VetScience Magazine n° 16

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ISSN 2358-1018

um benefício para o cliente TECSA

MAG AZ I NE Número 16

REPRODUÇÃO E FERTILIDADE DIAGNÓSTICO E MONITORIA LABORATORIAL

www.vetsciencemagazine.com.br 1


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EDITORIAL Na crise - crie!

Para momentos de CRISE a melhor saída é a criatividade. Para que nossos clientes continuem a buscar em nossas empresas a parceria que esperam obter, mesmo em momento de falta de emprego e de dinheiro circulante, é necessário cortar custos e priorizar o cliente. Encontrar formas criativas e inteligentes de fazer a conexão com os nossos contatos, oferecer produtos e serviços de alta qualidade e com custo-benefício adequado é de extrema importância. Em um planeta que se virtualizou pelas redes sociais, nenhuma empresa pode ficar de fora deste canal de contato humano. Seja um empresário ou um profissional, todos devem estabelecer seu espaço nas redes sociais e ganhar, assim, ”intimidade“ com seus possíveis clientes. Levar conhecimento e informações gratuitas, gerar espaço de troca de ideias e de oportunidade nesses contatos faz com que enxerguem melhor o seu negócio e sua atuação profissional. As redes sociais podem divulgar seu trabalho com uma velocidade e em uma dimensão que pode lhe surpreender. Vale a pena estudar sobre mídia digital e, se possível, contratar uma consultoria para lhe acompanhar neste processo.

Cuidados pré-analíticos essenciais

Afonso Perez

Como discutido em edições anteriores, os erros laboratoriais inerentes à etapa pré-analítica, ou seja, que antecedem a análise propriamente dita, podem chegar a 70%. Esta etapa está diretamente relacionada ao cuidado em manusear as amostras, desde o momento da colheita, até a chegada ao laboratório de apoio. Precisamos ressaltar que o cuidado com a identificação e transporte das amostras deverá seguir rigorosamente o procedimento descrito no Manual de Coleta que se encontra disponível em nosso site (www.tecsa.com.br). A identificação, tanto do tubo quanto do pedido, deverá ser legível e única. Deve-se lembrar da importância de inserir o nome do animal, nome do Tutor e número da clínica requisitante, também no tubo. Estas informações são essenciais pelo fato de termos diversos animais com o mesmo nome (Ex.: MEL, NINA, BOB, NICK) sendo a diferença é identificada pelo nome do Tutor e da clínica. Observar sempre a grafia também é importante, pois, não é difícil encontrar o nome do animal escrito de uma forma no tubo e de outra no pedido (Ex.: Sacha e Saxa). Para facilitar a compreensão e evitarmos a ocorrência de atrasos fiquem atentos ao preenchimento correto da ficha de solicitação. Usar como padrão letra de forma é uma boa idéia!!! Inserir a informação da raça e idade, em alguns casos, são fundamentais para o auxílio na interpretação e avaliação dos resultados, pois, dependendo do analito dosado poderão ocorrer variações. Vale lembrar que a assinatura do médico veterinário requisitante, quando solicitados por meio de formulário impresso, é essencial. Destacamos que, caso ocorra alguma dúvida com relação à identificação do pedido/amostra, entraremos em contato para confirmação, porém, isto poderá acarretar em atrasos na liberação do resultado, pois, até que a informação seja confirmada, a amostra ficará aguardando para iniciar o processo analítico.

Luiz Eduardo Ristow



ÍNDICE

38. HEMATOLOGIA

06. REPRODUÇÃO

38. FISIOLOGIA DA HEMOSTASIA: NOVOS CONCEITOS

06. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA DA INFERTILIDADE EM CADELAS 10. COMPLEXO HIPERPLASIA CÍSTICA ENDOMETRIAL/ PIOMETRA EM CADELAS: O QUE HÁ DE NOVO? 16. TERAPÊUTICA HORMONAL APLICADA À REPRODUÇÃO DE CADELAS 21. USO INDEVIDO DE PROGESTÁGENOS (ACETATO DE MEDROXIPROGESTERNA) EM UMA CADELA (CANIS LUPUS FAMILIRIS) 24. BRUCELOSE CANINA: UMA PERIGOSA ZOONOSE NEGLIGENCIADA 27. PSEUDOCIESE EM CADELAS 30. EFEITO DA SAZONALIDADE SOBRE A FUNÇÃO TESTICULAR DE CÃES 32. USO DE AGONISTAS DO GNRH COMO CONTRACEPTIVO REVERSÍVEL EM GATOS DOMÉSTICOS

35. ALTERAÇÕES METABÓLICAS NA GESTAÇÃO

Colaboraram neste número: Dr. Thiago Luis Santos Gonçalves, Dr. Guilherme Stancioli, Dra. Isabela de Oliveira Avelar, Dra. Janete Madalena da Silva, Dr. João Paulo Fernandez Ferreira, Dr. João Paulo Franco, Dr. Luiz Eduardo Ristow, Dra. Luiza França Melo, Dra. Marcela Ribeiro Gasparini, Dr. Otávio Valério de Carvalho. Todos membros da Equipe de Médicos Veterinários do TECSA Laboratórios. Além do Médico Patologista Dr. Afonso Alvarez Perez Jr. Contribuíram também para este número os renomados Colegas: Dra. Anne Kemmer Souza, Dra. Camila Louise Ackermann, Dr. Jamile Haddad Neta, Dr. Luiz Guilherme Corsi Trautwein, Dr. Marcelo Rezende Luz, Dr. Marco Antônio Machado, Dra. Maria Denise Lopes, Dra. Maria Isabel Mello Martins, Dra. Marília Martins Melo, Dra. Paula Postali Ananias, Dr. Warley Gomes dos Santos.

Obs.: os artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores e não representam necessariamente, a visão e opinião do TECSA Laboratórios.

EXPEDIENTE Editores/Publishers:

CIRCULAÇÃO DIRIGIDA

Dr. Luiz Eduardo Ristow . CRMV-SP 5560S . CRMV-MG 3708 . ristow@tecsa.com.br Dr. Afonso Alvarez Perez Jr. . afonsoperez@tecsa.com.br Equipe de Médicos Veterinários TECSA . tecsa@tecsa.com.br

A revista VetScience® Magazine é uma publicação do Grupo TECSA dirigida somente aos médicos veterinários, como parte do Projeto JORNADA DO CONHECIMENTO, criado pelo mesmo. Este projeto visa a universalização do conhecimento em Medicina Laboratorial Veterinária. A periodicidade é Bimestral, com artigos originais de pesquisa clínica e experimental, artigos de revisão sistemática de literatura, metanálise, artigos de opinião, comunicações, imagens e cartas ao editor.

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ISSN: 2358-1018

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REPRODUÇÃO

ABORDAGEM DIAGNÓSTICA DA INFERTILIDADE EM CADELAS Maria Denise Lopes

(Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, FMVZ, UNESP, Botucatu. E-mail: denise@fmvz.unesp.br)

Resumo

A infertilidade nas fêmeas caninas pode ser congênita ou adquirida e, dentro das infertilidades de causas adquiridas, pode ser aparente ou verdadeira. A infertilidade não é um diagnóstico, mas sim um sintoma, portanto, deve ser corretamente diagnosticada e, em alguns casos, convenientemente tratada. A infertilidade pode ter múltiplas causas e o profissional deve seguir um roteiro clínico para auxiliá-lo na determinação de sua causa. O objetivo dessa revisão é discutir as principais causas da infertilidade nas cadelas, seguindo um roteiro clínico completo que inclui as principais causas da infertilidade.

Introdução

A maioria dos problemas de infertilidade pode ser convenientemente tratada, desde que corretamente diagnosticada. Em todos os casos de infertilidade, um histórico reprodutivo completo deve ser realizado e algumas questões específicas devem ser necessariamente respondidas. Um exame físico completo e detalhado deve ser realizado e uma “lista de problemas” deve ser considerada. As causas da 6

infertilidade são muitas e podem comprometer vários órgãos e sistemas. O profissional deve seguir um roteiro específico ou um plano diagnóstico para chegar à causa primária da infertilidade.

Histórico reprodutivo completo

Além de dados gerais referentes à idade, raça, alimentação, vacinações, doenças anteriores, medicações etc., questões sobre o ciclo estral devem ser discutidas, como intervalo interestro: duração, fases do ciclo estral e administração de hormônios; coberturas prévias: esquema de coberturas, comportamento durante a cobertura, cobertura natural ou inseminação artificial; gestações prévias: gestações anteriores, problemas durante o parto, número de filhotes, histórico de abortos; fator macho: antes de se iniciar toda e qualquer investigação sobre infertilidade em fêmeas, o macho deve ser avaliado. A razão para que os machos sejam avaliados antes é a facilidade de examiná-los; os machos são continuadamente férteis, ao contrário das fêmeas, que são férteis somente 2 a 3 semanas/ano. A maneira mais fácil e rápida de se conhecer a fertilidade do macho é saber a respeito

de seu histórico reprodutivo anterior: se esse macho acasalou e emprenhou uma fêmea que pariu filhotes vivos e saudáveis, num prazo de até 4 meses, podemos considerar esse macho fértil. Entretanto, esse histórico não descarta a realização de um exame andrológico completo. Uma avaliação seminal normal comprova a fertilidade de um macho, mas uma avaliação alterada ou dificuldade para obtenção de uma amostra de sêmen torna o macho suspeito. São necessárias duas ou três análises de sêmen anormais para comprovar a infertilidade masculina. Todo macho ativo deve ser testado a cada seis meses para brucelose; cães menos ativos podem ser checados anualmente ou imediatamente antes da cobertura. No homem, a infertilidade masculina responde por 40% das falhas de concepção. Até o momento, não existem estatísticas específicas nos cães, mas uma situação semelhante deve existir.

Exame físico detalhado

Todos os sistemas devem ser examinados e o aparelho reprodutor deve ser avaliado detalhadamente: a


REPRODUÇÃO vulva deve ser inspecionada para checar o tamanho, conformação e presença de secreção; vulva muito pequena ou recoberta por uma dobra de pele, em cadelas obesas, pode impedir ou dificultar a cobertura natural; vagina: a palpação digital da vagina deve ser sempre realizada, um dedo enluvado deve ser introduzido no canal vaginal permitindo avaliar o lúmen, a abertura da uretra, presença de massas, estenoses vaginais; vaginoscopia: o uso de um rinoscópio limita bastante a avaliação do lúmen vaginal, no entanto, o uso de um protoscópio pediátrico ou de um endoscópio rígido corresponde ao equipamento ideal para reconhecer as modificações da aparência da mucosa vaginal, associadas às fases de ciclo estral nas cadelas; citologia vaginal: deve fazer parte de toda a avaliação reprodutiva, são fáceis de se fazer, rápidas e informativas; palpação abdominal: com exceção da gestação e da piometra, o útero dificilmente é avaliado com segurança; glândulas mamárias: devem ser sempre inspecionadas e palpadas com cuidado para identificar nódulos e secreção láctea. LISTA DE PROBLEMAS

Fêmeas receptivas com Intervalo Interestro Normal – IIN: Nesse grupo estão inclusos manejo inadequado de cobertura, alterações metabólicas, brucelose, herpesvírus, hiperplasia cística do endométrio/Piometra, Insuficiência Lútea. Fêmeas não receptivas com Intervalo Interestro Normal – IIN: Alterações de comportamento e anormalidades físicas. Intervalo Interestro prolongado Intervalo Interestro curto Estro persistente

inadequado de 1) Manejo cobertura é a causa mais comum de infertilidade aparente nas cadelas. Essa condição ocorre devido ao uso de critérios errados utilizados para o estabelecimento de protocolos de

coberturas. Os erros mais frequentes são: apenas uma cobertura/ciclo, coberturas em dias predeterminados, coberturas após o término de secreção sanguinolenta ou quando o proprietário/ criador espera o macho na determinação da cobertura. Nesse caso, a fêmea é acasalada em momento inadequado do ciclo estral. Devemos considerar que o conhecimento da fisiologia reprodutiva das fêmeas caninas é imprescindível para o estabelecimento de esquemas de cobertura ou de IA (inseminação artificial). Assim, várias coberturas/ciclo eliminam a chance de erros em relação ao momento de maior fertilidade do ciclo estral das cadelas – do 4º ao 7º dia após onda pré-ovulatória de LH (hormônio luteinizante). Não é raro que algumas cadelas apresentem proestro e estro mais longos ou mais curtos do que a duração normal (média de 9 dias para o proestro e 7 dias para o estro). Sendo assim, coberturas ou IA em datas preestabelecidas perdem completamente o valor. Algumas cadelas sangram durante todo o proestro e estro, inclusive nos primeiros dias do diestro; outras, ao contrário, não sangram nunca ou sangram muito pouco. Portanto, esperar para liberar a cobertura após o término de sangramento é desaconselhável. Manejo de coberturas devem seguir critérios ou parâmetros reconhecidos, como observação do comportamento das fêmeas próxima ao macho. Quando receptiva, a fêmea deve ser acasalada a cada 2 ou 3 dias até refutar o macho. Algumas cadelas se recusam a ser cobertas por um macho em particular ou até mesmo por todos os machos, a despeito do reconhecimento correto do estro. Nesse caso, comportamento de dominância e submissão deve ser considerado, sendo indicado a IA. Outro critério que deve ser usado no estabelecimento de esquemas de coberturas ou IA é a citologia vaginal diária ou a cada 48 horas; essa técnica é rápida, pouco onerosa e reflete indiretamente as concentrações de

estrógenos na circulação. A progesterona plasmática também é um critério relevante na determinação do momento ideal de cobertura ou IA, devendo ser sempre utilizada quando da utilização de sêmen resfriado ou descongelado. Uma concentração próxima de 5 ng/mL corresponde ao momento das ovulações. É interessante que se associem critérios seguros para estabelecer protocolos de coberturas ou IA, ou seja, utilizar a observação do comportamento, citologia vaginal e progesterona plasmática. Assim, as chances desse protocolo resultar em gestação são muito grandes. – 2) Doenças metabólicas Hipotireoidismo: a avaliação da tiroide deve ser sempre considerada relevante, em casos de infertilidade. O hipotireoidismo é descrito como uma doença frequente nos cães, embora seja subdiagnosticada por muitos profissionais. 3) Brucelose – A B. canis causa aborto no final da gestação, reabsorção embrionária e infertilidade em cães. Em situação de canil comercial, todas as fêmeas devem ser avaliadas com o teste de aglutinação rápida (TAR); nesse teste, a porcentagem de falsos positivos é grande e, nesse caso, as fêmeas devem ser isoladas e retestadas 30 dias após, com o teste de aglutinação lenta, em tubos ou cultura sanguínea ou PCR (reação em cadeia da polimerase). 4) Herpesvírus Canino (HVC) – essa virose causa aborto no final da gestação. A avaliação dos títulos de HVC antes das coberturas pode identificar uma maior ou menor susceptibilidade à infecção. Endometrial 5) Hiperplasia Cística (HEC) e Piometra – A HEC é uma modificação do endométrio, decorrente de uma estimulação crônica e recorrente de progesterona, o que ocorre normalmente durante o ciclo estral das fêmeas caninas. Cadelas adultas e idosas frequentemente apresentam um endométrio comprometido pela HEC. 7


REPRODUÇÃO Soma-se a essa condição (doença de base) uma infecção bacteriana causada principalmente pela E. coli. A condição HEC mais piometra é uma causa comum de infertilidade nas cadelas. A HEC não é diagnosticada facilmente, a menos que a fêmea seja submetida a exames ultrassonográficos, com equipamentos sofisticados. A HEC é classificada, histologicamente, em quatro graus, de acordo com a gravidade. HEC de grau I e II são compatíveis com implantação, já os graus III e IV são incompatíveis com implantação e, portanto, responsáveis por quadros de infertilidade. 6) Insuficiência Lútea ou Hipoluteodismo – é uma condição rara em cadelas e significa uma produção diminuída de progesterona, pelos corpos lúteos, dificultando a manutenção da gestação. Existe uma dificuldade muito grande no diagnóstico de insuficiência lútea primária ou secundária. No quadro primário, os corpos lúteos produzem pouca progesterona ou por um tempo menor do que aquele considerado normal. Já no quadro secundário, alterações uterinas podem produzir prostaglandinas F2α e, indiretamente, causar lise dos corpos lúteos e diminuir a produção de progesterona. A insuficiência lútea pode causar reabsorção embrionária ou abortos, na dependência do período da gestação em que ela ocorra. O diagnóstico é realizado com dosagens seriadas de progesterona, durante todo o período da gestação.

Fêmeas NÃO receptivas com Intervalo Interestro Normal – IIN

1) Alterações de comportamento – O comportamento é um fator importante na performance reprodutiva dos animais, em geral. Algumas fêmeas escolhem os machos; quando um casal de cães convive junto, geralmente a fêmea é dominante e às vezes não aceita o macho mesmo no período de receptividade máxima. Outras cadelas refutam todos os machos e, nesse caso, a IA é recomentada.

2) Anormalidades físicas – as principais causas de infertilidade relacionadas a anormalidades físicas nas cadelas são as estenoses vaginais e a hiperplasia vaginal. As estenoses vaginais são alterações de origem congênita e comuns nas cadelas. As estenoses vaginais são de vários tipos: vagina dupla; anel anular; septo vaginal; hipoplasia vaginal; hipoplasia vulvar, e são diagnosticadas durante o exame clínico com a inspeção cuidadosa da vulva e vagina, e pela palpação digital da vagina. Durante a cobertura, a cadela sente dor e o macho tem dificuldade durante a penetração do pênis, o que resulta numa incapacidade de cobertura natural. Nesse caso, o diagnóstico deve ser realizado com segurança – palpação digital da vagina, vaginoscopia e vaginograma. A IA é indicada. Hiperplasia vaginal – Ocorre 3) na fase folicular do ciclo estral (proestro e estro) e está relacionada a uma resposta exagerada da mucosa vaginal, frente às concentrações de estrógenos. A hiperplasia vaginal é classificada em quatro graus, de acordo com a maior ou menor exposição da mucosa vaginal, através dos lábios vulvares. As cadelas tendem a repetir essa condição em todos os ciclos e a indicação é de retirada dessa fêmea da reprodução.

