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Museu Judaico de São Paulo
, pude ver muitos desses objetos. Hoje eles contam as histórias daqueles imigrantes, que deixaram seus lares para construir uma nova vida no nosso país.
Durante o Ciclo da Borracha, os judeus do Marrocos vinham para o Norte do Brasil à procura de trabalho. Um casal partiu de Tanger rumo a Belém do Pará e levou, em sua bagagem, um vestido típico das noivas marroquinas: era verde, seu colete de círculos dourados simbolizava o Sol, e sua saia com curvas bordadas representava a fertilidade.
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O sonho do casal era ter uma filha que o vestisse. E assim foi! Em Belém do Pará, nasceu a menina Ordoenha e, no dia do seu casamento, ela usou o vestido que lembrava o traje de uma rainha.
Além de esperança, os imigrantes trouxeram sua cultura.
Minha avó sempre relembra as músicas que ouvia quando menina, já adormeci muitas vezes com ela cantalorando:
Tumbala, tumbala, tumbalalaica tumbala, tumbala, tumbalalaica tumbalalaica, toque balalaica tumbalalaica - e seja feliz.
Tumbalalaica, uma das cantigas mais lembradas da tradição judaica russa, tem como tema um instrumento musical de corpo triangular e apenas três cordas, mas para mim parece um parente do violão. As balalaicas variam de tamanho: as menores medem uns 60cm, mas as grandonas podem ter 1,70m de comprimento, mais altas do que eu!
Assim como a balalaica, o bandolim também era bem comum nas terras do Império Russo. No museu, há um exemplar do século 19, um bandolim com mais de 100 anos. Ele é feito de madeira, tem botões de marfim e detalhes em madrepérola. Suas cordas são iguais às do violino. Pertenceu a um soldado chamado Nuchim, que era músico no exército do czar, o imperador russo. Aqui no Brasil. estranharam o nome
Nuchim, e virou.. Joaquim. Muitos anos passaram, e ele, avô, tocava bandolim para as crianças. A neta Myriam guardou o instrumento com muito carinho. Foi ela quem o doou para o acervo do museu.
Já tinha visto obras de arte e objetos caros em museus, mas aqui foi a primeira vez que encontrei um brinquedo exposto em uma galeria.
Era uma boneca de plástico, bem comum, a boquinha estava pintada de batom vermelho e as unhas tinham esmalte da mesma cor. Estranhei uma mancha grande, um remendo em sua bochecha. O educador do museu me contou que essa boneca chegou ao Brasil no colo de uma menina chamada Ruth.
A família da Ruth foi perseguida na Iugoslávia e, como eles precisavam buscar refúgio, não podiam levar muita coisa, por isso a menina doou todos os seus brinquedos. Durante a viagem, a pequena Ruth ficou muito doente e sua mãe comprou essa boneca para lhe fazer companhia. Sem sorte em sua fuga rumo à liberdade, a família ficou presa em um campo de concentração, onde todos sofreram muito e um pedaço do rosto da boneca se partiu. Isso aconteceu durante a Segunda Guerra. Eles não tinham feito nada errado, apenas eram judeus.
Quando os perseguidores foram derrotados, Ruth ganhou de um soldado americano um chiclete de presente. Em vez de mascar, usou a goma para consertar o rosto de sua boneca e trouxe a companheira na viagem rumo ao Brasil.
Eu sei de uma mala que viajou bem pesada…
Uma família veio de Alepo, na Síria, fugindo dos conflitos do Oriente Médio. A mãe, Olga, não pôde deixar de trazer o seu pilão de metal, usado para triturar as especiarias e garantir o gostinho típico da culinária síria. E o pai, Zaki, que era joalheiro, trouxe seu conjunto de pesos de metal
Ufa! Era uma mala pesada mesmo! Assim como Zaki, muitos imigrantes também pensavam no que poderiam trazer para estabelecer um emprego assim que desembarcassem. Na exposição, vi vários instrumentos de trabalho.
Um documento chamou minha atenção: um diploma de ofício de chapeleira Minha mãe me disse que antigamente todo mundo usava chapéu nas ruas. Era uma peça indispensável do figurino feminino e masculino.
Eu até tenho uma coleção de bonés, mas não são tão charmosos quanto os modelos que vejo nos filmes, com várias cores ou decorados com flores, rendas e até plumas. Acho muito chique!
O diploma era de uma moça que chegou no Porto de Santos.
Vinda da Alemanha, seu nome era Hansi, e eu a imaginei descendo do navio com um lindo chapéu feito por ela mesma.
Que pena que não está mais na moda!
Tenho uma foto do meu avô todo alinhado de terno e chapéu, andando no Centro de São Paulo.
Meus bisavós, como tantos outros imigrantes, mal desembarcaram do navio e já pegaram o trem com destino à sua nova vida na cidade de São Paulo. O trem parava na Estação da Luz que fica bem pertinho do parque Jardim da Luz.
Quem chegava queria logo avisar aos que ficaram que a viagem havia terminado sem problemas. Naquele tempo, a comunicação era feita por cartas e muitos usavam fotografias para mandar mensagens.
O parque Jardim da Luz
ficava cheio de lambe-lambes, os fotógrafos que tiravam retratos não apenas para os documentos, mas também para as famílias terem uma recordação, pois, naquele tempo, só os profissionais tinham câmeras fotográficas.
Os imigrantes chegavam quase sem dinheiro, mas queriam parecer que estavam bem de vida. Muitos alugavam ternos, chapéus e vestidos elegantes para posar para a fotografia e, no verso, como se fosse um cartão-postal, as pessoas escreviam para seus familiares que ficaram do outro lado do oceano.
Os vários postais e as cartas do acervo do Museu Judaico de São Paulo, me fizeram pensar que hoje temos muita facilidade de falar com pessoas de qualquer lugar do mundo, em um clique mandamos mensagens instantâneas com fotos, áudios e vídeos.
Como seria ficar meses sem notícias familiares, aguardando uma carta chegar?