em alcançar os estribos da sela, quando era mais garoto. Ficou enojada pelo modo como o tratara. — O que você deve achar de mim? — murmurou Diana em voz alta, os olhos azuis nublados de vergonha e pesar. Guy virou a cabeça para olhar para ela. Fitou-lhe o cabelo molhado, que refletia o sol e brilhava negro-azulado, os detalhes delicados do rosto. Subitamente, apareceu algo muito intenso na sua expressão. Acho que é a mulher mais bonita do mundo, Diana respondeu numa voz baixa e cheia de emoção. Sempre achei. Um soluço ficou preso na garganta. Partia-lhe o coração ver que ainda pensava assim, depois do modo como o tratara, há anos. Fitou-o, buscando alguma coisa para dizer. -Guy. Diana murmurou-lhe o nome, numa súplica abafada de perdão. Com um gemido, Guy virou-se para ela, pondo-se de joelhos para agarrar a carne macia da parte superior dos seus braços e puxá-la para a frente. Ela se deu conta de que os anos não haviam modificado a adoração infantil que sentia por ela. Haviam apenas acrescentado um outro elemento. Ele baixou a cabeça, a boca em tentativa contra os lábios dela. Diana sabia que podia afastá-lo, mas já o havia afastado tantas vezes, no passado. Não teve forças para
rejeitá-lo de novo. Quando não fez objeções ao seu beijo, ele se aprofundou, possessivo. Diana correspondeu, sentindo o bater forte do coração dele. Podia senti-lo tremendo de paixão virginal. As mãos eram hesitantes nas suas carícias, evitando a zona íntima dos seios, e que poderia terminar o
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abraço deles, mas o fervor cheio de adoração do seu beijo compensava a sua falta de experiência. Guy começou a cobrir de beijos leves e ansiosos o rosto de Diana, murmurando-lhe o nome repetidas vezes. Diana ficou dominada pela meiguice e vulnerabilidade dele. A sua súplica tocante pela retribuição do seu afeto era muito semelhante aos pedidos silenciosos do passado. Sempre, anteriormente, ela os ignorara. Desta vez, não conseguia. Sim, Guy, sim sussurrou Diana, de encontro a sua face macia. Levou as mãos ao pescoço dele, os dedos se entrelaçando para puxá-lo
junto com ela para o solo arenoso. Um gemido de puro desejo escapou da garganta de Guy, interrompido pelo beijo impetuoso com que esmagou os lábios dela. A necessidade de compensar Guy pela maneira como o tratara apagou todas as outras ideias da mente de Diana. Abrindo as pernas para deixar que as dele se encaixassem entre elas, Diana orientou e guiou os movimentos dele, iniciando-o na arte de fazer amor. A experiência foi curta, terminando quando ele estremeceu de gozo. O peso continuou em cima dela por mais alguns segundos, antes de Guy rolar para o lado, para ficar deitado junto dela, um ar de exaustão satisfeita no seu rosto juvenil. Nenhum dos dois falou logo a seguir; Guy, imerso na maravilha do que acontecera; Diana, duvidando da sabedoria do seu gesto de bondade. Mas a felicidade serena que brilhava nos olhos dele, quando se virou para fitá-la, pareceu ser a única resposta de que ela precisava, no momento. Estendeu a mão para segurar a dela, como se precisasse tocá-la para se certificar de que era verdade, e não um sonho. Mudando de posição para se apoiar num dos cotovelos, olhou para a mão dela, levando-a quase reverentemente aos lábios.
Está arrependida? indagou Guy, a expressão repentinamente vulnerável, ao erguer o olhar para o rosto de Diana. Não importam as dúvidas que estivesse tendo, como poderia dizer outra coisa que não fosse não?
— Não, não estou arrependida. Diana tocou-lhe a face com as pontas dos dedos, numa carícia que pretendia tranquilizar e reconfortar. Sentia-se tão mais velha do que Guy, quase maternal. Que bom. A voz tremia de emoção. Foi mais maravilhoso do que eu tinha sonhado que seria. Diana encostou-lhe os dedos nos lábios, tentando calá-lo, sem querer que Guy falasse de algo que os dois poderiam lamentar, mas ele não ia parar assim tão facilmente. Simplesmente beijou-lhe os dedos
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e afastou-lhe a mão. Sempre quis que você fosse a primeira. Os rapazes estavam sempre tentando me levar junto com eles quando... — Um leve rubor subiu-lhe às faces, e deixou a frase incompleta. — Mas eu ficava esperando, torcendo. Não sei como, mas sabia que você ia voltar. Ah, Guy — murmurou ela, impotente para deter o fluxo que vinha da alma dele. Eu a amo, Diana declarou. Sempre a amei. Não consigo me lembrar de uma época em que não a tenha amado. Não fale assim protestou Diana. — Por que não? É verdade. Eu a amo. Sei que é mais velha do que eu admitiu Guy, como se acreditasse que o motivo do protesto era este — mas agora ambos somos adultos, e cinco anos não significam nada. — Por favor — exclamou ela, querendo chorar de frustração. Ele franziu o cenho. Sei que você gosta de mim, caso contrário... — Claro que gosto de você — tranqúilizou-o Diana, tentando explicar. É só que... O que poderia dizer que não o magoasse? A testa dele se desanuviou, ao imaginar:
— Está pensando no seu divórcio, não é? Ela aproveitou a sugestão. É cedo demais, Guy. Ainda não estou pronta para me envolver seriamente com outra pessoa. Compreendo, e posso esperar até que esteja pronta para me amar tanto quanto eu a amo. Só o que quero fazer é tomar conta de você. Jamais a magoarei, Diana, juro. Sei que não, Guy. Quando ele se moveu para beijá-la, Diana o evitou, pondo-se de pé. Já é tarde, está na hora de voltarmos falou, como desculpa para a sua rejeição. — O Major deve estar pensando que nos perdemos. Indo até a pilha das suas roupas, pegou os seus jeans, ciente de que Guy se pusera de pé. Ele veio por trás, apoiando as mãos na curva dos seus ombros. — Queria que nos tivéssemos perdido. Não quero que esta tarde acabe. Diana queria virar-se para os braços dele, ser abraçada e confortada,
para aliviar a dor maluca e vazia que sentia dentro de si, mas isso seria se aproveitar injustamente de um amor a que não correspondia, e a que duvidava jamais poder corresponder. Baixou a cabeça, enterrando os dedos na fazenda de brim. 73
— Mas, tem razão suspirou Guy, deixando cair as mãos. Temos que voltar. É concordou, com voz tensa, e começou a se vestir. Pouco falaram durante a curta cavalgada até o pátio da estância, ambos mantendo-se calados pelos próprios motivos. A presença de outras pessoas no estábulo tornou tudo natural, enquanto tiravam as selas dos cavalos. Diana escapou para a casa grande sem ter que escutar mais declarações ardentes de Guy. Depois de um jantar tranquilo com o Major, Diana ficou sentada sozinha na longa sala conjugada de estar e de jantar. O pai fora para o quarto, pretendendo ler um pouco, depois dormir cedo. Ela se sentia inquieta e nervosa, quase esperando ver Guy aparecer na casa grande, à noite, E em saber o que lhe diria. Soaram passos na trilha de cascalho que levava à varanda da frente. Diana correu até a porta de tela, tentando manter Guy lá fora, onde a sua voz, ou a conversa deles, não poderia ser ouvida acidentalmente pelo Major.
Através da tela, Diana viu a figura alta que aparecia da escuridão da noite, o corpo esguio lembrando o de Guy. Só que não era ele. Era Holt, e ela ficou rígida ao vê-lo subir os degraus da varanda. — O Major já foi se deitar — informou-lhe, antes que ele pudesse falar. Terá que esperar até amanhã para falar com ele. A luz que vinha do interior da casa não alcançava o rosto dele, mas havia uma ameaça mortal na sua voz, quando disse:
Não vim ver o Major. Vim ver você. Ela sentiu uma veia latejar na garganta. Vamos falar aí fora. Diana abriu a porta de tela e saiu para a varanda. Não quero que o Major seja incomodado. — Está bem concordou Holt. Diana passou por ele e foi até o fim da varanda, onde se apoiou na grade, ciente de que ele a seguira, sem desfitá-la. Uma lua dourada brilhava no leste, iluminando os picos irregulares das montanhas. A noite começava a fazer baixar a temperatura, e a brisa leve era fresca, de encontro à pele dela. — O que você quer?
Por detrás da impaciência entediada da sua voz, Diana estava cautelosa. — Afaste-se do meu filho. A ordem seca e fria fez uma onda de calor e vermelhidão percorrer-lhe o corpo, mas o fluxo traiçoeiro de vergonha ficou escondido pelas sombras da noite. Ela conseguiu dar uma risada falsamente incrédula. — Mas que coisa ridícula para você pedir — declarou, ignorando o fato de que não fora um pedido. — Guy e eu nos conhecemos há anos. 74
— Tive um pressentimento, quando você voltou, que não ia demorar a botar as manguinhas de fora de novo, porém jamais me ocorreu que o seu objetivo seria o meu filho. — Não sei do que está falando.
Diana entrara num caminho sem volta. Tinha que tentar agir como se nada tivesse acontecido, correndo o risco de que Guy tivesse mencionado o que sentia por ela, e que achava que ela provavelmente lhe correspondia. Mas tal esperança foi brutalmente destroçada pela resposta de Holt. Estou-me referindo ao seu numerozinho de sedução, hoje à tarde. Ao ver a expressão de alarme no rosto dela, a boca austera do homem curvou-se num débil sorriso. É, por acaso passei pelo açude, quando voltava para a estância. Vi você e o Guy. Espero que não vá tentar convencer-me de que quase se afogou, e que ele estava tentando bombear a vida de volta ao seu corpo. Primeiro, Diana ficou quente de vergonha, depois fria de ódio. — Qual é? Está com ciúmes porque achei que seu filho era mais homem do que você?
— De modo algum. — Desdenhou a sugestão. Quando quero sexo, procuro uma mulher, não uma vaca egoísta e tesuda. — Então, qual é o problema? ironizou, tentando não baquear ante os insultos ferinos. — Está chateado porque roubei a virgindade do seu filho? Está bancando o pai ofendido?
— Não estou preocupado com a virgindade perdida dele. Teria acontecido mais cedo ou mais tarde. Estou aqui para me certificar de que a puta mimada que a tirou fique longe dele, no futuro. O controle precário dela se desfez. Com a mão em arco estalou-lhe uma bofetada na cara, com quantas forças tinha. Na última vez em que agira assim, Holt revidara do mesmo modo, e agora Diana estava preparada para fugir ao golpe da sua mão. Mas o alvo das suas mãos rapidíssimas não foi o rosto dela. Abaixou-se em vão, quando ele a agarrou pelos ombros e puxou-a com força contra o peito. O ar deixou os pulmões dela, num sopro atónito. Uma tira apertada de aço envolveu-lhe a cintura, enquanto dedos rudes se enrolavam num punhado de cabelo, para puxar-lhe violentamente a cabeça para trás.
Antes que Diana pudesse emitir um som, seus lábios estavam sendo esmagados contra os dentes pela força impetuosa dos dele. A pressão dura, punitiva, era humilhante, violando a sua boca, assim como um homem encontra o prazer numa prostituta. Sentiu um zumbido nos ouvidos, a humilhação
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correndo pelas veias. Apenas a mão rude na nuca impedia o pescoço de se quebrar, ante a violência do beijo dele. Ela tentou empurrar-lhe o peito, mas o esforço de separá-los arqueou ainda mais os quadris de encontro a ele, moldando a parte inferior do corpo ao contorno duro e másculo do dele. Ele estava minando as forças dela, o coração disparava feito louco, enquanto o dele batia compassadamente sob as mãos dela. Com a mesma rapidez com que seus lábios foram possuídos, foram libertados. Ele a segurava agora pela cintura, firmemente, como se esperasse que fosse fugir. Ergueu a cabeça para fitá-lo, furiosa. Espelhada nos olhos prateados dele havia apenas a sua própria expressão ressentida, e nada mais. Diana esfregou a boca latejante com as costas da mão, querendo apagar toda a lembrança daquele beijo deprimente. — O que foi? — Os lábios se encresparam num sorriso de desdém. — Não gostou? Não queria que eu a beijasse?
— Não! — sibilou ela, o nojo que sentia por ele brilhando no azul violento dos seus olhos. — Mentirosa! Qualquer sinal de divertimento, desdenhoso ou não, desaparecera do rosto dele. Fechou a mão ao redor do pulso dela, capaz de quebrá-lo ante a menor provocação. Holt deu-lhe um puxão, de modo a botar a mão de Diana diante do rosto dela. — Se não quisesse, poderia ter usado as garras. Diana sentiu uma onda de calor ante a lembrança das instruções dele sobre como defender-se de cantadas indesejáveis. Tentou soltar-se do seu aperto de ferro, e acidentalmente roçou o quadril contra o dele. O contato ardente com a rigidez do membro fez com que parasse de se debater.
Apertando-se contra ele, Diana ironizou:
E você me desejava, não é?
Holt empurrou-a, rejeitando a sugestão, como fisicamente rejeitava a sua pessoa. — Estou-lhe avisando para ficar longe do Guy. Não o quero metido com gente do seu tipo. — Não cabe a você decidir — retrucou ela, resolvida a desafiá-lo até o último fôlego. — Ele não é páreo para você. Não vou deixar que se divirta com o meu filho. Afaste-se dele. Deu meia-volta e saiu da varanda, sumindo dentro da noite. O ódio subiu-lhe à garganta, uma coisa amarga e vil. Sufocou Diana, não a deixando falar, permitindo que ele ficasse com a última palavra. 76
CAPÍTULO 6 Vozes que gritavam do lado de fora penetraram no quarto de Diana. Ela gemeu e olhou para o relógio sobre a cómoda. Mal eram seis da manhã. Deitou-se de lado, tentando abafar os ruídos de atividade. — Será que ninguém sabe que é domingo de manhã? — resmungou. Quando ela e o Major chegaram, já passava da meia-noite. Na véspera, alguns amigos do pai haviam dado uma festa para comemorar as suas bodas de prata. Diana não tinha a menor vontade de ir, nãoqueria ver os velhos amigos que compareceriam, mas o Major insistira. Concluíra que ela estava-se isolando, e precisava sair. Quando ameaçou ir à festa sem ela, Diana cedeu, preocupada que ele fosse exagerar se não estivesse presente para vigiá-lo. No final das contas, acabou sendo uma boa coisa. Deu-lhe uma desculpa irretorquível para recusar o convite de Guy para que fosse à cidade com ele. Não que
estivesse obedecendo à ordem de Holt para ficar longe dele, dada há três noites, e não estava. Simplesmente não queria envolver-se emocionalmente com Guy, nem queria magoá-lo. Aquilo significava andar na corda bamba. Até agora, tivera êxito, mas Diana se dava conta de que este êxito se devia mais às sutis intervenções de Holt e à enorme quantidade de trabalho que destinara a Guy, para mantê-lo ocupado do alvorecer ao anoitecer, deixando-lhe pouco tempo para andar atrás de Diana. 77
As vozes que entravam pela janela do seu quarto soavam urgentes, assim como o bater da porta de tela. Finalmente, a curiosidade superou a irritação de Diana. Afastando as cobertas, deu uma escovada nos cabelos revoltos e caminhou até a janela. Toda a atividade parecia estar centralizada nas proximidades dos estábulos, onde a sua vista não alcançava. Diana viu o Major andando em largas passadas naquela direção, e o ar apressado estampado no seu rosto era o de um homem que respondia a um alarme. Havia algo errado. Franzindo a testa, vestiu o robe de algodão e enfiou os pés descalços num par de chinelos resistentes. Abotoava o último botão do robe enquanto saía da casa, meio correndo, meio andando. Havia movimentação em toda a volta dos estábulos, mas o foco parecia ser os pequenos cercados dos garanhões. Diana andou depressa naquela direção, os nervos à flor da pele, enquanto a apreensão aumentava. Será que um dos garanhões estava doente? Ou alguém se ferira?
Por entre as tábuas sólidas do curral, Diana viu o Major lá dentro juntamente com Holt e mais dois outros. A porteira estava aberta, e ela entrou rapidamente. — O que foi? O que aconteceu? — Mal havia formulado as perguntas, viu a resposta. O garanhão baio jazia no chão, inerte na morte. — Meu Deus! Shetan! exclamou, dando um passo instintivo para perto do corpo. Este passo permitiu-lhe ver os pedaços arrancados do que fora o couro lustroso do seu peito e pescoço. A terra em volta do cadáver estava manchada de sangue, a veia jugular
destroçada. O estômago ficou revoltado numa onda de náusea que a fez afastar-se tropegamente da cena. Diana cambaleou para junto do Major, e sentiu um braço reconfortante rodear-lhe os ombros. Enterrou o rosto no peito dele, tentando apagar a imagem mental do garanhão destroçado. Um dos empregados falou:
— O veterinário já vem vindo, Holt!
A mente atordoada de Diana perguntou-se por quê. O garanhão já estava morto. — É incrível falou o Major, soltando um suspiro. — O Fath está muito ferido?
O nome penetrou a consciência dela. Fath era o garanhão castanho que o Major comprara há vários anos, como substituto eventual para o garanhão baio que já ficava idoso. — É difícil dizer respondeu Holt. — Perdeu um bocado de sangue. — Como foi que isso aconteceu? refletiu o Major, em voz alta. 78
Diana levantou a cabeça do ombro dele, percebendo que, de algum modo, os dois garanhões tinham-se enfrentado. Já ouvira histórias de lutas de garanhões, porém jamais testemunhara o resultado da sua potência destrutiva. Juro que tranquei as porteiras, ontem à noite. O rosto de Guy estava doentiamente pálido, enquanto respondia defensivamente à pergunta do Major. Eu não estava sugerindo que não trancou — replicou o Major. Ambas as porteiras estavam firmemente trancadas, hoje de manhã inseriu Holt. Diana lançou um olhar pelo curral, evitando o local onde jazia o garanhão morto. A terra estava revolvida, evidenciando o escarvar dos cascos, a cena da luta. Uma parte da cerca estava com a grade superior lascada, e a tábua grossa pendia para um lado. A mim me parece comentou Rube que o cavalo castanho ficou circulando pelo seu cercado até encontrar uma grade enfraquecida. Há marcas de cascos nas tábuas, onde ele
empinou e experimentou algumas das grades. Quando encontrou a que procurava, bateu nela até soltá-la, depois veio para cá e fez o mesmo para entrar no cercado do baio. Parece que só pôde ter acontecido desse jeito. A falha no seu raciocínio, Rube — disse Holt, secamente — é o motivo pelo qual Fath saltou de novo para fora do cercado depois de ter matado Shetan, e por que não voltou para o próprio curral? Levando-se em conta a ferida séria na perna dianteira direita, acho difícil acreditar que pôde ter saltado para fora do curral, depois da luta. É de intrigar falou Rube, sacudindo a cabeça, e cuspiu um jato de sumo de tabaco. Ninguém ouviu a luta? indagou Diana. Não a podiam ter impedido?
Aconteceu ontem à noite falou Holt, como se isso explicasse tudo. É evidente que foi antes da meia-noite, pois parece que a esta hora todos começaram a voltar para a estância. O Major franziu a testa. Pensei ter entendido que Guy ia ficar na estância ontem à noite para ficar de olho nas coisas, enquanto o resto de vocês ia à cidade. Holt não respondeu, mas lançou um olhar penetrante para Guy, que se mexeu, inquieto. — Tomei um porre, senhor murmurou Guy. — Acho que apaguei lá pelas nove ou dez horas. Desculpe, senhor. Você me desapontou, Guy. 79
Diana conhecia a eficácia dessas poucas palavras de reprimenda por parte do Major, e o quanto elas pesavam. Sentiu-se um tanto responsável, também, pelo que acontecera. Adivinhava que a bebedeira de Guy tinha alguma ligação com ela, e com a sua recusa da véspera ao convite dele. — Está feito, e não pode ser desfeito declarou Holt. — Onde você botou a égua?
Guy fítou-o, sem entender. — Que égua?
— Cassie, a égua de quatro anos que vinha cruzar pela primeira vez, com Shetan — respondeu, impaciente. Ela não estava aqui quando os encontrei. Esqueci que, devia estar. Nem a procurei admitiu Guy, uma expressão desalentada tomando conta das suas feições. Com uma praga abafada, Holt se virou e foi até a parte do curral que estava com a cerca quebrada. O olhar de Diana o acompanhou, perscrutando o pasto do deserto que se estendia para além dos pequenos cercados. Tudo o que viu foi o gado Hereford que pastava, com a sua cor vermelho-ferrugem. Nem sinal da égua baia premiada do Major. Olhem para isto aqui chamou Holt, por sobre o ombro. Diana, juntamente com o pai, Guy e Rube, caminhou até a cerca onde se encontrava Holt, segurando uns fios brancos e curtos. Achei-os presos à madeira explicou. — Pêlos de cavalo — identificou-os Rube. — Provavelmente grudaram aí quando o garanhão saltou a cerca. É, mas brancos? indagou Holt. Um dos garanhões era um baio, a égua também, o outro era castanho. De onde vieram os pêlos brancos?
O cavalo castanho tem manchas brancas ressaltou o Major. Ou quem sabe algum daqueles caras-brancas veio se esfregar contra a cerca — sugeriu Rube. É concordou Holt, mas num tom de quem não se satisfazia com nenhuma das explicações. Guy, vá dar uma olhada nos rastros do outro lado da cerca — mandou. — Veja se consegue identificar os da égua. Ela estava ferrada. Guy saltou por cima da cerca, ansioso por remediar seus erros da véspera. Holt não esperou para ver se o filho obtivera êxito. Ao invés disso, caminhou até onde se encontrava o garanhão morto, e agachou-se junto à forma mutilada com uma serenidade que irritou Diana. Ela teve que desviar o olhar, enquanto ele começava a inspecionar calmamente o corpo já enrijecido pela morte. 80
Vários minutos depois, Holt se endireitou e voltou para junto do grupo, a cara séria ao fitar o Major. Mais pêlos brancos anunciou. Onde? — quis saber o Major. Havia alguns grudados às pernas dianteiras do baio, e ao redor do seu focinho. — Aonde está querendo chegar? — perguntou Rube, franzindo o cenho. — Não está dizendo... Neste momento, Guy voltou correndo para o curral. — Achei os rastros da égua! — falou, arquejando de leve ao chegar à cerca, uma ligeira luz de triunfo nos olhos. — Está-se dirigindo direto para as montanhas, mas há outro par de rastros junto com o dela. Tive a impressão de que está sendo guiada. Ah, qual é, Holt! Não está pensando o que acho que está pensando, não é? declarou Rube. não acredita que foi roubada, acredita? perguntou Diana, olhando para Holt. Este a ignorou e perguntou a Guy:
— O segundo par de rastros... o cavalo estava ferrado?
— Não, e tinha um andar estranho. — Respondendo à sua pergunta — Holt voltou-se para Diana — acho que a égua foi roubada, mas não por uma pessoa a cavalo. Está querendo dizer que algum garanhão selvagem veio até aqui e levou a égua? — Rube sacudiu a cabeça. — Está até pensando que o tal garanhão foi quem lutou com os nossos. Em primeiro lugar, nenhum raio dum garanhão selvagem esmirrado podia causar os danos que está dizendo que este causou. E em segundo lugar, não há nenhum raio dum garanhão branco por essas bandas. Você e eu cavalgamos por toda a parte há dois dias, procurando aquela égua. Não vimos nenhum cavalo branco, e um cavalo branco se destacaria feito um aleijão. O garanhão poderia ser cria de algum cavalo de estância que virou selvagem, o que lhe daria mais tamanho. E não precisaria ser necessariamente branco. Poderia ser malhado, com muito branco — raciocinou Holt.
— Porém, se é um cavalo selvagem, por que viria para cá? — Diana franzia a testa. — Os garanhões selvagens nunca ligaram para as nossas éguas, antes. — Isso não elimina a possibilidade — respondeu o Major a Diana. — Esse garanhão pode ser moço demais ou velho demais para conseguir tirar as éguas
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selvagens dos outros garanhões da manada. As provas parecem indicar que a conclusão do Holt é correia. Também pode explicar o desaparecimento da outra égua acrescentou Holt. — Teremos que entrar em contato com o Departamento — declarou o Major. Por que envolver o Departamento nisso? perguntou Holt, num desafio sorridente. Não sabemos ao certo se um cavalo bravio tem algo a ver com as nossas éguas desaparecidas. Não há motivo para o governo procurar nossos animais desgarrados. O Major sempre fora estrito. Diana ficou surpresa quando ele não rejeitou de imediato a sugestão de Holt de não fazer a coisa pelos canais competentes. Porém ficou ainda mais surpresa ao ver o brilho nos olhos do pai, uma aprovação velada mas maliciosa, como se admirasse Holt por contornar as leis, contanto que não as infringisse. Seria um desperdício de dinheiro dos contribuintes, não é?, já que as éguas são responsabilidade nossa concordou ele. Os vincos à volta da boca de Holt ficaram mais fundos, num sorriso de satisfação. Como está se sentindo, Major? Acha que pode cuidar das coisas por uns dois dias? Floyd Hunt é um homem competente. Posso deixá-lo como responsável, enquanto Guy, Rube e eu saímos à procura das éguas.. — Floyd é um homem competente. Acho que, unindo as nossas forças, podemos impedir que a estância desabe, até que vocês voltem. Só tenho pena de não poder ir junto com vocês. O pulso de Diana se acelerou. Por trás de toda essa conversa de procurar animais desgarrados, o fato real é que iam participar de uma caçada aos cavalos bravios, para recuperar as suas éguas. A ideia mexeu com a imaginação dela. Seria um desafio, a coisa mais aventurosa que jamais havia feito.
Vou junto anunciou. A cabeça de Holt virou-se bruscamente na direção dela, os olhos tornando-se fendas cinzentas. — Não vai ser um passeio — advertiu. — Eu sei. Vai significar uma cavalgada longa e dura por terreno áspero. Posso acompanhá-los, e não me queixarei. Pergunte ao Major. — À Diana não interessava se ele a queria junto, ou não. Queria ir. Além disso, sou uma boa cozinheira de acampamento. Isso já é motivo de sobra para ela ir junto disse Guy, defendendo a sua causa. 82
Mas havia um lado pessoal no motivo de Guy querer que ela também fosse. Via aquilo como oportunidade de passar mais tempo com ela, uma oportunidade que não fazia parte da vontade de Diana de ir. E o desejo de Guy de que ela os acompanhasse seria o motivo pelo qual Holt faria todo o possível para que não o fizesse. Obteria êxito, a não ser que ela conseguisse um apoio mais categorizado. Major Diana virou-se para o pai quero ir. O Major não vira uma tal animação no rosto dela desde que voltara; a sua fisionomia estava cheia de vida e brilho, como era antes do casamento desastroso. A indecisão que havia na expressão dele transformou-se em consentimento. Holt e Diana enxergaram isso no mesmo instante. — Vamos dormir ao relento, Major — lembrou-lhe Holt. — Três homens e uma mulher... — Sou adulta, maior e divorciada. Não tenho mais que me ater ao que fica bem, ou não. Tal raciocínio fora válido há vários anos, mas Diana estava resolvida a não deixar que a atrapalhasse de novo. O Major concordou com ela. Dadas as circunstâncias, não vejo por que ela não possa ir junto. Cabia ao Holt dar outro motivo, ou aceitar a decisão do Major. As suas
feições se endureceram numa aceitação resignada.
— O senhor é que sabe, Major. Os olhos claros não tinham nada de amistosos quando se dirigiram para ela. — Partiremos dentro de uma hora, logo que selarmos os cavalos e arrumarmos as provisões. Estarei pronta quando você estiver assegurou-lhe Diana, com um leve ar de complacência. Ele lhe lançou um olhar de alto a baixo, detendo-se no robe de algodão, lembrando-lhe que ainda estava de roupa de dormir. Com licença disse Diana, dirigindo-se velozmente para casa. Uma hora mais tarde saíam do pátio da estância, com Rube puxando o cavalo de suprimentos. Por necessidade, cavalgavam devagar, seguindo os rastros dos cavalos. O sol estava a pino quando chegaram aos contrafortes. Paravam com frequência para descansar os cavalos do esforço da subida e do calor do meiodia. O almoço consistiu em sanduíches preparados e embrulhados para eles por Sophie. À tarde, perderam o rastro num trecho irregular de solo rochoso. Holt mandou que Guy e Rube tomassem direções diferentes para voltar a encontrálo, enquanto ordenava a Diana que ficasse com ele. 83
Quando ficaram a sós, Diana ironizou:
— Não está sendo um pouco superprotetor, Holt?
— Estou? — Olhou-a friamente. — O Guy acha que está apaixonado por você. Pode dizer que sente o mesmo por ele?
Ela desviou o olhar, cuidadosamente. Isso não é da sua conta. Acho que acabou de responder à minha pergunta. É? falou Diana, desafiadora. E qual foi a resposta?
— Está-se lixando para o rapaz. Está usando-o como quando ele era um menino, jogando-lhe uma migalha da sua atenção quando lhe dava na telha. Você o magoou e confundiu, naquela época, mas não vou deixar que o destrua, agora. Diana não discutiu o seu comportamento anterior. — Gosto do Guy falou. O brilho prateado dos olhos ironizou a afirmativa de Diana. — Não vai levar adiante a sua conquista do Guy nesta expedição, portanto vá tirando a ideia da cabeça. Vim procurar uma égua desgarrada. Não acha que está na hora de você parar de falar e começar a procurar o rastro dela? — indagou, altivamente. Os olhares se defrontaram, numa batalha de força de vontade, um duelo que nenhum dos dois venceu, pois um grito de Rube fez com que terminasse abruptamente. Rube descobrira os rastros, onde os dois cavalos haviam cruzado um leito seco de riacho. Atenderam ao chamado dele, e puseram-se em marcha de novo. No final da tarde, Diana estava começando a sentir o efeito das longas horas na sela. Sentia cãibras na barriga das pernas, e a parte interna das suas coxas estava assada, de tanto se esfregar no couro. Foi a última a desmontar, quando pararam para um descanso de dez minutos. Guy estava ao seu lado, para ajudá-la a saltar. Obrigada. Deu um sorriso cansado e arqueou a espinha para aliviar a dor na coluna. Não estou em forma para uma viagem dessas, não como pensei que estava. Quer uma massagem? pilheriou ele. — Não me tente — falou com uma careta mordaz, lançando um olhar cauteloso para Holt. Guy acompanhou-lhe o olhar, fechando a cara. Suponho que ele tenha dito alguma coisa. — Sobre o quê? — perguntou Diana, fingindo ignorância, estendendo a mão para o cantil. 84
— Sobre nós. Como poderia dizer a Guy que não havia ”nós”?
Ele falou que disse? — retrucou. — Não. Disse a ele que não se metesse, que o que havia entre você e eu não era da conta dele. — Aposto que ele não gostou. Diana levou o cantil à boca, consciente de já ter usado a mesma frase antes. Depois de ter tomado um gole da água morna, voltou a fechar o cantil e pendurou-o pela alça no arção da sela. O cavalo mudou de posição, tirando-os da linha de visão de Holt. Guy aproveitou o momento para segurá-la pela cintura, virando-a para si, a frustração do desejo contido ardendo-lhe nos olhos. Diana gemeu o nome dela. Parece que faz tanto tempo que não a toco. — Pare, Guy — disse, fitando a camisa dele, aberta no pescoço. Queria tanto vê-la ontem à noite murmurou. Já lhe expliquei isso lembrou-lhe Diana. Sei que teve que ir à tal festa com o seu pai, mas estava com tanta vontade de vê-la, de falar com você, abraçar você. E Holt ficava me dando montes de tarefas, para eu não ter tempo. Finalmente, apareceu uma noite inteira para eu poder passar com você, e você foi à festa. Parecia a última gota. — Não dava para eu não ir. Eu sei, mas ontem à noite fiquei pensando em você. Penso em você o tempo todo, só que ontem à noite foi pior, porque estava sozinho e você estava-se divertindo Com seus amigos. Tomei uma cerveja, depois outra, e mais outra. Não demorou e comecei a imaginar se você... Guy, pare com isso. Começou a sentir-se sufocada pelo tom de ciúmes da voz dele. Eu sei suspirou o rapaz. Não quer compromisso, ainda. Mas não dá para evitar o que sinto. Há tanto tempo que a amo, Diana. É um alívio não precisar mais esconder. Gritaria o meu amor de cima da mais alta das montanhas, se você deixasse. Quando estou com você, sou o homem mais feliz do mundo. — Não fale assim.
Eu sei, eu sei. — Moveu as mãos na cintura dela, numa carícia. Estamos juntos, agora, e é só o que importa. Diana havia uma nova nota de urgência na sua voz — quando acamparmos, à noite, quer botar o seu saco de
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dormir ao lado do meu? Sei que não podemos fazer nada, com o Rube e o Holt junto, mas só o fato de saber que você está deitada ao meu lado significaria muito para mim. Eu... Numa voz estrangulada, ela negou a súplica docemente tocante do rapaz. Não, não posso fazer isso. Diana afastou-se das mãos dele, sentindo-se tomada por um desespero angustiado. — Por quê?
Estava confuso com a reação agitada dela. Não é sensato replicou, bruscamente. Fez-se um segundo de silêncio. O que é? A voz de Guy estava tensa, cheia de amargura com a rejeição. Não sou bom o bastante para você, não é isso? É a filha do Major, e eu não passo de um vagabundo que trabalha para o seu pai. Diana girou em torno de si mesma, fitando-o. — Essas palavras não são suas — acusou. — São de Holt, não é? Foi isso o que ele lhe disse, e você acreditou. Foi por isso que tomou um porre ontem à noite, não foi?
Não, não acreditei nele negou Guy, sem fitá-la direito nos olhos azuis. Mas ele fez você duvidar. Fez você ficar imaginando... — Esqueça o que eu disse — interrompeu ele. Não falei a sério. Tarde demais, Diana deu-se conta de que devia ter ficado calada. Porém,
quando a sua intuição lhe avisou de que Holt fizera aqueles comentários desabonadores a seu respeito, sua reação fora automática. Como consequência; novamente permitira que Guy acreditasse que ela gostava dele mais do que na realidade. Merda,
xingou intimamente. Bastava pensar em Holt que era como se acenassem uma bandeira vermelha diante dos seus olhos. Atacava invariavelmente, sem pensar. Tudo bem, Guy. Já está esquecido — falou, com um sorriso amarelo. Diana, eu... começou ele. A manta escorregou da sua sela, Guy. Holt estava lá para interromper a conversa. — É melhor colocá-la direito, senão vai acabar andando num cavalo com o lombo ferido. Guy hesitou uma fração de segundo. — Já vou dar um jeito — falou, antes de se retirar. Enquanto ele se afastava, Diana enfrentou o brilho metálico do olhar de Holt. Ele providenciaria para que ela passasse pouco tempo a sós com Guy. A
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resolução estava estampada na linha implacável da sua boca. Diana ergueu o queixo, num desafio, porém Holt não parecia impressionado, enquanto se dirigia para o cavalo. Dez minutos mais tarde, Diana alçava o corpo que protestava até a sela, enquanto os outros também montavam para recomeçar a busca. Cerca de três quilómetros mais adiante, subiram um outeiro, e um vale alto descortinou-se à frente deles. Holt deteve o cavalo no topo da elevação e procurou no alforje o estojo do binóculo. Com a ajuda do binóculo, começou a perscrutar lenta e detidamente o vale. Diana forçou a vista, e não viu nada. O arco de Holt estava semicompleto quando ele parou, ajustando o foco para o objeto que lhe chamara a atenção. Está vendo alguma coisa? perguntou Rube. Holt baixou o binóculo, mantendo o olhar fixo num ponto distante. Passou-o para Rube, instruindo-o:
— Olhe direto para baixo, a partir daquela garganta na montanha. — É o garanhão? indagou Diana, sem conseguir ver por si mesma, devido à distância. Rube levou vários segundos para responder, e o coração dela bateu de expectativa.
— Sem dúvida que é — falou, finalmente. Um raio dum garanhão branco. Não teria acreditado se não tivesse visto com meus próprios olhos. E você tem razão, Holt. Ele é grande, para um mustang. Uns quinze palmos, por aí. Astuto, também. Está olhando direto para mim. — Estamos a favor do vento, com relação a ele. Provavelmente sentiu o nosso cheiro. — falou Holt. — Está vendo as éguas? — perguntou Guy. — Estão com ele? Rube afastou um pouco o binóculo do garanhão. — Pode ser que estejam pastando naquela depressão. Não sei dizer. Ora, ora, ele está-se mexendo. Não deve ter gostado do nosso cheiro. Olhe só para isso! Olhe só! Todo excitado, passou o binóculo para Holt. Nem esperou que ele focalizasse direito o local para perguntar: — Está vendo?
Diana viu a súbita ruga que vincou a testa de Holt. — O que foi?
Olhe só a andadura dele!
Está marchando aparteou Holt, como explicação, uma ponta de espanto na voz. — Você também viu! Puxa vida! — Rube bateu na coxa, de satisfação. Pensei que estava enxergando mal. Uau! — Diana jamais vira o cowboy grisalho
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tão animado antes. — Mas é incrível! Espere até os outros saberem! Vão ficar de queixo caído. Já sumiu. Holt baixou o binóculo e guardou-o no estojo de couro. Tinha apenas três éguas. Duas eram nossas. Levou-as por aquele desfiladeiro lá no extremo. Pegando as rédeas, olhou de banda para Guy. Isso explica por que havia vezes em que as passadas dele pareciam tão estranhas, quando seguíamos o seu rastro.
— O garanhão estava mesmo marchando? — perguntou Guy para Holt, franzindo o cenho. — Estava. Mas, como? Por quê? Guy expressava os pensamentos atgnitos que cruzavam a cabeça de Diana. — De onde ele veio?
— Isso é fácil — declarou Rube. — Nunca ouviu as histórias sobre o Garanhão Branco Marchador?
Não. Guy lançou um olhar depreciativo ao velho vaqueiro. Hoje de manhã, antes de saírmos, você jurou que não havia garanhões brancos nessa área. Agora está dizendo que ouviu histórias a respeito dele — debochou. Desse aí, não — apressou-se Rube a negar. — Não, estou falando do mais famoso garanhão branco que já viveu. Foi em 1800 e qualquer coisa. Ele era branco como a neve, exceto pelas orelhas, que eram cor de ébano. As histórias contam que a crina tinha sessenta centímetros de comprimento, e a cauda era tão longa que chegava ao chão. A única andadura dele, além do andar simples, era a marcha, e podia deixar para trás o mais veloz dos cavalos de corrida, durante dias. Esse garanhão aí deve descender dele. Está-me parecendo uma lorota. — Não é lorota nenhuma — falou Rube, ofendido. — Pelo menos, eu não inventei a história. Um bocado de gente famosa o viu. Ora, até mesmo aquele sujeito que escreveu sobre a baleia fala no Garanhão Branco, no livro dele. Só porque você nunca ouviu falar nele, não quer dizer que não existiu. — Tá legal, Rube, acredito em você — admitiu Guy. 88
CAPÍTULO 7 Depois de cruzar o vale a meio-galope, foram forçados a diminuir o ritmo para recomeçar a procurar o rastro do garanhão e das éguas. Não conseguiram chegar perto o
bastante para ver de novo o pequeno bando antes do crepúsculo, e tiveram que parar para acampar e passar a noite. Enquanto desmontavam, Guy falou:
— Vou buscar um pouco de lenha. Rube pode fazer-isso. Holt foi até o cavalo de provisões. — Tire a sela dos cavalos e escove-os. — Olhos cinzentos e distantes dirigiram-se para Diana. — Sabe cozinhar?
Eu disse que sabia lembrou-lhe ela. Sei o que você disse retrucou, secamente. — Acho que terá que se arriscar e descobrir por si mesmo. Ele tirou o fardo de cima do animal e colocou-o no chão. — A comida está aí dentro. Pode começar. Disfarçando a irritação, Diana começou a desempacotar a comida e os utensílios de que precisaria. Rube juntou lenha suficiente para fazer uma fogueira. Logo que estava acesa, voltou para buscar mais, pois a noite prometia ser fria. Usando carne enlatada, Diana preparou uma panela de ensopado e pendurou-a sobre a fogueira. Estava preparando biscoitos de aveia quando
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Guy e Holt trouxeram as selas para o círculo de luz do acampamento, os cavalos já amarrados para dormir. — O garanhão estava mesmo marchando? — perguntou Guy, ainda cético. Estava retrucou Holt, começando a estender os lençóis no chão. Gostaria de tê-lo visto comentou Diana. — Com sorte verá, amanhã — respondeu Holt, a expressão distante. Vai demorar muito até a comida ficar pronta?
— Alguns minutos. — Está cheirando bem — disse Guy, para encorajá-la.
Levando em consideração as suas condições de trabalho primitivas, Diana achou a comida deliciosa. A prova de que os outros concordaram com a sua opinião foi a panela do ensopado, que estava vazia quando foi limpá-la, embora o único a se manifestar fosse Guy:
— Estou entupido — declarou, recostando-se e dando palmadinhas na barriga cheia. Estava uma delícia, Diana. Não lhe falei que era uma boa ideia trazê-la junto para cozinhar? Lançou o desafio para Holt. Você queria que ela ficasse para trás e que Rube e eu tivéssemos que comer a sua comida. Não cozinha mal, mas pode apostar que não sabe fazer biscoitos iguais aos dela. Quando o silêncio de Holt começou a pesar, Diana falou:
— Obrigada, Guy. É bom ser apreciada. — Sabe o que dizem? Havia uma certa intensidade no seu ar sorridente. O caminho para o coração de um homem passa pelo estômago. Você já arranjou um lugar no meu disse Guy, o tremor na voz acrescentando um sentido especial às suas palavras. Holt inclinou-se para a frente, um músculo se crispando no maxilar cerrado, enquanto tirava Diana da frente de Guy. — Há mais café? — perguntou, estendendo a caneca de metal. — Pelo menos mais uma xícara. Usando um lenço para proteger a mão do calor, Diana pegou o bule pintalgado de cinza que estava perto da fogueira e encheu a caneca dele. Pode derramar o que restou na minha caneca declarou Rube. Sentava-se em frente a Diana, do outro lado da fogueira. Ela se levantou, toda dolorida, e foi derramar o que sobrara, exceto a borra, na caneca dele. Guy notou como ela se movia com dificuldade. Ainda está doída? — perguntou, com um sorriso simpático. Pra não dizer coisa pior. Mas não estou me queixando. A última afirmativa fora dirigida a Holt. 90
Venha sentar-se ao meu lado, e eu massageio os seus ombros ofereceu Guy.
— Esse convite é tentador demais para ser recusado. Ignorou o olhar furibundo de Holt e foi sentar-se, de pernas cruzadas, diante de Guy, oferecendo as costas e os ombros aos seus cuidados. Ele fechou as mãos com firmeza nos ombros dela e começou a massagear suavemente os músculos contraídos. Um misto de dor e prazer fez escapar um suspiro de seus lábios. Baixando a cabeça, fechou os olhos, deixando os cabelos negros caírem sobre o rosto. Os dedos estavam agindo magicamente na sua carne dolorida. Mais uma vez, pensou como ele era gentil e cheio de consideração. Hummm, você vai dar um marido excelente! Mal havia feito o comentário, e já se arrependia, pois imaginava o sentido que Guy lhe daria. É uma pena que sejam as minhas pernas a doerem tanto, e não as costas. — Massageio até chegar lá — murmurou ele. Ao lado deles, Holt se mexeu para acrescentar um galho seco à fogueira. — Vamos precisar de mais lenha, Guy — falou, vivamente. E o que ele tem com isso? quis saber Rube. Não sabe onde encontrei aquela árvore seca. Iria passar metade da noite procurando por ela. É mais fácil eu mesmo ir do que ensinar a ele onde está. Me admira você não ter chegado a essa conclusão sozinho, Holt. Pombas, não sei por que não chegou. Pode ficar aí sentado, Guy. — Rube se pôs de pé. — Eu vou buscar a lenha. A situação estava deixando Diana inquieta. Para que lado está indo, Rube?
— Para este lado. — Acenou com a mão para a direita. — Por quê?
— Por mais que deteste ter que me mexer — ficou de joelhos, longe do alcance de Guy está na hora de atender aos apelos da natureza. Não queria esbarrar com você, lá no escuro. — Bem, se esbarrar em alguma coisa, não vai ser eu — declarou. Pondo-se de pé, Diana disse, com naturalidade:
— Não demoro.
Sumiu na noite, na direção oposta à tomada por Rube. Se Guy desconfiava que ela tinha um motivo mais urgente para se retirar, não deixou transparecer nada no rosto, enquanto a via afastar-se. As noites do deserto eram sempre frescas. Na altitude em que estavam a temperatura baixava ainda mais. Diana não demorou muito na friagem, voltou depressa para o círculo de calor ao redor da fogueira. Quando ia-se aproximando da luz, a voz de Guy chegou nítida aos seus ouvidos. 91
— Por que não cala essa boca, Holt? Tenho idade bastante para saber o que estou fazendo Além disso, você não conhece Diana tão bem quanto eu
Não conseguiu captar as palavras da resposta em voz baixa que Holt deu, mas não pôde deixar de notar o desprezo seco do seu tom de voz. Diana ficou rígida, conhecendo a opinião que ele fazia dela, e adivinhando que estava tentando convencer Guy a ter a mesma
Seja lá o que ele tenha dito, Guy ficou de pé
— É mentira
Holt também se levantou para enfrentar a pose de desafio do filho
— Você está querendo acreditar que é mentira. Cresça e abra os olhos. Apesar do seu ar descontraído, Diana pressentiu que estava inteiramente alerta. A luz da fogueira delineava o seu perfil másculo, iluminando-lhe as maçãs do rosto e deixando-lhe as faces cavas, e definindo vivamente o seu maxilar. O olhar dela se dirigiu para Guy e para a raiva indignada expressa nas suas feições sensíveis. O filho não era páreo para o pai. Faltava-lhe a implacabilidade, a experiência dura que brilhava nos olhos cinzentos
— Retire isso — exigia Guy, como uma criança ofendida — Retire o que disse dela, ou
O resto da ameaça ficou contido nos punhos cerrados
Ela não vale que se brigue por ela, Guy foi a resposta de Holt, e começou a se afastar
Guy agarrou-o pelo braço, e forçou-o a voltar
— Falei para retirar. Como resposta, obteve um olhar gelado. Diana sentiu um arrepio nos ossos, que não tinha nada a ver com o clima. A recusa silenciosa de Holt acuara Guy num canto, e ele provara o suficiente da virilidade para sentir-se obrigado a sair dali lutando, para forçar o pai a considerá-lo um homem a ser respeitado, e não ignorado
Holt desviou-se do soco de direita que ele deu, e passou raspando no seu ombro. Recuou, mas Diana sabia que não estava recuando por covardia
Não vou lutar com você, Guy
Retire o que disse. Guy estava surdo a tudo que não fosse a necessidade de vingar o insulto feito a Diana, cego ao fato de que ela os observava
Quando Holt não reagiu como ele exigia, Guy atacou como um jovem touro. Tomada de uma estranha paralisia, Diana sentia-se incapaz de se mover ou de gritar. Holt defendeu-se com facilidade, sempre se afastando, sempre recuando. Os golpes que acertava pareciam causar pouco dano. Logo ficou aparente, até mesmo aos olhos inexperientes de Diana, que não era a primeira
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briga de que Holt participava. Podia ouvir Guy grunhindo, de cansaço e frustração. Um soco de sorte atravessou as defesas de Holt, atingindo-o em cheio no queixo, e lançando-o ao chão. Levante-se! ofegante, Guy desafiava-o. Levante-se e lute! Apoiado num dos cotovelos, Holt sacudiu a cabeça, como que a desanuviá-la do ruído de sinos tocando. Mexeu o queixo, experimentalmente, e olhou para Guy. — Falei que não ia lutar — repetiu, calmamente, e foi ficando de pé, devagarinho. Instantaneamente, Guy voltou ao ataque, o gosto do sucesso tornando seus golpes mais violentos do que antes. Por duas vezes Holt não conseguiu se esquivar dos socos de Guy, a cabeça atirada para trás pela força deles. Os olhos arregalados de Diana viram Holt dar o soco, o golpe mais instintivo do que deliberado, e Guy foi ao chão. Diana recuperou o controle das pernas e correu os últimos passos que a levavam até o acampamento, toda a atenção concentrada na figura caída no chão. — Guy!
Sentiu uma onda de culpa por não ter tentado parar a luta antes que ele se ferisse. Holt cambaleou à sua frente, impedindo-a de chegar até Guy. O sangue escorria do canto da sua boca, vindo de um corte na parte interna. Sofrera mais com os socos desesperados de Guy do que Diana’ imaginara. Os seus olhos estavam escuros, como nuvens agourentas de tempestade. — Afaste-se do meu filho. — A sua voz dura estava rascante. — Ainda não fez o bastante? Finalmente conseguiu o que sempre almejou... que eu e Guy rompêssemos abertamente. Afaste-se dele. A cabeça morena moveu-se numa negativa muda, mas não tentou aproximar-se mais. Holt virou-se e ajoelhou-se junto à figura inerte, rolando Guy até deitá-lo de costas. O fogo lançava luzes douradas e brilhantes sobre o seu cabelo castanho despenteado, enquanto se inclinava sobre o filho imóvel. As paredes do estômago contraíram-se vivamente quando viu o rosto ensanguentado, inchando, tão jovem e vulnerável na sua inconsciência. E tudo porque defendera a honra dela. Diana sentiu-se enojada, tão indigna quanto Holt alegava que era. — Ele está ferido.
Eu cuido dele disse Holt, bruscamente. Não podia ficar sem fazer nada, não quando era por sua culpa que Guy estava largado ali. 93
Vou... vou apanhar um pouco d’agua. Foi buscar o cantil mais próximo. Ao voltar com ele, o som de passos arrastados anunciou a chegada de Rube. Entrou no acampamento, trazendo uma braçada de lenha. Ao ver Holt debruçado sobre Guy, parou, as pernas arqueadas, e ficou olhando. O que aconteceu? Ouvi um rebuliço, mas não imaginei... ele está ferido?
Rube largou a braçada sobre a pilha de lenha já existente e dirigiu-se apressadamente para junto deles. Holt tomou o cantil das mãos de Diana, molhando o lenço com a água. Ele caiu disse, e seu olhar desafiava Diana a contestar a sua explicação. — Caiu, diz você — repetiu Rube, e espiou por cima do ombro de Holt. — Nunca vi ninguém ferido desse jeito por causa de uma queda. Para mim, parece que alguém o socou. É, nocauteou-o. — Rube, alguém já lhe disse que você fala demais? — murmurou Holt, com selvageria. Eu disse que caiu. não se fala mais nisso. Tá legal, ’tá legal, ele caiu concordou com dignidade ofendida. Ninguém me conta nada. Sempre guardando segredos. O velho Rube não precisa saber. Mas não sou cego, enxergo direitinho. Recebeu outro olhar severo de Holt. — Mas, se diz que ele caiu, então caiu. Quem sou eu para chamar você de mentiroso?
Afastou-se, ainda resmungando consigo mesmo. Ouviu-se um gemido, e Guy mexeu a cabeça, ligeiramente, enquanto lutava para recobrar a consciência. Abriu os olhos, mas passaram-se segundos antes que eles perdessem o seu olhar vidrado. Quando se fixaram em Holt, a luz da batalha voltou a brilhar na sua expressão. Guy começou a se levantar, mas Holt forçou-o a ficar deitado. — Vá com calma. Sofreu uma queda feia.
Enfatizou a penúltima palavra para fixá-la na mente de Guy, e olhou significativamente para Rube e Diana. Foi a visão de Diana que fez com que Guy contivesse a sua ira. Estou bem insistiu, com impaciência, e tomou o lenço das mãos de Holt, fazendo uma careta quando o apertou contra o lábio cortado. Holt ficou de pé e se afastou, sabendo que Guy rejeitaria qualquer sinal de preocupação. Cautelosamente, Guy se sentou; ainda estava um pouco tonto. Diana sentiu um ímpeto de desejo maternal de confortá-lo, mas controlou-se. Não queria que ele interpretasse mal o seu interesse, nem queria que soubesse que testemunhara a sua derrota. 94
Não foi para junto dele, mas perguntou. — Tem certeza de que está bem?
O olhar dele, sombrio e amargo, dirigiu-se para Holt, depois veio fitar o lenço que segurava. Estou bem, sim. O olhar lembrou a Diana a acusação de Holt de que ela destruíra o ténue relacionamento deles. Haviam lutado por causa dela, abrindo um abismo que não seria facilmente transposto. Não queria que aquilo acontecesse. Anos atrás, poderia ter querido, mas era muito jovem, na época, com as antipatias malévolas de uma criança. Amanhã vai ser um dia bem comprido Holt anunciou, para todos em geral. Está na hora de nos recolhermos. Mas o aviso fora dado para encerrar a conversa entre Diana e Guy. Os três sabiam disso. Diana falou Guy, com ansiedade na voz. Ela sacudiu a cabeça. Não queria conversar, não quando ele estava tão emocionalmente abalado. Diana não sabia o que ele ia sugerir, mas não estava disposta a ouvi-lo. Deve descansar.
