Alexandre Queiroz – Book

Page 1

Alexandre Queiroz Memórias de

Da estirpe baiana à família catarinense





Alexandre Queiroz Memórias de

Da estirpe baiana à família catarinense



Organizadoras Dulce de Queiroz Piacentini Olga Maria Krieger

Alexandre Queiroz Memórias de

Da estirpe baiana à família catarinense

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO 1916 - 2016


© Copyright 2016 – Editora Bonijuris Ltda. COORDENAÇÃO EDITORIAL, PESQUISA, PREPARAÇÃO DE TEXTO E REDAÇÃO Dulce de Queiroz Piacentini Olga Maria Krieger EDITOR-CHEFE Luiz Fernando de Queiroz REVISÃO Maria Tereza de Queiroz Piacentini PRODUÇÃO GRÁFICA Jéssica Regina Petersen PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Estúdio Sem Dublê – Thais Scaglione TRATAMENTO DE IMAGENS Claudenir Lima (Kall) IMPRESSÃO E ACABAMENTO Pancrom Indústria Gráfica Tiragem: 1.000 exemplares EDITORA BONIJURIS LTDA. Rua Marechal Deodoro, 344, 3º andar, Centro 80010-010 – Curitiba, PR, Brasil Tel.: (41) 3323-4020 | 0800 645-4020 sac@bonijuris.com.br www.bonijuris.com.br CRÉDITOS DAS IMAGENS Fotografias e imagens cedidas por Ana Maria Duarte Somma, Antônio Paulo Silva Queiroz, Lylian Vargas, Neusa de Queiroz Santos, Rita Muniz de Queiroz Pereira, Sandra Helena Queiroz Silva, Valéria Duarte de Queiroz, bem como pelos filhos e netos de Alexandre Muniz de Queiroz. DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) INDEX CONSULTORIA EM INFORMAÇÃO E SERVIÇOS LTDA. Piacentini, Dulce de Queiroz P579 Memórias de Alexandre Queiroz : da estirpe baiana à família catarinense / Organizadoras Dulce de Queiroz Piacentini, Krieger, Olga Maria.— Curitiba : Bonijuris, 2016. 264 p. : il. ISBN 978-85-65017-13-8 Ed. alusiva ao centenário de seu nascimento Índice onomástico 1.Queiroz, Alexandre Muniz, 1916-2007. 2. Biografia. 3. Memórias. I. Krieger, Olga Maria. II. Título.

Preço do exemplar: R$ 240,00

CDD (20.ed) 920 CDU (2.ed.) 929Queiroz


AGRADECIMENTO O nosso muito-obrigado à equipe Bonijuris, aos familiares de Alexandre Queiroz que contribuíram com textos, imagens ou documentos e a todos que, pelo empenho, dedicação e comprometimento, tornaram possível a realização desta obra.


(Linha do Tempo de 1916

1919

1920

1925

1928

nascimento, em Valença/BA, em 7 de abril

nascimento da esposa Dulce, em Gravatal/SC, em 20 de abril

mudança da família para Teresina/PI

retorno à Bahia, cidade de Cachoeira

falecimento da mãe, Ritta, em 8 de junho

1944

1944

1942

1942

1942

nomeado Pretor (juiz municipal) de Boa Nova/BA, em 2 de julho

casamento com Dulce, em 10 de março

1951

1951

é nomeado para Promotor Público da comarca de Itambé/BA; inicia sua carreira como advogado

nasce o filho Antônio Diomário, em Boa Nova/BA, em 12 de abril

nasce a filha Maria Perpétua, em Salvador/BA, em 26 de dezembro

1945 nasce o filho Enéas Jeremias, em Itambé/BA, em 10 de julho

1946

1947

1948

nasce o filho Luiz Lafaiete, em Tubarão/SC, em 7 de dezembro

aceita o convite para ocupar a vaga de Promotor Público de Joaçaba; a família muda-se para SC

1967

1967

lança o álbum comemorativo do cinquentenário do município de Joaçaba

preside a Comissão Central Organizadora dos VIII JASC, realizados em Joaçaba

eleito vereador de Joaçaba, agora pela Arena

torna-se professor de Sociologia e de Português no Col. Gov. Celso Ramos, onde lecionou até 1973

viaja aos EUA em razão da sua eleição no Lions; primeira viagem de Alexandre e Dulce ao exterior

1971

1982

1983

1984

1990

institui a OAB Subseção de Joaçaba, da qual se elege presidente, em 22 de dezembro

candidata-se a deputado estadual pelo PMDB, perdendo a eleição

falecimento de Dulce, em Florianópolis/SC, em 18 de janeiro

casa-se com Ivette Antonucci Thomé, em São Paulo/SP, em 28 de janeiro

lança a obra “25 ANOS DE JASC (1960 - 1985): Joaçaba sempre presente”

nasce o filho Luiz Fernando, em Joaçaba/SC, em 13 de agosto

1966

encerra suas atividades como promotor público e dedica-se exclusivamente à advocacia

nasce a filha Maria Tereza, em Tubarão/SC, em 30 de julho

1965

1965

1971 nomeado professor na Fundação Universitária do Oeste Catarinense, onde lecionou até 1982


