Alberto Nepomuceno - Quarteto Carlos Gomes

Page 1

QUARTETO CARLOS GOMES

Q ALBERTO NEPOMUCENO


R

A


A

Clรกudio Cruz violino Adonhiran Reis violino Gabriel Marin viola Alceu Reis violoncelo


T

ALBERTO NE PO MU C E NO QUARTETOS

DANILO SANTOS DE MIRANDA

Dentre os pequenos grupos musicais, o

quarteto de cordas pode ser considerado o “rei” das formações de câmara. Para essa pequena formação – dois violinos, viola e contrabaixo, foram escritas, sem nenhum exagero, algumas das mais belas obras da história da arte, como nos atestam os quartetos de Beethoven ou Bela Bártok. No Brasil não foi diferente, nossos principais compositores também criaram obras específicas para essa formação. Alberto Nepomuceno foi um deles. Compostos ainda em seu período de formação na


Europa, as três peças aqui gravadas refletem as ideias de um jovem e já brilhante compositor, capaz de absorver tanto a tradição musical do velho continente quanto o que de mais moderno se fazia em música naquele período. E hoje, a luz do tempo, é possível perceber o quanto esse aprendizado foi importante para a sua particular construção de uma obra nacionalista, que, profundamente marcada pela influência dos compositores modernos, procurou reescrever a música brasileira, imprimindo, por meio de motivos, temas e, é claro, da língua portuguesa, uma visão de brasilidade em nossa música. Para essa gravação, em um trabalho primoroso de musicologia, Claudio Cruz debruçou-se sobre as obras, na tentativa de recuperar as ideias originais de Nepomuceno. O resultado é esse belo disco, executado com maestria pelo Quarteto Carlos Gomes, que contribui para a preservação da memória musical brasileira, e oferece ao público a chance de ouvir obras que estavam há muito fora de catálogo. Boa escuta!


FLO MENEZES

N E P O MUC E NO : C O MPO S I TO R . . . NACI ONALI S TA?

T


T

Nepomuceno foi um internacionalista! Ao

contrário do que a parca musicologia brasileira, ainda de resultados inconsistentes e fortemente impregnada pelo fardo nacionalista, pretenda nos fazer crer, afirmando-o como o primeiro dos compositores nacionalistas no Brasil, sua verve internacional contraria a visão que procura situar sua produção no estreito âmago das fronteiras nacionais. Assim fazendo-o, a musicologia reduz as amplas fronteiras que cobrem nosso vasto território a um domínio pequenininho, provinciano e nada condizente com a envergadura da obra de Nepomuceno. Mais que internacionalista, Nepomuceno foi precoce, e isto em uma época cujas dificuldades para um brasileiro em se situar no mundo eram infinitamente maiores que as de hoje, época atravessada, para o bem e para o mal, pela internet e pela rapidez (e por vezes falácia) da informação virtual. Aos apenas 24 anos, Nepomuceno, nascido em Fortaleza em 1864, deixava o Brasil rumo à Europa para aperfeiçoar-se. O primeiro destes três geniais quartetos data de 1889 e foi escrito em Roma; os dois últimos, de 1891, foram


concebidos em Berlim. Difícil dizer qual deles é o mais bonito, qual o mais engenhoso, e mais difícil ainda acreditar que foram escritos, o primeiro, com 25, e os segundo e terceiro, com apenas 27 anos! Os três estão up to date em relação ao que de mais moderno e de melhor se fazia em solo europeu. Por mais que certas passagens possam aproximá-los de uma escritura ainda clássica, há traços desse “classicismo” pseudo-retardatário também nos quartetos dos europeus, em Brahms, por exemplo, ao lado da mestria, originalidade e mesmo modernidade que caracterizam a obra desse gigante alemão que muitos teriam classificado, também erroneamente, de “conservador” (até que Schoenberg tenha vindo defendê-lo, enaltecendo o valor inestimável e a atualidade das obras de Brahms). No mais, porém, os quartetos de Nepomuceno não apenas são modernos, como também revelam um enorme talento, pari passu com o que de melhor havia em solo europeu. Em certas passagens, poderíamos dizer que se tratasse de algum quarteto de Debussy ou de Ravel. Bem tinha razão Mário de Andrade ao cunhá-lo de gênio.