Sem dar-lhe uma chance de protestar, caminhou até o seu saco de dormir, consciente de que o de Holt a separava de Guy. Do saco de dormir, ficou vendo Rube e Guy irem deitar-se, finalmente seguidos por Holt. As estrelas brilhavam lá em cima. Fitou-as durante longo tempo, escutando o silêncio. Desviou o olhar para a figura inerte de Holt. Ele não estava dormindo, embora mantivesse os olhos fechados. Ainda antipatizava com ele, mas o acontecimento daquela noite suavizara até mesmo isto. Diana fechou os olhos. Uma mão tocou-lhe os ombros. Diana acordou aos poucos, e deparou com Holt debruçado acima dela. Ao notar o brilho de alarme que veio aos olhos dela, a boca do homem retorceu-se brevemente. A luz fraca da aurora revelava uma mancha arroxeada no seu maxilar. — Prepare o café — ordenou. — Vamos levantar acampamento daqui a uma hora. Resmungando, Diana jogou a coberta para o lado e se levantou. Tanto Guy quanto Rube já estavam de pé e trabalhando, alimentando os cavalos e pegando as selas. Havia pouco tempo para conversas ociosas, segundo os horários de Holt. O café da manhã foi preparado e tomado com a mesma pressa, os pratos lavados e guardados. Em menos de uma hora estavam montados e
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dirigindo-se para um céu avermelhado. O ar ainda estava frio, a respiração deles formando nuvens de vapor. No meio da manhã, Holt freou o cavalo e acompanhou com o olhar a direção que os rastros tomavam. Há um lago onde os animais bebem, naquele desfiladeiro, não há, Rube? — perguntou. Rube fez uma pausa e olhou ao seu redor. Agora que você falou nisso, acho que sim. É, há, sim. Deve ser onde os tais cavalos bravios tomam água. Que eu saiba, é o único lugar para isso, num raio de quilómetros. O que vamos fazer? Acha que estão lá, agora?
Não sei. É possível. Vamos fazer uma volta bem ampla e nos aproximar deles contra o vento, dessa vez, para não nos farejarem. Uma hora mais tarde, Diana viu pela primeira vez o garanhão branco. Tinham-se acercado do bebedouro dos animais pelo norte, e parado na orla do desfiladeiro. Branco feito leite, tão bem proporcionado quanto qualquer dos puros-sangues árabes do Major, o garanhão se mantinha um pouco afastado das éguas que pastavam. Uma sentinela orgulhosa, nobre e livre. É magnífico murmurou Diana. É fantástico disse Guy, com admiração igual.,
É um ladrão lembrou-lhes Holt. Aquelas ali são as éguas do Major. O comentário aumentou a tensão latente durante toda a manhã. Diana tentou ignorála. Com dificuldade, desviou o olhar do garanhão para olhar para as éguas. A égua castanha de pernas longas, Nashira, estava lá, juntamente com a premiada Cassie. A terceira égua era amarelada, de raça boa, porém indiscriminada. — Amarre o cavalo de carga por aí, Rube — mandou Holt. — Vamos descer aquela encosta. As árvores nos ocultarão, durante algum tempo. Logo que entrarmos no desfiladeiro, dispersaremos as éguas e as manteremos separadas do garanhão. Conseguiremos pegá-las sem dificuldades, com ele fora do caminho. Desmontando, Rube entregou as rédeas do seu cavalo para Diana, enquanto levava o cavalo de carga até uma árvore próxima, cercada de um trecho gramado. Momentaneamente distraída pelos movimentos de Rube, Diana não notou que o peito do seu cavalo se expandia. Tarde demais, ela se lembrou de que o capão árabe que montava era filho da égua castanha lá embaixo. O seu cavalo sentiu o cheiro familiar e soltou um relincho, chamando a mãe. O reflexo de Holt foi rápido como um raio, estendendo a mão para tapar o focinho do cavalo. 96
O mal estava feito. O garanhão levantou a cabeça, virando-a na direção deles, para testar o ar. Sacudiu a cabeça, irritado por não conseguir detectar nenhum cheiro. Olhou para
a silhueta deles, destacada na orla do desfiladeiro. Diana prendeu a respiração, sabendo que, se ele corresse, perderiam as éguas, mas ao mesmo tempo torcendo para que fugisse. Com um forte bufido que pareceu ecoar pelo desfiladeiro, o garanhão rodopiou e correu para junto das éguas, agrupando-as. Cassie, a mais recente sob o seu domínio, resistiu à tentativa dele de afastá-la da grama. Ele a mordeu com selvageria, até que obedeceu. Em movimentos rapidíssimos, fê-las dispararem para a boca do desfiladeiro. O garanhão fechava a retaguarda, impedindo qualquer uma das três éguas de voltar. Diana fitava as pernas dianteira e traseira direitas, movendo-se para a frente em perfeita harmonia, em oposição ao lado esquerdo, uma andadura fluida, sem esforço, totalmente natural. — Está marchando — sussurrou, como se tivesse precisado da prova dos próprios olhos para acreditar. Diana voltou-se na sela quando Holt largou o focinho do seu cavalo. Ele tirou o chapéu e correu os dedos pelo cabelo, irritado, antes de recolocar o chapéu na cabeça, com firmeza. — Vamos segui-los? — perguntou ela. Pareceu levar em consideração os rumos de ação abertos ante eles, antes de responder:
Não. O garanhão já foi alertado. Não podemos esperar chegar perto até que se acalme. Voltarão para cá. Concordo com o Rube. Que eu saiba, não há outro bebedouro num raio de quilómetros. Mas pode ser que não venham até amanhã ressaltou Diana. Quando ele as trouxer de volta, estaremos à espera dele. — Como pode ter tanta certeza? — desafiou-o Guy, a sua rebeldia agora se espalhando para outras áreas. — Os cavalos são criaturas que se atêm aos seus hábitos. Não se afastam dos seus pastos. Simplesmente correm em círculos. O garanhão branco estará de volta. Holt afastou o seu cavalo da orla do desfiladeiro. Vamos acampar naquele barranco, e esperar. Ficaremos ocultos, e enquanto o vento continuar vindo do sul, ele não poderá sentir o nosso
cheiro. Rube — virou-se para o homem a pé fique aqui de vigia, mas não deixe que o vejam. Um de nós o substituirá daqui a duas horas. — Está certo, mas deixe um cantil comigo. Vai ficar quente aqui, em campo aberto, quando o sol subir mais um pouco. Vou ficar de língua de
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fora, se não me deixarem algo para beber. Escute, quer que eu vá lá embaixo para encher os nossos cantis?
Não recusou Holt. Não quero nenhum cheiro humano perto daquele laguinho. Temos o bastante para durar todo o dia de amanhã. — E se ele não tiver aparecido, até lá? — indagou Guy. Essa é uma decisão que pode esperar até amanhã. Traga o cavalo de carga. Holt saiu na frente. Entregando o seu cantil para Rube, Diana foi atrás, puxando o cavalo dele. Guy fechava a retaguarda, com o cavalo de carga. A trilha que levava ao barranco era sinuosa, tortuosa, mais longa do que parecera ser. O ar parecia morto lá dentro, nem uma brisa se agitava para aliviar o calor direto do sol. Os cavalos foram amarrados num pequeno trecho de sombra. Logo que fizeram alguma ordem no acampamento, os três buscaram a nesga de sombra ao longo da parede do barranco. Holt esticou-se no solo inclinado, usando a sela como travesseiro e puxando o chapéu sobre o rosto. Sentada, Diana abraçou os joelhos. Aquele garanhão era um barato, não era? Guy estava junto dela, deitado de lado, apoiado num cotovelo. Era um espírito indomável. É, parecia... começou Diana. Holt interrompeu-a. Não o romantize. O garanhão é um patife, nocivo, deu as costas a sua própria manada. — Não se mexeu da sua posição reclinada, o chapéu puxado para a frente, os braços cruzados sobre a barriga lisa. — Quando um animal age assim não presta. — O que está sugerindo? — quis saber Guy, e o ar estalou com a eletricidade das tendências ocultas. — Que atiremos nele? Que o destruamos?
Não respondeu Holt, com deliberação controlada. Estou sugerindo que peguemos as nossas éguas de volta, e torçamos para que tudo termine por aí. — E vai? — indagou Diana. — Não sei. — Mudou de assunto. — Faz um tempão que tomamos café. Por que não começa a fazer o almoço?
Por que não deixa Diana em paz? Deixe-a descansar. Guy parecia resolvido a contestar tudo o que Holt dizia. — Se está com fome, faça o almoço. Com um autocontrole admirável, Holt respondeu serenamente:
Foi ideia dela vir junto como cozinheira. 98
Também estou com fome — mentiu Diana, tentando impedir uma luta declarada. Bem, ele que... Guy ainda estava disposto a discutir. Prefiro comer o que eu mesma preparo insistiu ela, e levantou-se. — Eu ajudo — ofereceu ele. Firme, mas cortesmente, Diana recusou a oferta, insistindo que poderia ajeitar-se sozinha. O peso da devoção dele aumentava a cada minuto. Era um alívio escapar dela, mesmo aprontando o almoço. Comeram em silêncio o guisado que ela preparou. Quando acabaram, Diana recolheu os pratos. Holt levantou-se para servir o café. É melhor manter o bule quente para o Rube disse para ela, e olhou para o relógio. — Vá substituir o Rube, Guy. — Vá você. Vou ficar aqui com Diana. A afirmação seca pendia no ar como uma espada. Holt virou-se devagar para Guy, e Diana prendeu a respiração, vendo a cor brilhante de aço do seu olhar, afiado como uma lâmina cortante.
— Você não está aqui como acompanhante de Diana — falou Holt, com calma mortal. — Está aqui para trabalhar. Já despedi outros homens por não fazerem o serviço. É isso o que quer, Guy?
A mente dela gritava: Não Não lhe faça um ultimato desses! Forçou uma risada. — Por que está levando o Guy tão a sério? Não falou por mal. Só estava pensando em voz alta, não é, Guy?
A área em volta de um dos lados da boca e do queixo estava inchada e arroxeada. Guy virou o rosto para que Diana não visse aquele lado. Estava carrancudo, enquanto concordava com a cabeça, relutante. Foi isso mesmo resmungou. Vou substituir o Rube, agora. — Tinha muita água no cantil que deixou com o Rube? — Holt perguntou a Diana. Acho que estava um terço cheio respondeu ela. É melhor levar outro Holt falou para Guy. Os cantis sobressalentes estavam ao lado de Diana. Ela apanhou o mais cheio deles e virou-se para entregá-lo a Guy, que não o segurou imediatamente. Tinha uma expressão preocupada e angustiada, enquanto perscrutava o rosto dela. — Por que fica tomando o partido dele? — perguntou, a voz baixa e tensa deixando entrever uma enorme mágoa confusa. Não seja ridículo, Guy. Não estou tomando o partido de Holt negou, baixinho, para que Holt não pudesse escutar. 99
Está sim. Há um minuto... Há um minuto, você teria sido despedido. É o que queria? argumentou Diana. A expressão ficou sombria, as feições endurecidas, fazendo lembrar Holt. — Não — suspirou, e tirou o cantil das mãos dela. — Não, não é o que eu queria. Guy se afastou, resmungando. Até logo mais. 100
CAPÍTULO 8 Diana ficou vendo Guy escalar a parte mais íngreme do barranco e desaparecer na direção do local onde haviam deixado Rube, anteriormente. Quando se virou de novo para cuidar da louça, percebeu que Holt a examinava, a expressão avaliadora e fria. Encarou-a por um breve segundo antes de desviar o rosto, calmamente. Os lábios de Diana se estreitaram. Obrigado, Diana falou com sarcasmo, imitando-o. Fico-lhe muito grato. Holt lançou-lhe um olhar gelado. Devo ficar agradecido pela sua intervenção?
Se eu não tivesse intervindo, Guy estaria indo embora retrucou. Por que ameaçou despedi-lo? Foi praticamente um ultimato. Como pensou que reagiria? Foi frustrante. Frustrante? ergueu uma sobrancelha, desdenhoso e arrogante. Se o Guy não trabalhasse mais na estância, também não moraria lá. Por quanto tempo você ainda demonstraria interesse nele, se não estivesse por perto?
Caiu-lhe o queixo, numa raiva cheia de espanto. — Você o provocou deliberadamente? — acusou Diana. — Mas que burrice. 101
Talvez eu deva tomar lições com você sobre como lidar com o meu filho — sugeriu Holt, sardonicamente. — Quem sabe assim eu faria gato e sapato dele, hem?
Quem sabe faria!
— Quanto tempo vai deixar o Guy pendurado no anzol, antes de cortar a linha, Diana?
— Não estou prendendo o Guy em nenhum anzol. Holt ignorou a negativa dela.
— Quando cortá-la, ele vai cair. O que deve fazer? Esperar para catar os caquinhos, quando você cansar de brincar com o novo brinquedo, e quebrálo? Farei tudo que puder para detê-la, primeiro. E o que é que eu posso fazer? argumentou Diana. nãofoi ideia minha fazer o Guy se apaixonar por mim. — Apaixonar-se por você? Você é a deusa Diana. Ela a adora, não apenas a ama. E você o encorajou a se apaixonar, quando o seduziu. Não é verdade. Não fiz isso. Não foi o Guy quem a seduziu. Não teria ousado tocá-la, a não ser que você convidasse. Poderia tê-lo detido a qualquer momento, com uma só palavra. Guy jamais teria forçado você. Por que não falou essa única palavra?
Sabia que ele me desejava, porém jamais imaginei que estivesse apaixonado por mim. Se tivesse imaginado... Diana girou sobre si mesma, frustrada, um bolo na garganta bloqueando a saída das palavras. Por que fez amor com ele? perguntou com veemência. Tive pena dele. Mal havia terminado a frase, quando uma garra de aço segurou-lhe o ombro, e fê-la dar meia-volta. Diana fitou um par de olhos gélidos, e feições endurecidas pela raiva. — Teve pena dele?! Por quê?
Todos os nervos gritaram ao sentir o contato dele. A reação química entre eles produziu o resultado previsivelmente volátil. A antipatia que sentia por ele era tão forte quanto o fora na juventude. Chamas incandescentes arderam nos seus olhos. — Teria pena de qualquer um que tivesse você por pai! As palavras continham todo o veneno que ela possuía. Ele a agarrou pelos dois ombros, enterrando selvagemente os dedos na sua carne. Ergueu-a um pouco do chão, puxando-a para junto de si. As mãos agarraram-lhe os bíceps salientes, forçando os braços para mantê-lo afastado. 102
O rosto estava perto do dela, magro e rijo, primitivo na sua crueldade, viril na sua masculinidade. — Sua sacanazinha vingativa. — A voz era baixa e agourenta, como o ruído da trovoada. Guy pensa que você é uma deusa, e você é feita de barro... barro sujo e pegajoso, que a mão de qualquer homem pode moldar. A pulsação dela se acelerou, de susto. Com um forte repelão, Diana soltou-se das mãos dele, rasgando um pedaço da blusa. Agarrou a fazenda, os olhos arregalados e acusadores quando se viraram para Holt. Acha que o Guy vai acreditar que fui eu que caí, desta vez? perguntou, com ar de desafio. Holt deu um passo ameaçador na sua direção, e Diana girou sobre si mesma, às cegas. Atiçara-o deliberadamente, e agora estava arrependida. Já superara o seu hábito de usar Guy para atingir Holt, porém, depois de tudo o que acontecera, ele jamais acreditaria nela. Diana começou a correr, tanto de si mesma quanto dele. Meia dúzia de passos foi o que conseguiu dar, antes que Holt a alcançasse. Tentou soltar-se. As pernas se embaralharam nas dele. Perdendo o equilíbrio, Diana caiu ao chão, arrastando Holt consigo. Por um instante, ficou imobilizada sob o peso dele, mas se contorceu e retorceu, empurrando e chutando para sair de debaixo dele. Mas ele ainda a dominava, puxando-a de volta quando tentou se arrastar e fugir. Os dedos de Diana se enroscavam no chão empedrado, enquanto tentava ganhar polegadas preciosas, sem conseguir sequer um centímetro. A força superior de Holt estava conseguindo virá-la de costas. Os dedos fecharam-se no cascalho que havia na sua mão. Quando ele a virou de costas, Diana jogou os grãos arenosos no rosto dele, cegando-o momentaneamente. Antes que Diana pudesse livrar-se do seu aperto de ferro, Holt já se recuperara. As suas mãos tateantes encontraram os pulsos da moça, abrindo-lhes os braços sobre a cabeça, enquanto largava todo o corpo sobre o dela, imobilizando-a. Vagamente, Diana percebeu que Holt piscava e sacudia a cabeça, para tirar dos olhos as últimas partículas de poeira, mas não sentiu pena do desconforto que lhe causara.
Ainda assim, ela procurou se libertar, arqueando o corpo na tentativa de sair de sob o peso dele. Os seus arquejos terminaram em pequenos soluços de impotência. Holt manteve-a presa até que não tivesse mais energia para lutar. O coração batia descompassado, devido ao esforço despendido. Os músculos dos seus braços tremeram e relaxaram, desistindo de buscar libertar os pulsos da prisão. Finalmente, Diana olhou para o rosto impassível do seu captor. 103
Exausta, e ainda ofegante, correu a ponta da língua pelo lábio superior, para umedecê-lo. O olhar alerta de Holt notou o movimento, e voltou a atenção para a boca da moça. As pupilas dele tornaram-se cinza-chumbo, ardentes e intensas. Um gemido baixo de protesto soou na garganta de Diana. Ela foi incapaz de outro movimento qualquer, até mesmo de um ligeiro girar de cabeça, para evitar a boca que baixava sobre a sua. Tocou-a, cálida, exigente, uma pressão persuasiva que se movia sobre a curva sensível dos lábios dela. Todos os seus sentidos deram sinal de vida. O leito de cascalho duro era áspero sob o seu corpo, nacos de pedra cutucando-lhe a carne. Ralou os braços na terra, quando Holt puxou-lhe os pulsos até a altura dos ombros. Diana sentiu o gosto salgado das gotas de suor que escorriam do lábio superior dele, para se misturarem ao beijo. O calor do corpo de ambos parecia fundi-los num só, o suor aumentando o cheiro de macho, almiscarado e estimulante. As batidas descompassadas do coração dela pareciam se igualar ao som irregular do dele. A posse sensual dos seus lábios fê-la arrepiar-se toda, excitada, a despeito das tentativas de bloquear o prazer que lhe causara. O casamento lhe abrira os olhos para a sua natureza apaixonada, uma paixão que não fora atiçada pelas tentativas fervorosas, porém desajeitadas, de Guy. E fazia tanto tempo que Diana não sentia o toque de um homem que sabia como excitar uma mulher. Até este momento, quando a arte estava sendo posta em prática por um homem que sempre fora seu inimigo. Mas, se a derrota era isso, Diana sabia que ia saboreá-la, pois seus lábios já se suavizavam numa entrega inicial. Aquele único, pequeno movimento, foi o riscar de uma cabeça de fósforo, acendendo uma chama que consumiu a ambos. A língua, sondando os mais íntimos
recessos da sua boca, enviou ondas de prazer cascateando-lhe pelos membros. Cônscia dos dedos desfazendo-lhe os botões da blusa, Diana começou a mexer nos da camisa dele. O seu corpo parecia não ter peso, quando ele a ergueu para livrá-la da blusa e do sutiã que a tolhiam. O toque da mão dele no seio foi tão firme e preciso que parecia que sempre havia sido alvo das suas carícias. Os mamilos ficaram duros e eretos nas palmas das suas mãos, pedrinhas sensíveis que a sua boca tinha que provar. Ela sentiu uma sensação de encrespamento descendo até os dedos dos pés, quando Holt começou a lambê-los. As mãos não paravam por um instante, vagando à vontade pelo corpo dela, moldando o barro da sua carne segundo a vontade dele. Num turbilhão inconsciente de êxtase sensual, Diana percebeu que ele estava tirando as roupas que lhe restavam. Ficou atordoada ao pensar que logo nada haveria
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entre os dois. As suas mãos deslizaram pelas costas dele, sentindo as marcas irregulares na sua carne, e os músculos rijos ondulando, como aço vivo. No momento da posse total, ela ergueu os quadris para receber a arremetida dele, enterrando-lhe as unhas na carne, como as garras encurvadas de uma gata em estado de satisfação. Afogava-se num mar de desejo. Jamais se sentira tão viva. Nada existia, salvo o prazer completo que ele lhe proporcionava, e o fervor com que Diana o retribuía. Mas não era uma progressão interminável. O fim chegou com uma escalada inebriante até alturas delirantes, e uma queda entontecedora até a terra. Diana jazia no chão, olhos fechados, cônscia dos raios ardentes do sol tocando-lhe a pele nua. Escutou a respiração do homem ao seu lado. Durante alguns momentos serenos, não sentiu nada, exceto a alegria da satisfação. Aos poucos, o silêncio que aumentava trouxe-lhe outros pensamentos. Virando a cabeça, olhou para ele, os olhos cautelosos e vulneráveis, velados pelos cílios espessos e curvos. Fitou o perfil másculo, os olhos cinzentos cerrados, o cabelo despenteado. Sentiu uma veia latejar no pescoço, vendo a vitalidade e a força estampadas nas feições vigorosas. Diana viu-o não como um inimigo ou um adversário, mas como um
homem. E, como homem, Holt não tinha igual. Queria estender a mão e tocá-lo, contar-lhe como o seu contato fora um fogo abrasador. Como se sentisse o olhar dela, e lesse seus pensamentos, Holt sentou-se com um movimento fluido, um gesto que o tirou do alcance dela, e pareceu rejeitar qualquer tipo de confidência. Ela baixou os cílios escuros para ocultar o lampejo de mágoa. — Pelo menos, Guy não estava totalmente errado. Você é muito boa. A afirmação humilhante incluía um elogio relutante. Porém, para Diana, foi uma bofetada que fez com que se sentisse vulgar e promíscua. Uma coisa que fora bonita, agora parecia maculada. Ela invocou o seu orgulho e se sentou, buscando as roupas espalhadas pelo chão. — Isso não muda nada — falou Diana, recusando-se a olhar para ele. Mas sabia que tudo havia mudado. — Nem pensei por um minuto que mudaria — respondeu Holt, secamente. As mãos tremiam, enquanto vestia os jeans, e sentia um aperto pungente na garganta. Diana teve vontade de perguntar-lhe por que fizera amor com ela, e se, por acaso, também não tivera aquela sensação especial que a devastara. Porém, subitamente, perdera toda a sua espontaneidade. Às suas costas, ouviu o ruído do homem se vestindo, enquanto abotoava o sutiã. Enfiando os braços nas mangas da blusa, Diana virou-se. 105
Holt metia as fraldas da camisa para dentro das calças de brim. — E agora, Holt?
A pergunta era um misto de desafio e indagação. Não sei o que quer dizer. O olhar frio dele percorreu-a brevemente, desconcertante na sua indiferença. — Como vai tirar proveito disso? É o que tem feito, desde que chegou aqui. Diana abotoava a blusa, ciente de que ele se aproximara dela, mas recusava-se a ceder. — Está torcendo as coisas. Você é que sempre usa as pessoas. -
Holt parou a menos de um metro dela. O coração de Diana falhou uma batida, enquanto enfrentava o fogo prateado do seu olhar. As chamas haviam arrefecido, mas não se haviam apagado, para nenhum dos dois. As brasas ardiam, prontas a pegarem fogo de novo. — Por quê? — Prendeu um pequeno soluço. — Por que tinha que ser você?
Holt desviou o olhar, com impaciência e irritação aparentes. Posso fazer a mesma pergunta. Quando voltou a olhar para ela, havia algo de reflexão e cinismo na sua expressão. Diana, a caçadora. Está atrás de caça nova? Acha que será divertido capturar-nos aos dois? Um trofeu duplo? Pai e filho?
Intimamente, Diana recuou ante o golpe cruel das palavras dele. Qualquer tentativa de negar-lhes a veracidade foi interrompida por uma avalanche em miniatura de cascalho rolando pela encosta. Simultaneamente, os dois se viraram na direção do som, esperando Rube, e vendo Guy. Ela sentiu uma pontada fria de medo no coração, ao ver a raiva torturada no rosto jovem. Lágrimas quentes escorriam-lhe dos olhos cheios de ódio, quando os defrontou no leito do barranco, as pernas ligeiramente abertas, numa postura de desafio. Eu vi vocês! disse-lhes, numa voz que tremia de violência. Vi vocês pelo binóculo!
Um grito involuntário de angústia escapou dos lábios de Diana, que desviou rapidamente o olhar para Holt, agora de pé ao lado dela. Anos de controle mantiveram a sua expressão calma e impassível; os olhos cinzas nada revelavam do que se passava dentro dele. — Guy... — começou, com voz serena. Porém Guy já se punha em movimento. As selas e equipamentos estavam a um passo de distância dele, e se moveu na sua direção. Por um momento,
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a sua intenção não ficou clara. Então, tirou um rifle da bainha e apontou-o para Holt, mirando da altura dos quadris. — Vi você estuprá-la! acusou, num grito soluçante. — Vou matá-lo! — Guy engatilhou a arma. — Afaste-se dela!
Arquejando, Diana olhou para Holt. Uma dor intensa, agonia pura, perpassou pelo rosto dele. Não era medo da morte, apenas o tormento lancinante de que a arma apontada para ele estivesse nas mãos do filho. Toda a força do seu tormento pareceu transmitir-se para Diana. Mas foi um lampejo fugaz. Novamente, o controle de ferro mascarou a reação de Holt. — Se você viu — Holt deu um passo à frente e ao lado, para longe dela então sabe que não foi estupro. Você falou todas aquelas mentiras a respeito dela porque a queria para si próprio acusou Guy, levando o rifle ao ombro. Nunca mais a tocará. — Guy, não! Sem se dar conta de que se mexera, Diana ficara entre os dois homens. Meu Deus, ele é seu pai!
E para que servem os pais? retrucou, com amargura. Holt empurrava-a para o lado, rejeitando o escudo de proteção que seu corpo lhe oferecia. Com passadas lentas e deliberadas, adiantou-se para Guy. Não chegue mais perto avisou Guy, o cano do rifle oscilando ligeiramente. Holt parou quando havia cerca de um metro e meio a separá-los. Desta distância, Guy, você não pode errar. Portanto, quando puxar o gatilho, esteja bem certo de que não vai se arrepender. Diana correu para Guy, as pernas tremendo a cada passo, o coração disparado de terror. Agarrou-lhe o braço. Se gosta um pouco de mim, não faça isso! implorou. O dedo tremeu no gatilho, mas não olhou para ela. O olhar arregalado de Diana correu para Holt. O seu olhar penetrante e metálico era impossível de sustentar, e ela não sabia como Guy podia enfrentá-lo. Dali a mais um segundo, teria agarrado o cano do rifle, mas isso não foi necessário, pois Guy apontou-o para o chão.
Se você se aproximar dela de novo, da próxima vez eu o mato avisou Guy. Acabara, e Diana caiu de joelhos, toda trémula. Holt virou-se e afastou-se vários metros, eliminando a possibilidade de novo confronto. A madeira lustrosa do cabo do rifle tocou o solo, ao lado dela. Diana levantou dedos trémulos e puxou os cabelos negros e emaranhados para trás da orelha. 107
A mão de Guy esfregou a testa, e enxugou rudemente as lágrimas das faces, num gesto de quem estava acordando de um pesadelo. A realidade fora muito pior do que um pesadelo. Diana fechou os olhos, tentando apagar aquela imagem horripilante. Sentiu o toque tímido da mão de Guy no seu ombro. — Ele a machucou?
Não. Quase se engasgou numa gargalhada histérica. Não, ele não me machucou. Onde está Rube? a voz de Holt interrompeu o diálogo em voz baixa. — Ainda está lá em cima — respondeu Guy, secamente. — Vá substituí-lo. Era uma ordem. Guy hesitou, antes de anunciar:
— Diana vai comigo. O olhar de Holt dirigiu-se para os dois. Para que está me avisando? Ela não precisa da minha permissão. A boca de Guy enrijeceu, ao baixar os olhos para Diana. — Vamos. Estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se. Diana não sabia o que fazer. Metade queria ficar com Holt. A outra metade sabia que tinha que ir com Guy, ou arriscar uma nova explosão. Os seus nervos em frangalhos não aguentariam outra cena daquelas. Colocando a mão na de Guy, Diana se levantou e foi com ele. Enquanto ele a ajudava a escalar a encosta íngreme, ela se forçou a não olhar para a figura solitária de Holt, que os observava partir.
Era uma subida longa e árdua, a pé, até o local onde Rube esperava. Quando o alcançaram, as pernas dela doíam e estava sem fôlego. Era bom sentir a dor física, abafando o tormento mental, por algum tempo. Ainda bem que você voltou — resmungou Rube. — Pensei que ia me deixar aqui. Suponho que a esta altura a comida já esteja toda ressecada, e nem dê para comer. Afinal, o que deu em você, para sair correndo daquele jeito? — indagou de Guy, com veemência. — Se arrancou daqui feito um touro picado nos testículos por uma abelha. — Apertou os olhos na direção de Diana. E o que aconteceu com você?”
Ela adivinhou que seu rosto ainda estava pálido, e os olhos com a expressão angustiada. Quando o olhar dele pousou na manga rasgada da blusa, Diana cobriu o rasgão com os dedos. Rasguei-a num arbusto mentiu. 108
— Tem que ter muito cuidado por aqui. Pode-se arranhar feio, em algum desses arbustos. Rube sacudiu a cabeça, numa advertência. Pega uma infecção, e fica numa pior. — Não me arranhei. — Teve um bocado de sorte, então. Do jeito que rasgou a manga, podia... Não acha melhor voltar para o acampamento? interrompeu Guy. Primeiro você se arranca daqui sem ao menos dizer com licença, e depois fica me empurrando para ir embora. Mas eu entendo uma indireta, sei quando não me desejam por perto. Vou indo. Rube se afastou, ainda resmungando baixinho. Dali a minutos, a sua figura mirrada tinha sumido de vista, e Diana sentou-se à sombra do junípero perto da orla do desfiladeiro. Não olhou para Guy, quando ele veio para junto dela. Segundos se passaram em silêncio, cada segundo mais longo do que o anterior. — Eu o odeio — murmurou Guy, soltando com selvageria a sua emoção. Se você não estivesse lá, eu o teria matado. — Não fale assim. — Diana levantou-se, agitada, abraçando o estômago contraído. Não quero ouvir.
Guy também se pôs de pé. — Por que deixou que ele fizesse aquilo?
A dor da confusão estava expressa na voz dele. Aconteceu, é tudo. Ficou de costas para ele, lutando contra as pontadas de culpa, Não posso explicar como ou por quê. Os braços rodearam-lhe a cintura, para puxá-la para junto de si. Ah, Deus, eu a amo tanto, Diana. Movia a boca de encontro ao cabelo dela, enquanto falava. Tudo o que quero é adorar e proteger você. Nunca vai ter que se sentir insegura, enquanto eu estiver por perto, Diana, juro. — Ela fechara as mãos ao redor dos pulsos dele, pretendendo fugir ao seu abraço, mas a sua afirmação curiosa pegou-a de surpresa, e ela hesitou. — Sei o que é se sentir sozinho, e precisar que alguém... qual quer pessoa... demonstre que gosta da gente. Mas eu gosto, Diana, sempre gostei. Nunca vai ter que procurar outra pessoa, a não ser eu. Baixou a boca para mordiscar-lhe o pescoço, mas os sentidos dela eram indiferentes às suas carícias. Não houve mais hesitação, quando Diana tirou os braços dele da sua cintura e se afastou, rejeitando o abraço e a racionalização pelo comportamento dela. O que foi? — indagou Guy, de testa franzida. 109
Está tudo errado, não entende? replicou, impaciente. Não posso passar dos braços do seu pai para os seus. Afastou-se, confusa, irritada e infeliz. Vou voltar para o acampamento. Não pode voltar para lá com ele! protestou. Ah, Deus. A risada suspirosa que soltou era amarga. Depois do que aconteceu entre você e o Holt, não está mesmo pensando que ele ainda me quer. Provavelmente, está desejando me ver morta. Não precisa se preocupar, Guy. Nada vai acontecer. Além do mais, o Rube está lá embaixo. A sua descida até o acampamento foi vagarosa. Ao ouvir o barulho das suas botas pisando o cascalho do barranco, Holt virou-se para encará-la, uma luz faiscando nos olhos. O coração deu um salto ante o movimento, involuntário que ele fez na sua direção, porém
ele se deteve, as feições endurecendo, enquanto dava meia-volta e se afastava. O coração de Diana caiu-lhe aos pés. Era o que esperava, mas aquilo não tornava a coisa mais fácil de aceitar. — Pensei que ia ficar lá em cima com o Guy. — Rube raspava o último bocado do guisado do prato. — Se soubesse que ia descer, lhe teria feito companhia, mas você não falou nada que ia voltar. — Estava quente demais, lá em cima. — Isso eu podia ter-lhe dito, mas você não perguntou. Ninguém me pergunta nada... e nem me conta nada — queixou-se. — Não que eu me importe. Estou-me lixando. Se não fosse por Rube, não teria havido conversa em volta da fogueira, naquela noite, um fato que não escapou à observação dele. O ar por qui está tão denso que se pode cortar com uma faca comentou. — Ninguém, a não ser eu, falou dez palavras seguidas. Claro, nunca ocorreu a nenhum de vocês contar para mim o que está se passando. Não, não é preciso deixar o Rube saber de nada. Guardem só para vocês. — Diana notou o olhar sugestivo que Holt lhe lançou. Eu sei, eu sei disse Rube, aceitando-o. Por que não calo a boca? Não é da minha conta. 110
CAPÍTULO 9 Até o meio da tarde do dia seguinte, o garanhão ainda não havia trazido as éguas ao bebedouro do desfiladeiro. O último dos cantis d’agua estava vazio. A decisão que Holt adiara tinha que ser tomada agora, e Guy lembrou-lhe isso. — A nossa água acabou. O que vamos fazer? — perguntou, com ar de desafio. — Os nossos cavalos não bebem desde de manhã. — Vamos esperar até as cinco horas. Se o garanhão não tiver trazido as éguas até então, iremos até o bebedouro. Esperaram. Deu cinco horas, e nem sinal do garanhão branco e das éguas. Diana sentiu a relutância de Holt em entrar no desfiladeiro, mas a preocupação dominante era a necessidade que tinham de água.
— Selem os cavalos — ordenou ele, quando viu o sinal de Rube de que não havia movimento no desfiladeiro. — Nós os levaremos até lá, e deixaremos que bebam à vontade. Montados, a subida até a orla do desfiladeiro pareceu mais curta. Rube viu Guy puxando o seu cavalo selado, e abriu um amplo sorriso. — Pensei que iam me deixar encarapitado aqui feito um maldito pássaro. Ia pegar uma carona, se me deixassem declarou ele. Se tenho que ficar
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sentado, que seja montado numa sela. Além disso, deve ser mais fresco lá embaixo do que aqui nessas pedras pegando fogo. — Monte no seu cavalo, Rube — falou Holt, com impaciência maldisfarçada. Resmungando consigo mesmo, Rube tomou as rédeas das mãos de Guy e alçou-se à sela, com as pernas arqueadas. Com Holt na frente, desceram até o fundo do desfiladeiro; Diana fechava a retaguarda, puxando o cavalo de carga, em passadas irregulares. As sombras que se alongavam tornavam o desfiladeiro muito mais fresco do que o platô mais alto da montanha. No laguinho, Holt e Guy encheram os cantis, acrescentando tabletes purificadores à água, como precaução, enquanto Rube e Diana seguravam os cavalos. Depois que pegaram a água potável, trouxeram os animais à frente, para beberem. Diana molhou as mãos e o rosto, sentindo a água tépida até refrescante, tal o calor que fazia. — Seria bom tomar um banho — murmurou, sem se dirigir a ninguém, em particular. Porém Rube apressou-se a puxar conversa. Quando a gente está atrás de cavalos bravios, não deve tomar banho. Não deve nem mesmo trocar de roupa. Confunde o faro. Li a história de um cara que agia assim, nunca tomava banho nem mudava de roupa. Seguia uma manada até que os animais se acostumassem com o cheiro dele, nem corriam quando ele chegava perto. Ele os metia num cercado sem que nem mesmo se dessem conta de que estavam sendo apanhados. Não, não se deve tomar banho quando se está atrás de cavalos bravios. Estou certo que você aprova essa medida, Rube comentou Holt, secamente.
Ora essa, o que você está insinuando? Tomo banho igualzinho a qualquer um — foi a resposta indignada. — Nunca ninguém me acusou de ser sujo. Relaxado, talvez, pensou Diana, fitando a barba por fazer no seu rosto castigado, mas não sujo. Porém nem ela nem os outros dois tinham vontade de implicar com ele, como o teriam feito alguns dias antes. Soltando um suspiro, ela se endireitou e ficou olhando para a boca do desfiladeiro. Foi por acaso que olhou naquela direção. Seus músculos ficaram paralisados, ao ver uma estátua de alabastro parada a algumas centenas de metros de distância. — Olhem sussurrou Diana. 112
Os outros se viraram, ficando igualmente petrificados. O garanhão branco viu as formas deles e ergueu o focinho para o ar, tentando farejá-los. Avançou alguns metros, flutuando no solo, naquela sua peculiar andadura balouçante, a cauda comprida e farta, a crina se agitando como seda branca tocada pela brisa suave. Desconfiado, o garanhão parou de novo, ficando imóvel como uma exótica escultura viva. Diana não tinha consciência de outra coisa que não fosse a vista dele, a sensação de assombro e encantamento. O garanhão era tão selvagem e livre quanto uma águia em pleno voo, com o mesmo orgulho e nobreza. A emoção corria violentamente pelas veias dela. O vento levou o cheiro do garanhão até os cavalos. Desta feita, Diana estava preparada quando o seu capão se virou para ver o cavalo estranho, fechando a mão sobre o seu focinho, para calá-lo. Mas a movimentação dos cavalos virando-se para olhar com curiosidade para o garanhão parecia ser toda a confirmação de que havia perigo. O relincho que soltou era sem dúvida uma ordem para as éguas às suas costas recuarem. Rodopiando nas patas traseiras, o garanhão disparou para a boca do desfiladeiro. Diana teria ficado parada ali, espiando a imagem lindamente fluida, mas Holt já estava pulando para a sela. Vamos. Jamais chegaremos mais perto do que agora ordenou. O seu cavalo já disparava atrás do bando em fuga antes que os outros tivessem montado. Com o cavalo de carga a atrapalhá-la, Diana estava destinada a comer poeira,
enquanto galopavam atrás dos fugitivos. Os cavalos estavam descansados, mas cheios d’agua, o que os atrasava. Não perdiam o bando de vista. A égua amarelada corria na frente, com o garanhão branco fechando a retaguarda das outras éguas, impedindo-as de refrearem a sua carreira desabalada. A sua andadura de marchador fazia parecer que ele deslizava pelo solo, sem fazer esforço ou sentir cansaço. As sombras se encompridaram quando o sol baixou no horizonte. Às vezes, Diana perdia as éguas de vista, mas sempre o branco luminoso do garanhão os guiava, como um farol. Não importa o quanto forçassem os cavalos, não pareciam capazes de diminuir a distância entre eles e o bando em fuga. A égua amarelada parecia conhecer cada colina e vale com minuciosidade. Girando bruscamente, enfiou-se na abertura estreita de um barranco, e o garanhão conduziu as éguas roubadas atrás dela. Rube e Holt foram os primeiros a penetrar na abertura, seguidos por Guy. Diana estava muito atrás deles. Ouviu o grito estridente dos cavalos, e berros dos homens. Antes que
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pudesse forçar o cavalo a entrar pela abertura, Guy e a sua montaria já vinham saindo. — Estão encurralados! gritou, eufórico. Quase instantaneamente, Rube e Holt atravessaram a abertura estreita. Holt já desmontava, antes do seu cavalo parar bruscamente. Não perdeu tempo comentando o triunfo deles. Vamos armar uma barricada falou para Rube. Guy, Diana, fiquem prontos, para o caso deles tentarem sair. Trabalhando com uma velocidade e engenhosidade que teriam assombrado Diana, se não estivesse tão ligada nos sons que vinham de dentro do barranco, Holt e Rube armaram uma barricada feita de vegetação, pedras e galhos secos. Não me parece muito firme arquejou Rube, quando terminaram.
Não é admitiu Holt. Mas pode parecer que seja. Vamos torcer para que o garanhão não resolva testá-la. — Bem, ele vai estar um bocado relutante em ficar encurralado naquele túnel estreito que é a abertura, portanto pode ser que não se arrisque a derrubar a barricada. Espero que sim. Tem certeza de que não há jeito deles saírem? — perguntou Diana, desmontando, agora que não havia mais necessidade de vigiar a entrada. Deve ter havido, algum dia, caso contrário a égua não os teria levado para lá — insistiu Rube. — Pensei ter visto de relance uma pequena avalanche que derrubou uma das paredes do barranco. Pode ser que ali houvesse uma trilha, que a avalanche soterrou. Estão encurralados ali dentro, sem escapatória. Não teríamos podido escolher melhor armadilha para eles. — Vamos entrar lá e laçar as éguas? — indagou Guy, ainda a cavalo, um laço na mão. Está ficando tarde demais para se enxergar falou Holt. O sol já se pusera no horizonte, deixando atrás de si um brilho carmesim para iluminar o céu. Logo ele se transformaria em roxo. As paredes íngremes do barranco tornariam ainda mais escuro o seu interior. E as nossas éguas estão quase tão descontroladas quanto aquele garanhão. Não podem sair do barranco; então, ao invés de arriscar que se machuquem por causa do pânico, acho que devíamos deixá-los se acomodarem, para passar a noite. De manhã, poderemos pegar as nossas éguas, e deixar livres o garanhão e a égua amarelada. — Quer dizer que vamos acampar aqui, para passar a noite? — indagou Diana. Logo a seguir protestou. Mas toda a nossa comida e equipamento estão... 114
— Vamos acampar aqui — declarou Holt, num tom de voz firme. — Faremos uma fogueira bem na frente da barricada, para o caso do garanhão resolver examiná-la. O fogo deverá mantê-lo afastado. Quanto à comida e aos sacos de dormir, acho que teremos que ficar com fome e dormir bem junto do fogo, para nos aquecermos. Quem sabe posso descobrir um coelho grande ou uma perdiz sugeriu Rube. — Não me agrada a ideia de ficar de barriga vazia.
Se conseguir enxergar o bicho para atirar nele, pode tentar respondeu Holt. Tem sempre que inventar alguma coisa, não é? resmungou Rube. Não pode dar crédito a um cara por ter bolado uma ideia. Não, tem logo que ir desmerecendo. Se pode ficar de barriga vazia, eu também posso. Pronto, pegue o meu cavalo. — Enfiou as rédeas nas mãos de Holt. — Se é assim que vai agir, vou tratar de ir pegar um pouco de lenha e acender o fogo. Provavelmente, se eu não fizer isso, ninguém vai fazer. Vou ver se acho um coelho antes que fique escuro demais disse Guy, aproveitando a ideia de Rube, tirando o rifle da bainha da sela, e desmontando. — Vai ser preciso fazer os cavalos andarem, para se refrescarem falou Holt, quando Guy entregou a Diana as rédeas do seu cavalo. — Suaram demais. Segurando as rédeas do seu cavalo e do de Guy, assim como a correia do animal de carga, Diana começou a andar atrás dos cavalos que Holt puxava. Fizeram círculos lentos e monótonos, na frente do barranco, enquanto Guy desaparecia nas sombras do crepúsculo, e Rube andava de um lado pró outro, catando lenha. Os ruídos dominantes vinham de dentro do barranco. Os relinchos irritados dos cavalos presos eram pontuados pelo bater dos cascos ao redor da sua prisão natural. O frenesi deles parecia encher os ares, arranhando os nervos sensíveis, até que Diana sentiu vontade de derrubar, ela própria, a barricada, e libertá-los. O bom senso impediu-a de ceder ao impulso e tentou parecer tão estoicamente indiferente aos gritos quanto Holt. De algum lugar no deserto que se arroxeava veio o disparo explosivo de um tiro de rifle, ecoando na noite. Diana parou para olhar na direção da qual imaginara que o tiro viera, alisando distraidamente o focinho do cavalo junto ao seu ombro. Sentiu um vazio de fome na barriga, ainda suportável, mas não
por muito tempo. — Será que o Guy matou alguma coisa?
pensou em voz alta. 115
Saberemos quando voltar ao acampamento foi a resposta seca de Holt.
A fogueira de Rube ardia lindamente quando Guy voltou triunfante ao acampamento. Carregava um coelho grande e magro pelas orelhas compridas, levantando-o bem alto para que todos vissem a prova de sua caçada bem-sucedida. Não é grande coisa, mas é melhor do que nada admitiu Rube. Vamos prepará-lo e botá-lo no espeto. Você sempre foi bom de tiro, Guy. Houve época em que eu poderia tê-lo caçado, mas... ”””
Deixou o resto da frase por terminar. — Nunca pensei que um coelho do mato pudesse parecer tão delicioso quanto um bife. Mostra com que fome estou — comentou Diana, com uma risada. — Sei o que quer dizer concordou Guy. O olhar que lançou a Holt foi convencido e arrogante; fizera uma coisa que Holt dissera que não podia ser feita. Mas Holt já estava preparando um local para amarrar os cavalos, ignorando a conversa em volta do fogo, como se achasse a vaidade de Guy indigna de ser notada. Rube tirou a faca da bainha, a lâmina brilhando à luz da fogueira. Guy entregou-lhe o coelho e caminhou até o cavalo, devolvendo o rifle à bainha da sela. O orgulho pelo seu feito diminuíra em sua expressão ante a indiferença de Holt. Aos poucos, o barulho vindo do barranco se reduzira a bufidos irados e passadas inquietas, com a diminuição do pânico inicial dos cavalos capturados. — Vai ser bem frio, hoje à noite — comentou Guy, parando ao lado de Diana. e Não era difícil adivinhar o rumo que os pensamentos dele estavam tomando, e Diana procurou evitá-lo. — Mas o fogo nos manterá aquecidos e, graças a você, teremos o estômago forrado. Assim, a coisa não será muito ruim. Ele abriu a boca para dar uma resposta, mas a aproximação de Holt o deteve. Eu levo os cavalos falou Holt, tirando as rédeas da mão de Diana. A presença dele deixou ainda mais gelado o ar frio. Entregando-lhe as rédeas, Diana evitou olhar diretamente para ele, consciente da irritação muda de Guy, ao seu lado. Enquanto Holt levava os cavalos para o local onde os outros já estavam amarrados, Diana virou-se para a fogueira. É melhor eu dar uma mãozinha ao Rube com o coelho falou.
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Guy seguiu-a feito um guarda-costas, não querendo que se afastasse dele mais do que uns poucos metros. O coelho foi limpo e esfolado e Rube estava poupando a água para lavar o sangue. — Magricela, não é? — comentou, Rube, espetando a carcaça num pedaço de pau. — A cavalo dado não se olham os dentes— lembrou-lhe Diana, pegando o coelho no espeto e segurando-o sobre as chamas, enquanto Rube enfiava um par de galhos em forquilha no chão, para apoiar o espeto. O forte bufido do garanhão parecia vir diretamente de trás dela. Diana olhou por cima do ombro, alarnmada, fitando a entrada bloqueada do barranco. Houve um barulho de galhos secos, e o pisar abafado de cascos na areia. Ele está examinando a barricada. Faça-o voltar, Guy chamou Holt, do local onde os cavalos estavam amarrados. Dirigindo-se para o barranco, Guy bateu palmas com força. Ooopa! Saia daí!
Os berros dele foram seguidos por um estrondo. — Cuidado! gritou Holt. O aviso chegou tarde demais, quando uma figura branca irrompeu repentinamente pela barricada. Guy não teve chance de se desviar do caminho do garanhão. Tentou mergulhar para o lado e foi derrubado ao chão pelo animal em movimento. Nos calcanhares dele, vinham as éguas. À primeira visão do branco, Diana ficara petrificada de choque. Quando o garanhão branco girou na direção dela, um segundo obstáculo no seu caminho para a liberdade, tinha as orelhas coladas à cabeça, os dentes de marfim ameaçadores à mostra, o ódio brilhando nos olhos escuros. — Diana!
Escutou o grito de Holt, mas estava impotente para se mexer, hipnotizada pela fúria espantosa que se arremetia sobre si. O garanhão estava a um salto de distância quando um
peso se jogou sobre o flanco dela, derrubando-a ao chão e tirando-lhe todo o fôlego. Esmagada pelo mesmo peso que a derrubara, Diana ficou completamente imobilizada. Os seus sentidos atordoados tiveram consciência de cascos que passavam violentamente por ela, porém levou mais um segundo inteiro antes que se desse conta de que a força que a prendia era Holt. De barriga para baixo, com a boca cheia do que parecia ser um punhado de terra arenosa, Diana sentiu o corpo rijo espalmado protetoramente sobre o dela. A esta altura, os cavalos já tinham passado por eles, desembestados, mas a sensação de perigo ainda ressoava nos seus ouvidos. — Está bem? — perguntou Holt, saindo de cima dela. 117
Cuspindo a terra da boca, por entre golfadas de ar, Diana conseguiu arquejar:
— Estou. Holt não esperou para ver se a resposta era uma simples demonstração de coragem, ou a verdade. Com um palavrão abafado, já se punha de pé. Os cavalos resmungou, como explicação. Enquanto rolava de costas, Diana pensou a princípio que ele se estivesse referindo ao garanhão e às éguas, até que ouviu os sons de pânico que vinham de onde os cavalos deles estavam amarrados. Eles estavam sendo levados a desembestar pelos cavalos selvagens. A ideia de ficar a pé a tal distância de casa fez Diana se levantar prontamente e sair correndo atrás de Holt. O animal de carga já disparara para dentro da noite. Um segundo animal forçava as rédeas amarradas, até que o couro cedeu, sem conseguir suportar a pressão. Quando ele se virou para acompanhar os outros cavalos em fuga, Holt se postou no seu caminho, agitando os braços para fazê-lo voltar. Diana correu para os três que ainda estavam presos, saltando e empinando em pânico, e tentou acalmá-los. — Pronto, calma, calminha a voz firme, tranquilizadora de Holt falava com o cavalo que se esquivava. Com o canto dos olhos, Diana viu que Holt tentou agarrar as rédeas, quando o cavalo passou disparado por ele, mas não o conseguiu. Os demais cavalos começavam a
reagir às palavras tranquilizadoras dela, ainda bufindo e sacudindo a cabeça, rolando os olhos, porém não mais forçando as rédeas. Holt moveu-se veloz mas suavemente para o cavalo mais próximo, desamarrando-lhe as rédeas. Não vai atrás deles no escuro?! protestou Diana. Pode ser que eu os pegue. Holt montou na sela. Estarão a quase meio caminho da estância, quando amanhecer. Não partiu imediatamente atrás das montarias em fuga, mas parou o cavalo excitado e saltitante na beirada do círculo do acampamento. Diana sabia que um cavaleiro podia esperar recuperar apenas um animal, mas que dois cavaleiros possivelmente trariam ambos de volta. Soltando as rédeas do seu capão, montou-o. — Como está o Guy? — perguntou Holt. Do outro lado da fogueira, Diana viu Rube inclinado sobre Guy, que estava sentado, a cabeça apoiada nas mãos. Tinha esquecido que o garanhão o derrubara quando irrompera do barranco. — Está meio tonto, mas vai ficar bom — respondeu Rube, virando-se para ver Holt montado. Que diabo, aonde você pensa que vai?
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Dois dos nossos cavalos se soltaram. — Não vai atrás deles a esta hora?! Vai quebrar o raio do seu pescoço!
Falou mais coisas, porém Holt já dera meia-volta com o cavalo e disparara para as sombras da noite, com Diana logo atrás. Quando ouviu o som de cascos a segui-lo, Holt olhou por cima do ombro. Antes que ele pudesse complementar a expressão severa com palavras, Diana gritou, cheia de determinação:
— Vou com você! Precisa de mim!
