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Na Gôndola

Na Gôndola

RALI DOS FILÉS

Na corrida pelo bolso do consumidor, merluza, polaca e panga assistem à expansão da tilápia como opção que quebra a lógica do preço

té o próximo ciclo produtivo, a

Atilápia está fazendo a alegria dos produtores. A demanda

superaquecida desde que o varejo se viu desabastecido em pleno momento das “compras de pânico”

torna o alto preço da ração e a falta de disponibilidade de alevinos obstáculos contornáveis. O preço dos filés congelados de tilápia frequentemente ultrapassa R$ 35 na ponta nos dias atuais, o que mostra como o produto conseguiu impor seus atributos - sabor suave e ausência de espinhas - sobre as tradicionais opções de filés brancos importados: merluza, polaca e panga.

Na corrida pelo consumidor ávido por produtos saudáveis e que encaixam no bolso, os argentinos, chineses e vietnamitas assistem à tilápia tomar a dianteira no rali e não dispõem de tantos recursos para enfrentá-la. A disparada do câmbio é o principal obstáculo: com a tradicional barreira

IMPORTAÇÕES DE FILÉ EM TONELADAS ACUMULADAS | 2019 X 2020

dos R$ 20/kg nos supermercados rompida, a competição fica ainda mais desigual.

A perda de competitividade dos filés importados é flagrante. De acordo com os dados da plataforma Painel

do Pescado,

o volume acumulado de importações desta categoria caiu quase 20 mil toneladas em

outubro deste ano, na comparação com o mesmo mês do ano passado, quando o volume havia sido de 63,4 mil toneladas. Como resultado, a receita despencou 37,5%, apesar de os exportadores reduzirem o preço médio em 15,5%.

Outra análise dos dados compilados pela tecnologia de big data Jubart, no Painel do Pescado,

mostram que o desempenho de 2020 no que diz respeito à importação de filés se aproxima do início da década de 2000, quando os volumes ficavam abaixo de 40 mil toneladas.

À diferença daquela época, porém, o preço médio passou para US$ 3,09/ kg - 20 anos atrás o preço médio era de US$ 1,90. Isso é muito longe do auge do segmento, em 2013, quando o setor importou 175 mil toneladas a um preço médio de US$ 2,72.

Na comparação com os outros competidores internacionais, a Argentina se recuperou nos últimos

anos e voltou a liderar. Em 2019, os hermanos importaram até outubro 21,8 mil toneladas ao preço médio de US$ 3,19/kg. Já em 2020 o volume caiu 15,1%, para 18,5 mil toneladas. Nada tão grave, no entanto, como a China - que despencou 60% em volume e 58,8% em receita com as exportações de filés ao Brasil. Já o Vietnã, mesmo sendo o país

que mais reduziu o preço médio em 2020 (-28,5%), exportou apenas 16,7 mil toneladas de panga ao Brasil.

70k

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40k

30k

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun

Fonte: ComexStat | Elaboração: Painel do Pescado/Jubart

Jul Ago Set Out Nov Dez 2019 2020

HISTÓRICO DAS IMPORTAÇÕES DE FILÉS | 2013 - 2020 (ATÉ OUTUBRO)

Tonaladas 150k

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50k

0 2000 2005

Fonte: ComexStat | Elaboração: Painel do Pescado/Jubart

2010

MAIORES REDUÇÕES DO PREÇO MÉDIO

2015 2020

var%PM 0

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-20

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-30

Vietnã Chile Estados UnidosUruguai Islândia ArgentinaEquador Espanha TailândiaGroelândia

Túnel de congelamento em indústria de Mar del Plata: filés IQF interfolhados são a principal forma de apresentação, mas as bolsas com marca própria começam a crescer

Merluza: no freezer brasileiro há 50 anos

Inicialmente preterido pelos EUA, Brasil se tornou principal fã dos atributos do produto argentino

m plena gestão de Antônio

EDelfim Netto, o ministro da Fazenda autor do “Milagre Econômico”, o Brasil não importava 1 kg de peixe. “Não se concedia nenhuma licença de importação”, relembra o veterano

Ivan Lasaro, sócio da Opergel, que à época atuava como diretor comercial da gigante de Rio Grande (RS), a

Pescal. Para contornar a restrição, em 1967 o governo argentino entrou em acordo com o brasileiro e, com apoio dos empresários de ambos os lados, criou o Plan Barrido - um acordo comercial segundo o qual os barcos argentinos desembarcariam diretamente na cidade brasileira, dispensando o desembarque tradicional em Mar del Plata.

