afroescola bianca leite edgar calel kilombagem lanchonete.org mapa xilográfico moisés patrício rádio yande talita rocha visto permanente
curadoria luciara ribeiro
de 18/11/2017 a 18/02/2018
nas páginas anteriores: bell hooks (foto: montikamoss) afroescola (fotos: natalia tonda | acervo afroescola) talita rocha (fotos: sillas henrique) moisés patrício (foto: moisés patrício) bianca leite (foto: natalia tonda) kilombagem (fotos: mumu silva) edgar kalel (foto: ameno cordova) radio yandê (fotos: divulgação | acervo pessoal daiara) lanchonete.org (fotos: marina rago | mavi veloso) mapa xilográfico (fotos: divulgação) visto permanente (foto: tai)
a presença do outro faz com que o indivíduo já não possa ser completamente ele mesmo. informada pelo pensamento psicanalítico, tal afirmação aponta para o caráter relacional dos processos de constituição e reconhecimento de si. haveria aí uma espécie de jogo incessante de espelhos, em que o “eu” se vê no “outro”, e vice-versa. essa lógica especular impede a fixação de traços identitários, uma vez que estes se delineiam de modo dinâmico, justamente nas interações entre as pessoas. ou seja, estar com o outro solicita que nos repensemos e nos reinventemos. essa provisoriedade também se manifesta no terreno social, onde se constituem e convivem as mais diversas comunidades. marcado por injustiças históricas e assimetrias, esse campo corresponde a um ambiente em precário equilíbrio, formado por grupos que gozam de hegemonia e por segmentos que, por sua vez, sofrem com a invisibilidade e a opressão. a imbricação entre essas coletividades heterogêneas desdobra-se no que chamamos de sociedade, um arranjo sempre inconcluso. como esse quadro de desigualdades não é estático, a esfera pública é permanentemente ocupada e ressignificada por atores subalternizados, que aí exigem reconhecimento e forçam mudanças. ao fazê-lo, convocam a sua contraparte hegemônica a se olhar num
jogo de espelhos sesc sao paulo
“espelho trincado”, hábil em desnaturalizar pretensas supremacias e privilégios que se perpetuam. insurgindo-se contra uma configuração social loteada por poderes excludentes, esses agentes transgridem barreiras raciais, sexuais, de gênero e de classe erigidas à sua revelia e em seu prejuízo. na condição de plataforma integrante da esfera pública de debates e disputas, o sesc compreende as iniciativas articuladas por diálogos e transgressões como proposições artístico-culturais imbuídas do processo de transformação social, trazendo à tona urgências mantidas por muito tempo escondidas no âmbito privado – portanto, na face reversa e opaca do espelho da realidade. contribuindo para tal inversão, a instituição cumpre seu papel socioeducativo e, dessa maneira, fomenta a complexificação da superfície reflexa onde nos enxergamos como sociedade.
diálogos e transgressões parte da realização de um conjunto de ações que veem a arte e a educação como campos de transgressões na construção de um mundo menos desigual. a eleição do princípio organizador desse projeto teve apoio na obra ensinando a transgredir, da pedagoga feminista afro-estadunidense bell hooks, pseudônimo de gloria jean watkins. hooks, que solicita a escrita do seu nome sempre em letras minúsculas como atitude de discussão sobre lugares de hierarquias e poder em nossa sociedade, realiza uma reflexão dos processos educacionais vivenciados por ela em diversos momentos de sua vida, para apresentar uma proposta radical de educação, orientada enquanto prática de liberdade e para a liberdade. é necessário transgredirmos as fronteiras raciais, sexuais, sociais, de gênero e de classe para que possamos alcançar a liberdade. porém, para chegamos a esse estágio quase utópico, é necessário primeiramente reconhecer a existência delas. é nesse sentido que diálogos e transgressões se propõe a ser um espaço de reflexão, de expressão e debates em busca por uma socie-
diálogos e transgressoes luciara ribeiro -curadora
dade mais justa, e é nessa busca que os envolvidos nesse projeto teimam em prosseguir. este projeto é composto por uma exposição com dez artistas e coletivos de produções ativistas, três encontros onde serão discutidos propostas de ativismo e educação não hegemônica e esta publicação virtual. além disso, a exposição aqui presente será constantemente ativada através de ações dos artistas e coletivos participantes, assim como por ações educativas e de formação pra professores. sendo esse o espaço de notabilizar tal compromisso, diálogos e transgressões preten-de proporcionar aos visitantes um recinto onde se possa ter contato com novas narrativas e maneiras de pensar o mundo. buscamos através dessas ações que cada visitante possa rever a sua responsabilidade perante a sociedade, para que possamos nos reinventar e criar um mundo multicultural onde todos caibam, ou como costumam afirmar os zapatistas, onde caibam vários mundos. diálogos e transgressões é um convite para que possamos tecer juntos uma rede de ações pela liberdade e para a liberdade.
coletivos e artistas
afroescola
a afroescola laboratório urbano é uma proposta cidadã e autônoma, composta atualmente por um espaço sociocultural e por atividades e ideias inspiradas nos movimentos por “um outro mundo possível“ (fórum social mundial). materializou-se como coletivo em junho de 2013, a partir da abertura de sua sede, mas atuava anteriormente em formato itinerante desde o ano de 2008. na verdade, é o amadurecimento de um processo iniciado em 2002 com a organização do negro universo – a essência dos afrodescendentes, hoje e sempre, encontro/evento que busca investigar e valorizar as contribuições dos povos africanos que foram escravizados e espalhados a força pelo planeta. é uma das inúmeras ações desenvolvidas pelo oficinativa, um projeto que surgiu em 1997 no abc paulista, iniciativa de carlos rogerio/odé amorim, com a intenção de vivenciar possibilidades diferenciadas dentro dos campos sociais que compõem nossa vida. primeiramente se restringia aos âmbitos artístico e cultural, mas logo percebeu a necessidade de ampliar suas ações para outras temáticas, de modo transdisciplinar. a ideia básica sempre foi “fundir elementos para gerar outros novos”, buscando para tanto processos criativos, lúdicos, dinâmicos e prazerosos – independente do assunto abordado. sem o receio de errar, mesmo as atividades que são realizadas com periodicidade assumem formatos distintos a cada edição, numa perspectiva de experimentação constante e de aprendizagem orgânica, libertária, comunitária e sustentável. a proposta está hoje em processo de formalização para consolidar um estabelecimento de educação infantil, o laboratório rural, no município de ribeirão pires, em parceria com o abaçá da oxum/centro de estudos e tradições do negro, candomblé fundado no ano de 1981. também apoia a criação de outras unidades espalhadas mundo afora.
acredita profundamente que os saberes tecnológicos, os sentimentos e as filosofias cultivadas e desenvolvidas pelas africanidades originais e das diásporas, na ancestralidade e na contemporaneidade podem contribuir positivamente para vivências e soluções mais harmoniosas e sustentáveis em nossos tempos. por isso seguimos resistindo/ persistindo/insistindo. e também reconhecendo, valorizando, ressignificando, repensando, reinventando, refletindo, interagindo, investigando, etc.
afroescola foto: natalia tonda
bianca leite
tem interesse em investigar gênero quando pensa a sexualidade do ser humano. a gestualidade é característica marcante em seu processo, no qual fica evidente seu interesse em experimentar instrumentos fora do convencional para criação dos desenhos. na produção das esculturas, faz uso da sobreposição de diversos materiais. bianca leite (1985), vive e trabalha em são paulo, sp. é artista visual formada pela universidade estadual paulista – unesp. dentre as artes visuais, dedica-se especialmente ao desenho, pintura e escultura.
a série de desenhos feminino/masculino (2013) foi produzida quando atuei como assistente do artista plástico marcius galan. na ocasião, tive que preencher uma estreita ripa de madeira, o que seria possível somente com a espessura da agulha de uma seringa. se me perguntarem como se dá meu processo de criação, ou melhor, uma produção contemporânea, este é um dos exemplos: a imersão na produção de outro artista. me contamino tanto com a sua poética, quanto com o seu modo de materializar suas ideias. arrisco dizer que o meu processo se dá pela contaminação. sempre escolho momentos em que possa estar só e em silêncio para produzir. foi assim que surgiu a série feminino/masculino: do exercício realizado com uma seringa, dessas que compramos na farmácia mesmo. inconscientemente escolhi a cor vermelha da tinta guache e o papel foi o que estava ao alcance e disponível. fiz a sucção da tinta e deixei a mão solta sobre o papel. nos primeiros gestos, apertava bem devagar o dedo sobre a seringa, formando assim uma gota e em seguida duas gotas. ao passo que ia trocando de folha, a mão bailava em movimentos e junto às gotas vieram esguichos mais direcionados. fiz uma pausa, olhei para os primeiros cinco desenhos e enxerguei algo que para mim, pareciam partes internas do corpo humano. continuei o trabalho, acrescentei a intenção de desenhar uma mulher, dividindo-a em quatro partes, em que propositalmente deixei escorrer tinta, para representar do que somos todos formados, de sangue materno.
edgar calel
edgar calel (1987, san juan comalapa) é artista de formação. seu trabalho é uma busca permanente da tradução da cosmovisão maya kaqchikel, cultura a qual pertence. seus temas tratam principalmente sobre as práticas indígenas de sua comunidade, a espiritualidade maya, os rituais, a identidade, a migração, entre outros. realiza isso por meio de linguagens contemporâneas. utiliza para seus projetos técnicas de desenho, pintura, fotografia, instalação, intervenção, performance e ação para tempo, e site specific.