Tinha certeza de que ele não poderia forçá-la a voltar para o acampamento, salvo se voltasse também. Correram dentro da noite. A nesga de lua lançava luz insuficiente para iluminar o solo. Galopavam às cegas, e somente um sexto sentido alertava os cavalos para onde deviam pisar. Foi uma cavalgada temerária, de parar o coração, com Diana grudada à sela, sem saber se a passada seguinte seria saltar sobre um obstáculo ou cair numa depressão. A silhueta negra de um cavalo em disparada apareceu no topo de uma elevação à frente deles, com a cabeça para o lado para evitar enganchar as patas nas rédeas penduradas. O primeiro objetivo deles fora avistado. Holt chicoteou seu cavalo com as rédeas, e Diana fez o mesmo. A corrida desesperada da montaria fugitiva fora reduzida a um galope contínuo. Dali a minutos, alcançaram-na. Diana conhecia a rotina de cor, da época em que fora criada feito rapazinho. Aproximaram-se, um de cada lado do cavalo, forçando-o a correr em linha reta, ao invés de desviar-se dos seus captores. Holt estava do lado mais perto das rédeas penduradas. Ela viu quando ele se inclinou na sela para tentar agarrá-las. Uma fração de segundo mais tarde o cavalo dela estava caindo, e Diana deu uma cambalhota por cima da cabeça dele, para dentro do vazio da noite. Um grito abafado de surpresa ficou preso na sua garganta. Voou pelo ar durante o que lhe pareceu uma eternidade, antes de cair no chão, mas na verdade tudo aconteceu num piscar de olhos. O forte impacto deixou-a totalmente sem fôlego. Diana ficou largada no chão, a dor no peito intensa demais para que se pudesse mover. Caíra longe do cavalo, que se debatia a poucos metros dela. Estava-se pondo de pé, tremendo feito um cão, quando ela inspirou pela primeira vez, dolorosamente. O barulho dos cascos de mais de um cavalo fez vibrar o solo onde ela jazia. — Diana! — chamava Holt. Aqui respondeu, debilmente, arquejando. 119
Mesmo assim, ele conseguiu ouvi-la. Dali a segundos estava ajoelhado ao lado dela, uma sombra escura acima da moça. — Você está bem?
Diana já testara a mobilidade dos membros e podia responder, com sinceridade. — Não quebrei nada. Só fiquei sem respiração, foi tudo. Pegou o cavalo? — observou, com voz trémula. — Sim — foi a resposta seca de Holt, dando a entender que aquilo não tinha importância. O que aconteceu?
— Meu cavalo caiu — disse ela, afirmando o óbvio. Estendeu as mãos. Ajude-me a levantar. Enquanto ele a puxava para uma posição sentada, Diana soltou uma exclamação abafada ante a pontada de dor no cotovelo esquerdo. Tateou para explorar a causa, e os dedos vieram molhados e pegajosos. — O que foi?
Feri o cotovelo, quando caí. Deixe-me ver. Quando foi pegar o cotovelo para virá-lo para a débil luz da lua, o seu antebraço roçou nas pontas salientes dos seios. A carne dela vibrou com o contato. O braço dele pairou ali uma fração de segundo mais do que seria necessário, o bastante para Diana perceber que ele estava consciente da intimidade. Deve ter ralado o cotovelo quando caiu. Vamos limpá-lo quando voltarmos para o acampamento declarou Holt, e se afastou alguns centímetros. Era perigoso brincar com o fogo. No entanto, como uma mariposa, Diana sentia-se atraída pela chama, sabendo que as suas asas podiam ser chamuscadas, mas pouco se importando. Mas a chama estava fria. Ela abafou o impulso de atiçar-lhe o calor. Dobrando as pernas sob o corpo, Diana começou a se levantar. Uma onda de fraqueza fez seus joelhos cederem, e teve que agarrar-se a Holt, para se apoiar. — Estou mais trémula do que imaginava. — Tentou fazer pouco do seu colapso momentâneo, para poder ignorar a força segura dos braços que a sustentavam. — Logo que recuperar o fôlego eu fico bem. Apoiou todo o peso no corpo dele. Vamos voltar para o acampamento. — Ainda não pegamos o outro cavalo — protestou Diana.
— Não temos muita chance de encontrá-lo no escuro, não agora. Além disso, um tombo é o bastante. Da próxima vez, você pode quebrar o pescoço disse-lhe Holt, asperamente. 120
A cabeça estava inclinada para trás, para poder enxergá-lo melhor. A aba do chapéu ensombreava-lhe os olhos, mas podia ver a rigidez do seu maxilar magro. Ela estremeceu de desejo. — Você se importaria, Holt? perguntou, num sussurro doído. A pergunta trouxe um longo momento de completo silêncio, enquanto ele a fitava. Então, seus dedos começaram a tirar-lhe grãozinhos de areia da face, e a se enroscar nos seus cabelos. A cabeça dele se inclinou para baixo. A dois centímetros da boca da mulher, resmungou:
— O que você acha?
Havia relutância no beijo dele, como se se ressentisse do fato de achá-la fisicamente atraente. Aquilo de pouco importou, pois o beijo forneceu o combustível para as brasas ardentes da paixão. Chamas incandescentes fundiram os dois juntos. Havia uma urgência desesperada, cauterizante, no abraço, uma luxúria insaciável que transcendia os limites físicos. Foi uma união alucinada. Depois, Diana deixou-se ficar nos braços dele, exausta das delícias primitivas que a haviam erguido aos píncaros de um maremoto de pura paixão. A respiração de Holt voltava devagarinho ao normal, mas ela podia ouvir o bater irregular do coração dele, sob a sua cabeça. Excitava-a saber que o deixara tão desesperadamente louco de desejo quanto ela própria ficara. E fora contra a sua vontade, também. Diana não era nenhuma idiota. Sabia que, por causa de Guy, Holt desejava que ela se mandasse para os confins da terra, mas a atração poderosa entre eles era forte demais para que qualquer um dos dois a negasse. Quase que por si mesma, a mão deslizou vagarosa e suavemente pelos músculos lisos do estômago dele, até a parede dura do seu peito cabeludo, uma carícia para a qual não
houvera tempo, anteriormente. Mexeu a cabeça ligeiramente na curva do braço para espiar o caminho dos próprios dedos sobre a pele bronzeada. Distraidamente, os lábios de Diana tocaram-lhe a clavícula. Aspirou o cheiro quente, másculo. Era como uma droga, na qual estava ficando viciada. Ao sentir o leve toque dos lábios na sua pele, ele fez pressão na mão que a segurava pela cintura, relaxando-a depois de um segundo para acariciar de leve o quadril dela. O braço livre dele veio massagear-lhe levemente o ombro, sem interferir com a mão que lhe explorava o peito. Era o convite que Diana estava esperando. Virando-se mais completamente para os braços dele, a boca começou a provar languidamente o gosto salgado da pele. As mãos do homem prenderam-na pela cintura e pelo ombro
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para puxá-la para cima de si, as pontas sensíveis dos seios roçando o tufo de pêlos escuros do peito de Holt. Olhos cinzentos, escuros como prata queimada, perscrutaram as feições dela. O seu olhar exprimia experiência, na sua maior parte desagradável. Diana queria suplicar-lhe que não falasse para não destruir a magia do que acontecera entre eles, como as suas palavras grosseiras haviam feito, na última vez que fizeram amor. O maxilar dele estava contraído numa linha severa. Quando falou, as palavras foram um murmúrio a contragosto:
— Quero você de novo. Diana. — Holt. Ela disse o nome num suspiro dolorido que ecoava o desejo dele. Puxando-a mais para cima, a sua boca buscou o vale entre os seios, investigando preguiçosa e sensualmente cada sombra antes de acompanhar devagarinho a curva farta do seio até o bico rosa escuro. Os dedos enroscaram-se nos ombros dele, enquanto Holt deixava a língua explorá-lo a contento. Com interesse igualmente demorado, ele deu a mesma atenção ao outro seio.
Baixando-a, chegou até a cavidade da garganta, achando o ponto de prazer no pescoço que fez correr arrepios de deleite pela espinha dela. Mordiscou o lóbulo da sua orelha, e com beijos profundos percorreu cada uma das suas feições, deixando os lábios para o fim. Aí, começou a brincar com eles, até que tremessem de desejo de um beijo completo. Quando a beijou, uma chama contínua ardeu neles, mais quente e forte do que a combustão fogosa, porém breve, que marcara a união anterior. Desta feita, tudo foi em câmara lenta, como se quisessem saborear cada segundo precioso da gratificação dos seus desejos. Palavras teriam apenas estragado a adoração silenciosa dos seus corpos. 122
CAPÍTULO 10 As estrelas brilhavam como cristal no céu noturno. O silêncio reinante enquanto faziam amor continuava após o ato. Agora, tudo parecia errado. Os olhos perturbados de Diana ficaram vendo a forma escura de Holt movendo-se em volta dos cavalos. Quando ele se aproximou, trazendo os cavalos, ela começou a enfiar a blusa para dentro dos jeans. O seu cavalo está manco — declarou Holt, secamente. — Terá que montar o de Guy. A sua expressão fechada fez Diana se arrepiar. — É sério?
Caminhou até o cavalo, e coçou-lhe a testa. Não me parece; talvez um músculo distendido na perna dianteira esquerda. Inchou pouco, e ele não está se recusando a pisar, embora com pouca força. — Tendo dado a explicação, Holt entregou-lhe as rédeas do terceiro cavalo. — Tome. Vamos ter que voltar devagar, portanto é bom partirmos logo. Não houve referência ao motivo pelo qual haviam-se demorado. Holt parecia estar fingindo que não haviam feito amor. Diana também não conseguiu tocar no assunto.
Ao montar o terceiro cavalo, Diana colocou-o atrás do cavalo manco que Holt conduzia. Como este dissera, o ferimento do animal exigia que
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andassem mais devagar. Aquilo deu a Diana tempo demais para pensar. O que não era bom. Seus pensamentos teimavam em se fixar na figura esguia cavalgando a sua frente, um homem rude e indomável como a terra que estavam atravessando. Diana não saberia dizer quantos longos minutos se teriam passado, quando um cavalo rinchou na escuridão à esquerda deles. O cavalo de Holt relinchou em resposta. Ambos frearam, ao som de cascos que se aproximavam trotando. É o cavalo de carga murmurou Diana, quando ele ficou visível. — Deve ter-se sentido sozinho, e voltado para buscar a companhia dos seus iguais conjeturou Holt. Pegue a corda dele. Ele recuou ligeiramente, quando Diana tentou pegar a corda que pendia do seu cabresto, mas não tentou desviar-se uma segunda vez, enquanto afocinhava o pescoço do cavalo dela. Puxando atrás de si os dois animais fujões, recomeçaram a sua viagem de volta ao acampamento, um brilho distante de luz na escuridão da noite. A luz foi ficando cada vez mais viva. A várias centenas de metros de distância, Diana pôde enxergar as duas figuras ao pé do fogo: uma delas mirrada e encurvada, sentada bem junto do fogo: a segunda alta e ereta, de pé, fitando a escuridão, com a impaciência e a tensão estampadas na sua postura. Como pôde ter-se esquecido de Guy?
Desviou os olhos para os ombros largos de Holt. Montava tranquilamente. Não havia rigidez nos ombros, nenhuma indicação de que se estivesse preparando mentalmente para um encontro com o filho. Quanto tempo teriam ficado longe?, perguntou-se Diana. Tempo o bastante, tinha certeza, para deixar Guy desconfiado. Sentiu-se presa na teia das próprias emoções. Ao se aproximarem do acampamento, o ruído dos cavalos trouxe Guy ao encontro deles, em largas passadas, a expressão uma máscara irada de desafio. Agarrou os arreios do cavalo de Holt, para detê-lo pouco antes do local onde os animais seriam amarrados.
— Onde estiveram? — indagou, com veemência. — Pegando os nossos cavalos. Holt desmontou com uma despreocupação que causou inveja a Diana. Por que demoraram tanto?
Guy não ficou satisfeito com a resposta, e seus olhos apertados examinavam as feições serenas de Holt. — É. — Rube ecoou a curiosidade dele, acompanhando Guy, com passo mais vagoroso. — Praticamente tive que amarrá-lo para impedir que saísse
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atrás de vocês. Se não tivessem voltado agora, provavelmente ia ter que amarrá-lo mesmo. — O cavalo de Diana caiu — disse Holt, como se fosse este o motivo do atraso. Ao ver a expressão assustada e preocupada no rosto de Guy, a boca de Holt se encrespou num gesto irónico. Ela não se feriu acrescentou, antes que Guy pudesse dar um passo na direção da moça mas o cavalo, sim. Quer dar uma espiada na perna dianteira esquerda, Rube, e ver o que acha?
Passando as rédeas do cavalo ferido para Rube, Holt afastou-se para tirar a corda do cavalo de carga das mãos de Diana. Guy já estava do lado dela, ajudando-a a desmontar. Não havia jeito de evitar a solicitude dele. Está bem? — perguntou ele. Estou. Diana notou o tom irritadiço da própria voz. A última coisa no mundo que queria era falar sobre si mesma e sobre o que acontecera por lá. Mas, e quanto a você? Como está se sentindo?
Era o momento errado de entregar as rédeas e a corda a Holt. Diana percebeu a expressão de desprezo estampada nas suas feições, e empalideceu diante dela.
Estou bem, só uma dor de cabeça e um ombro machucado. Guy flexionou o braço direito, e fez uma careta. Você está parecendo gelada. Venha para junto do fogo se aquecer. Concordando que estava com frio, Diana deixou que ele a levasse até a fogueira. Nem Holt nem Rube os seguiram até que os cavalos estivessem preparados para dormir. Até lá, Diana teve que ouvir Guy relatar as apreensões que sentira quando soube que ela tinha ido atrás dos cavalos com Holt. Teve também que esconder a verdade... que o alarme dele se justificava. No momento em que Holt e Rube se reuniram a eles, Guy ficou calado. — Venha cá, Diana — ordenou Holt. Ela ficou rígida, consciente do olhar acusador que Guy lhe lançou, todas as suas dúvidas e temores voltando de roldão. Por quê? indagou, cautelosamente. Quero examinar o seu braço lembrou-lhe Holt, com secura, e ergueu o estojo de primeiros-socorros. O seu braço? repetiu Guy. O que há com o seu braço? Pensei que não estava ferida. Ralei o cotovelo. Diana já tinha até esquecido, o ferimento fora bastante insignificante. Não é nada sério. Mas tem que ser limpo e desinfetado insistiu Holt. Não podia negar o bom senso dele. Hesitou, quando ele se sentou ao pé do fogo, depois caminhou os poucos passos que os separavam para se ajoelhar
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ao seu lado, oferecendo o cotovelo esquerdo para que ele o examinasse. O toque impessoal dos seus dedos afastou a fazenda rasgada da manga da blusa. Diana fitou a fogueira, não a cabeça morena inclinada junto ao seu cotovelo. Holt se virou para abrir o estojo. — Tire o braço de dentro da manga. Era um pedido lógico, Diana sabia, já que os fragmentos rasgados da blusa simplesmente atrapalhariam a tentativa de limpar a ferida. Guy emitiu uma exclamação abafada de protesto, mas Diana já estava desabotoando a blusa e livrando o braço da manga. Como concessão ao pudor de Guy, puxou a parte solta da blusa sobre o seio, como se Holt não conhecesse o seu corpo mais intimamente do que Guy. Holt não prestou
atenção ao seu gesto. Com uma eficiência de tempo e técnica, limpou a ferida e aplicou-lhe desinfetante. Quando acabou, recolocou o estojo de primeiros-socorros no alforje. Diana ficou com a sensação de que acabara de ser tratada por um estranho. — Obrigada. Um pouco da frieza dele se refletiu na voz de Diana. Enquanto ela enfiava o braço na manga, Rube comentou:
Se quer a minha opinião, teve sorte de se safar só com um arranhão. Podiam ter-se machucado feio, caçando cavalos lá na escuridão. Eu achei que vocês não tinham um raio duma chance de encontrá-los, depois que o garanhão os dispersou. Quase caí de quatro quando vi vocês chegando e trazendo os dois bichos. É, acho que tivemos sorte admitiu Holt. Sorte? — Rube soltou um bufido. — Todos tivemos sorte. Sorte que todos os nossos cavalos não se mandaram para locais ignorados. Pensei que íamos ter que enfrentar um raio dum estouro quando aquele garanhão disparou por aqui. Não houve nenhum aviso prévio lembrou Guy. O garanhão nos pegou a todos despreparados. A astúcia dele foi incrível. Simplesmente chegou até a barricada e derruboua sem a menor hesitação. A seguir, nos atacou. Quando veio para cima de mim, pensei que ia me matar. Tentou até dispersar os nossos cavalos, para não podermos sair no seu encalço. — Não fique atribuindo inteligência a uma coisa que não passou de instinto — disse Holt. — O garanhão sabia que tinha entrado no barranco, e que a única saída era pela entrada. Atacou você porque, como a barricada, estava no caminho dele. Nossos cavalos simplesmente entraram em pânico, por causa da confusão. Não houve ataque. — Não deixa de ter um pouco de razão no que diz — admitiu Rube. 126
Mas não é necessariamente verdade que um garanhão selvagem não ataque, porque ataca. Está falando do diabo sobre quatro patas. Viu o que ele fez com o reprodutor do Major.
— Forte como esse garanhão branco é, por que não desafiou um dos outros garanhões bravios pela sua manada? Por que invadiu a nossa estância? nãofaz sentido, quando há éguas bravias espalhadas pelos morros — disse Guy. — Bem, pode haver uma resposta para isso, — Rube estava agachado ao pé do fogo, balançando-se nos calcanhares. — Quando eu era garoto, e caçava mustangs, a turma da velha-guarda contava que os garanhões selvagens melhores e mais fortes que tinham visto corriam desacompanhados de éguas. O pessoal achava que os garanhões desgarrados se consideravam bons demais para as éguas comuns. Pode ser que essa também fosse a opinião do garanhão branco, até que bateu o olho nas éguas puros-sangues do Major. Não existe um garanhão bravio que não tente roubar um pouco de gado doméstico, se tiver uma chance. Uma teoria e tanto falou Holt, com ceticismo irónico. — Eu não disse que era um fato — defendeu-se Rube. — Mas é o que me contaram. Pode ser papo-furado, não sei. Só passei adiante o que ouvi. Nunca aleguei que era a verdade. Verdade ou mentira, o fato é que vamos sair atrás das éguas ao alvorecer. Já houve conversa e agitação de sobra por uma noite — disse Holt. — Está na hora de tentarmos dormir um pouco. Ninguém discutiu a sugestão, muito menos Diana. As selas estavam colocadas ao redor do fogo, como descanso para cabeça. Diana deitou-se o mais perto possível do calor irradiante, jogando a manta de sela áspera e dura sobre os ombros. Ela, Guy e Rube trocaram votos de boa-noite, mas Holt ficou calado. Fechando os olhos, Diana tentou dormir, mas não podia afastar da mente os pensamentos que a invadiam. Dali a pouco Rube estava roncando, e a respiração vagarosa e regular de Guy indicava que, também ele, dormia. Durante muito tempo ficou ali deitada, o chão duro sob o corpo, o frio da noite gelando-lhe a pele. Tinha os olhos firmemente cerrados, mas não conseguia dormir. Houve um movimento, o ruído de alguém que se levantava discretamente. Ela ergueu os cílios imperceptivelmente. Através de fendas estreitas, os olhos de Diana viram Holt adicionar mais galhos à fogueira, depois ficar imóvel diante das chamas. A luz
bruxuleante colocava em relevo as suas feições másculas, um ar de profunda concentração endurecendo-lhe as linhas. 127
Bem suavemente, Diana se sentou. Mal fez barulho, no entanto a cabeça dele virouse bruscamente na sua direção. Sem se intimidar, ela foi reunir-se a ele.. — Também não está conseguindo dormir? — perguntou baixinho, para não acordar os outros. — Estava botando mais lenha no fogo. Aquilo não era resposta à pergunta. Envolvendo-se mais na manta de sela endurecida de suor, Diana tentou ignorar a frieza indisfarçável do ambiente. — Ainda não lhe agradeci por ter salvo a minha vida — disse. E, ante o ar de incompreensão dele, explicou: — Quero dizer, quando me empurrou para fora do caminho do garanhão. Esqueci de agradecer-lhe por isso. — Esqueceu? — O olhar insultante com que percorreu o corpo dela parecia dizer que os seus agradecimentos tinham sido dados com atos, não palavras. Ela não conseguiu controlar o estremecimento da mágoa que a sacudiu. — Frio? perguntou Holt, com indiferença. — Claro. Foi uma resposta abrupta, sublinhada pelo orgulho rígido que não pedia nada dele, nem mesmo compaixão ou interesse. Sempre pode ir deitar ao lado do Guy. Estou certo de que ficaria encantado pela chance de mantê-la aquecida. Os olhos se encheram de lágrimas, raiva e mágoa se misturando. Como pode sugerir que, depois de deixá-lo fazer amor comigo, eu vá dormir com o seu filho? Que tipo de mulher acha que sou? — indagou, com voz tensa. — Virou o meu filho contra mim. Quer mesmo que eu responda a esta pergunta, Diana?
Então por que... lá no mato... nós... você...
Holt entendeu a confusão que ela estava tentando verbalizar, e virou-se para olhar para ela. Acha que não estou desejando agora que, quando o seu cavalo caiu, eu tivesse posto a mão no seu lindo pescoço — enquanto falava, a mão fazia o que descrevia, o toque frio no seu pescoço paralisando Diana — e colocado o polegar sob o seu queixo? Só um pouquinho de força e poderia tê-lo quebrado e posto a culpa no tombo. Com você morta, talvez eu tivesse uma chance de recuperar o meu filho. Ao invés disso, fizera amor com ela, e Diana podia ver o quanto estava arrependido. Olhando naqueles olhos cinzentos e frios, sentiu medo. Ele era tão controlado, dominava completamente as suas emoções. 128
Por que não o faz agora? Tinha que desafiá-lo. A pressão do polegar no seu queixo aumentou ligeiramente, mas Diana não recuou, nem desviou os olhos dos dele. Um clarão perpassou pelos olhos de Holt. Divertimento cínico? Admiração relutante? Foi fugaz demais para que ela o identificasse. A pressão diminuiu um segundo antes da mão se afastar da garganta da moça. — Você debocharia do próprio diabo, se ele lhe dissesse que não podia ter o que queria — falou Holt, com um suspiro cansado. — Vá dormir, Diana. Deu-lhe as costas e caminhou até a sua própria cama improvisada, deixando-a com pouca escolha, salvo fazer o mesmo. Toda enroscada, Diana fitava as chamas. Holt fê-la parecer tão auto-suficiente. Gozado, não se sentia assim. Uma hora depois do alvorecer, Rube estava abafando as brasas da fogueira com areia. Os cavalos estavam todos selados. Como o cavalo de Diana ainda dava sinais de sentir a perna esquerda, o único que sobrava para ela montar era o de carga. Não era um animal que escolheria por gosto, mas as únicas outras alternativas eram andar ou cavalgar junto com outra pessoa. Diana optou pelo desconforto relativo do cavalo de carga. O que vamos fazer? perguntou Guy, depois de montado. Vamos voltar para o bebedouro?
Não. Já assustamos o garanhão, então é melhor mantê-lo correndo declarou Holt. Vamos segui-lo a partir daqui. — Não vamos voltar para o nosso acampamento? — protestou Guy. — Nós, não. O Rube vai corrigiu Holt, e virou-se para o homem mais velho. Pegue o cavalo de Diana e carregue-o com o que achar que ele agueata, sem forçá-lo demais. Vamos encontrá-lo... — Pelo amor de Deus, Holt! — interrompeu Guy, zangado — Desde o meio-dia de ontem que não comemos. Não podemos sair no encalço daqueles cavalos de barriga vazia. Temos que voltar para o acampamento e comer. Hesitando antes de dar uma resposta, Holt correu o olhar pelos três. Diana concordava com Guy. Já estava começando a se sentir ligeiramente tonta de fome, mas ficou calada. — Está bem — concordou. — Vocês três voltem para o acampamento, comam, e dividam tudo que o cavalo não puder carregar entre si. Tome o binóculo. — Holt entregou o estojo para Rube. — Vou seguir o rastro do garanhão. Encontrem um ponto de observação alto e procurem me ver. O
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mais provável é que o garanhão fique circulando por perto do bebedouro, portanto estarei em algum lugar próximo de vocês. Depois disso, o grupo se dividiu, os três cavalgando em direção ao desfiladeiro a vários quilómetros de distância, e Holt examinando o chão para ver se encontrava os rastros do garanhão bravio e suas éguas. O cavalo manco fazia com que os três outros cavaleiros não pudessem andar muito depressa. — Por que vocês dois não vão na frente? — sugeriu Rube, depois que já tinham andado cerca de um quilómetro e meio. — Já podem estar com o café pronto, quando eu chegar. — Boa ideia, Rube — concordou Guy, alegremente, e enfiou as esporas nos flancos do cavalo, para que se pusesse a meio-galope.
O cavalo de carga de Diana seguia-o pesadamente, a sua andadura deselegante não contribuindo em nada para aliviar o enjoo do estômago vazio da moça. Percorreram a meiogalope metade da distância, e trotaram o resto do caminho, uma experiência igualmente árdua para Diana. Porém aquilo praticamente impedia a conversa. Diminuindo a velocidade ao entraram no barranco onde tinham acampado, ambos viram a destruição ao mesmo tempo, e frearam os seus animais. Meu Deus! O que aconteceu? Guy olhou à sua volta, atónito e incrédulo. Quem sabe foram os coiotes — sugeriu Diana, enquanto ele desmontava. Acho que não. — Sacudiu a cabeça. — Olhe só para isso. Diana saltou da sela para olhar para os rastros que ele mostrava. Eram de cavalos, sem ferradura, o que significava selvagens. Olhou fixo para eles. Foi aquele garanhão selvagem que fez isso declarou Guy. Por quê? perguntou ela. Depois, insistiu: É impossível. É? retrucou ele. Diana sacudiu a cabeça, confusa. Vamos ver o que ainda se pode aproveitar. A destruição não fora tão séria quanto parecera a princípio. Os sacos de dormir tinham sido chutados e espalhados por todo o canto. Tiveram que ser sacudidos, para tirar a areia, e enrolados de novo. Os suprimentos também pareciam ter sido atingidos por um furacão. Excetuando algumas massas, os utensílios de cozinha não tinham sido danificados. Contudo, os alimentos não tinham tido a mesma sorte. Diana estava de joelhos, tentando salvar o que podia da farinha derramada do saco, quando Holt e Rube apareceram. Não ficou surpresa ao ver Holt, já que ele estava no rastro do garanhão. 130
— O garanhão esteve aqui anunciou Guy. — Destruiu praticamente todas as nossas provisões. A sua atitude desafiava nitidamente Holt para arranjar uma explicação para aquilo. A coisa foi muito ruim? — perguntou Holt a Diana. — Já estávamos mesmo com pouca comida; agora quase não sobrou nada. O bastante para duas refeições, quem sabe respondeu a moça.
Holt se mexeu na sela, olhando à sua volta como se esperasse ver o garanhão branco olhando para eles e rindo. — Vai preparar o café? quis saber Rube. Já estava com a boca pronta para engolir umas panquecas. Aposto que aquele maldito garanhão arruinou o meu plano. Acha que fez de propósito?
Cheiro de gente — disse Holt. — Ele trouxe as éguas direto do barranco para cá, para beber água. Provavelmente sentiu o cheiro das nossas coisas e ligou-o com o mesmo cheiro que o havia aprisionado. — Ontem à noite ele tentou afugentar os nossos cavalos argumentou Guy. — Agora, praticamente acabou com as nossas provisões. Está querendo dizer que o garanhão não sabia o que estava fazendo?
Nossos cavalos entraram em pânico, ontem à noite — rebateu Holt. Teriam agido do mesmo modo, se fosse gado bovino a estourar de dentro daquele barranco. O garanhão não escolheu a nossa comida a dedo. Era o material mais perecível. Não foi astúcia, Guy, foi instinto. A mim me parece que o Holt tem razão concordou Rube, e Guy deu meia-volta e se afastou, chateado. Já vi um cavalo selvagem pisotear e fazer em pedaços o couro de um puma. O bicho nem estava ligando para o fato de ser apenas o couro e não um animal de carne e osso. Parece que o garanhão branco fez a mesma coisa, aqui — Rube desmontou, sacudindo a cabeça, e olhou para Holt, com leve indignação. — Ora, já se viu uma coisa dessas? O Guy estava tão morto de fome, mas nem começou a fazer uma fogueira. Parece que sou o único aqui que sabe acender uma fogueira. Nunca fica pronta, se não sou eu que faço. Por que não acende a fogueira e cala a boca, Rube? — resmungou Guy. — Não queira rosnar para mim, seu fedelho. — Rube ficou irritado. Uma coisa é o seu pai me mandar calar a boca, ele... — É, eu sei — interrompeu Guy, com amargura. — Ele é o manda-chuva, por aqui. — Agora chega, Guy — a voz de Holt cortou os ares, com firmeza. 131
Diana olhou apreensiva de um para o outro. Era a primeira vez que a relação desgastada entre pai e filho se expunha quando outra pessoa, além dela própria, estava presente. Prendeu a respiração, esperando para ver se o atrito se transformaria numa explosão violenta. Guy se afastou, murmurando:
— Vou ajudá-lo com a fogueira, Rube. Espere aí um minuto disse Rube. Não há necessidade de fazer a fogueira até que Diana nos diga se a gente vai ter comida ou não. Não vou ficar só treinando. Acho que tenho o bastante para uma pilha de panquecas para cada um respondeu ela à pergunta indireta. ”Holt saltou da sela. Guy, deixe o Rube acender o fogo enquanto você e eu guardamos os equipamentos. ’Tá vendo? O que foi que falei? Sou o único aqui que sabe fazer um raio duma fogueira — resmungou Rube, sem se dirigir a ninguém em especial, enquanto se dirigia para o círculo enegrecido de cinzas das fogueiras anteriores. Embora Diana estivesse com muita fome, a comida não tinha gosto de nada, para ela. Forçou-se a comer, assim mesmo, pois sabia que precisaria da nutrição, até o fim do dia. Correu os olhos pelo círculo, vendo os outros comerem em silêncio. Como todo o equipamento deles tinha ficado nesse acampamento, na véspera, nem Holt nem Guy tinham-se barbeado, de manhã. Desde que chegaram, nenhum deles se ocupara disso. As sombras de uma barba escura por fazer acentuavam as feições rudemente esculpidas do rosto de Holt, dando-lhe um ar austero e ameaçador. O fato de Guy ser louro tornava menos evidente a sua barba por fazer. Quanto a Rube, não se barbeava desde que deixaram a estância. Passava quase todo o tempo coçando os pêlos grisalhos. Formavam um grupo de aparência não respeitável, esmolambados e cobertos de poeira. Diana tomou consciência de como seria a sua própria aparência: cabelo despenteado, sem maquilagem, tão empoeirada quanto os demais. A manga da blusa estava rasgada no cotovelo. A única outra blusa que possuía era a que Holt tinha rasgado. Com um suspiro, Diana constatou que nada poderia fazer a respeito, mesmo se tivesse vontade, não quando Holt estava tão ansioso para se pôr a caminho.
Guardaram o resto do equipamento quando a refeição acabou. Embora o capão árabe que Diana cavalgara antes não parecesse tão manco, a carga que
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levava era decididamente leve, o resto das coisas divididas igualmente entre todos. E Diana montava o cavalo de carga. Rube já deixara o acampamento do barranco para descobrir o rastro do garanhão, quando Holt entregou a ela a corda para puxar o capão. — Quando alcançarmos o garanhão, dê um jeito de ficar junto com a gente ordenou. Não vá se perder, porque não quero ter que ir à sua procura. não quero que venha à minha procura retrucou, consciente do duplo sentido da resposta. Por que Diana tem que puxar o capão? perguntou Guy, sempre disposto a provocar briga por qualquer coisa. O Rube que o puxe. Os lábios de Holt se estreitaram. Em primeiro lugar, o cavalo de Diana é mais lento do que os nossos, e assim um cavalo manco não vai atrapalhá-la tanto. Em segundo, pode ser que tenhamos que cavalgar feito loucos atrás daqueles cavalos. Não quero que ela quebre o pescoço. Não pensei que isso o chatearia ironizou Diana. Na verdade, pensei que ficaria muito contente em livrar-se de mim. Ele lhe lançou um olhar frio. Não me agrada a ideia de levar o seu cadáver para o Major. Sei. Sentava-se rigidamente na sela. Não é o fato de eu morrer que o incomodaria. É ter que enfrentar o Major. É isso mesmo disse ele, bruscamente, e saltou para a sela. Que diabo, Holt! xingou Guy, mas aquele já dirigia o seu cavalo para perto de Rube.. Deixe pra lá, Guy. Agora que Holt se afastara, todo o seu orgulho empertigado a abandonara, numa onda de cansaço.
— Mas... — Não me importo de fechar a retaguarda. Depois do tombo que levei ontem à noite, a última coisa que desejo é sair em disparada aí por essas montanhas. Não tinha nada a ver com a verdade, mas era uma desculpa excelente. E Guy a aceitou. — Não pensei direito desculpou-se. — Tudo bem. Dando um puxão na corda do cavalo manco, Diana instou-o a segui-la, enquanto saíam atrás de Holt e Rube. 133
Não iam depressa, e Diana não teve dificuldade em acompanhá-los enquanto seguiam o rastro do bando de cavalos. Pouco antes das dez horas, enxergaram a pequena manada pastando numa encosta pontilhada de juníperos. Como da primeira vez, o garanhão estava um pouco afastado, vigiando, alerta, porém descontraído. Lá está ele sussurrou Guy, um som excitado e trémulo que combinava com a expressão embevecida do seu rosto. Se o garanhão não se desviar do padrão dizia Rube, em voz baixa, inclinando-se na sela na direção de Holt — quando você o atacar, vai correr para a esquerda e circular de volta para o desfiladeiro. Podemos correr atrás da manada em rodízio. Mais cedo ou mais tarde, o garanhão vai abandonar as éguas e se mandar sozinho, esperando despistar-nos. É quando poderemos recuperar as nossas éguas. — Está certo. — Holt concordou com a proposta. Vou começar a fazêlos correr aqui. Você e Guy se posicionem com cinco ou sete quilómetros de intervalo um do outro, ao longo do caminho que acham que o garanhão vai seguir. Você fica aqui, Diana. Se o Rube tiver razão, o garanhão vai voltar para cá. Voltou a fitar os outros dois. — Quem estiver acompanhando a manada quando o garanhão se mandar deverá segui-lo, e mantê-lo correndo enquanto os outros pegam as éguas. O cavalo de carga que Diana montava quis seguir os outros cavalos, quando se afastaram levados pelos cavaleiros, mas ela o segurou. Rube e Guy se mandaram para a esquerda, enquanto Holt se dirigiu para a manada.
Da sua posição privilegiada, viu Holt seguir devagarinho por um rego seco, deixando a areia macia abafar o ruído dos cascos do seu cavalo. Quase não havia brisa. Quando ele se acercou da encosta, ela viu o garanhão ficar totalmente alerta, as orelhas empinadas na direção de Holt. Quando este entrou no campo de visão do animal, o garanhão branco não bufou em sinal de alarme, para debandar as éguas. Ao invés disso, relinchou um desafio estridente, a longa cauda cor de marfim bem ereta. Marchando, saltitante, o garanhão veio ousadamente para cima do adversário. Meu Deus murmurou Diana, o pulso acelerando de medo. Vai atacá-lo. Holt não podia deixar de ter notado a reação fora do comum do garanhão, mas continuou impelindo seu cavalo para a frente, sem refrear seu meio-galope. Trinta metros os separavam quando o garanhão deu meia-volta, o recuo passando a ser mais sensato do que a bravura. Rinchando e mordendo as éguas, forçou-as a se agruparem, e dispararam como se fossem um só. Novamente
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a égua amarelada tomou a frente, enquanto o garanhão fechava a retaguarda. Os cavalos dispararam para longe de Holt, como se ele estivesse imóvel. O cavalo galopava, mas Holt não o esporeou para correr desabaladamente. Contudo, não perdia de vista o bando selvagem. Desapareceram do outro lado da encosta. De pé nos estribos, Diana tentava enxergá-los, esperando que aparecessem pela esquerda, onde Rube dissera que o garanhão os conduziria. Dali a minutos, enxergou-os, as éguas correndo, o garanhão branco marchando, descansadamente, atrás delas. Logo os perdeu de vista, e somente as nuvens de poeira marcavam o seu rumo. Diana esperava, o coração batendo forte de emoção, desejando estar participando da caçada. Um tempo interminável se passou, tanto que Diana chegou a pensar que algo dera errado. E então, à sua direita, viu-os aparecerem no topo de um outeiro, vindo na sua direção. A égua amarelada ainda vinha na frente, mas correndo pesadamente. Evidentemente cansadas, as duas outras éguas estavam sendo brutalmente forçadas pelo
garanhão, que arreganhava os dentes e mordia-as com selvageria ao menor sinal de retardamento. Rube vinha galopando firme atrás deles, mais perto do que Holt estivera. As éguas passaram por ela a menos de 15 metros, espumando e arfando. A andadura do garanhão ainda parecia descansada, enquanto forçava implacável o seu harém. O pêlo estava suado, manchado de pó, não mais um branco lustroso. As narinas amplas estavam distendidas para sorver o ar em grandes haustos. Não ia aguentar muito aquele ritmo. Aproximando-se da encosta onde foram avistados pela primeira vez, tiveram que cruzar o rego que Holt usara. Não parecia ter mais de um metro e vinte de largura. A égua amarelada diminuiu a velocidade, tomou impulso e saltou-o lindamente. As duas purossangues a seguiram. A margem desmoronou sob uma delas, mandando-a para o fundo, aos trambolhões. Era a jovem égua premiada, Cassie. Lutou para se pôr de pé. O garanhão hesitou na outra margem, depois olhou para o cavaleiro no seu encalço. Com um repelão irado de cabeça, deixou a égua caída e seguiu atrás dos dois membros remanescentes da sua manada. Eu pego a égua! Diana gritou para Rube. Vá em frente!
Com um aceno de mão, ele indicou que a escutara. Não tentou saltar o rego; entrou no leito seco e depois subiu pela margem oposta. Quando Diana chegou ao rego, puxando o capão ferido, a égua acabara de se pôr de pé, abalada mas aparentemente incólume. Depois de uma tentativa
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cansada e desanimada de fugir de Diana, a égua ficou parada enquanto Diana lhe passava uma corda ao redor do pescoço. Estava conduzindo os dois animais de volta a sua posição quando ouviu um grito. Olhando por cima do ombro, viu Holt e Guy vindo a meio-galope em sua direção. Holt fez um gesto para o bando em fuga, gritando algo que ela não pôde ouvir. Diana virou-se na sela, de pé nos estribos. Como Rube previra, o garanhão branco abandonara as éguas. Quebrando o seu padrão de comportamento, desviara-se para a direita, perseguido por Rube. A égua
selvagem amarelada continuava disparada, mas a égua árabe mais idosa, Nashira, já reduzia a velocidade. Imediatamente, Diana compreendeu o sinal de Holt, e seguiu-os trotando, enquanto ele e Guy saíram no encalço da égua. Pegaram-na com a mesma facilidade com que Diana laçara a outra égua. Quando Diana parou junto deles, Holt já desmontara e fazia um cabresto tosco com a corda no focinho da égua. Fez o mesmo com a corda à volta do pescoço da outra égua. Vamos pegar o Rube falou. O garanhão bravio estava entrando em terreno árido, ainda perseguido. Rube estava cego aos que o seguiam, enquanto continuava no encalço do animal. O braço de Diana doía de tanto puxar as cordas dos cavalos, mas não podia desistir. Subindo um morro íngreme, chegou a um platô. Guy e Holt não estavam muito longe. Para além deles, podia ver Rube e a forma branca do garanhão. Rube finalmente olhou para trás e parou, esperando que eles o alcançassem. Quando Holt e Guy chegaram junto dele, realizaram uma conferência animada. Diana franziu o cenho, sem entender o porquê, até que se reuniu a eles. — O garanhão está encurralado disse-lhe Guy. — Não há como sair deste platô, exceto passando por nós. Podia vê-lo movendo-se inquieto de um lado para o outro, para além deles. Ela se virou para Holt. O que vai fazer?
Deixar que ele se vá. Já o expulsamos da sua área. Talvez não volte. Podíamos pegá-lo insistiu Rube. Está cansado, estou-lhe dizendo. Guy e eu podemos laçá-lo, e você o pega pelos calcanhares. Será uma barbada. Nunca mais teremos uma chance igual. E para que você quer um garanhão selvagem, Rube? perguntou Holt, sombriamente. Não serve para nós. Teríamos que matá-lo, antes de domá-lo. Já temos o que viemos buscar. Vamos levar as éguas de volta para a estância. 136
— Estou-lhe dizen... Olhem! Guy apontava para o garanhão. Mas é suicídio!
O garanhão desaparecera pela beira do platô, em meio a uma cascata de pedras soltas. Todos correram para o local onde ele sumira, parando os cavalos pertinho da beira. Na metade da encosta quase perpendicular de rochas de argilito, estava o garanhão branco, escorregando sentado. Uma avalanche de pequenas pedras anulou o pouco equilíbrio que o animal possuía. Caiu, rolando até o fim do caminho. Se sair dessa sem uma perna quebrada resmungou Rube juro que... O garanhão jazia no sopé da encosta, imóvel. Está morto falou Guy, engasgado, e Diana engoliu com dificuldade, com a garganta apertada. E então ele mexeu a cabeça, levantando-a. Dali a um segundo, debatia-se para se pôr de pé. Com uma sacudidela vigorosa que espalhou poeira, o garanhão se ergueu. Deu alguns passos, e logo começou a andar do seu jeito especial. Andava devagar, um pouco pesadamente, mas estava incólume. Diana soltou a respiração atónita que estava prendendo. — Viram aquilo?!! — exclamou Guy. Meu Deus! Como foi que conseguiu?!
— Não vi um arranhão naquele couro branco! — declarou Rube. — Achei que ele ia quebrar o pescoço, na certa — acrescentou Guy. Uma pena que não tenha quebrado falou Holt, secamente, nem um pouco impressionado pelo milagre que acabara de testemunhar, junto com os outros. Não fala a sério protestou Diana. Falo. Tenho o pressentimento de que aquele garanhão vai voltar. O modo como Holt olhava para o garanhão branco lembrava a Diana um caçador vendo a sua presa lhe escapar. Havia uma certa despreocupação, uma certeza de que ele e o mustang voltariam a se encontrar. Mas essa impressão era ridícula. Diana afastou-a da cabeça. Holt não tinha interesse no garanhão. Viera apenas buscar as éguas. — Por que ele agiu assim? perguntou Guy, ainda atordoado com o que vira. — O garanhão estava encurralado, e sabia disso — explicou Rube.
— Mas descer o platô daquele jeito? Guy balançava a cabeça. — Os mustangs fazem praticamente qualquer coisa para evitar serem aprisionados. Saltam de despenhadeiros, mergulham em rios caudalosos. 137
Alguns deles simplesmente preferem a morte à corda de um cowboy. Holt afastou o cavalo da beira e foi voltando pelo mesmo caminho que haviam trilhado para chegar. Os outros o seguiram, Rube ainda contando as suas histórias. — Quando eu caçava mustangs, ouvi falar de cavalos bravios que se recusavam a comer ou beber depois de aprisionados. Todo aquele feno e água na frente deles, e deixavam-se morrer. Um cara me contou da vez em que laçou um garanhão bravio. Ele e mais dois outros sujeitos estavam levando o bicho para a estância deles. Tinham que atravessar um riachinho. O cara jurava que o riacho não tinha mais do que quinze centímetros de água. Bem, ele falou que o tal garanhão bravio enterrou o focinho na água e eles não conseguiram levantá-lo. O bicho se afogou, se afogou em quinze centímetros de água. E outro sujeito me contou de um cavalo selvagem que ficou preso num pântano. El... Diana não estava prestando atenção às histórias. Estava-se lembrando daquele instante em que o garanhão se pusera de pé, depois de Guy ter afirmado que estava morto. Holt dissera que o garanhão voltaria. Será que sim?
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CAPÍTULO 11 O céu do ocidente estava rajado cor de fúcsia quando avistaram os prédios da estância. Os cavalos apressaram o passo, dirigindo-se céleres para a promessa de aveia, água e descanso. Também cansada e com fome, Diana duvidava se seria capaz de ficar na sela mais outra hora.
Um comité de recepção de empregados da estância foi esperar a chegada, cheio de perguntas. Diana ignorou-as todas, deixando que os outros respondessem. Deu um sorriso cansado de agradecimento ao homem que veio pegar o seu cavalo. O Major disse que sabe que estão querendo se lavar primeiro, mas que depois é para irem todos para a casa grande, Holt falou Floyd Hunt. E disse para não perderem tempo comendo. Lá vai ter um montão de comida na mesa. — Obrigado. — Holt meneou a cabeça. Os olhos pareciam anos mais velhos do que o corpo, quando lançou um olhar para Diana. Diga ao Major que estaremos lá em menos de meia hora. — Está bem. Dirigiu-se para a casa grande, sustentando-se nas pernas exaustas de montar. O Major estava na sala de estar. Ergueu os olhos e sorriu quando a porta de tela bateu às costas de Diana. 139
— Como foi a caçada aos cavalos? perguntou, adicionando cubos de gelo a um copo. Ela inspirou fundo, depois respondeu simplesmente: — Bem-sucedida. Quer tomar alguma coisa? ofereceu. Uma dose de uísque com gelo respondeu, sem hesitar. Pegando uma garrafa de cristal de uma bandeja, jogou uma dose da bebida cor de âmbar sobre os cubos no copo. — Está com uma cara horrível comentou, levando o copo até ela. — Obrigada disse, com um sorriso retorcido. Quando os rapazes me contaram que vocês vinham vindo, mandei Sophie apressar um banho quente de espuma para você. Já está à sua espera. Não admira que as pessoas me acusem de ser mimada. Diana deu uma breve risada e beijou o rosto dele. Tomou um trago da bebida e dirigiu-se para o quarto, desabotoando a blusa suja e empoeirada pelo caminho. Quem disse que você é mimada? perguntou o Major, indo atrás dela.
Segurando o copo numa das mãos, conseguiu tirar a blusa, e jogou-a no chão do quarto. Sem se deter, continuou até o seu banheiro particular, que estava perfumado e embaçado pelo vapor da banheira cheia. Holt, por exemplo — respondeu. Colocando o copo sobre o tampo de mármore da pia, começou a tirar o resto das roupas. Quer o seu robe? perguntou o pai, do quarto. Quero retrucou Diana, entrando na montanha de espuma que encimava a água. Quer dizer que o Holt acha que mimei você comentou o Major, enquanto trazia o robe e pendurava-o no gancho da porta. — Vocês dois passaram o tempo todo de implicância um com o outro enquanto estiveram fora?
Enterrada até o pescoço na espuma, Diana fechou os olhos, tentando apagar a lembrança do que acontecera entre ela e Holt. Não se importa? Prefiro não falar nele. Passaram fora mais tempo do que eu esperava disse ele, mudando de assunto. — É — Diana soltou um suspiro, quando a água quente relaxou seus músculos doloridos. — As éguas estão bem?
Cassie está com duas mordidas feias na anca. As duas estão um pouco magras, mas, tirando isso, estão bem. 140
Pensei ter visto um cavalo mancando. Era o meu. O Holt acha que distendeu um músculo, porém não é nada sério. Como foi? indagou ele. E como machucou o seu cotovelo?
— Levei um tombo. Meu cavalo escorregou e caiu. Dei uma belíssima cambalhota por cima da cabeça dele. Diana sorriu ante a ruga de preocupação que apareceu no rosto do pai. Não é a primeira vez que levo um tombo, Major. É, acho que não — concordou ele.
— Que tal andaram as coisas aqui pela estância enquanto estávamos fora?
Bem. Não tivemos nenhum problema. — E Fath, o garanhão?
Está se recuperando, e indo bem, até agora. Ainda é cedo demais para saber até onde vai recobrar o uso da perna dianteira. Pode ficar aleijado, mas ainda levará algum tempo para sabermos ao certo. Chega de conversa. Sorriu. Fique aí relaxando na banheira, por algum tempo. Quando acabar, venha para a sala de jantar. A Sophie está preparando uma montanha de sanduíches. Quando ele se virou para sair, Diana se lembrou. Já ia me esquecendo de lhe avisar: o Holt falou que apareceria dentro de meia hora. Ele balançou a cabeça, acusando o recado. Depois, se retirou. Diana ficou relaxando na água perfumada, apagando todo e qualquer pensamento, aproveitando apenas o prazer sensual do banho. Depois, Diana enrolou uma toalha no cabelo lavado, fazendo um turbante no alto da cabeça. Parando diante do espelho, passou rímel nos cílios escuros, espessos e recurvos, e aplicou uma camada de batom coral nos lábios. Amarrou o cordão do robe ao redor da cintura e foi descalça para a sala de jantar. O Major recebeu-a com um olhar avaliador e sorridente. Muito melhor. Também me sinto melhor. Mas a sua resposta se perdeu no barulho ressoante de passos na varanda. Dali a um instante Holt entrou, seguido por Guy e Rube. Os olhos cinzentos pousaram nela primeiro, antes de dirigirem a atenção para seu pai, e Diana sentiu imediatamente que todos os seus nervos se retesavam. Os três homens tinham tomado banho, mudado de roupa e se barbeado. 141
Holt parecia descansado e cheio de vida, não dando nenhum sinal de ter passado a maior parte dos últimos quatro dias numa sela. Mas Diana notou que a marca no seu
maxilar tinha adquirido uma tonalidade azulada. O Major precisaria ser cego para não enxergá-la. Indicou-a com um gesto e riu. — E como está o outro sujeito, Holt?
Neste exato instante, Guy se virou, e o Major viu o lábio rachado e a face machucada. O olhar dele voltou-se para Holt, viva e silenciosamente indagador. — Passamos uns dias encrencados, Major — intrometeu-se Rube. — O Guy sofre uma queda. O Holt dá de cara nalguma coisa. A Diana rasga a blusa num arbusto. O garanhão branco tenta fazer os nossos cavalos debandarem, depois destroça o nosso acampamento e destrói a nossa comida. Desde o meio-dia que não como. Isso tudo é verdade?
O Major franzia a testa, enquanto Rube contava os feitos do mustang. Ligeiramente floreado disse Holt. O que... Interrompeu-se. As explicações podem esperar. Sophie já botou a comida na mesa. Vamos comer. Quando Diana chegou à mesa, Guy já estava lá, segurando a cadeira para ela. O seu olhar brilhava ardentemente, e ela baixou os olhos diante dele. Enquanto empurrava a cadeira para perto da mesa, debruçou-se para ela. — Está linda — murmurou Guy, junto ao seu ouvido — como uma rainha. — Obrigada. Diana evitou cuidadosamente olhar na direção de Holt, enquanto Guy se sentava ao seu lado. A princípio, ninguém falou, todos concentrados em encher a barriga vazia. O Major esperou pacientemente, até que não aguentou mais de curiosidade. — Falem-me do garanhão. Tem uns quinze palmos, todo branco, boa conformação, e está acompanhado de uma égua amarelada. Anda marchando acrescentou Holt, como se não fosse coisa importante. — Ele o quê?
Diana compreendeu o ar incrédulo no rosto do pai. Todos haviam experimentado a mesma surpresa espantosa, ao verem-no com os próprios olhos. — O raio do garanhão anda mesmo marchando — confirmou Rube. Corremos atrás dele por mais de quatro horas, hoje, e nem uma vez ele mudou de andadura. Devia tê-lo visto, Major, rolando de lado a lado, como um raio duma cadeira de balanço. Era um espetáculo. Vocês estão falando a sério, não estão? — indagou o Major. 142
Completamente disse Holt, servindo-se de mais salada de batata. — É o Garanhão Branco Marchador revivido... isso é o que é — declarou Rube. — Já ouviu histórias a respeito dele, não ouviu, Major?
