Vida Independente

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CONTRAMÃO A S S O C I AÇ ÃO CONTRIBUTO DA CONTRAMÃO ASSOCIAÇÃO VIDA INDEPENDENTE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM PORTUGAL



CONTRIBUTO DA CONTRAMÃO – ASSOCIAÇÃO VIDA INDEPENDENTE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM PORTUGAL Introdução: O conceito de “Vida Independente” está estudado, consolidado e implementado ao nível internacional, pelo que, o que se exige a Portugal na conceção de um Modelo de Vida Independente é, tão-somente e apenas, a não deturpação dos princípios basilares desta Filosofia.

“We have to ask ourselves Is disability a medical issue or a question of political priorities? Is it the medical condition that makes you disabled or is it the politics of your country?” Culture of dependency: — medicalization of deviations from the norm — professionalization — lack of self-representation — internalized brainwashing — Self-fulfilling prophecies — lack of freedom of choice and self-determination — discrimination Breaking the culture of dependency: — anti-discrimination legislation — control over our own organizations, self-representation — peer support — de-medicalization and de-professionalization — de-institutionalization — cash payments instead of services in kind — demand-driven instead of supply-driven services — de-regulation promotes competition and quality Adolf Ratzka 1 Independent Living Institute

1 http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1426&context=gladnetcollect

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Apesar de as práticas em Portugal estarem muito longe do paradigma proposto, é possível encontrar, ao nível do trabalho de investigação, enquadramentos conceptuais, tais como:

“Falamos de Vida Independente quando é reconhecida a uma pessoa a liberdade e a responsabilidade suprema de decidir e controlar os meios disponíveis para agir e intervir em sociedade” 2.

É entendimento da Contramão Associação (doravante designada Contramão) que, num cenário de Vida Independente, o Desenho Universal tem que ser denominador comum, presente no projeto, planeamento e execução de todas as iniciativas, atividades e políticas, quer públicas, quer privadas. A Assistência Pessoal deve apresentar-se como suporte e permitir a operacionalização, utilização e valorização dos espaços físico e social, dos equipamentos e das interações. Em presença de Desenho Universal e Assistência Pessoal, a Vida Independente será transversal aos seguintes vetores: • Cidadania: A Vida Independente está em perfeita articulação com o modelo social da deficiência, sendo desajustado e inaceitável imiscuir práticas de carácter assistencialista e/ ou médico, no processo de autodeterminação e libertação das Pessoas com Deficiência. • Sociedade: A Vida Independente tem como premissa conceitos como igualdade e não-discriminação que, no universo da deficiência, são constantemente desrespeitados. Importa por isso, dedicar especial atenção e intransigência à substituição de formas de organização que historicamente têm permitido e contribuído para situações de abuso. • Economia: É fundamental operacionalizar a transição de uma economia social de carácter caritativo, para um modelo inovador, abrangente e potenciador de sinergias. O palco da Vida Independente é o mundo. Tal faz sentido, quer do ponto de vista de Direitos Humanos e dignidade pessoal, quer do ponto de vista económico. Recorde-se a este respeito, que 1€ de investimento em Vida Independente permite gerar 3,62€ de retorno económico e social houve 3,62€ de retorno económico e social para os diferentes intervenientes envolvidos e para a sociedade houve 3,62€ de retorno económico e social para os diferentes intervenientes envolvidos e para a sociedade3. • Premissa: A Vida Independente só será uma realidade se a liderança do processo de decisão, dos meios de ação, das práticas a implementar e da verificação e monitorização dos resultados, pertencer inequivocamente à comunidade das Pessoas com Deficiência. • Corolário: Vida Independente significa liberdade. Liberdade de ser, de estar, de escolher e de decidir. Possibilidade de participar, de se envolver, de organizar, de gerir meios, liderar, sonhar, projetar e construir o futuro.

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Oliveira, P. N. (2011), “O Movimento Vida Independente e a história da inclusão: reflexos sociocomunicacionais de conquista, tecnologia, empreendedorismo e Inovação. Notas introdutórias”. In Comunicar e Interagir: Um Novo Paradigma para o Direito à Participação Social das Pessoas com Deficiência, organizador Augusto Deodato Guerreiro, Edições Universitárias Lusófonas, Maio, pp. 251-296.

