Dourado e doce Era menino lá no Piauí. Família de poucas posses. Dona Joana, a mãe, tinha uma vendinha, espaço acanhado, onde os vizinhos compravam ora remédios caseiros, ora uma xícara de açúcar, ora duas colheres de café e óleo de coco de babaçu. O açúcar vinha em um saco grande de pano que tinha uma listinha rosa e outra azul, quando esvaziava o saco, a mãe aproveitava o pano para as coisas da casa. O pai, Benedito, era lavrador e sabido das coisas da terra. Cedo, Luiz aprendeu com ele a espreitar as matas em busca do zumbido das abelhas.
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Não era trabalho simples, tinha dias que visitavam mais de duzentas árvores para encontrar uma que guardava em seu oco uma colmeia. Como bom nordestino, seu Benedito seguia a tradição: mel não podia faltar. Muito menos na Semana Santa. Na mesa, o costume era servir galinha, ovo, carne de porco ou bode. Peixe era raro, dificilmente se pegava uma trairinha num córrego. Junto com a proteína, completavam o prato arroz e feijão, um feijão com abóbora, bem temperado com manteiga de leite, aquela manteiga da nata da coalhada. E no momento
em que terminava o almoço, o mel era preferencial na sobremesa. Tudo contadinho porque a mãe teve dezessete filhos. Mel também era remédio certo para gripe dos meninos. A cera retirada tinha destino e serventia: com ela a mãe “lumiava” a casa. A noite, sem energia elétrica, era escuridão, breu. Bastava colocar a cera no recipiente, juntar um pavio de lã de algodão e riscar o fósforo. A casa ficava bem mais cheirosa com cera de abelha do que com óleo ou querosene. Luiz não tem lembrança certa, mas em torno dos oito, nove anos, saía andando seguindo os passos do pai pela matinha que da porta de casa se estendia. Uns chamam de capão, outros de reboleira, tem vez que uma coisa tem muitos nomes, o que importa é que eram moitas baixas, arbustos pequenos.
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de jacu. Faziam corrupio com casco de cuia furado e cordão amarrado, era bonito de ver rodando. E competição com pião carrapeta com os carrosséis de linha de madeira que sobravam das costuras da mãe. Luiz seguia indo para o capão, gostava demais da cor amarelada e do cheiro do mel. Foi crescer um pouco, para ficar valente e passar a entrar sozinho no mato buscando morada de abelha. Ia seguido O pai, adulto, tinha uns poucos privilégios, calçava alpargata de couro com sola de pneu. Já o menino ia caçar abelhas sem camisa e de currulepas nos pés. As currulepas eram umas danadas de umas alpargatas com sola de couro fininho, que davam lapadas no calcanhar, tão sem serventia que ele zangava e preferia seguir descalço.
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só por Chorrinho, cachorro pequeno, cachorrinho. Arrodeava as árvores e, se suspeitasse que tinha colmeia, trepava nos galhos para espiar. Quando encontrava o enxame, acendia um foguinho e deixava a fumaça confundir os insetos. Era o único recurso de proteção. Galhos de folha verde espalhavam a fumaça. Então abria cavacos com a mão pequena de menino e retirava os favos que espremia para o mel escorrer para dentro da cabaça. Uma certa vez veio uma manga de chuva que quase apagou o fogo. As abelhas se aproximaram. Ele naquela peleja
No começo os irmãos também acompanhavam o pai na busca de mel pelo mato. Só que foram se distraindo com as brincadeiras e ficando pela casa mesmo. Não tinham bola de chutar, jogavam peteca de mão, que os próprios meninos costuravam com couro e penas
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espremendo o mel, que é duro de espremer, buscando enxotá-las, tentando se concentrar para derramá-lo no furo do pescoço da cabaça. O mel que era grosso dava bolha e escorria para fora e Luiz ajuntava com a mão para despejar para dentro. Quando terminou, estava banhado de mel. Anos passaram, os irmãos já tinham saído pelo mundo, ao tempo em que Luiz foi buscar sustento no Pará. Em Tucuruí foi carpinteiro, mas logo soube do garimpo e dessa vez foi o amarelo do ouro que o chamou. Pegou transporte em Veraneio e seguiu para o garimpo do Cuca. No caminho, desviou a rota ao tomar conhecimento que lá era região que dava malária demais e era um tanto de gente que ia e voltava mais não. Saltou foi no Xinguara. Com o dourado da riqueza na cabeça, buscou foi ouro por muitas grotas de garimpo.
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Dormiu em rede de muita xoxinha de cobertura de palha, esteve em lonjuras que só com horas de voo se chegava, peneirou ouro, esteve a ponto de botar cartucho, deixou passar sem contar uma montoeira de anos, teve em situação que se apegou com todos os santos que lembrou existir. Buscando ouro, juntou foi trocado. Riqueza veio quando aconteceu de assentar. Fincou, mais a esposa, as estacas de casa em Canaã. As abelhas zuniram na memória. O dourado do mel é que foi sua fortuna.
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