abrir os olhos em um povoado kaqchikel, falar o idioma dos nossos avós, trabalhar na plantação para nos nutrirmos dos alimentos que nos proveem estas terras. ações como estas foram uma maneira para seguir dando continuidade ao conhecimento que deixaram e guardaram nossas avós e avôs sobre a agricultura e a conexão com nosso espírito, por meio dos rituais e das cerimônias com fogo, água e vento. também é importante falar dessa herança fisicamente, como os objetos no lugar onde eles escreveram suas vidas, suas espiritualidades, seus conhecimentos sobre arquitetura, astronomia, agricultura e sua relação com nosso corpo e o poder da palavra. foram mais de 500 anos de colonização, saques, imposição e sofrimento; mas aqui estamos presentes. ainda que os livros falem de nosso desaparecimento e de nosso apagamento, somos kaqchikel e nosso sangue é de fogo indígena. e esse sangue é a essência que nos mantém vivos até os dias de hoje… para mim, a vida está conectada com a criação porque a todo tempo estamos em movimento, caminhando, observando e compreendendo que não há nada estático. sempre estão acontecendo situações que contribuem para nosso pensamento e questionamento, para logo contestarmos o que está se passando com os temas ambientais, políticos, econômicos e artísticos. para esta mostra, utilizo palavras que escutei de minha avó e logo as escrevi em pedaços de papelão. é para mim uma responsabilidade poder conservar o conhecimento de uma mulher indígena maya kaqchikel porque para ela a vida não foi fácil, para ela não foi suficiente ser forte e resistir às adversidades da vida e do sistema de governos ditadores e genocidas. desde que eu, minhas irmãs e irmãos éramos muito novos, minha avó sempre falava para meus pais que nós, seus netos, iríamos para a escola para ter acesso ao idioma espanhol e fazer as letras falarem. e, dessa maneira, nos defendermos para não sofrer
de racismo, discriminação, exploração, exclusão e optar por um trabalho mais digno, sem ter que passar pelo mesmo caminho que causou tristeza e dor a ela. em 30 de junho de 1987, no meu primeiro dia de vida, os braços de minha avó luisa lópez foram a minha casa e, desde então, ela me ensinou a falar, caminhar e comer sobre a pedra de moer. dessa maneira, pude provar os sabores que permitem ter acesso às nossas raízes e seus saberes que sustentam a vida. faz três anos que sua voz se foi e dessas ausências surgem esses pensamentos… -ri ab´ej y ri q´aq yoj ru mol / as pedras e o fogo nos reúne - la q´aq´junan rik´in qa te´e, k´a ni qa na oj ru molon / o fogo é igual a nossa mãe: sem pensar muito, nos unimos junto a ela. -chuech ruach´ulef xkoj chup bi / diante do rosto da terra nos apagaremos. - q´alaj xka to tzoloj bik´in babe pa nu k´ux ri chua o ri kab´ij o ri ibir o ri kub´ixir / hoje vem me visitar aqui no meu coração. amanhã ou depois de amanhã, ou ontem, ou anteontem, aqui te esperarei.
edgar calel setembro 2017 chixot, guatemala
kilombagem
o grupo kilombagem é uma organização negra que percebe a revolução social como uma possibilidade histórica das classes oprimidas. desenvolve estudos interdisciplinares e ações que buscam a superação do racismo enquadrando-o como um dos aspectos centrais das relações de classe no âmbito do sistema capitalista de produção. a missão do kilombagem é a apropriação, produção e difusão de conhecimentos acerca da humanidade e de suas principais contradições sociais para subsidiar ações políticas de transformação da realidade. criado em 2003 como continuidade da organização comunitária de hip-hop r.o.t.ação (resistência organizada de trabalho e ação), o grupo desenvolve diversos estudos e projetos nas áreas de trabalho, africanidades, combate ao racismo, saúde da população negra, arte e cultura negra. tem como principais desafios: entender as transformações no processo produtivo e seus impactos na sociabilidade contemporânea; compreender as determinações reflexivas entre racismo, machismo e capitalismo; captar as especificidades sociais e possibilidades históricas de transformação da sociabilidade contemporânea considerando a instrumentalização do racismo para a manutenção da exploração capitalista; desenvolver e estimular ações de intervenção social, divulgação científica e propaganda ideológica coerente com as necessidades e tendências históricas de transformação da realidade. prestam consultorias a interessados em estudar ou implantar políticas de valorização da diversidade, política nacional de saúde da população negra e a lei 11.645/08.
lanchonete.org
a lanchonete.org é uma plataforma cultural contínua focada em como as pessoas vivem e trabalham, compartilham e sobrevivem na cidade contemporânea, tendo o centro de são paulo como panorama. o nome vem dos onipresentes balcões das lanchonetes — pontos de comércio amigáveis, sem barreiras, laboriosos e com suas luzes brancas — que ocupam todas as esquinas da cidade. cursinho popular transformação: educação e cultura voltadas para pessoas transgêneras, travestis e não binárias em são paulo. mavi veloso é natural de pacaembu, sp e atualmente vive em amsterdam, holanda. graduada em artes plásticas pela universidade estadual de londrina (2009) teve formação continuada experimental em performatividade com a plataforma artística como clube /sp (20102014). começou a desenvolver #iwannamakerevolution durante pósmestrado na escola a.pass em bruxelas, bélgica (2015-16). atualmente continua a pesquisar e desenvolver #iwannamakerevolution como pesquisa de mestrado em performatividade e voz no master of voice, programa da sandberg instituut em amsterdam, holanda e com colaboração e suporte da plataforma artseverywhere/musagetes.
dentro da residência artística online artseverywhere.ca, o projeto iwannamakerevolution se concentra em pesquisas de técnicas para transição da voz/terapia de feminização de voz para pessoas transgênero como ferramenta performativa. durante a residência, mavi pretende criar redes entre comunidades em diversas partes do globo, sejam estas artistas, ativistas, lgbtqi+ e interessados em geral, aplicando ideias para influenciar o material performativo em construção, como ocorreu com o cursinho popular transformação em são paulo.
travalíngua, língua das travas, abreviação bem-humorada que usamos entre nós, trans, queers, não-binárias e poligêneros. travalíngua é um projeto que pesquisa práticas vocais e performáticas de transição, transformação e transcriação a partir de estudos para feminização ou masculinização da voz no projeto #iwannamakerevolution. trava-línguas são frases que enrolam nossas línguas e imaginários. estão inseridas em nossa cultura popular e trazem práticas de fala com construções sonoras e poéticas. falar, repetir, assimilar,
praticar, travar, treinar, atravessar, entravecar a língua e a voz. a voz é importante instrumento de comunicação e criação. é forte elemento nos modos como se percebe identidade e gênero em nossas sociedades. mas será que a simples catalogação da voz feminina e masculina basta como afirmação? dizem que homens têm vozes mais graves, grossas, fortes e que mulheres têm uma voz mais aguda, fina, suave. e a bicha, a garota trans, o trans boy, pessoas não-binárias, tantas comunidades queer, onde estão? com o projeto travalíngua pesquisamos diversas nuances das classificações da língua, da fala queer, da voz trans, das transgressões, atravessamentos e entravecamentos dos sons que nossos corpos produzem. buscando dar visibilidade às muitas cores de nossas vozes transversais que não estão apenas situadas dentro dos estereótipos normativos de masculino e feminino. no projeto travalíngua nos apropriamos de exercícios para feminização e ou masculinização da voz como ferramenta. testando possibilidades de ressonância e projeção da voz, texturas e musicalidades da fala, reconhecendo e brincando com diversos tons entre agudos e graves, desafiando entrelinhas entre espectros de som e gênero. utilizamos práticas de voz compartilhadas por colegas trans através de vídeos no youtube, textos etc. pesquisamos a terapia de feminização de voz. terapeutas vocais que trabalhem com o assunto ainda não são facilmente encontrados em todos países. pouco a pouco, via internet, vem acontecendo alguma difusão desses processos e práticas vocais pelas próprias comunidades trans. ao passo que práticas são difundidas e compartilhadas, vamos entendendo e reconhecendo algumas entrelinhas. entre voz grave e/ou aguda, quais texturas e cores vocais podemos produzir? entre os estereótipos atrelados à ideia de masculinidade ou feminilidade, suave ou rígido, leve e forte, delicado e viril, mil texturas podem existir. a partir de uma conscientização e reconhecimento do material que se possui, no caso da voz, talvez possamos brincar, articular e confundir um pouco algumas ideias sedimentadas sobre ser homem e mulher. abrir espaços para diversidades de expressão de subjetividades, gay, trans, queer, drag, não-binárias, polivalentes. travalíngua é uma iniciativa dentro do projeto #iwannamakerevolution com parceirxs lanchonete.org e o cursinho popular transformação. #iwannamakerevolution é uma pesquisa de mestrado em performatividade e voz de mavi veloso na sandberg instituut em amsterdam e é projeto em residência artística na plataforma artseverywhere.
mapa xilográfico
o coletivo mapa xilográfico foi formado em 2006 para atuar nos espaços das cidades através da intervenção urbana, audiovisual e xilogravura, buscando problematizar as questões relativas à urbanização ao lado dos habitantes de cada lugar, em um processo de troca e coprodução em torno das problemáticas locais. exercitando a crítica aos conceitos hegemônicos de urbanização que privilegiam uma minoria ao elitizar, agenciar e privatizar o espaço público, minimizando a esfera de participação e autonomia dos seus habitantes, o coletivo propõe uma série de ações poéticas, éticas e estéticas que buscam evidenciar tais processos de transformação do espaço e, ao mesmo tempo, propor agrupamentos que atuem na afirmação de um corpo liberto, na criação de territórios de encontro e produções artísticas.
integrantes do coletivo diga rios: integrante do coletivo mapa xilográfico e do bloco fluvial do peixe seco. mestre em arte e educação pelo instituto de artes da universidade estadual paulista - unesp. atuou como arte-educador de cultura digital do sesc consolação (2012 – 2013). lecionou a disciplina ética na escola superior de advocacia da oab-sp (2010 – 2013). lecionou a disciplina arte na rua do curso de especialização em ecologia, arte e sustentabilidade do instituto das artes da unesp - umapaz em 2010 e 2011. coordenou o núcleo de ação social da escola experimental pueri domus. atuou como educador em escolas de são paulo lecionando disciplinas de base comum e interdisciplinares: ética e cidadania, educação para as mídias e direito e construção da cidadania. integrou o grupo alerta! de intervenções urbanas. milene valentir: integrante do coletivo mapa xilográfico e do bloco fluvial do peixe seco. formadora do centro de capacitação de profissionais da educação (cepape) das áreas de artes visuais e artes cênicas da rede municipal de educação de são caetano do sul. arte-educadora na educação de jovens e adultos – eme prof. vicente bastos, prefeitura de são caetano do sul, desde 2010. mestra em arte e educação pelo instituto de artes da unesp. lecionou a disciplina arte na rua do curso de especialização do instituto das artes da unesp - umapaz
em 2010 e 2011. ministra oficinas de artes visuais desde2005 no sesc sorocaba, sesc pompeia, sesc são caetano e sesc consolação. foi arteeducadora em exposições de 2006 a 2010: mab- faap, pinacoteca do estado de são paulo, centro cultural banco do brasil. foi arte-educadora do projeto parceiros da criança – comunidade heliópolis. integrou o grupo alerta! de intervenções urbanas.