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http://viandalucia.org/wordpress/wp-content/uploads/2017/01/Impacto_AP_VIAndalucia.pdf

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1. Enquadramento jurídico A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada por Portugal em 2009 4, estipula o seguinte (tradução do Instituto Nacional de Reabilitação)5:

Artigo 19.º - Direito a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade Os Estados Partes na presente Convenção reconhecem o igual direito de todas as pessoas com deficiência a viverem na comunidade, com escolhas iguais às demais e tomam medidas eficazes e apropriadas para facilitar o pleno gozo, por parte das pessoas com deficiência, do seu direito e a sua total inclusão e participação na comunidade, assegurando nomeadamente que: a) As pessoas com deficiência têm a oportunidade de escolher o seu local de residência e onde e com quem vivem em condições de igualdade com as demais e não são obrigadas a viver num determinado ambiente de vida; b) As pessoas com deficiência têm acesso a uma variedade de serviços domiciliários, residenciais e outros serviços de apoio da comunidade, incluindo a assistência pessoal necessária para apoiar a vida e inclusão na comunidade a prevenir o isolamento ou segregação da comunidade; c) Os serviços e instalações da comunidade para a população em geral são disponibilizados, em condições de igualdade, às pessoas com deficiência e que estejam adaptados às suas necessidades. Neste sentido, é entendimento da Contramão Associação que a concretização do direito à Vida Independente implica o cumprimento, que não se verifica atualmente em Portugal, dos seguintes pressupostos: ✓✓ extinção da institucionalização de Pessoas com Deficiência c omo (única) alternativa possível de residência (alínea a do artigo 19º da CDPD); A Vida Independente enquadra-se no paradigma social da deficiência, em rutura com práticas assistencialistas e segregadoras que durante décadas se materializaram na institucionalização das pessoas com deficiência.

Não se trata de uma evolução tranquila, de uma transição suave, estão em causa construções sociais e realidades opostas. Vida Independente implica deixar de considerar as pessoas com deficiência como

4 Portugal aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e respectivo Protocolo Opcional por Resoluções da Assembleia da Republica nº 56/2009 e nº 57/2009 e ratificou esses instrumentos por Decretos do Presidente da República nº 71/2009 e nº 72/2009 (Diário da República, 1ª série – Nº 146 – 30 de Julho de 2009). 5

http://www.inr.pt/content/1/1187/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia

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objeto de pena e de cuidados e passar a valorizar as mesmas como sujeito de direitos. É importante ressalvar este aspeto, porque ao longo de toda a leitura da proposta de modelo de Vida Independente encontramos pressupostos e equívocos - que serão devidamente assinalados - que nos remetem para o passado médico e assistencialista que não serve e que importa não arrastar para o futuro, sob pena de comprometer totalmente a atual oportunidade de mudança. ✓✓ assistência pessoal como sendo um entre diversos serviços, p ossíveis e necessários, para a inclusão das Pessoas com Deficiência na comunidade (alínea b do artigo 19º da CDPD); A assistência pessoal terá que ser entendida como um instrumento complementar aos serviços vigentes e nunca como elemento redutor ou alternativo. A assistência pessoal – como a própria designação indica, é um serviço à pessoa, ao indivíduo, intransmissível, intimo, confidencial – e não substitui serviços disponíveis à comunidade como a reabilitação, a assistência social, entre outros.

É preciso resistir ao facilitismo de transpor regras e formas de funcionamento típicas de serviços de apoio que funcionam em espaços pré-definidos, com horários fixos e procedimentos rígidos, para algo totalmente diferente que é a assistência pessoal, que contribuirá significativamente para a viabilidade do projeto de vida da pessoa com deficiência. Uma vida completa é dinâmica, flexível, inesperada, imprevista, desafiante, é nesta realidade que a assistência pessoal se tem que enquadrar. ✓✓ todos os serviços comunitários devem estar acessíveis às Pessoas com Deficiência (alínea c do artigo 19º da CDPD). De facto, um modelo de apoio à Vida Independente não pode estar limitado à assistência pessoal. Vida independente implica assistência pessoal, mas implica também desenho universal, acessibilidade, acesso ao espaço e também, fundamental, acesso à informação. Acesso às estruturas na comunidade, à educação ao longo da vida, ao lazer, ao trabalho, à atividade cívica e associativa. Possibilidade de constituir família, de votar, de eleger e de ser eleito.

Ou seja, a Vida Independente implica a existência de uma estratégia nacional para a deficiência, coerente e articulada, na qual a assistência pessoal seja um entre os vários vetores que têm que ser repensados e redefinidos.