Segundo o plano, parte da mercadoria tinha de ser descarregada como matéria-prima para reprocessamento, e outra parte vinha como produto acabado. Além da Pescal, a Torquato Pontes e Leal Santos eram outras empresas onde os barcos descarregavam. Uma das empresas que apostou no fluxo direto de matériaprima ao Brasil era o Grupo Solimeno. “Nas origens da comercialização do filé de merluza com o Brasil, os barcos ‘fresqueros’ argentinos descarregavam a mercadoria em portos brasileiros e se processavam nas plantas. Com o tempo, essa modalidade se tornou rotineira, fazendo com que a merluza fosse considerada como um produto local”, conta Antonio Solimeno, da

terceira geração de empresários que carregam o nome do fundador, o italiano Luis Solimeno.

Lasaro concorda que o plano ajudou a consolidar a fama da merluza, já que o mercado local só conhecia como filé branco a pescada ou mesmo a corvina - muitas vezes vendidas como

merluza. Segundo ele, com o tempo, os fornecedores argentinos perceberam o aumento da demanda local para o produto e começaram a direcionar ao Brasil remessas de produtos antes despachados aos EUA no padrão exigido por lá. “Eles chegaram à conclusão de que ficar separando e classificando merluza em A e B era mais caro do que enviar a merluza interfolhada para empacotamento no Brasil”, conta.

Foi nesta época que a Pescal desenvolveu uma caixeta, com um filé acima do outro congelado. “Os refrigeradores das casas tinham, na parte de cima, um freezer quadrado. A caixeta foi pensada para isso. Essa caixeta era a solução para a

refrigeração da época e a Pescal era líder de mercado neste produto”, relembra. Ainda assim, havia muita restrição dos supermercados aos congelados, o que só começou a ser vencido na virada dos anos 2000.

Quando a merluza desembarcou no varejo, primeiro com as caixetas, e depois com os sacos de filés congelados individualmente (IQF), a categoria ganhou impulso, como lembra Luiz

Roberto Baruzzi, ex-gerente de peixaria do Pão de Açúcar, atual diretor da Rede

São Paulo Supermercados. “A merluza já era um produto um pouco superior ao que tínhamos aqui, ela tinha uma qualidade melhor. Para o brasileiro, peixe tem que ser branco, sem espinha e sem pele. A merluza tem um gosto mais pronunciado, mas é suave.”

Foi isso que o sócio-diretor da Costa Sul, Luzaldo Pscheidt, enxergou em meados da década de 90. “A merluza iniciou para nós como complemento de mix. As vendas de peixe cresciam, mas

a demanda por merluza se tornou muito maior que pelos demais produtos.

O consumidor começou a gostar por causa do padrão de sabor e o preço que tem”, indica. “No mercado você tem merluza de todos os lados, mas a da Argentina vai vender com um preço um pouco mais alto do que as outras”, completa o empresário.

Pouco depois desta época, o grupo espanhol Iberconsa, que passou a atuar com barcos congeladores na Argentina

a partir da compra da API, em 1999, decidiu fazer uma mudança logística que facilitaria o comércio da merluza pela empresa. “Antigamente, toda nossa descarga acontecia em Puerto Madryn, o que nos deixava com certa desvantagem sobre Mar del Plata, já que os importadores preferiam a carga por caminhão, e não por via marítima”, conta Pablo Basso, diretor comercial da Iberconsa na Argentina. Com a compra de empresas do Grupo Valastro, a operação em Mar del Plata cresceu, incrementando também a participação no mercado brasileiro. “Tanto porque a Valastro já tinha uma história no Brasil, mas também porque aos clientes tradicionais de Iberconsa pudemos aumentar a venda de filés de merluza da marca”. Ásia, inspeção rigorosa e recuperação

A hegemonia argentina na categoria permaneceu inalterada até 2011, quando a busca por filés brancos com preço médio mais baixo destronou os hermanos por conta dos produtos da China e do Vietnã.

Até então, a polaca e o panga eram praticamente desconhecidos por aqui. “O consumidor tradicional de pescado demonstra preferência pela merluza e pelo abadejo, mas os itens foram perdendo espaço para a atratividade de preço dos filés asiáticos”, avalia Meg

Felippe, diretora comercial da peixaria do Carrefour.