Uma coisa é certa: se Nepomuceno “imitou” algum europeu (e imitar é tão legítimo em arte quanto salutar, dos conselhos de Ezra Pound em poesia ao secular ensinamento dedutivo de Seneca de que a arte imita a própria natureza – “omnis ars naturae imitatio est” –, provérbio, aliás, parafraseado (sem dar o nome aos bois) logo ao início da Harmonielehre de Schoenberg – “Kunst ist Naturnachahmung”), ele não o fez com o atraso de cerca de um século, tal como o fizeram os nacionalistas tardios da música brasileira do século XX, que além de não terem feito uma música brasileira, mas antes uma europeia do tipo clássica, tiveram como modelo a música europeia justamente do século XIX! Se tivessem imitado seus contemporâneos europeus, certamente boa parte dos resultados de suas obras teria sido melhor... Nesse sentido, Nepomuceno é um “vanguardista”, portanto tudo, menos um nacionalista! Pregar a composição de canções usando-se o idioma nacional, algo que lhe é atribuído, não é sinônimo de nacionalismo, mas antes de inteligência tout court, além de bom-senso: a língua portuguesa é uma das mais


lindas e elaboradas do planeta e merecia mesmo um lugar de honra em meio à produção musical (brasileira), como de resto ainda merece, pois que se trata de um idioma ainda mal-conhecido, muito mais em consequência das condições de eterno país “emergente” de um Brasil em meio ao cenário decrépito da hegemonia do capitalismo de início de novo milênio do que de qualquer outra coisa. Mas, entre nós, temos Machado de Assis, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Augusto de Campos... Azar o deles! E mais azar ainda o de mal conhecerem esses três quartetos, cujo projeto de gravação e edição, à frente do Studio PANaroma da Unesp, abracei com idealismo e entusiasmo quando me fora proposto por meu amigo Cláudio Cruz, exímio violinista, e por seu estupendo Quarteto Carlos Gomes. E se já o mencionei por duas vezes, não custa mais uma: é do patrono da vanguarda radical do início do século passado, Arnold Schoenberg, que Nepomuceno, na última década de vida (viria a falecer, ainda com muito a nos dar, em 1920), procurará traduzir para o português a obra teórica principal, o


já mencionado Tratado de Harmonia, projeto este, contudo, que não será concretizado e que precisará aguardar para ser publicado em nosso país por décadas, até que eu o propusesse, com sucesso, junto à Editora de minha Universidade (Unesp). Acabou saindo em outra (competente) tradução e com minha Apresentação, mas os esforços pioneiros, lá de trás – da época mesma em que vivia Schoenberg –, vieram de Nepomuceno. Seria tal projeto oriundo de mãos... nacionalistas? Ora, bem sabemos o quão o Expressionismo vienense encabeçado por Schoenberg viria a ser vilipendiado pelo nacionalismo brasileiro. Não há lugar aqui para que eu discorra sobre a mestria desses quartetos. Seria necessário destrincharmos algumas de suas passagens, pontuando como Nepomuceno sabia, em tal trecho, paralisar e alongar com mestria uma única nota de um instrumento enquanto os demais davam continuidade ao contraponto intrincado, ou como, em outro, contraria a previsibilidade da escuta e nos faz requebrar pelas estruturas fracionadas dos compassos, ou ainda como as modulações e mesmo as tonalidades dos movi-