O Garanhão Branco Marchador? Sim, claro que ouvi. Recostou-se na cadeira, parecendo avaliar a informação. Ele existiu mesmo? indagou Guy, com ceticismo. Sim, existiurespondeu o Major, e continuou: — Mas sempre fui da opinião de que havia mais de um garanhão branco que andava marchando. As crónicas do Oeste estão cheias de histórias sobre o Garanhão Branco Marchador. Referiam-se a ele sob vários nomes: o Mustang Branco Marchador, o Corcel Branco das Planícies e assim por diante. Têm que entender que, no Velho Oeste, os cavalos brancos não eram uma raridade. — Mas um cavalo que andava marchando? — Guy sacudiu a cabeça, apegando-se à sua incredulidade. A maioria dos cavalos da América do Norte descende do gado equino espanhol. Os espanhóis tinham um rebanho de marchadores naturais que, ao que consta, andavam dessa maneira com a mesma velocidade com que outros cavalos galopavam. Acredita-se que os extintos cavalos Narragansett da Costa Leste foram descendentes de um garanhão espanhol. Na verdade, essa raça marchadora da Espanha foi melhor conservada na América do Sul do que aqui. Li, nalgum lugar, que esses cavalos sul-americanos eram em geral de cor clara... cinza, palomino ou branco... com couro preto — disse o Major, como comprovação, e fez
uma pausa. — Portanto, Holt, a sua teoria é que este garanhão branco descende daquela raça espanhola. A teoria não é minha, é do Rube replicou Holt. Porém, depois do que o senhor falou, parece razoável. — Uma teoria fascinante. Gostaria de tê-lo visto declarou o Major. — Duvido que vá ter uma chance, agora. Nós o perseguimos até o Utah. As palavras de Rube foram abafadas pela boca cheia de sanduíches. — Chegamos perto da fronteira, não sei se a cruzamos. Holt não ia deixar Rube exagerar a extensão da perseguição. — Mas você acha que o garanhão vai voltar — disse Diana, lembrando ao Holt o seu comentário no platô. Holt pareceu relutante em responder, mas finalmente admitiu, friamente:
É, acho que vai. Lançou um olhar para o Major. Acho melhor mantermos todas as éguas perto do pátio da estância, durante cerca de uma semana. Faça o que achar necessário disse ele. — Com Shetan morto e Fath ferido, vamos precisar de um novo reprodutor. Holt mudou de assunto. Vou começar a dar uns telefonemas
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amanhã para ver o que posso encontrar. Dependendo do que estiver disponível, ou alugo ou compro um garanhão. Diana olhou-o fixamente, dando-se conta de que Holt não consultara o Major sobre o seu plano, nem lhe pedira permissão. Simplesmente informara o seu pai do que iria fazer. A discussão centralizou-se nos méritos de várias linhagens. Diana não tomou parte, com a declaração de Holt incomodando-a. Disfarçadamente, estudou o pai. A idade e a doença tinham deixado as suas marcas. O Major não era mais o homem forte e indomável da sua juventude. Os cabelos escuros estavam a cada dia mais grisalhos, a pele bronzeada adquiria uma palidez acentuada, a
antiga linha firme do seu maxilar já se apresentava caída. As mãos eram sacudidas por pequenos tremores. Ela havia imaginado que ele se recuperaria. Agora, Diana percebia que jamais voltaria a ser o homem que fora. Havia lampejos da sua antiga personalidade, mas eram sombras sem substância. O Major passara o seu comando a um estranho, e se tornara uma mera figura decorativa. Pareceu-lhe subitamente um homem patético, e o coração dela confrangeu-se ante a mudança. Era velho, fraco e doente. Sentiu um ímpeto de escondê-lo dos olhos dos outros. Diana interrompeu a conversa. — Está ficando tarde, Major. E imediatamente sentiu-se como uma mãe lembrando ao filho que era hora de dormir. O quê? Olhou-a vagamente, por um instante. Ah, é verdade. A refeição tinha terminado. Não havia mais motivo para os outros se demorarem. Holt entendeu a indireta e afastou a cadeira da mesa, pondo-se de pé. Vai nos dar licença, Major. Acho que vamos dormir, a não ser que haja mais alguma coisa que queira discutir comigo. Diana irritou-se com as palavras condescendentes, com o fingimento de que o Major ainda estava à testa de tudo, quando Holt sabia que não estava. A quem achava que estava enganando?
Não, acho que não há respondeu o Major, com o cansaço aparecendo. — O Floyd pode pôr você a par de tudo. Quando Diana se levantou para apressar os outros a se retirarem, Guy ficou de pé ao lado dela, a voz baixa ansiosa e indagadora. Diana... Ela não sabia o que ele ia pedir, mas cortou logo a dele. Estou cansada, Guy. Moveu-se para junto da cadeira do pai, enroscando os dedos nos paus de madeira das costas, numa atitude protetora e possessiva. — Boa-noite.
Dirigiu a despedida para os três homens, e recebeu a mesma resposta enquanto se retiravam, com Rube enrolando às pressas dois sanduíches num guardanapo, para levá-los consigo. 144
Quando estavam a sós, Diana disse
Não sei o que você vai fazer, mas vou secar o cabelo e ir para a cama. Desse modo, instava o Major a ir buscar o repouso de que tanto estava necessitando. Também estou cansado concordou ele. Esses últimos dias devem ter sido uma aventura e tanto para você. É, foram, sim. Diana ocultou o fato de que haviam sido mais do que isso Boa-noite. Boa-noite ecoou ele. O Major estava à mesa do café na manhã seguinte, quando Diana entrou. Parecia descansado, depois da noite de sono, e aquilo a tranquilizou um pouco. Bom-dia, Major cumpnmentou-o, alegremente. Bom-dia, Shopie acrescentou, quando a governanta apareceu. Só suco e torrada hoje, por favor. — Sim, senhorita. A mulher voltou para a cozinha. Que linda manhã, não é? disse Diana, servindo-se de uma xícara de café. — Sem dúvida. — O Major olhou-a com indulgência. — Mas algo me diz que você está pensando em outras coisas além do tempo. — Adivinhou. Ficou contente por não ter que buscar um meio de puxar o assunto. Ontem à noite fiquei pensando, e resolvi que deveria assumir algumas das responsabihdades da estância, enquanto você está se recuperando. Holt é encarregado de praticamente tudo lembrou-lhe o pai. Então eu não sei?, pensou Diana, mas falou:
Sei que precisou depender muito dele. Naquelas circunstâncias, não havia mais ninguém a quem pudesse delegar autoridade, mas agora estou em casa. Não há nenhum trabalho na estância que eu não conheça em primeira mão, por meio do suor do meu rosto,
digamos assim. — Riu-se, tentando manter a conversa leve. Não há nenhum motivo para eu não assumir as responsabilidades. Holt fez um bom trabalho, mas você mesmo disse que ninguém cuida tão bem das propriedades alheias quanto cuidaria das suas. É verdade admitiu o pai. Além de ser capaz e experiente, quero envolver-me. É natural, já que sou sua filha argumentou e esta também é a minha casa. Não posso discutir isso, não é?
O Major estava com um ar vagamente satisfeito. Torcia para que não pudesse. 145
Não pôde deixar que um sorriso de triunfo lhe curvasse os lábios. Discutirei o assunto com o Holt na hora do almoço. Uma chama confusa acendeu-se nos seus olhos azuis. — Por que é preciso discuti-lo com ele?
Não se retira um homem valioso do seu comando sem primeiro ter uma conversa particular com ele, a não ser que se queira ter um motim nas mãos. Isso exige tato explicou, com alguma indulgência. Sophie veio trazendo o suco e a torrada de Diana, e a seguir voltou a sumir cozinha adentro. Conversaremos com o Holt ao meio-dia disse o Major. Depois que acabar de tomar café, descubra-o e peça-lhe para vir um pouco mais cedo, se puder. Está certo concordou ela, prontamente. Caminhou com passos animados ao descer a inclinação que levava aos prédios da estância, mais tarde. Cavalos e cavaleiros reuniam-se junto ao estábulo. Diana logo reconheceu Guy, mas não viu sinal de Holt. Separando-se dos outros cavaleiros, Guy cavalgou ao seu encontro. — Oi. — Parou diante dela, um amplo sorriso iluminando-lhe o rosto. Quer avisar a Sophie que Holt não vem almoçar?
— Por quê? Onde ele está?
Fez as perguntas explosivamente, cheia de irritação. Saiu hoje cedo para ir ver alguns garanhões... disse que só voltaria no final da noite. — A sua boca retorceu-se, com leve amargura. — E já foi tarde, digo eu. Os lábios dela estreitaram-se num gesto firme. Não está perdendo tempo em tentar adquirir um novo reprodutor. Temos três éguas entrando no cio, e nenhum reprodutor para cruzar com elas. Guy não estava defendendo, apenas explicando. — É, tem razão. Mas aquilo não diminuiu o seu sentimento de frustração. Holt deu ordens para levar as éguas e os potros para o paddock interno. É para onde estamos indo, agora disse. Por que não vem com a gente?
Não recusou, distraidamente, com a atenção já se desviando de Guy. Só o que você diz é ”não”. Leu a rejeição na fisionomia dela. Por que não me manda encher o outro? É o que costumava fazer. Diana voltou-se para ele, levantando a mão, em sinal de protesto, mas Guy já virava o seu cavalo para se reunir aos outros cavaleiros, as feições endurecidas, zangadas e magoadas. Diana não o chamou de volta. 146
Quando foi para a cama, à noite, Holt ainda não havia voltado, e o recado ainda precisava ser dado. Na manhã seguinte, depois do café, saiu de novo para o pátio da estância, atrás dele. Diana fez parar um dos homens. — Cadê o Holt?
— Nos estábulos, tratando de uma das éguas. Obrigada disse, afastando-se. No estábulo, achou Holt e um dos empregados na baia junto com Cassie, tratando as mordidas infligidas pelo garanhão branco. Diana entrou na baia espaçosa. — Eu a seguro. Pode ir, Tom
— disse para o homem que estava junto da cabeça da égua. Antes de soltar o cabresto, o homem lançou um olhar a Holt, para confirmar a ordem, depois obedeceu-a. Aquilo não agradou a Diana. Antes de se casar e se mudar, ninguém jamais questionara uma ordem da filha do Major. Era mais uma indicação das mudanças sutis ocorridas na sua ausência. Segurando com firmeza o cabresto, falou apaziguadoramente com a égua, deixando Holt acabar a sua tarefa antes de explicar por que estava ali. Ele se afastou da anca da égua e fechou a garrafa de antisséptico. — Encontrou o garanhão? — perguntou Diana, primeiro. Talvez. Finalmente, olhou para ela, os olhos cinzentos e avaliadores percorrendo-a de alto a baixo. Mas não foi por isso que veio aqui. O que quer? inquiriu, grosso e objetivo. Os sentidos dela se agitaram ante a força viril da sua presença, uma reação puramente física que não podia controlar. Holt parecia estar totalmente indiferente a ela. O Major quer-lhe falar. Deve aparecer lá em casa mais cedo, na hora do almoço. A voz tremia ligeiramente ao dar o recado. Não posso. Não vou estar aqui ao meio-dia. Holt saiu da baia para o amplo corredor do estábulo. Diga a ele que apareço à noitinha. Diana seguiu-o, com as pernas rígidas de raiva. — O Major diz ”Venha” e você diz ”Espere”. Em outras épocas você teria pulado para obedecer!
Nunca pulei corrigiu Holt. Fiz o que ele pedia, e ainda faço. Se ele soubesse que eu já tinha um compromisso anterior, seria o primeiro a adiar o nosso encontro. E se fosse vital a minha presença, ele diria ”Venha agora”. Qualquer resposta que Diana pudesse ter dado ficou para depois, quando saiu para o quintal e viu um furgão entrando no pátio da estância, com uma insígnia do governo na porta. Toda a irritação esquecida, Diana hesitou, lançando um olhar para Holt. 147
O que acha que ele quer? perguntou, mordiscando o lábio inferior. — Não vamos demorar a descobrir.
O furgão parou diante da casa grande. Juntos, Diana e Holt caminharam na sua direção. Um homem baixo e atarracado de 40 e tantos anos saltou, vestindo as roupas típicas de trabalho, calça de brim e camisa xadrez, um Stetson de palha na cabeça. Já ia se encaminhando para a casa, quando viu que se aproximavam, e parou
— Bom-dia. Bom-dia. Diana retribuiu ao cumprimento com o seu sorriso mais encantador. O que podemos fazer pelo senhor?
Pode ser o oposto. A voz era áspera, mas a sua expressão agradável. Chamo-me Keith Jackson. Sou do Departamento de Administração da Terra, e vim ver o Sr. Somers. Sou Diana Somers, filha dele. Enquanto ela falava, o homer., tirava o chapéu, educadamente, revelando uma cabeça calva e luzidia. Meu pai não está se sentindo muito bem. Quem sabe poderá falar comigo. O homem olhou hesitante para Holt, como se sentisse relutante em falar com uma mulher. Holt estendeu a mão para cumprimentá-lo. Sou Holt Mallory, o administrador da estância do Major. — Não é exatamente necessário que eu fale pessoalmente com o Major
admitiu o homem, dirigindo-se para Holt. Estou certo que poderá dar a informação de que estou precisando. Vou tentar disse Holt, com ar agradável, cordial. O que deseja saber?
Ouvimos contar no Departamento que vocês andaram tendo problemas com alguns mustangs. — Onde ouviu isso?
O seu tom de voz era levemente divertido e zombeteiro. Sabe como essas histórias se espalham. O homem riu. Alguém conta para alguém, este alguém para outro alguém. Mais cedo ou mais tarde, chegam até nós.
O que foi que ouviu contar? perguntou Diana, prendendo a respiração, discretamente. — Que um garanhão selvagem roubou duas éguas de vocês. — Duas das nossas éguas realmente sumiram — admitiu Holt. — Tivemos que sair atrás delas, mas, quando as encontramos, não havia nenhum garanhão selvagem com elas. Os lábios de Diana tiveram um trejeito divertido, diante da meia-mentira,
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meia-verdade. O garanhão branco não estava mesmo com as éguas, quando foram recuperadas. — Ah, sei — hesitou o homem. — Também ouvimos falar de uma luta de garanhões. Alguma verdade nisso?
Infelizmente, sim. Holt sacudiu a cabeça. Não sabemos como aconteceu, já que não houve testemunhas. Talvez alguém não tenha trancado direito a porteira de um dos cercados dos reprodutores. Um dos nossos garanhões está morto, e o outro ficou ferido — disse, insinuando que fosse o resultado de uma luta entre os dois. Lamento saber disso falou o homem, com simpatia. — Foi uma perda — concordou Holt. — O garanhão que foi morto era um reprodutor e tanto. Não vai ser fácil substituí-lo. — Posso imaginar. Ouvi contar que o Major cria cavalos de alto preço. Bem — suspirou ele — está me parecendo que vim até aqui à toa. Vocês não parecem estar tendo problemas com cavalos bravios. Tem água e pasto de sobra, este ano disse Holt, como se isso explicasse tudo. É, para variar. O homem voltou a botar o chapéu, preparando-se para ir embora. Se tiver algum problema com os cavalos bravios, quer entrar em contato conosco?
Não de bom grado. Holt deu um sorriso seco. Pessoalmente, acho que a lei que protege os cavalos selvagens é um lixo.
O olhar que Diana lhe lançou era misto de raiva e alarme, mas o homem não pareceu chateado com o comentário. Deu uma risadinha abafada e sacudiu a cabeça. É uma opinião compartilhada pela maioria dos estancieiros declarou o homem. Até qualquer hora. Tenham um bom dia. O mesmo para o senhor retribuiu Holt. — Foi um prazer conhecê-la, Srta. Somers. — É. Adeus, Sr. Jackson. — Quando o homem dera a partida no furgão e saía de marcha à ré do pátio, Diana virou-se para Holt, perguntando com veemência: — Mas, pelo amor de Deus, por que teve que dizer uma coisa dessas?
Se eu tivesse cooperado demais, ele poderia ter ficado desconfiado. Do modo como agi, provavelmente não fiz nenhuma diferença da centena de outros estancieiros com quem conversou. — Sempre soube que você era astucioso, mas nunca me dei conta de que era um mentiroso tão excelente — retrucou Diana. — Terei que me lembrar disso. 149
O ar agradável deixou a fisionomia dele, e no seu lugar ficou um escárnio frio. Simplesmente sorriu e se afastou. — Diga ao Major que o verei às sete e meia da noite — deu as costas,
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CAPÍTULO 12 As sete e meia em ponto Holt chegou na casa grande. Ao ouvir os passos dele na varanda, Diana saiu do escritório e entrou na sala, ao mesmo tempo que ele, vindo de fora. O Major está no escritório disse Diana, virando-se para que ele a seguisse. O Major levantou-se de trás da sua grande escrivaninha de nogueira, quando eles entraram.
Holt cumprimentou-o, estendendo a mão por cima da ampla escrivaninha. Tenho sentido a sua falta na hora do almoço, nesses dois últimos dias. Tenho estado ocupado. — Sei que sim. — Fez um gesto de cabeça. — Diana, não quer trazer um café?
Ela voltou dali a minutos, trazendo uma bandeja com um serviço de porcelana. O Major e Holt estavam entretidos numa discussão sobre um garanhão que Holt vira. Colocando a bandeja sobre a mesa, ela começou a servir. Quando Holt estendeu a mão para pegar a sua xícara, notou as três xícaras na bandeja. O seu olhar cinzento dirigiu-se imediatamente para ela, consciente de que Diana estava-se incluindo nesta reunião. 151
Enquanto ele se recostava na sua poltrona, Diana pegou a sua xícara e sentou-se na poltrona de braço igual à dele. Sorveu o seu café, deixando que o Major trouxesse à baila o motivo para a reunião quando tivesse vontade. Nesse meio tempo, não fez nenhuma tentativa de tomar parte da discussão sobre o garanhão e sua linhagem. Finalmente, Holt concluiu, dizendo:
Quero ver mais dois garanhões antes de tomar a minha decisão final. Não sabia que a decisão final era sua inseriu Diana, com secura. — A frase não era para ser tomada ao pé da letra — replicou Holt. — Holt tem um olho excelente para cavalos. — O Major parecia defendêlo. Na verdade, foi Holt quem selecionou Fath.,
Diana fitou a superfície negra espelhada do seu café, contendo uma onda de ressentimento. — Eu não sabia. Ainda não vimos potrnhos dele em número suficiente para saber se a minha escolha foi acertada falou Holt. O suficiente para ser promissor insistiu o Major. Mas esta conversa está nos desviando do assunto principal. Não o chamei aqui para falarmos sobre garanhões, Holt.
Foi o que imaginei. Holt esvaziou a sua xícara e recolocou-a na bandeja. Sobre o que queria conversar comigo, Major?
Seu olhar ignorava Diana, embora consciente de que estava envolvida. Diana expressou interesse em supervisionar a operação da estância declarou o Major. — O que me deixa desempregado — retrucou Holt, quase indolentemente descontraído e despreocupado. -De forma alguma — assegurou-lhe o Major, tentando superar o momento difícil. — O que Diana pretende é assumir o meu papel enquanto estou-me recuperando. A sua posição permaneceria a mesma. Agora prestaria contas a uma pessoa diferente. Uma sobrancelha se arqueou, num gesto de quem encerrava o assunto. — Infelizmente, não daria certo. Por quê? — manifestou-se Diana, desafiadoramente. — Ficaria chateado de receber ordens de uma mulher?
Não faço objeções em receber ordens de uma mulher — corrigiu Holt, virando para ela os olhos duros como aço — apenas de recebê-las de você. A luva de desafio foi atirada de volta ao rosto dela. Sei que você e Diana tiveram seus desentendimentos no passado,
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à
mas... — disse o pai, tentando aliviar a tensão que repentinamente se acendera entre eles. Desculpe, Major. Mas não havia tom de desculpas na voz seca de Holt. — Se não trabalhar para o senhor, então não trabalho mais aqui. Ou as coisas ficam do jeito que estão, ou o senhor concorda com esse capricho da sua filha, e eu vou embora.
Diana gelou, adivinhando quais seriam as palavras do pai, antes que ele as pronunciasse. Claro que não quero que vá embora. Nem Diana queria isso, tampouco. Porém o brilho irónico dos olhos cinzentos de Holt parecia refutar esta afirmativa. E tudo o que Diana queria era tomar o seu lugar de direito, como filha do Major. Major a voz tremia importa-se que eu fale com Holt a sós? Inicialmente, o seu pedido foi respondido com silêncio. Depois, o pai
levantou-se da cadeira. — É, talvez seja melhor vocês dois resolverem isso sozinhos. Depois que o Major saiu da sala, Holt se levantou da poltrona e caminhou até a lareira, apoiando a mão na cornija. O coração de Diana parecia bater mais alto que o relógio sobre a cornija. — Pois bem, Diana, o que tem para me dizer? — desafiou Holt. O que está planejando? Um pouquinho de chantagem? Imagino que vá ameaçar contar ao Major que a ataquei, a menos que eu concorde em ficar. O sarcasmo tirou o fôlego da moça. Vai negar que o fez? perguntou, finalmente. — E uma vítima tão relutante que você foi! zombou ele. Diana saltou da poltrona, o corpo sacudido por tremores. — Não é justo! — declarou, com voz estridente. — Sou filha dele, carne da sua carne, sua única filha! Eu devia estar à frente de tudo, não você!
Ele a enfrentou, impassível e inflexível. Isso cabe ao Major decidir. Por que teve que fazê-lo escolher? gritou, sentindo as suas emoções se dilacerarem. Sabia que escolheria você, não é? acusou Diana, os olhos marejados de lágrimas. Ele sempre deu preferência a você, sempre!
As mãos dela se crisparam. Diana, não seja ridícula disse ele, dando um passo na sua direção.
Não é justo!
O peito amplo oferecia um alvo fácil para a visão nublada de Diana. 153
Bateu nele com os punhos cerrados, aos soluços de raiva. Holt segurou-a pelos pulsos, dando-lhe uma sacudidela que jogou a cabeça para trás. — O Major fez uma escolha comercial — insistiu. — Não havia nada de pessoal nela. A sacudidela fizera parar os seus arquejos soluçantes. Agora, risos histéricos e zombeteiros borbulhavam na sua garganta. Não mesmo? — retrucou Diana. — Ele nunca precisou de mim. Por que precisaria? Tinha você. As lágrimas começaram a correr livremente pelo seu rosto. Não sabe o que está dizendo murmurou Holt. Diana já não enxergava mais o contorno borrado das suas feições másculas e angulares. Foi puxada para dentro do círculo dos seus braços, a cabeça pousada à força no seu ombro. Sentiu a ponta do queixo dele contra a testa, a mão acariciando insegura os cabelos negros e sedosos. É verdade, Holt resmungou, de encontro à camisa dele. Tem sido verdade, desde que você chegou. Não, Diana, não é replicou ele, com firmeza. Erguendo a cabeça para poder olhar para o rosto dele, Diana pegou-se fitando a sua boca, tão bem definida, forte, máscula. A boca da moça abriu-se para falar, mas não conseguiu emitir nenhuma palavra. A mão parou de alisarlhe o cabelo e segurou-lhe a nuca. Bem devagarinho, a sua boca se aproximou mais, até que seu hálito quente roçasse o nariz e as faces dela, e excitasse seus lábios. O coração de Diana tremulou de expectativa. Estava vividamente cônscia dos contornos masculinos do corpo dele contra o seu corpo curvilíneo. O olhar de Holt percorreu-lhe o rosto, e veio pousar nos seus lábios entreabertos. Tocou-lhe muito de leve os lábios com a boca.
— Jurei que não ia me aproximar... — Holt interrompeu a frase que murmurava contra a boca da moça, e cedeu a uma compulsão mais forte do que a sua resistência. Diana tremeu ante a pressão inicial forte e hábil do beijo dele. Quando a primeira reação começou a fazer vibrar o seu corpo, sentiu-o enrijecer-se e logo romper o contato. Quando não voltou a retomá-lo, ela abriu os olhos e deparou com o perfil dele, e a intensa concentração ali estampada. Como que sentindo o olhar, ele ordenou em voz baixa:
Escute. Ela moveu a cabeça, num protesto atordoado. Tem alguma coisa incomodando os cavalos explicou, naquele mesmo tom baixo, quase sussurrante. Acima do martelar do seu coração, Diana finalmente ouviu os sons perturbados,
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relinchos curiosos e bufidos alarmados e movimentos inquietos. No entanto, não havia indicação de pânico. — O garanhão?
Diana transformou a sugestão numa pergunta. O rosto de Holt ficou sombrio. É. Soltou-a. O garanhão. As suas longas passadas levaram-no até a porta do escritório. Diana acompanhou-o, quase correndo. Não havia sinal do Major, quando atravessaram a sala de visitas e saíram pela porta de tela. Do lado de fora, a direção dos sons tornou-se discernível. Vinham do grande paddock onde as éguas e os potros haviam sido encerrados. Uma meia-lua brilhava prateada no céu, para iluminar-lhes o caminho. Holt saltou a primeira cerca que encontraram, sem esperar por Diana, que a escalou. Ela ouviu alguém às suas costas e olhou por cima do ombro, deparando com Rube, que vinha às pressas ao seu encontro. É aquele maldito garanhão branco, não é? Rube escalou a cerca, depois dela. Ouvi as éguas se mexendo e soube de cara o que as estava deixando excitadas.
Ele falava enquanto andava, numa tagarelice ininterrupta que Diana ignorou. Holt chegou à cerca do paddock antes deles e subiu na grade para ter uma visão geral da área do pasto. Diana reuniu-se a ele, enganchando um joelho no varão superior, para equilibrar-se. Rube fez o mesmo. Lá está ele! exclamou Diana, apontando para o outro lado do paddock. No outro extremo da cerca distante, o luar rebrilhava no pêlo branco do garanhão. Ele andava de um lado para outro, ao longo da cerca, e parecia flutuar acima do chão. Animado, o pescoço musculoso arqueado, sacudindo a cabeça, a cauda levantada bem alta, parecendo uma flâmula branca drapejando atrás de si, o garanhão emitia rinchos baixos para chamar as éguas, adulando, lisonjeando, persuadindo. Elas estavam sucumbindo aos poucos ao seu charme equino, a incerteza do alarme abandonando as suas reações. Diana estava hipnotizada pela visão, sem se dar conta da presença dos outros empregados da estância, que se haviam reunido a eles, atraídos pelo burburinho. Surda às suas exclamações sussurradas, não escutou a ordem dada por Holt, que fez com que todos entrassem em ação. Nada penetrava aquela cena fascinante, até que os gritos e assobios dos homens dispersaram as figuras nebulosas das éguas agrupadas perto da extremidade oposta da cerca. O garanhão branco imobilizou-se numa estátua alerta de expectativa viva, encarando
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os seus inimigos de duas pernas. Sacudindo a cabeça, o garanhão girou sobre si mesmo, com a graça de um dançarino, e fugiu para dentro da noite
Então aquele era o garanhão bravio. O Major estava parado junto à cerca, ligeiramente sem fôlego, o entusiasmo e a severidade lutando entre si, na sua expressão Queria ter dado uma olhada melhor nele
— Magnífico, não é? — murmurou Diana
Como nenhum mustang que já tenha visto admitiu ele
Com a partida do garanhão, os homens começaram a voltar para os alojamentos, conversando entre si. A figura familiar de Holt separou-se das demais e veio até a cerca onde Diana e o Major esperavam. O luar bronzeava as suas feições magras, transformandolhe os olhos em lascas de prata
Ele vai voltar previu, sem rodeios. Teremos que manter um homem de guarda, em turnos de quatro horas
Concordo disse o Major, embora não tivesse sido consultado
Quem sabe teremos sorte e ele desista depois de algumas tentativas frustradas de roubar as nossas éguas — comentou Holt, fitando as montanhas escuras para onde fugira o garanhão
Sem dúvida que sim. O Major olhou para eles. Vocês dois, o que
Não precisa preocupar-se em perder o Holt interrompeu Diana. Chegamos a um entendimento. Continuará a dirigir as coisas, e ficarei fora do caminho dele. Continuarei a trabalhar com os cavalos, pondo o cabresto nos potrinhos novos, e pensei que poderia ajudar você com os livros, e nada mais
Diana já se arrependia da cena emotiva com Holt na casa. Deixara a nu as suas fraquezas. Embora compartilhassem de uma atração sexual mútua e irresistível, havia muita inimizade entre eles, Guy, o Major, uma rivalidade amarga. Num certo sentido, Holt ainda era o seu inimigo. Ela deu-lhe a vitória
— Então, está tudo acertado? — falou o Major. Desta feita, foi Holt quem replicou
— Sim, está — Fitou Diana nos olhos, brevemente, um olhar avaliador e firme Depois, desviou os olhos para o Major. Com licença, Major Preciso providenciar os turnos de guarda com os homens
Vá em frente. Faça boa viagem, amanhã. Quando Holt se afastou na direção dos homens, o Major se virou para Diana. Vamos voltar para casa?
— Vamos — Saltou de cima da cerca — Aonde vai o Holt?
— Vai voar para a Califórnia, para ver um garanhão. Alegro-me em saber que você e Holt chegaram a um acordo disse o pai, enquanto voltavam
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-É. — Sempre desejei que vocês dois pudessem entender-se. Holt teria dado um bom marido para você. É trabalhador, leal... mas o Major soltou um suspiro infelizmente, não deu. Ainda bem que não tentei bancar o casamenteiro. Diana quase teve um troço ao ouvir o comentário. — Foi por isso que o contratou? Como marido em perspectiva para mim?
Poderia ter acrescentado: Foi por isso que o ajeitou e treinou para assumir o controle da estância?
— Santo Deus, não! — Riu da sugestão. Contratei-o porque possuía as qualificações exigidas pelo cargo que eu tinha vago, na época. Foi... dali a uns três ou quatro anos que comecei a pensar nele ligado a você. Àquela altura, vocês dois já tinham criado o hábito de não se toparem. Eu esperava que o atrito entre vocês pudesse criar um algo mais. Quando não criou, desisti. — Você nunca disse nada.
— Não. A última coisa que poderia desejar para você seria um casamento sem amor. O amor às vezes pode ser uma coisa feia. Está pensando no Rand, e no que aconteceu entre vocês adivinhou o Major. Não era amor o que sentia por você, ou não teria espalhado aquelas histórias a seu respeito. O amor é uma coisa cálida e maravilhosa. O coração de Diana quase parou de bater. — Ouviu as tais histórias?
— Ouvi, sim — admitiu ele. — Eu... Não é necessário você explicar interrompeu o Major. Esqueça-as. E Diana entendeu, pelo tom de voz dele, que não queria ouvir uma
explicação. Preferia que o assunto fosse deixado de lado e esquecido por ambos. Enfiando as pontas dos dedos nos bolsos da frente dos jeans, deixou a conversa se dirigir para canais menos turbulentos. Sua consciência não ficou aliviada por saber que o Major soubera das histórias e achava melhor ignorálas. O garanhão fez uma segunda visita às éguas na noite seguinte. O barulho que isso causou acordou Diana, e ela teve dificuldades em voltar a pegar no sono. Levantou-se tarde, na outra manhã. O Major já tomara café e estava fazendo o seu repouso matinal. 157
Sem ter o que fazer, Diana saiu da casa e foi caminhando para os estábulos. O sol já batia forte na sua pele. À tarde, faria calor. A neblina cobria as montanhas, uma nuvem cruzava as encostas. — Diana!
Virou-se ao ouvir o seu nome, reconhecendo a voz de Guy. não o havia visto nos dois últimos dias, desde o momento em que ele lhe jogara na cara aquelas palavras amargas, e fora reunir as éguas.
Uma dor lancinante percorreu-a ao ver as passadas longas e descuidadas com que Guy se dirigia para ela. Será que ele sabia como o seu jeito, às vezes, lembrava-lhe tanto Holt? Diana afastou mentalmente essa ideia e foi então que notou as flores na sua mão. Quando parou diante dela, seu olhar, incerto e intenso, perscrutou-lhe o rosto. Uma oferenda de paz. Tomou o buqué das mãos dele. Flores silvestres. Que lindas, Guy. A tensão pareceu evaporar-se, ante a reaçã”o dela. Fiz isso deliberadamente... quero dizer, escolhi flores silvestres explicou, com uma risada constrangida. — Pensei em comprar flores na cidade, mas estas são você. Você é uma flor silvestre, Diana... delicada, indomável, vulnerável à intrusão do homem. Noutro dia, eu estava tentando fazê-la crescer onde você não desejava crescer. Não se pode fazer isso com uma flor silvestre. Desculpe. Pode me perdoar?
Por que ele tinha que ser tão gentil e cheio de consideração? Ela estava tão cansada de magoar e desapontar as pessoas. Seria melhor que ele continuasse zangado com ela... melhor para ele. Diana não podia permitir que Guy continuasse a idealizá-la. — Fui grosseira quando o recusei tão abruptamente. A única desculpa que tenho é que estava preocupada com outras coisas — disse Diana. — Todos temos dias em que não queremos a companhia dos outros. O olhar dele era de adoração. Diana fitou as flores silvestres, respirando fundo, sombriamente. — Não deve ser tão compreensivo, Guy. Não é natural. — A única coisa que é natural para mim é amar você. — A voz mudou de timbre, ficou rouca e vibrante. — Parece que sempre a amei, toda a minha vida, Diana. — Não fale assim — disse ela, apertando as flores, esmagando-lhes os caules. 158
-Está certo, não falo mais. — Porém, ambos sabiam que aquilo não alteraria a realidade. — Ia indo para casa, para vê-la. Tenho que ir até Ely apanhar uma peça. Pensei que você talvez quisesse vir junto. Isso lhe daria uma chance de sair um pouco da estância e, quem sabe, fazer umas compras.
A ideia era atraente. Ao invés de recusar o convite, como sabia que devia fazer, Diana aceitou-o. — Vai agora?
— Daqui a uma hora. Tenho algumas coisinhas para fazer primeiro e... olhou para as suas roupas de trabalho, cheias de poeira, com pêlos de cavalo grudados ao tecido de brim — quero me lavar. — Tudo bem — concordou ela. A hora a mais deu oportunidade a Diana de trocar de roupa e deixar recado com Sophie, avisando aonde ia. Vestindo uma saia cigana e uma blusa branca de camponesa com decote franzido, Diana foi à procura de Guy. Não estava no pátio da estância. Como ele não mencionara em qual veículo iriam, ela se dirigiu aos alojamentos. Parando diante da porta de tela da unidade maior, Diana bateu uma vez, e chamou:
-Guy?
Um ventilador girava ruidosamente lá dentro, fazendo circular o ar quente. Sem hesitar, Diana entrou. Inclinou a cabeça para o lado, prestando atenção aos ruídos de movimento. Havia anos que não entrava naquele alojamento. A sala de estar, de jantar e a cozinha formavam um único cómodo, de onde saíam dois quartos e um banheiro. Tudo era limpo e arrumado, quase impessoal. Foi então que Diana notou um par de trofeus numa prateleira. Curiosa, foi até eles. Eram trofeus de pontaria, com o nome de Guy gravado na placa de ouro. Acima deles havia um descanso para rifle de madeira, vazio. A porta de um dos quartos se abriu, e Diana se virou. Holt fitou-a, parou no ato de fechar a porta. Diana também ficou imóvel, o fôlego preso na garganta, o coração batendo desordenadamente. Não havia dúvidas de que ele acabara de sair do chuveiro. Os cabelos molhados e escuros rebrilhavam. Tinha o peito nu, a carne musculosa ligeiramente úmida. Calças escuras enfatizavam a esbeltez dos quadris e a largura dos ombros. Primitiva e perigosa, foi a sensação estranha que ela teve na boca do estômago.
Os olhos percorreram-na lenta e insolentemente, línguas de prata lambendo os seios fartos que pressionavam o tecido branco, e as dobras amplas da saia à volta dos quadris. Sentiu-se tonta ante o impacto sensual daquele olhar. 159
Veio dar-me as boas-vindas9 perguntou Holt, com voz irónica, debochada, cínica
Não não sabia que tinha voltado
Merda’ Por que estava gaguejando feito uma adolescente boba9 Ele a desconcertava, sem dúvida, mas era preciso demonstrá-lo tão claramente9
Voltei faz uns vinte minutos
Fechou a porta do quarto e continuou a fitá-la, os pés ligeiramente afastados, numa pose de comando
Estava dentro de casa Não o ouvi
O ventilador estava sobre a pia da cozinha, às costas de Holt Meu Deus, pensou Diana, posso sentir o cheiro dele, o sabonete, a colónia de barba, o seu odor almiscarado de animal Um calor envolveu-a, subindo-lhe à cabeça, como se tivesse tomado um vinho forte
Holt lançou um olhar significativo pelo quarto
Veio fazer uma visita de inspeção pelos alojamentos9
Vou ate a cidade com o Guy Devia encontra-lo dentro de uma hora Subitamente, a temperatura do quarto pareceu cair abaixo de zero As
feições dele moldaram-se numa máscara de bronze distante e ameaçadora As mensagens silenciosas que a perturbavam foram interrompidas
— O que está fazendo aqui9 — perguntou Holt, numa voz fria, seca Confusa, Diana pensou que o motivo para a sua presença era óbvio,
porém, rnesmo assim, explicou-o
Não vi o Guy lá fora Ele falou que ia se lavar, por isso vim para cá
Não está aqui
É evidente
Quero dizer Holt interrompeu a resposta risonha e defensiva dela, com modos severos e bruscos que ele não mora mais aqui’
Diana ficou espantada demais pela declaração, para reagir imediatamente
— Onde 9 Por quê.9
Saiu de seu silêncio atónito, gaguejando
Acha mesmo que ele moraria debaixo do mesmo teto que eu, considerando o quanto me odeia9 retrucou, com a força de uma chicotada
Diana recuou, ante a ferroada
Não imaginei Quando Nffo conseguiu completar a pergunta
Dormiu no celeiro na noite em que voltamos No dia seguinte, limpou aquele velho reboque e mudou as suas coisas para Ia Admira-me que não lhe tenha contado Holt estava sarcástico Com o isolamento e a privacidade do reboque, poderia tê-la divertido durante umas duas horas, à noitinha
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— Mal tenho visto o Guy, desde que voltamos, quanto mais falar com ele! — explodiu ela. Ele sempre a chateou com facilidade comentou o homem, enojado. Acha que não sei como o tratei no passado? Acha que não estou arrependida, agora? protestou ela, numa súplica apaixonada por compreensão. Está tentando compensar o que fez? É isso o que está querendo dizer? desafiou-a Holt. Depois, recuou imediatamente, murmurando. Porra, e o que isso tem a ver? Você o tirou do meu alcance, Diana. Não há nada que eu possa fazer para detê-la. Ele é seu... para brincar com ele, ou para destruí-lo. Deu-lhe as costas. — Não o quero. — Interrompeu-se, fitando as cicatrizes leves que cruzavam as costas dele. Os dedos se recordaram das saliências que haviam sentido, ao lhe acariciarem a pele. A memória voltou àquele passado distante em que primeiro as vira, num verão, e Diana repetiu a pergunta que fizera então: — As cicatrizes nas costas...-como as conseguiu?
Viu os músculos dele se contraírem, enquanto Holt se enrijecia ante a pergunta. Com passadas duras, dirigiu-se até a pia da cozinha e tirou um copo do armário. Vá procurar o Guy. Ignorou-lhe deliberadamente a pergunta. Mantendo o copo sob a bica, abriu a torneira de água fria. Atraída por um impulso irreprimível, Diana seguiu-o. Um passo atrás dele, parou, a atenção fixa nas débeis marcas douradas na pele toda queimada de sol. Alguém... chicoteou você? murmurou. Estendeu a mão e tocou nas linhas brancas desmaiadas. — Por quê?
Ao toque dos seus dedos, o copo se espatifou na pia, quando Holt rodopiou, agarrando a mão dela num aperto de aço, quase esmagando os frágeis ossos dos dedos. Uma fúria mortal ardia nos seus olhos. A cabeça de Diana estava jogada para trás, a cortina ondulante de cabelos negros como o carvão afastada do pescoço. Num esforço para aliviar a dor do seu aperto esmagador, ela oscilou para mais perto dele. Podia sentir as suas coxas solidamente musculosas atrás das dobras da saia.-O contato físico fez desaparecer subitamente todo o seu medo. Os olhos, de um azul escuro e brilhante como o de uma safira, ardiam com a ansiedade que sentia, o desejo de ser de novo possuída por ele. As carências de Diana eram inconfundíveis. Sentiu Holt prender a respiração e viu o seu olhar focalizar os lábios dela, úmidos e convidativos. A pressão
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do seu aperto aliviou de leve, enquanto ele levava a outra mão ao seu ombro. O sabor instintivo que dali a um segundo estaria envolta no seu abraço esmagador latejou-lhe pelo corpo. 162
CAPÍTULO 13 — Diana?
Vinda do lado de fora, a voz de Guy chamava o seu nome. Tão velozmente quanto chegara, o momento de desejo fugiu. Parte dela queria apertar o corpo mais junto do de Holt, torná-lo consciente de como as suas formas curvilíneas se ajustavam aos contornos másculos dele e fazê-lo esquecer que Guy estava lá fora, procurando por ela. Se tivesse sentido que havia a menor chance de ter êxito, Diana teria abandonado o orgulho e o amor próprio, e se tornado tão ousada e devassa quanto
qualquer criatura apaixonada. Mas Holt já estava rejeitando os seus avanços iniciais e hesitantes, irada e enfaticamente afastando-a dele, enquanto seus olhos invernais gelavamna de desprezo. Nem uma só palavra fora dita. Finalmente, ela baixou os olhos, ante a força dos dele. Diana virou-se e andou calmamente até a porta de tela, abrindo-a. Um sorriso curvoulhe automaticamente os lábios, quando Guy se virou ao escutar o barulho. Estava procurando você falou Diana, numa voz surpreendentemente firme. Guy olhou para a porta de tela que se fechava. Será que sabia que Holt estava de volta?, Diana se perguntava. Nenhum ruído de movimento vinha lá
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de dentro Ele estendeu a mão para pegar o braço dela e conduzi-la até a camioneta da estância, parada a curta distância
Não moro mais aí falou Guy Mudei-me
Não me disse nada falou Diana, fingindo ignorância, disfarçando-a com uma meiaverdade
Estou dormindo naquele velho reboque perto dos tanques de gasolina — Abriu a porta para ela, e ajudou-a a subir na boleia — Não é grande coisa — Fitou-a e Diana se deu conta de que ele jamais dominara a arte de ocultar ou controlar seus sentimentos — Precisa de um toque feminino, Diana
Ela teve vontade de chorar, ante aquele apelo ardente, mas era muito mais hábil em controlar suas reações
Não o meu falou, vivamente Já me fartei do papel de ”dona-decasa feliz”, por enquanto Outra pessoa terá que transformá-lo num gostoso ninho de amor para você
Diana sorriu, tentando aliviar a dor que as suas palavras jocosas haviam causado
— Gozado — A boca do rapaz torceu-se num sorriso doído — Não tenho vontade de procurar outra pessoa
Diana deixou cair a máscara para suplicar
Não quero que me ame, Guy Não quero magoá-lo Ele baixou os olhos, enquanto fechava a porta
Não há jeito de você mudar esta situação — murmurou Guy, e dirigiu-se para o assento do motorista
Durante os primeiros quilómetros que os afastavam da estância, nenhum dos dois falou. Guy foi o primeiro a romper o silêncio com um comentário provocativo sobre os cavalos. Diana respondeu, e a tensão começou a diminuir. Um comentário puxava outro. Logo estavam conversando com toda a naturalidade e amizade antigas que estiveram presentes nos primeiros dias após a volta de Diana, antes que tudo se tivesse tornado tão complicado
Quando a camioneta se acercou de uma área de piquenique e para descanso à sombra, na auto-estrada, Guy diminuiu a velocidade e lançou um olhar para Diana, com os olhos azuis brilhando
— O que você acha se dermos uma paradinha aqui para descansar? Tenho uma geladeira portátil aí atrás, com umas latas de cerveja e refrigerante
— Trouxe-a por acaso, não é? — implicou ela
— Faz parte do meu estojo de emergência, para o caso de furar um pneu e a minha boca ficar seca e poeirenta como o deserto, enquanto eu o estiver
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consertando. — Ele estava praticamente parando. — Então? O que resolve? Está com sede? Não estou com pressa de chegar à cidade, a não ser que você esteja. O jeito dele não indicava nada mais sério passando na sua cabeça do que fazer um pouco de gazeta, e assim, Diana acabou concordando:
— Vamos parar. Guy girou o furgão, atravessando a faixa e entrando no beco sem saída de cascalho, e foi estacionar à sombra das árvores. Desligando o motor, saltou da boleia. O que vai querer, moça?
Diana respondeu com a mesma seriedade simulada. — Uma lata de refrigerante gelado. Ele a fazia sentir-se incrivelmente jovem, ainda nos dias despreocupados da adolescência. — Que sabor?
— O que você tem?
Um brilho malicioso dançou-lhe nos olhos, risonho, implicante e sugestivo. — Já que perguntou... Diana levantou a mão, rindo, para detê-lo. — Faça-me uma surpresa. Suspirando de pena simulada, Guy foi até a parte aberta da camioneta. Ouviu-se o barulho de latas de alumínio sendo remexidas e abertas. Logo ele estava de volta, deslizando para trás do volante e passando para ela uma lata gelada de refrigerante tipo cola. Diana recostou a cabeça no encosto do banco e relaxou. Mmmm, que coisa boa murmurou. Não há nada como uma bebida gelada num dia quente.
A dele era uma cerveja, o aroma da bebida maltada enchendo a boleia. Ela olhou distraída pela janela, notando as latas de lixo cheias. Alguns pedacinhos de papel e algumas latas estavam espalhados pelo chão, junto às mesas de piquenique. Ela e Guy não tinham sido os únicos a pararem ali para apreciar a sombra e o silêncio. — Um bocado de gente faz uso deste lugar, não é? Alguns demonstram menos consideração com o próximo do que outros comentou Diana chamando a atenção de Guy para a sujeira. — É bastante usado — concordou ele. — É um local popular para festas regadas a cerveja... e é uma espécie de recanto dos namorados. 165
Embalada pela camaradagem recente deles, Diana não se deu conta de nenhum significado especial no comentário, e implicou com ele:
É a voz da experiência falando? Quantas vezes já trouxe uma garota para cá?
Guy tomou um gole da cerveja e depois ficou girando o restante dentro da lata. Se você me contar quantas vezes esteve aqui, eu lhe contarei desafiou ele. É fácil. Nunca estive aqui antes. Os rapazes com quem saí no curso secundário nunca tiveram coragem de convidar a filha do Major para vir namorar dentro de um carro estacionado.
Quando ele ergueu a cabeça, o olhar que ela temia ver estava de volta aos seus olhos. — Que bom que você nãoesteve aqui com mais ninguém, Diana, porque eu também nunca estive. Colocou a cerveja sobre o painel do furgão e virou-se no assento, para encará-la. De repente, a boleia grande pareceu muito apertada. ’Então, é a primeira vez para nós dois falou Diana, cheia de animação, fingindo ignorar o que ele insinuara. Fizemos uma festinha regada a cerveja aqui, juntos. Bem, pelo
menos você tomou cerveja. — Fez um gesto na direção da lata. — Ande, termine de tomála antes que fique quente. Diana, não me ignore. não me trate como... não o estou ignorando, Guy. Deixou de fingir. Só que não quer... Não fale. Chegou mais para perto, envolvendo-lhe os ombros com o braço. Diana tinha duas opções: ou submeter-se ao seu abraço, ou encolher-se contra a porta. Escolheu a primeira, colocando com cuidado um braço entre os dois, tentando mantê-lo à distância. Você é tão linda, Diana. Sei que já lhe disse isso antes, mas é verdade. Guy, por favor!
Tentava ser paciente com ele, firme sem ser áspera. — Estou falando a sério, não é só da boca pra fora — insistia ele. — Seus cabelos são como cetim. — Estendeu a mão, enroscando uma mecha no dedo e acariciando a sua maciez com o polegar. Preto como a meia-noite e brilhante como as estrelas. Com um leve movimento de cabeça, ela fez a mecha cair dos dedos dele, misturando-se ao resto da cabeleira. Sem se alterar, Guy levou a mão ao rosto dela acompanhando a curva dos seus cílios. 166
E seus olhos, tão azuis que poderia me afogar neles murmurou Cuy. Diana tentou deter-lhe os dedos exploratórios, segurando-lhe o pulso. Afastou com firmeza a mão do seu rosto. E adoro a sua boca. Deus, como adoro a sua boca. Distraída pelos seus esforços em afastar a mão dele. Diana não notara a cabeça que se abaixava. O calor do hálito dele, recendendo a cerveja, tocoulhe a pele, como aviso. Cometeu o erro de virar-se para ele, e viu seus lábios tomados pelo beijo dele. Começou a afastar a boca. Não me diga não outra vez implorou ele. A sua súplica foi direta ao coração, imobilizando-a com a sua completa vulnerabilidade. Deixou que ele a beijasse, permanecendo dura e insensível à pressão
ardorosa. Porém, sentir pena dele não era a resposta. Já não aprendera isso com o último erro?
Diana afastou-se enfaticamente do beijo dele, mas Guy pareceu não se importar; transferiu a atenção para o pescoço dela. A sua tentativa de mordiscá-la umidamente para excitá-la apenas deixou Diana enojada, com complexo de culpa. Emitiu um soluço abafado, e Guy pensou que era um gemido de desejo. Eu a amo, Diana. A mão empurrava o decote com elástico da blusa ombro abaixo. Amo tudo em você. A boca do rapaz não largava a pele dela, os lábios movendo-se contra ela, enquanto falava. — Guy... Mas ele não parecia disposto a deixá-la falar, até que tivesse acabado. Amo a sua beleza, sua pele, seus ossos. Ela fazia pressão, tentando afastá-lo, debatendo-se o mais suave e resolutamente que podia. Na sua inexperiência, Guy parecia apenas acreditar que ela estava tentando achar uma posição mais confortável, ou ajudá-lo nas suas carícias. Enfiou a mão pelo decote com elástico, segurando a parte inferior do seu seio, como se fosse uma obra de arte valiosíssima. E amo seus seios. A voz estava áspera de desejo. — São tão redondos e cheios, com bicos rosa escuros mais lindos do que quaisquer fotos que já vi. Quero... — Não! — exclamou ela, erguendo o rosto dele, tentando afastá-lo do objeto do seu desejo. A respiração dela era soluçante. Guy parecia destinado a entender mal. Deixou que ela o afastasse, porém, quando ergueu a cabeça, foi para buscar-lhe os lábios. Diana evitou a boca do rapaz, e ela tocou-lhe a face. Quando provou a umidade salgada na pele da moça, ele recuou, franzindo o cenho ante as lágrimas no rosto dela. 167
— Diana, o que foi? Por que está chorando?
A voz, ofegante de paixão, era confusa e preocupada. Diana olhou para ele, sabendo que chorava por ele, tanto quanto por si mesma. Desviou os olhos, enxugando com raiva as lágrimas da face
Quero que pare com isso
Diana evitou o olhar dele, não querendo ver a sua reação. Sentir pena não era justificativa para continuar cedendo aos seus desejos. Nem tampouco o sentimento de culpa por falhas passadas. Diana ajeitou o decote da blusa e abriu a bolsa para procurar o brilho para os lábios
Desculpe. Guy estava do seu lado no banco, as mãos grudadas ao volante, a cabeça baixa. Eu a amo tanto gemeu. Fiquei descontrolado
Com o batom para os lábios na mão, Diana baixou o visor para deixar aparecer o espelhinho retangular
Podia esperar uns minutinhos para verificar se a garota está disposta. Aquele reflexo no espelho era ela? Tão serena e controlada e, e, sim,
bonita! Os olhos azuis pareciam pedras preciosas polidas. Os vestígios de rímel borrado pareciam apenas realçar o contorno dos cílios escuros. A mão estava firme Nada revelava o quanto estava abalada e enojada com a armadilha em que se metera por si mesma
— Todas as vezes em que fico perto de você lembro-me de como me senti, naquela primeira vez. Até mesmo quando não estou com você, eu me lembro. Deus, como você estava linda, Diana, com o corpo a pele toda lustrosa d’agua. Você era minha, para tocar e beijar, cada centímetro de você. Quando fiz amor com você, era como se tivéssemos nos tornado uma só pessoa. Depois que gozei dentro de você, deitado ao seu lado, sabendo que um bebé podia começar a crescer, eu
Bebé nenhum, Guy Não fui tola a esse ponto. Sentiu-se sufocada e nauseada — Me dê sua lata de cerveja, vou jogá-la fora
Guy obedeceu ao seu pedido automaticamente, apenas semicônscio do que ela pedira Quando ela abriu a porta do furgão e saltou, tomou consciência. Seguiu-a
— Você falou antes que foi bom, que não lamentava. Não estava mentindo estava, Diana? Não estava arrependida de termos feito amor?
-Não
Não naquele momento. A amargura do arrependimento veio depois. Largou as latas na lixeira transbordante e virou-se para voltar para a camioneta. Guy impediu-lhe o caminho, perscrutando-lhe o rosto com o olhar, ansioso
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— Então, por que não quer que faça amor com você, agora? Sei que você falou que não queria envolver-se seriamente com ninguém, ainda, mas não posso acreditar que seja este o motivo. É outra coisa, não é?
— Guy... — É porque o Holt estuprou você, não é? Foi ele que fez você ficar fria por dentro. Devia tê-lo matado!
— Não! Quer parar de me enxergar como uma santa incapaz de fazer qualquer coisa errada! Não foi estupro!
Um ar incrédulo espalhou-se pelo rosto dele.
— Queria que ele a possuísse? Sempre o odiou tanto quanto eu. Não consigo crer que você realmente quis que... Não quis... não no começo. Buscou desesperadamente um meio de explicar uma coisa da qual não estava exatamente certa. Como posso fazê-lo compreender? Sexo e amor não andam necessariamente de mãos dadas, nem mesmo para uma mulher. — Diana desviou o olhar, envergonhada da presteza com que caíra nos braços de um homem que a desprezava. — Pode crer, não sinto muito orgulho em admiti-lo. Está arrependida?
— Sim, estou. A resposta foi acompanhada de uma risada curta e amarga. Guy recusava-se a acreditar no pior em Diana. Isso não altera o fato de que Holt forçou você, quando não estava com vontade. Vi você lutar com ele, tentando fazê-lo parar. Nada que você possa dizer torna o que ele fez menos brutal. Veja o que isso fez a você. Ele tem que pagar. O coração dela gritava: Meu Deus, não acha que está? Será que Guy não se dava conta de que o ódio que sentia pelo pai era a forma de castigo mais cruel que podia ser aplicada? A garganta dela doía. Diana duvidava que simples palavras pudessem penetrar aquele muro de ódio. Ela própria não mostrara a Guy como colocar os tijolos?
