E S T A Ç Ã O H A I K A I
S Í L V I A R O C H A
No caminho do sol entre Brasil e Japão, noite e dia, claro e escuro, “entre as estações / e as gestações / a vida acontece”. Este livro é mais uma manifestação dos sóis, dos giros, dos círculos, dos ciclos, da mágica do dia a dia, daquilo que está muito perto, que é pequeno, que requer atenção e que se impõe forte, necessário. Tenho a alegria de fazer parte desta constelação onde o último haikai do livro Estação haikai (1988) anuncia o título do próximo livro Gestação haikai (1990) e junto outra gestação, a minha. À luz desse percurso curvo, vivido com intensidade, materializo esta edição delicadamente. Dois livros lançados em um. Todos esses ãos são os sins dessa cápsula de poesia do máximo no mínimo, de natureza ideogrâmica, o haikai. Foi um desafio fazer nascer, de dentro, esta edição e dar passagem para o selo-editora É, também parente da Rocha Edições. É um projeto mãe e filha e em muitas outras mãos e irmãos. Que este seja ímã. Bem-vindos! Júlia Rocha
E S T A Ç Ã O H A I K A I (1988)
copyright Sílvia Rocha ISBN 978-85-919434-0-1 primeira edição joão scortecci editora são paulo maio 1988 segunda edição É são paulo primavera 2015
coordernação editorial e projeto gráfico Gisele Nogueira e Júlia Rocha desenhos Júlia Rocha revisão João Reynaldo fontes avenir e garamond papel pólen bold gráfica cinelândia
e.seloeditora@gmail.com
A ideia, a iniciativa e a edição deste livro vêm de minha filha Júlia. Minha gratidão a ela e a todos que colaboraram com este projeto. Conhecer os haikais foi um divisor de águas, tamanho o impacto que senti e os ecos e as reverberações que eles me causaram. Os haikais chegaram para mim por meio da biografia Bashô: a lágrima do peixe, de Paulo Leminski. E foram se revelando, envolvidos pelo zen, pelos ideogramas, pela caligrafia e pelos desenhos japoneses. O estudo, a leitura e a prática da escrita dos tercetos de origem japonesa ampliaram meu olhar e minha atenção para a natureza, para as estações do ano e para o meu entorno. Nesse percurso poético, frequentei o Grêmio Haicai Ipê, no bairro da Liberdade, em São Paulo, participei dos Encontros Brasileiros de Haicai, no Centro Cultural São Paulo e passei a dar oficinas de haikai em escolas e centros culturais. Há inúmeros estilos e correntes para a senda poética. Nesta edição, compartilho meus haikais iniciais que acenam o começo do começo de um caminho de haikais.
Primavera de 2015
Sílvia Rocha
apresentação
Estão aqui reunidos alguns de meus haikais iniciais. Estação haikai e Gestação haikai recebem suas segundas edições no formato circular dois-em-um-vira-vira pelo seloeditora É.
9 as quatro estações do ano
chuva de verão transito no trânsito chora coração
haikais de outono mudam folhas mudam planos
11 as quatro estações do ano
medo no coração tirito a mais fria estação
primavera mergulho na ilha bela
13 haikais com dendê
sol a se pôr salvador céu nagô
bahia zen santos e sĂŠculos guias do alĂŠm
15 haikais com dendê
balanço manso avanço coqueiro submerso
ritmos afros preces tingem o ar negro luar
17 metaikais
velho haikai uma lรกgrima cai o som da dor
haiku haikai tanto faz
19 metaikais
haikai desregrado como eu ai
tudo num haikai tudo nu haikai
21 solid達o
solid達o n達o te come n達o te mata te retrata
23 dor
laรงos desfeitos temos de sair disto refeitos
passou a semana nada escrevi mas sofri sofri sofri
25 dor
ser ousada gozada driblando a dor
27 morte
nos campos colheita cidade estĂŠril e seca
dia das almas ilumine meu avĂ´ ramo de palmas
29 vida
nascimento natal retomada luz ritual
sobrinhas queridas iluminam meu sonho minha vida
31 vida
apocalipse não porque não porque não
lamento mas bem que estou feliz por dentro
33 haikais do além
influência materna na vida eterna amém
meus guias do além me guiam além
35 haikais do alĂŠm
sopro de vela me leva me vela
vaga vagalume hĂĄs de achar um porto um lume
37 haikais do alĂŠm
tempo nĂŁo passe assim tĂŁo breve sopro de vento
oh alma zen saltitante no alĂŠm
39 amor
amor amar ah mar
41 haikais urbanos
curta a vida ĂŠ curta
mais um século mais um chopp ô garçom
43 haikais urbanos
presente ĂŠ meu presente
kaos importado? nĂŁo obrigado
45 haikais urbanos
haikai urbano desculpe foi engano mais um que se vai
clima de rancor orquestra de buzinas vendedor de flor
47 haikais urbanos
noite paulista procuro um analista oh nĂŁo insista
49 haikais tropikais
lua de verĂŁo como vejo e sinto a ti nunca te verĂŁo
vai andorinha faz verĂŁo faz verĂŁo
51 haikais tropikais
folhas caindo haikais fluindo movimento
brisa de outono uma folha cai abandono
53 haikais tropikais
mar de primavera me espelho na ilha bela
primo primavera um inĂcio uma espera esperança no ar
55 haikais tropicais
neve leve breve a meus pĂŠs
inverno n’alma temo por tudo em volta mantenho a calma
57 haikais tropicais
clima tropical mĂŁos escrevem com medo sangue no jornal
hemisfĂŠrio sul secasenchentesecas carcarĂĄ azul
59 haikais tropicais
estação haikai começo do começo gestação haikai
63 apresentação
entre as estações e as gestações a vida acontece
Para Fernando companheiro por inteiro JĂşlia, Augusto e Louise estrelas da vida inteira
67 apresentação
entre as gestações e as estações a vida acontece
G E S T A Ç Ã O H A I K A I (1990)
copyright Sílvia Rocha ISBN 978-85-919434-0-1 primeira edição joão scortecci editora são paulo novembro 1990 segunda edição É são paulo primavera 2015
coordernação editorial e projeto gráfico Gisele Nogueira e Júlia Rocha desenhos Júlia Rocha revisão João Reynaldo fontes avenir e avantgarde papel pólen bold gráfica cinelândia
e.seloeditora@gmail.com
SOFRIMENTO
74
flores de maio no meu quintal lavado gotas de orvalho
76
corpo encolhido fria manhĂŁ de inverno ser recolhido
no meu escritรณrio escrevo testamento breve lamento
78
mil terremotos rompem valores vulgares haverรก calmaria?