Intervalo Interestro Prolongado

O intervalo interestro nas cadelas é, em média, de 7 meses, com exceção de algumas raças que ciclam sempre uma vez por ano. Cadelas idosas apresentam IIE mais longos. 1) Cios Silenciosos – Algumas fêmeas apresentam poucas manifestações de cio: pouca secreção sanguinolenta durante o proestro; edema de vulva imperceptível. Se a cadela permanece confinada, sem contato com outros cães que, eventualmente, poderiam identificar o proestro e estro, essa fase folicular do ciclo estral pode permanecer desapercebida pelos proprietários. Essa fêmea, a despeito de apresentar cios silenciosos ou não

identificados, apresenta uma fertilidade normal. Esse animal deveria ser monitorado com dosagens mensais de progesterona sérica ou com citologias vaginais semanais, manejo social e inspeção detalhada da vulva. pode 2) Hipotireoidismo – causar IIE prolongado e falhas ovulatórias. Os sinais mais comuns de casos de hipotireoidismo são: depressão; anorexia; alopecia; anemia não regenerativa; hipercolesterolemia. Após correção hormonal adequada, a fêmea apresenta regularidade cíclica. 3) Cistos/Neoplasia ovarianas – cistos luteais se caracterizam pela não ocorrência das ovulações; produzem progesterona de forma independente, sem controle do eixo hipotálamo/ hipófise/ovário. A produção independente de progesterona resulta em IIE prolongado e estimula o aparecimento da hiperplasia endometrial cística. Na maioria das vezes, as fêmeas portadoras de cistos luteais são diagnosticadas com HEC/ Piometra. Os tumores das células da granulosa, mais frequentes em cadelas adultas e idosas, também produzem progesterona de forma independente do eixo hipotálamo/hipófise/gônada, resultando no mesmo quadro hormonal dos cistos luteais. O diagnóstico dessas alterações hormonais é feito com base no exame clínico, radiográfico, ultrassonográfico e na laparotomia exploratória.

Intervalo Interestro Curto

O intervalo interestro compreende a fase do diestro e do anestro do ciclo estral de cadelas. Esse intervalo dura, em média, 7 meses, podendo variar de 4,5 a 10 meses. A fase do diestro corresponde a fase lútea do ciclo, com produção de progesterona pelos corpos lúteos, e dura aproximadamente 60 dias nas cadelas gestantes e de 70 a 80 dias nas cadelas não gestantes. Já a fase do anestro dura em média de 4 a 5 meses e,

8


REPRODUÇÃO nesse período, o útero se recupera da estimulação progestacional e apresenta condições de uma nova implantação e manutenção da gestação. Um intervalo interestro curto (IIC), inferior a 4 meses, geralmente está associado a um quadro de infertilidade. 1) Falha nas ovulações - algumas fêmeas podem apresentar falha nas ovulações. Nesse caso, não ocorre a formação dos corpos lúteos, as cadelas não apresentam o diestro e encurtam em 60 dias o intervalo interestro. 2) Anestro curto – nesse caso o anestro é 30 a 60 dias mais curto que o normal, o útero não se recupera completamente, o que dificulta o processo de implantação. Nessas duas situações (falha das ovulações e anestro

mais curto), a despeito das cadelas apresentarem estro normal, embora sejam acasaladas por machos férteis, não emprenham. 3) Split Cio – acomete cadelas jovens e, geralmente, desaparece com a maturidade sexual. É uma condição na qual as cadelas apresentam comportamento característico de proestro por um período de 5 a 7 dias, com edema de vulva, secreção sanguinolenta e atração dos machos. Depois desse tempo, a cadela deixa de apresentar esses sinais. De 4 a 8 semanas mais tarde, as cadelas apresentam novamente sinais de proestro e, nesse momento, a fase folicular é completa, com duração de 15 a 20 dias; caso a fêmea seja acasalada, tem grande possibilidade de emprenhar

e parir normalmente. 4) Cisto Folicular – são mais frequentes em fêmeas jovens. Cadelas com cisto folicular podem apresentar IIC e, algumas vezes, estro persistente. O diagnóstico de cisto folicular é realizado por ultrassonografia. O tratamento pode ser realizado com hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), hormônio luteinizante (LH) e, em alguns casos, ovariohisterectomia (OSH). Ovariana – 5) Neoplasia diferentemente dos cistos foliculares, as neoplasias ovarianas acometem as fêmeas idosas. O tumor das células da granulosa são funcionais e podem produzir estrógenos, sinalizando estros frequentes ou persistentes. ovariohisterectomia (OSH). EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)

9


REPRODUÇÃO

COMPLEXO HIPERPLASIA CÍSTICA ENDOMETRIAL/ PIOMETRA EM CADELAS: O QUE HÁ DE NOVO? Dra. Marilu Martins Gioso (Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Departamento de Cirurgia, Setor de Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres. Email: mmgioso@yahoo.com.br)

Resumo

A piometra canina é uma doença reprodutiva, infecciosa e inflamatória, que afeta o útero de cadelas, sendo registradas mais frequentemente na fase diestro. Na rotina da clínica de animais de companhia, frequentemente os médicos veterinários se deparam com animais que apresentam este quadro e necessitam decidir, de maneira rápida e objetiva, sobre a melhor forma de tratamento, já que se trata de uma situação de risco e pode ser potencialmente fatal. Pela importância desta patologia, propôs-se, nesta revisão de literatura, expor os conceitos atuais da etiopatogenia do complexo hiperplasia endometrial cística/ piometra abordando os sinais clínicos, laboratoriais e os atuais tratamentos (conservativos ou não).

Introdução:

Os casos de Complexo Hiperplasia Endometrial Cística/Piometra (HCE/ PIO) em cadelas vêm aumentando consideravelmente. Atualmente, esta patologia não é só diagnosticada em cadelas nulíparas e de idade avançada como antes estabelecido, 10

mas também em animais de qualquer idade, principalmente em casos de administrações de medicamentos que previnem o aparecimento do sangramento vulvar ou que impedem a fertilização após o coito. Estas últimas ações são realizadas rotineiramente pelos proprietários, leigos e até por profissionais desavisados das consequências destes procedimentos. Outros fatores predisponentes incluem ciclos estrais irregulares e pseudociese. Estudos recentes indicaram que cerca de 19% das fêmeas nulíparas de até 10 anos de idade apresentam esta enfermidade. Já outros dados revelaram que, após os 9 anos, a prevalência da infecção pode chegar a mais de 60% e, antes dos 6 anos, o aparecimento está relacionado com a administração de progesterona ou estrógeno exógenos. Em relação à mortalidade, uma revisão recente sobre o tema citou que a mortalidade total oriunda da piometra é reportada, aproximadamente, em 10%, quando a eutanásia também é incluída na avaliação. Em relação às raças, as maiores incidências foram apontadas em Golden Retriever, Schnauzer, Terrier Irlandês,

Saint Bernard, Airedale Terrier, Cavalier King Charles Spaniel, Rouggh Collie, Rottweiler, Bernese e Cocker Spaniel. Outro trabalho mais atual corrobora com estes estudos ao relatar que o fator “raça” pode influenciar fortemente no risco de desenvolver a piometra, o que indica que fatores genéticos podem contribuir para um aumento ou diminuição da suscetibilidade. Por conceito, o HCE/PIO é definido como uma afecção uterina que se desenvolve no período de diestro do ciclo estral. Isto é, um distúrbio hormonalmente mediado que acomete a maioria das cadelas durante a fase progesterônica do ciclo e está relacionado com hiperplasia das glândulas endometriais associada à contaminação bacteriana. Sua patogenia ainda não está completamente explicada, mas sabe-se que é decorrente da combinação dos hormônios estrógeno e progesterona adicionada à presença de bactérias, o que torna o conhecimento da fisiologia do ciclo estral desta espécie um pré-requisito para o entendimento da etiopatogenia da afecção. Objetivou-se, com esta revisão de literatura, a exposição dos conceitos


REPRODUÇÃO atuais da etiopatogenia do complexo hiperplasia endometrial cística/piometra em cadelas. Também foram abordados os aspectos clínicos, laboratoriais e os tratamentos utilizados.

Conceitos atuais sobre a etiopatogenia do complexo Hiperplasia Cística Endometrial/ Piometra

Para cadelas no diestro, em condições fisiológicas, os elevados níveis de progesterona induzem ao desenvolvimento das glândulas endometriais e ao aumento na secreção das mesmas. Além disso, sua ação sobre o fechamento da cérvix e a inibição da atividade contrátil do miométrio impede a drenagem de fluido intrauterino, com inibição da resposta leucocitária, o que favorece ainda mais as modificações estruturais do útero e, assim, esta condição se torna um fator contribuinte para o desenvolvimento da HCE/PIO. Desta maneira, o papel dos hormônios no desenvolvimento da doença tem sido debatido, porque, na maioria das vezes, estas concentrações de progesterona são comparáveis às de cadelas saudáveis, em estágios semelhantes do ciclo estral. Contudo, pesquisas atuais referem que o efeito e aparecimento da doença pode variar, dependendo da expressão diferente dos receptores hormonais presentes no útero. As novidades sobre a etiopatogenia da enfermidade tendem a seguir para o estudo biomolecular dos eventos locais geradores da HCE/PIO. Alguns autores destacaram novas pesquisas que demonstram a maior sensibilidade e síntese de receptores da progesterona nas células endometriais; outros sobre a diminuição de respostas imunológicas por ações secundárias, tem-se ainda alguns autores que comentaram sobre a síntese de receptores que podem aumentar a adesão de bactérias no endométrio e, ainda, expressões aumentadas de enzimas da rota esteroidogênica, que proporcionam síntese de progesterona local. Portanto, vários pesquisadores estudam, hoje

em dia, as condições de formação da enfermidade, na tentativa de gerar informações de como prevenir e como utilizar/prescrever os melhores tratamentos. Sobre as bactérias presentes em animais sabidamente diagnosticados com HCE/PIO, é importante salientar a capacidade que algumas bactérias, como a E. coli, apresentam em aderir ao endométrio uterino quando sob a influência da progesterona. Há alguns fatores que levam à expressão de receptores endometriais, aumentando a adesão bacteriana no endométrio de animais com piometra. Ainda sobre os hormônios, um efeito negativo da progesterona sobre a maturação das células dendríticas apresentadoras de antígenos foi descrito como um fator que também poderia contribuir para uma diminuição da defesa imunológica. O aumento da expressão da 3β-hidroxiesteroide desidrogenase no tecido uterino do endométrio foi recentemente demonstrado em cadelas com complexo HCE/PIO. Surpreendentemente, estas descobertas indicaram a possibilidade de haver uma síntese de progesterona local que poderia estar envolvida na patogênese e promover o desenvolvimento de piometra, ainda que os níveis de progesterona circulantes estejam dentro do normal. A respeito do estradiol, esse esteroide possui várias ações sobre o útero, algumas das quais são fisiologicamente antagonistas à ação da progesterona. Ele é responsável pelo aumento da vascularização, edema e crescimento do endométrio, útero e cérvix. Promove, ainda, o relaxamento e dilatação da cérvix, aumento da intensidade de contração do miométrio, o que promove a drenagem do conteúdo uterino. Possui um efeito bactericida sobre o útero, uma vez que aumenta a taxa de migração de neutrófilos para dentro do lúmen uterino. Desta forma, os estrógenos liberados durante o estro provocam uma hiperplasia do endométrio com o estrógeno favorece

a formação de receptores endometriais de progesterona, hormônio responsável pela, além das funções supracitadas, atividade das glândulas uterinas, de modo a permitir a nutrição dos embriões até sua implantação. Como consequência desta ação conjunta dos dois hormônios, a parede do endométrio aumenta em até cinco vezes. Em suma, a interação da progesterona com o estrógeno é responsável pelo desenvolvimento, progressão e severidade da piometra, sendo complicada com a migração secundária de bactérias via ascendente. Por estas razões, tanto a administração de progestágenos, quanto estrógenos exógenos para controle da fertilidade são fatores que podem levar ao surgimento do HCE/PIO. Suscita-se que a administração de progestágenos exógenos, como alguns contraceptivos disponíveis no mercado, também favoreceria estas alterações. No caso do estrógeno, o mesmo aumenta o número de receptores de progesterona no útero, o que explica o aumento de incidência de piometra em animais que recebem estrógenos exógenos durante o diestro inicial para impedir a gestação. Como já mencionado, a Escherichia coli se destaca como o agente mais comumente isolado em 90% das piometras. Estudos ultraestruturais têm demonstrado que este microrganismo possui grande afinidade pelo endométrio e miométrio, fixando-se de forma estável na parede uterina e dificultando sua eliminação, pelo sistema de defesa local. Porém, deve-se informar que outras bactérias também podem ser isoladas em úteros com piometra: Staphylococcus aureus e S. intermedius, Streptococcus spp., Streptococcus canis, Pseudomonas spp., Klebisiella sp., Corynebacterium sp., Enterococcus sp., Pasteurella sp., Serratia sp., Haemophilus sp. Bacillus sp. e Proteus spp. Estes microrganismos estão presentes em todo o trato genital de fêmeas normais, o que indica que fazem parte da população de bactérias autóctones e que participam apenas como oportunistas no evento. 11


REPRODUÇÃO Achados clínicos

Pela anamnese, relatam-se a presença de polidipsia, poliúria, secreções vaginais mucopurulentas, registros do último cio há 3-8 semanas, apatia e, mais raramente, distensão abdominal. A ocorrência da afecção em animais mais jovens não é comum, mas pode ser evidente naqueles tratados com estrógenos (por exemplo, cipionato de estradiol) ou progestágenos (por exemplo, acetato de megestrol), para supressão ou indução do estro, contracepção ou indução do aborto. Em relação ao grau de severidade dos quadros de HCE/PIO, quando a cérvix está totalmente ou parcialmente fechada, há acúmulo mais acentuado de secreção no lúmen uterino, conduzindo ao quadro clínico geralmente mais grave, com depressão e toxemia. Outra evolução importante, que também contribui para a alta mortalidade, é a sepse, possibilidade sempre presente, especialmente em piometra fechada. Além disso, pode haver a taquicardia, preenchimento capilar prolongado e pulso femoral fraco. Outras sintomatologias são: descarga vaginal (80%), apatia (79%), anorexia (79%), polidipsia (63%), febre (43%), útero palpável (40%), poliúria (38%), vômitos (33%), diarreia (26%) e desidratação (15%), achados estes mais frequentemente relatados em uma pesquisa de Wheaton et al. (1989). Já os sinais menos frequentes observados incluem distensão abdominal, edema e aumento da vulva. O volume da secreção vaginal é variável e dependente do grau de abertura da cérvix, podendo ser intensa, moderada ou ausente (Figura

1), a coloração também é distinta, variando desde amarelo-acinzentada até amarronzada, com odor fétido. A duração dos sinais clínicos também não obedece a um padrão.

Achados complementares laboratoriais

e

Podem-se destacar como exames complementares e laboratoriais: hemograma, bioquímico (principalmente das enzimas hepáticas e urinárias), urinálise, radiográfico e ultrassonográfico. O hemograma pode estar normal em animais com HEC/PIO, caso estes pacientes não apresentam sepse, mas a leucometria de cadelas com piometra é quase sempre característica de inflamação supurativa ou purulenta, isto é, presença de leucocitose, neutrofilia com desvio à esquerda com formas imaturas e monocitose substancial. Além disso, o aumento da contagem de leucócitos e a diminuição da contagem de linfócitos são diretamente proporcionais à gravidade da doença. Porém, quanto à peritonite, observada em aproximadamente 10% dos casos, um estudo recente encontrou relação entre a leucopenia e a temperatura retal anormal (aumentada ou diminuída) com o estado de depressão moderada a grave da condição geral do animal, com maior risco de hospitalização pósoperatória. Sobre a piometra crônica, não é difícil encontrar uma discreta anemia normocítica normocrômica não regenerativa (VG 28 a 35%), sendo que essa anemia se dá pela perda de eritrócitos, por diapedese, para o lúmen uterino pela depressão tóxica da eritropoiese.

Na avaliação hepática, observamse níveis elevados de fosfatase alcalina (FA), geralmente, com mais frequência em animais anoréxicos ou obesos, devido à hipercolesterolemia, por sua vez, atribuída ao catabolismo e à septicemia. Podem-se detectar hiperproteinemia e hiperglobulinemia por desidratação e/ ou estimulação antigênica crônica do sistema imune. Uma piometra, principalmente quando causada por E. coli, pode evoluir para insuficiência renal, consequência da glomerulonefrite de origem imunológica, que é agravada pela azotemia pré-renal, devido à desidratação associada ao choque séptico.

Em relação à atividade das enzimas renais, se houver aumento de creatinina, é indicativo de comprometimento renal. A uréia, embora também evidencie alteração renal, pode estar aumentada em outras alterações não renais, ou seja, não é específica. Este fato remete a considerá-la como um marcador da quantidade de agentes nitrogenados, os quais podem estar aumentados por razões não renais, como na ingestão de dietas com altos índices de proteína. Sendo assim, na vigência de um caso em que o proprietário não dispõe de recursos para a realização de todos os exames, a escolha da creatinina é a atitude mais sensata para se avaliar o grau de comprometimento renal. As principais alterações observadas na urinálise, em estudos de cadelas com piometra, foram: diminuição da densidade (< 1030) e proteinúria. As frequências das principais alterações relacionadas a esta afecção estão sumarizadas na Tabela 1.

Figura 1. Cadela com corrimento hematopurulento, diagnosticada com complexo HCE/PIO. 12


REPRODUÇÃO Tabela 1. Frequência relativa (%) das principais alterações encontradas nos exames laboratoriais de cadelas com piometra em diferentes estudos.

ACHADOS E PARÂMETROS LABORATORIAIS

FREQUÊNCIA RELATIVA (%)

Leucocitose

51a

Leucocitose com desvio à esquerda

70-80b,c

Anemia normocítica normocrômica

25-25,7c,d

Hematócrito

21-48e

Hipergamaglobulinemia

27e

Hipoalbuminemia

23e

Aumento fosfatase alcalina

43f

Aumento uréia

35,3g

Aumento creatinina

11,8g

Diminuição da densidade urinária

20,4g

Referências Bibliográficas Prestes et al., 1991.b Ewald, B.H, 1961; c Wheaton et. al., 1989. d Hardy e Osborne, 1974.e Stone et al., 1988. f Sevelius et. al., 1990. g Barros et. al., 2005. a

Ainda sobre exames complementares, a ultrassonografia tem sido cada vez mais utilizada como método auxiliar de diagnóstico. Esse tipo de exame tem utilidade na determinação das dimensões do útero (aumento uterino), diversos graus de espessamento de parede ou paredes finas com ou sem cistos endometriais, presença de líquido e estruturas fetais no interior do órgão. No caso do HCE/PIO (Figura 2), observam-se o útero dilatado, presença de uma imagem ultrassonográfica de uma estrutura tubular bem definida, com o conteúdo luminal uterino menos ecogênico que a parede, e cintilações ecogênicas bem evidentes. Mais recentemente, com a utilização do Doppler, pôde-se detectar o fluxo sanguíneo uterino e, assim, auxiliar

na diferenciação da piometra versus hiperplasia cística endometrial versus útero normal. A velocidade do fluxo da artéria uterina em cadelas que apresentam a piometra é superior àquelas que apresentam somente a hiperplasia cística endometrial. Adicionalmente, estes animais que apresentam a hiperplasia acompanhada ou não por conteúdo, obtiveram a velocidade de fluxo superior ao útero normal. Isto é, animais com piometra apresentam maiores fluxos sanguíneos da artéria uterina em relação ao útero apenas com hiperplasia, e esse fluxo é superior quando comparado ao útero normal. Estes padrões hemodinâmicos são úteis marcadores para diferenciar as duas condições patológicas (piometra versus hiperplasia). Adicionalmente, a citologia vaginal (Figura 3) descamativa constitui um adjuvante útil para o histórico e o exame clínico na determinação do estágio do ciclo estral em cadelas. Como a piometra ocorre predominantemente no diestro, o uso da citologia vaginal é ideal para a identificação sobre qual fase do ciclo a cadela está no momento. Também, pode-se almejar a identificação do microrganismo com a cultura vaginal e posterior isolamento e antibiograma. Sobre as atualidades para diagnóstico da HCE/PIO, novas tecnologias “ômicas” e métodos de sequenciamento rápido foram desenvolvidos, o que levou a possibilidades de novos estudos. Um estudo de ativação de genes identificou 29 genes que são “suprarregulados” (upregulated) durante a doença. É importante salientar que os produtos dos genes “upregulated” seriam indicadores de diagnósticos possíveis para utilização na prática clínica se, para isso, fossem desenvolvidos testes de diagnóstico rápidos e econômicos. Novos testes de diagnóstico podem ser valiosos, especialmente em casos desafiadores, nos quais os sinais clínicos são obscuros e a aparência uterina é de difícil interpretação. Deve-se salientar que a expressão destes genes, acima citados, variam, dependendo se o colo

do útero está fechado ou aberto e de casos em que houve administração de progesterona exógena. Desta maneira, ainda não se sabe se essas diferenças podem influenciar ou não na resposta aos resultados das análises, porém, é altamente valioso desenvolver testes de diagnóstico de caráter molecular, se os mesmos forem de alto custo-benefício, pois, seriam clinicamente úteis para diagnósticos precoces de piometra.