Segundo ela, quando os preços desses dois grupos - filés brancos asiáticos e filés brancos argentinos - se aproximam, seja por variação de câmbio ou disponibilidade de volume,

Mathieu Bourdeaux, da Siam Canadian: depois de levar bolsas ao Brasil com marca do cliente, empresa também criou marca própria

temos um desempenho melhor dos itens argentinos. “Mas, sem dúvida, o preço no PDV é um dos fatores mais determinantes”, diz ela. Outro fator relevante, na opinião dela, é “uma melhora significativa” nos padrões dos filés argentinos com redução do glazing, aumento da disponibilidade dos produtos IQF e melhora na padronização dos tamanhos.

Assim como com os filés asiáticos, a atuação do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa/Mapa) provocou instabilidade e insegurança aos argentinos, com rechaço de contêineres e listagem de empresas tradicionais em Regime de Alerta de Importação (RAI). A situação

Produtos e apresentações

A Iberconsa se dedica a vender os filés de merluza congelados a bordo sem pele interfolhados, “sem adição de químicos ou de água incorporada”, garante Basso. O trabalho está focado nas apresentações para indústrias que pretendem reenvasar o produto para o varejo, como a 2 x 7 kg na marca API, e para food service em 1 x 7 kg na marca Giorno. Ele antecipa à Seafood Brasil que irá lançar uma linha de bolsas de 800 g de filés sem pele na marca NOS que irá diretamente ao supermercado. Outros produtos em destaque são

os embutidos de merluza, usados para cortar e fazer medalhões ou hambúrgueres.

“Este produto se faz a bordo: os filés sem padrão de corte são colocados a pressão em um tubo e a própria pressão, o frio e a carne do filé atuam como aglutinante natural.”

A Solimeno também se destaca no segmento de produto congelado a bordo,

embora igualmente atue com o congelamento nas plantas de Mar del Plata. “Somos fortes na merluza em suas variedades de interfolhado, tanto em caixas de 2x7 kg e 3x7 kg”, conta Antonio. A empresa é uma das que apostam em uma linha de empanados de merluza. “Contamos com todo o tipo de formas feitas a partir de minced fish congelado a bordo, como medalhões, barras, nuggets e filés empanados.” Os produtos são vendidos a granel em caixas de 6 kgs e bolsas de 400 g a 1 kg.

Além das indústrias, o negócio da merluza se diversificou também para as trading companies, que exportam o produto já envasado desde a origem. A Siam Canadian, que recentemente abriu um escritório em Buenos Aires, está entre as principais que executam este serviço. “Nossa divisão na Argentina se dedicou historicamente à venda para as grandes redes do varejo, com as suas marcas ou das fábricas”, explica o gerente geral da empresa, Mathieu Bourdeaux. “Isso nos dá uma vantagem, porque sabemos exatamente os preços praticados nas gôndolas, as especificações que buscam os consumidores e os tipos de embalagens de acordo com o consumo.”

O conhecimento os credenciou para um movimento mais ousado, concluído este ano e com lançamento previsto para o pós-pandemia. Responsável por movimentar anualmente mais de 60 mil toneladas, a Siam Canadian preparou ao Brasil a marca Natural Coast com filés de merluza, panga e polaca, negociadas e acompanhadas por escritórios da empresa no Vietnã e na China, além do ponto de apoio na capital argentina. “Com isso, seremos os únicos a propor, com a mesma marca, produtos envasados na origem”. O objetivo, garante Bourdeaux, é oferecer o serviço one-stop-shop. “Através de apenas um canal com o nosso escritório de Buenos Aires, o cliente ganha tempo, segurança e pode se beneficiar do nosso poder de compra”, finaliza.

Caixas de filés interfolhados

Filés e cortes especiais

Empanados e processados

Fotos: Divulgação/Iberconsa/Solimeno/Siam Canadian

parece ter se amenizado em 2020, mas a pandemia reduziu o ímpeto de importação que fez a Argentina virar o jogo contra os asiáticos em 2019. Um

efeito positivo, porém, foi a vantagem na precificação - questão unânime entre os consultados para esta reportagem.

“Sem poder incorporar químicos e glazing não compensado, a polaca da China aumentou de um dia para o outro até 40% e o nível de preço chegou a se equiparar com a merluza ou até superá-lo”, calcula Bourdeaux. Na visão dele, foi isso que permitiu à merluza argentina retomar sua posição no mercado. Basso, da Iberconsa, concorda. “Não é justo que se comercialize um produto com glazing e tratamento químico sem informar isso de forma correspondente e pretender que um produto que não opere com estas condições tenha o mesmo preço.” Este esclarecimento fez com que o filé argentino voltasse a ser competitivo. “Não podemos esquecer que a proximidade também é importante. Não está claro o que acontecerá com a Covid, mas nossa proximidade permite acelerar ou desacelerar o fornecimento por parte de los importadores com base nas aberturas ou restrições associadas às quarentenas.” Para ele, é difícil

neste cenário fazer uma compra que demorará 60 dias para chegar e outros 20 para estar finalmente disponível.

