Uma questão de fé
O moço era de ter muita fé, devoto do Divino Pai Eterno e de Nossa Senhora Aparecida, que era a padroeira da Vila Racha Placa, povoado que existiu, mas não existe mais. O tal moço batizado como Valdivino era conhecido em todo canto como Nego Padre, mas era padre não. Ele e uns colegas trabalhavam na igreja lendo o Evangelho e falando sobre Jesus, então o povo dizia: olha ali o Nego Padre.
O canoeiro tinha outro serviço e largou na mão do cunhado a canoa e a tarefa de atravessar os dois Zés e Nego Padre. A canoa não era lá grande coisa. Era coxim, canoa pequena, frágil. Era aviso, mas ninguém deu atenção.
O grupo se apertou e dividiu como deu.
Um dia Nego Padre, Zé Goiano e Zé Furtado precisavam atravessar o rio. Iam levar para a CEDERE de Parauapebas os documentos das terras que tinham. Ao chegar nas margens, as águas tinham subido e o rio Parauapebas estava cheio.
“Como é que faz?” Dois foram juntos em um banquinho. “Cê vai mais ele”, foi o que sugeriu o cunhado do canoeiro, que agora estava no comando, embora capitão não fosse. “Aí eu vou, disse ele, na remansa”.
O rapaz pôs-se a remar. A canoinha era valente, saiu levando os quatro homens. Tentou fazer sua parte, mas dali a pouco “tchi”. “Tchi” era água entrando.
Os pés dos homens já molhados e o povo fingindo que não via. Rema mais um bocado e “tchi” a água entrando e “tchi” a água entrando! A canoinha não conseguiu cumprir a tarefa e afundou!
A vantagem é que, quando desceu, desceu bem onde tinha umas garrancheiras de pau, um amontoado de galhos. Faltou dizer que Nego Padre trazia além dos documentos, uma mala cheia de queijos. Os queijos ele ia vender na rodoviária, que era ponto bom para isso. Pois bem, Nego Padre caiu n´água com documentos, mala de queijos e o que mais tinha nos bolsos. O azar não foi completo porque ele ficou engastalhado, agarrado ali naquela boia improvisada de galhos. Não afogou, nem ele, nem os colegas, mas molhou tudo dentro da mala.
Ele e um dos Zés viram os documentos irem s´embora. Nego Padre precisou depois regressar lá na Bahia para pegar outra via da certidão de casamento. Eita canoinha para dar prejuízo!
Sem os papéis, a viagem para registro das terras foi perdida, e a questão foi resolvida só tempos depois. Nessa data foi só falta de sorte e ainda teve o drama para atravessar de volta para casa. Zé Furtado dizia “não vou, não. Perco minha fazenda, mas nesse rio não entro mais”.
Deu nele uma febre que queimava. Tremia de medo. Zé Goiano acolhia: “Seu Zé, o senhor estando mais eu e seu Nego, o senhor não tenha receio. Se cair, nós nada. Vamos atravessar de volta, fique tranquilo!”. Tranquilo ele ficava era nada. Gato escaldado tem medo de água fria. Precisou foi um outro vizinho buscar uma canoa maior e muita saliva para convencer o pobre e o trio conseguir voltar para casa.