Que não haja a veleidade de afirmar, quer em contextos nacionais quer internacionais, que lá porque irá ser disponibilizada assistência pessoal a 1 ou 2 centenas de pessoas, isso signifique, nem de perto nem de longe, que existe Vida Independente em Portugal.

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2. Âmbito e princípios orientadores Decorre do supracitado, a crítica ao “Âmbito e princípios orientadores” do “Modelo de Apoio à Vida Independente para Portugal – Assistência Pessoal” em consulta, que estipula o seguinte:

“O Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI) traduz-se na disponibilização de Assistência Pessoal (AP) em atividades de vida diária e de participação definidas pela pessoa com deficiência, contando com o apoio de retaguarda de centros de Apoio à Vida Independente (CAVI).”

Ora, Antes de mais, importa esclarecer o conceito de “Apoio”:

“Being a recipient of support and offering support to others are roles we all share as part of our human experience, regardless of impairment, age or social status. However, while some forms of support have been naturally integrated into social design, others, such as that required by persons with disabilities, are still marginal.” (A/HRC/34/58, United Nations)6 Significa isto que “apoio” não é uma necessidade exclusiva das Pessoas com Deficiência, nem é sequer uma necessidade especial, é um fenómeno social que resulta da interação natural e saudável entre seres humanos – a interdependência. Desta forma, a primeira ilação a tirar da necessidade de um modelo de apoio à vida independente, é o reconhecimento dessa discriminação, passada e presente, das pessoas com deficiência. A sociedade foi evoluindo, disponibilizando e regulamentando suportes na comunidade para a generalidade dos cidadãos e ignorou por completo os direitos humanos deste grupo de pessoas, vedando aos mesmos o acesso ao espaço e serviços públicos e confinando a sua existência ao isolamento em locais segregados. Olhar finalmente para esta minoria, não se trata de apoiar, nem de eleger serviços ou beneficiários, é tão-somente estabelecer condições mínimas que permitam aspirar à igualdade que sempre foi negada. Não está em causa um modelo de apoio à vida independente, está em causa um modelo de resgate daqueles que a sociedade continua, conscientemente e intencionalmente, a empurrar para limiares de sobrevivência. Estar no século XXI a selecionar indivíduos que podem finalmente viver de forma livre e independente, como se de um privilégio se tratasse, em detrimento de outros a quem tal é vedado, significa reconhecer, aceitar e assumir, que existem pessoas que vivem e continuarão a viver, por tempo indeterminado, privadas dos mais básicos direitos de cidadania.

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https://aday4all.files.wordpress.com/2017/02/g1643664_support-services_en.pdf

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Face ao supracitado, a Contramão defende que todas as pessoas devem ter direito a liberdade e independência, sem qualquer restrição decorrente de género, raça, idade ou deficiência. Mais, considera que a pré-seleção de candidatos para aquele que devia ser um direito universal – a Vida Independente – é uma violação de ética e princípios morais que deveriam prevalecer quando estão em causa vidas humanas. É percetível que estão em causa projetos-piloto, no entanto, a regulamentação subjacente aos mesmos não pode, de forma alguma, desvirtuar o conceito e a filosofia de Vida Independente. Acresce que é fundamental que o Estado Português assuma, de uma vez por todas e para além de um período experimental, o compromisso nacional em relação à Vida Independente das Pessoas com Deficiência.

3. Elementos do Modelo 3.1. Pessoa que pretende uma Vida Independente Face ao supracitado, a Contramão manifesta-se veemente contra: • A restrição da abrangência do modelo a pessoas com deficiência de carácter permanente, certificada por atestado multiusos, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Refira-se, a este propósito, as Observações Finais do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU sobre Portugal (CRPD/C/PRT/CO/1, United Nations)7:

“7. The Committee is concerned that disability is assessed medically and that, in the absence of legal criteria on the eligibility of persons with disabilities for the various social protection programmes, the national industrial injury and occupational illness chart serves as a substitute. 8. The Committee recommends that the State party review the criteria for the assessment of the degree of a person’s disability, in accordance with the Convention, and put appropriate regulation into place in its legislation and policies. It further recommends that the State party ensure that all persons with disabilities can obtain disability certification and that access to social protection programmes and support is available to all persons with disabilities, thereby ensuring equal treatment.” Ora, quando a ONU recomenda a Portugal que reveja os critérios de avaliação do grau de incapacidade e disponibilize apoio para todas as pessoas com deficiência, garantindo igualdade no tratamento, vem agora o MAVI estabelecer critérios de discriminação. É entendimento da Contramão que igualdade no tratamento significa que cada pessoa deve receber o apoio necessário e suficiente para ter uma vida digna. Como é óbvio, a necessidade