O executivo da Siam Canadian avalia que em 2021 a merluza vai confirmar sua liderança, mas há uma certa preocupação com o nível de

captura. “Até o final de outubro de 2020, foram desembarcadas 187 mil toneladas, contra 237 mil toneladas em 2019, uma queda de 26%”, contabiliza Bourdeaux. Na visão dele, a frota argentina precisará estar funcionando a 100% para poder guardar seu marketshare em 2021, assim como as fábricas. “se faltar produto para a Páscoa, certamente os compradores levarão isso em consideração para a próxima compra.”

A progressão da polaca

Lançada como merluza do Alasca, alvo de disputa entre China e EUA e convertida em item do gênero Gadus, espécie massificou filés congelados no varejo

Quando a polaca da China chegou ao Brasil pela primeira vez, em 2012, foi um estrondo. Quase 40% mais barata que a merluza argentina, com uma apresentação impecável para um filé branco e ausência total de espinhas, a então Theragra chalcogramma foi

introduzida como merluza do Alasca.

A história recente conta que foi a Netuno, então no auge, a responsável por introduzir o produto no Brasil com este nome, segundo conta o então diretor comercial da empresa na época, Eduardo Lobo, atual presidente da Associação Brasileira das Indústrias de

Pescados (Abipesca). “Naquela época, batizamos com o nome comercial associativo ao consumidor. Como ele estava acostumado com a merluza, nossa ideia era oferecer outra opção.”

A importação começou tímida, com 3 contêineres por mês, para chegar a 40 contêineres mensais. De novo, o fator determinante foi o preço, mas não só. “A merluza tinha uma vertente de alta muito forte nos preços internacionais. Não havia perspectiva de aumento da produção na Argentina, no esforço de captura e crise grande nas embarcações”, conta Lobo. A existência de espinhas, ainda que em pouca quantidade, dificultava a inserção da merluza na alimentação escolar e hospitalar. A polaca venceu a disputa. “Foram seis anos de sucesso

comercial com este produto, bom e

barato”, diz Lobo. O posicionamento dela, no entanto, foi definido pela Netuno para concorrer com o congrio no food service, garante o empresário. “Trazíamos filés maiores do que 100g, ofertávamos ao food service como uma opção a um prato de proteína de carne branca”.

Mas com as sucessivas crises econômicas a partir de meados da década passada, o produto encaixou mesmo no varejo. “Como lá na China eles empacotam e o pacote custa barato, o varejo de filé congelado cresceu”, frisa Ivan Lasaro, da Opergel. Ele aponta uma diferença central que marcou a vitória temporária da polaca nesta época. “Embalar merluza na

Argentina é 5 vezes mais caro que

embalar polaca na China. O argentino prefere vender com o menor nível de beneficiamento possível.”

Fish blocks de polaca dos EUA começaram a ganhar espaço no Brasil nos últimos dois anos, mas já são principal demanda da Alemanha

O grande negócio atraiu muita gente, que começou a incorporar a polaca da China - capturada pela Rússia, eviscerada e congelada a bordo, para depois ser transformada em filés na indústria chinesa. E o preço era muito bom, como conta Luzaldo Pscheidt, da Costa Sul. “A China fazia o produto mais barato, com vários tipos de apresentações, e então começou a trazer outros produtos. O volume [da empresa] chegou a 60 contêineres por mês em 2012 até 2014”, conta. “Teve uma readequação de preço, qualidade do produto que melhorou, o Brasil não fazia controle sobre que produto era.”

Depois do pico próximo a 70 mil toneladas importadas pelo Brasil em 2013, o Dipoa passou a restringir a importação de produtos sem declaração de glazing descontado e processos como soaking (branqueamento com químicos), além de aumentar o cerco sobre fraudes no ponto de venda.

Um dos fatores motivadores foi a rejeição do próprio consumidor, como explica Meg Felippe, do Carrefour,

que é médica-veterinária. “Algumas importações colocaram no mercado nacional produtos com baixa qualidade e aditivos, em alguns casos até excessivos, gerando experiências ruins para alguns consumidores que até ‘desistiram’ do consumo desses itens”.