Tente esquecer, Guy. A voz soava tão cansada quanto se sentia. Não acha que está na hora de irmos para a cidade?
Ele concordou, de mau grado. Diana ficou sentada bem junto à porta. Enquanto voltavam para a auto-estrada, o vento soprou pela janela aberta, emaranhando os seus cabelos em cachos negros revoltos. Durante vários quilómetros, ouviu-se apenas o ranger dos pneus e o ronco do motor. Desta feita, foi Diana quem falou primeiro. Já perguntou ao Holt como arranjou aquelas cicatrizes nas costas? Houve uma pausa, porém Guy não desviou os olhos da estrada. 169
— Sim, já perguntei. — E...?
— Ele nunca me respondeu. Muito pouco foi dito até chegarem aos arredores da cidade. Guy fez ofurgão parar num dos principais cruzamentos e olhou para Diana. Onde quer que a deixe?
— No centro, em qualquer lugar está bem. Só vou dar uma olhada nas vitrines. Quanto tempo vai demorar?
— Mais ou menos uma hora. O sinal mudou para verde e Guy engrenou uma primeira, e pisou no acelerador. — Onde quer que eu o encontre?
Guy lançou um olhar ao relógio, preso ao pulso por uma larga tira de couro. Já é quase meio-dia. Podíamos almoçar juntos antes de voltarmos para a estância, se quiser. Encontro você no hotel lá pelo meio-dia, então concordou Diana. — Ainda está zangada comigo? — perguntou ele, hesitante, pedindo confirmação de que seu comportamento fora perdoado. Diana tranquilizou-o. — Nunca estive zangada com você, Guy. Como poderia estar, quando nada do que acontecera fora culpa dele? Era culpa dela, ela é que se metera nessa confusão emocional. Guy deixou-a numa esquina da zona comercial do centro. Diana entrou e saiu de algumas lojas, mas sem vontade ou objetivo. Estava olhando as vitrinas porque dissera que era o que ia fazer. Vinte minutos antes da hora, Diana entrou no hotel. Um punhado de jogadores postava-se diante das máquinas caça-níqueis, logo depois da entrada. Ouvia-se o ruído das
alavancas sendo puxadas, o rodopio dos carretéis em funcionamento e, ocasionalmente, o soar dos sinos de grande prémio e o retinir das moedas que caíam na bandeja de metal. Os sons e visões eram conhecidos demais de Diana, para que prestasse atenção neles. Passou pela fila de máquinas caça-níqueis e subiu o pequeno lance de escadas. As mesas de dados e vinte-e-um estavam virtualmente vazias. Um dos crupiês sorriu e cumprimentou Diana quando ela passou por ele a caminho da lanchonete do hotel. Os fregueses da hora do almoço já estavam começando a lotar o restaurante. Diana olhou ao seu redor, procurando um reservado vazio para esperar por Guy. Uma mão que acenava chamou a sua atenção. 170
— Venha sentar com a gente, Diana chamava Peggy Thornton. — Adoraria, mas vim encontrar o Guy aqui para almoçarmos. Diana dirigiu-se para o reservado deles. Não esperava encontrá-los. Onde estão as crianças?
Sente-se e tome um chá gelado conosco enquanto espera pelo Guy insistiu Peggy. Deixamos as crianças com a minha mãe. Lançou um olhar ao marido, sentado ao seu lado. Alan concluiu que eu estava precisando de um descanso delas. Assim, trouxe-me à cidade para fazer umas compras e almoçar fora. Ele não é um amor?
Era evidente que o passeio era um prazer raro para Peggy. Era uma coisa tão pequena, tão fácil de arranjar, que Diana ficou irritada com Alan por não fazê-la mais vezes. Peggy estava sentada ao lado dele, quase radiante de felicidade. — Sente-se, Diana. — Alan Thornton confirmou o convite da mulher. O que vai querer? Café, talvez, ao invés de chá gelado?
— O chá gelado está ótimo. Enquanto Alan chamava a garçonete, Diana começou a sentar no assento do reservado em frente ao casal. Só que ele não estava vazio. Holt já estava sentado lá, uma xícara cheia de café fumegante diante de si. Ela não o havia visto; simplesmente presumira que Peggy e Alan estivessem sozinhos.
Não sabia que você estava aqui. A frase era quase uma acusação, e Diana hesitou, na beirada do assento. Quer mudar de ideia quanto ao chá? — atiçou-a Holt. — Mas claro que não! — riu-se Peggy. — Que bobagem. Sente-se, Diana. Não ligue para ele. Pretendia telefonar para você para conversarmos, mas Amy andou doente, e fiquei ocupadíssima. Com relutância, Diana sentou-se no banco, ao lado de Holt. Estava com todos os músculos tensos, os nervos à flor da pele, os sentidos ligados na proximidade dele. Sabia que estava sentada rigidamente, mas não conseguia se descontrair, ser natural. — Como vai a Amy? Espero que esteja melhor. As palavras saíram afetadas, insinceras, mas Peggy não pareceu notar. Está, sim, mas acho que agora quem vai cair doente é a Sara. E é tão mais exigente quando está doente que morro de medo de pensar nela de cama, tendo que tomar conta também dos dois pequeninos. Ah, a maternidade — suspirou Peggy. — Que bom passar algumas horas longe dela. — Ela fala assim aparteou Alan — mas é tudo da boca pra fora. Desde que deixamos as crianças com a mãe dela, hoje de manhã, Peg já ligou duas
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vezes para saber como vão. Se ela fosse contar a verdade, diria que preferiria estar com elas agora. — Não prefiro, não. Gosto de tê-lo todo só para mim, sem ter uma criança me puxando, querendo isso ou aquilo. Apertou o braço dele. — Alan! Ora, seu velho safadão! — exclamou uma voz masculina, num cumprimento encantado. Não o vejo desde... Diabos! Nem me lembro de quando foi!
Um homem mais velho aproximou-se do reservado, agarrando o ombro de Alan e apertando-lhe a mão, vigorosamente. Diana tinha uma vaga lembrança do homem, um antigo estancieiro da área que havia vendido tudo e se aposentado. Uma pedra turquesa
decorava o seu prendedor de gravata, e a fivela de prata do cinto, igualmente elaborada, era cravejada de turquesas. Alan apresentou o homem como Ed Bennett. Você é a filha do Major. Abria um amplo sorriso para Diana. Ora, ora, mas como cresceu. Da última vez que a vi, era deste tamanhinho. Moça fez sinal para a garçonete traga-me um café. O homem alegre presumiu espontaneamente que seria bem-aceito, reunindo-se a eles. Quando se sentou ao lado de Diana, ela foi forçada a deslizar mais para perto de Holt, para dar lugar para ele. Como vai o seu pai? Soube que não andava muito bem. Coração? — É. Mas está bem melhor, agora. O pulso dela disparara. A marca da coxa musculosa de Holt estava sendo gravada a fogo na dela. O seu ombro pressionava o braço dele, até que ele o levantou e o apoiou nas costas do banco. Ao invés de abrir mais espaço, o gesto pareceu aninhar Diana contra ele. Tinha um cheiro limpo e fresco, com aquele aroma másculo levemente almiscarado que tanto a perturbava. O estancieiro voltou a atenção para Alan e Peggy, fazendo com que Diana se sentisse ainda mais isolada no canto com Holt. — Por que está na cidade? A voz era baixa, com um toque de raiva ligeira. Virou-se um pouquinho a fim de olhar para ele, e não ergueu os olhos acima do seu maxilar bem barbeado. O garanhão que comprei vai chegar hoje à tarde. Estou esperando para apanhá-lo. A resposta dele também foi dada em voz baixa, deixando que os outros três no reservado continuassem a sua conversa. Holt sorvia o seu café, aparentemente imune à proximidade forçada de Diana. — Por que aqui? — Diana notou o tom levemente altivo da própria voz, como se estivesse tentando botá-lo no lugar dele. Era puramente defensivo. — Por que não... — O garanhão vem de avião — interrompeu ele. — O piloto vai me chamar do aeroporto, quando chegar. Largou a xícara sobre a mesa e, figurativamente, largou Diana de lado, ao mesmo tempo. A parte externa do copo de chá gelado estava suando. A umidade refrescou-lhe os dedos, quando envolveu o copo, mas não diminuiu o calor que corria pelas suas veias.
Diana podia ouvir os outros falando, mas as palavras não pareciam fazer sentido. Santo Deus, o que estavam dizendo? Tentou concentrar-se. Em vão. Estava consciente demais do arfar do peito de Holt contra o seu braço. O calor do corpo dele estava entorpecendo-lhe a mente, mas tinha que se manter fria. A respiração era difícil. Tinha medo de se mexer. Por entre os cílios, Diana olhou para o rosto dele, tão anguloso e másculo, cheio de um charme viril e distante. Os olhos cinzentos velados examinavam o vale entre os seios, expostos pelo decote redondo apenas porque ele estava olhando para baixo. Holt deve ter sentido o leve tremor que a percorreu, porque ergueu os olhos para os lábios dela. Houve uma sensação estonteante de posse, o seu magnetismo animal deixando-a fraca. Diana, olhe ali o Guy. A voz de Peggy irrompeu névoa adentro, o recado quebrando o encanto. Guy! Diana virou-se enquanto Peggy acenava para Guy, cujos olhos varriam a sala, à procura dela. — Aqui! Oi, Peg, Alan. Guy foi até o reservado. Estava procurando por... Diana. A pausa ocorreu quando ele a viu, e aumentou quando deparou com Holt. Puxe uma cadeira e sente-se aí na ponta convidou Alan. Obrigado, mas acho que este reservado já está com gente demais. Diana e eu vamos procurar uma mesa. A expressão do rosto de Guy era a de um homem que vinha fazer um salvamento. O pior de tudo era que Diana não estava certa de querer ser salva. Em relação a Holt, ela parecia não ter orgulho. — Boa sorte, Guy — riu-se Alan. — O lugar está lotado. Não há uma só mesa livre. Além disso, aqui há lugar de sobra. Roube uma cadeira de um canto qualquer, e venha-nos fazer companhia. Bem, eu... Guy tentava arranjar uma desculpa. A garçonete deles estava no reservado ao lado, e Alan virou-se na sua direção. Temos mais uma pessoa aqui para a mesa. Dá para lhe arranjar uma cadeira? Estaremos prontos para fazer o nosso pedido depois. A decisão foi tirada das mãos de Guy. Diana sentiu uma pontada de culpa por não tê-lo cumprimentado, especialmente quando Guy ficou emburrado e caladão, respondendo por monossílabos durante a refeição, parecendo uma criança fazendo birra. O olhar dele
raramente deixava os dois por muito tempo, assim Diana fez questão de ignorar Holt, enquanto literalmente roçavam os cotovelos um no outro. A garçonete voltou para encher de novo as suas xícaras de café e tirar os pratos do almoço. Holt cobriu a boca da sua xícara com a mão. — Para mim, chega — falou. Olhou por sobre Diana para o homem sentado na extremidade externa do reservado. — Quer me deixar passar? Tenho que verificar se há algum recado para mim na recepção. O estancieiro aposentado se levantou, e Diana saiu do banco para Holt poder passar. Ficara tão acostumada à força esguia e dura do corpo dele contra o seu que sentiu-se estranha, sentada ali sem Holt ao lado. — Parece que Holt não vai voltar — observou Peggy, depois que vários minutos se haviam passado. Provavelmente não concordou Alan. Vi quando pagou a conta na caixa, antes de sair do restaurante. — Afinal de contas, o que ele estava fazendo aqui? — indagou Guy, quase beligerante. Diana explicou sobre o novo garanhão que fora adquirido. — Holt provavelmente recebeu um recado de que o avião tinha chegado. — É, acho que sim. — Mas ainda havia irritação na voz de Guy. Olhou para o relógio. — Está na hora de voltarmos para a estância. — Ainda não! protestou Peggy. — Diana e eu mal tivemos chance de conversar. Não dá para ficarem mais um pouquinho?
— Gostaríamos, mas preciso voltar ao trabalho — disse Guy, tentando fazer a sua recusa soar polida e firme. — Diana não precisa voltar. Precisa, Diana? — Peggy virou-se para ela. Alan e eu podemos levá-la para casa. Passamos pela sua estância, portanto não é trabalho algum. Podemos conversar bastante. E preciso fazer umas compras. Você pode vir junto. Faz séculos que não saio para fazer compras com uma amiga. Alan tem algumas outras coisinhas a fazer. Por favor, diga que sim. Não havia outra resposta que Diana desejasse dar. A ideia de fazer uma
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longa viagem com Guy, no seu mau humor atual, não lhe agradava nada. E também ela queria passar algumas horas com a amiga. — Claro que fico. Vai ser divertido. — Virou-se para Guy, ignorando o seu ar ressentido. — Diga ao Major que fiquei na cidade com Peggy e Alan. Houve um instante fugaz em que Diana pensou que ele fosse insistir para que ela o acompanhasse. Depois, Guy fez um gesto seco de cabeça, e virou-se para ir embora. 175
CAPÍTULO 14 O estancieiro aposentado, Ed Bennett, avistara outro velho conhecido e fora conversar com ele. Alan resolveu que estava na hora de começar a fazer o que tinha para fazer. Quando Peggy sugeriu uma visita ao toalete do hotel, Diana concordou. Ficou parada diante do espelho, escovando o cabelo que o vento deixara embaraçado. Peggy retocava o batom, uma ponta necessária de cor no rosto pálido. Viu o reflexo do olhar de Diana no espelho. Guy parecia morto de ciúmes de você e do Holt. Diana parou uma escovadela em pleno ar, depois continuou, com vigor redobrado. Do que está falando?
Ora, Diana, vamos... Ele sempre teve uma paixonite por você. É mulher o bastante para saber disso. O que começou como uma adoração juvenil parece ter virado coisa séria... o monstro do ciúme e todo o resto. O Guy acha que está apaixonado por mim. Não havia por que negálo. — Mas está errada quanto a haver algo entre Holt e eu. Nunca nos suportamos. Gozado, tive a impressão... Peggy parou no meio da frase, e deu de ombros. — Alan sempre me diz que tenho uma imaginação muito forte.
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Deve ter. Peggy recolocou o batom na bolsa e afastou-se do espelho. — Pronta?
Diana parou para afofar os cabelos com as pontas dos dedos, depois fez que sim. O toalete ficava no segundo andar. Enquanto desciam a escada, Diana viu Holt de pé, atrás de um dos jogadores à mesa de vinte-e-um, junto ao pé da escada. O seu coração deu uma pequena cambalhota. Não fora embora, afinal de contas. Como se sentisse a sua aproximação, Holt se virou, os olhos cinza-metálicos imobilizando-a. O chão pareceu rolar sob os pés dela, mas era apenas o tremor dos seus joelhos. Ele se adiantou para interceptá-las. — Holt — exclamou Peggy, ligeiramente surpreendida — pensamos que tinha ido embora. Diana continuou o assunto. O avião não chegou?
Ainda não. Onde está o Guy?
Voltou para a estância. Vou para casa com Peggy e Alan. É. Vamos fazer compras. Vai ser uma coisa nova para Diana, já que vou arrastá-la por todas as seções infantis. Vai ser perita em macacões e similares, depois que me fizer companhia. Já que vai ficar na cidade por algum tempo, é melhor voltar para a estância comigo. Poupará Alan de fazer uma parada. O brilho no olhar dele desafiava-a a recusar. A gente não se importa insistiu Peggy. Além disso acrescentou Diana você não sabe quando vai partir. — Segundo o plano de voo que o piloto mandou, ainda vai demorar umas duas horas para chegarem. Você pode me dar uma mão com o garanhão.
Por que, de repente, buscava a companhia dela? Diana não pôde deixar de sentir-se cética. Desejava a dele, mas duvidava que o inverso fosse verdadeiro. Assim, por que a estava convidando? Não por causa do novo garanhão. A curiosidade, no mínimo, fê-la dizer:
— Marcamos encontro aqui no hotel com o Alan, para quando acabarmos de fazer compras. Se você ainda não tiver saído para ir apanhar o garanhão, volto para a estância com você. Diana certificou-se de que não parecia ansiosa pela companhia dele. — Tudo bem. — Até logo mais, então, quem sabe — falou Peggy, e rirou-se para ir embora. 177
Diana começou a segui-la, porém Holt segurou-lhe a mão. Parou, sentindo algo duro e metálico sendo pressionado na sua palma. Uma luz brilhou nos olhos dele, fria e desafiadora, quando largou-lhe a mão. Os dedos dela curvaram-se ao redor do objeto. As suas faces arderam de calor quando reconheceu pelo toque uma chave, uma chave de quarto. Tê-la-ia jogado na cara dele, se Peggy não se tivesse virado para trás. — Vem ou não, Diana?
Manteve os olhos fitos nos dele por mais um segundo inteiro, uma raiva ultrajada sufocando-a. — Vou. Finalmente, virou-se, enfiando a chave na bolsa antes que Peggy notasse. Já vou indo.
A chave parecia fazer a bolsa pesar mais uns dez quilos. Diana sentia-a ficar cada vez mais pesada, a cada minuto que passava, aproximando-as da hora em que deviam voltar para o hotel. Como Peggy avisara, as compras limitavam-se aos departamentos infantis. Diana, que anteriormente não tivera nem interesse e nem motivo para se interessar por roupas infantis, encontrou-se cercada por vestes em miniatura.
Sara acaba tanto com as roupas! Quando chega a vez de Amy usá-las, estão quase em farrapos. Brian, é claro, ganha as roupas de segunda mão das duas meninas. E eu nunca me dera conta de quantas das roupinhas de bebé delas tinham babados e rendas e cores pastel... o que deixa Alan chateadíssimo, quando vê Brian vestindo-as. — Peggy correu a mão pelas roupas penduradas nos minúsculos cabides. Escolheu um macacãozinho de brirr). Não é uma graça?
— É um amor — concordou Diana. Peggy olhou para a etiqueta e revirou os olhos. — O preço é um escândalo. Não se pode pagar tanto por roupas que eles perderão daqui a meses. O jeito é aprender a costurar. E quando teria tempo para isso?
Pelo que Diana vira, Peggy vivia ocupada as 24 horas do dia. — À noite, quando estiverem todos dormindo. — Peggy pareceu pensar na ideia. — Acho que vou falar com o Alan para comprarmos uma boa máquina de segunda mão. Seria prático, já que levo tudo o que tenho para remendar para a casa da minha mãe, e uso a máquina dela. Peggy examinou o resto dos pequenos trajes e finalmente, adquiriu algumas camisetas e calções baratos. Ao saírem do departamento infantil, passaram pelo de roupas femininas. Um vestido de jérsei estampado em verde e dourado chamou a atenção de Diana. 178
— Olhe, Peggy. Com o seu tom de pele, aquele vestido ficaria perfeito em você. Diana soube instintivamente que tinha razão. A fazenda suavizaria a magreza ossuda do corpo de Peggy, e as cores realçariam o tom acaju do seu cabelo. É lindo, não é?
— Experimente-o instou Diana.
— Não. Soltou uma risada levemente constrangida. As crianças é que estão precisando de roupas, não eu. Tenho um armário cheio de vestidos e saias do tempo em que dava aulas. Quase dez anos atrás. Já estão fora de moda,
O rubor que subiu às faces de Peggy fez Diana ter vontade de morder a língua. Voltarão à moda. Daqui a dois anos, serei a mulher mais bem-vestida da cidade. — Toda mulher precisa de um vestido novo, de vez em quando. Faz bem ao seu ego. — Talvez, mas este eu passo. Diana ficou subitamente resolvida a que a amiga, que tinha tão pouco, tivesse esse vestido. — É a sua cara, Peggy. Se o problema é o dinheiro, compro-o como presente de Natal adiantado. Sei que a sua intenção é boa, mas não posso deixá-la fazer isso. Alan iria adivinhar, e ficaria com o orgulho ferido. Além disso, aonde eu iria usar um vestido desses? Por causa das crianças, quase não saímos. E ele é exagerado demais para a missa de domingo. Mesmo assim, obrigada, Diana. Alan e o seu orgulho que fossem à merda, pensou Diana, saindo da loja com Peggy. Que fosse à merda por pedir a Peggy que contasse os tostões com ele naquela estância fajuta. Nem tinham dinheiro para ter o primeiro filho, e ele que fosse à merda por tê-la feito ter mais dois. A mão dela fechou-se na aba da bolsa, cônscia da chave que ardia lá dentro. Que todos os homens fossem à merda!
— Alan está provavelmente esperando pela gente no hotel. — Peggy nem notara a raiva que deixara o rosto de Diana branco. Vamos voltar?
Não podemos deixar o Alan esperando, acrescentou Diana mentalmente, com amargura. — É, vamos concordou, com calma quase mortal.
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No cruzamento em frente ao hotel, um sorriso iluminou o rosto de Peggy. — Está vendo? Disse que ele estaria esperando por mim. Alan Thornton estava parado diante da entrada do hotel. A sua fisionomia fechada se desanuviou quando as viu do outro lado da rua. — Já fez todas as suas compras?
Tirou as compras dos braços de Peggy, empilhando-as nos seus. Já, sim. Está esperando há muito tempo?
Não muito. Virou-se para Diana. — Vi Holt no hotel, há uns vinte minutos. Disse que você voltaria para casa com ele. É. Bem, é melhor eu ir ver se ele está pronto para partir. — Que bom que você ficou, Diana. Foi ótimo. Venha logo à estância me fazer uma visita, está bem?
— Logo, Peggy — prometeu. Com um aceno ao casal que se retirava, Diana entrou no hotel. Espiou no cassino e no restaurante, e não viu sinal de Holt. Não esperava ver. Sabia onde estaria esperando por ela. A raiva fervilhava dentro dela como um vulcão prestes a entrar em erupção. Abrindo a bolsa, fechou os dedos em volta da chave do quarto. Furtivamente, deu uma olhadela no número antes de esconder a chave no punho cerrado. Subindo as escadas para o segundo andar, Diana passou pelo toalete das senhoras, e entrou no corredor de quartos do hotel que, felizmente, estava vazio. Ninguém a veria olhando disfarçadamente para os números das portas. Quando achou o quarto certo, bateu uma vez, e esperou. Não veio barulho nenhum lá de dentro. Diana hesitou apenas um segundo antes de meter a chave na fechadura e virála. Abriu a porta e viu Holt de pé à janela, olhando pela vidraça através de um véu de fumaça que saía do cigarro que segurava. Entrou quarto adentro com fúria contida, a saia rodopiando à volta das pernas.
Ao ouvir o estalido da porta que se fechava, Holt olhou-a de esguelha, sem se virar da janela. Por alguma razão, pensei que não viria. — É mesmo? — explodiu ela. — O que pensou que eu iria fazer?
É melhor falar baixo, a não ser que queira que alguém se queixe à gerência. Dirigiu-se para um cinzeiro e apagou calmamente o cigarro. O que acha que a gerência está pensando agora? — sibilou Diana. 180
Acha que não estão especulando o porquê de você ter reservado um quarto de hotel?
— Sabem o porquê. — Holt sorriu sem humor. — Na verdade, reservei três quartos: um para o piloto, um para o co-piloto e um para o ajudante que está acompanhando o garanhão. Vão passar a noite aqui, e voltar para a Califórnia pela manhã. — E de quem é este aqui?
— Importa? Estou usando-o temporariamente até que a mesa telefónica me avise que o avião chegou. É melhor do que ficar zanzando lá embaixo, esperando pelo telefonema. Desconfiada, ainda sem acreditar totalmente no que ele dizia, a raiva brilhando nos olhos, Diana indagou:
— Quanto tempo ainda vai demorar até que o avião chegue?
Umas duas horas. Foi o que você disse da última vez. Foi. Fitava-a preguiçosamente, a expressão velada, uma vigilância tensa na sua postura indolente. O mau tempo atrasou a decolagem. — E espera que eu fique aqui esperando durante duas horas? — indagou, com veemência.
É menos chato do que ficar lá embaixo. Está chateado, é? Diana estava tão zangada que chegava a tremer. — Devo diverti-lo? O que quer que faça? Tire as roupas e pule pra cama como uma puta qualquer? Tome a sua chave! Arremessou-a em cima dele. Sabe o que pode fazer com ela. Eu vou embora. A chave ricocheteou no peito dele e caiu ao chão. — Alan e Peggy já foram. — E daí? Há mais de um meio de voltar à estância. — Hesitou, sabendo onde ele era vulnerável, e se aproveitando. Tal como ligar para o Guy e mandar que venha me buscar. — Uma chama ardente brilhou nos olhos dele, antes que se estreitassem perigosamente. Terá prazer em salvar-me das suas garras. Diana jogou mais lenha no fogo com satisfação maliciosa, e deu meiavolta para sair. Dera um passo quando Holt agarrou-lhe um punhado de cabelo da nuca. — Uma ova!
Puxou-a de volta, jogando-a nos seus braços, tudo num único movimento. O repelffo violento no seu couro cabeludo fez Diana soltar uma exclamação
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abafada, que Holt ignorou. Levou a mão à nuca para tentar aliviar a dor, e viu-se presa na armadilha de aço dos braços dele. Com a cabeça forçada para trás pelo repuxar continuado dos cabelos, Holt fitou-a nos olhos, por um longo minuto. Ela perdeu o fôlego, de medo e de mais alguma coisa. Não conseguia falar, em protesto ou de dor. Maldita murmurou ele. Baixou a boca com força sobre os lábios dela, esmagando-os contra os dentes. Diana ouviu os choramingos abafados da própria garganta, o círculo cada vez mais apertado dos braços de Holt amassou-lhe os seios contra o tórax dele, os botões da camisa enterrando-se na carne macia da moça. Ela já estava sendo envolvida pela escuridão.
A pressão da boca do homem mudou sutilmente, a crueldade virando exigência. Diana correspondeu, os seus sentidos traiçoeiros abrindo as comportas e deixando a paixão correr. As mãos esfregavam-lhe o couro cabeludo machucado, enredando os dedos na seda negra dos seus cabelos. Envolveu o pescoço dele com os braços, erguendo-se na ponta dos pés para alcançar a sua boca com mais facilidade. Uma tira de aço rodeou-lhe a cintura, levantando Diana do chão. Carregando-a desse jeito, Holt caminhou os poucos passos que os separavam da cama, largando-a no colchão, e deitando-se com ela. O vulcão de raiva que fervia prestes a entrar em erupção tornou-se uma explosão de desejo. O seu toque, seu beijo, o contato do seu corpo contra o dela despertaram em Diana, como sempre, as carências animais primitivas da carne. As chamas ficaram cada vez mais quentes ante as carícias a esmo das mãos dele, o mordiscar dos seus lábios ao longo do pescoço. Ele a levava ao extremo, fazendo com que seu estômago se contraísse numa bola apertada de desejo, uma dor latejante retorcendo-lhe o corpo. As contorções frustradas dela haviam feito com que sua saia tivesse subido até a cintura. Seus quadris se moviam numa reação automática e instintiva à massagem provocante da mão dele. — Quer que eu pare, Diana? — A voz grave latejava roucamente de encontro à curva do pescoço dela. Quer?
Um gemido suave de protesto saiu da sua garganta, sabendo qual era a sua resposta, e odiando-o por fazê-la falar. Por que ele não a possuía logo e acabava com aquilo, satisfazendo os desejos que assaltavam a ambos?
Holt afastou-se de cima dela. — Quer? perguntou de novo. Fechou os olhos, ante o brilho incandescente dos dele. — Não — foi a resposta quase inaudível que deu. 182
Porém não recebeu o alívio do seu beijo intenso. Ao invés disso, Holt saltou da cama.
— Tire a roupa. — Ante o seu grito sufocado de protesto, Holt começou a desabotoar a camisa com impaciência selvagem. — Não quero ter que explicar roupas rasgadas quando sairmos do hotel, e do jeito que estou-me sentindo agora... Calou a boca sem terminar a frase, e se virou. Com mãos trémulas, Diana tirou a blusa pela cabeça e soltou a cintura da saia. Saiu de dentro dela quando se ergueu da cama, tremendo de vergonha e de um desejo que não podia controlar. Tirando as meias e as sandálias, equilibrou-se alternadamente num pé e no outro, consciente dos ruídos que Holt fazia, despindo-se ao seu lado. Quando as meias caíram sem barulho sobre a pilha das demais peças, fez-se silêncio. Diana virou-se, erguendo os lados dos cabelos, mantendo-os afastados do rosto. O olhar dele percorreu devagar as pernas longas, quadris estreitos, seios fartos, detendo-se finalmente no seu rosto. Pela primeira vez na vida, Diana teve consciência da sua nudez, assim como da dele. Uma palavra rude ou aviltante da parte dele, e ela teria fugido para não enfrentar a humilhação de se render. O conflito aparecia vivamente nas feições duras e magras do homem. Estendeu a mão, os dedos mal tocando a curva saliente da maçã do rosto dela. — Porra, por que tem que ser tão linda?
Diana soube. Naquele instante fugidio, ela soube. Holt a queria mais do que a desprezava. Não podia controlar os sentimentos, como ela própria não podia. Também ele estava preso naquele perigoso redemoinho de paixão, que os estava arrastando aos dois para o fundo. Com o desespero de dois amantes se buscando na hora da morte, fundiram-se, e deixaram que o redemoinho os levasse para onde bem entendesse. Mais tarde, fraca e exausta, Diana deitou-se nos braços dele. Fechou os olhos, com medo de falar, para que as palavras não diminuíssem a maravilha que havia experimentado. Holt enxugou suavemente as lágrimas das suas faces, e puxou as cobertas sobre ambos. Com o conforto do seu braço a envolvê-la, Diana deixou-se vagar, flutuando numa nuvem que evitava a realidade. De repente, alguma coisa a perturbou, e ela se remexeu, inquieta. Uma voz baixa e macia ao seu lado a acalmou. — Pronto, boneca. Durma.
E Diana obedeceu à ordem suave. Um pouco mais tarde, a friagem começou a gelar-lhe a pele. Rolou para o lado para aninhar-se mais de encontro ao calor ardente do corpo de Holt. 183
Quando não encontrou imediatamente a sua forma sólida, tateou por baixo das cobertas. Por entre a névoa do semi-adormecimento, a sua mente registrou o fato de que ele não estava lá. Um instante depois, abriu os olhos, a mente totalmente consciente. O quarto estava vazio. As roupas dele tinham sumido. Uma faixa longa e retangular de luz do sol entrava pela janela. Era tarde, quase noite. Diana sentou na cama. Com um gemido, enterrou o rosto nas mãos. Por que tinha que acordar sozinha? Tudo teria sido tão mais suportável se tivesse acordado nos braços de Holt. Diana mordeu o lábio, para abafar um soluço. Com uma explosão de movimento, afastou as cobertas e saltou da cama. Foi até o banheiro e se deteve ante a visão do seu rosto sonolento e farto de amor no espelho, e do ar perdido dos seus olhos. Dando meia-volta vivamente, Diana ligou o chuveiro. Enrolou uma toalha nos cabelos para protegê-los da água e entrou na banheira-chuveiro, fechando a cortina. Os jatos d’agua pontiagudos atingiram-lhe a pele, afastando o entorpecimento. Ficou sob os borrifos d’agua, a cabeça jogada para trás, os olhos fechados, as mãos erguidas, as palmas abertas numa adoração silenciosa à água revigorante. Os jatos do dilúvio que a inundava deixaram Diana surda a qualquer outro som. Quando abriram a cortina da banheira, bruscamente, ela soltou um grito de alarme e espanto. Holt estava lá, fitando-a impassível. O fôlego voltando aos poucos. Acercou-se mais da parede de ladrilhos, deixando a água do chuveiro cair entre eles, como se aquilo a protegesse, de alguma maneira. Onde esteve? perguntou, e a pergunta acusava e tremia de mágoa. O avião chegou. Continuou a manter a cortina da banheira aberta, observando-a, e o seu olhar não se desviava do rosto dela, lustroso e salpicado de gotas d’agua. Tive que botar o cavalo no reboque e trazer a tripulação para cá.
— A tripulação. — Diana se lembrou de que o quarto pertencia a um deles. Vou fazer a cama logo que sair do chuveiro. Suponho que estejam esperando lá embaixo. — O piloto e o co-piloto estão dividindo um quarto, portanto não há pressa em deixar este livre. Holt soltou a cortina e afastou-se para o lado. Ela continuou parcialmente aberta, e Diana podia vê-lo se despindo. O que está fazendo? perguntou, ofegante. Arregalou ao máximo os olhos quando Holt entrou no chuveiro. Parecia mais alto, os ombros mais largos, deixando-a pequenina. Os ombros e as costas dele protegiam-na da força dos jatos d’agua. Fitou os olhos dele, que ficavam escuros como o
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carvão. O seu corpo magro e musculoso parecia maior que o tamanho natural, forte e bronzeado sob a água cascateante. Um novo calor ardia nas suas veias, mas Diana não se mexeu quando Holt pegou um sabonete da prateleira e começou a ensaboar as mãos. Ela baixou os cílios ante o toque sensual das mãos escorregadias no seu pescoço. Havia um barulho alucinado, musical soando nos seus ouvidos enquanto ele ensaboava cada centímetro dela, com carícias lentas, massageantes. Dedos, palmas, seios, pernas, umbigo, tudo tinia com a limpeza erótica que as mãos dele faziam. Diana já se agarrava à carne dura dos ombros dele, quando as suas pernas enfraquecidas pela paixão deixaram de sustentá-la. A boca do homem fechou-se sobre a dela num beijo longo, narcotizante. A água escorria pelos rostos deles, pelos seus corpos entrelaçados. A temperatura quente não era nada, comparada ao calor ardente que os fundia, juntos. A água ficou fria antes que eles ficassem. Durante longos minutos Holt a manteve nos braços, esperando que os tremores do seu próprio corpo acabassem, assim como os do dela. Depois, tirou-a do chuveiro e enrolou-a numa toalha. A toalha que ela pusera na cabeça estava ensopada, e o seu cabelo úmido, quando Diana o deixou livre. Viu a cortina de veludo negro se agitar, no espelho, e olhou para o reflexo. Parecia tão diferente do que
jamais fora. Sem vaidade, Diana admitiu estar com uma beleza radiante que a assustava um pouco. O reflexo de Holt veio unir-se ao dela, forte, esguio, muito másculo. Ficou parado atrás dela. Diana viu a cabeça morena baixar para a curva do pescoço dela, e ouviu uma inspiração rápida que só depois percebeu que ela mesma emitira. Holt desceu as mãos pelos braços dela, cruzando-as na frente, enquanto explorava a veia latejante do seu pescoço. Virando-a para si, tomoua nos braços e levou-a para o quarto, agora na penumbra do crepúsculo arroxeado. Lado a lado, ficaram deitados na cama, os lábios se encontrando num beijo ocasional, mas principalmente curtindo a liberdade de se tocarem mutuamente. Diana pousou a mão sobre o ombro dele, e deslizou até a sua espinha. Sentiu as leves saliências na carne rija. Como as arranjou?
Mudou a cabeça de posição, no travesseiro, para ver-lhe o rosto. Arranjou o que? replicou, esfregando o nó dos dedos na depressão atrás da orelha dela. As cicatrizes. Não me lembro. 185
E Holt inclinou-se para beijar-lhe os lábios, mas Diana não queria mudar de assunto, agora. — É a mesma coisa que disse há muito tempo, quando lhe perguntei. Afastou-se uns dois centímetros para longe do alcance da sua boca. Está surpresa porque a minha história não mudou, depois de tanto tempo? respondeu ele, com um sorriso preguiçoso nos lábios, segurando-lhe a nuca, para não poder fugir dele de novo. — Alguém o chicoteou. Por quê?
A resposta foi um beijo forte, silenciador. Diana rendeu-se a ele, correspondeu-lhe, mas no instante em que a soltou, lutou contra seus sentidos atordoados para voltar ao assunto. Conte-me o que aconteceu, Holt. Um músculo se contraiu no maxilar dele, em sinal de impaciência. — Agora não é hora de lembrar recordações amargas. ’Os dedos tocaram de leve nas marcas esmaecidas das costas do homem. Deve ter sido muito doloroso. Foi?
Como o fizera naquela manhã, Holt estava tirando a mão das suas costas. Imobilizou-a contra o colchão, debruçado sobre ela, uma raiva fria perpassando-lhe pelo rosto; ela se dissipou com a mesma rapidez, quando o olhar de Holt percorreu-lhe as feições. — Jamais encontrei uma mulher como você. — Era um elogio de mau grado, feito quase que numa irritação malcriada. — Embaralha a cabeça de um homem, e ele fica sem pensar direito. — É? — Diana teve uma sensação de poder esfuziante, ante a admissão. — Sabia que estava me deixando doido hoje, esfregando-se em mim daquele jeito, no reservado acusou ele. Só faltava sentar no meu colo. Não de propósito. Levou a mão ao rosto dele, acariciando-lhe a concavidade macia do maxilar. Não tinha outra saída. No reservado só cabiam dois. Era o seu colo, ou o daquele homem. Até mesmo cheguei a me convencer de que não lhe dei a chave do quarto para que isto acontecesse. — Então, para que me queria aqui? indagou Diana, franzindo o cenho. — Não importa. Este é realmente o motivo pelo qual queria ficar sozinho com você. Também foi por ele que veio, não foi?
— Foi admitiu, sem hesitar. A raiva fora meramente uma desculpa. Queria que Holt fizesse amor com ela. Então, ambos temos o que queríamos.
Ele baixou a cabeça, beijando a concavidade exposta da garganta dela. 186
Mudou de posição no colchão, e segurou a parte inferior de um dos seios, erguendo o mamilo até os lábios. Ele se transformou num bico duro e sensível, ante a manipulação da língua dele. A pele dela tremia, enquanto ele fazia o mesmo com o outro mamilo. Satisfeito com o seu sucesso, Holt desviou a atenção para as curvas fartas dos seios, e para a caixa torácica da moça. Os músculos do estômago contraíam-se espasmodicamente enquanto ele explorava a cavidade do seu umbigo. Quando continuou a descer, Diana enrijeceu o corpo. Holt, não protestou, num sussurro apreensivo. Ele riu baixinho, sem malícia, o hálito quente contra a pele ultrasensível. Quer dizer que ainda tem alguma inibição sobrando, ou devo ”agradecer a refeição” — primeiro?
Os membros dela estavam começando a tinir, alucinadamente. Holt, por favor, o Rand nunca... ele achava que... Diana não completou a frase, pois um fogo incandescente, de tirar o fôlego, percorreu-lhe o corpo. 187
CAPÍTULO 15 Ronronando feito uma gatinha, Diana aninhou-se mais junto dele. Tentou não se aprofundar nas emoções loucamente doces que estava sentindo. Queria ”apenas senti-las, e não olhar para adiante, para onde poderiam levá-la. Acariciou de leve, com as pontas dos dedos, o ombro e o braço dele. Mesmo relaxada, a carne era dura e musculosa. Era uma loucura o modo como não parecia se fartar de tocá-lo. Tem família? conjeturou Diana, em voz alta, a voz num sussurro suave. Não me lembro de você ter deixado a estância, nenhuma vez. Foi criado no Arizona? Deixou o nariz sentir cócegas com os pêlos do peito dele, aspirando o seu odor. Ante o seu silêncio, os
pensamentos dela foram mais longe. — A sua mulher... a mãe de Guy... sei que vocês se separaram quando ele era pequeno, mas você deve tê-la amado, no passado. Não amou?
É sempre assim. O homem leva uma mulher para a cama e ela acha que tem o direito de saber a história da vida dele. A despeito do seu tom de voz divertido e zombeteiro, a fisionomia estava fechada, quando Diana inclinou a cabeça para trás, para ver-lhe o rosto. Riu baixinho, à socapa. — Gostaria de me mandar calar a boca, não é, como sempre faz com o Rube? Não daria certo, não comigo. — Subiu a mão pela coluna bronzeada do
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pescoço dele, e começou a traçar com a ponta do dedo um círculo preguiçoso junto da sua orelha. Terá que achar um outro meio. — Como este?
Envolveu a garganta dela com as mãos, exercendo pressão e erguendo o seu rosto para ele. Com exigência e dureza, Holt cobriu-lhe os lábios, calando-a com beijos antes de abrir uma trilha ardente até a curva do seu pescoço. — Deus! — Diana sentiu a respiração tensa que ele soltou contra a sua pele sensível, a boca mordiscando-a aqui e ali. Estou começando a conhecer o seu cheiro de cor. Poderia achá-lo até no escuro. — Está escuro. Diana arqueou-se mais para junto dele, chamas incandescentes correndo pelas suas veias. Ela acreditava que sua paixão estivesse esgotada, porém o toque, o beijo, a proximidade dele estavam-na acendendo de novo. Quando viu que ela se excitava outra vez, Holt acusou:
Você é uma cadela insaciável. Porém Diana já sentia a sua rigidez contra a pele. Um sorriso felino curvou-lhe os lábios.
— E isto torna você o quê?
Com uma rápida torção, Holt rolou-a de costas, imobilizando-lhe, os ombros contra o colchão. Logo baixou o corpo sobre o dela, a boca unindo-se à outra num beijo ardentemente consumidor. O fogo se alastrou, descontrolado. Pela segunda vez, Diana caiu num sono exausto, nos braços dele. Sentia-se em casa ali, mais confortável que na própria cama, aquele era o lugar mais natural do mundo para estar. Mesmo durante o sono, havia um vestígio de sorriso no rosto dela. Uma mão sacudiu-lhe de leve o ombro. Acorde, Diana. Com um movimento negativo de cabeça, aninhou-se mais no travesseiro duro que fizera do peito dele. — Vamos, acorde. — A voz de Holt ficou firme. — É quase meia-noite. Gemendo em protesto, Diana forçou os olhos a se abrirem. Holt soltou o braço que a envolvia e jogou longe as cobertas. Ela se sentou na cama, cobrindo os olhos quando ele acendeu a luz. O colchão subiu quando ele saiu em direção ao banheiro, onde deixara as roupas. — Vista-se — mandou. Diana obedeceu. Estava amarrando as sandálias quando ele saiu do banheiro. Exceto pela sombra escura da barba, parecia cheio de vitalidade e frescor, o cabelo cor de fumo brilhando à luz artificial. — Vou trazer o caminhão para a frente do hotel, e esperar por você. 189
Antes de sair, jogou a chave do quarto na penteadeira, para não ter que deixá-la na recepção. A porta se fechou enquanto Diana tirava a escova de cabelos da bolsa. A imagem do seu rosto suavizado pelo amor no espelho a. fascinou. Qualquer pessoa que olhasse para ela saberia que havia feito amor com alguém, integralmente, e que tinha adorado. Não havia um só vestígio de altivez ou de orgulho arrogante. Diana soube, naquele momento, que estava muito, muito vulnerável. O pensamento de Holt a esperá-la fez com que levasse a escova aos cabelos. Um toque de batom nos lábios e Diana estava pronta. Ouviu vozes no corredor, diante da porta,
e a realidade começou a esmagá-la. Esperou até ouvir as portas se fechando antes de se arriscar a sair. Quando correu até as escadas. Enquanto descia os degraus, Diana se sentia como se estivesse passando por um corredor polonês de olhos. Na superfície, ninguém parecia estar-lhe prestando atenção especial, não mais do que qualquer mulher até menos atraente receberia, àquela hora da noite. No entanto, Diana sentia o peso de saber que poderia ser reconhecida pelos moradores locais. Será que iam especular onde ela estivera? Será que adivinhariam que estivera num dos quartos do hotel, com seu amante? As fofocas sobre o divórcio serviriam de alimento à imaginação deles? Os boatos chegariam aos ouvidos do Major?
Diana quase irrompeu porta afora, afastando-se da atmosfera sufocante do hotel e indo para o ar puro e o silêncio da noite. O caminhão esperava na rua, do outro lado dos carros estacionados diante do hotel. Diana correu para o lado do passageiro e subiu na cabina, o coração disparado. Holt engrenou uma primeira e saiu, devagarinho. Diana podia ouvir o pisar dos cascos no reboque para cavalos que o caminhão puxava. Espero que o Major não esteja preocupado comigo. Era uma tentativa que Diana fazia de comunicar as pontadas de culpa que estava sentindo pelo seu comportamento imoral. — Ele sabe que você já é crescidinha. Não vai ficar esperando que chegue em casa. A resposta indiferente não era a que esperava escutar. Suponho que não. Quando chegaram à auto-estrada, o caminhão aumentou a velocidade, mantendo-se dentro dos limites por causa do carro-reboque e da sua carga preciosa, um reprodutor árabe puro-sangue. Diana apoiou a cabeça no encosto do banco, deixando o vento fresco soprar pela janela aberta, no seu rosto. Fechou os olhos. 190
Holt parecia tão distante, e ela se perguntava por quê. Será que também estava pensando no Major, e imaginando qual seria a sua reação se soubesse? Virou a cabeça para olhar para ele, o seu perfil forte, aquilino, recortado ao luar. Incomodaria você se o Major soubesse?
Houve um segundo de hesitação, antes que ele respondesse, simplesmente:
— Não. Não desviara a atenção da estrada. Gostaria de poder dizer o mesmo, mas os velhos hábitos custam a morrer. Não acha que ele ficaria chateado, se soubesse?
— Não é provável que descubra, salvo se você pretende fazer uma confissão completa e contar-lhe que passamos a tarde e a noitinha fazendo amor, louca e apaixonadamente. — A voz era cínica, debochada, e parecia esburacar uma ferida aberta. Se descobrir, o que espera que faça? Que banque o pai ofendido? Já me casei forçado uma vez. Não acontecerá de novo. Ele poderia despedi-lo. Foi uma estocada ineficaz. — Somos dois adultos, maiores de idade. Seu pai é homem. Dadas as mesmas circunstâncias, o Major não se teria comportado diferente de nós. Não, ele não o despediria. Podia ouvir o tom ácido na própria voz, mas não conseguia se controlar. Precisa de você. Conta com você. E você só estava fazendo o que qualquer macho americano normal faria no seu lugar. Deus, como Diana gostaria de não ter tocado naquele assunto. Por que não ficara calada? Virou o rosto para a janela, fitando as montanhas altas e escuras que flanqueavam a auto-estrada. Os pneus gemiam no silêncio. Diana fechou os olhos de novo, não dormindo, mas perdendo-se no barulho embalador. Alguns quilómetros depois, o ritmo se alterou, quando o caminhão diminuiu a velocidade. Diana abriu os olhos e espiou pela janela de Holt, esperando ver as luzes do pátio da estância. Ele percebeu o olhar dela, e fez um gesto de cabeça para a direita. Não quer parar aqui um pouquinho?
Diana olhou na direção que ele indicara e reconheceu a parada para descanso onde ela e Guy tinham estado, pela manhã. Voltou o olhar bruscamente para Holt, desconfiada e alarmada.
— Por quê?
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Você já o achou um local idílico, antes. Pensei que talvez ainda pudesse estar com vontade. — Você nos viu. Teve ganas de saltar em cima dele e arrancar-lhe fora os olhos. Saí pouco depois de você e do Guy, esta manhã. Quando vi o furgão da estância parado ali, naturalmente diminuí a velocidade. Era inteiramente possível que vocês estivessem tendo um defeito mecânico. — Holt começara a falar num tom seco e inexpressivo, mas ela podia notar a raiva crescendo. Isso foi antes de perceber o que se passava na boleia. Você é uma atriz consumada, Diana. Se não a tivesse visto com o Guy hoje de manhã, poderia ter acreditado que... Não terminou a frase, apertando a boca numa linha fina e rígida. Foi esse o seu motivo para... o quarto de hotel... para tudo? Os nervos dela gritavam de dor. — Algum tipo de lógica pervertida que dizia que ”se ela está comigo, não está com o Guy? Além do mais, era mais barato do que uma visita a um bordel. Os olhos cinzas frios e implacáveis faiscaram na sua direção. — Quem sabe seja esta a solução... fazer amor com você até que fique exausta demais para buscar sexo com outro homem qualquer... especialmente Guy. Diana virou o rosto, controlando as lágrimas. Sentia-se doente e nauseada. Holt só faltara chamá-la de vagabunda, como já o fizera anteriormente. Neste momento, Diana sentia-se como se o fosse. Os quilómetros até a estância pareciam arrastar-se. Notou que o caminhão fora acelerado e imaginou que Holt compartilhava do seu desejo de chegar logo em casa. O silêncio entre eles era enervante. Pareceu uma eternidade até que Diana viu as luzes da estância piscando por entre o arvoredo. Holt parou o caminhão junto aos cercados dos reprodutores, saltando da boleia antes que o motor tivesse morrido completamente. Os pés pesados feito chumbo de Diana foram bem mais vagarosos. Quando ela chegou até os fundos do carro-reboque, ele já baixara a rampa ja estava descendo o garanhão.
O olhar de Diana percorreu distraído o mais novo acréscimo ao plantei deles O novo garanhão era malhado de cinza com pontos negros, o cinzachumbo esmaecendo até o prata, de ossos finos e lindamente musculoso. Focinho pequeno, orelhas pequenas e pontudas, pescoço arqueado e um porte altivo mostravam todas as características de um árabe purosangue. O garanhão saltitava na extremidade da corda, soltando bufidos e testando os odores do seu novo meio ambiente A cabeça côncava virou-se para o paddock
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distante onde estavam presas as éguas para reprodução. Farejou o seu futuro harém e soltou um relincho estridente, chamando as éguas. — Calma, rapaz — disse Holt, dando uma palmadinha no pescoço lustroso. — Não vai demorar a conhecê-las. Uma erupção de sons veio do paddock, gritos e um tiro de rifle, seguidos imediatamente por rinchos assustados e o ribombar de cascos. Diana saiu correndo para o curral de reprodução, subindo até o pau da cerca mais alto, indiferente à saia enfunada. Lá longe, na distância, viu uma sombra branca fantasmagórica flutuando sobre a salva do deserto, movendo-se cada vez mais para junto dos recessos ensombreados das montanhas. A volta deles coincidira com a visita noturna do garanhão bravio. A comoção deixou o novo reprodutor indócil. Holt teve um trabalhão para segurá-lo e acalmá-lo. — Abra a porta do estábulo e a da baia dele — ordenou a Diana, com brusquidão. O senso prático mandava que ela obedecesse. Saltando do alto da cerca, correu para o estábulo, escancarou a porta e foi até à grande baia que pertencera a Shetan. Saindo do caminho, enquanto Holt a seguia, não permaneceu no estábulo. Lá fora, Diana dirigiu-se rapidamente para a casa grande. O seu caminho através do pátio escuro passava junto do estábulo-celeiro grande. Ouviu o barulho de cascalho pisado, perto de si, e deu um pulo, alarmada. Desculpe por termos acordado você disse Rube, aparecendo do meio da escuridão. O cano do rifle que segurava reluzia à luz do pátio. Foi aquele maldito garanhão branco, de novo.
Foi o que imaginei replicou, deixando Rube pensar que ela estivera em casa, dormindo. Ele notou o olhar que a moça lançou ao rifle que segurava. — Agora, o ruído de um tiro de rifle é a única coisa que ele respeita. Não atirou nele?
— Raios, não! Será que tenho cara de idiota?!! Não vou correr o risco de atingir uma das éguas do Major. Ele me arrancaria o couro, se isso acontecesse. Além disso, o Holt nunca me deu ordem para matar o cavalo, só para assustá-lo. — Desculpe, Rube. Devia ter sabido que você não seria irresponsável. Boa-noite. Boa-noite. Ouviu-o resmungando consigo mesmo, enquanto se afastava. Havia luz no quarto do Major, e a porta estava aberta. — É você, Diana? — chamou ele, quando ela entrou no corredor. 193
— Sou, Major. Parou diante da porta, o coração na boca, perguntando-se o que diria se ele quisesse saber onde estivera. — Suponho que essa barulheira toda foi por causa daquele garanhão bravio?
De pijama, parecia semi-adormecido, e extremamente cansado. — É, foi. O Major soltou um suspiro resignado e estendeu a mão para apagar o abajur da mesinha-de-cabeceira. — Devia ter sabido. Boa-noite. A manhã trouxe apenas perguntas sobre o novo garanhão por parte do Major, e um comentário meio distraído:
Você deve ter voltado tarde. Nenhum problema com o reprodutor, espero. Diana já tinha a resposta na ponta da língua.