sobre a exposição “gatunos s.a. – stand de oportunidades” a gatunos s.a. é a empreiteira fictícia do coletivo mapa xilográfico que nasceu em 2010 junto aos moradores da vila itororó, no bairro do bixiga, são paulo, sp. através da gatunos s.a. promovemos intervenções que aproximam-se das ações ligadas ao mercado imobiliário, subvertendo suas intenções. ao longo dos últimos sete anos diversos pontos da cidade de são paulo foram presenteados com os “lançamentos” desta promissora empresa, como a vila itororó - bixiga, nova luz/”cracolândia”, estádio do itaquerão, portal do povo/morumbi, jardim das perdizes, entre outros. mais informações em https://gatunossa.wordpress.com/ faça uma visita em nosso stand de oportunidades e escolha um de nossos empreendimentos espalhados pelas grandes cidades.
moisés patrício
sobre a série “aceita?” série de fotografias realizadas desde 2014 para as redes sociais, aceita? traz cerca de 800 imagens em que a palma da mão esquerda de patrício se estende para oferecer objetos encontrados nas ruas de são paulo, palavras e gestos relacionados às situações que experimenta diariamente na cidade. a escolha pelo retrato da mão e do gesto de oferenda (fundamental no candomblé) serve de crítica à herança racista e escravocrata, que reduz o papel da população negra ao de mão de obra. de forte carga simbólica e social, na medida em que recuperam e devolvem à circulação aquilo que foi considerado descartável pela sociedade, as fotoperformances refletem sobre o caráter excludente de espaços urbanos e circuitos de arte. são paulo, sp, 1984. vive e trabalha em são paulo, sp. artista visual e arteeducador, moisés patrício trabalha com fotografia, vídeo, performance, rituais e instalações em obras que lidam com elementos da cultura latina e afro-brasileira. entre as exposições das quais participou, destacam-se: bienal de dakar, no museum of african arts (senegal, 2016); “a nova mão afro brasileira”, no museu afro brasil (são paulo, sp, 2014); “papel de seda”, no instituto de pesquisa e memória pretos novos – ipn museu memorial (rio de janeiro, rj, 2014). metrópole: experiência paulistana - estação pinacoteca (são paulo, 2017) e osso exposição-apelo ao amplo direito de defesa de rafael braga. desde 2006, realiza ações coletivas em espaços culturais na cidade de são paulo, sp.
a minha pesquisa artística tem como foco principal a relação entre corpos negros e cotidiano urbano contemporâneo. para tratar deste assunto caro não apenas a mim, mas à população negra brasileira de modo geral, venho há aproximadamente cinco anos mobilizando diferentes recursos técnicos e expressivos com instalações, esculturas, desenhos, fotografia, vídeo e performances. o tema aparece de diferentes formas, configurando assim a minha poética e cada obra é um comentário crítico sobre noções como diáspora, negritude, racismo estrutural, mas também sobre a beleza de fazeres afro-orientados como a elaboração de oferendas dedicadas aos orixás e outros deuses de origem africana.
embora meu trabalho possa carregar, em alguns casos, forte conteúdo autobiográfico, afinal não há como fugir da própria experiência pessoal, busco sempre uma linguagem universal por meio de soluções plásticas que ultrapassem minhas referências culturais imediatas. preocupo-me em pensar relações humanas positivas e respeitosas na qual a troca afetiva seja possível para muito além da mercantilização da vida, algo que cada vez mais ocorre no mundo contemporâneo, onde as trocas são reduzidas apenas à moeda. nesse sentido, sou consciente do quanto posso contribuir com minha obra para melhor integrar pessoas no sentido de promover novas relações sociais.
rádio yande
a rádio yandê é um ponto de mídia livre indígena. com sede no rio de janeiro, mas rede de comunicação nacional, a rádio yandê iniciou seu streaming em 11 de novembro de 2013. bio dos fundadores e coordenadores anápuáka: formado em gestão em marketing, é um comunicador nato. possui experiência em várias mídias e um vasto currículo na área de comunicação e meios digitais. é indígena da etnia tupinambá e pataxó hã-hã-hãe, um dos fundadores da yandê e coordenador da rádio. coordenador e idealizador da web brasil indígena. membro e idealizador da rede de cultura digital indígena. articulador de políticas públicas para população indígena. renata: jornalista, especialista em etnomídia, roteirista, palestrante e produtora. é indígena da etnia tupinambá, uma das fundadoras e coordenadora da yandê. atua em cultura digital e articulação de meios de comunicações locais e tradicionais. possui experiência em assessoria de imprensa e fez parte do projeto índio educa, que disponibiliza conteúdos escolares em valorização da história e culturas indígenas para estudantes de ensino médio, fundamental e professores. denilson: publicitário, possui experiência em várias organizações brasileiras, sempre atuando na área de comunicação e assessoria política. é um dos fundadores da yandê e indígena da etnia baniwa. atuou como produtor de programas radiofônicos e articulador indígena nas rádios cultura do amazonas, a voz das comunidades e viva. atuou como articulador de cultura digital, comunicação indígena, web ativismo e native design. daiara: professora formada pela universidade de brasília-unb, artista plástica, militante indígena e feminista. é coordenadora na rádio e indígena da etnia tukano. correspondente da rádio yandê em brasília, df.
yandê é a nossa rádio, feita para “você” e “todos nós”. como diz o ditado, “tudo que fazemos juntos fica melhor” e é com esse conceito que nós do grupo de comunicação yandê trabalhamos. a rádio yandê é educativa e cultural. temos como objetivo a difusão da cultura indígena através da ótica tradicional, mas agregando a velocidade e o alcance da tecnologia e da internet. nossa necessidade de incentivar novos “correspondentes indígenas” no brasil, faz com que possamos construir uma comunicação colaborativa muito mais forte, isso comparada com as mídias tradicionais de rádio e tv. estamos certos de que uma convergência de mídias é possível, mesmo nas mais remotas aldeias e comunidades indígenas, e que isso é uma importante forma de valorização e manutenção cultural. nossa grade de programação possui programas informativos e educativos que trazem para o público um pouco da realidade indígena do brasil. desfazendo antigos estereótipos e preconceitos ocasionados pela falta de informação especializada em veículos de comunicação não indígenas.
talita rocha
a produção da artista talita rocha vincula-se diretamente à temática afro-brasileira, principal matéria provedora de sua poética. assim ocorre uma insistência em buscar parte de sua ancestralidade, que lhe foi negada através de diversos processos de apagamentos históricos que tal cultura sofreu e ainda sofre dentro dos processos de escolarização. o presente trabalho se propõe a questionar a ideia de sacralização da leitura dentro do contexto educacional. um abismo se constrói entre o não reconhecimento de si mesmo dentro deste processo e a construção de um indivíduo, pautada em normas e padrões sociais préestabelecidos. a falta de reconhecimento de si nesse meio, gerado pelo apagamento de outras culturas que diferem da europeia, resulta em uma total desestabilização pelo que se é lido, de maneira que tal fator é considerado como fundamental para a criação do trabalho que será exposto. nascida e criada na cidade de mauá-sp. filha do povo do vale do jequitinhonha. educadora, ilustradora e graffiteira. sua formação artística começou aos 16 anos, quando ingressou no curso de história da arte no museu b. de mauá. continuou seus estudos pelo contato com a cena do graffiti na cidade de mauá e com a cerâmica do vale do jequitinhonha, que é quando seu universo artístico de fato se expande e enriquece. também já trabalhou com arte-educação em alguns espaços, dentre eles, o mac-usp, mae-usp e a bienal de artes de são paulo. atualmente é educadora no museu da cidade de são paulo. desenvolve também o projeto intitulado “madame nagô” desde 2012, no qual apresenta e expõe criações vinculadas à temática afro-brasileira pelo uso de diversos tipos de linguagens artísticas, dentre elas, o desenho, a pintura, a cerâmica, a instalação e o graffiti.
visto permanente
acervo vivo das novas culturas imigrantes é um acervo digital de registros audiovisuais sobre expressões artísticas de comunidades imigrantes de são paulo. iniciado em janeiro de 2015, pretende criar um mosaico de representações que funcione como um mapeamento da multilocalidade de tradições e imaginários trazidos pelas comunidades imigrantes para a cidade. inserido por um lado nas lutas sociais pela preservação da memória e por outro numa compreensão complexa da multilocalidade das tradições e culturas populares de são paulo, o visto permanente procura contribuir com este acervo para o fortalecimento da imagem e da produção simbólica do imigrante na cidade. este acervo cresce com a constante publicação de novos vídeos concentrados na página (www.vistopermanente.com) o coletivo é constituído por agentes culturais com formações, nacionalidades, histórias e percursos diferentes, que enfrentam diariamente os desafios da migração e da produção cultural em são paulo. conhecendo a realidade que imigrantes e refugiados têm a partir de sua própria composição, o coletivo busca não somente visibilidade, mas também a própria representatividade como artistas. é representado por: anaís escalona (24), fotógrafa venezuelana; arthuralves (24), artista audiovisual brasileiro; daniela solano (27), arteeducadora colombiana refugiada; juan david rubio (32), arteeducador social colombiano.
a instalação o coletivo visto permanente apresenta uma vídeo instalação de seu acervo que engloba mais de 60 vídeos de manifestações artísticas realizadas por imigrantes de diferentes nacionalidades e que residem e expressam sua cultura na cidade de são paulo.
porque falar em diálogos e transgressoes? relacoes entre educacao e arte na contemporaneidade
por luciara ribeiro
diálogos e transgressões parte da compreensão de que a arte e educação são espaços de existências e resistências. são espaços que possibilitam refletirmos e agirmos em busca de novas maneiras de viver. para isso, partimos nesse projeto do livro ensinando a transgredir, de bell hooks*. hooks é uma escritora afro-estadunidense que aponta nesta obra teorias, debates e ações para pensarmos processos de liberdade na educação. falar sobre bell hooks é um exercício difícil. a autora já publicou aproximadamente 30 livros, sendo, a sua maioria permeados por estudos relacionados às relações étnico-raciais, gênero, classe, educação, arte, sexualidade, feminismo e histórias afro-atlânticas. o livro ensinando a transgredir foi lançado em 1994, nos estados unidos, porém, só foi publicado no brasil em 2013, cerca de 20 anos depois. e até o momento, continua sendo a única publicação de hooks lançada no país. em ensinando a transgredir, bell hooks realiza uma reflexão sobre os processos educacionais vivenciados por ela em diversos momentos da vida: na infância, como aluna de uma escola da comunidade afro-estadunidense durante o período de segregação racial institucionalizada nos e.u.a; como aluna também nas escolas durante o período de integração racial; como estudante universitária de pedagogia, *bell hooks é o pseudônimo de gloria jean watkins. A autora solicitação a escrita do seu nome sempre em letras minúsculas como atitude de discussão sobre hierarquias e poderes em nossa sociedade, atitude essa que também foi tomada para os escritos desse projeto.
