Um anjo na TelePará
Em CEDERE, quando ainda só existiam construções de madeira, o governo construiu uma casinha de alvenaria bem ajeitadinha, com cobertura de telhas de tijolinho, e na frente puseram uma placa com o desenho de um aparelho de telefone e o nome TelePará: Telecomunicações do Pará S.A. Era novidade um posto telefônico ali, que nem cidade era, só assentamento. Jocênia, que conhecia bem as letras e os números, foi contratada, junto com a colega Sandra, para o cargo de telefonista. Na época, ninguém por ali sonhava em ter telefone em casa, e só mais tarde instalaram, além do posto, outras linhas
nas fazendas Umuarama e Pouso do Sol.
O mais comum, na ocasião, era que os moradores recebessem novidades por carta e, de emergência, viajassem para uma cidade vizinha para ligar.
Quando o posto telefônico de CEDERE foi inaugurado e correu a notícia, o povo começou a chamar do Centro-Oeste e do Nordeste para falar com maridos, filhos, filhas, irmãos, irmãs e noivos. Os mensageiros iam nas casas avisar das ligações. Se fosse distância curta, custava centavos, se fosse mais longe, aí já cobravam um ou dois cruzeiros, dependendo da lonjura.
Um dia, Jocênia recebeu uma ligação de um moço de nome Valdione, lá de Góias. Ele perguntava se ela conhecia o Louro, casado com uma mulher chamada Diomara. Na conversa, ele explicou que Diomara era sua irmã e fazia uma vida que não se viam, mas tinha a notícia de que ela se casara com o Louro e estava pelo Sudeste do Pará.
Como CEDERE ainda era um lugar pequeno, toda gente meio que se conhecia. A telefonista sabia que o Louro e Diomara eram da igreja. Tinha ouvido falar deles, mas nunca tinham trocado
palavra. Então não era coisa possível de se resolver na hora, mas ela prometeu procurar o casal e retornar se o moço lá de Goiás lhe desse seu número. Do outro lado da linha, Valdione agradeceu o empenho. Jocênia perguntou para um tanto de gente e achou Diomara e o Louro. Mas aí quem disse que encontrava o telefone de Valdione? Eram números demais que as telefonistas tinham de anotar para poder ficar ligando e ela acabou perdendo.
Não tinha jeito, o remédio era aguardar. “Agora que eu encontrei a senhora, perdemos o número. Mas tenho fé em Deus que o moço Valdione, vai retornar”, se desculpou Jocênia.
No posto só existiam duas cabines. Se fosse ligação para o próprio Pará, Jocênia e Sandra faziam, mas se fosse chamada para outro estado tinha que ligar para a telefonista de Belém completar. As duas trabalhavam duro e às vezes ainda eram acordadas no meio da noite. Não era incomum baterem na janela da casa fora de hora, pedindo auxílio para uma ligação de emergência. Normalmente, por ocasião de morte ou carreta de gado quebrada na estrada. Ligação de emergência era coisa ruim ou de prejuízo. Se fosse motivo de alegria, como nascimento, aí o povo se segurava e deixava para ligar de manhã.
filho de Diomara, que trabalhava lá perto da TelePará, e combinaram de trazer sua mãe no dia de domingo, quando eram mais em conta as ligações e ela e o irmão poderiam falar à vontade. E assim aconteceu. Ela veio e falaram, falaram e choraram. Valdione de lá e Jocênia e Diomara de cá. Foi muito bonito o reencontro deles por telefone. Os irmãos estavam perdidos um do outro desde que os pais tinham se separado e cada um partiu para um canto levando um filho. Quarenta anos depois, um anjo na TelePará os reuniu.
Um tempo passou. Quando foi uma tarde, Valdione finalmente chamou. Jocênia ficou foi feliz demais e prometeu que agora não ia mais deixar o papel à toa, que ia cuidar melhor. Depois, correu para chamar um