mentos não obedecem às leis de um tonalismo conservador... E a profundidade dos movimentos lentos? Ouçam o segundo movimento do primeiro quarteto – que escrevera com... 25 anos! –, de preferência de olhos fechados, e vejam se não os leva à comoção mais sublime, de tanta beleza. É fácil falar da beleza sem provarmos tecnicamente o porquê do belo. Mas para isso seria preciso muito mais espaço, além de um desejoso estudo musicológico aprofundado, analítico e técnico, como os de que sinto falta ao falar da inconsistência da musicologia brasileira. De minha parte, dou aqui apenas um breve depoimento, pessoal e até mesmo emocionado, após ter, creio, contribuído com uma edição que buscou o melhor possível dos sons de um quarteto e as incisões cirúrgicas e plásticas as mais perfeccionistas na master, em respeito à obra deste gigante e a estes extraordinários músicos que compõem este Quarteto Carlos Gomes. Eis aqui, pois, um pouco deste Nepomuceno. Não do “nosso” Nepomuceno, brasileiro, mas antes do Nepomuceno do mundo, e que se o mundo (ainda) desconhece, ao menos com este CD será aqui por nós, brasileiros, um pouco mais curtido. Azar o deles!



C


Alberto Nepomuceno (1864-1920) Quarteto de Cordas nº1 (1890) Allegro Agitato 08:22 BXSVC1600001 Andante 04:58 BXSVC1600002 Scherzo 03:55 BXSVC1600003 Allegro Spirituoso 05:40 BXSVC1600004 Quarteto de Cordas nº2 (1891) Allegro con Fuocco 08:46 BXSVC1600005 Andante Expressivo 05:02 BXSVC1600006 Scherzo 02:49 BXSVC1600007 Allegro con Fuocco 08:03 BXSVC1600008 Quarteto de Cordas nº3 (1891) Allegro Moderato 08:44 BXSVC1600009 Andante 05:25 BXSVC1600010 Intermezzo - Allegretto 03:00 BXSVC1600011 Allegretto 05:25 BXSVC1600012 todas as faixas - Domínio Público


VI OL I NO

CLÁUDIO CRUZ,

Iniciou-se na música com seu pai, o luthier

João Cruz, posteriormente, recebeu orientação de Erich Lehninger e Maria Vischnia, como extensão de sua formação, freqüentou cursos ministrados por Joseph Gingold, Chaim Taub, Kenneth Goldsmith e OlivierToni. Vencedor de diversos concursos no Brasil, foi premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) em 1985 e 1997, ganhador do Prêmio Carlos Gomes em 2002 como camerista e 2006 como solista instrumental, Prêmio Bravo em 2011 e o Grammy Awards em 2002. Cláudio Cruz tem sido convidado a atuar como solista e camerista em países como França, Itália, Alemanha, Áustria, Hungria, Croácia, Uruguai, Argentina, Chile, França, Japão e Estados Unidos. Foi spalla da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo de 1990 a 2012, atualmente é primeiro violino do Quarteto Carlos Gomes, Regente e Diretor Musical da Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo e Diretor Artístico da Oficina de Música de Curitiba.


R

Na temporada 2015-2016 atuará como regente, solista e recitalista no Japão, participará do Festival Internacional de Música de Câmara “La Musica” na Florida (EUA), gravará na Inglaterra o Duo de Kodaly para violino e violoncello com Antônio Meneses. Com a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo fará concertos no Lincoln Center em Nova York e no Kennedy Center em Washington.


VI OL I NO

ADONHIRAN REIS,

Natural do Rio de Janeiro, Adonhiran Reis

iniciou seus estudos de violino com Marie Christine Springuel, em seguida estudou com Paulo Bosisio e recebeu orientações de Cláudio Cruz. Premiado em diversos concursos, como o de Juiz de Fora e o Pierre Nerini em Paris. Aos 18 anos ingressou no Conservatoire National de Boulogne, em Paris, França, na classe de Maryvonne LeDizès, e recebeu orientação de Jan Orawiec, Raphael Oleg, e dos Quarteto Debussy e Ysaÿe. Durante seu período de estudos em Paris, Adonhiran Reis foi bolsista da fundação Vitae. Como solista, se apresentou a frente da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, da Orquestra Sinfônica da UFRJ, e da Orquestra Sinfônica da Paraíba, dentre outras. Foi spalla da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, e posteriormente membro da Orquestra Sinfônica Brasileira. Como camerista, se apresentou nas principais salas no Brasil, além de Tunísia e Alemanha, ao lado de nomes como Bruno Giuranna, Antonio Meneses e

O


O Hagai Shaham. Em 2012 concluiu seu mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente Adonhiran Reis é spalla da Orquestra Sinfônica da UFRJ, membro do Quarteto Carlos Gomes e doutorando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sob a orientação do Prof. Dr. Emerson de Biaggi.