7 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CRPD%2fC%2fPRT%2fCO%2f1&Lang=en

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de apoio não se verifica apenas para casos de incapacidade acima dos 60%. Este é um limite completamente arbitrário, sem qualquer significado nem justificação plausível. É impossível criar respostas inovadoras com base em preconceitos do passado. Mais ainda que, para além da imposição de um limite percentual impedir determinadas pessoas com deficiência de aceder ao MAVI, o recurso a avaliações efetuadas com base na Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho ou doença profissional para efeitos de apoios à Vida Independente, só pode resultar de um grande equívoco no que à área da deficiência diz respeito. • A restrição da abrangência do modelo a pessoas com idade igual ou superior a 18 anos. No que respeita ao critério “idade igual ou superior a 18 anos” para acesso ao modelo, a Contramão salienta que este limite não é coerente com a legislação e práticas nacionais em vigor e coloca em risco a harmonia necessária, na transição entre diferentes fases do ciclo de vida da pessoa com deficiência. Recorde-se a este respeito, — Portaria n.º 201-C/2015, de 10 de Julho

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que regula o ensino de alunos com 15 ou

mais anos, com currículo específico individual (CEI), em processo de transição para a vida pós-escolar. Ora, se os Planos Individuais de Transição de alunos com CEI visam, conforme se pode ler no diploma, “a consolidação e melhoria das capacidades pessoais, sociais e laborais, na perspetiva de uma vida adulta autónoma e com qualidade”, então faz todo o sentido que estes jovens possam usufruir de assistência pessoal, neste período delicado da sua vida que é a transição para o pós-escolar. Não é demais salientar que o sucesso, ou o fracasso, no ingresso no mercado de trabalho pode ditar todo o futuro do jovem e respetiva família. — Regulamento da implementação, criação e funcionamento dos serviços e equipamentos que desenvolvem atividades de apoio ocupacional de deficientes9 em concretização das disposições contidas no Decreto-Lei 18/89, de 11 de Janeiro. Sendo 16 anos a idade mínima para acesso aos CAOs, será mais do que razoável que seja essa a faixa etária considerada para acesso a assistência pessoal. Isto é, se a segregação das pessoas com deficiência, financiada pelo erário público, continua a ser possível a partir dos 16 anos (apesar do alargamento da escolaridade obrigatória), o mínimo a fazer será permitir a Vida Independente, através do acesso à assistência pessoal, a partir da mesma idade10. Se o encerramento de estruturas que promovem o afastamento dos jovens e adultos com deficiência da vida em comunidade pode demorar o seu tempo, não há qualquer razão para que novos diplomas e conceitos implementados de raiz, não se coadunem com as reais necessidades dos jovens com deficiência, em condições de dignidade e igualdade com os seus pares.

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https://dre.pt/application/conteudo/69778954

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http://www.seg-social.pt/documents/10152/35929/Desp_52_90/1b90a3a7-80c4-48ba-95c9-a992c2eb7465

10 A Contramão reserva-se o direito de contestar a existência dos CAOs em tomada de posição sobre essa matéria

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• Os critérios e diferenciação positiva para apoio. No seguimento do ponto anterior, atribuir prioridade no acesso à assistência pessoal a pessoas com deficiência, com menores a cargo, em situação profissional ativa e/ou que se encontram a realizar atividades educativas, profissionais ou laborais, remete-nos para um enquadramento social que promove ele próprio a discriminação das pessoas com deficiência, i.e, a valorização da vida humana, em função do seu potencial contributo para o processo produtivo. A Contramão gostaria de fazer um parêntesis neste item para lembrar à tutela e à sociedade civil que, se um grande número de pessoas com deficiência não teve oportunidade de constituir família, abandonou o percurso educativo e não se encontra em situação laboral ativa, é porque lhes foi vedado o acesso à educação, ao emprego e ao gozo dos mais básicos direitos humanos. Estas pessoas que já foram prejudicadas pela ausência de políticas de inclusão e pela manutenção de estruturas e organizações segregadoras, não podem agora ser novamente sacrificadas, ao ser afastadas da possibilidade de Vida Independente. Um Estado de direito não exclui nenhum cidadão, menos ainda aqueles que colocou em situação extrema de vulnerabilidade e fragilidade. As pessoas com deficiência que não têm condições para trabalhar ou estudar podem precisar, tanto ou mais, de assistência pessoal como aqueles que já exercem essas atividades. Não querendo entrar em processos de hierarquia de valor, e limitando a análise ao óbvio, é legitimo supor que reduzir a diversidade de participantes em projetos piloto, significa não testar a vida independente em determinados segmentos da população com deficiência, o que pode fazer prever que estas pessoas venham a ficar excluídas em fases posteriores de implementação do projeto. Tal é, para a Contramão, completamente inaceitável. • A atribuição do poder de decisão aos tutores/ curadores. O MAVI atribui o poder de decisão, relativamente ao plano individualizado para assistência pessoal e à escolha das atividades a ser objeto de apoio, à pessoa ou a quem legalmente a representa. Permitir retirar o poder de decisão ao próprio e transferir escolhas pessoais para terceiros, é eliminar qualquer possibilidade de independência. Recorrendo novamente às Observações Finais do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU sobre Portugal (CRPD/C/PRT/CO/1, United Nations)11, pode ler-se:

“28. The Committee notes with deep concern that in the State party a large number of persons with disabilities are subjected to full or partial guardianship and therefore deprived of such rights as the right to vote, marry, form a family or manage assets and property. The Committee is also concerned that the current revision of the State party’s Civil Code continues to provide for restrictions on the legal capacity of persons with disabilities.

11 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CRPD%2fC%2fPRT%2fCO%2f1&Lang=en

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29. The Committee recommends that the State party take appropriate measures to ensure that all persons with disabilities who have been deprived of their legal capacity can exercise all the rights enshrined in the Convention, including the right to vote, marry, form a family or manage assets and property, as indicated in its general comment No. 1 (2014) on equal recognition before the law (article 12 of the Convention). The Committee also recommends that the State party repeal the existing regimes of full and partial guardianship, under which a person has no or limited legal capacity, and develop systems of assisted decision-making to enable and promote the realization of the rights of persons with disabilities, in accordance with article 12 of the Convention. Ora, Se o Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU manifesta profunda preocupação sobre o grande número de pessoas com deficiência submetidas ao regime de tutela total ou parcial em Portugal e recomenda: (i) que sejam adotadas as medidas adequadas para que todos aqueles que foram privados da sua capacidade jurídica possam exercer todos os direitos consagrados na Convenção e (ii) a revogação dos regimes existentes de tutela total e parcial e o desenvolvimento de sistemas de apoio à tomada de decisão que permitam e promovam o exercício efetivo dos direitos das pessoas com deficiência; Então, Importa salientar que o poder atribuído pelo MAVI aos tutores / curadores não só é totalmente descabido num cenário digno e justo de Vida Independente, como está também em clara oposição às recomendações da ONU de revogação destes regimes. A Vida Independente afigura-se como uma excelente oportunidade para desenvolver sistemas de apoio à tomada de decisão e promover a mudança de paradigma tão necessária das políticas de deficiência em Portugal. Caso restem dúvidas e seja necessário algum conforto intelectual nesta matéria, recorde-se que está disponível desde 2014, o Comentário Geral No.1 do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU ao Artigo 12: Reconhecimento igual perante a Lei (CRPD/C/GC/1)12:

“44. To fully realize the rights provided for in article 12, it is imperative that persons with disabilities have opportunities to develop and express their will and preferences, in order to exercise their legal capacity on an equal basis with others. This means that persons with disabilities must have the opportunity to live independently in the community and to make choices and to have control over their everyday lives, on an equal basis with others, as provided for in article 19.

12 http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CRPD/C/GC/1&Lang=en

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45. Interpreting article 12, paragraph 3, in the light of the right to live in the community (art. 19) means that support in the exercise of legal capacity should be provided through a community-based approach. States parties must recognize that communities are assets and partners in the process of learning what types of support are needed in the exercise of legal capacity, including raising awareness about different support options. States parties must recognize the social networks and naturally occurring community support (including friends, family and schools) of persons with disabilities as key to supported decision making. This is consistent with the Convention’s emphasis on the full inclusion and participation of persons with disabilities in the community. 46. The segregation of persons with disabilities in institutions continues to be a pervasive and insidious problem that violates a number of the rights guaranteed under the Convention. The problem is exacerbated by the widespread denial of legal capacity to persons with disabilities, which allows others to consent to their placement in institutional settings. The directors of institutions are also commonly vested with the legal capacity of the persons residing therein. This places all power and control over the person in the hands of the institution. In order to comply with the Convention and respect the human rights of persons with disabilities, deinstitutionalization must be achieved and legal capacity must be restored to all persons with disabilities, who must be able to choose where and with whom to live (art. 19). A person’s choice of where and with whom to live should not affect his or her right to access support in the exercise of his or her legal capacity.”