Thiago De Luca, diretor da Frescatto

Company, completa: “O pescado da China era vendido da maneira que fosse mais conveniente. Uma marca vendia quatro produtos distintos e todos eram vendidos como polaca do Alasca. Isso foi travado”, conta.

Na visão dele, porém, houve excessos do Mapa, como no caso de aditivos listados no Codex Alimentarius.

“A China sempre trabalhou de uma maneira muito aberta, para o mundo

inteiro, com aditivos químicos. Eles faziam com que ele ficasse mais pesado, mais branco e também mais suculento.” Perdemos esta briga logo no início, mas podemos ter limitadores para o uso de aditivos de uma forma que seja boa para o consumidor.” Outro ponto polêmica foram os parasitas. “Foi o que nos desanimou em trazer o peixe da China. Você chegava com a carga em que havia parasitas comuns em peixes marinhos e eles eram rechaçados”, conta De Luca. “Toda a carga da China passou a sofrer uma pressão psicológica, principalmente para quem tinha SIF operacional (com fiscal ali). Muitos importadores pararam porque não dava para trabalhar com essa incerteza. Os produtos eram pagos na origem.”

Teve início nesta época uma

forte campanha conduzida pela indústria norte-americana de captura e processamento de polaca para diferenciar o produto congelamento apenas uma vez no Alasca e o filé de duplo congelamento da China.

Em paralelo, o NOAA, nos EUA, reclassificou em 2014 a espécie como parte do gênero Gadus, do qual fazem parte as espécies que compõem o grupo de bacalhaus. Aqui no Brasil, o trabalho encabeçado pelo Alaska Seafood Marketing Institute (ASMI) foi caracterizar a polaca como a “genuína polaca do Alasca”. Preços e qualidade em alta

Para Carol Nascimento, porta-voz da ASMI na América do Sul, o trabalho do Dipoa gerou um reflexo flagrante nas compras direto dos EUA. “Saímos de zero e hoje temos importação de

PREÇO MÉDIO DA POLACA | US$/KG

3.4 3.2 3 2.8 2.6 2.4 2.2 2

pollock (HG, blocos de filés e surimi) quase na casa das 1.000 toneladas.” Outro ganho foi na apresentação dos produtos, tanto às indústrias brasileiras quanto ao consumidor final. “Dois grandes produtores globais, EUA (Alasca) e Rússia sempre enviaram matéria prima para ser processada nas indústrias chinesas, para que de lá, o produto pudesse ganhar o mundo. Na verdade, a produção de peixe HG (sem cabeça eviscerado na Rússia é maior, enquanto no AK a forma principal de matéria prima é bloco de filé), então com certeza a maior parte do filé que vimos entrar no Brasil ao longo destes anos foi de origem russa”, avalia Nascimento.

Além da moralização alegada, é inegável que o preço praticada aqui segue a lógica de uma espécie com as maiores capturas globais e sujeitas a instabilidades de oferta e demanda. “A subida nos preços é um jogo global, não tem muito o que possa ser feito”, diz Nascimento. Tomando o

Brasil como exemplo, o preço médio da polaca do Alasca importada pelo Brasil saiu da casa de US$ 2 para os atuais US$ 3,3 praticados em outubro deste ano.

A partir de 2015, diversas mudanças globais afetaram o negócio. O mercado doméstico chinês passou a consumir polaca eviscerada (HG), as capturas se reduziram na Coreia do Sul e o consumo dos alemães aumentos nos blocos - single frozen (muito do Alasca) ou double frozen (muito do Alasca e da Rússia, ambos reprocessados na China), aponta Nascimento. “Ou seja, maior demanda global sustentada por uma forte

Entrevistas em pandemia: da esq. para a dir. Eduardo Lobo (Abipesca), Meg Felippe (Carrefour) e Thiago De Luca (Frescatto Company)

Alemanha, tradicional Coreia do Sul e crescente China doméstica. Mais o Brasil que veio crescendo e quase chegou nas 70 mil toneladas. Ou seja, maior demanda, menor oferta, preços subiram - por isso todo importador

brasileiro, sem exceção, reclama dos preços impraticáveis da polaca.”