Não. Um problema climático adiou a decolagem do avião da Califórnia. Como ele não perguntou, ela não teve que inventar uma resposta para como ela e Holt se haviam divertido naquele ínterim. Quase se engasgou com um pedaço de torrada. ”Divertir”. Deus, era a palavra exata. Holt se divertira com ela, enquanto tirava uma vingança selvagem. A desculpa verdadeira de uma dor de cabeça impediu-a de acompanhar o Major até os cercados dos reprodutores para ver o novo animal, e permitiu que faltasse ao almoço, evitando desse modo a presença de Holt por um dia inteiro. Passou a maior parte da tarde na cama. Diana sentia-se toda como se fosse uma dor só: física, assim como emocionalmente. esperava sinceramente que Holt estivesse do mesmo jeito. Tomou duas pílulas para dormir depois do jantar, e teve uma boa noite de sono. Nada a perturbou. — Como se sente hoje? — perguntou o Major, quando ela apareceu à mesa do café. Muito melhor. Diana se sentia ligeiramente atordoada, e botou a culpa nos efeitos colaterais do sonífero. O repouso é uma cura maravilhosa, especialmente quando não ocorrem confusões no meio da noite falou ele, passando-lhe a jarra de suco de laranja. — É — concordou, sem perceber o significado do comentário dele. 194
Não tivemos visita do garanhão selvagem. Diana levantou a cabeça. É? Quem sabe ele finalmente desistiu. Espero que sim. Depois do café, Diana recomeçou o seu ritual de uma cavalgada matutina. Foi para bem longe, deserto adentro, afastando-se de todos os sinais de civilização. Correu atrás de uma lebre graúda até que ela conseguiu driblar o seu capão ágil, e escapou. Parou para ver um bando de pássaros canoros do deserto voar rasante sobre a salva. Porém, inevitavelmente, teve que voltar para a estância. Parecia não haver virtualmente ninguém no pátio da estância. Todos os veículos, salvo um, tinham saído. Como ainda era muito cedo para a hora do almoço, Diana foi até os cercados dos garanhões, querendo ver o novo animal, à luz do dia.
Quando avistou Guy no cercado, exercitando a pé o garanhão cinza, Diana hesitou, depois seguiu em frente. Ele estava de costas para ela, e subiu na cerca para sentar no varão superior. Virou-se devagar, com o cavalo que circulava, e finalmente a viu. Ela falou antes dele. — Lindo, não é?
O garanhão era ainda mais impressionante, à luz do dia. Dinamite. Deteve o cavalo e foi soltar a corda de exercício. Por hoje, chega, meu chapa. O animal sacudiu a cabeça e se afastou trotando, pisando leve. Guy enrolou a corda, enquanto se dirigia para a cerca. Subiu ao último travessão, sentou-se ao lado dela, e ficaram olhando para o garanhão. — Faltou ao almoço, ontem. Tive dor de cabeça. Sophie me levou um pouco de sopa. Nunca soube que sofresse de dores de cabeça. Para falar a verdade, não me lembro de jamais tê-la visto doente. — É verdade. Mas esse ano que passou, com o meu rompimento com o Rand e o divórcio, tive muitas dores de cabeça. O médico falou que era o sistema nervoso. Mas raramente duram muito. Deus, estava virando uma excelente mentirosa. — Divertiu-se com a Peggy, no outro dia?
Muito. — Você disse que eles iam trazê-la para casa. Finalmente, aquilo viera à tona. Foi quase um alívio. Eu sei. — Mas não voltou com eles. — Não, vim com o Holt. 195
— E chegou tarde. Sei, porque fiquei acordado até a meia-noite, e você ainda não tinha chegado
O avião que trouxe o cavalo se atrasou por causa do mau tempo. O que fizeram durante todo esse tempo?
O tom de dono na voz dele irntou-a. Virou-se para ele, com um brilho gélido nos olhos azuis
— Sabe que não tem nenhum direito de me interrogar desta maneira. Ele não conseguiu sustentar o olhar dela. Puxa, Diana, eu.. Um guincho cheio de dor cortou os ares O olhar de Diana voou para o cercado onde as éguas estavam presas. Estavam agrupadas, cheias de agitação, os potrinhos relinchando com um medo desconhecido. Em meio aos corpos escuros e à poeira que os cascos levantavam, Diana viu um clarão branco
— Meu Deus, o garanhão está dentro da cerca — exclamou, prendendo o fôlego, incrédula. — Como ele sabia que não havia ninguém vigiando as éguas, durante o dia? — Por um instante, ambos ficaram paralisados pela incredulidade. Depois, Guy saltou da cerca. Vou levar o cinzento lá para dentro. Vá buscar um rifle, e encontre-se comigo no paddock
Diana disparou para a casa grande, o único lugar em que tinha certeza de que se guardavam rifles. A sua corrida alucinada não arrefeceu ao entrar casa adentro e dirigir-se para o armário de armas, esticando-se para alcançar a chave que estava em cima dele
— O que foi, Diana? — perguntou o Major, parado à porta do escritório. O garanhão branco está junto com as éguas
Destrancando a porta, agarrou um rifle e uma caixa de balas, parando apenas para se certificar de que eram do calibre correto. -Agora?! Diana passou por ele e correu porta afora
Estava com os pulmões em fogo quando atravessou correndo o grande pátio da estância e passou pelo longo estábulo para chegar ao paddock. Os músculos das suas pernas tremiam quando forçou-os a fazerem-na saltar a cerca. Do outro lado, parou para tomar fôlego e procurou Guy, que já estava no meio do paddock, dirigindo-se para os cavalos na extremidade oposta. Ouviu um som de estalido, e se deu conta de que ele apanhara um chicote do estábulo
Diana saiu atrás dele, correndo, aos tropeções. Agora, podia enxergar claramente o garanhão branco. Isolara duas éguas da manada, Nashira e
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Cassie, as duas que roubara anteriormente. Conduziu-as até um buraco na cerca, onde dois paus tinham sido derrubados. Porém o garanhão branco não se contentou em recuperar a antiga propriedade. Logo que as duas éguas estavam fora do cercado, ele voltou para a manada, nem mesmo abanando a orelha na direção do homem que se aproximava às pressas. Uma égua baia com o filhote ao lado foi escolhida pelo garanhão. Desesperada, a égua tentou fugir dele e voltar para a segurança da manada, mas dentes que a mordiam e cascos que a escoiceavam anulavam todas as tentativas. Finalmente, a égua e o potrinho saltaram por cima dos varões baixos da cerca e reuniram-se às outras duas que esperavam obedientes pelo garanhão. Enquanto o garanhão voltava para buscar uma quarta égua, Diana torceu o pé e caiu de joelhos. Guy ainda estava a 50 metros de distância. Ela não tinha forças nem fôlego para chamá-lo. E o tempo deles estava se esgotando. Apoiando o rifle nas coxas, abriu a caixa de munição e começou a enfiar cartuchos na câmara. Ergueu os olhos uma vez. Desta feita, o garanhão escolhera uma égua cinza, também com um potro. A égua começara a se deitar, numa tentativa de resistir às tentativas do garanhão, porém uma mordida feroz na anca pô-la de pé.
Os dedos trémulos de Diana haviam conseguido apenas enfiar quatro balas. Puxou o gatilho do rifle, esperando que fossem suficientes. Deu um tiro para o ar, a explosão ensurdecendo-a. A égua e o potro corriam para a cerca quebrada, com o garanhão marchando nos seus calcanhares. Ela disparou mais três vezes. Depois, o gatilho bateu em seco. Após baixar o rifle, Diana afastou os cabelos dos olhos. As quatro éguas, os dois potros e o garanhão branco fugiam para as montanhas. Duas das éguas já conheciam as suas ordens. As restantes com as crias estavam aprendendo. E o garanhão, branco como a neve e com uma andadura suave como seda, era um feitor severo. — Meu Deus, viu isso? — Guy caiu de joelhos ao lado dela, abanando a cabeça, assombrado, acompanhando com os olhos os cavalos que desapareciam rapidamente de vista. — Roubou quatro, desta vez, bem debaixo dos nossos narizes. — Quatro éguas e dois potros — corrigiu-o Diana, arquejante. Ouviu passos atrás de si, na grama alta. Virou-se, vendo o Major vir em largas passadas na direção deles. Parecia sem fôlego, mas estranhamente eufórico. — Não havia ninguém por perto? Ninguém viu o garanhão antes dele entrar no cercado com as éguas? Não havia ninguém de guarda?
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— Não. — Guy se pôs de pé. Quem imaginaria que o garanhão seria atrevido a ponto de fazer a sua incursão em plena luz do dia? Foi fantástico. É, eu sei, eu vi. Devemos sair agora no encalço deles? Tentar pegá-los antes que cheguem às montanhas?
— Não. — O Major sacudiu a cabeça. — À velocidade que vão, estarão nas montanhas antes que vocês selem os cavalos e saiam do quintal. Mas trate de consertar aquela cerca antes que mais outra égua fuja por ela. — Imediatamente. Guy entregou o chicote enrolado para Diana e correu para a cerca quebrada.
A respiração voltara ao normal, e Diana se pôs de pé, com o rifle enfiado sob o braço, a boca apontada para o chão. Olhou para o pai, e não gostou da palidez do rosto dele. — Não devia ter vindo. — Provavelmente nunca mais verei aquele garanhão branco tão de perto. Fitava as montanhas sem vê-las, como se estivesse enxergando de novo
tudo o que se passara. Naquele olhar, havia um conflito. A admiração por um magnífico exemplar equino era prejudicada pela ameaça que o cavalo representava. — Vamos voltar para casa, Major — falou Diana. Não tinha certeza se a escutara ou não, mas ele finalmente se virou para voltar. Havia um bocado de superstição no Velho Oeste sobre os cavalos brancos. Um pouco dela chegou até os dias de hoje. Parecia estar pensando em voz alta, consciente da sua única ouvinte, mas cego à sua presença. Acreditava-se que os cavalos brancos eram fracos e não tinham resistência. Durante a campanha de Crook contra os Sioux, em 76, uma das suas tropas de cavalaria montava cavalos brancos, mas eles não se saíram melhor do que os outros cavalos. Os índios não gostavam de cavalos brancos porque eram vistos à noite com facilidade. Provavelmente pelo mesmo motivo os montanheses... e mais tarde os vaqueiros e outros homens do oeste... evitavam montar cavalos brancos. Contudo, a despeito de todo esse preconceito, um cavalo branco ainda é um símbolo de orgulho, poder e supremacia. Quantos grandes homens e conquistadores montaram cavalos brancos? A lista é provavelmente interminável. Uma estranha contradição murmurou consigo mesmo. Uma estanha contradição. 198
CAPÍTULO 16 Sentada à mesa do almoço, Diana examinava Holt por entre os cílios. Olhara para ela exatamente uma vez, quando entrara na casa e a cumprimentara com um aceno seco de cabeça. A expressão era severa, iradamente severa. Fazia lembrar a Diana um felino
selvagem que fora irritado e fingia ignorar o objeto da sua raiva, enquanto a cauda se agitava no ar com fúria crescente. Ela ficou crispada e deixou o olhar baixar para as mãos dele, as mãos que tão intimamente conheciam o seu corpo. Ondas de calor a inundaram, o calor do desejo. Fitou o seu prato, lutando contra a onda de ânsia física, e tentou concentrar-se nas palavras que ele dizia, ao invés de pensar no vazio na boca do seu estômago. ... vamos levar uma série de cavalos extras e provisões suficientes para uma semana, como precaução. Partimos amanhã, ao alvorecer. O Major balançou a cabeça, concordando com os planos, e perguntou:
Quem vai levar junto com você?
Rube, Guy e provavelmente Don. Desta feita, Diana não se convidou para ir também. Guy lançou-lhe um olhar ansioso. Parecia extremamente tenso, profundamente perturbado e zangado por algum motivo. Lançou um olhar cortante a Holt, mas ficou calado. 199
Diana passou a tarde cuidando da papelada referente à estância. Quando acabou de jantar, estava louca para sair de dentro de casa, mas limitou-se a ir até à varanda de madeira. Usando um poste de sustentação como descanso para as costas, sentou-se na grade da varanda, as pernas estendidas na tábua chata. Ficou olhando um pôr-do-sol demorado pintar as encostas das montanhas distantes de amarelo e laranja. Vindo das sombras cada vez mais longas do arvoredo, viu Guy se aproximar da casa. Ao invés de entrar na varanda, veio até a grade onde Diana estava sentada. Ergueu os olhos para ela, a expressão confusa e tensa. — Quer dar uma volta comigo? Preciso lhe falar sobre uma coisa. Já estava na ponta da língua o seu pedido de desculpas, dizendo que se sentia cansada, mas a urgência no tom de voz fez com que se decidisse a acompanhá-lo. Não estava sugerindo um passeio romântico, de mãos dadas, ao pôr-do-sol. Havia alguma coisa preocupando-o seriamente, e não era ela.
Tudo bem. Jogou as pernas por cima da grade, a fim de pular para o chão. Guy segurou-a pela cintura para ajudá-la. Depois, enfiou as mãos nos bolsos e recomeçou a caminhar por entre as árvores, as passadas longas revelando uma agitação íntima. Quando estavam longe da casa, Diana botou a mão no braço dele, para deter aquele caminhar muito veloz. — O que é?
Guy fitou-a, perscrutando-lhe o rosto com uma intensidade que a fez franzir o cenho. — O Major falou o que pretende fazer com o garanhão branco?
Não replicou ela, e a ruga no seu cenho se aprofundou. Não discutiu o assunto com Holt?
— Só falaram em trazer as éguas de volta. Por quê?
— Porque acho que... — Correu os dedos pelos cabelos avermelhados. Acho que o Holt vai matá-lo. — Como? Ele disse isso?
— Não. — Cerrou o punho com força, agarrando o ar como se estivesse tentando segurar uma linha invisível, e firmar-se nela. É só um pressentimento que tenho. Mas sei que estou certo. Não disse Diana, sem querer acreditar. Sabe o que ele pensa do garanhão argumentou Guy. Considera-o uma peste, um estorvo. Não teria mais remorso em matá-lo do que a uma mosca. Não está vendo? O Holt provavelmente não diria nada ao Major, porque acho que o Major não quer que se destrua o garanhão. — Acho que está dramatizando demais. 200
Afastou-se para fugir da névoa de pânico em que Guy estava tentando envolvê-la. Ele a pegou pelos braços e virou-a para olhá-lo de frente. — E se eu tiver razão? E se, quando o Holt sair daqui amanhã de manhã, for com toda a intenção de voltar com o garanhão morto?
— Então, você terá de impedi-lo... se è isso o que ele está pretendendo fazer. — Eu? Como? Quem vai me escutar? Holt? Rube? Don? Todos ainda me acham um garotinho. Além do mais, ele pode convencê-los de qualquer coisa. Rube e Don farão o que ele disser. Eu não poderia detê-los. Ele é o patrão. Mas você, você é a filha do Major, você poderia. Holt jamais me escutaria argumentou a moça. Mas, se você viesse junto, poderia pensar duas vezes. E os outros dois a escutariam, porque estaria falando em nome do Major. Ele pode não segurar as rédeas, mas ainda é o dono dos freios. Você tem que vir conosco. Não. Virou a cabeça. Guy não sabia o que estava pedindo. Vá falar com o Major. Não ia adiantar nada. Holt e o Major são unidos como... Guy ficou buscando impaciente uma comparação. ... como pai e filho completou Diana, a voz inexpressiva. É, como um pai e filho deviam ser concordou. Está nas suas mãos, Diana. Quer que o garanhão morra?
-Não!
— Então, faça alguma coisa. — Segurou o rosto dela na mão e forçou-a a olhar para ele. — Já viu em toda a sua vida algum animal mais lindo do que aquele garanhão? Selvagem, orgulhoso e livre. Imagine-o com um buraco de bala na cabeça e os miolos esparramados pelo chão. É o que vai acontecer, Diana!
— Não! — exclamou, e fechou os olhos, porém isso só deixou na mente a imagem mais nítida. — Tem que vir com a gente.
— Holt não ia querer que eu fosse. E daí? Não conseguiu detê-la da última vez, e pode apostar que não vai conseguir detê-la agora. Você tem que vir com a gente. Diana hesitou. Havia lógica o bastante nas conclusões a que Guy chegara, para torná-las verdadeiras. Ela mesma não sabia como Holt podia ser implacável? Ele não insinuara anteriormente que achava que o garanhão deveria ser destruído? Ela não vira o olhar de caçador no rosto dele?
— Irei — concordou, finalmente. 201
Sabia que podia contar com você. — O alívio inundou o rosto de Guy. Sabia que neste caso você ficaria do meu lado. Vou adorar ver a cara do Holt quando eu lhe contar. — Riu, triunfante. — Estão arrumando e preparando tudo para amanhã cedinho. Vou até lá agora avisar que você também vai, para levarem mais provisões. Está bem. — Estava menos entusiástica sobre a sua decisão, mas uma vez que fora tomada, Diana não voltaria atrás. — Vou preparar as minhas coisas. O nascimento de um novo dia surgiu em silêncio. Havia pouca conversa entre os membros do grupo de cavaleiros que partia. As palavras que trocavam eram ditas em tom abafado. O Major não ficara surpreso com a decisão de Diana. Disse que já a esperava. Rube e Don receberam-na de braços abertos na caçada. Holt nem mesmo a cumprimentara. Atravessaram o vale na direção das montanhas num trotar arrastado. Don estava encarregado dos cavalos extras e Rube puxava as duas bestas de carga. Guy cavalgava ao lado de Diana, e Holt ia na dianteira. O destino deles era o laguinho que servia de bebedouro, no desfiladeiro da montanha. Ocasionalmente, Holt examinava os rastros do garanhão, para verificar se a direção geral deles era a mesma. Uma hora depois que já estavam nas montanhas, Diana notou um par de objetos escuros e circulantes no céu. Olhe apontou ela. É, estou vendo. Aqueles urubus estão-se banqueteando com alguma carniça comentou Guy, com uma aceitação sombria das leis da natureza.
Quanto mais andavam, mais se aproximavam da área onde as aves de rapina se reuniam e pousavam. O animal morto devia estar bem próximo da rota que estavam trilhando. Um valo aberto numa encosta da montanha pelos efeitos das chuvas escancaravase diante deles. Já o haviam cruzado antes, na primeira vez em que foram no encalço do garanhão. Tinha os lados íngremes, mas dava para um cavaleiro e a sua montaria passarem. Holt freou o seu cavalo na beirada, parou, depois fez o animal descer a encosta. A sua descida foi acompanhada por um coro de crocitos e asas adejantes, quando os grandes pássaros negros levantaram voo, alarmados. No momento em que Diana e Guy chegaram ao valo, Holt já estava desmontando. No fundo do valo jazia o corpo de um dos potros. Holt agachou-se num joelho só, ao lado da forma inerte. Diana sentiu um bolo na garganta, enquanto Rube e Don vieram-se aproximando. 202
— Está com o pescoço quebrado — falou Holt, endireitando o corpo, a boca dura e estreita. Provavelmente escorregou descendo o valo. O pobrezinho de certo estava exausto, depois de tanto andar. Que pena. Mas que pena danada resmungou Rube. Peguem uma pá ali dos fardos para podermos enterrá-lo. O cavalo de Holt estava nervoso, forçando os arreios, detestando o cheiro de sangue e morte. Depois do potro ter sido enterrado, seguiram adiante, um grupo de ar solene. No bebedouro havia rastros frescos, em grande quantidade. O garanhão havia trazido as éguas para ali e partido. Diana fitou a terra revolvida. Ele estava treinando as novas éguas explicou Rube, lendo a expressão curiosa do rosto dela e adivinhando o que estava pensando. Um garanhão selvagem tem sempre que ensinar uma nova égua a receber as suas ordens. Às vezes, passa horas agrupando-as ou fazendo-as correr. Até mesmo as impede de beber água, até que dê permissão. Ele provavelmente teve muito trabalho com aquela égua que perdeu o potro. — É, acho que sim. — Diana protegeu os olhos do sol da tarde e olhou de novo para o laguinho onde os outros haviam levado os cavalos para dar-lhes de beber. Onde acha que estã”o, agora?
Aposto que não estão aqui por perto. É melhor irmos voltando para junto dos outros, para ver o que Holt está tramando, não acha?
Voltaram juntos para o bebedouro, Diana dirigindo-se para o seu cavalo, e Rube para perto de Holt, que estava desencilhando a sela. Lançou um olhar para Rube e continuou o que estava fazendo. — Estamos selando os cavalos descansados. Don, Guy e eu vamos sair por aí e ver se conseguimos localizar a manada. Vocês podem armar aqui o nosso acampamento-base. Diana se virou, ante as palavras dele. — Aqui? — questionou a decisão dele. Mas, se o nosso acampamento for aqui, os cavalos não virão beber água. — O garanhão não virá. As éguas poderão vir, se ficarem com bastante sede. Tirou a sela do cavalo e largou-a no chão, e colocou o coxim úmido sobre o arção dianteiro. Não olhou para ela uma só vez, apenas para os outros, através dela. Voltaremos daqui a três horas. Vinte minutos mais tarde, os três homens haviam trocado de cavalo e cavalgavam para fora do desfiladeiro. Rube e Diana começaram a armar o acampamento. Rube escolheu um local a uma distância discreta da água, para
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permitir aos animais selvagens menores virem matar a sede sem se sentirem ameaçados demais pelos humanos. Quando os homens voltaram, dali a três horas, o acampamento estava pronto. Os cavalos estavam pastando, amarrados. Uma fogueira ardia, começada pelo resmungão do Rube, que alegava que aquele era o único motivo por que o haviam trazido. Diana já tinha a refeição deles toda preparada, prontinha para começar a cozinhar. O café já levantara fervura. — Vocês o viram? — perguntou Rube, esperando para pegar as rédeas, quando os homens desmontaram.
— Nem de relance — respondeu Guy, enquanto Holt ia até à fogueira e se servia de uma xícara de café sem ao menos lançar um olhar para Diana, que estava parada ao lado do bule. Não o rastrearam?
— Perdemos os rastros num terreno árido, demos umas duas buscas na área, mas não conseguimos pegá-los de novo — disse Don, dirigindo-se até à fogueira. Era um homem pequeno e rijo, que estava ficando calvo e que tinha um sorriso perpétuo gravado no rosto castigado e uma cútis que enrubescia com facilidade. Raios, mas como este café está com cheiro bom. Cadê as xícaras?
Juntos, Rube e Guy tiraram as selas dos cavalos, deram-lhes uma boa escovadela e os prenderam no pasto com os outros. Diana começou a cozinhar, o silêncio de Holt fazendo pressão sobre ela, como uma coisa de mau agouro. Don também pouco falava, influenciado pelo silêncio de Holt e por uma natural dificuldade em conversar com a filha do Major. Estavam todos sentados à volta do fogo, pernas cruzadas, os pratos equilibrados no colo, comendo. — Desta vez não vai ser fácil chegar perto daquele maldito garanhão disse Rube, falando de boca cheia. — Aposto que ele vai disparar quando enxergar a própria sombra. O mais provável é que nos veja muito antes de o vermos, e vai botar as éguas para correr quando nos vir. Desta vez, o nosso serviço não vai ser mole. O que precisamos é de um avião. — Neste tipo de terreno, precisamos mesmo é de um helicóptero, mas íamos ter que dar muitas explicações, se alugássemos um. Holt raspou o prato e largou-o no chão. Pondo-se de pé, foi encher a xícara de café ao pé do fogo. Sem uma palavra, saiu do círculo do acampamento e sumiu dentro das sombras do crepúsculo. O que é que ele tem, afinal? resmungou Rube, porém ninguém respondeu. 204
Quando os outros tinham acabado, Diana lavou e guardou os pratos. O bule de café estava praticamente vazio. Ela jogou fora a borra. Vou pegar um pouco de água para fazer o café amanhã cedo disse para os outros. Vou pegá-la para você ofereceu Guy, pondo-se de pé. Não, obrigada, tenho que ir até lá, de qualquer forma. Caminhou a pequena distância até o bebedouro. Choupos mirrados erguiam-se na margem mais próxima do laguinho. Através das sombras lançadas pelos seus galhos, Diana viu o luar rebrilhando na superfície lisa da água. Era um farol para mostrar-lhe o caminho. Ajoelhando-se na beirada arenosa, deixou entrar um pouco de água no bule, sacudiu-o e derramou-a no chão. Depois, mergulhou o bule mais profundamente na água, para enchê-lo. Uma luz vermelha brilhava a curta distância, a ponta incandescente de um cigarro. Era Holt. Tinha visto a chegada dela e ficado calado,
Dar o gelo não vai adiantar falou Diana, com irritação. Se acha que me ignorando vou ficar magoada e voltar para a estância, está enganado. Por que veio? A voz chegava até ela vinda da calma da noite, baixa e impessoal. Não podia aguentar a ideia de ficar separada de Guy por uma semana?
Ela se pôs de pé, rígida e zangada por ele acusá-la de desejar outra pessoa. Isso não teve nada a ver com a minha vinda. Não? indagou, saindo de dentro das sombras, agigantando-se diante dela, a aba do chapéu lhe escondendo o rosto. Não, não teve. — A sua súbita decisão não teve nada a ver com aquele passeiozinho furtivo que você e Guy deram ontem à noite, no meio do arvoredo, onde não podiam ser vistos?
— Para seu governo, não fizemos outra coisa senão conversar, e estou me lixando se você acredita em mim ou não!
Mentirosa, zombou uma vozinha dentro dela. — Conversar? — ironizou Holt. — Passaram um tempão conversando.
— Tínhamos um assunto fascinante para debater... ou seja, você. — Viu quando ele recuou a cabeça, surpreso, e soube que marcara um ponto. — Guy acredita que você planeja matar o garanhão. Pretende impedi-lo. ,— E você?
— Não o quero ver morto. Tenho certeza de que o Major também não quer. 205
Podia sentir o ar estalando com a raiva dele.
— Estamos com dois cavalos mortos, primeiro o garanhão e agora o potro... ambos por causa daquele mustang selvagem. Se um coiote entrasse no galinheiro, você atiraria nele. Se um puma começasse a atacar o gado, você sairia no seu encalço e o mataria. Se um cão pastor começasse a matar as ovelhas, mandaria matá-lo. Falou numa voz ominosamente baixa. O que é preciso fazer para que vocês dois entendam que esse cavalo não passa de um animal que ficou nocivo?
Vai acabar com ele. Não. Viemos aqui para pegar as éguas. — Diana... Era a voz de Guy. Vá indo. O galãzinho a chama. Holt se afastou. Diana hesitou, mas não queria que Guy a achasse com Holt, para depois não ter que ficar driblando as suas perguntas ciumentas. Pegou o bule e começou a voltar para o acampamento. Guy encontrou-se com ela na metade do caminho. Estava começando a me preocupar com você. Ela riu da preocupação. — Que é isso, sou uma garota crescidinha. Sei cuidar de mim mesma. E,
se não puder, sei gritar muito bem. Quinze minutos se passaram antes que Holt voltasse para perto da fogueira, vindo de uma direção diferente. Diana sabia que ele não queria que Guy suspeitasse que se haviam visto e conversado enquanto ela fora ao bebedouro.
Uma hora mais tarde, estavam todos estendidos nos seus sacos de dormir. Quando adormeceu, Diana sonhou com as horas passadas com Holt no quarto de hotel. Era um sonho cálido, maravilhoso, onde tudo foi perfeito, exceto o amargo fim. Uma mão tocou-lhe o ombro, e uma voz familiar mandou que acordasse. Abriu os olhos e deparou com o rosto de Holt. Subitamente, tudo pareceu parte do seu sonho. Sorriu para ele, toda amorosa e meiga. — Acorde repetiu ele, com o maxilar rígido. — Bom-dia — quase ronronou ela. Envolveu o pescoço dele com os braços, e espreguiçou-se como uma gata. Diana viu a ruga em sua testa, mas sabia como fazê-la desaparecer. Erguendo a cabeça, apertou os lábios contra os dele, mexendo, saboreando, persuadindo. A momentânea resistência dele deu lugar a uma dura exigência. 206
O beijo dele derrubou-a de costas no chão duro, e a mão segurava-lhe o seio. Os lábios dela se entreabriram para gozar do êxtase pleno do seu beijo possessivo. E de repente, nada mais havia, quando Holt se levantou abruptamente de cima dela, xingando baixinho. Os olhos cinzentos estavam frios e zangados, quando ele lhe fitou o rosto espantado e confuso. — Prepare o café enquanto acordo os outros. O sonho sumiu quando Diana se deu conta de onde estava. Correu os olhos pelo semicírculo de figuras adormecidas. Tremendo com a reação, sentou-se e procurou as botas. O desjejum foi preparado atabalhoadamente, e não foi dos melhores, mas ninguém pareceu notar; ou, pelo menos, foram educados demais para fazer qualquer comentário. Don estava selando os cavalos enquanto Diana terminava de lavar a louça. Percebeu que ele não selara nenhum dos cavalos dela. Holt entregou-lhe a sua xícara vazia, e Diana perguntou, desafiadora:
Por que meu cavalo não está sendo selado? Quando ele não lhe deu uma resposta imediata, e sim lançou-lhe um daqueles seus olhares velados, ela teve uma explosão de mau
génio. Se acha que vou ficar aqui pelo acampamento feito uma mulher índia enquanto vocês vão procurar as éguas, está redondamente enganado. — Você... — Não recebo ordens suas. — Nem lhe deu uma chance para responder. — Don, sele o meu cavalo! — disse Diana ao empregado. — Vou junto com vocês. E voltou-se para Holt de novo, desafiando-o a cancelar a ordem dada por ela. — O pescoço é seu. Com um dar de ombros invisível, Holt se afastou. O dia todo procuraram o garanhão e as éguas, vindo para o acampamento ao meiodia para comer e trocar de cavalos. Duas vezes viram o bando de relance, a quilómetros de distância, e correndo. À noitinha voltaram para o acampamento, suados, cansados e esfaimados. O segundo dia foi tão sem êxito quanto o primeiro. O terceiro foi a mesma coisa. Quando os cavalos entraram no desfiladeiro, trotando cansada e arrastadamente, Diana sentia como se houvesse uma tonelada de solo de Nevada entupindo-lhe os poros. Quando desmontaram no acampamento, entregou as rédeas para Guy. 207
— Quer cuidar do meu cavalo para mim? Vou tentar lavar um pouco desta sujeira antes de preparar o nosso jantar. É a melhor coisa que já ouvi o dia todo. Guy pegou as rédeas da mão dela, com um sorriso exausto nos lábios. Guarde um pouco d’água para mim. Apanhando uma vasilha que serviria tanto como bacia para guardar a água como um meio de aquecê-la. Diana foi-se dirigindo para o laguinho. Ao sair, viu Rube se aproximando do círculo do acampamento. Quando tiver acendido o fogo, Rube, por que não esquenta o café que sobrou da hora do almoço? perguntou Diana, por sobre o ombro, nem sequer alterando o ritmo das passadas. Enquanto se afastava, podia ouvi-lo resmungando consigo mesmo: — Acenda o fogo, Rube. Esquente o café, Rube. Parece até que sou um maldito... Os seus resmungos sumiram no vento. À sombra dos choupos, Diana tirou o chapéu da cabeça, e deixou-o pendendo costas abaixo, preso pelo fio à volta do pescoço. Inclinando-se à beira d’água, mergulhou a panela no laguinho. A água era fria e
refrescante, contra a sua mão. Intensificava a poeira pegajosa e encardida que impregnava a sua pele. Tirando o lenço do bolso, Diana umedeceu-o na água e começou a limpar os filetes de suor do pescoço e garganta. Molhando-o de novo, começou a limpar as faces e a testa, uma limpeza preliminar que antecederia àquela com água quente e sabonete, no acampamento. Ouviu passos que se aproximavam no meio das árvores. Diana nem se deu ao trabalho de virar a cabeça. — Não adoraria mergulhar no meio deste laguinho, Guy? O que eu não daria por um banho gostoso e fresco! suspirou, ansiosa. E fazer amor depois.. é o que está pretendendo?
A voz irónica de Holt fez Diana se botar de pé. O controle gélido no rosto dele fez o coração dela bater violentamente de encontro às costelas. Estava muito perto, à distância de um braço, e seus modos eram ameaçadores. A água estava aos pés dela, Diana não podia recuar. — Por que está torcendo um comentário inocente para algo sugestivo? Não foi isso que falei ou quis dizer. A defesa dela era o ataque. — Não? — retrucou ele, por entre dentes cerrados. — Está-se esquecendo de que a conheço. Deu um passo à frente, e Diana tentou esgueirar-se por ele, mas pegou-a com facilidade. O contato com Holt tirou-lhe a resistência.
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Segurou-a pela nuca, forçando-a a olhar para o seu rosto. — Faz muito tempo, não é?
O corpo dela tremia. Não importava ao que Holt estivesse se referindo. A carne sabia o quanto sentira falta da carícia das suas mãos e do fogo dos seus beijos. Diana fitou as feições poderosamente másculas, os sentidos gritando em reação ao seu abraço duro e punitivo.
Como se pressentisse a reação positiva dela, Holt começou a cobrir-lhe as faces, olhos e boca com beijos rudes. Queria mergulhar no lago, nadar nua na água... rosnava as acusações de encontro à pele dela — e depois subir para a margem e fazer amor. Foi isso que você e Guy fizeram da outra vez. Diana girou a cabeça para longe dele, odiando-o por trazer à baila aquele incidente infeliz com Guy. É. A voz era dura, rascante de dor. Para você poder espiar. Você gosta de ficar espiando, não é?
A mão que agarrava o braço dela apertou-o com tanta força que ela pensou que o osso fosse se partir. Não pôde descobrir qual o método de represália que ele usaria, pois a voz de Guy invadiu aquele momento.. Ei, Diana, por que está demorando tanto? O laguinho secou ou... Saiu do meio das árvores, e ficou petrificado. Primeiro, seu rosto tornou-se branco de choque, depois lívido de raiva. — Largue-a!
Diana tremeu de pavor, consciente de que aquela cena estava prestes a explodir em violência. Fez força contra o braço que a prendia. Holt olhou para ela, um sorriso frio nos olhos. — Claro. Mas ela está precisando se refrescar. Enquanto a largava, Holt deu-lhe um empurrão. Ela tropeçou de costas para dentro d’água. Soltou um grito abafado e perdeu o equilíbrio nas pedras escorregadias, caindo sentada ruidosamente. Atordoada e ofendida, nem conseguia se mexer. Avisei-o para que a deixasse em paz. Se a machucou... — Pare com isso. — A voz de Holt interrompeu a ameaça de Guy. Acho que a sua bela dama está precisando ser salva. Dividido entre o desejo de socorrer Diana e enfrentar o pai, Guy não fez nem uma coisa nem outra, enquanto Holt passava por ele em largas passadas, dirigindo-se para o meio das árvores. Com a sua segunda opção eliminada, Guy entrou pela água adentro. Você está bem? perguntou, segurando a mão que ela estendia, e pondo-a de pé.
As calças de brim estavam ensopadas. As botas estavam cheias d’água. 209
A blusa estava respingada, onde não estava encharcada. O traseiro ardia da aterragem dura, mas, fora isso, não estava ferida. — Tudo bem. — Eu devia... — Guy lançou um olhar assassino por cima do ombro. — Não faça nada. — Diana assumiu a culpa. — Eu fui a causadora. Deixei-o com raiva. Pelo simples fato de respirar. O que aconteceu? O que foi que você disse?
Conservou a mão no cotovelo dela, enquanto caminhavam pela água rasa até a terra seca. — E que diferença faz? — Deu de ombros, ignorando a pergunta dele. Depois desses três últimos dias, estamos todos cansados e irritadiços. O génio do Holt estava por um fio. Não custou muito para explodir. Não vamos nos aprofundar mais. — Vá lá — concordou Guy, de má vontade. — Porém se ele... — Quer me fazer um favor, Guy? — Diana sentou-se para tirar as botas e esvaziar a água delas. Volte ao acampamento e pegue umas roupas secas para mim. E não puxe briga com o Holt acrescentou, cheia de impaciência. Não vale a pena. Um dia desses eu o mato. Ele respirou fundo, depois concordou, relutante, com um gesto de cabeça, e se afastou para atender ao pedido dela. Arrepios gelados percorriam a pele de Diana. 210
CAPÍTULO 17 Na manhã do quarto dia depararam com o bando, e a caçada teve início. Como haviam feito na vez anterior, perseguiram os cavalos em rodízio, cada cavaleiro fazendo uma parte do percurso, inclusive Diana. Desta vez, o garanhão se recusou a abandonar as
éguas, impelindo-as para a frente, implacavelmente, fazendo-as disparar esporadicamente, num esforço para escapar à perseguição. O sol já passara do ponto do meio-dia, entrando pela tarde, e Diana se espantava com a resistência que o bando demonstrava, sob a liderança do garanhão e, especialmente, com a do garanhão branco. Ele parecia cobrir quatro vezes o terreno que as éguas cobriam, indo daqui para ali para impedir qualquer égua de ficar um pouco para trás. Mais de 800 metros atrás da manada, Diana viu o garanhão acelerar subitamente o passo e abrir caminho por entre o bando pequeno e forçar a égua amarelada que ia à frente a desviar para a direção que ele queria que ela tomasse. Satisfeito, o garanhão voltou para a retaguarda e continuou a impelilas. Ela se deu conta de que o domínio dele era total. Este foi melhor exemplificado quando o jovem potrinho não pôde mais aguentar o ritmo e foi ficando para trás. A mãe tentou desesperadamente ficar
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com ele, mas o garanhão forçou-a a prosseguir, sem piedade, castigando-a com os cascos e os dentes. Quando Diana alcançou o potro, o pequeno animal ainda tentava cambalear atrás da manada. Os seus rinchos débeis, chamando a mãe, eram sons perdidos e lamentosos. Assustado e exausto demais para fugir, ele ficou tremendo quando Diana se aproximou. Cerca de um quilómetro e meio adiante, sabia que outro cavaleiro estava esperando para recomeçar a perseguição à manada. Não podia deixar o potrinho para trás. Freando o cavalo, desmontou e dirigiu-se cautelosamente para ele, puxando sua montaria e falando meigamente com o potro. Ele desviou a cabeça bruscamente ante o primeiro toque da mão dela, depois submeteu-se ao contato. Tentou levantar o potrinho até a sua sela, mas ele era quase um peso morto nos seus braços. Diana não conseguia levantá-lo o suficiente para colocá-lo atravessado sobre a sela. Deitando o potro no chão, tentou pensar em outra solução. O ruído dos cascos de vários cavalos a meio-galope veio de trás dela. Com as mãos nos quadris, Diana virou-se e viu Holt vindo em sua direção, trazendo dois cavalos descansados. Deteve os animais, uma ruga se aprofundando na testa.
O que houve? Só viu o potro depois de ter feito a pergunta. Está ferido?
— Exausto. Adivinhando o problema dela, Holt saltou da sela. Vou passá-lo para você. Diana montou e esperou enquanto Holt levantava o animal e colocava-o atravessado na sela, à sua frente. Leve-o de volta ao acampamento. Provavelmente também está com fome, além de cansado. Se tiver leite em pó, prepare um pouco para ele. Se não tiver, dê-lhe um pouco de água com açúcar. Quem está à sua frente?
O potro se debateu um pouquinho, depois se acalmou, sob o contato da mão de Diana. Don, eu acho. Deve estar esperando daqui a um quilómetro e meio. Vamos continuar pressionando o garanhão até o sol se pôr. Holt voltou a montar. Cuide do potro. Gostaria de levar um deles vivo para o Major. Partiu, e Diana foi voltando para o acampamento, a passo. Estava escuro quando os quatro homens chegaram ao acampamento. O jantar estava em fogo baixo, já pronto. Diana sentava-se perto do calor da fogueira,
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com o potro castanho enroscado junto dela, como um pequeno cão, a cabeça mimosa pousada no seu colo, profundamente adormecido. — Como está o potro? — perguntou Holt, vindo examiná-lo, agachando-se junto dela. — Nem parece que passou pelo que passou — disse Diana, tentando falar no mesmo tom de conversa impessoal. — Acho que ele concluiu que não precisa da mãe, agora que tem você observou Guy. É espantoso como tudo parece vir comer na sua mão. O murmúrio cáustico de Holt era quase inaudível, porém Diana escutouo.
— Teve sorte de não quebrar uma dessas pernas fininhas, já que andamos por uns terrenos bem irregulares comentou Don, estendendo a mão para pegar um dos pratos que Diana empilhara junto ao fogo. Podemos começar a comer?
À vontade insistiu Diana. Eu já comi. Esse rapazinho tem sorte de estar vivo. Rube veio juntar-se a eles, ao pé do fogo. Um velho caçador de mustangs me contou certa vez que alguns garanhões preferem matar os potros, para que eles não retardem o bando todo. Não é comum, estou-lhes avisando. Mas já aconteceu. E nada da parte desse garanhão me surpreenderia. — Amanhã é o dia D — falou Don. — Se pressionarmos o bando como fizemos hoje, conseguiremos as éguas. — Podem estar a quilómetros daqui, pela manhã — disse Diana, vendo os homens se servirem. Não é provável. Talvez o garanhão não esteja, mas aquelas éguas estão muito cansadas... cansadas demais até para comer, provavelmente, ou para conseguir descansar. Não estarão a mais de três quilómetros do lugar onde os deixamos previu Rube. Estava certo. Cerca de três quilómetros do ponto onde haviam abandonado a perseguição na véspera, encontraram o garanhão e as éguas. Sem demonstrar sinais de cansaço, o garanhão branco agrupara as éguas e as pusera para correr segundos depois de avistar os cavaleiros. Tudo indicava que seria uma repetição do dia anterior. Depois, Diana começou a notar que cada membro do rodízio estava ficando mais e mais próximo da manada. Ao invés da distância variar de 1.600 a 800 metros, passou a ser de 800 a 400 metros. As éguas estavam ficando absolutamente exaustas. Apenas a tirania do garanhão as fazia prosseguir. E ele ainda se recusava
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a deixá-las. Era como se soubesse que os cavaleiros estavam atrás das éguas que roubara.
O sol era uma bola incandescente, bem acima deles, e Diana estava na terceira fase do seu percurso em rodízio, impelindo a manada por um longo vale abaixo. Estavam-se aproximando de uma área onde um vale menor fazia junção com o vale maior. A égua amarelada sempre tentara penetrar nele, levando o bando para onde o terreno era mais irregular e a perseguição mais difícil. Rube estava estacionado ali, para manter a manada prosseguindo pelo vale principal e para tomar o lugar de Diana na caçada. Diana passou a andar a um meio-galope suave quando viu a égua amarelada dirigirse para a boca do vale menor. Quase que imediatamente, Rube apareceu no centro da abertura para correr para o centro do vale principal. A égua na dianteira desviou-se violentamente, as outras éguas seguindo-a, achando ainda forças de reserva para se porem a um forte galope. Rube forçou o seu cavalo a um meio-galope para interceptar o caminho da perseguição, e substituir Diana. O cavalo dela obedeceu de bom grado à pressão do freio e diminuiu a andadura para um trote forte, sacudindo a cabeça, a espuma respingando do pescoço molhado. Enquanto Diana observava Rube desviar-se na direção do bando, viu que o garanhão branco notara o segundo perseguidor. Com uma sacudidela da crina branca, mudou de direção. Um grito relinchante rasgou os ares, em desafio. Os olhos dela se arregalaram, ao ver o garanhão partir para cima do inimigo, o pescoço abaixado, as orelhas achatadas de encontro à cabeça. — Rube! — avisou Diana, com um berro. Mas Rube já vira o súbito ataque, e estava refreando a sua montaria. Esta pressentiu o perigo que o garanhão representava, e reagiu com medo, corcoveando e lutando contra as mãos que seguravam as rédeas. Diana podia ver Rube agitando o braço e berrando, na tentativa de assustar o garanhão. Ela esporeou o cavalo na sua direção. Como uma fúria branca, o garanhão atacou cavalo e cavaleiro. Rube tentou evitá-lo, forçando a sua montaria a girar sobre si mesma. O animal entrou em pânico e empinou. Rube agarrou-se ao pescoço dele, como um macaco, mas o cavalo se desequilibrou e caiu de costas sobre o cavaleiro. O garanhão branco não se satisfez em derrubar o seu perseguidor. Com as orelhas para trás e a boca aberta, atacou de novo. O cavalo de Rube se pôs de pé e fugiu dele. Rube tentou fazer o mesmo, mas o garanhão branco já estava sobre ele, com os cascos de ferro pisoteando-o contra o solo.
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O cavalo cansado de Diana estava distendido numa corrida, voando por cima da salva e da grama, chicoteado pelas rédeas nas suas ancas. O garanhão rodopiou para enfrentar a nova ameaça. Por um momento cheio de terror, Diana pensou que ele iria atacála. Porém seus olhos fulgurantes viraram-se para o bando de éguas em fuga, que começava a se dispersar sem a sua presença dominadora. Num instante, saíra no encalço do seu harém, naquela sua marcha peculiar. Ao se acercar do homem caído, Diana freou bruscamente. O cavalo parou, deslizando, caindo momentaneamente de joelhos antes de se endirei’tar. Na pressa, Diana saltou e caiu da sela, sem ter consciência dos soluços que saíam da sua garganta. Viu Rube se mexer enquanto corria para ele, as pernas tremendo com o choque do que presenciara. Estava deitado de lado, gemendo, quando ela o alcançou. Rube? exclamou Diana, rolando-o de costas, com cuidado. Não mexa em mim gemeu ele, engasgou, e começou a tossir sangue. Ah, meu Deus!
Não se dava absolutamente conta das lágrimas nos seus olhos, enquanto se punha de pé e corria para o cavalo dele. Arrancando o rifle da bainha, Diana deu três tiros para o ar, em rápida sucessão. A seguir, voltou correndo para o lado dele, largando o rifle no chão. — Maldito garanhão — tossiu Rube. — Fique quieto. Por favor, Rube, fique quieto. Os outros já vêm vindo. Ele pareceu ficar inconsciente. Sem saber o que mais fazer, Diana correu até o seu cavalo, para buscar o cantil. Molhando o lenço, começou a limpar o rosto dele, e o sangue da sua boca. A camisa estava rasgada e havia marcas por todo o peito, onde os cascos do garanhão o haviam atingido. Pareceu uma eternidade até ouvir o som de cavalos se aproximando a galope. Todos os três Holt, Don e Guy chegaram com diferença de segundos entre um e outro. Diana se ergueu, os joelhos trémulos, para recebê-los. — O que aconteceu? — perguntou Holt, bruscamente, ao passar por ela para se ajoelhar junto a Rube.
Diana não teve certeza de que ele a escutava, enquanto lhe contava. Surpreendia-a a firmeza da própria voz, levando-se em consideração o que estava sentindo por dentro. Embora seus olhos ainda estivessem marejados de lágrimas, parara de chorar. Estava parcialmente cônscia de que Holt estava tentando determinar a extensão dos ferimentos de Rube, verificando o seu pulso e outros sinais de vida. Ele estava vivo. Diana viu Holt agachar-se sobre os calcanhares, cerrando os punhos com força, enquanto fitava o homem. 215
— Mas que merda, Rube — murmurou baixinho, mas o palavrão parecia ser destinado à própria impotência, e à frustração que aquilo lhe causava. Ainda de olhos fechados, Rube retorceu os lábios num sorriso cheio de dor. — Me fodi mesmo, não foi, Holt? Recomeçou a tossir, cuspindo mais sangue. — Vai ficar bom. Aguente firme. — Era uma ordem, impaciente e raivosa. Ambas as emoções estavam no seu semblante enquanto se endireitava, os olhos cinzentos e duros fitando Don e Guy, um de cada vez. Pegue o cavalo de Rube e volte para a estância. Traga ajuda para cá. E você Guy, vá até o acampamento e traga alguns cobertores. Vá com ele, Diana. Não! exclamou ela, com a sensação horrível que ele a despachava para que não estivesse por perto quando... Diana recusou-se a terminar o pensamento. Don já estava na sela, esporeando o cavalo na direção da estância. — Deixe ela ficar, Holt. — A voz rouca de Rube inesperadamente tomou o partido dela. A sua mão direita fez um movimento fraco na direção dela e Diana ajoelhou-se ao lado dele, pegando a mão e segurando-a, porque sentia que era o que ele desejava. Abrir os olhos parecia ser um esforço. Estavam vidrados de dor, quando olhou para ela. — Seus olhos são azuis como o céu. Sempre tive vontade de lhe dizer isso, desde que era apenas uma garotinha. Sim, senhor, como o céu. Recomeçou a tossir. Ela apanhou o lenço de novo e limpou o filete de sangue do queixo dele. Diana estava ficando com os olhos cheios de lágrimas de novo. — Pode não haver anjos esperando por mim no lugar pra onde vou, por isso é melhor ter um perto de mim, do lado de cá do Além. Vá logo, Guy ordenou Holt. Ande.
Diana ergueu os olhos enquanto Guy se afastava deles. Holt estava tirando as selas dos três cavalos restantes. Deixou-as no chão e levou as cobertas que ficavam sobre o lombo dos cavalos para junto de Rube, a fim de aquecê-lo. Está perdendo o seu tempo, Holt. Um espasmo de dor contorceu as feições mirradas, cinzentas e abatidas, por baixo do bronzeado. Pssss! Diana levou os dedos aos lábios dele. Vieram pegajosos e quentes de sangue. Não fale, Rube. Tem que poupar as suas forças. — Não me fique mandando calar a boca. Todo mundo está sempre me mandando calar a boca. Tornara-se indignado e magoado. Quando um homem está morrendo, tem o direito de falar. E as pessoas devem escutar, em vez de sempre ignorá-lo. 216
Vamos escutar, Rube. Vamos escutar prometeu Diana, uma lágrima escorrendo pelo seu rosto. Mas você não está morrendo. Novamente aquele sorriso retorcido, porém Rube não corrigiu a ultima frase dela. Fechou os olhos e pareceu descansar um pouco, como se a última explosão tivesse tomado muito das suas forças. Holt estava agachado do outro lado dele, sentado sobre um dos calcanhares, a expressão insuportavelmente sombria. Diana sabia que o seu queixo estava tremendo, mas não conseguia controlá-lo. — Ainda bem que nunca me casei. — Rube recomeçou a falar. — Nenhum raio de filha minha jamais seria bonita como você. Eu costumava fingir que você era minha filhinha. Não é uma piada? Tentou rir, e começou de novo a sufocar no próprio sangue, mas conseguiu acrescentar: — Imagine eu, pensando que era o Major. Diana fechou os olhos bem apertados, e sentiu as lágrimas escorrendo pelas faces. Nunca adivinhara, nunca suspeitara, que Rube a enxergava com aqueles olhos. Por que a pessoa sempre descobre essas coisas quando é tarde demais?
Você é um bom homem, Rube falou com um sussurro tenso. Leal e digno de confiança. O Major sempre disse isso. Raios, mas você é uma mentirosa danada de boa.
Sorriu e pareceu satisfeito, a despeito da dor que lhe retorcia o rosto. Por que não descansa um pouquinho, Rube? A gente pode conversar mais daqui a pouco sugeriu Holt. É, a gente conversa mais depois concordou, e soltou um suspiro, como se estivesse muito, muito cansado. Os dedos nodosos continuaram enroscados na mão de Diana, e ela não fez nenhuma tentativa para soltá-los. Quando ele não se mexia já há vários minutos, Holt ergueu-lhe uma das pálpebras. Não está morto?
Agarrou-se à mão de Rube, fitando Holt. — Não. Está inconsciente. Diana engoliu em seco, apesar do bolo na sua garganta. Hemorragia interna, não é?
É replicou ele, pondo-se de pé. — Não há nada que a gente possa fazer? -Não. Holt se afastou, abaixando a cabeça para esfregar a nuca. Diana continuou a sua vigília ao lado de Rube, segurando-lhe a mão, mal mudando de posição. Doíam-lhe as costas e os ombros, e as pernas estavam
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dormentes. Quando Guy voltou do acampamento, com os sacos de dormir, tiraram as cobertas de sela de cima dele e substituíram-nas pelos cobertores dos sacos de dormir. Rube se mexeu e tossiu. Está frio. Ninguém vai... acender... um raio duma fogueira? A voz parecia gorgolejar, quando falava. Desta vez é o Guy quem vai fazer isso disse-lhe Diana, mas Rube parecia ter desmaiado. Não sabia se a ouvira. Não havia necessidade de se acender uma fogueira, mas mesmo assim Guy fez uma, para ter com que se ocupar, mais do que outra coisa qualquer.
Duas horas mais tarde Rube morria, serenamente, sem se debater. Diana soltou a mão do aperto frouxo dos dedos dele, os olhos secos enquanto Holt cobria o rosto de Rube com o cobertor. Rígida e calada, caminhou até a fogueira. Sentia frio e náusea. Alguém cobriu-lhe os ombros com um cobertor. Não sabia quem foi, e não se importava. Quase uma hora depois, o barulho de um helicóptero quebrou o silêncio irreal. Diana voltou no aparelho com o corpo de Rube, e ninguém questionou o porquê. 218
CAPÍTULO 18 Um saco de roupas para ser dado para o Exército da Salvação estava do lado de fora da porta do pequeno apartamento. Diana colocou o resto das latas que havia no armário em outro saco e também o levou para fora. Voltou a entrar no alojamento de duas peças e meia. Verificou de novo o banheiro para se certificar de que não havia esquecido nada. No quarto, parou para olhar o terno marrom disposto em ordem sobre a cama e uma camisa branca, a única que Rube possuíra. Uma gravata de laço com prendedor de dólar estava sobre o terno, e um par de botas jazia no chão, ao lado da cama, bem-engraxado, mas deixando ver as marcas do uso. Tudo ali era destinado à casa funerária. O armário e a cómoda estavam vazios. Diana notou a gavetinha na mesa-de-cabeceira e foi abri-la. A única coisa que havia dentro era uma Bíblia muito manuseada. Diana franziu o cenho. Não sabia que Rube era um homem religioso. Não se lembrava de jamais tê-lo visto ir à igreja. Abriu-a e viu um nome rabiscado na segunda capa: Anna May Carter Spencer. A mãe dele?