3.2. Atividades objeto de apoio por assistência pessoal e níveis de apoio O pré-estabelecimento de uma lista de atividades a ser objeto de apoio por assistência pessoal, da qual são excluídas questões, como a sexualidade e o apoio à função parental, permite concluir que o conceito de apoio / suporte a ser prestado pelo assistente pessoal tenderá a ser espartilhado numa check-list estática de tarefas a desempenhar. Tal procedimento implica uma amplitude de ação reduzida e limitada, que ficará muito aquém do leque desejável, suficientemente aberto, flexível e dinâmico, no qual possam ser contempladas todas as atividades sentidas como necessárias pela pessoa com deficiência, com vista a assegurar o seu conforto e bem-estar, níveis de participação e envolvimento, enfim, saudável vivência pessoal e social, num exercício de cidadania plena. A nenhum outro cidadão português é imposta uma lista de atividades que poderá desenvolver no seu dia a dia! A Contramão entende que não poderá haver uma lista de atividades objeto de apoio, nem tão pouco níveis de apoio pré-estabelecidos. Restituir a dignidade à vida das pessoas com deficiência não é, nem pode de forma alguma ser, um ato administrativo, de alocação de verbas ou alíneas dum qualquer procedimento. Neste sentido, as atividades objeto de apoio deverão ser todas aquelas que a pessoa com deficiência entender necessárias para usufruir duma Vida Independente. Os níveis de apoio

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não podem ser categorizados como se tratasse duma resposta de apoio ao domicílio, resposta social prestada por algumas instituições. A Vida Independente não pode ser condicionada por número de horas, estabelecidas não se sabe bem com que critérios e numa base de dias úteis, atentando uma vez mais ao verdadeiro espírito de Vida Independente.

3.3. Assistentes Pessoais As disposições relativas à assistência pessoal propostas no MAVI estão tão afastadas do entendimento preconizado pela Contramão, que será aconselhável recorrer à definição de uma entidade terceira, idónea, internacionalmente reconhecida e promotora do estado de arte da Vida Independente:

“Personal Assistance is a tool which allows for independent living. Personal assistance is purchased through earmarked cash allocations for disabled people, the purpose of which is to pay for any assistance needed. Personal assistance should be provided on the basis of an individual needs assessment and depending on the life situation of each individual. The rates allocated for personal assistance to disabled people need to be in line with the current salary rates in each country. As disabled people, we must have the right to recruit, train and manage our assistants with adequate support if we choose, and we should be the ones that choose the employment model which is most suitable for our needs. Personal assistance allocations must cover the salaries of personal assistants and other performance costs, such as all contributions due by the employer, administration costs and peer support for the person who needs assistance.”13 A definição da “European Network on Independent Living” (ENIL) baseia-se assim nos seguintes pressupostos: • pagamentos diretos às Pessoas com Deficiência; • direito das Pessoas com Deficiência de recrutar, formar / treinar e gerir os seus assistentes, com apoio caso seja esse o seu entendimento; • escolha pelas Pessoas com Deficiência, do modelo de emprego que seja mais adequado às suas necessidades; • cobertura do salário do assistente pessoal e de custos relacionados com o desempenho da função. Ora a proposta que consta no MAVI não tem qualquer semelhança conceptual com o enquadramento proposto pela ENIL e validado internacionalmente. O MAVI foca-se em aspetos burocráticos e administrativos - contrato em comissão de serviço, rigidez de obrigações e condições estabelecidas no plano, requisitos da função, formação obrigatória - que parecem desajustados de um real Modelo de Vida Independente.