onde foi aluna de paulo freire, que lecionou em universidade nos e.u.a durante o seu exílio; como professora secundária; como professora universitária e como escritora de mais de mais de trinta livros e numerosos artigos acadêmicos. ter bell hooks como referência nesse projeto já implica na adoção de uma perspectiva transgressora, tendo em vista se tratar de uma mulher negra que se dedica a estudar os condicionamentos históricos nos quais está inserida no campo da educação formal e não-formal. contrapomos, assim, a sociedade formada por uma visão eurocêntrica, masculina, heteronormativa, classista e racista. hooks nos convida a transgredir em luta e em resistência. hooks nos convida a não desistirmos, a buscarmos as possibilidades de nossos respiros diários. diálogos para transgredir e transgredir para dialogar traçaram os nossos caminhos durante os meses de desenvolvimento e organização desse projeto. porque falar em diálogos e transgressões? falamos em diálogos e transgressões para que possamos evidenciar e reconhecer as fronteiras que nos separam nessa sociedade. falamos em diálogos e transgressões para que possamos refletir sobre as nossas atitudes diárias e saber se elas são transgressões ou se contribuem para dar continuidades a fronteiras e preconceitos. falamos de diálogos e transgressões porque estamos vivendo um genocídio de mais de 500 anos as populações indígenas e negras. falamos de diálogos e transgressões porque as sociedades indígenas ainda não foram reconhecidas dentro de suas humanidades, conhecimentos, inteligências e ancestralidades. falamos de diálogos e transgressões porque mesmo vivendo no segundo país com a maior população negra do mundo, jovens negros são assassinados e mortos todos os dias. falamos em diálogos e transgressões porque mulheres são violentadas, assassinadas, estupradas. falamos em diálogos e transgressões porque corpos são censurados pelo puritanismo cristão, porque gêneros sãos definidos
por uma heteronormatividade machista, sexista e binária. falamos de diálogos e transgressões porque ainda vivemos em um sistema de educação não inclusiva, xenofóbica, eurocêntrica, racista, classista e autoritária. falamos de diálogos e transgressões porque o modelo de cidade no qual vivemos é excludente e desumano. falamos em diálogos e transgressões porque apesar de sermos um dos maiores países em extensão territorial do mundo, nossas terras estão destinadas a poucos. falamos de diálogos e transgressões porque apesar de vivermos em um país laico, religiões são perseguidas e pessoas mortas por suas crenças. falamos de diálogos e transgressões porque poderes políticos são utilizados para interesses religiosos e individuais. falamos de diálogos e transgressões porque vivemos em um período de retrocessos políticos e humanos, e não tem como a educação e a arte não serem espaços para refletir sobre seus tempos. diálogos e transgressões é um conjunto de ações. além da exposição, ocorrerá também um ciclo de encontros para debater propostas descolonizadoras no campo da educação, diversas ações de ativações de obras e espaço, formação educativa, relatorias críticas e uma publicação. para a exposição optamos por convidar não apenas artistas plásticos. entendemos que precisamos expandir também as maneiras de se ocupar os espaços expositivos dedicados às artes. por isso, convidamos também coletivos artísticos-ativistas que fomentam ações de questionamentos entre a arte e a educação. organizar a exposição foi um grande desafio para todos. o trabalho partilhado foi muito potente e prazeroso, mas também muito trabalhoso. nesse sentido, todos os envolvidos foram importantíssimos para a construção de diálogos abertos e construtivos. todos os passos dados para a realização desse projeto foram construídos a partir de encontros, telefonemas, mensagens de celular, trocas
de e-mails, pedidos de ajuda, etc. buscamos a partir de soluções coletivas as melhores formas de apresentar a individualidade e especificidade de cada atuação, história, trajetória e identidade artística. em parceria com isa guebara, arquiteta responsável por esse projeto, iniciamos a idealização da expografia. nos primeiros momentos a nossa grande pergunta era: como transportar as nossas ações como algo que contemple a todos? como conseguir reunir no mesmo espaço propostas tão diversas em suas linguagens, origens e discursos? como ocupar o espaço de maneira coletiva e livre? tentando responder as essas questões, optamos por privilegiar uma estrutura de exposição expandida. buscamos quebrar um pouco da rigidez das paredes, tornando-as mais fluidas, transitáveis e visíveis. buscamos construir também um espaço de diálogo entre visualidades e sons. entre linguagens e temáticas. outro grande desafio foi à construção da identidade visual. rafael simões foi o responsável por encontrar formas e escritas potentes e dialogáveis com as ideias propostas. a identidade visual apresentada busca privilegiar a apresentação dos nomes dos artistas e coletivos, em detrimento do nome da exposição. buscamos dessa maneira, evidenciar quem são os verdadeiros agentes de transformação do dia-a-dia. lutamos pela vida das cores, dos espaços, das afetividades e das suas ações humanas. em vista disso, além da exposição, haverá ao longo dos seus três meses, uma série de três encontros com educadores-militantesativistas-pesquisadores-vivenciadoresfomentadores de debates. através da mediação de lunalva oliveira e relatorias de bruno oliveira, esses encontros buscarão apresentar questões e ações pra o futuro. para tornar a presença educativa continua, durante a exposição, a historiadora e educadora anita limulja desenvolverá ações educativas e de formação com os educadores e professores visitantes. em outra frente, os artistas e coletivos organizarão uma agenda com ações
ativadoras. serão ações de ocupação, de interação, de debate, de degustação, de brincar, de re-significar, de performatizar, de agir, de sentir. na busca por fomentar a compreensão e divulgação do trabalho de bell hooks, a pesquisadora juliana gonçalves também apresenta nessa publicação algumas palavras para demonstrar a potência dessa grande pensadora. e por fim, mas não menos importante, a colchete projetos culturais esteve unindo e organizando todas essas frentes desse projeto nas presenças de auana diniz, elisa matos e luanah cruz. juntas conseguimos realizar de maneira competente e humana a concretização desse longo processo coletivo de trabalho. e foi através dessa busca de construção coletiva que apresentamos o presente trabalho. acreditamos que essas possam ser maneiras efetivas de diálogos e transgressões. e por isso seguiremos falando deles. falaremos em diálogos e transgressões até que todas as barreiras que nos impedem de transgredir e dialogar sejam ultrapassadas.
bell hooks, a escrita que transcende a mulher por juliana goncalves*
“somos um povo ferido. feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando. a vontade de amar tem representado um ato de resistência [...] numa sociedade racista, capitalista e patriarcal, os negros não recebem muito amor. e é importante para nós que estamos passando por um processo de descolonização, perceber como outras pessoas negras respondem ao sentir nosso carinho e amor”. esse é um trecho de “vivendo para amar”, provavelmente o texto mais lido de bell hooks no brasil. ainda desconhecida pela maioria das pessoas, essa intelectual, escritora, crítica cultural e teórica feminista possui uma obra composta de mais de trinta livros publicados entre poesia, prosa e livros infantis, além de diversos artigos acadêmicos. sua escrita versa sobre elementos que estruturam a sociedade moderna como raça, capitalismo, gênero e a articulação que ocorre entre eles produzindo e perpetuando sistemas de opressão e dominação na educação, arte, história, política, cultura e mídia de massa. além disso, hooks possui ampla contribuição na concepção e prática do feminismo negro, precursor do feminismo interseccional ao lado de kimberle crenshaw, audre lorde e, no brasil, lélia gonzalez. gloria jean hopkins, nasceu em 1952 em hopkinsville, uma cidade pequena, rural e segregada do kentucky. seu nome social bell hooks, uma homenagem à avó materna bell blair hooks, chama atenção por vir sempre grafado com letras minúsculas. sobre isso, explicou certa vez: “o mais importante em meus livros é a substância e não quem sou eu”.