Soltando um suspiro, Diana virou-se para levá-la até a mesa da cozinha, onde o resto dos poucos bens pessoais dele estava reunido, num cesto. Algo escorregou de dentro das páginas da Bíblia, e caiu no chão. Era um retrato antigo, uma foto dela aos oito ou nove anos. Diana retesou o maxilar ligeiramente,
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ao recolocar a foto na Bíblia. Botou-a sobre a mesa, e não dentro do cesto. Diana tentou lembrar-se do que pensara sobre Rube, enquanto crescia, mas não sobrara nenhuma impressão marcante. Supunha que não fazia muito caso da existência dele, nunca se preocupando com os sonhos que pudesse ter. Se pensasse nele, provavelmente seria como um velho tonto, mas de uma maneira indiferente. Todos tinham sonhos. Ouviu passos, e a porta de tela da última unidade dos alojamentos se abriu e fechou. Diana correu os olhos pelo quarto pequeno e vazio, e apanhou o cesto que continha os pertences de Rube. Levou-o para fora, e caminhou até a última unidade. A batida à porta provocou a resposta de Holt:
— Entre. — Estava enxugando as mãos numa toalha, quando ela entrou. Virou-se, a irritação perpassando-lhe pelo rosto quando a viu. Os olhos cinzentos pareciam muito velhos e muito cansados. — O que é? — indagou, pendurando a toalha num gancho. Diana estava entorpecida demais para se perturbar com o tom de frieza dele. Andei limpando a casa do Rube. Não sabia o que fazer com algumas coisas de uso pessoal. Pousou o cesto na mesa. Não é muito: a navalha, o canivete, o relógio, um rádio e mais duas coisinhas... nada que valha muito, mas pensei... enfiou as mãos nos bolsos das jeans quando Holt caminhou até a mesa -... que talvez haja alguma coisa aí com que alguns dos rapazes queiram ficar. Achei que você poderia cuidar disso. — Pode ficar descansada. Ela continuou a fitar o conteúdo do cesto. — Aí também há um saco de enlatados. A farinha estava estragada. Os perecíveis eu tive que jogar fora. Há algumas cervejas na geladeira, e um pouco de manteiga e ovos. Deixei-os lá, por enquanto. não é muita coisa, é?
A voz falhou na última frase. — Devia ter deixado outra pessoa fazer isso. Holt parecia severo, zangado com ela.
— Quis fazer. — Diana ergueu o olhar para ele. — Sabe, é que nunca imaginei que... Rube era apenas... Estremeceu violentamente. Viu o movimento parcial que Holt fez na direção dela, como que a oferecer-lhe conforto. A dormência de gelar os ossos ficou forte demais, e ela se virou para ele. Abrace-me. Por favor, abrace-me. Houve um segundo de hesitação antes que ele a tomasse nos braços e a embalasse suavemente. O calor do seu corpo começou, devagarinho, a tirá-la
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do seu estado de entorpecimento. Começou a sentir de novo, com o coração, a cabeça e os sentidos. Havia dor, culpa e pesar... por um homem que nunca realmente conhecera. Envolveu a cintura de Holt com os braços, extraindo forças dele. Lágrimas começaram a marejar-lhe os olhos, as primeiras que chorava desde o acidente da véspera. Agora, o choque da morte de Rube se dissipara, e Diana começou a tremer de reação, enquanto as lágrimas escorriam. Enterrara o rosto na camisa de Holt, o molhado das suas faces umedecendo a fazenda. O bater compassado do coração dele era reconfortante, assim como a mão que lhe acariciava os cabelos. Doída, Diana apertou-se ainda mais à solidez do seu apoio, e sentiu o roçar da sua boca contra o topo da cabeça. Espalmando os dedos contra as omoplatas dele, Diana ergueu a cabeça para esfregar a testa contra a mandíbula e o queixo, como uma gata que quisesse ser acariciada e reconfortada. Sentiu a pressão cálida da sua boca na têmpora, como resposta. As carícias de conforto continuaram; beijou-lhe os olhos, as lágrimas das suas faces. As mãos percorriamlhe o corpo, buscando e tirando a dor com massagens, até que parecia não haver um único centímetro que não houvesse sentido o toque das mãos dele. O seu abraço era meigo e curativo. Diana estremeceu de alívio, contra ele. — Não está direito — disse, referindo-se à morte de Rube, a voz ofegante, enquanto Holt esfregava a boca nos cabelos negros junto à sua orelha. — Nada é direito. A resposta foi abafada pela espessura sedosa dos cabelos dela. — O que estou sentindo agora é errado, mas, que diabo, e daí?
Com um domínio de mestre, fechou a boca sobre os lábios dela, e entreabriu-os. Diana sentiu-se consumida pelas chamas da paixão dele. Elas tocaram fogo no seu íntimo ardoroso, e correspondeu com todo o abandono das vezes anteriores. Carregando-a no colo, Holt levou-a até um quarto adjacente, e largou-a ao lado de uma cama por fazer. Aí, despiu-a e deitou-a na cama. Os lençóis estavam quentes, e tinham o cheiro dele. O colchão gemeu ante o peso adicional. No instante seguinte, Diana sentia o contato do seu tórax nu contra o dela, a chama incandescente do desejo deles fundindo-os numa explosão de sensações espantosas. A sua força ergueu-os a uma altura superior à que já tinham estado anteriormente. Levaram muito tempo para descer à terra. Mesmo então, nenhum dos dois queria que terminasse totalmente. Apoiando a cabeça na curva do braço dele, Diana fumava o cigarro que Holt acendera para ela. O cinzeiro que partilhavam estava pousado na barriga dele. De repente, achou mais fácil falar de Rube. 221
Tudo aconteceu tão depressa. Vi o garanhão atacar e o cavalo empinar sobre ele. Não parecia que eu estava assim tão longe. Se o tivesse alcançado mais cedo, antes que o garanhão o pisoteasse, talvez agora não estivesse morto. Se você o tivesse alcançado mais cedo, os dois poderiam estar mortos. Não pode pensar assim, Diana. Não havia como prever o que aconteceria. A única coisa que poderia tê-lo salvo seria ajuda médica imediata. Mas era longe demais. Conheci o Rube a vida toda. No entanto, em todos esses anos, nem uma só vez adivinhei que pensava em mim de modo especial. Não fazia caso dele, como não fazia do Guy. Eles simplesmente estavam por perto, convenientemente, quando eu... — A frase foi morrendo aos poucos quando Diana sentiu a repentina imobilidade que acometera Holt. Fitou a fumaça que saía em espiral do cigarro, e as cinzas que se acumulavam na sua ponta. Tinham estado tão unidos. Agora, Holt se retraíra. — Gostaria de não ter falado no Guy murmurou. Não tem importância falou ele, apagando o cigarro e entregando-lhe o cinzeiro. Tem importância! Você vive acusando-me de estar sexualmente envolvida com ele, de estarmos tendo um caso. Não é verdade.
Não tem importância repetiu Holt num tom duro e seco. Lágrimas ardiam-lhe nos olhos, enquanto ela apagava o cigarro. Por favor. Os músculos da sua garganta se haviam contraído, e a sua voz saía rouca e tensa. Não quero discutir com você sobre o Guy, não desta vez. Não como haviam discutido todas as outras vezes, depois de ter feito amor. Fez-se uma longa pausa enquanto ele inspirava fundo e soltava a respiração num suspiro longo, quase lamentoso. — Nem eu, Diana. Holt virou-se no colchão, segurou-lhe o queixo e a beijou, mas sem deixar que o beijo ficasse apaixonado. Tirou o braço de sob a cabeça dela e sentou-se na beira da cama. O amor jorrou do poço eterno do seu peito. Levantando-se, Diana foi até onde ele estava sentado, as mãos passando por cima dos seus ombros para rodear-lhe o peito. Apertou-se contra ele e beijou as cicatrizes desmaiadas que lhe cruzavam as costas. Era uma expressão de emoção profunda, e não a vontade de fazer amor de novo. Suavemente, Holt soltou-se do abraço e virou-se parcialmente para afastá-la, encerrando o contato, sem rejeitá-la. 222
— É quase meio-dia — falou. Concordando, ela não fez nenhuma tentativa para prendê-lo, quando se levantou. Diana continuou na cama, vendo-o vestir-se, sentindo que tinha o direito a tal intimidade. O olhar dela estava sendo atraído para as cicatrizes, os olhos azuis turvando-se de curiosidade. Holt se virou e interceptou o olhar. Hesitou, depois vestiu a camisa, ocultando da vista dela as marcas antigas. Meu pai me espancava, quando eu era criança. Holt abotoava a camisa, aparentando indiferença às palavras que acabara de dizer. Era palhaço de rodeio. Minha mãe me mostrava fotos dele. Acompanhava o rodeio nas suas viagens, portanto não parava muito em casa. Eu costumava desejar que nunca voltasse para casa. Sempre que voltava, eu levava uma surra por algum motivo, e depois que ele começava a me espancar não conseguia mais parar. Minha mãe chorava e suplicava que parasse, mas geralmente, quando ele o fazia, eu já estava inconsciente.
— Ah, meu Deus, Holt, não! — exclamou ela, as palavras sufocadas na garganta. Eu tinha onze anos quando um touro o esmagou contra uma cerca, e ele quebrou a perna. Passou uma semana em casa, depois que saiu do hospital. Arranjou um chicote de montaria de couro cru e o usava para me bater, ao invés das mãos. Mas tinha que haver alguém... sua professora, um vizinho... — Isso foi antes do tempo em que os adultos admitiram que existia uma coisa chamada maltratar crianças. O que um pai fazia ao seu filho só lhe dizia respeito, ainda mais que, provavelmente, a criança devia estar merecendo comentou ele, com um torcer irónico da boca. — Mas tinha que se fazer alguma coisa a respeito, não é?
A mente fugia da ideia de que ele estivera irremediavelmente preso naquela situação, sem saída. Holt não respondeu imediatamente, levando um tempo fora do comum para enfiar as fraldas da camisa para dentro das calças. — Alguns meses depois dos chicoteamentos, minha mãe me contou que ele viria passar o fim de semana em casa. Quando saiu para fazer compras de comida, fugi. Tinha jurado que ele nunca mais me bateria. Dois dias depois, a polícia me encontrou e me levou de volta. Mamãe estava em casa sozinha. Disse que ele tinha saído à minha procura, e que prometera nunca mais me bater. Porém, quando ele voltou para casa, vi a expressão dos seus olhos, e soube que tinha sido tudo mentira. Começou a berrar comigo por ter deixado a minha mãe nervosa e quase louca de preocupação. Quando vi o chicote na mão dele, corri para o quarto de minha mãe. Porque ela vivia tanto tempo
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sozinha, ele insistira para que guardasse uma espingarda de caça carregada no armário. Lembro que ele tinha dito, certa vez, que se você queria atirar em alguma coisa de perto, uma espingarda era melhor do que uma pistola. Não sei se a minha ideia era assustálo com ela, ou matá-lo. Armei a espingarda e apontei-a para a porta. Quando ele entrou, puxei os dois gatilhos.
Diana sentiu-se mal. Sabia que tinha perdido a cor. O rosto de Holt estava impassível, sem registrar nenhuma emoção. Afivelou o cinto e pegou as botas. Não foi registrada queixa contra mim, dadas as circunstâncias e o fato de ser menor de idade. Mas me colocaram num reformatório durante alguns meses, depois me entregaram para a minha mãe. Foi então que nos mudamos... para o Arizona. Eu lamento... muito. Se pudesse viver aquele momento de novo, faria a mesma coisa. Holt saiu do quarto. Diana levou vários minutos até se recuperar o suficiente para se erguer da cama e sair. Parecia não haver mais nada a dizer quando se reuniu a ele no aposento principal. — Tenho que ir dar uma olhada num dos cavalos. Vejo-a na hora do almoço disse ele, abrindo a porta de tela. -É. Frases educadas que evitavam a verdade crua que ambos conheciam. O filho odiando o pai... no passado e no presente. Uma cavalgada rápida ao sol quente da manhã não aliviara a sua consciência. O enterro de Rube seria no dia seguinte, mas a depressão e a culpa que Diana sentia não tinham nada a ver com a morte dele. Levou seu cavalo devagarinho para os estábulos, desviando-se dos prédios principais, esforçando-se para evitar os outros. Observava o cavalo balançar a cabeça de um lado para outro, enquanto caminhava. Diana! Ei! Venha cá! — Uma voz rompeu a névoa da sua mente. Por que não me disse que ia dar um passeio? Eu teria ido junto. Ao ouvir o seu nome, Diana automaticamente detivera o cavalo. À sua esquerda ficavam os barris de gasolina, acima do chão, apoiados em suportes de aço. Para além deles ficava o velho reboque que Guy reformara parcialmente como moradia. Ele estava sentado numa espreguiçadeira caindo aos pedaços, com metade das faixas de pano rasgadas. A espreguiçadeira estava na sombra lançada pelo reboque. Venha cá conversar comigo! Fez um gesto, chamando-a. Havia algo de forçado tanto na sua voz quanto nas suas atitudes. 224
Sentiu-se tentada a seguir em frente, como se não o tivesse escutado, mas agora isso era impossível, pois já se detivera e olhara na sua direção. Com um suspiro, virou o cavalo para a abertura estreita entre os suportes para os barris de gasolina e um barracão de máquinas. Como está quente, hoje, não é? comentou Guy, sem se mexer da posição esparramada na cadeira quando ela chegou junto ao reboque. — Não está assim tão ruim. — Desça. Desça. — Fez sinal para que saltasse do cavalo. — Sente junto de mim e vamos conversar. Ergueu-se da espreguiçadeira, oscilando por um minuto. Pode sentar aqui. Trago outra cadeira lá de dentro. Enquanto Diana desmontava, Guy entrou muito ereto no reboque e saiu trazendo outra espreguiçadeira, em condições tão ruins quanto a primeira. Pousou-a no chão, ao lado daquela que a moça ocuparia. — Que tal uma cerveja gelada? — falou, com a voz ligeiramente pastosa. — Não, obrigada. Acho que vou tomar uma. Volto já. Sorriu e entrou de novo no reboque. Empilhadas em volta da espreguiçadeira havia meia dúzia de latas de cerveja vazias, o aroma recente no ar. Diana se deu conta de que Guy estivera bebendo, e ainda nem era meio-dia. Sentou-se com cuidado na espreguiçadeira, e as faixas aguentaram o seu peso. Tem certeza de que não quer uma cerveja? indagou Guy, voltando com uma na mão. Não, não quero. Sentou-se na espreguiçadeira ao lado dela, esparramando-se na antiga posição. Tomou um gole da lata, depois fitou-a, com algo de triste perpassando pelo rosto sensível. É a cerveja do Rube falou. Os rapazes deram as latas para mim quando dividiram as coisas dele. Floyd ficou com o relógio de pulso, que era o que Don queria. Eu ia ficar com o rádio, mas o desgraçado não funcionava. Guy achou graça e olhou para Diana. Tem certeza de que não vai querer uma cerveja por conta do velho Rube?
— Duvido que ainda sobre alguma — murmurou Diana, secamente. — Ainda há umas duas latas — assegurou-lhe o rapaz.
Dispenso. — Sabe — recostou a cabeça para fitar o céu — devíamos fazer um velório para o Rube. Ele adoraria. Um velório animado, regado a cerveja. Com um joguinho de dados. Ele adorava dados. Como conversava com eles! Mas era um jogador de pôquer horroroso. A gente podia blefar e tirar dele o que quisesse. 225
Adorava jogar, mas tinha medo de arriscar um dólar. Já lhe contei como ele me ensinou a jogar? -Não. Era um professor horroroso. — Guy suspirou e tomou mais cerveja. Não tinha família, tinha?
Nunca falou. O Major achava que tinha uma irmã em algum canto, mas Floyd acha que ela morreu faz alguns anos. Estão tentando descobrir. — Imagino que não vai haver muita gente no enterro, amanhã... só nós, aqui da estância. O Rube não tinha outros amigos, exceto a gente. Quem sabe uns dois empregados de outras estâncias, que já trabalharam aqui. — Apertou os dedos em volta da lata. Ouviuse um estalido quando a força fez uma mossa no alumínio. Contei a você que o Holt ficou com a sela dele? O filho da mãe!
Diana empalideceu ante a violência na sua voz. Não fale assim!
Por que não? Guy estava ligeiramente beligerante. É a verdade. É o que é e sempre foi. Você sabe, Diana. Sente o mesmo que eu a respeito dele. Além disso — não lhe deu tempo para refutar essa declaração — se não tivesse sido por ele, o Rube estaria vivo. Não é verdade. Não pode culpar o Holt. Foi um acidente. Eu estava lá. Se a culpa é de alguém, é minha, por não ter chegado junto dele mais cedo. — Não, a culpa não foi sua. Não havia nada que pudesse fazer. Não, foi o Holt repetiu Guy. E está pondo a culpa no garanhão branco. — Foi o garanhão branco que o pisoteou, não o Holt lembrou-lhe vivamente.
Mas foi o Holt quem nos levou para lá. Foi tudo um maldito plano dele. Deve pagar pelo que fez. Primeiro você, depois o Rube. Odeio o filho da mãe. — A cerveja está falando pela sua boca. Recuso-me a acreditar que esteja mesmo dizendo tudo isto. Diana tremia, parte de raiva e parte de horror. — Como pode defendê-lo depois do que lhe fez? perguntou, olhando-a ferozmente, erguendo-se na cadeira. O que é preciso eu dizer ou fazer para que você entenda que eu queria que ele fizesse amor comigo?!!! exclamou, com raiva frustrada. — Não acredito em você. Está falando por falar. Não iria desejá-lo, não quando o odeia tanto quanto eu. Sempre o odiou. Não o odeio mais. Eu... — Diana se interrompeu, pensando duas vezes antes de dizer mais alguma coisa. 226
Aquele filho da puta... — Não diga isso — advertiu. não adiantava raciocinar com Guy, não no estado em que se achava. — Se continuar a falar desse jeito, eu vou-me embora. Não. Com uma vivacidade que negava qualquer efeito sobre seus reflexos por parte do álcool, Guy estava de pé, segurando-lhe o braço antes que Diana pudesse dar um passo na direção do seu cavalo. — Por favor, não se vá. Fique comigo um pouquinho. — Os olhos azuis estavam contritos e súplices. — Desculpe por dizer palavrão na sua frente. Saiu sem querer. Parecia um garotinho, a despeito do aperto forte de homem no seu braço. Aquilo tornava difícil para Diana continuar zangada com ele, como no passado, quando olhava para ela com aqueles olhos de bezerrinho. — Não foi o palavrão que me chateou, Guy, é a sua atitude para com o Holt. Não vê que está tentando construir um lar para você, que lhe deu instrução? Jamais o maltratou, não é?
Mas os protestos dela só trouxeram uma expressão zangada ao seu rosto.
Ele é feito de pedra. Você tem mais emoções no dedo mínimo do que ele no corpo inteiro. Ele não liga para mim. Quem sabe está tudo trancado dentro dele, e não saiba como deixar sair. Ele liga para você. Foi por isso que me advertiu para ficar longe de você, porque não queria que eu o magoasse. Ele a advertiu? O rosto dele ensombreceu. Então é por isso que você fica me evitando; tem medo dele, do que lhe possa fazer. Ignorando as negativas de cabeça de Diana, esmagou-a nos braços e enterrou o rosto nas ondas espessas dos cabelos negros como a noite. Não deixarei que ele a magoe, Diana. Não sabe disso?
Diana fechou os olhos, dando-se conta de que Guy se imaginava como o seu matador de dragões. Não tenho medo do Holt. Lutava para achar espaço para respirar. Não preciso que me protejam dele. Não quero ser protegida. — Esse tempo todo você ficava me dizendo que era porque não queria levar nada a sério, não queria se envolver. — Guy não prestara atenção a uma só palavra que ela dissera. — E era ele que a ameaçava. Foi por isso que não me chamou para andar a cavalo com você, hoje cedo. — Não. Queria ficar sozinha e pensar. Não queria ninguém junto de mim
insistia Diana. — Quando ele a estuprou, aquele dia, eu devia ter... 227
Não foi estupro. Quantas vezes quer que eu repita? — argumentou Diana, frustrada. Se eu não estivesse de acordo, acha que não lhe teria arrancado fora os olhos? E sou a filha do Major. Você mesmo sabe como o Holt e o Major são unidos. Acha que o Holt teria me forçado e se arriscado a perder o respeito do Major e o seu emprego? Não seja burro, Guy. Abra os olhos e enfrente a verdade. — Você tem medo dele. — Movia a mão ao longo da espinha dela, no que pretendia que fosse uma carícia excitante. Começou a beijar-lhe os cabelos, buscando-lhe o rosto,
mas Diana virou a cabeça o quanto pôde. Vamos fugir para bem longe daqui, você e eu, para onde as ameaças do Holt não lhe façam medo. Não quero fugir daqui. Esta é a minha casa. Será que nada penetrara naquela névoa alcoólica?
— Tudo bem, ficaremos aqui. Em qualquer lugar que você queira estar... é onde eu quero estar. Farei o que você quiser prometeu com voz rouca. — Selarei um cavalo e sairemos para passear juntos. Quando ficar muito quente, vamos parar nos açudes e ir nadar, como fizemos antes. não disse, e seu grito estrangulado caiu em ouvidos moucos. — Eu a amo tanto, Diana. Só quero estar com você. Abraçá-la. Beijá-la. Vamos para o açude gemeu Guy. — Juro-lhe que vai ser tão lindo quanto da outra vez. Não! Reunindo todas as suas forças, Diana livrou-se dos braços dele, dando um passo atrás para olhar zangada para ele, a frustração atiçando o seu mau génio. — Lamento ter estado lá com você. — Não está falando a sério. — Ficou imobilizado de choque e incredulidade. Você disse que não lamentava. Não lamentei, mas agora lamento. Ah, Deus, será que você não entende? Correu os dedos pelos cabelos, numa tentativa impaciente de fazêlo compreender. — Éramos amigos. Cometi o erro de deixá-lo ficar íntimo demais, e isso estragou o nosso relacionamento. Agora, sempre que está perto de mim, é só o que quer fazer. E não quero que faça amor comigo de novo. A sua boca se contorceu de dor. — Mas você falou que gostava de mim. — Gosto de você, mas não o amo. Diana não tinha certeza se as palavras que dizia estavam fazendo sentido para ele. Guy, não quero magoá-lo. Está tentando me proteger, não é? Tem medo do Holt e medo de que eu possa fazer alguma coisa para detê-lo. É isso, não é? Você está tentando me proteger. Era inútil. 228
— Você está bêbado, Guy. Quando ficar sóbrio, quem sabe algumas das coisas que falei façam sentido para você. Não há por que tentar fazê-lo compreender, quando você não escuta, e fica torcendo as coisas, tentando encontrar motivos que não existem. Ela foi até o seu cavalo e montou. Não estou bêbado negou, indignado. Tomei algumas cervejinhas,
mas... Diana cutucou o cavalo nas costelas com o calcanhar, e ele se dirigiu
num trote animado para os estábulos. 229
CAPÍTULO 19 Diana folheava uma revista, mas o conteúdo não conseguia prender-lhe o interesse. Estava inquieta, nervosa, os pensamentos voltando constantemente para a discussão com Guy, pela manhã. E também havia Holt, e o funeral no dia seguinte, tantas coisas na sua cabeça. Jogou a revista para o lado, numa torrente de agitação indisfarçável. — Por que não vai à cidade hoje à tarde, Diana? — sugeriu o Major, gentilmente. — Precisa afastar-se um pouco de casa, acho eu. Todos esses preparativos para o enterro do Rube estão começando a agitar seus nervos. — Não é isso — falou, levantando-se do sofá para ir até a janela. — Além do mais, se eu fosse à cidade, daria uma parada na capela. Ainda acho que você precisa de uma mudança de ambiente, por algumas horas. Não a vi sorrir nem uma vez nos dois últimos dias. Vá ver Peggy. O sorriso daquela mulher sempre foi contagiante. — É.-Respirou fundo.— Talvez tenha razão. Vou ver Peggy. Mas não vou demorar. — Diana dirigiu-se para a porta. — E não se esqueça de descansar, à tarde. — Sei cuidar de mim — insistiu o Major. — Pode ir andando. Levando a camioneta, Diana guiou até a estância vizinha. não havia
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veículos no pátio, mas os sons que vinham do interior asseguravam-lhe que Peggy estava em casa. Deu uma batidinha na porta de tela e entrou. — Peggy?
Sim? — veio a resposta, de outra parte da casa, alguns segundos antes que Peggy chegasse à cozinha, balançando um bebé rabugento nos braços. O cabelo acaju estava preso com rolinhos, a blusa branca manchada com o cuspe do bebé. — Oi, Diana. — O sorriso de boas-vindas parecia mortificado. Estava botando as meninas na cama, para a soneca da tarde. Entre e sente-se. Quer um pouco de chá gelado? Eu sei que adoraria tomar um copo. Havia olheiras escuras no rosto da mulher. Diana pensou que era Peggy quem deveria estar tirando uma soneca. A mulher parecia totalmente exausta. Você trate de sentar que eu vou pegar o chá. — Não vou discutir. — Peggy riu, cansada. — Há uma jarra de chá na geladeira e copos no armário esquerdo, junto da pia. — Sentou-se à mesa da cozinha enquanto Diana preparava a bebida gelada. O anel de borracha para o bebé morder escorregou-lhe dos dedos, e ele só parou de chorar quando Peggy o devolveu. — Fiquei tão triste quando soube do Rube. Liguei ontem de manhã” e falei com o Major. Que acidente terrível. — É, foi sim. Diana levou os dois copos até a mesa, e puxou uma cadeira. — Alan falou que a viu na capela, ontem à noite. Já terminou de tomar todas as providências para o enterro?
Já. Provavelmente nãohaverá muita gente presente, portanto vamos ter apenas uma pequena cerimónia na capela, além das preces ao lado da sepultura, é claro. Suponho que os rapazes da estância é que vão segurar o caixão. — É — concordou Diana, e levantou os olhos ao ver um clarão vermelho pelo canto do olho. A garota mais velha hesitava junto ao arco que ligava a cozinha ao resto da casa.
Estava com a boca aberta, fazendo beicinho, e ainda havia vestígios de lágrimas no seu rosto. — Mamãe, quero água — pediu, manhosa. Não, não vai ganhar água! Peggy explodiu ao ver a menina. Volte já para o seu quarto e vá para a cama! Só estou brincando!
Não quero dormir, mamã”e disse a menina, recomeçando a chorar. — Sara Kay Thornton, volte já para o seu quarto antes que eu pegue a palmatória e lhe dê motivos para chorar — ameaçou Peggy. Não, mamãe, não!
Ao invés de obedecer, a garotinha começou a pular numa agitação assustada, chorando ainda mais. 231
Peggy mudou o bebé de posição, nos braços, e levantou-se da cadeira. O bebé perdeu de novo o anel de borracha e começou a chorar. Enquanto Peggy apanhava a palmatória redonda sobre a pia, a garotinha começou a berrar que não queria apanhar. Durante alguns minutos foi uma loucura completa, enquanto Peggy fazia a menina correr de volta ao quarto, dando-lhe umas palmadas pelo caminho. Pare de chorar! — A voz de Peggy chegava até a cozinha. — E não saia desta cama antes que eu mande! — Voltou tentando acalmar o bebé rabugento, que só se aquietou depois que estava de novo mordendo o anel de borracha. Peggy fez uma careta cansada enquanto se sentava. Outra rebelião derrotada. Espero jamais ter que passar por outra semana como esta.com a Sara se recuperando da gripe e Brian com os dentinhos nascendo e Amy certa de que não está recebendo a atenção que merece. — Está parecendo exausta. E estou. Sorriu. Mas estou aprendendo a tirar cochilos rápidos. Mamã”e vem ficar com as crianças amanhã, para que o Alan e eu possamos ir ao enterro. Diana farejou o cheiro acre no ar. Tem alguma coisa queimando?
Um ar horrorizado se espalhou pelo rosto de Peggy. Ah, meu Deus! O bolo. Tinha esquecido completamente! Largou o bebé no chão e correu para o fogão, abrindo a porta do forno. Está estragado — gemeu, apanhando um pegador de panelas. — Maldito forno! Tirou de lá uma forma de bolo retangular. — Olhe só! Um lado está queimado e o outro ainda está mole. O fundo do forno é mais quente do que o resto. Para se assar qualquer coisa por igual, é preciso ficar girando a forma. Peggy cutucou o conteúdo da forma. Esqueci do bolo, e agora vou ter que jogar tudo fora. O bebé veio engatinhando para junto dela, choramingando. Diana sacudiu a cabeça:
Como é que você aguenta isso? Como é que pode suportar tudo isso? Achava a situação de Peggy intolerável. Não estou me referindo apenas às crianças chorando, mas ao forno que não assa, à geladeira que não gela, e a um marido que não levanta um dedo para ajudar, só a enche de filhos. Você não pode nem comprar um vestido novo. Tudo jorrou da sua boca antes que Diana pudesse parar para pensar no que estava dizendo. Peggy fitou-a por um momento, aparvalhada, depois explodiu. 232
— Como tem a coragem de insinuar que não tenho nada que valha a pena na vida! Você tem uma bela cama de latão, mas quando se enfia sob as cobertas para dormir, ela está vazia. Quando eu vou para a cama, o Alan está ali para me abraçar e me amar e partilhar comigo os seus sonhos. Você pode comer filé todas as noites, enquanto nós comemos hambúrgueres. Sentados à minha mesa estão meu marido e três lindos filhos. Quem está à sua? Esta casa não é grande coisa, não é linda como a do Major, mas está cheia de amor. Eu é que sou a rica, e você a pobre, Diana. Se não dá para você enxergar isso, então sinto pena de você!
— Peggy, eu... A raiva na voz da mãe fez o bebé começar a chorar pra valer. Peggy abaixou-se e pegou-o no colo.
Acho melhor que você se vá, Diana — disse, com olhar orgulhoso. Diana não sabia como desfazer o mal causado pela sua irreflexão. Levantando-se da cadeira, saiu devagar até a porta, e se virou. O bebé tinha enfiado os dedinhos na boca de Peggy. Diana ficou vendo Peggy retirá-los enquanto o beijava na testa e o abraçava bem apertado. Diana sentiu um bolo na garganta enquanto saía porta afora, fechando-a suavemente. Foi uma viagem longa e lenta de volta a casa. Estacionou a camioneta na frente da casa e afixou no rosto o sorriso que o Major esperava ver, antes de ir até a varanda. Ao abrir a porta de tela, ouviu o telefone tocar. — Estância Somers — atendeu. — Diana? Sou eu, Peggy. Esqueci de mencionar outra coisa à qual dou muito valor... a sua amizade. Pode me desculpar pelo meu estouro?
Depois das coisas que eu disse, não sei como pode me perdoar disse Diana, com espanto, a voz engasgada. Nós duas temos andado muito tensas nos últimos dias. Vamos perdoar e esquecer, está bem?
Foi difícil fazer a palavra passar pelo bolo da sua garganta, mas finalmente Diana conseguiu dizer um trémulo:
-Está. Ótimo. Vejo você amanhã. É, amanhã. A cerimónia do enterro foi simples, e os pranteadores poucos. Ventava no cemitério, nuvens de poeira erguendo-se na estrada. Diana estava de pé ao lado do Major, que usava uma faixa preta na manga do terno escuro. Tanto Guy quanto Holt faziam parte do grupo que segurava o caixão, porém afastados
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um do outro. De olhos injetados e pele pálida, Guy tinha cara de quem continuara o porre do dia anterior, depois que Diana se fora. Holt parecia distante do que acontecia, indiferente à voz do pastor e ao vento que desmanchava seus cabelos queimados pelo sol. Quando acabou a cerimónia, o pequeno grupo de pranteadores se reuniu por alguns minutos. Alan e Peggy Thornton vieram apresentar os seus pêsames formais ao Major, que era o que mais se aproximava a um membro da família, para Rube. Peggy, quanto a ontem começou Diana, hesitante. Está esquecido, não lembra? Deu-lhe um abraço ligeiro, um gesto completamente natural e sem afetação. Nós a veremos na estância. Havia outros esperando para falar com o Major, e os Thornton seguiram em frente. Todos tinham sido convidados para a estância, para tomar café e comer alguma coisa, depois do enterro. Os que moravam perto tinham aceitado. O resto preferiu não fazer a longa viagem. ’
O grupo começara a se dispersar, voltando para seus carros. O pastor e a mulher tinham aceitado o convite do Major para irem à estância na camioneta, com ele e Diana. A trilha estreita que levava aos veículos estacionados forçava Diana a caminhar atrás deles, até o carro. Já tinham quase chegado quando uma mão segurou-a de leve pelo cotovelo, sem impedir que continuasse. O seu olhar espantado deparou com Holt ao seu lado. Diana não o via há vários minutos, e imaginara que já tivesse saído do cemitério. Ele a encarou brevemente, os pensamentos ocultos por trás de um muro de pedra cinzenta, depois continuou ao seu lado até o carro. O calor do toque espalhou-se pelo corpo de Diana. Teve vontade de virar-se nos braços dele e deixar que o contato rijo do seu corpo afugentasse todas aquelas palavras de pó e cinzas, morte e túmulos. Junto ao carro, Holt largou o braço dela, e Diana sentiu como se um sistema de sustentação de vida tivesse sido retirado. Estremeceu. — Está bem?
A pergunta foi feita em voz baixa, sem alcançar os ouvidos dos outros que estavam perto.
Ela ergueu a cabeça. O cabelo negro estava puxado bem para trás, num coque baixo na nuca. O costume preto simples que usava tornava a sua cútis mais pálida do que o normal, e intensificava o azul dos seus olhos. — Estou bem. Mentalmente, Diana acrescentou -.Enquanto você estiver comigo. Olhar para as feições magras e bronzeadas dele aumentava o desejo de ser esmagada nos seus braços e sentir a pressão ardente da sua boca contra a
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dela. Os olhos devem ter revelado a fome que sentia, porque ouviu-o prender rapidamente a respiração e notou o repentino escurecimento dos seus olhos claros. Inconscientemente, oscilou para junto dele, e Holt girou sobre si mesmo, abruptamente, e encarou o Major. — Gostaria de lhe dar umas palavrinhas mais tarde, Major, quando for conveniente para o senhor. Quando quiser, Holt. Com um breve gesto de cabeça para o pastor e a mulher, Holt se afastou, sem lançar um único olhar na direção de Diana. Um arrepio de apreensão a percorreu. Por que ele queria falar com o Major? E por que o fato de saber que ele queria a deixava tão ansiosa? O olhar se desviou para as montanhas do leste, e teve que abafar um estremecimento de medo. Na estância, todos ligaram a sua quietude e preocupação com a morte de Rube. Ninguém parecia notar como o seu olhar raramente se desviava de Holt. A despeito dessa sensação de mau agouro, ela não se descuidou das suas obrigações de anfitriã. Quando viu o pastor e a mulher sozinhos, Diana foi até lá falar com eles, sugerindo que se servissem de mais alguma coisa, porém eles recusaram. — Um belo grupo comentou o pastor. Diana correu os olhos pela sala, sabendo que, se o enterro fosse do Major, haveria uma grande quantidade de pessoas. Não é muita gente.
Não, mas as pessoas que estão aqui realmente gostavam do Sr. Spencer e se reuniram por este motivo, não por obrigação social. Sr. Spencer. Parecia esquisito. Ele sempre fora Rube. O seu sobrenome provavelmente já fora esquecido por metade dos presentes, pensou Diana, mas ficou calada. Vamos sentir falta dele comentou. Compreendo. O Sr. Spencer trabalhou para o seu pai por um bom número de anos. Ele está aqui desde que me conheço por gente. Não se deu conta de que se referira a ele no presente, mas se dava conta de que absolutamente não o conhecera. Que acidente tão triste murmurou a mulher do pastor ser arrastado e pisoteado pelo próprio cavalo. Fora esta a explicação dada? Diana não sabia. Ninguém, exceto os da estância, lhe fizera perguntas sobre o caso. O envolvimento do garanhão branco fora escondido. Com que facilidade ela poderia ter deixado escapar alguma coisa. 235
Foi muito triste. — Você estava lá quando aconteceu, nãoé? indagou a mulher, o sorriso meigo cheio de simpatia. Diana balançou a cabeça. -É. Ele conseguiu falar antes de morrer? Espero que tenha podido fazer as pazes com Deus. O único comentário feito pela mulher do pastor era quase uma prece fervorosa. Rube estava sentindo muita dor. Sabia que estava morrendo e... é, falou no céu. Achava que Rube não acharia ruim se ela torcesse a verdade um pouquinho. Que bom!
Querem dar-me licença? — pediu, precisando fugir daquela conversa. Tenho que ver se Sophie precisa de alguma ajuda na cozinha. Novamente o casal ofereceu condolências, antes que ela se fosse. Cumprindo o que anunciara, Diana foi até a cozinha, na certeza de que a competente Sophie não precisaria de
ajuda alguma. A governanta estava raspando e empilhando os pratos que tinham sido usados. Tudo bem, Sophie? Precisa de alguma coisa?
Bastou um olhar pela cozinha para indicar que tudo estava sob controle. Tudo bem, senhorita foi a resposta serena para as perguntas superficiais. Quando Diana já ia embora, a mulher se afastou, hesitante, dos pratos. — Que bela coisa a senhorita e o Major estão fazendo. — Ante o olhar intrigado de Diana, a governanta apressou-se a explicar, um tanto nervosa: Estou falando do enterro, da lápide para o túmulo dele, e de convidar todo esse pessoal que está aqui. — Obrigada, Sophie. — não sabia o que mais dizer. — O Rube sempre... gostou muito da senhorita. — A mulher parecia insegura, com receio de estar sendo ousada. O Holt me contou que foi um grande conforto para o Rube, quando ele morreu. Eu... obrigada. Diana não se lembrava de ter ouvido Sophie falar tanto, a não ser sobre assuntos domésticos. Imaginava que a morte de Rube havia tocado a todos, de uma maneira ou de outra. A mulher se voltou para os pratos, o corpo magro começando a curvar-se com o acúmulo dos anos, a coroa de tranças no alto da cabeça revelando como estavam ralos os cabelos grisalhos. 236
Eu não tinha certeza de que a senhora alguma vez tivesse prestado atenção ao Rube. Estava sempre tão envolvida com o Major, em criança, e ele envolvido com a senhora. Não parecia haver lugar para mais ninguém, nas suas vidas. Sei que o Rube pode ver o que estão fazendo por ele, e sei que isso o fará feliz. E Diana percebeu que Sophie estava falando por si mesma, revelando como se sentira em todos esses anos. Pousou a mão de leve no ombro da mulher, só por um segundo. — Obrigada, Sophie.
E sabia que era a primeira vez que tocava a mulher com alguma afeição. Saindo da cozinha em silêncio, Diana voltou para a sala. Automaticamente, seus olhos procuraram Holt. Viu-o enquanto se aproximava do Major, dizia-lhe qualquer coisa, recebia um aceno de aprovação, e ia junto com ele para o isolamento do escritório. A audiência que Holt solicitara ia realizar-se agora, percebeu Diana. Atravessou rapidamente a sala na direção do escritório, fazendo um aceno de cabeça para os que falavam com ela, mas sem deixar que ninguém a puxasse para conversar. Abriu a porta segundos depois que Holt a fechara. A impaciência brilhou no olhar que lhe lançou, quando ela entrou. — Como está se sentindo, Major? Diana foi para junto do pai. — Não está ficando muito cansado, está?
Não, estou bem. — Sentou-se na poltrona estofada de couro, atrás da escrivaninha. — Holt simplesmente queria conversar comigo em particular, por alguns minutos. Sei. Não se importam que eu participe, não é?
Já estava firmemente aboletada numa das cadeiras laterais, quando lançou o desafio. A voz de Holt era seca, a sua irritação contida. — Duvido que as minhas objeções fizessem alguma diferença. Não se sentou, ficou parado diante da escrivaninha, indicando pela sua atitude que o que tinha a dizer não ia demorar muito. Vou sair atrás das éguas pela manhã... — acrescentou, depois de uma pausa significativa — e do garanhão. -Não!
Diana tivera o tempo todo o pressentimento de que este seria o tópico da discussão. — Infelizmente tenho que concordar com a Diana — disse o Major, solenemente. Acho que está na hora de entregarmos o caso do garanhão bravio ao Departamento. 237
— Eles estão com as mãos atadas. A lei proíbe que se mate qualquer cavalo bravio. Se o Departamento tentar pegar aquele garanhão branco, alguém mais vai acabar morto ou mutilado. — Deixe o garanhão em paz. Ele que fique com as quatro éguas — argumentou Diana. Se eu achasse que quatro éguas o satisfariam, poderia concordar com você, mas não acho. — Embora estivesse respondendo ao argumento dela, dirigia-se ao Major. O garanhão vai voltar atrás de outras. E por que não? Estão praticamente à sua disposição para serem levadas. Não tem que lutar contra outro garanhão pela posse das éguas. E o medo que ele pudesse ter tido do homem parece estar desaparecendo. Não é mais apenas um estorvo. Tornou-se uma ameaça. Holt deu a sua opinião num tom seco, sem emoção. O garanhão tem que ser destruído. -Não!
— Existe lógica no que você está dizendo, Holt, porém... — Não estou pedindo a sua permissão, Major interrompeu. — Teria preferido sair pela manhã sem lhe contar quais as minhas intenções, para não envolvê-lo. Estou assumindo a inteira responsabilidade. As repercussões que decorrerem do que eu fizer serão exclusivamente minhas. — Não vai sozinho?
Havia preocupação na aceitação, por parte do Major, da decisão de Holt. Não. Don pediu para vir comigo hesitou e suponho que Guy também virá. — Ele ainda não sabe? — perguntou Diana, prendendo a respiração. — Ainda não. — Fará tudo para detê-lo. Irá tentar. — Não faça isso, Holt. Porém ele já a estava ignorando. Provavelmente só o verei quando voltarmos, Major. Cuide-se.
Pode deixar. Girando nos calcanhares, Holt foi até a porta. Diana ficou olhando para ele, buscando um argumento que o fizesse mudar de ideia, mas não achou nenhum. A porta se fechou e ela se virou para apelar para o Major, o único a quem Holt poderia escutar. — Tem que detê-lo. — Como? — O ar dele era cansado e indulgente. Não posso deter Holt. 238
É um homem. Não posso impedi-lo de fazer o que acha que tem que ser feito. — Mas ele trabalha para você. Se... — Está sugerindo que ameace despedi-lo, Diana? Não daria certo. Ele saberia que eu estaria blefando. E mesmo que não fosse um blefe, e eu o despedisse, Holt sairia atrás do garanhão mesmo assim. Você o ouviu. Não estava pedindo a minha permissão, porque sabia que eu não a daria. Ela sabia disso tudo, mas se recusava a aceitá-lo. Não pode deixar que ele faça isso!
O Major inclinou a cabeça para o lado, numa pose curiosa e pensativa. — Está preocupada com Holt ou com o garanhão?
— Holt é um ser humano. O garanhão é apenas um cavalo, um animal. Claro que estou preocupada com Holt. Diana ergueu-se, agitada. E é esse o seu único motivo? sondou ele. — Tem que haver um jeito de impedi-lo. Você também o ama — protestou, preocupada demais para notar o que estava admitindo. Tratou-o como a um filho praticamente desde que chegou aqui. Holt foi para você tudo que nunca pude ser. Como pode deixá-lo fazer isso, quando gosta dele tanto quanto eu?
— É verdade. De muitas formas, tratei Holt como a um filho. Mas não gosto do que está insinuando. Franzia a testa. O meu afeto por ele nunca teve precedência sobre o meu
amor por você, minha própria filha. Se me fosse dado escolher, quando você nasceu, jamais a teria trocado por dez filhos como Holt. — Então, detenha-o, detenha-o por mim. — Eu faria qualquer coisa que fosse humanamente possível, por você. Havia tristeza no seu rosto envelhecido. Dar-lhe-ia a lua, se pudesse, Diana. Mas, o que você está querendo foge ao meu controle. Não posso deter Holt, nem mesmo por você. — Tem que haver um meio. Agarrou-se desesperadamente à esperança. — Não conheço nada que desvie um homem como Holt do rumo que traçou. Sacudiu a cabeça com tristeza. Tenho que tentar, já que você não vai. Diana começou a se dirigir para a porta, depois hesitou. — Se não puder persuadi-lo a mudar de ideia... vou com ele amanhã. Uma negativa severa perpassou pela expressão do pai, até que se deu
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conta de que, como Holt, Diana não estava pedindo a permissão dele. A expressão desapareceu. — Também não posso detê-la — admitiu. Obrigada. As lágrimas toldaram-lhe os olhos, mas Diana piscou rapidamente, afastando-as. — Não gostaria de desobedecer uma ordem sua, Major. Espere. Deteve-a, quando já ia saindo. Por que não me dá alguns minutos para me reunir aos nossos convidados e depois pode escapulir pelos fundos, sem ser atrapalhada por um bocado de gente querendo saber o que houve com os anfitriões. — O pai sorriu com indulgência. — Imagino que vai falar com Holt agora, não vai?
— Vou, sim. Lutando contra o pressentimento de que era tudo perda de tempo. Levantando-se da poltrona, ele rodeou a escrivaninha e foi até a porta, onde ela esperava. — Me dê cinco minutos. — Numa exibição de afeto espontânea e inesperada, inclinou-se e beijou-a no rosto. Boa sorte, querida. 240
CAPÍTULO 20 Cinco minutos mais tarde, Diana se esgueirava pela porta lateral e por entre as árvores, até os alojamentos. Bateu à porta de Holt, e não teve resposta. Entrou, chamando o seu nome, mas os quartos estavam vazios. Hesitou. Onde mais poderia Holt estar? Talvez nos estábulos, começando os preparativos para a viagem matinal, concluiu. Saiu da unidade, dirigindo-se para os estábulos, o salto-agulha dos sapatos forçando-a a diminuir a velocidade no terreno irregular e cheio de cascalho. Abrindo a porta do estábulo, Diana parou para deixar os olhos se adaptarem à penumbra do celeiro. Um cavalo rinchou na baia, o odor de cavalos e feno forte no ar quente. Não havia movimento perto das baias, então ela se voltou para a sala de equipamentos. Naquele momento, Holt chamou:
Estou aqui, Don. Ele estava de costas para a porta, quando ela entrou. Não tinha trocado de roupa, embora a gravata e o paletó estivessem jogados sobre um banco. Estava inclinado sobre as albardas. — Esta cilha aqui está fraca, tem que ser substituída. Passe-me uma nova. 241
Quando não houve ruídos para indicar que sua ordem estava sendo obedecida, Holt olhou por cima do ombro. Um músculo se contraiu no maxilar enquanto endireitava o corpo e se virava para olhar Diana. A camisa social estava desabotoada no pescoço, realçando sua beleza máscula. Ela sentiu um movimento esquisito na boca do estômago, o magnetismo animal dele atingindo-a com sua magia. Sabe por que estou aqui. — Posso adivinhar — replicou ele, com a voz seca como o vento do deserto.
Desviou dela o olhar sereno enquanto se dirigia à parede onde estavam penduradas cilhas de vários tamanhos e comprimentos. Holt escolheu uma e levou-a de volta para a albarda. Diana se deu conta de que continuaria a ignorá-la enquanto ela deixasse. Caminhou até onde ele trabalhava, substituindo a cilha velha pela nova. Holt, olhe para mim mandou Diana, com impaciência. Os olhos percorreram-na de alto a baixo antes de voltarem à sua tarefa. — Não está vestida apropriadamente para os estábulos, está? Não chegue muito perto das baias, senão vai acabar com os sapatos sujos de estrume. — Você também não trocou de roupa — ressaltou ela, e ficou imediatamente irritada consigo mesma por ter deixado que o comentário dele a desviasse do assunto. — Vim examinar o equipamento que vamos usar amanhã. Não levantou os olhos. O suor começava a fazer a camisa grudar-se à pele, a fazenda branca moldando-se aos músculos fortes dos ombros e costas. A atração física estava começando a desviar de novo a atenção dela. Fechou os olhos num esforço para afastá-la. — Não vá, Holt. Não adianta, Diana. Está perdendo o seu tempo. A resposta foi seca, desencorajando discussões posteriores. O que acha que vai conseguir? — argumentou ela. — Duas coisas. Pegar as éguas de volta e me livrar do garanhão, eliminar um problema potencialmente perigoso. É tão simples assim? -É. Tem certeza? desafiou-o Diana. Ou Você se nomeou vingador da morte do Rube? Acha que, matando o garanhão, vai compensar a morte do Rube, de alguma maneira?
— Vá à merda, Diana! — A albarda e a cilha foram deixadas de lado numa explosão de fúria quando ele se levantou para defrontá-la, queimando-a
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com a sua raiva. A morte do Rube não é prova suficiente de que o garanhão tem que ser destruído?!
Não, não é! Porque você só a está usando como desculpa. Desde o começo ficou obcecado pelo garanhão. Quis a morte dele desde que soube da sua existência. Primeiro, era porque matou o nosso garanhão, depois por causa do potro que morreu com o pescoço quebrado. Agora, a morte de Rube faz você se sentir justificado na sua perseguição ao cavalo, para ocultar a sua obsessão sob um manto de vingança. Não faça isso, Holt. Não vá atrás dele. Se há alguém por aqui obcecado com aquele cavalo, são você e Guy. Escutaram todas aquelas lendas que o Rube e o Major lhes contaram sobre o outro garanhão branco, e ficaram convencidos de que ele reencarnou. Ele é um cavalo selvagem, um desgarrado nocivo. Nada mais. — Não, não estou obcecada por ele. — Diana negou a acusação, ficando mais calma, de repente. — Sei o que é sentir-se obcecada com alguma coisa. Durante anos, tive um ciúme louco de você... sem motivo, agora sei. — Ciúme?
É, ciúme. Balançou a cabeça. — Desde o primeiro momento que o vi com o Major, eu o odiei. Só compreendi inteiramente por que, faz pouco tempo. Porém, quando o vi, soube instintivamente que era todas as coisas’que o Major desejava num filho. Odiei-o por causa disso. Mas você é filha dele, a sua única filha. Ele a adora. Olhava para ela de testa franzida, perscrutando-lhe a expressão. Não está vendo? Esse era o problema. Eu era a filha dele, uma garota. — Ainda agora, havia um leve amargor na risada que deu. — O Major nunca disse que preferia ter tido um filho, em vez de mim. Mas este — fez um gesto amplo com a mão, para incluir tudo o que os cercava — é um ambiente muito de macho. Não se pressupõe que um homem sempre prefere ter um filho? Portanto, um belo dia, concluí que o Major desejava que eu tivesse sido um menino. Tentei ser o que achei que ele desejava... montando e laçando, mais à vontade de botas e jeans do que de saias. Quando você chegou,
modificou tudo. Primeiro, eu não devia exercitar os garanhões, depois não podia recolher o gado, porque era menina. De repente, o Major queria que eu virasse uma dama. Não me queria do jeito que eu era, e pensei que era tudo por sua causa, porque se havia tornado o filho que eu me esforçara tanto por ser. Odiava-o. Queria livrar-me de você. Cheguei a usar Guy para tentar fazer a sua vida aqui tão infeliz que quisesse ir embora. Holt virou-se para o lado, enfiando selvagemente os dedos pelos cabelos. Podia ouvir os palavrões que ele soltava, baixinho. Diana teve vontade de
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tocá-lo, mas sabia que qualquer tentativa seria alijada. Estava zangado, e não podia culpá-lo. — Depois de dois anos, finalmente me dei conta de que não havia nada que pudesse fazer para que você fosse embora continuou. Então, me dispus a ser qualquer coisa que o Major quisesse. Achava que tinha que ser a melhor em tudo, para que ele me amasse. Quando teve aquele primeiro ataque, queria cuidar dele. Mas ele disse que não, que tinha você e que não me queria presa à estância. Queria que eu me casasse. Meu Deus, acho até que me casei com Rand porque imaginava que era o tipo de genro que o Major queria. Sabe o que o Major me disse, há algumas semanas? — Diana fez uma pausa, quando o olhar incandescente de Holt virou-se para ela. — Que costumava desejar que eu me casasse com você. Se tivesse sabido disso, na época, provavelmente teria casado com você para agradálo, não importa o quanto o detestasse e desprezasse. Deus, como queria que Holt dissesse alguma coisa, que soltasse toda aquela fúria reprimida, em vez de ficar ali parado, todo cheio de masculinidade pura e força contida. Estava desnudando a alma para ele. Não percebia a arma que ela lhe estava entregando? Podia destruí-la. Ou, quem sabe, era por isso que estava esperando?