13 http://enil.eu/independent-living/definitions/

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É entendimento da Contramão que seria de toda a conveniência que a preocupação do proponente em salvaguardar os interesses do assistente pessoal não se esgotasse nesta figura e que, para variar, fossem também considerados os direitos da pessoa com deficiência, garantindo por exemplo: • Pagamentos diretos às pessoas com deficiência, para que as mesmas possam selecionar, formar, contratar, gerir, avaliar e despedir o assistente pessoal.14 • Não só o direito da pessoa com deficiência a escolher o seu assistente pessoal, mas também a possibilidade de as partes acordarem entre si aspetos operacionais, tais como a gestão de horas e de condições de trabalho. • A única formação genérica do assistente pessoal que faria sentido, seria no âmbito da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. No que respeita a questões de caráter pessoal, o melhor perito em todas as particularidades de desempenho da função é a própria pessoa com deficiência que vive a sua condição em permanência e conhece, melhor do que qualquer formador, as suas necessidades específicas de apoio. • O respeito pelo direito da pessoa com deficiência à confidencialidade. Dadas as funções a prestar e o nível de intimidade em causa, é imprescindível garantir que o assistente pessoal não irá revelar pormenores íntimos da vida do empregador em nenhuma situação, por exemplo, após despedimento. Resumindo, o sucesso da assistência pessoal dependerá da boa relação que se estabelecer, ou não, entre pessoa com deficiência e assistente pessoal. Neste sentido, é entre estas duas partes que terá que haver acordo de funções, direitos, deveres e obrigações. Quanto mais obstáculos, constrangimentos e rigidez o modelo introduzir, quanto maior o número de intervenientes no processo, menor a probabilidade de satisfação com a prestação de serviço. Neste sentido, a Contramão defende que, para haver verdadeiramente Vida Independente, as pessoas com deficiência terão de ter poder de decisão absoluto sobre as suas vidas. Tal inclui deter o controlo de organizações representativas, serviços disponibilizados, procedimentos correntes e extraordinários, monitorização e avaliação, etc. É isso que significa independência. É fundamental acabar com todos e quaisquer equívocos sobre a liderança inequívoca destes cidadãos, no que respeita a todas as atividades e processos inerentes à condução da sua própria vida.

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Se os constrangimentos do financiamento dos projetos piloto através do Portugal 2020 não permitirem

pagamentos diretos, o mínimo a fazer, é antever e preparar este pré-requisito de vida independente para a fase seguinte de implementação da Vida Independente.

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3.4. Centros de Apoio à Vida Independente No seguimento do ponto anterior, caberá aos CAVI assumir o papel imprescindível no apoio interpares, troca de experiências, aferição de necessidades, monitorização do modelo de Vida Independente, análise crítica do mesmo e apresentação de sugestões de melhoria. A Contramão entende que os CAVI devem assumir um papel de retaguarda, de apoio e suporte e não se constituírem como mais um serviço assistencialista. Serem os CAVI a contratar os assistentes pessoais, a darem formação, a gerir bolsas de assistentes, a assegurar pagamentos, a elaborar planos de assistência pessoal, não muda em nada, ou muda pouco, as práticas vigentes, obsoletas e que não funcionam. O MAVI não pode ser uma réplica do que já existe, sob pena de comprometer pela base o direito fundamental de liberdade e independência. Mudar as siglas das instituições, a designação de quem exerce a atividade e o nome dos planos, mantendo a mesma visão e operações, não é aceitável. A obrigatoriedade dos CAVI disporem de uma equipa composta por técnicos com formação superior, ainda para mais nas áreas das ciências do comportamento e da reabilitação, está completamente desalinhada dos princípios e valores da Vida Independente, que visa justamente retirar o poder sobre a Vida das pessoas com deficiência da alçada destas classes profissionais e afins. Parece que é ainda necessário recordar que o modelo médico da deficiência não tem qualquer espaço nem lugar, num cenário de Vida Independente. Importa reforçar, uma vez mais, que a Vida Independente não é um serviço de apoio domiciliário e, mais ainda, que existe em contraponto à institucionalização. O movimento de Vida Independente é necessário porque a prática secular tem sido a de segregação de Pessoas com Deficiência. Se estamos a reportar a fenómenos opostos, quer no que respeita à visão de dignidade e liberdade da Pessoa com Deficiência, quer no que respeita a práticas e procedimentos, tradicionalmente pouco ou nada salutares15, é entendimento da Contramão que organizações que exercem a institucionalização não podem estar na linha da frente, na promoção do fenómeno de Vida Independente em Portugal (nomeadamente através da constituição dos CAVI propostos). Tal nunca aconteceria de forma orgânica e natural, uma vez que se trata de uma rutura de paradigma, pelo que, a ocorrer, só o será por força de constrangimentos e restrições burocráticas e de orientação política, tais como algumas das que estão presentes na proposta de MAVI, das quais a mais evidente e inadmissível é a exigência do estatuto de IPSS para candidatura a CAVI.