criada numa família de cinco irmãs e um irmão, na infância, estudou em escolas só para negros frutos de um país marcado pela divisão racial. a mãe trabalhava nas casas das famílias ricas e brancas da cidade, e o pai era zelador. apesar da raiz cristã, hooks se converteu ao budismo na década de 70, um percurso que rendeu bons textos sobre espiritualidade, um de seus temas menos conhecidos. a partir do momento que entra na universidade de stanford, na califórnia, passa a ter uma ampla convivência com mundo acadêmico. aos 19 anos, inicia seu primeiro livro de prosa batizado de “ain’t no woman: black women and feminism” (e eu, não sou uma mulher? mulher negra e o feminismo) e passa a assinar como bell hooks
definitivamente. foram anos de revisões até que 1981 o livro foi publicado se tornando obra central para discutir racismo e sexismo e colocando de vez o nome de hooks nos debates feministas. “ain’t no woman” foi escrito para documentar o quanto a vida da mulher negra estava marcada por práticas racistas e sexistas enquanto hooks analisa esse processo por uma perspectiva feminista. o livro fala dos impactos do sexismo durante a escravidão, do desenvolvimento de uma comunidade feminina negra, do sexismo do homem negro, do racismo dentro do movimento feminista e das mulheres negras dentro do movimento feminista. apesar de produzir intensamente, foi lecionando após finalizar seu doutorado em literatura que a escritora afirma ter encontrado a mais importante forma política de resistência. assim, em seu currículo de docente há passagens em importantes universidades como a universidade da califórnia, universidade de yale, oberlin college e city college de nova iorque. em seu livro de 1994, “ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade” apresenta uma pedagogia engajada e feminista como alternativa no
combate às opressões. “a sala de aula com todas as suas limitações continua sendo um ambiente de possibilidades”, afirmou. essa obra surgiu inspirada nas teorias de educação defendidas por paulo freire que trazia a necessidade de ver o estudante em sua totalidade e seu papel ativo na aquisição do conhecimento. “quando descobri a obra do pensador brasileiro paulo freire, meu primeiro contato com a pedagogia crítica, encontrei nele um mentor e um guia, alguém que entendia que o aprendizado poderia ser libertador”, conta em um trecho do livro. a contribuição de hooks para o pensamento freiriano vem justamente por sua teoria crítica do feminismo que aponta um desenvolvimento que não é individual, mas sim, comunitário. o último elemento ganha força em seu livro de 2003 intitulado “comunidade de ensino: a pedagogia da esperança”. “pedagogia engajada” é um dos termos que facilmente lemos na obra de hooks ou em suas aulas públicas documentadas em vídeos. além dele, vemos bell construir conceitos como o “patriarcado imperialista, supremacista branco e capitalista” e “cultura dominante” para delimitar uma estrutura de poder que mantém a ordem social. em “writing beyond race: living theory and practice” (escrevendo além da raça: vivendo teoria e prática) de 2013, bell explana longamente sobre essas diferentes lentes necessárias para entender como as opressões se articulam e qual é a perspectiva feminista possível. é, inclusive, sobre a lente feminista que bell hooks aborda temas variados como cabelo, beleza, moda, corpo e masculinidades. por exemplo para hooks, a perpetuação do patriarcado e manutenção da cultura dominante se dá por diversas vias, uma delas é apresentada no texto chamado “pennis passion” (paixão peniana), onde a escritora descreve a visão da sociedade ocidental do falo como um instrumento
de força. “identificar o pênis sempre e unicamente com força, como sendo um instrumento de poder, uma arma primeiro e acima de tudo, é participar no reverenciamento e perpetuação do patriarcado. é a celebração da dominação masculina”, conta. outro ponto importante de sua obra diz respeito ao processo de amadurecimento do movimento feminista estadunidense. exemplo disso foi a ampla discussão sobre a pobreza feminina como elemento fundamental para o crescimento do movimento feminista. em seu texto “luta de classes feminista”, bell conta como houve na trajetória do movimento uma cooptação do feminismo por ideias liberais e como feministas radicais e negras travaram intensas discussões a fim de incluir junto à pauta de classe, o debate racial. “colocar a questão de classe nas agendas feministas abriu o espaço para as interseções entre classe e raça. dentro do sistema institucionalizado de raça, sexo e classe social na nossa sociedade, mulheres negras estavam claramente no fundo do totem econômico”, afirma. a escritora defende que a libertação feminista reside junto à visão da transformação social que desafia o elitismo de classe. assim, a política feminista tem o objetivo de desafiar e mudar tudo que estrutura o patriarcado. “o feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista, e a opressão”, define. dentro dessa conceituação, o feminismo seria uma escolha política e não um estilo de vida. em 2000, em seu livro “feminismo é para todos”, bell faz um alerta para que as diferenças entre as mulheres não se transformem em fatores de desigualdades. “enquanto as mulheres estão usando o poder da classe ou da raça para dominar outras mulheres, a irmandade feminista não poderá ser plenamente realizada”, aponta. no entanto, a escrita traz o movimento
feminista como aquele que mais tem se questionado, visando sua melhoria. “ eu sou uma feminista em solidariedade com as mulheres brancas hoje, por essa razão, porque eu vi essas mulheres crescerem em sua vontade de abrir suas mentes e mudar todo o rumo do pensamento, escrita e ação feminista. este continua sendo um dos mais notáveis aspectos impressionantes do movimento feminista contemporâneo. a esquerda não fez isso, os homens negros radicais não fizeram isso”, pondera. não é só por meio de publicações densas que podemos acessar o trabalho da professora bell hooks. periodicamente, no blog do instituto bell hooks, ela escreve pequenos textos sobre assuntos diversos. em maio do ano passado, um mês depois de beyoncé causar frisson na indústria do entretenimento e na internet com “lemonade”, seu álbum visual, hooks agitou as redes feministas ao publicar uma crítica sobre tudo que assistiu e ouviu. a intelectual fez elogios às referências à ancestralidade, à manifestação do corpo negro feminino nas mais diversas formas e pontuou críticas. “as mulheres não aprendem nem aprenderão sobre poder ou sobre criar amor próprio e autoestima através de atos de violência. a violência feminina não é mais libertadora do que a violência masculina”, disse sobre a encenação de beyoncé durante o vídeo que destrói um carro com um taco de beisebol. sobre o feminismo da cantora, hooks afirma que “ele não proclama o fim da dominação patriarcal” e completa: “no mundo do feminismo fantasia não existem hierarquias de classe, sexo, raça, não há ênfase na interseccionalidade”, escreveu. nos anos 2000, bell se dedicou a escrever três livros específicos sobre o amor. ela apresenta o amor com um ato político de emancipação do povo negro. em 2001, escreveu o “all about love: new visions” (tudo sobre o amor: novas visões) e inicia dizendo como amor é comumente definido como um substantivo, porém, nós todos amaríamos melhor se frequentemente o
usássemos como verbo. hooks fala de um amor que detém a cura para os indivíduos e para a nação. “todos os grandes movimentos de justiça social em nossa sociedade têm enfatizado fortemente a ética do amor.” esse é o espírito de “salvation: black people and love” (salvação: pessoas negras e o amor), de 2002, que traça o legado da escravidão na vida amorosa de pessoas negras. em “communion: the female search for love” (comunhão: a procura feminina por amor), também de 2002, a intelectual desafia todas as mulheres para reivindicar corajosamente a busca do amor. “vivendo numa sociedade de dominação, amar pode ser um ato heróico”, afirma. o amor foi tema transversal em outros livros, como o trecho de “vivendo para amar” que abre esse texto retirado do livro “sisters of the yam: black women and selfrecovery” (irmãs pela inhame: mulher negra e a auto-recuperação), de 1993. nele hooks já apresentava o amor como ferramenta para enfrentar o genocídio. “quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. esse é o poder do amor. o amor cura.”, afirmou. em termos de produção, a última novidade da escritora fica por conta do e-book “uncut funk: a contemplative dialogue” (sem cortes: um diálogo contemplativo), um acervo que traz diálogos de hooks com o pai dos estudos culturais, o jamaicano stuart hall, falecido em 2014. lançado neste mês de outubro, o e-book deve ganhar versão impressa no ano que vem. a ativista bell hooks segue escrevendo de maneira constante, inclusive tem uma série de livros infantis que se valem do lúdico para desconstruir os preconceitos de raça, cor, classe e gênero. infelizmente todos ainda sem tradução para o português.
vale ressaltar que “ensinando a transgredir” e sua “pedagogia engajada”, obra carro-chefe desta exposição, é o único livro de bell hooks traduzido para o português, apesar de ser possível encontrar muitos textos soltos traduzidos na internet. infelizmente, as intelectuais feministas negras estão só agora abrindo caminho no setor editorial. haja visto que os livros da grande angela davis acabaram de ser lançados oficialmente no brasil pela editora boitempo, a exemplo de “mulheres, raça e classe”, originalmente publicado por davis em 1981. esperamos que essa exposição dê corpo a demanda já existente de que mais e mais livros de bell hooks sejam traduzidos e publicados aqui no brasil. em tempos politicamente obscuros, mais do que tudo o que foi exposto aqui, ressalta no trabalho de hooks suas narrativas de liberdade vindas de uma mulher negra que sabiamente ousou se intitular uma ativista revolucionária.
*jornalista apaixonada pela obra de bell hooks. ativista dos direitos humanos com foco em raça e gênero, integra a comissão de jornalistas pela igualdade racial de são paulo e a marcha das mulheres negras de são paulo. atualmente é repórter do brasil de fato. têm textos publicados na carta capital, revista tpm/trip e na revista eletrônica calle 2 onde compartilha histórias que versam sobre sua condição no mundo: mulher negra, mãe, feminista, periférica, afrolatina, quiçá, livre.
diálogos e transgressoes projeto educativo | anita limulja
aprendendo a transgredir “vamos encarar a realidade: a maioria de nós frequentamos escolas onde o estilo de ensino refletia a noção de uma única norma de pensamento e experiência, a qual éramos encorajados a crer que fosse universal. ” bell hooks o projeto educativo da exposição “diálogos e transgressões” foi concebido a partir das reflexões disparadas pela pedagoga afroamericana bell hooks. sua obra tem cada vez mais tido, embora ainda com lacunas importantes a ser preenchidas, traduções para o português em função da crescente procura pelos educadores brasileiros. a escritora, professora e intelectual insurgente nasceu nos estados unidos na década de 1950. profundamente engajada com a perspectiva da educação enquanto prática de transformação social, a pedagoga buscou ao longo de sua trajetória conciliar o conhecimento acadêmico, produzido tradicionalmente pelas elites políticas, econômicas e sociais, e o conhecimento resultante dos movimentos militantes, voltados para a superação das fronteiras raciais, sexuais e de classe. em seu livro “ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade” único até agora traduzido para o português - a autora relata sua experiência pessoal na educação formal. inserida no contexto histórico de segregação racial ocorrido nos estados unidos, bell hooks dá testemunhos de como o processo de dessagregação nas escolas do ensino básico ocorreu de forma a reafirmar os modos excludentes aos quais a população negra era e ainda é submetida. a autora relata, “a escola ainda era um ambiente político, pois éramos obrigados a enfrentar a todo momento os
pressupostos racistas dos brancos, de quem éramos geneticamente inferiores, menos capacitados que os colegas, até incapazes de aprender”. para analisar o impacto desse processo, busca em sua própria experiência enquanto estudante elementos disparadores de reflexões essenciais no campo da educação. bell hooks aponta como o processo de aprendizagem está estreitamente vinculado a fatores inter-relacionais muito aquém de conteúdos específicos próprios a objetos do conhecimento disciplinar. a autora identifica: “nestes vinte anos de experiência de ensino, percebi que os professores (qualquer que seja sua tendência política) dão graves sinais de perturbação quando os alunos querem ser vistos como seres humanos integrais, com vidas e experiências complexas, e não como meros buscadores de pedacinhos compartimentalizados de conhecimento”. o currículo escolar, portanto, apresenta apenas uma das várias facetas que envolve o processo de ensino disparado pelos professores. é fundamental, portanto, que se leve em conta o contexto vivenciado pelos estudantes e que suas preocupações para além da vida escolar possam ter espaço em sala de aula. nas situações de aprendizagem em que cada estudante é visto em sua singularidade as práticas educativas podem surtir um sentido mais aprofundado. as relações entre todos os integrantes é vista como elemento principal, e a partir disso se constrói uma comunidade de aprendizagem cuja responsabilidade é compartilhada com todos os envolvidos. nas palavras da autora: “na comunidade da sala de aula, nossa capacidade de gerar entusiasmo é profundamente afetada pelo nosso interesse uns pelos outros, por ouvir a voz uns dos outros, por reconhecer a presença dos outros”. acontece, portanto, uma descentralização da figura do professor, visto tradicionalmente como sendo o único detentor de saber. a polifonia alcançada então estimula o interesse dos estudantes para a aprendizagem, já que são vistos como sujeitos autônomos e imbuídos de
experiência e criticidade. a assunção de que todos os sujeitos carregam saberes - ainda que não formulados nos moldes acadêmicos tradicionais -, é apenas uma das várias concepções que bell hooks compartilha com o pedagogo brasileiro paulo freire, a quem fez várias menções, lhe dedicando um capítulo inteiro em seu livro. assim como ele, defende a impossibilidade da neutralidade de posicionamento político de educadores. a pretensa imparcialidade, revisitada no programa “escola sem partido”, escamoteia os mecanismos de opressão que perpetuam as profundas desigualdades sociais, não deixando com isso, de representar um posicionamento político. contrariando tal perspectiva, bell hooks defende, “os professores progressistas que trabalham para transformar o currículo de tal modo que ele não reforce os sistemas de dominação nem reflita mais nenhuma parcialidade são, em geral, os indivíduos mais dispostos a correr os riscos acarretados pela pedagogia engajada e a fazer de sua prática de ensino um foco de resistência”. ainda que bell hooks se refira mais enfaticamente à sala de aula, suas contribuições são, do mesmo modo, fundamentais no campo do ensino não formal. embora a instituição escolar ocupe um lugar central na formação dos sujeitos, os processos de ensino e aprendizagem se dão em diversos outros espaços sociais. dentre eles, destaca-se as instituições culturais que têm desenvolvido um significativo papel através de seus setores educativos. o projeto educativo da exposição “diálogos e transgressões” compreende as ações educativas enquanto práxis desenvolvidas com e não para os visitantes. contrapõe-se, assim como bell hooks, ao que paulo freire chamou de educação bancária, não pretende estabelecer hierarquias de importância entre os artistas, educadores e visitantes, mas tão somente, colocar-se em posição de diálogo para, desse modo, estimular o contato e a movimentação de saberes produzidos em múltiplas esferas.