Figura 2. Ultrassom abdominal de cadela com piometra.

Figura 3. Citologia vaginal em cadela com suspeita de piometra. Presença das células parabasais e intermediárias, e citoplasma com vacúolos. Note a presença de neutrófilos acima de 30% por campo.

Tratamentos

A escolha do melhor tratamento (clínico ou cirúrgico) deverá ser conduzida de acordo com as condições de saúde do animal e sua utilidade (serviço). Sendo que algumas condições são consideradas obrigatórias para a instituição do tratamento conservativo, como: animais em idade reprodutiva e utilizados para tal fim, sinais clínicos e laboratoriais brandos, evidência de endotoxemia e a condição de cérvix

13


REPRODUÇÃO aberta (com presença de secreção vaginal). Caso estes critérios não sejam observados, deve-se optar pelo tratamento cirúrgico. Em resumo, a piometra pode ser tratada por terapia cirúrgica ou por terapia médica, mas a escolha do tratamento (Quadro 1) depende da gravidade do quadro clínico do animal e de outros fatores descritos abaixo. TERAPIA CIRÚRGICA

TERAPIA MÉDICA

Idade

Idosas

Jovens

Destino

Não vai para a Vai para a reprodução reprodução

Presença Estado clínico de doença sistêmica

Animal em bom estado geral

Cérvix

Aberta

Fechada

Predisposição a efeitos Não tem colaterais predisposição após a OSH

Idosas

Cistos glandulares do endométrio

Ausência de cistos no US

Presença de cistos no US

Independentemente da escolha do tratamento, em todas as ocorrências, deve-se realizar a antibioticoterapia, com o uso de um antibiótico bactericida de amplo espectro e eficaz, principalmente para E. coli. As cefalosporinas (cefazolina), as penicilinas (ampicilina, amoxicilina com ácido clavulânico) e quinolonas (enrofloxacina) são os antibióticos utilizados com maior frequência. Outros autores trabalharam com metronidazol e ceftriaxona conjuntamente, e obtiveram sucesso. Além disso, a fluidoterapia intravenosa deve ser administrada para correção dos déficits hidroeletrolíticos existentes, além de manter a perfusão tecidual adequada e para melhorar a função renal. Sobre o tratamento conservativo, este deve atender aos seguintes objetivos: recuperar a capacidade reprodutiva 14

de animais com alto valor genético, drenagem e limpeza uterina, eliminação da infecção bacteriana secundária do útero e eliminar a fonte produtora de progesterona que desencadeia toda a síndrome. Vários protocolos têm sido testados para o tratamento clínico do complexo HCE/PIO, incluindo a administração de estrógenos, testosterona, ocitocina e alcaloides derivados do ergot. A utilização isolada de antibióticos sistêmicos não leva à cura e pode resultar no prolongamento da doença. O estrógeno e a testosterona não são ultimamente utilizados, por provocarem efeitos adversos e, em algumas situações, pela possibilidade de, inclusive, piorarem o quadro. Já os derivados de ergot foram muito usados nas terapêuticas para o HCE/PIO e as drogas antiprolactinicas também foram empregadas, pois, induzem a luteólise durante a segunda metade do diestro. Porém, com o advento da prostaglandina F2 alpha (PGF2α), os ergots e os antiprolactínicos não constituem mais a primeira opção de terapia. Assim, por volta do ano de 2001, a PGF2α foi considerada como um tratamento de preferência, pois, promove lise do corpo lúteo, aumenta a contratilidade do miométrio, contribui para a liberação do conteúdo séptico uterino e, ainda, pode aumentar o relaxamento cervical. Deve-se lembrar que, para atribuir um tratamento à base de PGF2α, a cérvix precisa estar aberta, com saída de conteúdo, para que não aconteça um possível rompimento uterino. Salienta-se, ainda, que este tratamento necessita de terapias de suporte à base de antibióticos, para que auxiliem na limpeza do conteúdo uterino com a eliminação dos agentes causadores de infecção. Algumas orientações devem ser conhecidas antes de escolher o tratamento com PGF2α: • •

Não é aprovada para uso em cães e gatos; Não deverá ser utilizada em

• •

animais com mais de oito anos de idade; Não deverá ser utilizada em animais que estejam criticamente enfermos; Não deverá ser utilizada em pacientes com doenças concorrentes ou patologias uterinas pré-existentes; O paciente deverá ser hospitalizado durante o tratamento, pois, poderão ocorrer ruptura uterina ou explosão retrógrada do conteúdo uterino na cavidade abdominal; O único produto recomendado é Lutalyse (dinoprost trometamina), na dose de 0,1 a 0,25 mg/kg, subcutâneo, SID, durante 5 a 7 dias; Devem-se administrar, simultaneamente, antibióticos bactericidas de largo espectro, lembrando que a piometra poderá recidivar depois do tratamento.

Atualmente, o antiprogestágeno aglepristone tem sido considerado a grande inovação no tratamento de diversas condições na teriogenologia de pequenos animais. Esta classe de medicamento compete pelos receptores da progesterona ligando-se a eles, tendo como consequência a diminuição das concentrações deste hormônio, a promoção da contratilidade miometrial e o relaxamento cervical. Além dessas características, não há relatos de efeitos adversos associados a sua administração, e o estro subsequente ao tratamento pode ser fértil. O protocolo clássico do uso deste agente consiste na aplicação do aglepristone (10mg/kg) em três administrações: nos dias 1 (dia do diagnóstico), 2 e 7 ou 2 e 8, com eficácia variável (92,3 e 60%, respectivamente). Em comparação com o aglepristone aplicado isoladamente, a associação do aglepristone-cloprostenol aumentou a taxa de recuperação no dia 90 pós-tratamento, de 60 para 84%. Lembrando que sempre se deve administrar antibiótico juntamente ao antiprogestágeno.


REPRODUÇÃO O uso do aglepristone já foi descrito, associado ao dinoprost trometamina. Neste protocolo, preconiza-se a administração de aglepristone 10mg/ kg, SC, nos dias 1, 2, 8, 15 e 30 (se necessitar); e PGF2α 1mg/kg, SC, nos dias 3 a 7. Deve-se realizar a avaliação ultrassonográfica a partir do dia 8 e, se assim o clínico responsável decidir, pode-se suprimir a administração do aglepristone no dia 30. Como principais causas de falha de tratamento médico das piometras podem-se citar: cisto e tumores ovarianos, pólipos e tumores na luz uterina. Em um dos últimos trabalhos citados na literatura, para o tratamento da piometra, as cadelas foram distribuídas aleatoriamente em dois protocolos de tratamento: um grupo de tratamento clássico (CTG; 26 cadelas), no qual foi realizada uma injecção subcutânea de 10 mg/kg de aglepristone nos dias 0, 1 e 6, e um outro grupo de tratamento modificado (MTG; 47 cadelas), no qual a mesma dosagem foi administrada nos dias 0, 2, 5 e 8 após o diagnóstico. Em ambos os grupos, a terapêutica de suporte foi realizada por administração de 20 mg/kg/dia de amoxicilina-ácido clavulânico, entre os dias 0 a 5, e foi fornecido suporte de perfusão por solução intravenosa de Ringer lactato (4 -10 ml/kg/h), nos dias 0 a 2-3. Os resultados encontrados neste estudo foram: o protocolo de tratamento com o antiprogestágeno permitiu a recuperação da doença em 88,5% (23/26) das cadelas

do grupo CTG e em 100% (47/47) das cadelas do grupo MTG, com diferença significativa entre os grupos (p ≤ 0,05). Das 26 cadelas do tratamento CTG, três delas não se recuperaram após a administração dos medicamentos. Esses animais receberam uma dose de aglepristone no dia 14, sendo que houve sucesso em apenas uma cadela, e as outras duas foram submetidas a ovariohisterectomia. No caso da escolha do tratamento cirúrgico, a ovariosalpingohisterectomia (OSH; Figura 4) é o mais preconizado. A OSH corresponde a um método definitivo e satisfatório e é o tratamento mais frequente. Durante o procedimento, o útero sempre deve ser manuseado com cuidado, pois, dependendo do grau de distensão uterina, esse órgão pode estar friável e se romper com grande facilidade. A remoção cirúrgica do útero infectado deve ser feita dentro de 6 a 12 horas ou até mais cedo, caso o útero esteja sob risco de ruptura. A terapia de suporte deve ser iniciada imediatamente, quando for diagnosticada a piometra e deve ser mantida após a cirurgia, por até 7 a 10 dias. Em relação ao prognóstico desta afecção, dependerá do comprometimento do estado geral do animal, principalmente da função renal. Em cadelas sem evidência de insuficiência renal e/ou endotoxemia, o prognóstico pode ser de reservado a bom. Diferentemente, o prognóstico é considerado desfavorável naquelas com

acentuada disfunção renal, peritonites, presença de leucócitos degenerados e/ ou outras afecções concomitantes.

Conclusão

Pela grande incidência e casuística do complexo HCE/PIO nas clínicas veterinárias, a comunidade científica vem a procura de estudos mais completos sobre esta enfermidade, na tentativa de conseguir elucidar algumas incógnitas, principalmente sobre a etiopatogenia, a fim de predizer melhores condutas em relação aos tratamentos. Portanto, esta revisão trouxe os conhecimentos mais atuais, tão necessários e de fundamental importância para a escolha do melhor auxílio a ser instituído em cada caso acompanhado.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)

Figura 4. Ovariosalpingohisterectomia em cadela diagnosticada com piometra.

PRAZO/DIAS

15


REPRODUÇÃO

TERAPÊUTICA HORMONAL APLICADA À REPRODUÇÃO DE CADELAS Marcelo Rezende Luz

(Professor da Escola de Veterinária da UFMG. E-mail: marceloluz@ufmg.br)

Introdução

Diversos fármacos estão disponíveis para uso na terapêutica hormonal aplicada à reprodução de cadelas. Eles podem ser usados em diversas situações clínicas comuns do dia-a-dia do clínico de pequenos animais, como: contracepção; interrupção de gestação; indução de cio; inibição da lactação; tratamento clínico da piometra, dentre outras. No presente trabalho, será abordado o uso dos principais fármacos disponíveis, descrevendo suas indicações, contraindicações e possíveis efeitos colaterais. Os seguintes grupos de fármacos serão abordados: progestágenos; estrógenos; prostaglandinas; antagonistas da progesterona; inibidores da prolactina e ocitocina.

Progestágenos

Também chamados de progestinas, são hormônios sintéticos com ações similares àquelas da progesterona, hormônio fisiologicamente produzido pelos corpos lúteos. Podem ser usados em diversas situações clínicas, por exemplo, como contraceptivos e para suplementação da progesterona 16

endógena em casos de suspeita de insuficiência luteal (hipoluteoidismo). Em todas as situações, o organismo “entenderá” que há uma grande concentração circulante de progesterona e, assim, os efeitos gerais variam de antigonadotróficos, antiandrogênicos a antiestrogênicos. Dentre os progestágenos tem-se: 1) Acetato de medroxiprogesterona, um progestágeno potente, de longa ação, de uso injetável. Face aos seus efeitos colaterais severos e também pelo fato de ser injetável e de longa ação, seu uso deve ser criteriosamente decidido, e sempre na menor dose e pelo menor tempo possível; 2) Acetato de megestrol, um progestágeno de curta ação, de uso oral, mais rapidamente metabolizado e com menos efeitos colaterais; 3) proligestona, um progestágeno de 3ª geração, desenvolvido com o intuito de exercer seus efeitos apenas no eixo gonadotrófico, sem causar efeitos colaterais. Entretanto, não foi confirmado em algumas pesquisas. Embora o uso de progestágenos possa causar efeitos colaterais, pode ser uma opção quando se deseja uma contracepção pontual, sem necessidade

de tratamentos longos. Não são indicados para cadelas reprodutoras. Dentre os possíveis efeitos colaterais dos progestágenos citam-se piometra; tumores mamários; aumento de GH; masculinização de fetos fêmeas; supressão adrenocortical; diabetes; alterações dermatológicas no local da aplicação; aumento do apetite; ganho de peso; letargia. Assim, os progestágenos são contraindicados em cadelas prépúberes, com secreção vaginal, com histórico de doenças uterinas, mamárias, hepáticas ou diabetes. As principais indicações para uso de progestágenos são: Contracepção: quando administrado em cadelas no anestro, previne o retorno da atividade cíclica ovariana, mesmo em doses baixas, mas por várias semanas. Se fornecido quando a cadela já está no proestro ou estro, pode suprimir as ovulações quando usado em doses moderadas a altas. Pode ser usado o acetato de megestrol (Preve-Gest®), quando no anestro, na dose de 0,55 mg/kg/dia/oral/32 dias ou 2,2 mg/kg/ dia/8 dias, quando no proestro ou estro. Já o acetato de medroxiprogesterona (Promone-E®) na dose de 2 mg/kg/


REPRODUÇÃO IM, a cada 3 e 4 meses. O proligestone (Covinan®) é usado na dose de 10-30 mg/kg/SC, a cada 3, 4 e 5 meses. Insuficiência luteal: É quando há diminuição da progesterona para menos que 5 ng/mL, sem que a cadela esteja no pré-parto, com iminência de abortamento. A suplementação não deve ser realizada em gestações em que as concentrações de progesterona são normais, uma vez que pode causar masculinização de fetos fêmeas. Pode ser usada progesterona micronizada (natural) (Utrogestran®) na dose de 10 mg/kg/2-4 vezes dia/via oral; Progesterona oleosa na dose de 2 mg/kg/2-2 dias/SC; ou acetato de megestrol (Preve-Gest®) na dose 0,1 mg/kg/uma vez ao dia/via oral. Em todos os casos deve-se suspender o tratamento no dia 60 da gestação para que o desencadeamento do parto ocorra naturalmente. Deve-se monitorar a gestação com dosagens periódicas de progesterona e exames ultrassonográficos.

Estrógenos

São hormônios sintéticos com potente ação estrogênica. Fisiologicamente, os estrógenos (Ex.: 17-β-estradiol, estriol, estrona) são produzidos pelos folículos ovarianos e estão envolvidos com as características sexuais da fêmea, indução do pico de LH (responsável pela ovulação) e desencadeamento do parto. Quando administrados por via exógena, em altas doses, podem causar um feedback negativo no eixo gonadotrófico, inibindo a secreção das gonadotrofinas (FSH e LH). Todavia, também apresentam efeitos colaterais, que devem sempre ser considerados antes de seu uso. Estes efeitos colaterais variam conforme o tipo de estrógeno usado, dose e duração do tratamento. São eles a aplasia de medula óssea, causando anemia, leucopenia e trombocitopenia; alopecia e hiperpigmentação de pele; alterações comportamentais, como sinais de cio prolongado e ninfomania, abortamentos, além de poderem causar

distúrbios de fertilidade. Por esta razão, são contraindicados em cadelas reprodutoras e, também, em fêmeas com distúrbios uterinos e mamários. As principais indicações para uso de estrógenos são: Acasalamentos indesejáveis: os estrógenos interferem negativamente no transporte embrionário, causam edema na junção úterotubárica, modificam a bioquímica uterina e possuem efeitos tóxicos sobre os embriões. Por estas várias razões, podem ser usados como contraceptivos, prevenindo a fertilização ou implantação embrionária. Pode ser usado o cipionato de estradiol (ECP®) na dose de 0,02 mg/kg/IM, sem exceder 2 mg no total, ou o benzoato de estradiol (Ric-BE®) na dose de 0,2 mg/kg/IM. Ambos devem ser usados nos dias 3, 5 e 7, após o acasalamento. Há relatos de indução de abortamento quando são usados em cadelas com gestação avançada. Considerando-se que há fármacos com menos efeitos colaterais, como o aglepristone (ver adiante), os estrógenos não são mais a primeira escolha para esta finalidade. Incontinência urinária: em baixas doses, os estrógenos agem no esfíncter uretral e são capazes de controlar a incontinência urinária, que ocorre em até 20% das fêmeas, pós-castração. É indicado o estriol (Ovestrion®), um estrógeno de curta ação e sem efeitos no útero, na dose de 0,5-2,0 mg/ animal/via oral/uma vez ao dia. O tratamento deve ser diário, por semanas a meses, até que cessem os sintomas da incontinência. Ao cessar dos sintomas a medicação deve ser suspensa, mas retomada caso os sintomas voltem. Se utilizado concomitantemente à efedrina (Efedrin®) (1,0-4,0 mg/kg/duas vezes ao dia), fármaco α-adrenérgico também usado para esta finalidade terapêutica, pode ser eficaz em dosagens baixas. É recomendada a realização de hemogramas periódicos para monitorar as células sanguíneas. Vaginite pré-púbere: normalmente os sintomas da vaginite pré-púbere são discretos e desaparecem após o primeiro

cio, sem necessidade de tratamento. Entretanto, nos casos de sintomas severos, baixas doses de estrógenos podem ajudar no controle. Pode ser usado o estriol (Ovestrion®), na dose de 0,5-2 mg/animal/via oral/uma vez ao dia/ 5 dias.