Para 2021, a executiva enxerga números maiores do que no atípico 2020. “Muita gente estava com altos estoques desde o final de 2019 e começo de 2020 para a Semana Santa e só foi conseguindo escoar os produtos ao longo do ano. Com a retomada, já vejo uma corrida para reabastecer estoques.” Por considerar que preço e câmbio se manterão em patamares elevados, ela enxerga “uma real

oportunidade se abrindo” para a

polaca direto dos EUA. “Posicionandose acima desses outros filés, investindo mais em sustentabilidade, novas embalagens, formatos, mais em inovação do que no mercado já tão batido de filé congelado. Isso, claro, não só em 2021, vejo isso como tendência de médio prazo.” Para ela, há um mercado intermediário que não é atualmente explorado por esses outros filés. “Também temos um novo consumidor, mais aberto ao congelado, mais interessado em saudabilidade, sustentabilidade, produtos que contam história” Ela tem certeza de que a história de origem do Alasca vai se sair melhor que a história de preço que caracterizou o produto chinês.

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O estigma do panga

Alvo de campanha mundial de difamação, vendido como “linguado” nos self-services, panga tenta reconstruir fama no Brasil com produtos certificados e marcas próprias

indústria vietnamita do

Apangasius luta há quase uma década contra uma campanha mundial de

difamação, fortemente apoiada em boatos sobre as condições em que os cultivos comerciais em escala se dariam no rio Mekong. Isso pegou também no Brasil, onde o tratamento químico dado aos filés também evocou uma onda de restrições e sanções do Dipoa contra exportadores. Soma-se a isso fraudes muito comuns no segmento do food service, onde ele se estabeleceu fortemente como a solução para o dia de peixe nos buffets a kg, mas era vendido muitas vezes como linguado.

Com tudo isso, um produto que atingiu impressionantes 66,9 mil toneladas em 2014, registrou melancólicas 22 mil toneladas em 2019.

Novamente, não são só os fatores internos que justificam o resultado, mas há sinais de que o produto pode voltar a disputar posições relevantes em 2021. O preço médio está muito abaixo da média histórica do produto nos últimos três anos, que flutuou entre US$ 2,60/kg e US$ 2,80/kg. Só em outubro de 2020, o preço médio foi de US$ 1,90/kg. “Vender filé no Brasil é vender o que está mais barato. A merluza voltou a ficar mais barata que o panga, mas neste ano

o panga voltou a cair um pouco no mercado internacional e está voltando com tudo”, avalia Luzaldo Pscheidt, da Costa Sul.

“O panga é um produto de cultivo que teve uma fama muito ruim no Brasil, mas também na Europa”, atesta Mathieu Bourdeaux, da Siam Canadian. Na visão dele, é possível

propor ao mercado panga certificado

ou orgânico como alternativa. “Os varejistas compreenderam muito bem agora como diferenciar estes produtos na gôndola e recebemos cada vez mais demandas para produtos certificados.”

A categoria já é explorada pela gigante Vinh Hoan no Brasil, que passou a considerar o mercado

com mais interesse e atenção após o endurecimento das regras para importação de filés. “Isso deu mais chance para que exportássemos nossos produtos de alta qualidade e sermos competitivos. Participamos dessa popularização nos últimos anos ofertando o filé de panga de alta qualidade e desenvolvendo produtos marca própria para os principais varejistas”, aponta Felipe Katata,

analista comercial sênior da divisão de alimentos e consumo da Mitsubishi

Corporation. A empresa controla empresas de referência mundial como a Cermaq na produção de salmão e a Vinh Hoan como uma das principais fornecedoras globais de panga.

HISTÓRICO DA IMPORTAÇÃO DE PANGA PELO BRASIL | 2008 A 2020 (TON.)

70k

60k

50k

Toneladas 40k

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20k

10k

0 Preço médio (US$/Kg) 3.4

3.2

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2.8

2.6

2.4

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2.0

1.8

Jan Fev Mar

COMPARATIVO DO PREÇO MÉDIO MÊS-A-MÊS NOS ÚLTIMOS 3 ANOS

2020 Últimos 3 anos

Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov

Tilápia: o filé do Brasil

Mesmo acima da barreira dos R$ 20/kg, produto se beneficia de aumento nos importados e de outras proteínas animais para conquistar a população com fresco

inguém achou que isso poderia

Nacontecer tão rápido, ainda mais com um produto que ainda não consegue se estabelecer abaixo da barreira psicológica dos R$ 20 que o varejo atribui à categoria como indicador de sucesso. Mas o fato é que a tilápia se popularizou entre os brasileiros como nenhum outro peixe. Se ela perde aos importados no preço - mas encurta cada vez mais a distância - ganha nos atributos particulares de neutralidade de sabor, ausência de espinha, possibilidade de venda a fresco e uma relativa estabilidade e padronização no fornecimento.