as visitas educativas podem significar importantes espaços de troca de experiência entre os visitantes. concebidas deste modo, constituem as chamadas comunidades de partilha, tão caras a bell hooks, e que representam um espaço significativo de participação política. em consonância com as propostas desenvolvidas pelos artistas e coletivos ativistas presentes na mostra, as narrativas não hegemônicas devem ocupar um lugar de destaque nas visitas educativas. descentralizar os meios de produção de saber e notabilizar as reflexões tecidas por agentes sociais tradicionalmente excluídos da sociedade é um exercício ininterrupto que requer uma escuta apurada por parte dos educadores. ao contrário do que comumente se espera, os educadores comprometidos com a transformação social devem estar tão ou mais envolvidos com a pluralidade dos grupos de visitantes e com as questões específicas que carregam consigo quanto com os conteúdos relativos ao campo do conhecimento artístico apresentado em uma dada exposição. nesse sentido, é preciso fomentar coletivamente um projeto educativo que se volte para as ferramentas de desconstrução de padrões normativos nos quais todos nós fomos e temos sido formados. bell hooks aponta, em seu livro, para a aceitação do multiculturalismo na academia, entretanto, adverte, não se trata somente de perceber as diferenças sociais, mas sobretudo, atuar para uma transformação da realidade em que a diferença não seja qualificada como desigualdade. as ações educativas voltadas para a democratização dos meios de produção de conhecimento devem considerar os diversos modos de exclusão perpetrados ao longo da história, em que grande parte da população foi alijada dos centros de decisão. escutar os saberes produzidos - e os termos nos quais são definidos - pelos grupos sistematicamente tornados invisíveis pela estrutura colonizadora da qual somos herdeiros, significa, sobretudo, considerá-los sujeitos e não objetos.
a assunção da autonomia dos sujeitos, seja dos artistas seja dos visitantes, também deve estar presente em relação aos educadores. a formação para a atuação deles na exposição buscou estimular a partilha de conhecimentos prévios, em que cada um pôde compartilhar suas experiências em diversas áreas. os educadores em instituições culturais representam uma parte central na formação de públicos. devem ser valorizados enquanto pesquisadores, propositores e autores de sua própria prática. ainda que a educação não formal possua pouca visibilidade em relação à formal, os educadores têm produzido importante conhecimento pedagógico que deve ser melhor sistematizado e divulgado. são muitas vezes eles, os educadores, os principais responsáveis por disparar, através do diálogo, práticas transgressoras às barreiras entre raça, gênero e classe tão veementemente criticadas por bell hooks.
programacao: mesas de diรกlogos e transgressoes
POR QUE FALAR EM
ARTE, ATIVISMO,
DIÁLOGOS E
MILITANCIA: COLETIVOS E
TRANSGRESSOES:
PROPOSTAS ALTERNATIVAS*
RELACOES ENTRE
com erica malunguinho (aparelha luzia - sp), iran giusti (casa 1 - sp), queila rodrigues (fórum de cultura da zona leste - sp) e denilson baniwa (rádio yande - rj)
EDUCACAO E ARTE NA CONTEMPORANEIDADE*
com luciara ribeiro (curadora) + afroescola, bianca leite, edgar calel, kilombagem, lanchonete.org, mapa xilográfico, moisés patrício, rádio yande, talita rocha e visto permanente
18 - 01 - 18 quinta, das 19h30 às 21h
18 - 11 - 17 sábado, das 11h30 às 13h30
DESCOLONIZAR A
DESTERRITORIALIZANDO
EDUCACAO: PROPOSTAS DE
A EDUCACAO - POR UMA
MEDIACOES LIBERTÁRIAS
EDUCACAO DE TODOS E PARA
E TRANSGRESSORAS -
TODOS: SEM ESTEREÓTIPOS
RACISMO, BRANQUITUDE
E SEM FRONTEIRAS*
E EUROCENTRISMO NO
com adama konate (sp), veronica quispe yujra (colectivo si yo puedo) (sp), paulo silva (foz do iguaçu - pr e sp), mano zeu (foz do iguaçu - pr)
DISCURSO DA EDUCACAO E DAS ARTES* com cristine takuá (sp), luara carvalho (sp), mirella maria (sp) e marcel cabral (sp)
29 - 11 - 17 quarta, das 19h30 às 21h
07 - 02 - 18 quarta, das 19h30 às 21h
* mediação: lunalva oliveira / relatoria crítica: bruno oliveira
relatoria: mesas de diรกlogos e transgressoes
DESCOLONIZAR A EDUCACAO: PROPOSTAS DE MEDIACOES LIBERTÁRIAS E TRANSGRESSORAS RACISMO, BRANQUITUDE E EUROCENTRISMO NO DISCURSO DA EDUCACAO E DAS ARTES*
com cristine takuá (sp), luara carvalho (sp), mirella maria (sp) e marcel cabral (sp) 29 - 11 - 17
como parte da programação da exposição diálogos e transgressões, a mesa descolonizar a educação - propostas de mediações libertárias e transgressoras acontece em momento mais que oportuno, necessário. o programa da exposição curada por luciara ribeiro se faz pertinente para um momento em que nos encontramos resistindo aos inúmeros projetos e investidas no sucateamento e desmantelamento da educação pública no brasil. neste sentido, o percurso traçado durante as falas de cristine takuá (sp), luara carvalho (sp) e mirella maria (sp) na mesa mediada por lunalva oliveira (sp), apresentou outros entendimentos da educação e cultura, por meio de proposições potentes e plurais. todavia, é fundamental enunciar este relato considerando o espaço de construção destes enunciados, o equipamento do sesc santo amaro e o espaço da própria exposição: os museus, galerias e os centros culturais, suas exposições, eventos e publicações, assim como universidades e a disciplina própria da história da arte, devem ser entendidos como parte fundamental de um con-
junto de instituições disciplinares (foucault, 1987:198) que se ocupam da estruturação e manutenção de memórias e representações sociais estáveis e homogêneas. a garantia do domínio sobre as narrativas do território e sobre a cultura e a sociedade, em especial no contexto latino-americano, foram (e ainda são) fundamentais para a organização dos estados modernos e para a reverberação de sistemas de domínio, exclusão e extermínio - eurocentrados, brancos, masculinos, metropolitanos. é contra este sistema homogeneizante e de formatação das subjetividades que se direciona a atuação e a fala de cristine takuá, filósofa e educadora indígena. a escola, como instituição formal, é relativamente recente nas comunidades indígenas, ainda que a própria noção de educação como formação dos sujeitos seja presente e estruturante. para a educadora indígena existe um grande desafio no equilíbrio da educação tradicional e aquela proposta pelo estado (a partir do decreto 6861/2009, que versa sobre a educação escolar indígena e a organização
dos territórios etnoeducacionais, regiões delimitadas para a aplicação de planos de ação para a educação, a partir de povos conectados por relações sociais, históricas, políticas, econômicas, linguísticas e culturais), para além da construção de currículos e cronogramas que se adequem às práticas locais de cada território etnoeducacional: é preciso reconhecer que a noção indígena de educação parte de outros pressupostos. a escola na perspectiva ocidental tem objetivos específicos como a competitividade, a empregabilidade e de uma manutenção da ordenamento burguês ocidental do espaço e da vida; a educação indígena, em contraste, se foca em que os jovens sejam felizes, tenham contato com a terra e construam relações de respeito com si mesmo, o outro e o território. em outras palavras, takuá afirma ser necessário um reconhecimento da especificidade das culturas e de suas epistemologias e sistemas de educação distintos. o sistema brasileiro de educação falha justamente por reproduzir um sistema que perpetua a reprodução de imagens e epistemologias homogêneas, eurocentradas e colonizadas sobre um território cujas expressões são plurais e diversas. existem muitos saberes complexos que não estão sendo enxergados, respeitados e reconhecidos. a educadora aponta ainda para a necessidade de desconcretizar e desfragmentar para se descolonizar: o conhecimento - e a felicidade, objetivo central da educação indígena - não estão entre paredes de concreto e vidro, mas no contato com o outro e com a terra. assim sendo, descolonizar a educação é abrir o pensamento para outras formas de saberes, tendo como base o respeito e a transformação. em seguida à fala de cristine takuá, a historiadora e educadora luara carvalho relata a experiência de formação do cursinho livre da lapa, cuja atuação se pauta na desnaturalização das opressões e violências do espaço universitário e de construção do conhecimento. com princípios de educação libertária, a experiência da formação pré-universitária
aponta para a complexidade da implantação de outras pedagogias no contexto de uma sociedade estruturalmente colonizada e colonizadora. a partir dos princípios anarquistas adotados no cursinho, a historiadora aproxima algumas perspectivas apresentadas por takuá em sua fala e constrói uma interlocução entre as duas pedagogias transgressoras, que possuem, para ela, premissas fundamentais de uma prática de liberdade (hooks, 2013:25). a oposição ao capitalismo, a promoção da autonomia (pedagógica, econômica e política), a horizontalidade (desestruturação das hierarquias formais de ensino-aprendizagem), a ação direta, o conhecimento crítico e o apoio mútuo (em oposição à concorrência e competitividade) são alguns destes elementos que se propõe a ampliar o horizonte de diálogo e referências, com outras formas de pensar e estar no mundo. carvalho declara ainda que uma mudança estrutural é necessária nas práticas pedagógicas para que se conformem como transgressoras e não colonizadoras: precisamos nos observar e nos reconhecer, estudar a nós mesmos e nossas origens para que possamos propor outros modelos que não reproduzam as opressões, apagamentos e invisibilizações da hegemonia ocidental. a reflexão que a educadora e pesquisadora de artes visuais mirella maria conduz posteriormente se inicia com uma citação do livro «tornar-se negro – as vicissitude do negro em ascensão social», de neusa santos souza: «uma das formas de exercer autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo. discurso que se faz mais significativo quanto mais fundamentado no conhecimento concreto da realidade» (souza, 1982:17). assim sendo, reforça a relevância da positividade das representações, se opondo diretamente à hegemonia estrutural do capitalismo na produção de narrativas, histórias e imagens racistas, machistas e sexistas. recorrendo a artistas canonizadas e canonizados na história da arte como albert eckhout (holanda), jean-baptiste debret (frança) e johann moritz rugendas (alemanha), tarsila do amaral (brasil) e carybé (argentina/ brasil), aponta para o controle e domínio dos
corpos negros por suas representações, mas também por políticas. é preciso reconhecer que a visualidade ocidental - e latino-americana - ainda se articula com a colonialidade e as representações estereotipadas e homogêneas dos sujeitos e suas subjetividades. neste sentido, as leis 10639/2003 e 11645/2008 que versam respectivamente sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, apresentam um progresso possível, mas não são suficientes considerando que os conteúdos, professores e materiais didáticos disponíveis não possuem leituras críticas sobre o própria história geral e da arte.