Prostaglandinas

Há alguns tipos de prostaglandinas disponíveis para uso em cadelas. Dentre as quais se têm os análogos da PGF2α, como o cloprostenol (sintético) e o dinoprost (natural). Estes compostos possuem ação luteolítica, ou seja, são capazes de lisar o corpo lúteo presente nos ovários e, assim, cessar a produção de progesterona, bem como, possuem ação uterotônica, da qual resulta a contração da musculatura uterina. Independente da prostaglandina a ser usada, as cadelas tratadas devem passar por um exame físico completo e não devem possuir alterações cardiopulmonares, já que as prostaglandinas geralmente causam alguns efeitos colaterais, como taquicardia, taquipneia, sialorreia, vômitos, diarreia. Estes efeitos são minimizados quando usadas doses baixas, por serem dose-dependentes. Além disso, os efeitos colaterais diminuem à medida que o animal recebe as aplicações. As principais indicações para uso de prostaglandinas são: Interrupção terapêutica de gestação indesejada: Devido à ação luteolítica, que causa diminuição das concentrações plasmáticas de progesterona, o uso adequado dos análogos de prostaglandinas é capaz de interromper a gestação quando esta indicação existe. Parecem ser mais eficazes quando usados a partir de 25 a 30 dias de gestação. Pode ser usado o cloprostenol (Ciosin®; Sincrosin®; Sincroforte®) na dose de 1-2,5 µg/kg/ cada 1-2 dias/IM, ou dinoprost, nas seguintes doses: 50 µg/kg/duas vezes ao dia, no primeiro dia; 65 µg/kg/duas vezes ao dia, no segundo dia; 80 µg/kg/

17


REPRODUÇÃO duas vezes ao dia, no terceiro dia e 100 µg/kg/duas vezes ao dia, do quarto ao sexto dia. É fundamental acompanhar o tratamento com exames ultrassonográficos para avaliar a sua eficácia. O tratamento deve ser mantido até que não haja embriões/fetos viáveis no interior do útero. Preferencialmente, deve-se aplicar a prostaglandina antes das refeições para minimizar os vômitos. Todos os efeitos colaterais aparecem minutos após a aplicação e, normalmente, desaparecem em até 60 minutos. O animal deve permanecer sob supervisão veterinária até cessarem os efeitos colaterais. Uma das vantagens das prostaglandinas é o baixo custo. Entretanto, há medicamentos praticamente isentos de efeitos colaterais, com a mesma finalidade terapêutica (ver antiprogestágenos abaixo), embora, com a desvantagem do maior custo. Encurtamento do diestro: o uso dos análogos de prostaglandinas nas doses acima descritas é capaz de encurtar a fase do diestro, antecipando, assim, o início do próximo ciclo reprodutivo. A medicação deve ser iniciada 10 dias após o 1º dia do diestro (detectado pela citologia vaginal), por um período de 6 a 10 dias. Se, após o tratamento com prostaglandina, quando a cadela estiver em anestro, com a progesterona plasmática inferior a 1,0 ng/mL, também for usada cabergolina (inibidor de prolactina), o intervalo interestro é substancialmente diminuído. Esvaziamento de conteúdo purulento uterino: nos casos de piometra aberta ou metrites pósparto, em que há acúmulo de secreção purulenta no interior do útero, o uso de prostaglandina é eficaz em causar contração e promover a expulsão/ esvaziamento do conteúdo uterino. Cloprostenol e dinoprost podem ser usados nas doses descritas acima. É importante lembrar que as prostaglandinas NÃO podem ser usadas em cadelas com piometra fechada, pois são capazes de causar ruptura uterina. 18

Antagonistas da progesterona (Antiprogestágenos)

São substâncias capazes de se ligarem aos receptores da progesterona e, assim, inibir os efeitos deste hormônio. Desta forma, podem ser utilizados em todas as situações em que se deseja bloquear a ação da progesterona. Além disso, pesquisas recentes demonstraram o efeito luteolítico destes fármacos em cadelas. São esteroides sintéticos mais potentes que a própria progesterona, com intensidade de ligação aos receptores três vezes superior à da progesterona, além de serem, também, antagonistas dos glicocorticoides. Assim, quando usado em cadelas, as concentrações plasmáticas de progesterona permanecem altas, mas sem haver ação hormonal, já que os receptores estão bloqueados. Exemplos de antagonistas da progesterona são o mifepristone e o aglepristone. O aglepristone está disponível no mercado veterinário mundial. É um fármaco bastante seguro e eficaz, geralmente desprovido de efeitos colaterais, exceto alterações dermatológicas que podem ocorrer no local da aplicação. Por este motivo, é indicado que seja aplicado na face interna do membro posterior e, em cães de raças de grande porte, devem ser feitas aplicações em mais de um local, para reduzir o risco de alterações locais. As principais indicações para uso de antagonistas da progesterona são: Interrupção terapêutica de gestação indesejada: em função da capacidade de bloquear a ação da progesterona (hormônio responsável pela manutenção da gestação) estes fármacos interrompem a gestação por prevenir a implantação embrionária ou por induzir reabsorção embrionária ou abortamento, em qualquer fase da gestação. Todavia, quando utilizado em gestações avançadas, pode ocorrer morte fetal, mas sem expulsão. Nestes casos, há necessidade do uso associado a análogos de PGF2α. No Brasil está disponível o aglepristone (Alizin®), que deve ser usado na dose de 10 mg/kg/SC por 2 dias consecutivos, aplicado na face

interna de um dos membros posteriores, em gestações de até 45 dias, com eficácia de 95-99%. Como sua concentração permanecerá alta por vários dias, seu efeito é duradouro com duas aplicações. O tratamento deve ser monitorado por meio de exames ultrassonográficos e o término da gestação ocorre entre 5 a 10 dias. Normalmente não há necessidade de antibioticoterapia concomitante. Tratamento de piometra aberta ou fechada: o aglepristone pode ser usado com segurança para o tratamento de piometra aberta ou mesmo fechada. O sucesso terapêutico ocorre em aproximadamente 75% das cadelas tratadas. Este tratamento está indicado para cadelas reprodutoras, jovens (até 5-6 anos), quando se deseja evitar os riscos cirúrgicos ou anestésicos. Entretanto, deve-se ressaltar que pode haver recidiva em aproximadamente 48% dos animais, nos ciclos reprodutivos subsequentes, principalmente em cadelas com mais de 5 anos de idade. Além disso, pesquisas recentes feitas na Europa vêm demonstrando que há predisposição de algumas raças a piometra, o que deve ser explicado ao proprietário, já que filhas de cadelas tratadas poderiam ser predispostas a piometra quando na idade adulta. A eficácia do tratamento pode ser reduzida caso haja presença de cistos ovarianos. Os protocolos básicos de tratamento incluem o uso de aglepristone na dose de 10 mg/kg/SC, nos dias 1, 2, 5 e 8; ou nos dias 1, 2, 7 ou 8, 14 ou 15 e, posteriormente, a cada 7 ou 8 dias até o término do tratamento. As cadelas devem, também, receber antibioticoterapia com enrofloxacina, amoxicilina/ácido clavulânico, ampicilina, sulfadiazina/trimetoprim ou metronidazol, de acordo com o resultado do cultivo e antibiograma. O tratamento deve ser monitorado com exames ultrassonográficos periódicos e a cadela deve ser acasalada no próximo cio, bem como, nos cios subsequentes. Assim que não se desejar que ela acasale mais, deve ser submetida a ovariohisterectomia.


REPRODUÇÃO Inibidores de (Antiprolactínicos)

prolactina

São substâncias capazes de inibir a secreção de prolactina pela hipófise anterior. A prolactina é um hormônio proteico, produzido pelas células lactotróficas da adenohipófise, cuja regulação se dá por múltiplos transmissores e hormônios, sendo o mecanismo principal a ativação de neurônios dopaminérgicos hipotalâmicos inibidores da prolactina. Este hormônio é secretado em grandes quantidades durante a segunda metade do diestro ou gestação, para manter a produção de progesterona pelos corpos lúteos (efeito luteotrófico), e próximo ao parto, para preparar a glândula mamária, estimulando a secreção láctea. Os inibidores de prolactina estão indicados em todas as situações em que se deseja diminuir a ação da prolactina e seus efeitos no organismo, como: pseudociese, mastite, lactação persistente, galactoestase, interrupção da gestação, tratamento da piometra e indução de cio. Há três substâncias desta categoria que podem ser usadas em cadelas, sendo variável a potência de cada uma (Quadro 1). Uma delas é a bromocriptina, um alcaloide de ergot, fármaco agonista dopaminérgico nãoseletivo, ou seja, estimula a dopamina e, em contrapartida, inibe a liberação de prolactina. Possui meia-vida de 4-6 horas.

A bromocriptina está disponível no mercado humano (Parlodel®, Bromocriptina Neovita®, Bagren®), mas, por não ser bem tolerada e ainda causar muitos efeitos colaterais, como hipotensão por vasodilatação, vômito, inapetência e anorexia, é pouco usada. Pode ser usada na dose de 10-20 µg/ kg, por via oral, duas a três vezes ao dia, administrada com o alimento. Para o tratamento da piometra pode ser utilizada juntamente com aglepristone e PGF2α. Outro inibidor da prolactina é a metergolina, um fármaco antagonista serotoninérgico, com ação dopaminérgica indireta, disponível no mercado veterinário nacional (Contralac®). Pode ser usado na dose de 0,1 mg/kg, duas vezes ao dia, por via oral. Seus efeitos colaterais, como agressividade, depressão, agitação, mudanças no apetite (aumento ou diminuição), devem-se a sua ação antisserotoninérgica. Por se considerar a baixa capacidade de inibição da prolactina, esta não é indicada para tratamento da piometra. O terceiro inibidor da prolactina é a cabergolina, um alcaloide de ergot agonista dopaminérgico, seletivo de receptores D2, altamente potente, de longa ação e baixos efeitos colaterais. Sua meia-vida é relativamente longa, mínimo de 48 horas, e seu “clearance” é lento. A cabergolina de uso veterinário é encontrada em países da Europa

Quadro 1. Eficácia comparativa dos antiprolactínicos usados em cadelas. BROMOCRIPTINA

METERGOLINA

CABERGOLINA

Duração do pico de atividade (horas)

4

2

6

Eficácia relativa (referência metergolina)

3,3

1

21

DE50 emese (mg/kg)

0,013

0,93

0,019

Dose média eficaz (mg/kg)

0,02

0,02

0,005

(Galastop®) e na Argentina (Relay®). No Brasil, está disponível apenas no mercado humano (Dostinex®), na forma de comprimidos. Pode ser usada na dose de 5 µg/kg, por via oral, uma vez ao dia. Há eficácia com o uso de comprimidos fracionados e encapsulados. Dos três fármacos é o único indicado para tratamento de piometra isoladamente, entretanto, a associação com aglepristone é indicada. Após o uso da cabergolina, ocorre encurtamento do intervalo interestro, com manifestação mais rápida de cio pela cadela. Para indução de cio recomenda-se o uso de bromocriptina ou cabergolina, que devem ser fornecidos nas doses acima descritas às cadelas no anestro (progesterona inferior a 1,0 ng/mL), preferencialmente do meio para o final do anestro, até que o animal apresente secreção vaginal serossanguinolenta por 2 dias consecutivos, quando a medicação é interrompida e a cadela é acasalada em seu período fértil.

Ocitocina

As substâncias que aumentam a motilidade uterina são chamadas de ecbólicas ou ocitócitos. A ocitocina é um neuropeptídeo produzido pelo hipotálamo, útero e outros órgãos. Além de provocar contrações uterinas, induz também contrações das células mioepiteliais da glândula mamária, provocando a ejeção do leite. Sua meiavida é curta, entre 5 a 12 minutos. O uso da ocitocina está indicado nas situações em que se deseja induzir ou aumentar as contrações uterinas, como nos casos de hipotonia ou atonia, normalmente até 24 horas após o parto, quando o útero sensibilizado por estrógenos apresenta receptores para ocitocina; nos casos de hemorragia uterina pós-parto, retenção de placenta, metrite pós-parto, para estimular a “descida do leite” e no tratamento da sub-involução dos sítios placentários. O pré-requisito para utilizar ocitocina para tratar a inércia uterina em cadelas, é haver dilatação do canal do parto e ausência de obstrução.

19


DERMATOLOGIA REPRODUÇÃO Importante lembrar que a ocitocina não aumenta a produção de leite. Quando usada no momento do parto, a dose correta pode ser reconhecida pelo aparecimento de leite nas mamas (ocorrência do reflexo de “descida do leite”). As doses para cadelas variam de 0,1 (raças miniaturas) a no máximo 5 UI (raças gigantes). Há referências em que alguns autores sugerem dose de até 20 UI, mas isso já não é mais recomendado com os conhecimentos atuais, inclusive é contraindicado. O uso de ocitocina em altas doses ou em muitas aplicações repetidas pode causar contrações tetânicas, não eficazes, que podem provocar descolamento precoce da placenta e comprometer o suprimento de oxigênio fetal, com morte fetal. A via de aplicação pode ser intramuscular (IM), subcutânea (SC) e, excepcionalmente, intravenosa (IV; diluída, em doses menores e em infusão lenta), dependendo da rapidez com que se precisa que ela atue. Quando há indicação da via IV, recomenda-se associar outras drogas, como gluconato de cálcio 10% associado a glicose. É importante lembrar que pouco mais de 50% das cadelas tratadas com ocitocina não respondem ao tratamento (principalmente com apenas uma

20

aplicação) e acabam necessitando de cesariana. Se ocorrer o nascimento de um filhote após o uso de ocitocina, é possível realizar aplicações repetidas, mas não deve ser feita antes de 15-30 minutos da aplicação anterior. A associação de gluconato de cálcio 10% (1 mL/5 kg/SC ou IV/lento) com glicose (0,25 mL de dextrose 50% diluída em 2 mL de NaCl 0,9%) e ocitocina é indicada durante o parto, já que uma resposta pobre ao uso da ocitocina pode ser causada por uma baixa concentração extracelular de cálcio. A administração de cálcio aumenta a força das contrações uterinas. Além disso, geralmente, o cálcio é utilizado antes da ocitocina, melhorando as forças de contrações antes de aumentar a frequência. As aplicações repetidas de cálcio podem ser realizadas com uma frequência não maior que a cada quatro horas e devese monitorar o sistema cardiovascular quanto a presença de arritimias em intervalos curtos após a administração de cálcio.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)


REPRODUÇÃO

USO INDEVIDO DE PROGESTÁGENOS (ACETATO DE MEDROXIPROGESTERNA) EM UMA CADELA (CANIS LUPUS FAMILIRIS) Marco Antonio Machado (Professor Associado-AC B. Departamento de Clinicas Veterinárias – Centro de Ciências Agrarias – Universidade Estadual de Londrina, PR. E-mail: mmachado@uel.br)

Resumo

O controle reprodutivo na espécie canina é uma preocupação dos tutores e pesquisadores, especialmente em tempos de superpopulação. Métodos medicamentosos para a contracepção apresentam efeitos colaterais, sendo os cirúrgicos os mais confiáveis e utilizados no mundo. O presente artigo tem por objetivo relatar um caso de piometra após a utilização continuada e sem critério de um contraceptivo injetável, o acetato de medroxiprogesterona, em uma cadela. As características endocrinológicas e fisiológicas das cadelas que, em parte, explicam a sensibilidade maior aos efeitos colaterais dos contraceptivos hormonais tornam-se um desafio maior na pesquisa para a obtenção de fármacos mais eficientes para o controle populacional.

Introdução

Ao longo da história, os cães e gatos passaram a fazer parte da rotina de muitas famílias, sendo incontestável sua importância nas sociedades humanas,

seja como companhia, guarda ou outras formas de convivência. Devido a hábitos inadequados de manutenção, a deterioração da qualidade de vida e a reprodução descontrolada ocorrida em certas comunidades humanas, o excessivo número de animais domésticos passou a constituir um grave problema, tornando-os indesejáveis por diversos motivos. Uma das principais preocupações apresentadas pelos tutores se refere ao controle reprodutivo de suas cadelas, bem como a exteriorização de comportamentos sexuais, que são situações muitas vezes desagradáveis. Sinais como secreções vaginais, manchas pelo chão, fortes odores, latidos e atração de machos, dentre outros, fazem com que busquem soluções para estes incômodos. Médicos veterinários frequentemente são consultados para interromperem gestações em cadelas cobertas indevidamente. Estima-se que, somente no Reino Unido e França, sejam realizados cerca de 100.000 abortamentos motivados por coberturas

indesejadas. Métodos para o controle populacional podem ser cirúrgicos e medicamentosos, sendo a esterilização cirúrgica o método mais praticado em todo o mundo. Os métodos de contracepção não cirúrgicos em fêmeas incluem a prevenção ou supressão do estro e a interrupção da gestação ou abortamento terapêutico. O controle hormonal do ciclo reprodutivo é um método para a supressão temporária da fertilidade em cadelas. A disseminação do uso de contraceptivos pelas mulheres, com alto grau de eficácia, estimulou a pesquisa aplicada para o controle reprodutivo de animais de estimação e logo apresentou problemas, pois, os cães (Canis lupus familiaris) possuem características endocrinológicas diferentes de humanos (Homo sapiens), apresentando uma sensibilidade maior aos efeitos colaterais dos contraceptivos hormonais. Portanto, a espécie canina requer melhorias para a obtenção de fármacos mais eficientes para o controle populacional. 21


DERMATOLOGIA REPRODUÇÃO O mecanismo de ação dos progestágenos envolve alguns processos, como a inibição dos hormônios gonadotróficos, inclusive os hormônios folículo estimulante (FSH), luteinizante (LH) e prolactina (PRL); a prevenção local do crescimento folicular ovariano; a secreção de estrógeno; ovulação; e a inibição do comportamento sexual. A utilização dos progestágenos é contraindicada em fêmeas pré-púberes, obesas, diabéticas ou com patologias do trato reprodutivo ou das glândulas mamárias. Alguns hormônios esteroides têm a capacidade de suprimir a atividade ovariana cíclica em cadelas. Esteroides naturais como progesterona e testosterona, além de uma variedade de esteroides sintéticos como medroxiprogesterona, acetato de melengestrol, proligestona e mibolerona são utilizados. Para a redução da atividade gonadal, necessita-se da supressão da secreção hormonal gonadotrófica. Terapia hormonal é um método reversível, contudo, a administração prolongada de progestágenos pode acarretar em formação de hiperplasia endometrial cística e subsequente infecção uterina (piometra), além de potencialmente participar na oncogênese de tumores mamários. A espécie canina responde à progesterona endógena ou exógena promovendo a superprodução do hormônio do crescimento, o que acarreta aumento na concentração do fator de crescimento insulínico l (IGF-I). Isto explicaria a proliferação excessiva no endométrio relacionada a eventos mitóticos e de diferenciação celular. Progestágenos são compostos sintéticos com propriedades semelhantes à progesterona. Antagonizam os efeitos induzidos pelos estrógenos via redução das mitoses celulares, pela regressão do índice mitótico e diminuição na síntese de DNA e, também, pela diminuição no número de receptores extrínsecos e estimulação da diferenciação secretora 22

endometrial, promovendo a ação das enzimas estradiol desidrogenase, isocitrato desidrogenase e fosfatases, ácida e alcalina. O uso de acetato de medroxiprogesterona (MAP), dentre outros hormônios, pode resultar em diversos efeitos como: letargia, mudança na coloração do pelo no local de aplicação, variação da temperatura corpórea, hiperplasia das glândulas mamárias e do endométrio, e subsequente piometra. A administração contínua do MAP em doses elevadas e frequentes resulta em maior incidência de tumores mamários, podendo ainda causar acromegalia e diabetes mellitus, presumivelmente como resultado da elevação da produção do hormônio do crescimento inibindo a insulina periférica. Hiperplasia endometrial é uma alteração observada no útero de cadelas, uma modificação fisiológica nas fêmeas desta espécie, em virtude de características próprias do ciclo estral. O endométrio fica exposto à ação da progesterona por longos períodos em cada ciclo, mesmo não estando gestante (diestro). Na patogênese da hiperplasia endometrial cística participa também o estradiol. Este apresenta diversas ações sobre o útero, antagonizando, em alguns casos, a progesterona. Participa do aumento da vascularização, do edema e do crescimento do endométrio e da cérvix. O estradiol promove relaxamento e dilatação cervical, e aumento da intensidade das contrações miometriais responsáveis pela drenagem do conteúdo intraluminal. Também possui efeito bactericida indireto ao estimular a migração de neutrófilos no endométrio, tendo participação direta na formação da hiperplasia. Favorece a formação de receptores endometriais de progesterona, responsáveis pela atividade glandular que, em caso de uma gestação, representa a nutrição histotrófica embrionária. No útero, a progesterona apresenta múltiplas funções: estimulação das glândulas endometriais, aumento da atividade secretória, inibição da atividade contrátil e oclusão da cérvix.