mil piratas saquearam meu ser como crescer?
80
fria madrugada ĂŠ duro viver no escuro lĂĄgrima gelada
calada da noite um coração implora boa noite
82
há muitos invernos um bebê chorava e não queria mamar
crescer dรณi nรฃo crescer destrรณi
84
dor domina mas ensina compor recompor
sofrimento – este bom professor sentimento lento dilacerador
86
nuvem encobre um coração vislumbro trovão
choros soluรงos tempestade interior: uma flor!
88
sonhos de verão perturbações se vão brisa de eucaliptos
de tanto dormir me esqueci de existir
90
brilho no asfalto ronco de trovĂŁo chuva de verĂŁo
manhĂŁ carnaval pulo fantasio rodopio festa pessoal
92
ondas quebram no mar anseios noite de luar
estrelas entre telhados entretĂŞm namorados
GESTAÇÃO
96
estação haikai começo do começo gestação haikai
natal crianรงa no meu ventre a vida danรงa viva a esperanรงa
98
revoluções revelações sem fim dentro de mim
cerimĂ´nia do chĂĄ sob olhares curiosos lĂĄgrimas transbordam
100
um jogo solitรกrio eu dou as cartas do meu prรณprio baralho
solidĂŁo infinita a quem recorrer? o mar se agita
102
poeta de alma inquieta secreta
quintal gelado ao fundo meu quarto flores de maio
104
maio gelado me encolho como o idoso choro de nenĂŞ
flores no vaso violetas e rosas namoram serรก sรกbado?
106
breve sedução os pássaros levantam voo os olhos do cão
gero o que quero gerânios geram mistérios
108
menina mexe remexe minha vida na minha barriga
amor natal imortal
110
Ă vida o natal convida
fim de verão canto de pintassilgo imaginação
NASCIMENTO
114
sua chegada abenรงoada meu Deus: obrigada!
fĂŠ ajuda o ser crescer
116
JĂşlia em meu peito JĂşlia em meu leito doce alento
a mãe que medica a mãe que medita oito gotas?
118
com ou sem rima a vida ensina
linhas singelas linhas sinceras alinhavam haikais
120
poeta pobre sofredor a serviรงo da dor
briga de irmão espera serena reconciliação
122
sem ninguĂŠm sem vintĂŠm como ser zen?
grande imensidĂŁo estrela na minha escuridĂŁo
124
escrevo muito choro muito a fralda molhada
centelha de vida brilha: o sorriso da filha
126
colho o livro olho a filha molho a planta
gestação haikai de onde vem o gen? para onde vai?
128
eu prefiro as coisas pequenas haikais micropoemas
eu prefiro as coisas pequenas cotidianas mundanas as mais serenas
130
dentro da noite discreto sorriso: lua prateada
mĂŁe e filha uma famĂlia feliz
132
a pequena JĂşlia rabisca em meu novo poema risco de vida!
banho de JĂşlia surge branca e linda: a lua!
134
Júlia em seu berço Júlia e seu terço tudo rosa
fé aquece o coração chuva de verão
136
trânsito parado acelera a ânsia enterro ao lado
o tempo e o espaรงo num compasso: teu abraรงo
138
entenderam pedido atenderam pedido ah, Tanabata Matsuri*! *Festival das Estrelas
gestação um amor uma canção libertação
ILANA LICHTENSTEIN
Sílvia Rocha nasceu na cidade de São Paulo, em 1958. É graduada e mestre em Comunicação Social – Jornalismo – pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Como haikaísta, publicou Estação haikai (1988) e Gestação haikai (1990), ambos pela Editora Scortecci, participou de antologias e obras coletivas e ministra a oficina Haikai: Universo em Três Versos. Com a série de haikais As Quatro Estações do Ano, venceu o Concurso de Poesia Falada do Café das Flores e da Revista Escrita (1987). Teve o selo editorial de poesia Rocha Edições. Publicou, editou, agenciou, prefaciou, traduziu do inglês e revisou inúmeras obras e textos. Atualmente, escreve matérias, artigos e crônicas para veículos impressos e virtuais. Trabalha em seu próximo livro de haikais. www.silviarocha.com.br - silvia@studiovero.com.br
142 apresentação
G E S T A Ç Ã O H A I K A I
S Í L V I A R O C H A