na contramão dos regimes de homogeneização e totalitarismo, é essencial lutar contra o apagamento de violência inerentes à hegemonia moderno/colonial ocidental e a garantir a descolonização da educação de forma constituir heterotopias e o compartilhamento da diferença.
bruno oliveira relator crítico
em outras palavras, a pesquisadora aponta para um processo de descolonização que está sobretudo na conformação de um olhar crítico sobre o que está posto. não sendo possível apagar a trajetória das violências, é urgente fundamentar uma história crítica e re-elaborar os sentidos e formas de conhecimento, em perspectivas positivas e não estereotipadas. ao propor o diálogo para a reestruturação das narrativas, alinhase de forma potente com os enunciados propostos por cristine e luara, frisando a importância da constituição de processos de autonomia, subversão e resistência. por fim, para além das frequentes apropriações e cooptações de sentido engendradas pelo capitalismo e pela hegemonia da cultura ocidental, o que se apontou de forma sumária na mesa descolonizar a educação foi a necessidade de reconhecer como se articulam redes de sentido e existência, educação e produção de conteúdos, representação e visualidade no contexto de populações e territórios historicamente marginalizados e excluídos das grandes narrativas. empreender trajetos de ação compartilhados e plurais que reflexionem desde a exterioridade da epistemologia eurocentrada, desprendendo-se do pensamento único tanto geo quanto corpopoliticamente (palermo, 2014). o exercício de representação e visibilidade de sujeitos e práticas em educação subalternizadas deve se orientar, sobretudo, de forma a garantir a liberdade, emancipação e autonomia.
foucault, michel. vigiar e punir: nascimento da prisão. petrópolis: vozes, 1987. hooks, bell. ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. são paulo: martins fontes, 2013. palermo, zulma (ed.). para una pedagogía decolonial. buenos aires: ediciones del signo, 2014. souza, neusa santos. tornar-se negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. rio de janeiro: graal, 1983.
ARTE, ATIVISMO, MILITANCIA: COLETIVOS E PROPOSTAS ALTERNATIVAS*
com erica malunguinho (aparelha luzia - sp), iran giusti (casa 1 - sp), queila rodrigues (fórum de cultura da zona leste - sp) e denilson baniwa (rádio yande - rj)
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a segunda mesa da exposição diálogos e transgressões, com o tema arte, ativismo, militância: coletivos e propostas alternativas, aconteceu em um dia de greve do sistema de transporte público municipal. o que se coloca em questão sequer se aproxima dos dramas de deslocamento em uma cidade gigantesca: as sistemáticas precarizações do trabalho e desmantelamento das potências de vida de um elevado contingente populacional parece um nó fundamental para se pensar as proposições alternativas de coletivos de arte e ativismo. iniciar este relato neste ponto interessa pois diz ainda sobre a complexidade da mobilização de identidades e territórios fragmentados e sujeitados à uma série políticas que desarticulação e desmobilização. neste sentido, abordar as práticas que se situam na intersecção entre arte, ativismo e militância como exercícios de busca de coesão comunitária, bem viver e pertencimento significa um representativo giro epistemológico, que, de forma muito expressiva, foi abordado no debate proposto com a participação de erica malunguinho, denilson baniwa, iran giusti e queila rodrigues e mediação de
lunalva oliveira. para iran giusti, jornalista, o trabalho colaborativo se constitui uma premissa estruturante para projetos com populações subalternizadas e minorizadas. a experiência de criação e gestão há um ano da casa 1, república de acolhida para jovens lgbt expulsos de casa e centro cultural, localizados no bairro da bela vista, demandou das pessoas envolvidas um olhar sensível ao entorno e o reconhecimento de suas demandas e desejos. se questiona, durante sua fala, sobre o propósito de um centro cultural, social e de militância: deve o projeto ser válido e pertinente para apenas um grupo ou propor conexões e diálogos com as coletividades, a partir das diferenças? o entendimento desta integração com o espaço circundante da casa 1 é não somente possível e como necessário para que as pessoas acolhidas não façam parte de mais um fluxo de exclusão e distanciamento da vida comunitária e do território. destaca também que a bagagem trazida do campo da comunicação contribuiu para que o projeto fosse financiado e mantido de forma coletiva, agenciando
muitas pessoas e grupos diversos em prol de uma causa. a escolha pela independência financeira das políticas públicas, neste momento, foi bastante consciente: o conveniamento com o estado em um primeiro momento traria burocracias e alinhamentos à políticas que acredita serem inviáveis para lidar com grupos de pessoas lgbt em situação de vulnerabilização social, comumente criminalizados e violentados pelas políticas de assistência social vigentes. queila rodrigues, poetiza, colaboradora do grupo de coco semente crioula e do sarau o que dizem os umbigos, apresentou a experiência da articulação popular pela cultura na periferia da zona leste de são paulo. por meio do agrupamento de movimentos de teatro e circo, já atuantes no território desde 2009, foi criado o fórum de cultura da zona leste em 2013, com o objetivo de ampliar o entendimento dos espaços possíveis para a produção artística da periferia da cidade de são paulo. a reunião de coletivos com vocações e experiências diversas contribuiu para a percepção de suas diferenças e semelhanças e possibilitou a construção de alguns focos de luta e sua articulação com outros espaços da cidade. o reconhecimento da zona leste como um território essencialmente jovem, negro e feminino - identidades culturais frequentemente penalizadas pelos defensores da cultura hegemônica - estimulou, para rodrigues, a escrita de uma legislação cultural estruturada a partir das bases comunitárias, pautada em uma reparação das políticas oficiais: uma lei de fomento à cultura das periferias. a peregrinação pelas periferias não somente da zona leste, mas de toda a cidade de são paulo, bem como a convocação de diferentes agentes culturais à escuta e compartilhamento de suas pautas e processos, possibilitou ao grupo do fórum de cultura da zona leste a escrita e a conquista desta legislação contra narrativa. simbolicamente, a aprovação significa a apropriação de um espaço que não pertenceria à periferia - isso só foi possível por uma dedicação e esforço de muitas pessoas. para a poeta, também é preciso frisar que “para ser ouvido precisamos gritar muito, ao longo de muitos anos” e que, por isso, muitas companheiras e companheiros acabaram por perder suas
vozes e vidas. afirma ainda que a luta por sociedades mais justas é a única forma que se tem de garantir a existência das diferenças, sobretudo em um momento de grande fragilização física e mental. é necessário, por fim, também se revolucionar internamente para garantir a continuidade da luta. em seguida, o artista e comunicador denilson baniwa, discorre sobre sua experiência com a rádio yandê. baniwa afirma, já de início, que para ele não existe uma divisão entre arte e política e que, quando se fala a partir de um corpo indígena, todo discurso é um campo de batalha pela visibilidade e pelas narrativas que escapam às imagens hegemônicas da população indígena como os selvagens nus que caminharam pela na floresta e praia ao encontro de cabral. a formação em comunicação o levou a refletir sobre como levantar debates dentro dos veículos hegemônicos: “não cabe o termo indígena dentro das pautas da grande mídia, que está essencialmente alinhada aos inimigos dos povos tradicionais, a elite urbana”. não encontrando espaço na mídia tradicional, optaram por criar um meio de comunicação próprio, chegando ao modelo radiofônico justamente pela tradição indígena da oralidade. a partir deste ponto, se propuseram a criar um outro processo de comunicação, batizado de etnomídia e que, diferente da comunicação de massa, se ocupa com as demandas e características territoriais da cultura e das comunidades. leva em consideração, portanto, vários elementos culturais que são essenciais para o reconhecimento das especificidades comunicativas de cada grupo. o projeto da rádio yandê (termo do tupi antigo que significa nosso/nós/de todos) traz à luz o cotidiano e as produções dos povos indígenas hoje, sem o estereótipo que é sustentado pelas grandes narrativas nacionais. erica malunguinho, deseducadora e mestre em estética e história da arte, por sua vez, inicia a fala clamando liberdade para rafael braga, jovem negro aprisionado e condenado injustamente durante as manifestações de 2013. rememora também outros casos como os de verônica bolina, joão vitor e dandara, que fazem ver os motivos pela luta cotidiana por sociedades justas e éticas.