A ação sinérgica destes dois hormônios promove um espessamento da parede uterina e a formação da hiperplasia endometrial cística, condição básica para o estabelecimento de piometra. Para o diagnóstico definitivo de piometra, alguns exames complementares podem ser realizados: hemograma completo, bioquímica sérica com ênfase na função renal/ hepática; urinálise e de imagem, como radiográfico/ultrassonográfico. A interpretação dos resultados destes exames é fundamental para o estabelecimento de prognóstico da paciente. A esterilização cirúrgica é um método efetivo, entretanto, a técnica pode ser descartada pelo cliente por questões de bem-estar animal ou mesmo por compaixão. O presente artigo tem por objetivo relatar um caso de piometra após a utilização continuada e sem critério de um contraceptivo injetável (acetato de medroxiprogesterona) em uma cadela e alertar para possíveis efeitos colaterais deste fármaco.

Descrição do Caso

Uma cadela, SRD, 25 kg, 4 anos, atendida no Hospital Veterinário da Universidade Estadual de Londrina, apresentando acentuada distensão abdominal (Figura 1), tenesmo e dificuldade de deambulação. O cuidador referiu que aplicava regularmente injeções de um progestágeno - MAP, de 6 em 6 meses desde o primeiro cio. Por meio de paracentese, retirou-se aproximadamente 1500 mL de pus. Ao exame radiográfico evidenciouse radiopacidade difusa e densidade homogênea na cavidade abdominal. No hemograma verificou-se leucocitose moderada (18300 leucócitos/mm3). Pela laparotomia exploratória constatou-se que o útero apresentava grande distensão e espessamento de parede, sendo que o corno direito possuía diâmetro de 30 cm e o esquerdo de 10 cm, comprimindo as demais vísceras abdominais (Figura 2). O exame histopatológico


REPRODUÇÃO confirmou o diagnóstico de piometra, evidenciando um quadro degenerativo com intensa fibrose do miométrio, ooforite purulento-necrótica e fibrose intensa do estroma ovariano com formações císticas. Os achados clínicos e anatomopatológicos confirmaram que a utilização indiscriminada de progesterona sintética contribuiu para o aparecimento da síndrome hiperplasia endometrial cística – piometra.Procedida a ovariossalpingohisterectomia, a paciente apresentou pronta recuperação, recebendo alta após internação de 24 horas.

A esterilização cirúrgica é um método efetivo e definitivo, sendo mais eficaz para o controle reprodutivo.

Conclusões

A contracepção na cadela pode ser solicitada com o objetivo de impedir a reprodução por um determinado período ou definitivamente. Também pode ser uma alternativa nos programas de controle populacional. As características endocrinológicas e fisiológicas das cadelas que, em parte, explicam a sensibilidade maior aos efeitos colaterais dos contraceptivos hormonais, tornam-se um desafio maior na pesquisa para a obtenção de fármacos mais eficientes para o controle populacional.

Figura 2. Aspecto transoperatório, paciente canina, SRD, 4 anos, tratada com MAP. EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

Figura 1. Paciente canina, SRD, 4 anos, tratada com MAP, evidenciando distensão abdominal.

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)

Figura 3. Útero de paciente canina, SRD, 4 anos, tratada com MAP, evidenciando grande distensão e espessamento da víscera.

PRAZO/DIAS

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DERMATOLOGIA REPRODUÇÃO

BRUCELOSE CANINA: UMA PERIGOSA ZOONOSE NEGLIGENCIADA Luiz Guilherme Corsi Trautwein, Anne Kemmer Souza, Maria Isabel Mello Martins (Laboratório de Biotécnicas da Reprodução – REPROA. Departamento de Clínicas Veterinárias. Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR. *E-mail: imartins@uel.br)

Introdução

Não é novidade que o mercado pet está em constante crescimento em nosso país. Mesmo com a crise econômica que assolou o Brasil nos últimos anos, houve um crescimento de 7% nesse mercado, em 2016, movimentando cerca de R$19,2 bilhões. Nesse contexto, buscar medidas que promovam a profilaxia e a sanidade destes pets é fundamental, visto que sua convivência está cada vez mais relacionada com o ambiente familiar, onde muitos cães e gatos convivem em contato íntimo, dentro da casa dos tutores. Ainda assim, muitos aspectos são negligenciados, no que diz respeito à sanidade destes animais. Abortos espontâneos e o nascimento de fetos natimortos, por exemplo, são pontos importantíssimos do aspecto sanitário de cães, porém, são comumente desconsiderados, tanto pelos tutores, como pelos médicos veterinários. Dentre as principais causas de aborto 24

e nascimento de fetos natimortos em cães, as doenças infecciosas se sobressaem, como a herpesvirose, a leptospirose e a brucelose. Doenças estas que, infelizmente, ainda são subdiagnosticadas no Brasil, mas que causam importantes impactos na economia de canis e na saúde dos animais. Este texto tem como objetivo discutir a importância da brucelose canina como agente infeccioso em cães, principalmente devido ao seu potencial zoonótico, pouco evidenciado em nossa rotina clínica.

Etiologia

A Brucella canis é um cocobacilo gramnegativo pequeno, aeróbico e formadora de colônias rugosas. Enquanto outras espécies lisas de Brucella infectam uma grande variedade de hospedeiros, as infecções naturais de B. canis são mais restritas. Canídeos domésticos e selvagens sãos suscetíveis, embora, gatos, coelhos e primatas não-humanos possam ser infectados experimentalmente. Em humanos, o potencial zoonótico é

evidente, porém, a infecção é rara e está relacionada à exposição com animais previamente infectados e contato com o microrganismo em laboratórios. O cão pode também ser infectado por outras espécies de Brucella, como B. abortus, B. suis e B. melitensis, até mesmo por meio de vacinas atenuadas.

Epidemiologia

A infecção ocorre com a penetração da B. canis em mucosas, principalmente na cavidade oral, conjuntiva e vaginal. A ingestão de placentas contaminadas e fetos abortados é um grande fator de risco, embora, a transmissão seja realizada por diversas rotas, incluindo coito, contato com secreções vaginais e conteúdo de abortos, leite, placenta, fluido seminal, urina, secreções nasais e oculares, assim como fômites. A brucelose é uma doença de ocorrência mundial. No Brasil, embora existam diversos relatos na literatura com achados sorológicos variando de 0,84% a 33,91%, sua real prevalência ainda é um mistério, principalmente


REPRODUÇÃO devido à grande divergência de metodologias diagnósticas empregadas, além da alta possibilidade de infecções subclínicas não diagnosticadas.

Sinais Clínicos

Embora a B. canis cause uma infecção sistêmica generalizada, no cão adulto dificilmente causará sinais clínicos graves. Raramente haverá febre e, com exceção aos machos, a maioria das infecções são subclínicas, com poucos sinais clínicos evidentes. Alguns cães em bacteremia poderão apresentar discoespondilite, uveíte ou glomerulonefrite. Animais de trabalho poderão apresentar apatia e perda de vigor. Em fêmeas não gestantes, o único sinal encontrado poderá ser linfoadenomegalia, entretanto, esse sinal ocorre em ambos os sexos. Em cães machos, devido à predileção da bactéria pelo trato reprodutivo, poderá haver epididimite, atrofia testicular, orquite, prostatite e infertilidade. Estas lesões causadas no sistema reprodutor do macho fazem com que o prognóstico reprodutivo dos animais acometidos seja altamente desfavorável. Na fêmea gestante, os sinais clássicos são aborto no terço final de gestação, com descarga vaginal amarronzada. Aquelas cadelas que conseguem dar à luz, produzem filhotes fracos, que podem vir à óbito durante os primeiros dias de vida. Pode acontecer, ainda, reabsorção embrionária no início da gestação, o que comumente é interpretado como falha na concepção.

Diagnóstico

Devido à inespecificidade dos sinais clínicos, para o diagnóstico da brucelose é imprescindível a utilização de exames laboratoriais, baseado em duas frentes: o diagnóstico sorológico e a hemocultura. Na sorologia, a primeira classe de anticorpos presentes no soro é a IgM, caracterizando infecção recente. Porém, devido ao caráter crônico da brucelose canina, a principal classe detectada pelos testes sorológicos é a IgG. Mesmo

sendo a metodologia mais difundida, a sorologia possui diversas restrições, principalmente devido à disponibilidade de antígenos e kits para o diagnóstico. Devido ao aspecto rugoso das colônias de B. canis, antígenos de Brucella lisos, como B. abortus, não detectam anticorpos anti-B. canis, sendo necessária a utilização de antígenos com amostras rugosas como B. canis ou B. ovis para a brucelose canina. Ainda assim, antígenos da parede celular de diversas bactérias podem reagir com a B. canis, levando a resultados falso-positivos e diminuindo a especificidade, mas com altas taxas de sensibilidade, tornando-os bons métodos para triagem. Existem cinco métodos sorológicos usados para detecção de Brucella rugosas: teste de aglutinação rápida em lâmina (RSAT), teste de aglutinação em tubo (TAT), teste de imunodifusão em ágar (IDGA), ensaio enzimático imunoabsorvente (ELISA) e imunofluorescência indireta. O RSAT é o teste mais comum, devido à sua simplicidade, na qual um antígeno de B. ovis é corado com rosa bengala, podendo detectar anticorpos com até 2 semanas de pós-infecção. Possui alta sensibilidade (99%), porém, baixa especificidade (50%), por isso, deve-se atentar para falsos-positivos. Além disso, pode não detectar cepas lisas, como em cães infectados com B. suis. Foi desenvolvida uma adaptação a este teste, com a adição prévia aos soros de 2-mercaptoetanol (RSAT-2ME), aumentando a especificidade sem alterar sua sensibilidade. O TAT é o teste clássico para diagnóstico da brucelose canina e, assim como o RSAT-2ME, também é realizada a adaptação com 2-mercaptoetanol (TAT-2ME) e é utilizado como confirmação ao teste RSAT-2ME. Porém, a falta de padronização dos reagentes torna difícil a comparação entre as titulações. Ainda assim, títulos de 50 podem indicar infecções recentes ou em recuperação. Títulos entre 50 a 100 são considerados suspeitos de infecção; títulos acima de 200 são

altamente presuntivos de infecção. Por ser um teste semiquantitativo, é muito utilizado para avaliar a resposta de cães ao tratamento. Existem dois métodos de IDGA, um com a utilização de antígenos de parede celular de B. canis e B. ovis e outro com proteínas citoplasmáticas de B. canis. Embora mais específicos que o RSAT e TAT, ainda podem fornecer resultados falso-positivos, além de possuir análise subjetiva. Devido à utilização de proteínas citoplasmáticas de B. canis, é o método mais específico para esta espécie atualmente. O teste ELISA é sensível e seus resultados não apresentam reações cruzadas com antígenos de outras bactérias, a não ser com outras espécies de Brucella, podendo detectar anticorpos com até 30 dias de pós-infecção. Devido à incerteza sobre a sensibilidade da imunofluorescência indireta, alguns cães positivos podem não ser diagnosticados. Portanto, embora os testes sorológicos sejam mais fáceis de se realizar, a cultura é considerada o teste definitivo para diagnóstico da brucelose. Podem ser isolados microrganismos de diversos locais: sangue, urina e sêmen ejaculado. Em biópsias ou necropsias podem ser realizadas culturas de linfonodos, fígado, baço, medula óssea, aparelho reprodutor do macho, útero, placenta, fluídos uterinos e vaginais. Porém, é importante salientar que, em resultados negativos de hemocultura ou cultura de órgãos, não se descarta a hipótese da doença, pois, a bacteremia é intermitente, assim como a presença de bactérias no órgão realizado. Por isso, a cultura é muito utilizada em conjunto com os testes sorológicos, que deverão ser realizados, preferencialmente, antes do início da antibioticoterapia. Além disso, é importante evitar a contaminação da amostra, pois, bactérias contaminantes, como Staphylococcus sp., podem mascarar a presença de B. canis.

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DERMATOLOGIA REPRODUÇÃO

Tratamento

Para o tratamento da brucelose canina temos que levar em consideração se o paciente é reprodutor de canil ou animais de tutores particulares. Em todo caso, a terapia ainda é um desafio, visto que a Brucella possui localização intracelular, além de ser sensível a poucos antibióticos, tornando o tratamento longo e oneroso. Para canis, a prevenção é essencial para evitar a disseminação da doença entre os reprodutores. Animais novos devem ser mantidos em quarentena e possuírem dois testes sorológicos negativos consecutivos com intervalos de 30 dias. Quando houver casos de aborto, infertilidade ou epididimite, todos os cães devem ser testados sorologicamente. Ao apresentar um resultado positivo, o cão deverá ser isolado dos outros. Se confirmado, deverá ser retirado da reprodução, castrado e realizado tratamento medicamentoso, sendo que alguns autores sugerem a eutanásia. O canil deverá interromper a reprodução de todos os cães e estes deverão ser testados a cada 30 dias, até que todos tenham três resultados negativos consecutivos. O tratamento medicamentoso é realizado com base em associação de antibióticos para maximizar a eficácia. Dentre os protocolos mais utilizados estão: a) tetraciclina (30 mg/kg VO BID por 28 dias) + estreptomicina (20 mg/kg IM SID por 14 dias); b) minociclina (25 mg/kg VO SID por 15 dias) + diidro-estreptomicina (5 mg/kg IM BID por 7 dias); c) oxitetraciclina (20 mg/kg IM q7d por 4 semanas) + estreptomicina (20 mg/kg IM SID por 7 dias); d) enrofloxacina (5 mg/kg VO BID por 30 dias). 26

É importante conscientizar o tutor sobre o potencial zoonótico da doença, assim como, sobre o tratamento nem sempre ser curativo, visto que poderá haver bacteremia, até mesmo, meses após a finalização do tratamento. Testes sorológicos, como o TAT-2ME deverão ser realizados em intervalos, a cada 6 a 9 meses após o tratamento. Os títulos deverão permanecer abaixo de 100, ou o tratamento deverá ser reiniciado, assim como a correlação com o IDGA deverá ser negativa.

Considerações Finais

Quatro espécies de Brucella causam doenças em pessoas: B. abortus, B. suis, B. melitensis e B. canis. A maioria das infecções acontece por contato com secreções genitais ou em laboratório. Em humanos, embora rara, a prevalência real da doença é desconhecida, visto que, por possuir sinais clínicos mais brandos, é muitas vezes não diagnosticada ou confundida com infecções virais. Ainda assim, deve ser salientado ao tutor, em caso de infecção do seu pet, principalmente devido à possível transmissão de B. suis e B. abortus, que podem causar complicações, como conjuntivite, poliartrite, uveítes, pneumonia e sepse. É importante frisar, também, a alta prevalência de animais soropositivos em canis comerciais em nosso país. Um estudo em 12 canis comerciais de São Paulo, em 2005, observou 33,91% de animais soropositivos e 14,03% de animais com hemocultura positiva.

Em estudo semelhante, desta vez com 38 canis, em 2017, observaramse 20,9% de animais soropositivos e 20,9% de animais com hemocultura positiva para Brucella canis, onde 42,1% dos canis possuía ao menos um animal positivo em seu plantel e nenhum dos canis promovia campanhas para controle de brucelose ou outras doenças infectocontagiosas.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)


REPRODUÇÃO

PSEUDOCIESE EM CADELAS Marcelo Rezende Luz

(Professor da Escola de Veterinária da UFMG. E-mail: marceloluz@ufmg.br)

Introdução

A pseudociese é também conhecida como pseudogestação, pseudoprenhez, falsa gestação ou gravidez psicológica. É uma condição normal que ocorre após o estro (cio), em geral, entre 6 a 14 semanas (quando a cadela já se encontra no diestro), quando a cadela aparenta estar gestante, embora não esteja ou, mais especificamente, apresenta sinais de comportamento materno. Alguns proprietários podem confundir a pseudociese com uma gestação de fato e até achar que a cadela apresentou reabsorção embrionária ou abortamento, já que não se evidencia o nascimento de filhotes. A pseudociese é uma condição fisiológica que,

quando acompanhada de sintomas e alterações físicas, é denominada pseudociese clínica. Esta condição de pseudogestação foi herdada de animais selvagens, como os lobos, que viviam em alcateias, cujas fêmeas apresentavam cio juntas, periodicamente. Assim, as fêmeas que não acasalavam e, portanto, não gestavam, passavam por este quadro, o que as permitia amamentar filhotes de outras fêmeas, representando um mecanismo primitivo útil em ancestrais. Essas fêmeas que não acasalavam nem reproduziam eram as menos dominantes hierarquicamente, subordinadas às fêmeas dominantes (fêmeas alfa), que não permitiam que as primeiras acasalassem. Dessa forma, a pseudociese

seria uma adaptação evolutiva para ajudar animais na perpetuação de suas “linhas genéticas”, independentemente de terem sido acasaladas, ou não.

Fisiopatologia

Quando a cadela sai do estro e passa para o diestro, as concentrações plasmáticas de progesterona aumentam rapidamente, devido às ovulações e formação dos corpos lúteos nos ovários. A concentração de progesterona se eleva, permanece alta até por volta dos dias 1520 e começa a declinar fisiologicamente, já que a cadela apresenta luteólise lenta e gradativa (Figura 1).