Junta-se a isto o fato de a inflação

das outras proteínas ter acelerado neste ano, principalmente o competidor direto, o frango, que no acumulado mensal subiu mais que a merluza e a tilápia, mas não menos do que a

carne bovina. “A pandemia começou a mascarar alguns problemas, mas estamos com 14 milhões de desempregados. Para o nosso mercado o aumento da carne bovina foi favorável, mas o peixe continua a R$ 30 e o frango a R$ 19”, indica Thiago De Luca, da Frescatto. Para ele, a novidade é que, com esta diferença menor nos preços, o consumidor já consegue pensar em variar a proteína tradicional e apostar no peixe. “São fatores importantes para o chefe ou a chefe da família. O cálculo é de qual proteína por refeição, é aquilo que ele tem para gastar.”

Talvez isso ajude a explicar a expansão da busca pelo filé de tilápia em pleno ano de crise, mas esta é a consequência de um processo que remonta ao início da popularização dos filés brancos. “O filé de tilápia conquistou excelente aceitação do mercado nacional, de norte a sul, e atendeu a uma série de demandas desse mercado, em especial à constância e ao padrão. É um case de sucesso, pois,

em uma década, converteu e fidelizou uma gama enorme de clientes, passou a fazer parte dos ‘top’ itens de venda nas categorias fresca e congelada e

atendeu às demandas de praticidade”, aponta Meg Felippe, do Carrefour.

Para ela, o calcanhar de aquiles continua a ser o posicionamento de preço. “[A tilápia] perde muito espaço no ponto de venda para os itens importados e, quando o mercado acena com um aumento de demanda, em geral nos deparamos com rupturas de abastecimento”, lamenta. Para Jair

de Sordi, gerente do abatedouro de peixes da C. Vale, a profissionalização da cadeia é inegável, mas ainda não contorna a instabilidade da oferta.

“Acredito que poderá haver um aumento de oferta de filés importados

HISTÓRICO DAS EXPORTAÇÕES DE TILÁPIA DO BRASIL | 2003 A 2020

Toneladas 1200

1000

800

600

400

200

0

em 2021, devido à falta de produto no mercado interno, consequência da lacuna de produção a partir do segundo semestre deste ano, principalmente da criação de tilápias”, aponta.

A executiva do Carrefour Brasil aposta no aumento de escala e no ganho de eficiência para contornar estes problemas, que poderão levar a uma melhora no posicionamento de preços ou a um desembolso mais atrativo. “Isso permitirá aumentar a presença e a frequência nos tickets dos clientes em detrimento aos itens importados, com a larga vantagem de poder oferecer a opção dos itens frescos.” A

comercialização de pescado fresco é um tema central do programa Act For Food, que tem o objetivo de promover a transição alimentar e permitir que todos possam comer melhor sem ter de pagar mais caro por isso.

“Através da iniciativa ‘peixes frescos sem congelamento’ possibilitamos que nossos clientes tenham acesso a um produto in natura de alta qualidade, sem tratamentos que podem alterar suas características reais ou sabor original”, explica Felippe. Expansão vertiginosa

O Brasil nunca exportou tanta tilápia: até outubro de 2020, havíamos superado 1200 toneladas despachadas ao exterior. Após a pioneira GeneSeas,

que desbravou o mercado norteamericano para o filé fresco via aérea, as cooperativas se juntaram ao time em

2020. A C.Vale trilha o mesmo caminho da Copacol e anunciou em outubro que começará a fazer embarques semanais aos Estados Unidos de tilápia resfriada produzida no oeste paranaense. Da água à gôndola, os produtos tardam 48 horas por via aérea. Para fazer

frente à demanda no exterior e evitar a quebra de oferta doméstica, as cooperativas prepararam uma forte

INFLAÇÃO DAS CARNES EM 2020 | ACUMULADO MENSAL

10 Alimentação e bebidas Carnes Merluza Tilápia Aves e ovos

5

0

-5

-10 Janeiro Março Maio

Fonte: IBGE - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

Julho Setembro

expansão de volumes abatidos por

meio de ampliações e aquisições. A Copacol adquiriu o frigorífico Pisces por R$ 62 milhões em Toledo (PR) para abater outras 80 mil tilápias/dia até 2023, totalizando 250 mil peixes/dia em três unidades produtivas. Já a C. Vale abate outras 100 mil tilápias por dia, com planejamento de curto prazo para chegar a 150 mil.