para construir políticas, devemos antes de tudo mudar a forma de compreensão destes direitos: erradas estão as leis e suas operações e a disputa deve se focar em reaver o que foi retirado dos sujeitos de direito que somos. garante ainda que o problema está na política do sistema e não nas diferenças e isso impacta de forma significativa no projeto de mundo que se quer construir a partir da redistribuição e garantia das possibilidades de vida - uma espécie de reintegração de posse do pertencimento de todas e todos. o aparelha luzia, espaço idealizado e gerido por malunguinho desde 2016, faz justamente esta cisão, delineando as circunstâncias do que já está explícito para possibilitar a existência de um espaço de respiro para que a população negra possa pensar outras (macro)políticas e projetos de poder - não este do exercício de dominação ao qual foram sujeitados historicamente, mas aquele poder envolvido na potência de vida e existência. o espaço tem núcleos interdisciplinares e interseccionais que atuam em áreas como educação (refletindo sobre a construção de um currículo afrocentrado), economia (elaborando processos de circularidade do capital entre pessoas negras), afetividade, saúde, religiosidade, entre outros, que pautam projetos por meio de uma compreensão não cartesiana, que transcende o limite das inteligências fragmentadas e ocidentalizadas. ao concluir, parafraseia a fala de angela davis, filósofa negra estadunidense: “as mulheres pretas são a base da pirâmide. quando as mulheres pretas se movem, o mundo inteiro se move junto”. ao fim das apresentações o que se pode apreender é que as iniciativas de arte e ativismo aqui apresentadas podem ser compreendidas como procedimentos críticos que promovem outras possibilidades de conformação dos territórios e discursos. é necessário experimentar, estabelecer táticas e estratégias para estruturas sociais, políticas e econômicas. fazer, para os coletivos que participam da mesa, é pensar. é necessário, ainda, reconhecer que as vozes presentes no debate são compostas por um coro de projetos complexos, conformados por uma miríade múltipla de identidades, performances e enunciados. o que se fez
presente, de forma comum e integrada, foi a condição permanente de reconstrução de resistências à hegemonias e exclusões. ocupam-se, em suas diversas abordagens, de proposições instituídas por outras lógicas, não de vanguarda ou oposição, mas de produção efetiva de uma ética da diferença, que reconhece que transgressor é o projeto de mundo ocidental e hegemônico, homogeneizante e superficial, excludente e violento - devemos nos pautar, por isso, pela busca e garantia de coerência social e bem viver. bruno oliveira relator crítico
DESTERRITORIALIZANDO A EDUCACAO - POR UMA EDUCACAO DE TODOS E PARA TODOS: SEM ESTEREÓTIPOS E SEM FRONTEIRAS* com adama konate (sp), veronica quispe yujra (colectivo si yo puedo) (sp), paulo silva (foz do iguaçu - pr e sp), mano zeu (foz do iguaçu - pr)
07 - 02 - 18
a última mesa da exposição diálogos e transgressões, com o tema desterritorializando a educação - por uma educação de todos e para todos: sem esteriótipos e sem fronteiras foi composta por adama konate, veronica quispe yujra, paulo silva e mano zeu e teve a mediação de lunalva oliveira. para uma melhor compreensão do debate proposto, uma pequena investigação semântica pode ser interessante: para o geógrafo milton santos (1999), as primeiras noções de território se constituem a partir da identidade e exclusividade de determinada região, de um domínio particular: estaria associada ao “sentimento de pertencer a aquele que nos pertence” (santos, 1999:32). em outro momento o território se articularia com as construções dos estados-nação, nos quais a identidade não seria apenas absoluta, mas fruto de uma construção histórica. em um terceiro momento, santos defende que este discurso sobre o território se voltaria ao processo de internacionalização dos mesmos: os espaços agora seriam concebidos em um campo de forças múltiplas, com identidades instáveis, discutidas e disputadas todo o tempo.
podemos afirmar que marcos estruturais das narrativas sobre os continentes e povos invadidos e colonizados pela europa do século xvi se formaram no contexto da primeira noção de território. o objetivo da produção de histórias, documentos, métodos e instituições estava relacionado com a expansão de um modo de dominação, apropriação e controle do outro. será no contexto das disputas contemporâneas sobre as identidades e narrativas históricas que se situam os debates sobre a desterritorialização da educação: desestabilizar e desconstruir estes conhecimentos e discursos moderno/coloniais é fundamental, tendo a educação como parte crítica da perpetuação de tais instrumentos de domínio. paulo silva, estudante de história da américa latina pela unila (universidade federal da integração latino-americana), discorre em sua fala sobre a segregação promovida por espaços de educação formal e a importância da organização de iniciativas de educação por movimentos populares. incia o relato a partir da necessidade de mudar de cidade para estudar: saído do abc paulista, de uma famí-
lia de metalúrgicos, passa a morar em foz do iguaçu (paraná) em busca de uma educação pública gratuita e de qualidade. reconhece também que sua formação foi atravessada por iniciativas de formação organizadas por grupos historicamente marginalizados, como os movimentos punk, do hiphop e do samba. discorre também sobre o reconhecimento da universidade como um espaço de classe e, por isso, a urgência de se identificar as maneiras pelas quais perpetua a segregação - processos de seleção, programas de ensino elitizados e a própria a precarização dos trabalhadores da instituição. ponderar e atuar sobre estas questões é, sobretudo, uma transgressão deste território de poder do conhecimento. à cargo da mediação do debate, lunalva oliveira traz uma rica contribuição ao considerar a palavra território (um domínio próprio, particular) e a necessidade de desterritorializar a educação. em outras palavras, tirar uma territorialização, um território de conhecimento do outro. se refere, por exemplo, ao caso de tantos estudantes, que se mudam de cidade e estado para acessar uma instituição de ensino de qualidade. também aponta para as histórias que foram desterritorializadas de povos subalternizados - e que só são acessíveis para as pessoas deste novo território de poder. questiona, por fim, quantos aspectos identitários particulares não são negados por terem sido territorializados por outras pessoas? em seguida, mano zeu, também morador da tríplice fronteira, declama um poema sobre o projeto de construção da segunda ponte entre brasil e paraguai. neste sentido, estabelece uma analogia sobre as relações de poder no campo dos territórios do conhecimento, ao perguntar: “quem é que manda, quem é que carrega?”. como representante do coletivo no hay frontera, de hip hop, literatura e militância, discorre sobre esta frequente imagem de uma sala de aula tradicional - professoras e professores em um pedestal, escrevendo na lousa, e estudantes de cabeça baixa nas carteiras, organizadas cartesianamente - e que faz ver um modelo de educação perpetua uma estrutura colonial de poder, de domínio do conhecimento e das narrativas do outro. por outra perspectiva,
este aprendizado da linguagem e da cultura da branquitude e do poder também podem ser instrumentais para a defesa de direitos: é, portanto, uma forma de desarmar o inimigo. por sua vez, adama konate, poeta e conselheiro pelo conselho participativo de imigrantes, traz o relato da experiência de uma educação em um território com várias línguas diferentes, como é o caso de seu país natal, mali. lá a educação formal apresenta uma barreira muito significativa: é prioritariamente em francês, enquanto a a população se comunica em outras línguas de acordo com a região. as e os estudantes começam a escola tendo que aprender não apenas a ler e escrever, mas a significação de uma outra cultura. para konate também é necessário que se entenda que são muitas as esferas de um processo de educação e ressalta que comumente confundimos a falta de conhecimento sobre o outro, de seu território e vida com preconceito, xenofobia e racismo. assim, a educação seria um instrumento de conscientização e respeito sobre a diversidade. veronica quispe yujra, representante do coletivo si yo puedo, reflete sobre os modelos de educação que perpetuamos e que ainda reverberam os modelos europeu e estadunidense, com especializações e disciplinas separadas. entendendo que esta é uma compreensão moderna e colonizada do conhecimento, deve-se prezar por práticas de educação que tenham como foco a formação de sujeitos críticos. o que frequentemente acontece com o modelo hegemônico, de acordo com yujra, é que ele reafirma uma posição passiva e verticalizada do direito à educação, quando a compreensão deve ser sobretudo de uma construção conjunta: é necessário orientar este direito. em outro aspecto, quando falamos de uma educação libertadora precisamos falar sobre a carta de direitos humanos para sobretudo promover uma formação para a multiculturalidade e e equidade. ao abordar o direito de migrar e de desterritorializar a educação consideramos, discutimos e possibilitamos a compreensão dos direitos humanos e da diferença do outro. uma educação libertadora é, assim, aquela que não tem território exclusivo, hegemônico, respeitando as culturas e os direitos humanos: mundializada ao invés de glo-
balizada. não deve sobre privilégio ou direito, mas sobre humanidade. ainda que seja um dos objetivos de desenvolvimento do milênio, compromisso adotado pelas nações unidas nos anos 2000, a compreensão de que a educação deve se pautar a partir de outros padrões ainda está longe de ser concreta. ainda que de forma precarizada, o modelo que é perpetuado segue estruturas masculinas, brancas, heternormativas e urbanas: colonizatórias. refletindo sobre os projetos e debates apresentados neste debate, é importante, ao fim, manter no horizonte a pergunta: como são os territórios que constituímos por meio da educação? santos, milton. el territorio: un agregado de espacios banales. in: moya, miguel panadero; abellán, francisco cebrián. américa latina: lógicas locales, lógicas globales. cuenca: universidad de castilla-la mancha, 1999. bruno oliveira relator crítico
Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Técnico Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Paulo Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Gerências Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Adjunta Nilva Luz Assistentes Carolina Barmell e Kelly Teixeira Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Assistentes Rogério Ianelli e Érica Dias Sesc Santo Amaro Gerente Claudia Darakjian Tavares Prado Adjunta Vânia Rangel dos Santos Programação Alexandre Caversan Simonelli (coordenador), Jacy Helena Almeida Silva Alimentação Ana Luiza Souza Correia Infraestrutura Marcos Adriano C Barros Comunicação Juliana Claudia Gardim Serviços Simone C. C. Fonseca Administração Vanessa Zago
Diálogos e transgressões Curadoria Luciara Ribeiro Produção Colchete Projetos Culturais e Luanah Cruz Expografia Isa Gebara Projeto Gráfico Rafael Simões Montagem Cenotech Cenografia Educativo Roberta Browne