Figura 1. Gráfico demonstrando o perfil fisiológico da progesterona ao longo do diestro (linha azul) e gestação (linha rosa).

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REPRODUÇÃO Simultaneamente ao declínio da progesterona, ocorre aumento das concentrações plasmáticas de prolactina. Neste momento em que há uma interseção da diminuição da progesterona com o aumento da prolactina pode desencadear a pseudociese clínica em algumas cadelas. Essas alterações hormonais são similares entre cadelas gestantes e não gestantes e, aparentemente, 50-70% das fêmeas desenvolvem sintomas de pseudociese. Assim, a pseudociese clínica é atribuída ao aumento das concentrações da prolactina ou à sensibilidade individual à prolactina. Há divergência na literatura quanto às concentrações de prolactina nas cadelas com sintomas de pseudociese serem maiores do que naquelas que não apresentam sintomas. A prolactina é um hormônio proteico produzido pelas células lactotróficas da adenohipófise, sendo estimuladas quando ocorre supressão da dopamina produzida no hipotálamo. Este hormônio é secretado em grandes quantidades em dois momentos do ciclo reprodutivo da cadela: durante a segunda metade do diestro ou gestação, para manter a produção de progesterona pelos corpos lúteos (efeito luteotrófico); e próximo ao parto, para preparar a glândula mamária, estimulando a secreção láctea. Acreditase ainda que a prolactina apresente diferentes biopotências associadas as suas diversas formas moleculares, o que poderia explicar as diferenças de intensidade de sintomas entre as fêmeas que apresentam pseudociese, ou mesmo a ausência de sintomas, já que a prolactina é o hormônio responsável pelo comportamento materno das fêmeas. Embora na maioria das vezes a pseudociese seja de ocorrência fisiológica, ela também pode ocorrer em situações específicas, como após o término de um tratamento com progestágenos; durante um tratamento com anti-progestágenos; após tratamento com prostaglandinas; três a quatro dias após a realização de ovariohisterectomia em cadelas que 28

estejam no diestro. Em todas essas situações ocorre a mesma alteração hormonal descrita acima, diminuição de progesterona e aumento de prolactina.

Lembretes • A ocorrência de pseudociese não aumenta a probabilidade de a cadela apresentar piometra; ao contrário, cadelas acometidas por pseudociese parecem ter menor incidência de piometra; incidência de • A pseudociese não é maior em cadelas com ciclos estrais irregulares; • A ocorrência de gestação e parto não é um fator preventivo da pseudociese.

Sintomas

Podem ser observados sintomas físicos, como desenvolvimento mamário, lactação, ganho de peso, e alterações comportamentais, como construção de ninhos (Figura 2), adoção de objetos, ato de cavar o chão, anorexia, hiperatividade, agressividade territorial, relutância em sair de casa para passear, além do comportamento de cadelas que mamam em suas próprias mamas. É raro, mas também pode ser observada distensão abdominal, vômitos e diarreia. Como fator complicador, cadelas que produzem muito leite podem desenvolver mastite.

Diagnóstico

O diagnóstico, normalmente, realizase com base nos sintomas que a cadela apresenta, associado ao histórico de estro recentemente. Em caso de dúvidas quanto a fêmea estar ou não gestante, deve ser realizado exame ultrassonográfico abdominal.

Figura 2. Fotos do ninho (A) e da cadela dentro do ninho (B) construído em barranco, devido à pseudociese.

Tratamento

Na maioria dos casos a pseudociese é considerada normal e fisiológica, e os sintomas costumam regredir num prazo de 10 a 30 dias, mesmo quando nenhum tratamento é realizado. Em casos mais avançados e principalmente com lactação, há necessidade de tratamento clínico, variável conforme a intensidade dos sintomas. Todavia, para o início do tratamento, é fundamental excluir a possibilidade de a cadela estar gestante. O tratamento clínico é indicado quando os sintomas incomodam o proprietário (ex: agressividade); quando há muita produção de leite; ou em cadelas que desenvolveram mastite. Além disso, embora haja controvérsias sobre a maior incidência de tumores mamários em cadelas que apresentam pseudociese, o tratamento é indicado para minimizar este possível efeito. O uso de progestágenos, andrógenos e estrógenos é contraindicado na atualidade. Em cadelas que apresentam muita secreção de leite, é indicado o uso de um inibidor da prolactina.


REPRODUÇÃO Há três substâncias desta categoria que podem ser usadas em cadelas, com potências variadas entre elas, sendo a cabergolina a mais potente. A primeira é a bromocriptina, um fármaco agonista dopaminérgico não-seletivo, ou seja, estimulante da dopamina que, em contrapartida, inibe a liberação de prolactina. A bromocriptina está disponível no mercado humano (Parlodel®, Bromocriptina Neovita®, Bagren®), mas por não ser bem tolerada e ainda causar vários efeitos colaterais, como vômito, inapetência e anorexia, é pouco usada. Pode ser usada na dose de 10-20 µg/kg, por via oral, duas a três vezes ao dia, administrada com o alimento, até cessarem os sintomas. Outro inibidor da prolactina é a metergolina (Contralac®), um fármaco antagonista serotoninérgico com ação dopaminérgica indireta, disponível no mercado veterinário nacional. Pode ser usada na dose de 0,1 mg/kg, duas vezes ao dia, por via oral, até cessarem os sintomas. Sintomas frequentemente

relatados com o uso de metergolina são a agressividade e a agitação. O terceiro inibidor da prolactina é a cabergolina, um agonista dopaminérgico seletivo de receptores D2 altamente potente, de longa ação e baixos efeitos colaterais. A cabergolina de uso veterinário é encontrada em países da Europa (Galastop®) e na Argentina (Relay®). No Brasil, está disponível apenas no mercado humano (Dostinex®), na forma de comprimidos. Pode ser usada na dose de 5 µg/kg, por via oral, uma vez ao dia, até cessarem os sintomas. Há eficácia com o uso de comprimidos fracionados e encapsulados em farmácias de manipulação. Outras formas de tratamento incluem o uso de colar elisabetano para as cadelas que mamam o leite de suas próprias mamas; não permitir a adoção de objetos; não permitir que a cadela venha a cavar ninhos; realizar restrição hídrica e calórica. A retirada de leite das mamas é contraindicada, já que estimula mais a lactação. Sedativos, como os

fenotiazínicos e butirofenonas, também são contraindicados por causarem hiperprolactinemia. Todavia, pomadas adstringentes podem ser usadas nas mamas. O diagnóstico diferencial deve ser feito com piometra, lactação pós-parto, e condições que causam hiperprolactinemia, como o hipotireroidismo, falha renal ou hepática, administração de esteroides sexuais e o uso de medicações psicoativas. As cadelas que apresentam pseudociese clínica uma vez tendem a apresentar também nos futuros ciclos reprodutivos. Portanto, a única forma de prevenir a ocorrência de recidivas de pseudociese é com a realização de ovariohisterectomia ou ovariectomia.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

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70 - ESTRADIOL

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635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

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154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

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293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

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352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

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350 - PERFIL REPRODUTIVO

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682 - PERFIL REPRODUTIVO

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76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

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REPRODUÇÃO

EFEITO DA SAZONALIDADE SOBRE A FUNÇÃO TESTICULAR DE CÃES Anne Kemmer Souza, Luiz Guilherme Corsi Trautwein, Maria Isabel Mello Martins (Laboratório de Biotécnicas da Reprodução – REPROA. Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: imartins@uel.br)

A reprodução animal constitui-se num dos fatores de maior importância para sobrevivência das espécies. Os carnívoros são conhecidos por sua fisiologia reprodutiva peculiar, a qual ainda enfrenta desafios na reprodução assistida. A reprodução animal ocorre apenas quando as demandas de manutenção celular, termorregulação, gasto de energia e ausência de afecções estão equilibradas. Com isso, a maioria dos animais de vida livre apresenta certa tendência à sazonalidade, reproduzindose em períodos específicos do ano, nos quais as variações ambientais possam favorecer a sobrevivência da espécie. Com a domesticação, a proteção dos animais contra as condições ambientais mais adversas promoveu a diminuição ou supressão de muitas das expressões fisiológicas sazonais. A sazonalidade representa um evento que costuma ocorrer sempre num 30

momento temporal específico. Por este motivo, a palavra sazonal é bastante usada para se referir a determinada estação ou época, como as quatro estações do ano, que em regiões com clima temperado costumam ser bem definidas: verão, outono, inverno e primavera. Sendo assim, uma questão importante é o conhecimento a respeito da influência da sazonalidade na reprodução de caninos domésticos. O mecanismo de controle endócrino da reprodução nos machos pode sofrer influências diretas do fotoperíodo e interferir na regulação sazonal da reprodução dos mamíferos. O efeito do fotoperíodo envolve, pelo menos, dois mecanismos independentes. Primeiro, existe uma ação direta sobre o eixo hipotalâmico-hipofisário e segundo, existe uma modificação simultânea na sensibilidade do sistema nervoso central para o mecanismo retrógrado negativo

dos esteroides. Em espécies sazonais, o fotoperíodo é o estímulo primário para a liberação de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina). A glândula pineal produz uma substância envolvida com a regulação do ritmo circadiano e com a função reprodutiva: a melatonina, um hormônio derivado do aminoácido triptofano. Sua produção é regulada pela quantidade de luz percebida pelos fotorreceptores na retina, atingindo picos máximos durante o período de escuridão. Tais estímulos luminosos são traduzidos pelos fotorreceptores e os sinais elétricos percorrem uma via neural que passa pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo, terminando na pineal, quando ativa sua secreção. A melatonina, uma vez secretada, atinge a adenohipófise reduzindo a secreção dos hormônios gonadotrópicos (FSH e LH). A duração da secreção pulsátil de


REPRODUÇÃO melatonina promove um calendário interno que regula ciclos sazonais na reprodução e outras condições nas espécies fotoperiódicas.

A importância da sazonalidade reside justamente no fato de que, nos dias longos ou de maior luminosidade, a produção suprimida de melatonina estimula a produção de gonadotrofinas hipofisárias, estimulando, assim, a atividade reprodutiva dos animais. A atividade sexual nos mamíferos selvagens varia de acordo com as estações do ano. Estudos experimentais demonstram que a variação do número de horas de luz diária é o que mais influencia a atividade sexual e, eventualmente, desencadeia variações nos níveis plasmáticos de gonadotrofinas e de prolactina. A mensuração da testosterona sérica e a concentração de gonadotrofinas proporcionam informações sobre o “status” funcional do eixo hipotalâmico - hipofisário - testicular. A mensuração de LH e testosterona sérica indicou alteração no padrão anual cíclico da secreção de LH e um pico significativo na testosterona, durante o outono, o que sugere uma sazonalidade ancestral em cães machos mestiços. No hemisfério norte, foram detectadas variações nas concentrações de testosterona entre os cães, mas não variações sazonais.

Variações sazonais têm sido reportadas nas concentrações de LH (1,0 - 1,2 ng/mL a 3,8 – 10,0 ng/mL) e testosterona (0,5 – 1,5 ng/mL e picos de até 3,5 – 6,0 ng/mL) em cães. Embora haja uma relação entre a secreção dos dois hormônios, as influências sazonais sobre eles são independentes. Em um estudo realizado com cães domésticos, na região subtropical brasileira, não foi identificada correlação entre a concentração média de testosterona e a temperatura ambiental nem com o índice pluvial, entretanto, houve uma diminuição significativa durante o verão, provavelmente associada às mudanças marcantes nas condições ambientais. Talvez, o principal fator estressor tenha sido o aumento significativo da umidade,

resultante de alta temperatura e do alto índice pluvial no verão.

A diminuição nas concentrações de testosterona em cães, no período de verão (1,31 ± 0,52 ng/mL), em relação à primavera (1,93 ± 0,38 ng/mL) e ao outono (2,02 ± 0,98 ng/mL) não foi o suficiente para caracterizar uma inatividade testicular. Níveis baixos de testosterona sérica nem sempre estão relacionados com a queda na produção espermática, pois, a concentração de testosterona intratesticular é cerca de 50 a 100 vezes maior que a testosterona sérica, portanto, para evidenciar uma sazonalidade mais definida, seria interessante dosar a testosterona intratesticular.

Uma das dificuldades ao se estudar o perfil hormonal relacionado à sazonalidade, além da variação individual, é a obtenção de um grande número de cães da mesma raça, submetidos ao mesmo manejo. As concentrações séricas de testosterona podem ser determinadas por radioimunoensaio (RIA), em fase sólida, utilizando-se “kits” comerciais. As amostras de sangue devem ser coletadas sempre no mesmo horário durante todo o controle, pois, os resultados são sensíveis a pequenas alterações. Outro fator que pode ser influenciado pela sazonalidade é a qualidade espermática. Diferentemente da maioria dos canídeos selvagens, que apresentam uma inatividade testicular na estação não reprodutiva das fêmeas, os cães domésticos permaneceram férteis durante todo o ano, embora, tenha sido observado sêmen de qualidade melhor na primavera e pior no verão. A baixa qualidade do sêmen pode estar relacionada às altas temperaturas do verão. A próstata e o testículo também podem ser mensurados para avaliar a influência das condições climáticas sobre a atividade endócrina testicular. Mudanças sazonais no tamanho testicular foram descritas em canídeos não domésticos (lobos vermelhos), residentes no hemisfério norte, nos

meses de primavera (fevereiro e março), combinando diminuição no tamanho testicular e peso testicular. Entretanto, em cães domésticos da região subtropical brasileira não foram identificadas alterações sazonais. Portanto, pode-se concluir que, embora haja uma influência do ambiente sobre os aspectos reprodutivos de cães domésticos, os efeitos não são suficientes para tornar o macho inativo sexualmente, no período de menor estímulo hormonal, pois, a função testicular dos cães é pouco influenciada pelo fotoperíodo.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

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1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

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REPRODUÇÃO

USO DE AGONISTAS DO GNRH COMO CONTRACEPTIVO REVERSÍVEL EM GATOS DOMÉSTICOS Camila Louise Ackermann, Maria Denise Lopes (Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária. Unesp – Botucatu. E-mail: denise@fmvz.unesp.br)

Introdução

O controle populacional de cães e gatos é tema constante entre veterinários e comunidade. Há uma preocupação recorrente, advinda do aumento proporcional do número de cães e gatos domiciliados em relação ao número de animais abandonados e/ou vítimas de maus tratos. A maioria dos veterinários tem se esforçado em indicar a castração para todos os pets, cujos proprietários não possuam interesse em reproduzi-los ou não os atribuam valor genético. Proprietários de gatos são mais facilmente convencidos acerca da importância da castração, visto que a maioria dos animais de estimação não possui raça definida. Apesar de a contracepção cirúrgica ser o método de escolha para felinos domésticos, existe uma parcela de proprietários que requerem uma alternativa a este método de controle populacional. Essa demanda surge por diversas razões, entre rejeição a métodos cirúrgicos, a crença de que a retirada dos órgãos reprodutivos é de alguma forma prejudicial aos animais e à sua identidade ou, ainda, devido a proprietários, principalmente de animais de alto valor zootécnico e/ou emocional, que desejam apenas uma pausa no ciclo reprodutivo, o que gera uma procura por opções reversíveis. Existem algumas opções de contraceptivos reversíveis e é importante se considerar os efeitos, duração, formulação e possíveis efeitos colaterais para que a escolha do contraceptivo seja adequada ao indivíduo em questão. Para felídeos, os métodos mais utilizados 32

são os progestágenos e os análogos do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). O uso indiscriminado dos progestágenos traz riscos sérios à saúde das fêmeas e, na maioria das vezes, quem indica esses produtos são profissionais de casas agropecuárias, sem formação em medicina veterinária, que acabam fazendo mau uso dessa medicação. Já os agonistas do GnRH são uma alternativa mais recente, com poucos efeitos colaterais e com a vantagem de poder ser utilizada em machos e fêmeas. Este artigo objetiva fazer uma breve revisão sobre o uso de agonistas do GnRH na contracepção de gatos domésticos.

GnRH e seus agonistas

O GnRH é um hormônio decapeptídeo, liberado de forma pulsátil e que possui meia-vida de apenas 2 a 5 minutos. É o hormônio responsável pela regulação da síntese e liberação de gonadotrofinas, ou seja, hormôniofolículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH), pela pituitária O uso do GnRH e seus análogos como fármacos contraceptivos pode parecer contraditório, visto que esse mesmo hormônio é considerado chave para o funcionamento do processo reprodutivo e gametogênese. Porém, o tratamento com agonistas do GnRH, inicialmente induz ao aumento das concentrações de LH e FSH, seguido de retorno aos níveis basais. A exposição contínua cessa a secreção pulsátil de LH devido a uma dessensibilização dos receptores de

GnRH nas células gonadotróficas, o que leva ao decréscimo na síntese de LH e FSH com consequente supressão da função reprodutiva. Desde o isolamento e caracterização do GnRH, mais de 3000 análogos foram desenvolvidos, entre agonistas e antagonistas. Os análogos do GnRH são peptídeos similares ao GnRH, mas modificados para possuir meia-vida e potência maiores que o GnRH endógeno. Entre os agonistas disponíveis comercialmente estão a buserelina, o leuprolide e o acetato de deslorelina, sendo este de maior interesse na veterinária. O acetato de deslorelina está disponível comercialmente sob a forma de implantes subcutâneos de longa duração. Os implantes podem ser alocados na região umbilical ou interescapular (Figura 1). O uso de anestesia ou sedativos só é necessário em casos de animais estressados ou agressivos, visto que o procedimento é semelhante à microchipagem. Apesar da indicação e licença comercial do fabricante ser para o uso em para cães domésticos machos, diversos estudos demonstraram que este medicamento pode ser utilizado com eficácia e segurança também em fêmeas de diversas espécies de mamíferos, incluindo os gatos domésticos. Assim, o acetato de deslorelina tem sido utilizado como contraceptivo reversível em muitos países europeus, Estados Unidos e Canadá.