VI OL A

GABRIEL MARIN,

Violista da OSUSP, foi também violista da

Orquestra Sinfonica Municipal de SP e durante 6 temporadas atuou como primeiro viola solo da OSB. Foi premiado em diversos concursos, destacando-se o Prêmio Eleazar de Carvalho do Festival de Inverno de Campos do Jordão. Foi músico da Orquestra Jovem das Américas, onde tocou ao lado de Gustavo Dudamel, Leonard Slatkin e Yo Yo Ma em turnês por 13 países das Américas. Foi também violista da Odense Symphony Orchestra (Dinamarca), atuando em concertos naquele país e na Alemanha. Estudou com os professores Renato Bandel, Rafael Altino (Carl Nielsen Academy of Music, Dinamarca), Nobuko Imai e Roberto Diaz (Verbier Festival & Academy, Suiça). Com o Quarteto Raga, se apresentou em diversos concertos no Brasil, Alemanha e Tunísia. Atuou como solista frente a diversas orquestras brasileiras, participou como solista do CD “Novos Universos Sonoros”, a frente da Orquestra Sinfônica da UNICAMP, lançado em 2010, e recentemente atuou como solista


frente a Orchestre D’Auvergne (França) em concertos no RJ. Atualmente, além da orquestra, é professor do Instituto Baccarelli, professor da Academia das Violas do NEOJIBA, em Salvador, e violista do Quarteto Carlos Gomes.


VI OLONC E LO

ALCEU REIS,

O excelente domínio técnico de Alceu Reis

colocam-no entre os mais destacados violoncelistas brasileiros. Estudou com Iberê Gomes Grosso e aperfeiçoou-se com Pierre Fourmier. Trabalhou na Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (OSTM). De 2002 a 2009 foi o primeiro violoncelo convidado da OSESP e da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). Participou do Quarteto Bessler-Reis e foi membro fundador do Quarteto Amazônia. Os seus discos foram lançados pela Kuarup, Chant Du Monde e pela Duchesne. Como o Quarteto Amazônia ganhou o Grammy Latino em 2002. Recebeu diversas vezes o Prêmio Sharp, Prêmio Carlos Gomes, APCA e reconhecimento pelo New York Times, Diapason e Le Monde de La Musique.


E


Produção Musical Quarteto Carlos Gomes Gravação Studio PANaroma de Música Eletroacústica da Unesp (SP), de 1 a 6 de fevereiro de 2016 Engenheiro de Som Daniel Avilez Produtor de Gravação, Edição, Mixagem e Masterização Flo Menezes Produção Executiva Jeanne de Castro Projeto Gráfico Alexandre Amaral Fotos Alexandre Nunis



SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Comunicação Social Ivan Paulo Giannini /TécnicoSocial Joel Naimayer Padula / Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina / Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Selo Sesc Gerente do Centro de Produção Audiovisual Silvana Morales Nunes / Gerente Adjunta Sandra Karaoglan / Coordenador Wagner Palazzi /Produção Giuliano Jorge, Ricardo Tifona / Comunicação Alexandre Amaral, Raul Lorenzeti /Administrativo Katia Kieling, Thays Heiderich, Yumi Sakamoto / Áudio João Zilio, Marcelo Sarra


Av. Álvaro Ramos, 991 São Paulo/SP - CEP 03331-000 Tel: (11) 2607-8271 selosesc@sescsp.org.br sescsp.org.br/selosesc sescsp.org.br/livraria


Q


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.