Sabe, Holt, eu sei o que é estar obcecada. Não fazia sentido algum. Fui eu que criei tudo na minha cabeça. Diana praticamente lhe suplicava que compreendesse. Não estou obcecada com o garanhão branco, mas você está. Acho que não é apenas por causa dos cavalos que perdemos, ou mesmo da morte do Rube. De alguma maneira, acho que culpou
o garanhão pela primeira vez que fez amor comigo... uma espécie de ”se não estivéssemos atrás dele, aquilo não teria acontecido”, e Guy não nos teria visto, nem começado a odiá-lo até chegar a querer matá-lo. Não é verdade, Holt. A atração física entre nós sempre existiu. Digamos que o garanhão tenha sido meramente o catalisador. As narinas dele se alargaram quando respirou fundo, os músculos do maxilar saltados. O brilho forte e prateado dos seus olhos era zangado e ameaçador. Será que nada que ela dissera penetrara naquele exterior de pedra?
— Não estou obcecado com o garanhão. Ele simplesmente tem que ser destruído — declarou Holt. Não vá atrás dele. Diana não podia explicar a terrível sensação que havia dentro de si. Farei o que mandar, se me prometer que deixará o garanhão em paz. Quer que eu deixe a estância e nunca mais volte? Vá para
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bem longe, onde Guy nunca me possa encontrar? Diga o que quer que eu faça, e o farei. Só lhe peço que não vá atrás do garanhão, Holt. Pare de ser tão melodramática! É um serviço, uma coisa que tem que ser feita, só isso! — exclamou, bruscamente. Pode ser que esteja sendo. Deu de ombros, num gesto de confusão. — Eu... Diana não conseguiu fazer passar mais nenhuma palavra pela garganta subitamente apertada. Não adiantava apelar para ele. Não queria escutar. O Major não conseguira dissuadi-lo. Por que pensara que poderia? Todo o espírito de luta pareceu abandoná-la, deixando-a estranhamente fraca. Ele estava tão próximo, a sua força tão indomável. Foi fácil cruzar o pequeno espaço e abraçá-lo, apoiando a cabeça na parede sólida do seu peito. — Não vá ouviu-se murmurar. Ao contato inicial, os músculos se retesaram, rígidos na sua resistência ao avanço inconsciente da moça.
— Diana, pelo amor de Deus... — começou Holt, zangado, mas no minuto em que suas mãos a tocaram para afastá-la, apertaram-se para envolvêla. Diana sentiu o roçar da sua boca contra a têmpora, e levantou a cabeça, buscando ansiosa o seu beijo. O martelar errático da própria pulsação era o único som que podia ouvir. A boca do homem devorava a sua. Os dedos começaram a puxar os grampos que prendiam o coque no lugar. Quando este se desfez, Holt correu os dedos pela confusão negra que caiu pelos ombros. — Tive vontade de fazer isso no cemitério — murmurou-lhe de encontro à garganta. Os sentidos de Diana giravam sob a paixão do toque dele. Aquele desejo familiar de ficar cada vez mais junto de Holt tomou conta dela. Teve consciência da postura dele, de pernas bem abertas, e dos seus quadris arqueando-se contra ele, querendo sentir a pressão latejante de cada músculo e nervo do seu corpo. Teria acabado entre eles como sempre acabava, se não fosse por uma voz que chamava:
— Ei, Holt, está aí dentro? — Era a voz de Don. Um segundo depois houve apenas silêncio, quando Holt ergueu a cabeça, os braços envolvendo Diana protetoramente, ocultando o seu rosto do homem de pé à porta, que estava rubro em vinte tonalidades de vermelho. — Deus, desculpem. Não quis... me desculpem. 245
Os pedidos de desculpas encabulados jorravam da sua boca em murmúrios. A voz viva de Holt interrompeu-os. Pegue os cavalos que vamos montar e traga-os aos estábulos. Pois não foi a resposta aliviada, antes de Don sair. Foi só então que Holt afastou Diana de junto de si. Deu um passo para o lado e começou a apanhar a cilha da albarda. Diana o observava, permanecendo sob a influência da confusão cálida e maravilhosa do seu abraço. — Não... posso fazer com que mude de ideia sobre amanhã?
Havia um pouco de auto-escárnio no olhar de esguelha que lhe lançou. Sinto-me tentado a deixar que experimente, mas, não. Sacudiu a cabeça, decisivamente. Não pode me fazer mudar de ideia. Então, vou com você declarou Diana. Acho que eu já estava sabendo replicou Holt, sem discutir. Diana esperava, querendo que ele falasse mais, mas ele continuou com sua tarefa de substituir a cilha velha. Suavemente, ela se virou e saiu da sala de equipamentos, voltando para a casa grande. Diana mudou de posição na sela, sentindo, constrangida, os olhos de Guy abrindo buracos nas suas costas. Olhou para Don, diretamente à sua frente, enquanto seguiam em fila indiana pelas montanhas áridas. Admita, disse para si mesma, estamos todos um pouco nervosos. A morte de Rube, tão recente, deixara-os a todos estranhamente calados. Todos sentiam falta da tagarelice incessante de Rube, que anteriormente preenchera muitos silêncios. Na noite anterior, vendo Don acender a fogueira do acampamento, Diana sentira um nó apertado na garganta. Haviam localizado o bando selvagem fazia uma hora. Holt estava preparando agora os postos de rodízio. O processo de desgaste logo começaria, a mesma tática que custara a vida de Rube, mas o único garantido a obter êxito. O objetivo principal era recuperar as éguas. Depois, cuidariam do garanhão. Na dianteira, Holt freou o cavalo e fez sinal a Guy para tomar posição ali. Guy parou, e continuaram sem ele. De um em um, assumiram as suas posições, até que Holt ficou pronto para começar a caçada. Durante três dias perseguiram o pequeno bando, sempre mantendo distância, respeitando a ’defesa selvagem que o garanhão poderia iniciar se a proximidade de um cavaleiro representasse uma ameaça. No quarto dia, e depois de quase seis dias inteiros na sela, os músculos doloridos de Diana entorpeciam o seu corpo inteiro. Enganchara uma perna no arção dianteiro da sela, apoiara o cotovelo no joelho, sustentava a cabeça
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com a mão. O seu cavalo estava à sombra de um pinheiro nodoso, batendo a pata para afugentar uma mosca persistente. Literalmente exausta, Diana temia ouvir o ruído de cavalos, pois aquilo significaria que era a sua vez de recomeçar a caçada. Não queria mexer-se. Achava que não poderia mexer-se. Um estalido nítido cortou os ares e a sua cabeça se ergueu bruscamente. Um arrepio gelado de medo correu-lhe pela espinha ante a repetição imediata do ruído. Um tiro de rifle. Um sinal. Diana desenganchou a perna do arção da sela, sem sentir dormência ou dor, e enfiou a ponta da bota no estribo. Esperou pelo terceiro tiro, sinal de perigo. Fez-se uma longa pausa, depois houve dois tiros disparados em rápida sucessão. Os joelhos começaram a tremer, e uma onda de alívio a inundou. Dois tiros significavam que o garanhão se separara das éguas. Diana girou o cavalo na direção geral dos disparos e partiu. Foi a ultima a chegar ao local. As éguas exaustas já estavam laçadas e no cabresto. Estavam com um aspecto lamentável, as costelas à mostra, desidratadas. Guy e Don estavam usando a água dos cantis para mitigar temporariamente a sede dos animais. Ela deteve o seu cavalo ao lado de Holt. Havia exaustão nas feições marcadas dele, e também uma certa implacabilidade de propósito, enquanto fitava a distância, sem dúvida, na direção que o garanhão tomara. — Temos as éguas falou Diana, serenamente, suplicando-lhe de novo que mudasse de ideia. Vamos voltar, agora. Dirigiu o olhar para ela, vagarosamente, os olhos cinzentos e velados. Com um débil movimento negativo de cabeça, falou:
— Não. — Retorceu a boca, secamente, ante a persistência dela. As éguas não podem andar nem mais um quilômetros — disse. — Precisam de um dia de descanso, comida e água, antes de poderem ser levadas para qualquer lugar. — E o garanhão?
Diana olhou na direção que Holt estava fitando. Não havia sinal dele. — Ele está cansado. Tem que estar. A última frase pungente lançava dúvidas sobre a primeira. Holt, deixe-o ir repetiu Diana, com voz tensa.
Ela tem razão, Holt. — O olhar de Guy lançava um brilho de desafio sobre a figura esguia na sela. — Já recuperou as éguas. Não chega?
— Não, não chega — retrucou, a paciência por um fio. — Don — virou-se para o outro cavaleiro, que estava junto das éguas já que eu estaria perdendo o meu tempo mandando que estes dois ficassem com as éguas, é você que vai ficar. Dê-lhes água de novo daqui a uma meia hora. Deixe que descansem por
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cerca de mais uma hora. O bebedouro fica a uns cinco quilómetros daqui. A essa altura, você já deverá poder levá-las até lá e prendê-las para pastar. Nós vamos achar o garanhão. Sem esperar discussões ou protestos ou concordâncias, Holt girou seu cavalo e instou-o a um meio-galope. Praguejando, Guy pulou para a sela, enquanto Diana seguia atrás de Holt. O terreno era irregular, o que tornava difícil para qualquer um dos dois alcançar Holt, com a dianteira que levava
Cinco quilómetros mais adiante, Holt parou na crista de uma montanha baixa. Quando Diana e Guy se reuniram a ele, viram o garanhão branco a cerca de um quilómetro e meio de distância, à sombra de algumas pedras, o pêlo branco empoeirado nitidamente visível contra o pano de fundo mais escuro. Estava descansando, um alvo perfeito. Foi com alívio que Diana percebeu que estava fora do alcance do rifle
Vai mesmo matá-lo, não vai? acusou Guy, subitamente. Sempre disse que ia fazê-lo, mas ficava
A voz dele falhou numa nota de raiva desesperada. Não havia sinal de que Holt tivesse ouvido uma palavra do que ele dissera
— Quero que tire o garanhão do meio daquelas pedras, Guy. Se puder, dirija-o para aquela recavação É o caminho óbvio de fuga, portanto ele provavelmente o escolherá por si mesmo. Diana, está vendo onde a recavação se abre para dentro do vale? Apontou. Quero que fique esperando naquele grupo de árvores. Certifique-se de que o garanhão já a ultrapassou bastante, antes de aparecer. Mantenha distância. Ele deve fugir para aquele vale menor, depois daquele morro Pode deixar É onde estarei esperando
Não havia motivo para explicar por que estaria esperando ali Daquele morro, Holt tinha um campo de tiro livre em qualquer direção que o garanhão quisesse tomar, descendo o vale principal, ou entrando no menor Diana tentou não pensar no que ia acontecer depois
Eu não vou falou Guy. Não vou descer até lá e ajudá-lo a assassinar aquele garanhão. Não vai me tornar cúmplice disso. Diana também não irá ajudá-lo E, sem a gente, você não terá chance
— Diana? — Os olhos de aço de Holt fixaram-se nela, que sacudiu a cabeça num protesto mudo. Tem que ser feito. O Major sabia. Você também sabe
Não ligue para ele, Diana mandou Guy. Ele não pode obrigá-la E sozinho não vai conseguir
Confusa e dividida, Diana olhava de um para outro, do pai para o filho
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O seu amor por Holt e o medo pela sua segurança puxavam-na para um lado, enquanto os argumentos de Guy para poupar o garanhão, e os seus próprios pressentimentos de que seria perigoso ir no seu encalço puxavam-na para o lado oposto. Viu Holt pegar as rédeas. Decida-se, Diana falou suavemente.
Ela não vai ajudá-lo declarou Guy, com leve triunfo, um sorriso curvando-lhe a boca. Mas Diana sabia que estava errada. Com um chicotear das rédeas, esporeou o cavalo montanha abaixo, fazendo ouvidos moucos ao grito irado de Guy. Não olhou para trás, e diminuiu a andadura do animal para um trote logo que chegaram ao solo plano e rochoso. Diana já não via mais o garanhão branco, só as rochas salientes que usara para se proteger do sol. Dirigiu-se para elas, recusando-se a pensar no que se metera, ou no que resultaria daquilo. Quando o garanhão apareceu aos seus olhos, ainda estava à sombra, parado elegantemente e fitando a direção em que ela se encontrava. Diana não se aproximou mais, ciente do aviso desnecessário de Holt para que se mantivesse a uma distância segura. O cavalo dela saltitava um pouco, devido à rédea curta. O garanhão sacudiu a cabeça, como que a desafiá-la a chegar mais perto. Depois de vários segundos, saiu da sombra e partiu marchando, escolhendo, como Holt previra, o leito seco de uma recavação. Diana seguiu-o a trote, passando para um meio-galope quando a distância entre eles começou a aumentar. 249
CAPÍTULO 21 O garanhão não estava tão cansado quanto Diana esperava. Manteve sua explosão inicial de velocidade por mais de um quilômetro e meio, obrigando-a a forçar sua montaria a fim de continuar a manter a pressão. Sem Guy ou outra pessoa qualquer para substituí-la neste calor, o cavalo começava a dar sinais de cansaço. Ainda havia um longo caminho a percorrer, até chegarem ao morro. Saindo da recavação, olhou para o grupo de árvores. Por algum motivo, Diana esperava ver Guy parado ali. Possivelmente imaginava que a sua decisão tivesse influenciado a dele. Não havia ninguém junto às árvores. Estava sozinha. Ignorando a dor e a exaustão dos seus músculos, Diana instou o cavalo a um meio-galope antes que o garanhão os deixasse para trás, no terreno plano do vale.
O morro parecia cada vez maior. Tentou concentrar-se no garanhão e não procurar o clarão de sol refletido no cano do rifle. O garanhão se aproximava cada vez mais do morro. Até o momento, não se resolvera entre o vale maior ou o menor, mas já estava dentro do alcance do rifle. O estômago começou a revolver-se de náusea, esperando a explosão que derrubaria o garanhão bravio. Fechou os olhos, sem querer ver o mustang desabar no chão. Subitamente, o seu cavalo desviou-se para o lado, semi-empinando. Diana escorregou da sela, um pouco para o lado. Agarrou o arção dianteiro,
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mal percebendo a grande lebre que saltava para dentro da salva, em pânico. Não conseguiu recuperar o equilíbrio quando o cavalo deu um salto para a frente, assustado, derrubando-a de vez. Diana sentiu-se caindo, e viu o chão vir ao seu encontro. Estendeu os braços para amenizar a queda. Sentiu o impacto forte, enquanto rolava, depois mais nada. Tudo ficou preto. Quando voltou a si, estava deitada de bruços. Diana teve consciência de um vento quente que soprava no seu braço. Ouviu um bufido, e sentiu uma umidade na pele. Mexeu os cílios. Viu um borrão branco à sua frente. O choque despertou-a totalmente, enquanto Diana se dava conta de que o garanhão estava ao seu lado, investigando o perseguidor que caíra. O instinto alertava-a para que não se movesse, mas era o terror puro que a mantinha imóvel. Através do véu dos cílios, viu o garanhão branco sacudir a cabeça e escarvar o chão a poucos metros de onde estava. Era como se estivesse desafiando o inimigo a levantar-se e lutar com ele. As narinas distendidas e avermelhadas, a cabeça do garanhão se estendia para ela, o topete branco e grosso caindo para diante, para cobrir-lhe parcialmente os olhos escuros. O pêlo branco estava suado e sujo, mas nada disso alterava o fato de que era um animal poderoso. Visto do chão, como Diana o via, era aterrador. Ela sabia o que aqueles dentes de marfim e cascos de ferro podiam fazer. Um suor frio cobriu-lhe a pele, o sangue gelandolhe nas veias.
Quase simultaneamente, houve o ruído de um disparo de rifle, e a poeira se levantou no ar, à direita e além do garanhão. Vinha da direção da colina onde Holt deveria estar. O garanhão ergueu a cabeça, mas não fugiu. Um segundo tiro atingiu o chão, mais perto do animal. Girando nas patas traseiras, o mustang começou a correr, enquanto um terceiro tiro fez um vinco vermelho perto da raiz da sua cauda. Diana ouviu o seu guincho de dor e raiva, antes que saísse em disparada. A paralisia a abandonou, e ondas de alívio percorreram-lhe o corpo, em espasmos. Respirou a princípio em arquejos assustados, com as forças voltando aos poucos aos músculos paralisados. Forçou-se a se pôr de joelhos, afastando os cabelos do rosto e esperando que os espasmos cessassem. Um cavalo a galope se aproximava. Virando-se, Diana viu Holt saltar da sela, rifle na mão, enquanto sua montaria parava, deslizando. Ficou de pé, aos tropeções. Antes que pudesse dar um passo na sua direção, ele estava ali, tomando-a nos braços, o metal duro da arma tocando as costas dela. — Está bem?
A pergunta rouca e exigente era o som mais lindo que Diana já ouvira. 251
Agarrou-se a ele, a solidez do seu corpo másculo absorvendo os tremores do corpo dela. Seus dedos afastaram rudemente os cabelos do rosto, depois seguraram-lhe um dos lados da face, erguendo-o para ser inspecionado. — Estou bem — insistiu Diana, trémula. O olhar de Holt queimou-lhe o rosto, um fogo prateado e brilhante que a ofuscava. Nunca mais faça isso comigo outra vez! exclamou Holt, com brusquidão. — Tive visões de... — isso acabou. Não precisava, porque Diana tivera as próprias visões de terminar como Rube, ou pisoteada até a morte, como
o garanhão árabe. — Pelo amor de Deus, o que aconteceu?
.”
Uma lebre grande espantou o meu cavalo e... caí. Devo ter apagado
por alguns segundos. Quando voltei a mim, o garanhão estava de pé ali explicou Diana, fechando os olhos, sem querer se lembrar do medo que a consumira. A sua boca cobriu a de Diana, violenta e gentil a um só tempo. Era tudo uma loucura. Ela sentia-se esmagada, e também embalada, segura, e também atacada. A todas as sensações, reagiu com igual fervor. O pensamento de que há alguns minutos poderia ter sido morta e jamais voltaria a sentir o abraço dele percorreu-a como uma cauterização. Queria saborear a sensação, e que também ela ficasse marcada a fogo na sua carne para sempre. Ficaram fortemente abraçados durante segundos incontáveis, cada um mais precioso do que o anterior, a boca do homem abrindo uma trilha de fogo em cada centímetro do seu rosto e pescoço. Foi um milagre o garanhão não a ter machucado murmurou Holt, finalmente, apertando-lhe a cabeça contra o peito, o maxilar e o queixo se esfregando contra os cabelos dela. Acho que ele não sabia se eu estava viva ou não falou Diana, apertando-se mais à parede reconfortante do peito de Holt, de olhos fechados. Graças a Deus você teve juízo e não se mexeu murmurou ele. Juízo? A risada estava trémula, com a reação. Estava petrificada! Sentiu que ele sorria de encontro aos seus cabelos. Tem certeza de que não se machucou quando caiu? Afastou-a um pouco de si, a expressão séria. — Não bateu com a cabeça?
Acho que não retrucou Diana, apalpando a cabeça, sem sentir nenhum galo ou pisadura. Não vai mais atrás daquele garanhão. — Não era uma ordem nem um comentário, mas uma simples afirmação, dada numa voz mortalmente severa. Não vai mais correr o risco de se machucar. 252
E você? Ainda vai atrás dele? -Vou. E quem vai ajudá-lo?
— Ainda tenho Don — lembrou-lhe Holt, ambos cientes da rebeldia de Guy. — Vou levá-la de volta para o acampamento. Onde está o meu cavalo?
Diana olhou ao redor, a maior parte da visão bloqueada pelos ombros largos dele. — Deve ter fugido para casa depois que... O ruído de cascos de cavalos interrompeu a sua resposta. Ambos se viraram quando Guy apareceu, puxando o cavalo de Diana. O braço de Holt continuou ao redor dos ombros dela, embora os dois se mexessem para abrir um maior espaço entre si. Guy freou o seu animal. Ouvi os tiros. não sabia se havia alguma coisa errada ou se você... Não terminou a frase. Encontrei o seu cavalo no caminho, Diana. O que aconteceu?
Ele se espantou com uma lebre, e eu caí. Aquele precioso garanhão que você está tão ansioso para salvar quase fez dela a vítima número dois! — explodiu Holt. Holt o afugentou acrescentou Diana rapidamente, ao ver Guy ficar pálido. Você se machucou?
— É um pouco tarde para se preocupar com isso agora, não acha? Quando você não estava por perto para ajudar — falou Holt, desafiadoramente. Nem um arranhão tranquilizou-o Diana. Só umas pisaduras por causa do tombo. Já lhe ocorreu, Holt, que se você não tivesse saído atrás do garanhão, para começo de conversa, não teria havido oportunidade de ela se machucar? Guy respondeu ao desafio, zangado. — Ocorreu, sim.
Agarrou Diana pelo cotovelo e conduziu-a até o cavalo que Guy segurava. A firmeza do seu controle transmitiu-se pelo toque. Depois de ajudá-la a subir na sela, Holt tirou as rédeas da mão de Guy, passou-as para ela, e caminhou até o próprio cavalo. — Suponho que vai sair agora atrás do garanhão — disse Guy, com brusquidão. 253
Antes de responder, Holt montou e cavalgou até junto deles, os olhos de um cinzento invernal. Não, amanhã. Agora, vamos voltar para o acampamento. Pôs o cavalo em movimento, e os outros o seguiram. — Que merda, Holt! Não é preciso matá-lo!
Guy emparelhou com ele, girando na sela para defrontar-se com Holt. Já discutimos isso, Guy. Não é preciso matá-lo repetiu o rapaz. Você pode apanhá-lo. E se não puder ser domado, então a gente poderá soltá-lo, transportando-o a quilómetros daqui. Isso não resolve o problema. Apenas o coloca à porta de outra pessoa. Holt cutucou o seu cavalo, fazendo-o andar a meio-galope, e terminando abruptamente a discussão. Guy ficou para trás, emparelhando com Diana. — Que maldito!
Olhava com raiva para a figura ereta, cavalgando tão serenamente. — Ele está convencido de estar fazendo a coisa certa. Não pode fazer com que mude de ideia, Guy. E você? Virou os olhos azuis ardentes para ela. Está convencida de que está certo? Passou para o lado dele, não foi?
É preciso haver lados? indagou Diana, tentando esquivar-se da pergunta. — Sabe muito bem o que estou falando. Por que o ajudou? Por que foi atrás do garanhão, quando ele mandou? Ele estava com as mãos atadas. Não podia fazer nada sem a gente. Por que não ficou comigo?
Lançava sobre ela uma barragem de acusações iradas. Diana tentou evitar uma resposta direta. E isso importa?
Importa, sim! E já que estamos falando no assunto, você podia tentar explicar por que os dois estavam tão juntinhos antes de me virem chegando. Você se grudava a ele como uma sanguessuga!
— Tinha levado um susto dos diabos não fazia cinco minutos — defendeu-se, com raiva. Esperava que não me afetasse?
— Era só isso, então? Ele estava zombeteiramente cético. Se estava com tanto medo, por que não correu para o meu lado, quando cheguei? Sabe o quanto gosto de você, o quanto a amo. Mas ficou grudada do lado dele. Por quê?
Não tem o direito de me interrogar avisou Diana. Guy estendeu a mão e agarrou as rédeas do cavalo, forçando-o a parar. 254
— Quero saber o que está-se passando — exigiu ele. — Ultimamente você tem pulado para defendê-lo cada vez que falo o nome dele, e nunca me dá uma resposta direta. Eu a amo, e isso me dá o direito de saber qual a sua posição. Largue o meu cavalo ordenou, lançando um olhar na direção do Holt, mas até então este não se dera conta de que haviam ficado para trás. Só depois que eu descobrir. Está com ele, ou comigo? Uma explosão de cólera fez Diana retrucar:
— Com ele! — A atitude possessiva de Guy tornara-se mais do que podia aguentar, depois de tudo o que acontecera. — Eu o amo!
Ele recuou como se ela o tivesse esbofeteado, empalidecendo sob o bronzeado da pele. — Está mentindo!
Diana lamentou imediatamente a sua explosão. Sabia como ele se sentia. Por que não lhe dera a notícia com mais suavidade, com um pouco da compaixão que fora a responsável pela enrascada em que se metera com o Guy? A raiva sumiu do rosto dela, uma tristeza intensa escurecendo o azul dos seus olhos. — Desculpe, Guy. Verdade, nunca quis magoar você. — Está mentindo! — Negou de novo a afirmação dela, sem ligar para o seu pedido abjeto de desculpas. Não pode estar apaixonada por ele! Meu Deus, ele é meu pai! Não pode... Pareceu sufocar na própria raiva, as lágrimas lhe subindo aos olhos. — Acha que não sei? Acha que não mudaria isso, se pudesse? — Diana ouvia a própria voz tremer. Apaixonar-me por Holt não foi uma coisa planejada. Era a última coisa que eu queria. — Não acredito em você. — Sacudiu a cabeça, cerrando os dentes enquanto ondas de dor perpassavam pelo seu rosto. — Não pode ser verdade. Você sempre o odiou. Nem mesmo o Major... — Guy fitou-a. — O Major repetiu. — Então é isso. Você está dizendo isso porque é o que o Major deseja. Sempre tratou Holt como um filho. Agora quer que você torne a coisa legal, não é?
Não negou. O que o Major deseja não tem nada a ver com o que sinto. Não desta vez. -Está mentindo!
A verdade era dolorosa demais, e Guy a rejeitava. — Para o seu bem, gostaria de estar. Olhou-a com raiva por mais um minuto, depois largou o cavalo dela e afastou o seu com violência. Esporeando o animal, fê-lo correr desabaladamente
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pelo vale, numa direção diferente da que Holt estava tomando. Holt parou para esperar por Diana. — Aonde está indo Guy? perguntou, quando ela o alcançou. — Eu... — Diana hesitou, sem ter certeza do quanto lhe queria contar. Acho que queria ficar um pouco sozinho. Sentiu o seu olhar penetrante, mas Holt não lhe fez perguntas sobre o motivo de Guy para desejar a solidão. De volta ao acampamento, o crepúsculo virava noite, e Guy ainda não se reunira a eles. Holt estava sentado junto ao fogo, aparentemente despreocupado com a ausência do filho, e no entanto Diana via que seu olhar buscava a origem de cada ruído que vinha das sombras da noite. Don se endireitou e fitou a escuridão. — Talvez a gente devesse ir procurá-lo — sugeriu. — Pode estar ferido. — Não teríamos muita chance de encontrá-lo? na escuridão. — Holt não se moveu da sua posição supostamente descontraída. — Está com o rifle. Se estiver encrencado, poderá nos avisar. Provavelmente afastou-se mais do acampamento do que supunha, atrás do garanhão. Provavelmente acampou em algum lugar para passar a noite. Tem idade suficiente para cuidar de si mesmo. Se não houver sinal dele até de manhã, iremos à sua procura. Acho que tem razão concordou Don, e soltou um suspiro. As distâncias podem ser bem enganadoras, por aqui. Ele provavelmente não se deu tempo o bastante para voltar para o acampamento antes do sol se pôr. Seja como for, não há nada que possamos fazer hoje à noite. É melhor irmos dormir. Certo concordou Don, dirigindo-se para o seu saco de dormir. Como Holt, Diana estava sentada no seu saco de dormir, mas não fez nenhum gesto para se deitar sob as cobertas. Não podia dormir. E não ia fingir que tentava. Ao invés disso, levantou-se e botou mais lenha no fogo, ficando bem junto das chamas. O calor irradiante parecia incapaz de aquecer o arrepio de apreensão que a percorria. Com frio? Holt estava ao seu lado, colocando-lhe um cobertor à volta dos ombros. — Com medo sussurrou Diana.
Deixou as mãos nos ombros dela, esfregando-os suavemente. Do outro lado da fogueira, Don estava enrolado na coberta, dando-lhes discretamente as costas. Diana relaxou sob as carícias suaves de Holt, encostando-se no seu peito. Inexplicavelmente, ela estremeceu, e as mãos apertaram-lhe a carne. 256
Vamos sentar. A pressão das mãos dele a um só tempo ajudou-a e forçou-a a sentar ao pé do fogo. Usando uma sela como apoio para as costas, Holt abraçou a sua figura enrolada no cobertor, deixando-a descansar no ombro dele, pousada na curva do braço, uma posição confortável e familiar. Foi uma experiência assustadora, a desta tarde. Diana inclinou ligeiramente a cabeça apoiada no seu ombro para olhar para ele. Teve medo?
Notou um escurecimento perturbador nos olhos dele enquanto o músculo do seu maxilar se contraía, depois relaxava. Sabe que tive foi a resposta simples, em voz baixa. Diana não forçou aquela afirmação sugestiva até sua conclusão lógica. Não podia; ainda não. Acalmou o coração aos pulos e desviou os olhos das feições másculas e atraentes, fitando o céu escuro. Onde acha que ele está?
Holt não precisou perguntar quem. — Está por aí, em algum canto. Está bem, mas emburrado, sem dúvida. Emburrado?
Diana achou estranha a escolha da palavra. É, emburrado. Alisou os cabelos no topo da cabeça dela. Sempre que você não fazia o que o Guy queria, ele costumava ficar emburrado durante horas... no quarto dele, no palheiro, em algum lugar escondido. Depois que passava a raiva, saía. E hoje ficou com raiva porque você me ajudou a tentar apanhar o garanhão.
É, em parte admitiu ela, e se apoiou no cotovelo para olhá-lo de frente, os olhos azuis dilatados e preocupados. Holt, só estive com Guy uma vez. Sei que você pensa que houve outras vezes, mas foi só aquela única vez. Pare, Diana. Uma nuvem de irritação escureceu-lhe o rosto. Deixe isso no passado, onde é o seu lugar. Não, prefiro tentar fazê-lo compreender do que deixá-lo imaginando. Continuou, às pressas, antes que pudesse impedi-la. Quando voltei para cá, havia todas aquelas histórias feitas sobre o meu divórcio. Pensava que tinha escapado de tudo aquilo, mas não tinha. E parecia que todos estavam olhando para mim como se... E havia Guy, sempre tão gentil e cheio de consideração, de adoração e meiguice no seu jeito sensível. Lembrei-me de como o havia tratado, usando-o para atingir você. Não era exatamente uma lembrança agradável. E cá estava ele me dizendo que eu era a mulher mais linda que já conhecera. Eu estava precisando disso. Estava à míngua disso. 257
Tentei pagar pelo que tirava dele. Mais tarde, quando ele me disse que me amava e começou a falar em casamento, eu... percebi que havia tornado as coisas piores e não o amava, mas ele ficava insistindo que amaria. Hoje tanbem não acreditou em mim. Foi por isto que vocês discutiram?
Diana não deu uma resposta imediata, acomodando-se melhor na curva do braço dele. Puxava as dobras do cobertor. — Eu... disse a ele que estava apaixonada por você. Tudo pareceu ficar muito quieto. — E está?
— Estou — falou, com voz notavelmente firme. E Guy não acreditou em você?
— Não. Acusou-me de estar mentindo, de fingir gostar de você para agradar ao Major. Mas não é verdade, Holt. Pela primeira vez na vida, não estou ligando para o que o
Major deseja, ou o que o faria feliz. Só sei que amo você. Diana hesitou. Sei que apenas me deseja sexualmente, e... Ele enfiou os dedos cruelmente nos cabelos dela, forçando-a a virar-se. — Desejo-a sexualmente e de todo outro jeito possível — murmurou Holt, correndo o olhar pelo rosto espantado de Diana. Deus sabe que tentei odiá-la. Até tentei fingir que o desejo que sentia era um modo de me vingar de tudo que você havia feito. Mas não era simplesmente desejo, luxúria, sexo. Eu a amo, Diana. Ela soltou uma pequena exclamação abafada de alegria antes que a boca do homem a esmagasse, forçando-a ao silêncio. A sua taça da vida transbordava com todo o amor que sentiam um pelo outro. Uma satisfação maravilhosa inundou Diana quando o beijo acabou, e a mão continuou a traçar-lhe o contorno das feições, meiga e amorosamente. — Quero que a gente se case, Diana falou, com voz rouca. — Quando voltarmos, pediremos a bênção do Major e faremos uma cerimónia singela. — Sim — disse ela, beijando-lhe a pele da mão curtida pelo trabalho. — Vai ter gente falando, você sabe disso avisou Holt. Um diabo dum abelhudo e fofoqueiro qualquer vai dizer que casei com você para botar as mãos na estância do Major. Vão dizer que casei com você por dinheiro. — É verdade, não é? — implicou, depois soltou um suspiro lânguido. Pouco se me dá o que digam. Pouco se me dá o que qualquer um diga. Porém, imediatamente, soube que isto não era verdade. Diana teve um arrepio. O que vamos fazer quanto ao Guy?
As feições dele ficaram sombrias. 258
Não há muito que possamos fazer. O que acontece’r vai depender dele. Holt, não vá atrás do garanhão amanhã. Temos as éguas. Deixe o garanhão ir embora. — Sabe que não posso. — Percebeu a impaciência na voz dele. Se não for amanhã, será semana que vem. Não precisa destruí-lo — argumentou. Pelo bem de Guy, não podia... prendê-lo, levá-lo para algum outro lugar do país e deixá-lo em liberdade?
Não resolveria... Sei que não resolveria o problema interrompeu Diana. Mas, não está vendo? Seria um gesto. Guy teria que se dar conta de que você poupara a vida do garanhão porque era o que ele queria. Não iria compensar... tudo, mas iria significar alguma coisa. Não é pedir demais, é?
— Não. — Holt inspirou fundo, depois soltou a respiração devagar, a voz sombria. Não, não é pedir demais. Vai fazê-lo?
Vou concordou. Obrigada. Diana beijou-lhe a palma da mão, os dedos enroscando-se nos dele. Só torço para que Guy vá me agradecer por isso resmungou. E vai. Mas não estava tão confiante quanto parecia. Qualquer sentimento de gratidão que Guy pudesse ter jamais compensaria o mal que o amor deles lhe faria. Ambos sabiam disso. Os braços de Holt apertaram-na com mais força. Por enquanto, Diana deixou-se pensar apenas no seu amor correspondido. A manhã e os seus problemas logo chegariam. Mas, pelo menos, poderiam enfrentá-los juntos. Ppusou a cabeça no travesseiro do ombro dele, e fechou os olhos. A fogueira começou a tremular e apagar. Havia apenas as brasas vermelhas ardendo dentro da noite quando um som, um passo abafado, a acordou. Começou a abrir os olhos quando até mesmo aquela luz mínima foi bloqueada por uma coisa alta e escura. O braço ao redor da cintura aumentou a pressão, em sinal de advertência, embora o ritmo compassado da respiração de Holt não se tivesse alterado uma fração sequer. Também ele ouvira o som, e estava avisando-a para que não se movesse. Guy estava parado ali, fitando-os. O ar parecia estalar de tensão. Raiva, ódio, ciúme... tudo fervia nas ondas invisíveis. Ele pareceu ficar acima deles
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por uma eternidade. Diana imaginou se poderia escutar o martelar assustado do coração dela. Voltou disse a voz baixa de Holt, parecendo vibrar no ar carregado.;. Sim — a resposta veio num sibilar selvagem. Diana está dormindo. É o que estou vendo. O sarcasmo na voz de Guy fez Diana se crispar. É bom você também ir dormir — sugeriu Holt, calmamente. — Vamos pegar o garanhão pela manhã. Não falta muito. Colocou ligeira ênfase na palavra ”pegar”. Durante um longo minuto, não houve resposta. Depois, Guy se dirigiu para o seu saco de dormir vazio. Uma estrela cadente rasgou os céus. Na grama, um cavalo batia a pata no chão e soltava um bufido baixo, suave. Diana ficou deitada por longo tempo, escutando os sons confortáveis da noite, temendo a manhã, porque sabia que a coisa não terminara. 260
CAPÍTULO 22 — Estou vendo que soube voltar na escuridão — comentou Don, quando Guy se reuniu a eles para tomar café. Deve ter olhos de gato. Guy resmungou uma resposta qualquer, e encheu a caneca de lata do bule pintalgado. Um ar sombrio e mal-humorado parecia gravado permanentemente nas suas feições. Fez questão de não olhar nem para Diana nem para Holt, demonstrando-lhes com o seu silêncio macambúzio que nada fora perdoado. O sol já aparecera no oriente, uma bola amarela brilhante, mas ainda não ofuscante. Diana virou a panqueca na frigideira, perguntando-se se alguém, além de Don, teria apetite para comer este desjejum que estava preparando.
Uma das éguas presas para pastar no chão do desfiladeiro rinchou suavemente. Já deu alimento aos cavalos hoje? — perguntou Holt a Don. — Às éguas, não. Dei cereal aos cavalos que vamos montar, antes que você os selasse. Holt guardou a navalha na caixa e enxugou o excesso de espuma do rosto escanhoado. Deu um olhar para as estacas onde suas montarias estavam amarradas. 261
— Deixe seu rifle com Diana disse a Don. — Como ela vai ficar cuidando das éguas, poderá precisar dele. Tudo bem concordou Don, começando a se levantar. — Pode pegá-lo depois, que comer. Diana entregou-lhe um prato com uma pilha de panquecas fumegantes no meio. Começou a derramar mais massa na frigideira. Quantas vai querer, Guy?
Ao olhar para cima, deparou com o azul irado e gélido dos olhos dele. Com uma torção violenta do pulso, jogou o restante do seu café no fogo, o chiado sibilante igualando a sua cólera. — Pode pegar as suas panquecas e enfiá-las... Guy! Agora chega! A ordem dada em voz baixa por Holt fez Guy dar meia-volta. — E quanto a você, seu... Guy parecia não encontrar palavras baixas o bastante para descrever Holt. Outra égua rinchou. O som foi seguido pelo bater de cascos e um segundo relincho, mais grosso. Meu Deus! Diana ouviu Don exclamar, e virou-se para ver o garanhão branco flutuando pela inclinação traseira do desfiladeiro, na direção do prado onde as éguas estavam amarradas. Ele veio pegar as éguas de volta! declarou. Antes da ultima palavra ter sido emitida, o garanhão já chegara junto da primeira égua, e tentava fazê-la voltar pelo caminho por onde ele viera. A corda a segurava, retesada com as tentativas do animal de obedecer ao corcel que se tornara seu amo. — Com aqueles dentes, ele poderia cortar a corda em dois com uma única mordida.
Ele nãoé um cavalo treinado, e não sabe disso. Holt dirigiu-se para as estacas onde os cavalos selados esperavam. Os capões descansavam, cientes da presença do garanhão intruso no desfiladeiro, a própria impotência esquecida. Ei, Guy, me dê o seu rifle. Don fez sinal para o Winchester ao lado do saco de dormir do rapaz. Daqui posso atirar muito bem. O olhar de Diana correu rápido para Holt, que hesitou, depois prosseguiu para o Guy. As palavras de Don haviam quebrado o seu encanto à vista do garanhão. As suas feições endurecidas, porém bem expressivas, pareciam estar à espera da reação de Holt. Nada de tiros, Don. Vamos apanhar o garanhão. — O quê?!! Atordoado, Don desviou o olhar do prado entre as montanhas para fitar Holt. Estava junto às estacas, desamarrando o seu cavalo saltitante. A concessão de Holt equivalia a uma guinada total, no que dizia
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respeito a Don, mas ela não suavizou a expressão de Guy, cujos olhos azuis ainda estavam gelados de raiva e amargura. Mas você falou... começou a protestar Don, as pernas se mexendo devagarinho na direção do cavalo selado. Não tivemos intenção de usar as éguas como isca Holt pulou para a sela mas foi isso que se tornaram. Teremos uma chance melhor de laçar aquele garanhão branco. Um grito estridente e irado ecoou pelas paredes do desfiladeiro. Diana virou-se para ver o garanhão branco escoiceando, com as patas traseiras, a égua amarrada. O chute violento deixou de atingi-la por centímetros, quando a égua saltou para o lado e debateu-se loucamente para se livrar. A corda que a prendia se embaralhou nas suas patas traseiras, e ela caiu. O ataque violento, as mordidas do garanhão não conseguiram levantar a égua, por causa da corda que lhe envolvia as pernas. Gritando de raiva, o garanhão se dirigiu para outra égua, e mandou-a a galope para a extremidade da sua corda. A comoção deixava todos os cavalos excitados. A montaria de Holt estava quase a meio-galope, sem sair do lugar, lutando contra o freio, o pescoço arqueado alto demais. No
limiar do círculo do acampamento ele esperou por Don, que estava tendo dificuldades em montar o seu cavalo. Holt tirou a corda presa na sua sela e começou a formar o laço,
Vem junto?
Disparou a pergunta para Guy. Após um silêncio de pedra veio a resposta fria e condenatória. Você não precisa de mim. Não você. — É meu filho. Sempre precisei de você. No instante que acabou de dizer isso, Holt olhou por cima do ombro para ver o que estava atrasando Don. Não fez mais nenhuma tentativa de persuadir Guy a ajudá-los. Diana tinha vontade de berrar com Guy para que fosse com Holt. Podia ser essencial ter três cavaleiros para laçarem o mustang branco. Mas a época em que Guy escutava qualquer argumento seu tinha terminado. Aquilo só lhe deixava uma alternativa. Vou com vocês. Dirigiu-se para as estacas. — Deus, não! — Era uma recusa explosiva que a deteve imediatamente. Fique aqui — acrescentou Holt, num tom menos violento — onde sei que está segura!
O argumento que estivera prestes a oferecer morreu-lhe nos lábios. Há anos que não laçava. Diana se dava conta de que a sua inépcia seria mais um
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estorvo do que uma ajuda. Afastou-se das estacas, numa aceitação muda da decisão de Holt. Finalmente na sela, Don reuniu-se a Holt, o seu cavalo indócil corcoveando de excitação nervosa. Também ele formou o laço, todo compenetrado, agora. Qualquer indecisão ou dúvida que tivesse expressado, quando da declaração de Holt, tinha desaparecido. Estava totalmente concentrado na tarefa que iam executar. — Como quer que a gente faça? perguntou a Holt.
— Isso é o garanhão quem vai determinar. Provavelmente vai atacar um de nós, quando nos aproximarmos. Se for eu, você joga o primeiro laço. Vamos tentar esticá-lo entre nós dois. Não erre avisou Holt. Pronto? Don fez que sim, abaixando bem o chapéu sobre a testa e se mexendo na sela para ter certeza de que a cilha estava apertada, e a sela não escorregaria. Vamos manter alguma distância entre nós, para que o garanhão tenha que fazer uma escolha. Com a pressão das rédeas relaxada, os cavalos dispararam juntos. Havia o caos no prado do deserto. A ira do garanhão ante a incapacidade da égua de obedecer às suas ordens fazia Diana tremer. Lançou um olhar de desespero para Guy, a poucos metros de distância, como um observador, sem demonstrar emoção. O espaço entre os dois cavaleiros aumentou quando se aproximaram da área gramada. Ficavam em campo aberto, sem quererem ficar enroscados.num momento crítico, nas cordas que estavam amarrando as éguas. O garanhão os viu chegar, sacudindo e agitando a crina longa, numa explosão de cólera. Diana prendeu a respiração, sabendo que, a qualquer segundo, o animal selvagem deixaria de ameaçar. Sairia ao encontro do inimigo. O seu assobio agudo de desafio percorreu todos os terminais nervosos dela. Parecendo lançar-se de uma catapulta para a frente, o animal atacou. O coração de Diana disparou de medo, a imagem do cavalo do Rube caindo com ele vindo-lhe à mente. Veloz como um raio, o cavalo se dirigiu para Don. Pelo canto dos olhos, Diana viu o laço de Holt cruzar os ares. A sua mira foi certeira, e a corda envolveu o pescoço branco. Ele enroscou depressa a corda no arção da sela e se preparou para o impacto de 1.500 libras de dinamite na outra ponta da corda. Don estava esperando por aquele segundo, também, circulando o laço preguiçosamente acima da cabeça, aparentemente indiferente ao perigo do garanhão em movimento. O momento nunca chegou. No instante em que o garanhão sentiu a corda se apertar no seu pescoço, pareceu mudar de direção em pleno ar. Rodopiando, a fúria branca atacou Holt, o pescoço estirado para a frente, as
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poderosas mandíbulas abertas. Um grito de alarme saiu da garganta de Diana, abafando os gritos de Holt para Don. Esporeando o seu cavalo, Don começou a dar caça ao garanhão, jogando o laço. No momento em que ele começava a pousar no pescoço branco, o garanhão se desviou a fração necessária para se esquivar dele. Enquanto Don puxava rapidamente a corda vazia, Holt estava tentando enrolar a sua e manter seu cavalo fora do caminho do garanhão. Diana queria fechar os olhos. Estava se tornando um pesadelo. Enterrou as unhas nas palmas das mãos até sangrarem. As lágrimas começaram a lhe marejar os olhos, e ela piscou para afastá-las, lutando contra a visão nublada para enxergar o que se passava. O garanhão se retorcia e virava, perseguindo Holt implacavelmente. Um casco atingiu o capão de Holt no ombro. A sua montaria cambaleou ante o golpe, se recuperou, e evitou o ataque seguinte do garanhão. Porém o êxito de Holt em conseguir se manter fora do alcance da boca e dos cascos do garanhão era a fonte do fracasso de Don. Não conseguia achar uma abertura que lhe permitisse jogar o laço. Se Holt e o seu cavalo não estavam no caminho, então o garanhão estava mudando de direção para segui-los, e a corda de Don ficava pegando o ar. Os dentes do garanhão arrancaram um pedaço da carne da anca da montaria de Holt, e o relincho de dor fez o sangue de Diana gelar nas veias. Don tentou colocar-se numa posição melhor, rodeando o cavalo e o cavaleiro. Uma égua à sua direita pulou desesperadamente do caminho. Cuidado! berrou Diana, mas o aviso veio tarde demais. Don chegara perto demais. As patas do seu cavalo se embaralharam na corda que prendia uma das éguas. Ele caiu pesadamente, prendendo Don embaixo de si. O cavalo lutava para se levantar, enquanto Don se esforçava para libertar a sua perna. Holt estava lutando sozinho. Não viria ajuda por parte do Don. Diana viu quando ele desenroscava a corda do arção dianteiro da sela, e a soltava de vez. Parou de tentar esquivar-se do garanhão e tentou vencê-lo na corrida, para terminar o confronto. Antes que seu cavalo pudesse alcançar a sua velocidade máxima, o garanhão jogou-se contra ele e o derrubou. Holt pulou da sela, rolou e ficou agachado. O garanhão ignorou o cavalo caído, como ignorara o de Rube, e atacou o homem no chão.
— Ajude-o! — gritou Diana para Guy, as lágrimas lhe escorrendo pelas faces. O seu olhar nublado dirigiu-se para o rifle junto aos pés dele. — O garanhão vai matar Holt! Tem que impedi-lo!
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Holt se esquivou do primeiro ataque do garanhão. Não havia um lampejo de emoção no rosto de Guy, quando se abaixou devagarinho e pegou o rifle. Simplesmente segurou-o, e observou. Holt se desviava dos cascos que se empinavam para esmagá-lo contra o solo. Pelo amor de Deus, ajude-o, Guy!
Guy armou o rifle, mas não o levou ao ombro. Um casco duro como um bastão de ferro jogou Holt ao chão. Mais golpes violentíssimos atingiam o solo, enquanto ele escapava deles por centímetros. Os olhos de Diana, arregalados de horror, viram Holt agarrar a parte superior do braço esquerdo, enquanto tentava sair rastejando do caminho do garanhão. — Guy, você tem que atirar! — suplicava, implorava ela. Diana podia ver o que ele estava pensando. Se Holt estivesse morto, ela
se voltaria para ele. não mais presa, na sua opinião, aos desejos do Major. Não pode deixá-lo morrer! sussurrou. A cabeça se movia de um lado para outro, numa negativa desalentada. Guy, ele é seu pai. Não pode deixá-lo morrer. Durante o que lhe pareceu uma eternidade, Guy a fitou. Deus, será que não via que também a estava matando?, exclamava Diana, silenciosamente. Com um soluço abafado, afastou-se. Holt perdera o equilíbrio e estava caindo de joelhos, sem conseguir deter a queda por causa do braço ferido. Diana o viu tentando-se arrastar para fora do caminho do garanhão furioso, com apenas um braço são para ajudá-lo. — Holt!
Era um grito que vinha do coração, cheio de toda a agonia do amor. Começou a correr para junto dele.
Com o seu primeiro passo, houve uma explosão atrás dela. O garanhão branco cambaleou feito bêbado nas quatro patas, mas, com as mandíbulas abertas, partiu para cima do Holt. Um segundo tiro, e o mustang desabou no chão. Diana corria, o peito estourando de dor e medo. O muro de lágrimas era tão grosso que mal enxergava onde pisava. Teve uma vaga imagem de Holt se pondo de pé, e o alívio a inundou totalmente. — Me dê uma mão! — chamou uma voz. — Não consigo alcançar a corda para cortá-la!
Um olhar nublado de esguelha reconheceu Don, ainda preso sob o cavalo caído. Ela hesitou, depois correu para ele e tirou-lhe a faca da mão. Enquanto cortava a corda enrolada nas pernas traseiras do capão, percebeu os resmungos frustrados de Don, como se viessem de longe. 266
O maldito cavalo não caiu só em cima da minha perna. Caiu em cima do meu rifle, também. Não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar Holt. — Está ferido?
Era a voz dela, mas Diana não percebera que fizera a pergunta. — Não há nada quebrado. Diana deu um passo atrás no instante em que a corda foi cortada completamente, e enterrou a lâmina da faca no solo arenoso, inconscientemente. Já corria para junto de Holt quando o cavalo caído conseguiu se botar de pé. Don a seguia num ritmo consideravelmente mais lento, puxando da perna direita. Holt estava de joelhos, a mão direita agarrando com força a parte superior do braço esquerdo. Quando o alcançou, estava com a cabeça inclinada para trás, o rosto branco de dor. — Você está vivo! Graças a Deus, está vivo! — O sussurro de Diana era uma prece, enquanto os dedos trémulos corriam pela face e pelo maxilar dele, para se certificar. — Seu braço...
Ele tentou dar um sorriso, o olhar que lhe lançou estava cheio de calor. — Quebrei o ombro, é só. — Holt começou a se mexer, e fez uma careta. Ajude-me a levantar. Enxugando as lágrimas da face, Diana envolveu o próprio pescoço com o braço direito dele, suportando o máximo de peso possível para botá-lo de pé. Lançou um olhar preocupado ao rosto dele, e viu que fitava o cavalo branco, a pouca distância deles. O garanhão está morto. — Está. — Pela primeira vez, Diana permitiu-se olhar para a forma equina. O pêlo branco leitoso estava empoeirado, respingado de vermelho. Na morte, o garanhão branco não parecia o cavalo mítico de forma e beleza clássicas. O pescoço era grosso e musculoso demais, o peito estreito demais, o tronco longo demais. Era um cavalo, sem possuir outras qualidades que o distinguissem de qualquer outro mustang, exceto o seu tamanho e o fato de que andava marchando, mas não andaria mais. Guy o matou murmurou Diana. O primeiro tiro atingira o garanhão no peito, e o segundo na cabeça, trazendo-lhe morte instantânea. Ficou com os olhos cheios de lágrimas, ao se dar conta da importância real do que Guy fizera. Ergueu os olhos para Holt. Ele salvou a sua vida, Holt. Matou o garanhão para salvá-lo. Holt olhou na direção do acampamento. Diana se virou e viu Guy de pé onde estivera, o rifle abaixado. Embora não pudesse ver o rosto dele, Diana sabia que os estava observando. Vagarosamente, Guy se virou e foi até as estacas. Enfiou o rifle na bainha, soltou o cavalo e montou. Com um último olhar na direção deles, Guy fez uma pausa, depois esporeou o cavalo, e saiu a meiogalope do desfiladeiro. 267
Está indo embora. nãovai voltar. Ante a afirmativa inexpressiva, Diana ergueu os olhos para o rosto de Holt. Suas feições estavam esculpidas em pedra, sem revelar mais do que a voz revelara, mas havia um brilho transparente de prata nos seus olhos. — Quem sabe ele volta... algum dia. Ela fitou a nuvem de poeira que o cavalo levantava. 268
Foi um fato acidental que fez com que Diana e Holt se unissem numa aliança que, naquelas circunstâncias, se tornava constrangedora, tudo acontecendo quando valiosas éguas reprodutoras desapareceram certa noite da estância. Juntos, os dois saíram pelos campos, por dias ensolarados e noites estreladas até chegarem a um lago oculto, onde descobriram o ladrão — um garanhão branco selvagem, que vivia desgarrado de sua manada, roubando éguas para formar o seu harém. E descobriram aí também algo ainda mais selvagem nos próprios corações, algo que ameaçava mudar para sempre uma mulher ferozmente orgulhosa, linda, traiçoeira, irresistível, e um homem rude, implacável, ao mesmo tempo carinhoso e terno quando apaixonado. Cada um deles era um mistério para o outro resolver, um segredo atordoante a ser revelado... ou então enterrado para sempre. Janet Dailey foi apresentada ao público leitor brasileiro através de seu bestseller internacional A CARICIA DO VENTO. Este seu novo e sensacional romance, AMANTE INDÓCIL, elogiado pela crítica americana como uma das maiores histórias de amor a aparecer em livro nos últimos tempos, definitivamente consagra a autora e a coloca no cenário da literatura mundial como uma de suas mais fulgurantes figuras.