Mas a tilápia não cresce apenas no oeste paranaense. A Netuno, cuja

licença de operação em Paulo Afonso (BA) é para 12 mil toneladas, recebeu novo aporte de investidores para viabilizar uma nova proposta agressiva

de diferenciação do produto cultivado em reservatório. “Há um mercado para a tilápia que irá competir com proteínas de carne branca por preço e um mercado maior ainda que vai pagar mais para ter um melhor produto”, conta o CEO da Netuno, Christian Becker. A empresa não pretende encarar, por exemplo a briga nos atacarejos.

O foco é no varejo tradicional.

“Nós nos especializamos no varejo, colocamos fresco e congelado em São Paulo e no Rio em 48 horas, no

Rio Grande do Sul em 72 horas. Em qualquer parte do Nordeste em 24h. Nos especializamos com serviço comercial e logístico que dá garantias de que vai chegar no tempo programado ao cliente. Aliado à marca, um preço que navega entre 5% e 10% [mais alto] em relação à concorrência”, explica Becker. A empresa

Roberto Imai, diretor do Deagro/Fiesp, e Tito Lívio Capobianco, fundador da Geneseas em Boston (EUA): empresa foi pioneira na exportação de tilápia ao mercado norte-americano foi a pioneira no desenvolvimento de bandejas com filés em atmosfera modificada, com 20 dias de shelf-life.

A Netuno também foi a primeira empresa do gênero no Brasil a receber a certificação Aquaculture Stewardship Council (ASC), de modo a se credenciar para a venda nas Olimpíadas de 2016,

no Rio de Janeiro. Becker defende que o certificado coroa um produto diferenciado, sem off-flavor. “Além da saudabilidade toda de um peixe sem medicamento, temos a sustentabilidade social e ambiental porque cuidamos do rio”, diz. A produção atual é de 700 toneladas de peixe inteiro/mês, mas o objetivo é logo passar a 800 toneladas/ mês com uma campanha agressiva no PDV, inicialmente no Nordeste, com degustações, brindes e aulas de culinária.

No oeste de São Paulo, a Brazilian Fish também tem boas perspectivas. Desde quando começaram no ramo, em 2007, a empresa apostou em diversificar a oferta dos filés com produtos pré-prontos congelados.

Hoje ela assiste a uma expansão qualificada da concorrência, o que é bom para o País, na visão do sócio-

diretor, Ramon Amaral. “Acredito que o Brasil tem o melhor produto, no melhor clima e na melhor água. Nós brasileiros, gostamos de constância no cardápio. Se aumentarmos a escala, garantiremos aos consumidores o produto na mesa sem interrupções, sem reflexo de câmbio e sem escassez.” Ele cobra uma participação mais incisiva das autoridades na busca pela competitividade, como a isonomia tributária com outras cadeias produtivas. “A solução dos desafios estruturais, a redução de custos de produção, processamento, logística e especialmente a diminuição da carga tributária, poderiam aumentar a competitividade do setor.”

Já na fronteira com Minas Gerais, ao Norte de São Paulo, a Fider, braço

da MFoods/MCassab para a tilápia,

traz o âmbito urbano para a discussão. “Os apartamentos estão cada vez menores e é cada vez maior a demanda por alimentação saudável, com recomendação médica de consumo de pescado por pelo menos 2 vezes na semana. A tilápia é a junção disso tudo. Sempre há oferta, é fácil de fazer (mesmo pra quem mora sozinho), não deixa cheiro e é leve. É o pescado das cidades modernas e ainda vai ganhar muito espaço na mesa do consumidor, mesmo daqueles que ainda não possuem esse hábito”, sintetiza Juliano

Kubitza, gerente de unidade de negócio Fider.

Ainda há um longo caminho pela frente, porém. Na visão de Kubitza, à margem das projeções de liderança mundial do segmento,

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Jan

PREÇO MÉDIO DA TILÁPIA EXPORTADA (US$/KG)

Últimos anos 2020

Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Fonte: ComexStat | Elaboração: Painel do Pescado/Jubart

o mais importante é que essa cadeia cresça de forma sustentável para que os volumes sejam consistentemente maiores. “Para isso, ainda precisamos de bastante profissionalização e conscientização em todos os elos da cadeia. Já estamos quase em 2021 e os volumes são crescentes mas, mesmos assim, ainda há produtor que ‘sangra’ o peixe na beira do rio onde ele mesmo faz o cultivo”, conclui.

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