15 Refira-se a título de exemplo os factos tornados públicos por um dos canais de televisão, em reportagem de 29.01.2017 “TVI denuncia maus-tratos em lar de Alijó”, corridos nas instalações do Lar Residencial de Alijó, resposta social da responsabilidade da IPSS, APPACDM de Sabrosa, Vila Real, disponível em http://www.tvi24. iol.pt/videos/sociedade/tvi-denuncia-maus-tratos-em-lar-de-alijo/588e60e60cf2fb4149171df6.

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Seguindo esta linha de raciocínio, e uma vez que os fundos afetos ao Programa Operacional Potencial Humano (2007-2013), Eixo Prioritário 6, foram utilizados em Portugal para criar e aumentar o número de vagas em lares residenciais, é entendimento da Contramão que todas as instituições que utilizaram no passado recente, fundos comunitários destinados à promoção da institucionalização - naturalmente por acreditar que esta seria a melhor resposta para a vida das pessoas com deficiência - não se possam vir agora candidatar a novos fundos comunitários com o objetivo de promover um enquadramento cívico e social radicalmente oposto e que se pretende que se materialize na Vida Independente das Pessoas com Deficiência. A propósito do financiamento do projeto, a Contramão toma ainda a liberdade de alertar para o último ponto da proposta de MAVI, que remete o financiamento para o Programa Portugal 2020 – Domínio Temático Inclusão Social e Emprego. Ora, tanto quanto é do domínio público, o POISE tem uma área de abrangência restrita às regiões menos desenvolvidas, o que excluiria por exemplo, a região de Lisboa. Estamos em crer que para além do POISE, seja possível recorrer aos Fundos Operacionais Regionais, até porque, por exemplo, o Lisboa 2020 prevê o “Apoio à vida independente para pessoas com limitações” na prioridade de investimento 9iv. “Melhoria do acesso a serviços sustentáveis”.

Considerações finais: A Contramão considera que a introdução da discussão sobre Vida Independente em Portugal peca por tardia e pouco metódica. Uma discussão pública que o era antes de ser. Pouco tempo previsto para análise e apresentação de contributos. Sessões de esclarecimento sobre um documento que ainda se encontra em consulta pública. Um assunto demasiado sério para ser gerido de forma tão desorganizada e incoerente.

Desde 2016 que a Vida Independente é mencionada em sede de Orçamento Geral do Estado, no entanto, nada de efetivo se verificou. A Contramão saúda a iniciativa de apresentação de uma proposta de modelo de Vida Independente, mas em simultâneo, identifica tantas falhas ao nível da interpretação de documentos oficiais, nomeadamente da CDPD e em especial das Recomendações feitas a Portugal, que questiona se existe efetivamente vontade política para dar início a um processo de rutura com o modelo médico e assistencialista, perpetuado em “respostas sociais”, e para assumir, de forma firme e inequívoca, políticas públicas que promovam a equidade e a transformação, ao nível da legislação, das estruturas e dos procedimentos, à luz do Modelo dos Direitos Humanos.

Seria de esperar que passados 10 anos sobre a CDPD, Portugal tivesse em marcha ações concretas, tanto ao nível da desinstitucionalização das pessoas com deficiência, como ao nível da operacionalização das recomendações do Comité da ONU, quer no que respeita a acessibilidades em sentido lato, quer no que respeita ao igual reconhecimento de todos os cidadãos perante a Lei.

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A Contramão lamenta que a tutela continue a assumir posições perante as entidades internacionais que depois são completamente desvirtuadas, aquando da respetiva operacionalização e aplicabilidade. Veja-se a titulo de exemplo, a inexistência de uma Estratégia Nacional para a Deficiência e a ausência de revisão da legislação relativa à proteção jurídica às pessoas com deficiência, pactuando com situações de interdição e inabilitação de pessoas com deficiência. Em contrapartida, assiste-se ao lançamento frenético de medidas avulso, completamente desalinhadas com o espírito da CDPD, os Comentários Gerais e as recomendações da ONU a Portugal.

A Contramão recomenda à tutela que dê início a uma mudança efetiva na área das Políticas da Deficiência, sob o risco de Portugal estar assumidamente em incumprimento de Direitos Humanos, básicos e fundamentais. A Contramão salienta que TODOS os cidadãos portugueses têm direito a uma vida digna, plena, efetiva, livre e sem barreiras e que deverá ser desígnio dos responsáveis políticos deste país tomar as ações necessárias para que a Vida Independente seja uma realidade em Portugal.

24 de março de 2017 Contramão Associação

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