Uso de acetato de deslorelina na contracepção de fêmeas


REPRODUÇÃO A aplicação de acetato de deslorelina como contraceptivo em gatas teve seu primeiro relato em 2001 e, desde então, muitos grupos de pesquisas têm se dedicado a confirmar a segurança e eficácia deste contraceptivo. No tratamento contraceptivo das fêmeas, incluindo gatas domésticas, inicialmente há uma estimulação dos hormônios gonadotróficos, com consequente apresentação de sinais de comportamento estral. Posteriormente, as fêmeas apresentam quiescência ovariana. Esse “cio” inicial normalmente é infértil, porém, aconselha-se separar estas fêmeas de machos para evitar possíveis coberturas. Devido a esta estimulação ovariana inicial, aconselha-se a aplicação dos implantes durante a fase de diestro (presença de corpo lúteo e alta concentração de progesterona), porém, as gatas são ovuladoras induzidas, ou seja, só terão diestro caso sejam induzidas (via cópula ou estimulação exógena). Assim, alguns autores indicam a associação de progestágenos exógenos no início do tratamento contraceptivo. Uma opção para fêmeas que já estejam no cio é induzir a ovulação, monitorando a concentração de progesterona, por meio de dosagem laboratorial para confirmar a ovulação e aplicação do implante nesta fase, a fim de evitar ou ao menos diminuir a estimulação inicial. Segundo o fabricante, o implante de 4,7 mg é eficaz por 6 meses e o de 9,4 mg por 12 meses, em cães machos e adultos. Esperava-se que, em fêmeas, a duração da contracepção fosse algo similar, porém, ela varia individualmente e os relatos vão de 483 a 1025 dias (incluindo fêmeas que receberam mais reaplicações de implantes, após 6 a 12 meses de tratamento). Esse tipo de resposta inconsistente é indesejada, um dos motivos pelos quais este produto ainda não teve sua formulação aprovada para a venda nos Estados Unidos. Apesar da reversão espontânea ser imprevisível, é possível reverter a contracepção no momento em que o

proprietário ou o veterinário acharem mais adequados, contornando o que seria a desvantagem do uso deste contraceptivo. Os implantes subcutâneos podem ser removidos através de uma pequena incisão no sítio de aplicação, e o estro e a ovulação podem ser induzidos por meio de terapia hormonal. É importante ressaltar que este primeiro cio, seja induzido ou espontâneo, não deve ser utilizado para reprodução, visto que o ambiente uterino precisa de um pouco mais de tempo para estar apto a manter uma gestação. Em geral, não são relatados efeitos colaterais e indesejados. Os efeitos no ganho de peso dos animais tratados são similares aos da castração. Além disso, há relatos de uma diminuição na agressividade e melhora significativa do aspecto da pelagem durante o período de contracepção.

Uso de acetato de deslorelina na contracepção de machos

A utilização da contracepção masculina é uma alternativa viável para o controle populacional de espécies felinas mantidas em cativeiro, representando importante papel na preservação da saúde reprodutiva e social das fêmeas, porém, a quantidade de informações a respeito do uso de contraceptivos em machos é menor quando comparada à quantidade de informações em fêmeas. Possivelmente, isso se relacione com a cultura humana, em que a contracepção feminina é mais utilizada ou, ainda, com o fato da gestação ser exclusivamente feminina, assim, os proprietários se preocupam muito mais com suas fêmeas do que com os machos no momento da busca pelo contraceptivo ideal. Em gatas, o uso de contraceptivos reversíveis já ultrapassou a esfera da pesquisa, a demanda existe e, como mencionado, em alguns países é uma prática comum. Para os machos, a contracepção reversível ainda está restrita à pesquisa, e a quantidade de informações disponíveis é escassa e recente. Assim como nas fêmeas, quando

tratados com acetato de deslorelina, os machos apresentam uma fase inicial de estimulação, com aumento na síntese e liberação de testosterona na primeira semana de tratamento, com um decréscimo na segunda semana, chegando a níveis indetectáveis na terceira e mantendo-se assim até o fim do tratamento. Nos machos essa estimulação inicial não pode ser evitada, recomenda-se o acompanhamento com uso de dosagens de testosterona seriadas, uma vez por semana, até as concentrações serem indetectáveis e, posteriormente, uma vez por mês, para garantir que a contracepção esteja mantida.

A reversão varia individualmente entre 6 a 24 meses. A interrupção do tratamento por meio da retirada dos implantes acelera o processo de retorno à atividade reprodutiva. Não há pesquisas revelando se a terapia hormonal exógena é capaz de acelerar o processo de reversão. Sabe-se que, em cerca de dois meses, a histologia do epitélio germinativo testicular apresenta-se normal e espera-se que, em cerca de três meses, esses machos já estejam aptos a realizar uma cópula fértil novamente (Figura 2). Todos os efeitos relacionados à orquiectomia também são observados com o uso do acetato de deslorelina. Há uma diminuição da concentração de testosterona; observa-se o desaparecimento das espículas penianas; aumento da ingestão de alimento; hábito de urinar várias vezes para marcar território diminui ou cessa por completo; há uma diminuição da agressividade e libido. É possível observar, ainda, a redução do volume testicular e alterações no comportamento reprodutivo, ou seja, machos que ainda demonstram algum tipo de interesse nas fêmeas apresentam comportamento de cópula anômalo, montando em posição contrária nas fêmeas e perdendo rapidamente o interesse. Os dados publicados até o momento sugerem que o acetato de deslorelina é uma opção segura e eficaz para a 33


DERMATOLOGIA REPRODUÇÃO contracepção de felinos machos. Sugerese a separação das fêmeas até que a supressão espermática seja completa e o monitoramento hormonal, por meio de dosagens de testosterona periódicas, para confirmar a supressão e monitorar a reversão e, portanto, o momento de reaplicação do contraceptivo, caso seja a vontade do proprietário.

Considerações finais

O uso de contraceptivos reversíveis ainda é recente em medicina veterinária, porém, alternativas como os agonistas do GnRH têm provado ser uma opção segura e eficaz para machos e fêmeas de gatos domésticos. É certo

que, com o aumento da população pet, principalmente de animais de raça com alto valor zootécnico ou animais sem raça definida, porém, com alto valor emocional, alternativas à contracepção cirúrgica serão requeridas pelos proprietários. Trazer o máximo de informações aos proprietários para que eles entendam as vantagens desse tipo de controle populacional é benéfico à relação veterinário/proprietário. Fazer uso dos recursos disponíveis, como a dosagem hormonal, dá a segurança de que o método utilizado é 100% eficaz, além de auxiliar na determinação do início do tratamento das fêmeas, observação

da estimulação hormonal após o início do tratamento e determinação do funcionamento do implante nos machos, bem como, auxiliar na decisão do momento da aplicação de outro implante, para dar continuidade ao tratamento.

Atualmente, o acetato de deslorelina é considerado o método de contracepção reversível mais promissor para o mercado pet. Apesar de ainda não estar disponível comercialmente no Brasil, devido à sua popularidade na Europa e por ser comercializado por uma empresa multinacional, acreditamos que o mesmo deverá entrar no mercado brasileiro em um futuro próximo.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS

CÓD - EXAME

Figura 1. (A) Aplicação do implante de acetato de deslorelina em uma gata anestesiada; (B) Nota-se uma leve elevação na pele da fêmea (círculo pontilhado), onde se localiza o implante e ao lado uma pequena incisão causada pela agulha de aplicação.

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

(CICLO ESTRAL)

Figura 2. (A) Imagem de histologia testicular com o epitélio germinativo depletado (não há mais produção de espermatozoides) devido ao tratamento com acetato de deslorelina (2 meses de tratamento). (B) Imagem de histologia testicular com o epitélio germinativo recuperado 2 meses após o término do tratamento com acetato de deslorelina.

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PRAZO/DIAS

(CICLO ESTRAL II)


REPRODUÇÃO

ALTERAÇÕES METABÓLICAS NA GESTAÇÃO Jamile Haddad Neta, Paula Postali Ananias, Maria Isabel Mello Martins (Laboratório de Biotécnicas da Reprodução – REPROA. Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: imartins@uel.br)

Introdução

A energia que sustenta o organismo humano e animal deriva, direta ou indiretamente, da quebra de ligações covalentes entre carbonos existentes nos carboidratos, proteínas e lipídeos. Considerando que a aquisição de energia pelo organismo é intermitente e o gasto energético é constante, o corpo precisa armazenar e distribuir energia de maneira coordenada. A regulação do metabolismo energético envolve uma correlação complexa entre os nutrientes ingeridos, os hormônios e as trocas de substratos entre órgãos que visam manter um aporte de nutrientes constante e adequado para todos os tecidos. A insulina é o principal hormônio que regula essa troca e distribuição de substratos entre os tecidos, nos estados pós-prandial e de jejum. Glucagon, catecolaminas, hormônio do crescimento e cortisol possuem papel importante na regulação energética em situações agudas de necessidades energéticas, como a que acontece durante o exercício, em condições de estresse, ou em reposta à hipoglicemia. Os principais órgãos envolvidos com a

homeostase energética são: fígado, que é o principal produtor de glicose; sistema nervoso, que no período pós-prandial ou no começo do período de jejum utiliza quase que exclusivamente a glicose para suas necessidades energéticas; músculo e tecido adiposo, que respondem à insulina armazenando energia na forma de glicogênio e gordura, respectivamente. O balanço energético pode ser definido como a diferença entre a quantidade de energia adquirida e gasta na realização das funções vitais e de atividades em geral. Pode tornar-se positivo quando a entrada de energia é maior do que a gasta, negativo quando a entrada de energia é menor do que a saída, e neutro quando ambos se igualam. Existem dois períodos funcionais, durante os quais o corpo fornece energia para a realização das atividades celulares: 1) Alimentado, quando os nutrientes ingeridos no trato gastrointestinal entram na corrente sanguínea; 2) Restrição alimentar, durante a qual o trato gastrointestinal não tem nutrientes e a energia deve ser suprida pelas próprias reservas corporais. No caso da gestação, a gordura corpórea é uma

fonte de energia importante, pois ocorre, tanto uma resistência insulínica, quanto um aumento da demanda energética nas últimas semanas de prenhez. Para melhor compreensão destes estados, estudaremos separadamente cada um deles.

Metabolismo alimentado

energético

do

Uma refeição média contém todos os três principais nutrientes: carboidratos, lipídios e proteínas, sendo que os carboidratos são os de mais fácil digestão e, assim, contribuem com a maior parte do conteúdo energético de uma refeição típica. A glicose constitui a principal fonte de energia do corpo neste estado, sendo que grande parte entra nas células, pela insulina, onde ocorre a catabolização em dióxido de carbono e água, liberando energia para a produção de ATP. O músculo esquelético constitui a maior parte da massa corporal e é o principal consumidor de glicose, mesmo em repouso. Além de catabolizar a glicose,

35


REPRODUÇÃO o músculo contém o aparato enzimático necessário à conversão da glicose em glicogênio, que pode ser utilizado durante o período de restrição alimentar. As células do tecido adiposo também catabolizam a glicose para fornecer energia; entretanto, o destino mais importante da glicose nos adipócitos durante a fase alimentado é sua transformação em gordura. Outra fração grande da glicose absorvida entra nas células hepáticas, onde é captada e armazenada na forma de glicogênio, ou transformada em glicerolfosfato e ácidos graxos, que são utilizados na síntese de triglicerídeos. Parte da gordura sintetizada a partir da glicose no fígado é armazenada, porém, a maioria é acondicionada juntamente com proteínas específicas, formando lipoproteínas, que são armazenadas no tecido adiposo. Os aminoácidos absorvidos entram nas células para serem utilizados na síntese de proteínas. Outra parte é absorvida pelos hepatócitos e utilizado na síntese de uma série de proteínas, como as enzimas hepáticas e as proteínas plasmáticas; ou são convertidos em intermediários semelhantes a carboidratos, conhecidos como α-cetoácidos. Os grupos amino são utilizados para a síntese de ureia no fígado, que entra no sangue e é excretada pelos rins. Os α-cetoácidos podem entrar no ciclo de Krebs e serem catabolizados para fornecer energia para as células hepáticas. Além disso, podem ser convertidos em ácidos graxos, participando, assim, da síntese de gorduras pelo fígado.

Metabolismo energético estado de restrição alimentar

no

A maior prioridade para a liberação de energia, durante a restrição alimentar, é a manutenção de um fornecimento estável de glicose para o funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC). Baixas concentrações plasmáticas de glicose prejudicam o funcionamento

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neural, enquanto valores elevados excedem o limiar renal de excreção, resultando em poliúria e levando a múltiplas complicações associadas à diabetes mellitus mal controlada. Durante um jejum noturno, a glicogenólise, seguida da gliconeogênese, mantém a glicemia. A hipoinsulinemia associada à hiperglucagonemia, entre quatro a cinco horas após uma refeição, faz com que o fígado comece a metabolizar suas reservas de glicogênio e liberar glicose. Além disso, tanto o fígado quanto o rim, em menor proporção, produzem glicose, por meio da gliconeogênese. A liberação de glicose por esses dois órgãos é possível, porque, ao contrário do músculo esquelético, são os únicos com quantidades significantes de glicose-6-fosfatase, que cataliza a conversão de glicose-6-fosfato a glicose. A glicogenólise e a gliconeogênese hepáticas contribuem com aproximadamente 50% da produção total de glicose pelo organismo, durante as primeiras horas de jejum. No caso de restrição alimentar por mais de dois dias, o fígado metaboliza ácidos graxos para elevar as concentrações plasmáticas de corpos cetônicos com o objetivo de surprir as necessidades energéticas do sistema nervoso de forma eficiente.

A hipoglicemia diminui a secreção de insulina e estimula a secreção de hormônios anti-insulínicos, tais como: o glucagon, epinefrina, norepinefrina, hormônio do crescimento e cortisol, os quais promovem a lipólise, glicogenólise e gliconeogênese que, em contrapartida, aumentarão a concentração sanguínea de glicose, ácidos graxos e cetonas. Fatores neurogênicos e mediadores inflamatórios também estimulam a liberação de glicose, ácidos graxos e cetonas. Esta coreografia neurohormonal é determinante da manutenção da glicemia, com níveis de glicose sérica oscilando dentro dos níveis aceitáveis, que podem variar entre 73 a 134 mg/dL, sendo que, em um cão em restrição alimentar, oscila entre 70 a 110 mg/dL.

Metabolismo energético período gestacional

no

A gestação é um período no qual os animais passam por diversas alterações metabólicas, decorrentes de alterações hormonais e do aumento da demanda energética, devido ao desenvolvimento de útero, glândulas mamárias, placenta, embrião e feto. A gestação afeta os mecanismos glicorreguladores de duas maneiras: 1) Resistência à insulina: Cadelas gestantes apresentam acentuada redução da sensibilidade à insulina, causada provavelmente por um defeito na via de sinalização pós-receptor, capacitando a mobilização de ácidos graxos dos adipócitos e um desvio da síntese hepática de gordura para a oxidação e cetogênese, o que pode resultar em diabetes mellitus gestacional. Na fase gestacional, o principal hormônio envolvido na resistência insulínica é o hormônio lactogênio placentário, no entanto, pode haver envolvimento de outros hormônios hiperglicemiantes, como: cortisol, estrógeno, progesterona, hormônio do crescimento e prolactina, bem como, citocinas placentárias. A progesterona pode atuar de uma forma direta, em que diminui o transporte da glicose para os tecidos; e de uma forma indireta, quando induz, entre o trigésimo dia e o final da gestação, a hipersecreção de hormônio do crescimento (GH) pela adenohipófise e pelas glândulas mamárias. O GH é um potente hormônio diabetogênico, que diminui o número de receptores de insulina nas células e o transporte de glicose aos tecidos. 2) Diminuição da resposta hormonal compensatória à hipoglicemia: A gestação suprime, também, os mecanismos contra-regulatórios que respondem à hipoglicemia, diminuindo a habilidade dos hormônios anti-insulínicos, como glucagon, norepinefrina e, em menor grau, o cortisol, em responder à hipoglicemia, o que promove uma deficiência intracelular absoluta de energia e hipoglicemia persistente.


REPRODUÇÃO Uma importante resposta à hipoglicemia é a supressão da secreção de insulina, a qual irá promover a mobilização de gordura armazenada e a liberação de ácidos graxos e cetonas. Em um quadro extremo, pode resultar em hipoglicemia e cetose.

Desta forma, assim como no diabete mellitus gestacional existe a habilidade diminuída na utilização da glicose, na gestação ocorre uma diminuição da habilidade de produção de glicose via gliconeogênese, glicogenólise e lipólise, devido a um prejuízo na resposta normal do glucagon, norepinefrina e cortisol à hipoglicemia. Esta redução na produção de glicose, combinada a um aumento da utilização pela placenta e fetos cria um risco maior no desenvolvimento de hipoglicemia, comuns em cadelas e mulheres normais no final da gestação, ainda mais quando ocorre modificações na quantidade e qualidade da dieta. Apesar dos achados similares de hipoinsulinemia e supressão da produção de glicose em mulheres, ovelhas e cadelas gestantes, existem diferenças marcantes entre estas espécies na chamada “toxemia da prenhez”. Na ovelha, a causa primária da toxemia da prenhez é a redução na produção de glicose, ao invés do aumento da utilização pelo feto e pela placenta. Curiosamente, a homeostase da glicose é menos controlada em ovelhas, durante a gestação final, do que durante a lactação inicial. Isso contrasta com as vacas leiteiras, pois, nelas a hipoglicemia e cetose se desenvolvem durante o período pós-parto imediato e no pico da lactação. Assim como em mulheres grávidas, a concentração de insulina plasmática é muito baixa em ovelhas prenhes, especialmente as que gestam gêmeos. A hipoinsulinemia estimula a cetogênese hepática e reduz a captação de corpos cetônicos periféricos. Na ovelha prenhe, a utilização de corpos cetônicos é prejudicada, durante a gestação final, o que agrava a hipercetonemia. A hipercetonemia, por si só, inibe a produção hepática de glicose, que

agrava a hipoglicemia. A presença de outras desordens metabólicas, como hipocalcemia, pode piorar a toxemia da prenhez. A hipocalcemia causa uma diminuição da glicose plasmática em ovelhas prenhas ou não, lactantes ou não e, quando combinada com a hipercetonemia, facilita o desenvolvimento da toxemia da prenhez. A toxemia na ovelha é resistente ao tratamento com glicose (com ou sem insulina) até que a prenhez finalize, e a mortalidade é muito alta. Nas mulheres, o termo toxemia da gestação refere-se à pré-eclampsia e ocorre em 5-7% das gestações humanas. De modo similar à toxemia na ovelha, a expulsão do feto é a única cura para a pré-eclampsia.

Assim como na ovelha e na mulher, a cadela também pode desenvolver hipoglicemia e cetonemia no final da gestação. O risco de hipoglicemia na fase gestacional é acentuado pela combinação da diminuição da capacidade de produção de glicose, com o aumento da utilização pela placenta e o feto, e ampliado por alterações na qualidade e quantidade da dieta. Poucos casos foram encontrados na literatura de língua inglesa, desde 1964. Os sinais clínicos foram típicos de hipoglicemia aguda, incluindo fraqueza, ataxia, colapso, convulsões e coma. Apesar das semelhanças com outras espécies, a gênese e os mecanismos patofisiológicos envolvidos diferem entre as mesmas, a ponto de a hipoglicemia e cetonemia em cadelas prenhes ser considerada, ao invés de uma síndrome bem estabelecida e específica como na ovelha ou na mulher, o resultado de uma outra doença ou estresse ambiental que intensifica a demanda metabólica da gestação. O diagnóstico é simples e pode ser firmado pela demonstração de cetonúria com ausência de glicosúria, associado à hipoglicemia. Os métodos de dosagem do ácido β-hidroxibutírico (β-HB) sanguíneo são preferidos aos testes urinários ou sanguíneos de detecção de ácido acético (AcAc).

imediata da hipoglicemia, por meio da administração intravenosa de glicose 50% na dose de 0,5 a 1 mL/Kg. A orientação aos proprietários, quanto ao manejo adequado da gestação e cuidados nutricionais e sanitários pertinentes a este período de intensa demanda e complexidade fisiológicas, é extremamente importante, assim como a identificação da toxemia gestacional, evitando a perda das ninhadas e das reprodutoras.

EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS

CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

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70 - ESTRADIOL

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635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

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154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

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293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

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352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

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350 - PERFIL REPRODUTIVO

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682 - PERFIL REPRODUTIVO

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76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

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302 - NEOSPORA CANINUM

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(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)

O tratamento preconizado para crise hipoglicêmica consiste na correção 37


DERMATOLOGIA HEMATOLOGIA

FISIOLOGIA DA HEMOSTASIA: NOVOS CONCEITOS Warley Gomes dos Santos 1 , Marília Martins Melo 2 ( 1MV, DSc em Ciência Animal, pela Escola de Veterinária, DCCV, UFMG. Atuação profissional: Clínica médica, emergência e cuidados intensivos veterinários em cães e gatos. Certificado BLS – AHA; LAVECCS ABC Trauma e ABC Cuidados Intensivos. E-mail: drwarleysantos@hotmail.com 2 Profa. Titular Dra. Laboratório de Toxicologia Veterinária, Escola de Veterinária, DCCV, UFMG.)

Introdução Sistema homeostático

A hemostasia é entendida como uma série de eventos fisiológicos que visam manter o sangue em estado fluido no interior dos vasos sanguíneos e impedir o seu extravasamento ou formação de trombos. Para um entendimento didático, divide-se a hemostasia em três fases: (a) primária, com ênfase na atividade plaquetária; (b) secundária, com o envolvimento dos fatores de coagulação, culminando na formação do coágulo de fibrina; e (c) terciária ou fibrinólise, que consiste na degradação do coágulo por um sistema fibrinolítico. Para que isto ocorra de modo efetivo, é necessário um equilíbrio entre fatores pró-coagulantes e anticoagulantes. O mecanismo de “cascata da coagulação” foi proposto em 1964 por MacFarlane, Davie e Ratnoff. Segundo este modelo, a ativação do sistema de coagulação compreende duas vias distintas, a saber: a via extrínseca, que inclui elementos usualmente ausentes no 38

espaço intravascular, e a via intrínseca, a qual apresenta apenas componentes intravasculares. Ambas as vias convergem para uma via comum a partir da ativação do fator X. A Figura 1

Figura 1. Modelo clássico da cascata de coagulação. Compilado de Blaya et al. (1998). TPL = fator tecidual FT.

resume o modelo clássico da hemostasia. O conceito de cascata representou um avanço no entendimento da coagulação e foi, por décadas, um modelo de grande utilidade, o qual é ainda utilizado para explicar o princípio das reações in vitro

que ocorrem nos testes de triagem da coagulação, tais como TP e TTPa. No entanto, vários fenômenos da hemostasia observados in vivo levaram à concepção de que tal modelo não era capaz de explicá-los satisfatoriamente. Considerou-se pouco provável que as vias intrínseca e extrínseca operassem como caminhos redundantes e independentes, sendo aceito que todos os fatores de coagulação se interrelacionam. Enfim, muitas dúvidas pairavam sobre várias alterações hemostáticas que acontecem in vivo. Entre estas dúvidas, constam algumas perguntas clássicas: Por que portadores de hemofilia tipo A (deficiência do fator VIII da coagulação) sangram mesmo tendo uma via extrínseca que, teoricamente, supriria uma deficiência na via intrínseca? Por que a administração de fator de coagulação VII pode promover hemostasia em pacientes com hemofilia tipo A? Diante das dúvidas relacionadas ao modelo clássico da hemostasia, em 2001, Hoffman e Monroe propuseram um novo modelo, respondendo a várias perguntas que o modelo tradicional não esclarecia. O modelo da hemostasia baseado em superfícies celulares evidencia como “chave” a participação do fator tecidual (FT) ou fator III, presente nas membranas de células, como monócitos, fibroblastos e plaquetas, e coloca a hemostasia intensamente controlada pela geração da trombina. Neste modelo, divide-se didaticamente a hemostasia em 4 etapas: iniciação, amplificação, propagação, – embora estes eventos sejam praticamente simultâneos – e finalização, esta é


HEMATOLOGIA representada pela fibrinólise, que tem por objetivo o restabelecimento do fluxo sanguíneo.

Revisão da literatura Hemostasia baseada em superfícies celulares e o papel de alguns fatores de coagulação - Trombina (fator IIa)

A trombina ou fator de coagulação IIa é uma serinoproteinase da família das quimiotripsinas, dependente da vitamina K para sua ativação pela gamacarboxilação, semelhantemente aos fatores VII, IX e X. O precursor da trombina é o seu zimogênio, a protrombina. Esta é sintetizada no fígado. Após pequenas quantidades de trombina gerada, a coagulação irá se amplificando. Somente haverá uma burst de geração de trombina para propagar a coagulação após a protrombina ser clivada pelo complexo protrombinase, formado pelo fator de coagulação Xa e Va e pelo complexo tenase, formado pelos fatores IXa e VIIIa na presença de Ca++ na superfície plaquetária. A trombina atua como prócoagulante catalisando a conversão do fibrinogênio em monômeros de fibrina, liberando os fibrinopeptídeos alfa e beta e a ativação do fator de coagulação XIII, que irá tornar o coágulo de fibrina, antes hidrossolúvel, em um coágulo formado por ligações covalentes, mais estável e insolúvel. A trombina irá também ativar os fatores V e VIII, fundamentais para a formação dos complexos protrombinase e tenase, que garantirão a amplificação e propagação da coagulação. Adicionalmente, a trombina ativa as plaquetas via receptores ativadores de proteases PAR-1 e PAR-4. A regulação negativa da trombina se dá principalmente pela antitrombina III e serpinas. Paradoxalmente à atividade pró-coagulante, a trombina realiza um feedback negativo, ligando-se à trombomodulina nas células do endotélio, e ativa a proteína C, que atuará inibindo a ativação do fator V e VIII, sendo uma forma de reduzir a ativação da coagulação.

Fator tecidual (FT) e Fator VII

O FT ou fator III é uma proteína trans-membrânica e está presente nas plaquetas, monócitos, células de músculo liso e em fibroblastos ao redor do leito vascular. Estudos têm demonstrado que, durante a fase de cicatrização e remodelamento de feridas ao redor dos neovasos, há pouca expressão do fator tecidual, razão pela qual os tecidos de granulação sangram facilmente. A ausência do fator tecidual ao redor destes neovasos possibilita que não ocorra trombose nestes vasos em formação. No modelo de cascata da coagulação, o fator tecidual é o responsável pelo início da via extrínseca da coagulação, ativando e se complexando com o fator VII. No modelo da hemostasia baseado em superfícies celulares, a coagulação só inicia quando há um contato do sangue com as células que expressam FT, o que ocorre após dano vascular. O fator de coagulação VII é sintetizado no fígado e é dependente da vitamina K para a sua ativação. O fator VII tem sido comercializado na forma recombinante e está em uso clínico em diversas situações. Novamente, surge o questionamento anterior: como o fator de coagulação VII irá promover hemostasia em pacientes com hemofilia tipo A ou mesmo nas situações citadas anteriormente, sem que haja a deficiência deste fator de origem genética? O modelo da hemostasia baseado em superfícies celulares esclarece esta questão, demonstrando que este fator será capaz de ativar diretamente o fator de coagulação IX e o fator X na superfície das células que expressam o fator tecidual, gerando pequenas quantidades de trombina, suficientes para iniciar a coagulação.

Fases do modelo in vivo da hemostasia baseado em superfícies celulares - Fase de iniciação

A iniciação da coagulação ocorrerá na superfície das células que expressam o fator tecidual (FT), a exemplo dos monócitos e fibroblastos. Ressalta-

se que todas as etapas da coagulação dependem da presença de uma membrana fosfolipídica e do fator de coagulação IV, ou seja, o íon cálcio. O FT é essencial para a ativação do fator VII de coagulação, pois leva à formação de um complexo FT/FVII para posterior ativação do fator X. O FXa irá ativar o fator V. Após a ativação do FVa, será formado o complexo FXa/FVa, culminando com a geração de pequenas quantidades de trombina. Adicionalmente, o complexo FT/ FVII também é capaz de ativar o fator de coagulação IX, que irá formar o complexo tenase, associando-se ao FVIIIa. Esta etapa também irá ativar mais fator X e será capaz de gerar pequenas quantidades de trombina.

Fase de amplificação

As pequenas quantidades de trombina geradas inicialmente exercerão função de retroalimentação da coagulação promovendo a ativação dos fatores V, VIII e XI e, assim, amplificando a coagulação, cuja etapa ocorre na superfície de plaquetas ativadas. Com esta amplificação, cada vez mais será gerada uma maior quantidade de trombina e maior ativação, adesão e agregação plaquetária, e propagação da coagulação.

Fase de propagação

A propagação ocorre na superfície plaquetária. Nesta fase há uma grande formação de complexo tenase IXa/ VIIIa e complexo protrombinase Xa/ Va, resultando em intensa geração de trombina para que ocorra uma hemostasia efetiva e uma maior conversão do fibrinogênio nos monômeros de fibrina. Ocorrerá ainda ampla ativação, adesão e agregação plaquetária para os sítios com sangramentos.

Fase de finalização (fibrinólise)

Após cessar um sangramento, os trombos formados nos locais de lesão vascular precisam ser degradados, 39


DERMATOLOGIA HEMATOLOGIA enquanto a ativação dos fenômenos de coagulação deve ser reduzida para um nível basal. Tal redução é obtida pela atuação de inibidores fisiológicos da coagulação como a antitrombina, proteína C, proteína S e inibidor da via do fator tecidual (TFPI). Para a degradação dos trombos formados há o sistema fibrinolítico ou sistema plasminogênio/plasmina. Este sistema irá degradar o coágulo estável de fibrina em produtos da degradação da fibrina e em dímeros-D. Para a atuação deste sistema, é necessário que o plasminogênio seja convertido em plasmina, sendo esta a responsável pela clivagem da fibrina. O plasminogênio pode ser ativado pelo ativador de plasminogênio do tipo uroquinase (uPA) e, principalmente, pelo ativador de plasminogênio do tipo tecidual (tPA), sendo ambos ativadores liberados pelo endotélio e regulados pelo inibidor de ativação de plasminogênio (PAI). Os fenômenos envolvidos no novo modelo da hemostasia estão apresentados na Figura 2.

Figura 2. Modelo da coagulação baseado em superfícies celulares, ilustrando as fases de iniciação, amplificação e propagação (Hoffman, 2003 e revisado por Ferreira et al., 2010).

Os testes de hemostasia e o novo modelo in vivo da coagulação

Os exames de triagem da hemostasia como o TP e o TTPa avaliam tradicionalmente a via extrínseca e intrínseca, respectivamente, e ambos avaliam a via comum no modelo de

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cascata da coagulação. Embora estes testes não reflitam a complexidade dos fenômenos hemostáticos in vivo, ressalta-se que não há um teste que avalie totalmente as fases envolvidas na hemostasia, devido à grande complexidade e envolvimento de muitas proteínas, células, íons, plaquetas, entre outras moléculas envolvidas no sistema. Um teste de hemostasia ideal deveria ser realizado em sangue total, devido à presença de todos os componentes envolvidos na hemostasia. Estes testes têm maior aplicação para avaliar as condições de hipocoagulabilidade e estarão alterados quando houver deficiência moderada à grave de um ou mais fatores de coagulação. A ocorrência de uma alteração moderada nos valores destes testes pode não refletir a real chance de um paciente evoluir com hemorragia. Estas provas hemostáticas refletem apenas a fase inicial da coagulação, visto que o valor obtido do teste não indica o potencial total de formação de trombina, pois, quando o coágulo é formado, há formação aproximada de apenas 5% de trombina. O TP e TTPa também não refletem com fidedignidade as fases de amplificação e propagação da hemostasia, quando há a maior geração de trombina durante a coagulação. Ainda que os testes de TP e TTPa não demonstrem o que ocorre totalmente in vivo na hemostasia, eles devem continuar sendo realizados como testes de triagem da hemostasia, sobretudo para os distúrbios de hipocoagulabilidade. Além do mais, estes são testes muito bem padronizados na monitorização de pacientes com hemofilia tipo A. Todavia, os testes de TP e TTPa não se correlacionam bem com as probabilidades de sangramento, a não ser que estejam com um alargamento muito intenso a infinito, sendo necessários testes mais precisos, como a geração de trombina. A Figura 3

Figura 3. Área hemorrágica em musculatura estriada esquelética de coelho após envenenamento experimental por serpente do gênero Bothrops. Os testes de TP e TTPa apresentavam-se sem alterações, mesmo com visível área hemorrágica. Todavia, em um envenenamento natural por estas serpentes, estas provas poderão estar intensamente alteradas (Arquivo Pessoal).

demonstra uma área hemorrágica em musculatura estriada esquelética de coelho, após envenenamento experimental por serpente do gênero Bothrops. Este animal apresentava tais provas de triagem normal, mesmo apresentando visível área hemorrágica, porém, nos envenenamentos por serpentes do gênero Bothrops e Crotalus são imprescindíveis a realização destas provas hemostáticas (Figura 4).

Figura 4. Amostras de urina drenadas por cateterismo vesical de demora, de um cão vítima de acidente crotálico. Esta pigmentação da urina é por causa da presença de pigmentos de mioglobina (rabdomiólise) e não por causa de hematúria ou hemoglobinúria devido hemorragias. Todavia, no acidente crotálico, é obrigatório a realização de provas de triagem como o TP, TTPa e fibrinogênio. As realizações destes exames serão um guia no tratamento específico do animal vítima (Arquivo Pessoal).

Para outras situações clínicas frequentes, como sepse e “hemoparasitoses”, também se faz necessário realizar provas da hemostasia (Figuras 5 e 6).


HEMATOLOGIA

Figura 5. Região abdominal de uma cadela em puerpério mediato após deiscência e múltiplas cirurgias devido complicações por sepse. A sepse, por diferentes mecanismos, induz alterações hemostáticas. É indicada a realização de provas da coagulação durante o acompanhamento do animal com esta síndrome (Arquivo Pessoal).

Figura 6. Cão com epistaxe. Esta alteração, em cães, é frequentemente relacionada às desordens plaquetárias qualitativas e ou quantitativas muito observadas em “hemoparasitoses”. Não estarão alteradas as provas de triagem (TP, TTPa e fibrinogênio) a não ser que tenha concomitante insuficiência hepática (Arquivo Pessoal).

Testes globais da hemostasia têm sido utilizados com o objetivo de se entender melhor o que ocorre no sistema hemostático em diferentes situações clínicas, tanto com hipocoagulabilidade, quanto hipercoagulabilidade. A tromboelastografia é uma técnica global que utiliza sangue total em sua realização e tem indicação em situações de possível hemorragia aguda. Os resultados desta prova hemostática avaliam a formação do coágulo, predizendo a viscosidade e elasticidade deste coágulo formado.

Teste de Geração de Trombina TGT

O TGT é um método global de avaliação da hemostasia, cuja metodologia semiautomatizada é capaz de quantificar a geração de

trombina continuamente. O TGT pela metodologia Calibrated Automated Thrombogram (CAT) irá informar a cinética da quantidade de trombina gerada durante uma hora. O TGT pode ser realizado com baixas ou altas concentrações de fator tecidual na presença de fosfolípides de membrana e Ca++. A quantificação da trombina gerada, em nanomolares, pode ser obtida mediante comparação com um calibrador de trombina de concentração conhecida. No ensaio em amostra de plasma pobre em plaquetas (PPP) o exame é mais sensível à detecção de deficiências dos fatores VIII, IX e XI, inibidores diretos da trombina e do fator Xa. O TGT foi inicialmente proposto há mais de cinco décadas como uma forma de quantificar a trombina, porém, a metodologia era extremamente laboriosa. Somente no início deste século, valendo-se dos avanços tecnológicos, é que foi possível a determinação do potencial de geração de trombina por métodos cromogênicos ou fluorimétricos, sendo este último o mais utilizado e promissor, por ser potencialmente mais adaptável à clínica e em estudos experimentais. Com o TGT, é possível determinar de forma global e com maior acurácia o equilíbrio entre as forças pró-coagulantes e anticoagulantes de determinada amostra de plasma pobre ou rica em plaquetas coletada em citrato de sódio com demonstração de toda a cinética da formação da trombina daquela amostra. A técnica de geração de trombina tem sido amplamente estudada nos casos de pacientes com hemofilia A e B e trombofilias. As maiores limitações para a realização do TGT ainda se devem à falta de padronização, o que dificulta o estabelecimento de valores de referência para as várias condições experimentais, bem como interferências pré-analíticas, que podem ocorrer em todas as técnicas hemostáticas.

Considerações Finais

O modelo da hemostasia baseado em superfícies celulares coloca como elementos-chave o fator tecidual e como papel central, controlando todas as etapas, a trombina. A coagulação se

inicia em células que expressam o fator tecidual e a amplificação, e propagação ocorrerá na superfície plaquetária. O paciente com hemofilia tipo A é capaz de iniciar a coagulação, gerando pequenas quantidades de trombina, porém, ele não é capaz de amplificar esta coagulação. Este é o motivo pelo qual as provas de triagem podem ser normais em um caso de hemofilia tipo A branda. Os testes de TP, TTPa e fibrinogênio servem principalmente para o estabelecimento das situações que cursam com hipocoagulabilidade. Por estas provas de rotina, não são possíveis a avaliação das doenças que cursam com hipercoagulabilidade. Outros testes da hemostasia, que não são empregados na rotina e também necessitam de padronização, estão a cada dia mais próximos da prática clínica veterinária. EXAMES REALIZADOS PELO TECSA LABORATÓRIOS CÓD - EXAME

PRAZO/DIAS

69 - PROGESTERONA

1

70 - ESTRADIOL

1

635 - ESTRADIOL - RADIOIMUNOENSAIO

1

154 - TESTOSTERONA VETERINÁRIA

1

293 - LH - HORMÔNIO LUTEINIZANTE

2

275 - FSH - HORMÔNIO FOLÍCULO ESTIMULANTE

2

352 - CITOLOGIA VAGINAL (CICLO ESTRAL)

2

350 - PERFIL REPRODUTIVO

3

682 - PERFIL REPRODUTIVO

3

76 - BRUCELOSE CANINA (B.CANIS)

3

302 - NEOSPORA CANINUM

5

346 - TEMPO DE PROTROMBINA

0

347 - TEMPO DE TROMBOPLASTINA PARCIAL ATIVADA (TTPA)

0

186 - FIBRINOGENIO

1

591 - PERFIL COAGULOGRAMA

0

39 - HEMOGRAMA COMPLETO

0

(CICLO ESTRAL)

(CICLO ESTRAL II)

(ATIVIDADE DE TBP)

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