Alexandre Queiroz) 1928

1929

1931

1933

1935

casamento do pai, Enéas, com a segunda esposa, Baronísia Sapucaia

transferência de Enéas para Belém/ PA como chefe de fiscalização da ferrovia Madeira-Mamoré

mudança da família para Blumenau/SC

nova mudança, para Teófilo Otoni/MG

Alexandre e alguns de seus irmãos vão morar com o avô materno, Juca, em Salvador/BA

1936 entra na Faculdade de Direito da Bahia

1941

1940

1939

1938

1938

nomeado Oficial de Gabinete da Secretaria do Interior e Justiça da Bahia, em 22 de janeiro

em janeiro, celebra seu noivado com Dulce. Forma-se em Direito no dia 8 de dezembro

durante visita ao pai, que morava em Santa Catarina, conhece Dulce em Tubarão

ainda estudante, é nomeado escriturário de 2ª cl. do Trib. de Apelação da Bahia, em 17 de agosto

casamento do pai, Enéas, com a terceira esposa, Laura Freitas

1953 funda o Clube de Xadrez de Joaçaba, em 30 de maio

1953 representa o clube de Joaçaba na criação da Federação Catarinense de Xadrez, em 16 de agosto

1957 nasce o filho Luiz Paulo, em Tubarão/SC, em 22 de agosto

1958 começa a lecionar Economia Política e Português no Colégio Frei Rogério, em Joaçaba

1958 eleito vereador de Joaçaba pelo Partido Social Democrático – PSD

1959 preside a diretoria provisória do Lions Clube de Joaçaba, que ajudou a fundar, em 15 de março

1962

1960

1964

1963

elege-se Governador do Distrito L-10 do Lions Clube

nomeado professor de Sociologia no Colégio Cristo Rei, Joaçaba

eleito novamente vereador de Joaçaba pelo Partido Social Democrático – PSD

falecimento do pai, Enéas, em Salvador/BA, em 4 de setembro

participa da comissão organizadora dos primeiros JASC, realizados em Brusque/SC

1994

1997

2001

2006

é-lhe outorgada a Comenda do Mérito Desportivo pelo Conselho Est. de Desportos, em 6 de dezembro

último ano em que exerce a advocacia: deixa o escritório em julho

volta a morar em Florianópolis, no Centro Vivencial para Pessoas Idosas – CVPI

homenageado com o título de Professor Honoris Causa da UNOESC, em 14 de agosto

2007

1960

falecimento em Florianópolis/SC, em 23 de julho


(Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Reminiscências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 PARTE I Uma tradicional família baiana INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 I.I. Os ascendentes O tio-bisavô Zacarias de Goes e Vasconcelos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 O avô paterno, Aristides Galvão de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 O avô materno, José Muniz de Souza Sobrinho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 A tia Maria Coletta de Queiroz Couto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 O tio Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 O tio Aristides Vasconcelos de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 O pai, Enéas Vasconcelos de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 A mãe, Ritta Muniz de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 I.II. Os contemporâneos O irmão Manoel Lobão Muniz de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 O irmão José Benedicto Muniz de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 O irmão Enéas Muniz de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 A irmã Yvonne Muniz de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 A irmã Thereza da Conceição Muniz de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 A irmã Maria do Rosário Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 O irmão Aristides Freitas de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 O irmão Antônio Paulo Silva Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 I.III. Infância e juventude Infância e juventude de Alexandre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Bacharelado em Direito e primeiros anos profissionais na Bahia. . . . . . . . . . . . . . . . . . 103

PARTE II A família Fernandes de Queiroz INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111


II.I A nova família Os sogros Manoel Jeremias e Perpétua. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 A esposa Dulce Fernandes de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 Vida em família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 II.II Relatos dos filhos Maria Perpétua de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Antônio Diomário de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Enéas Jeremias de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Luiz Lafaiete de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 Luiz Fernando de Queiroz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 Maria Tereza de Queiroz Piacentini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Luiz Paulo de Queiroz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

PARTE III Alexandre Queiroz em múltiplas facetas INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 III.I Vida pública e profissional Promotor público, advogado e professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 Governador do Lions Clube . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 Xadrez e Jogos Abertos de Santa Catarina – JASC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 Carreira política. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 Curriculum vitae. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 III.II Suas outras paixões Joaçaba, Brasil e o mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215 III.III Terceira idade Novos laços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 O “vô Xande”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 III.IV Lições de vida Um legado em palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

E a vida continua... Netos e bisnetos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248

Mapeamento genealógico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250 Índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256



(Apresentação Memórias de Alexandre Queiroz: da estirpe baiana à família catarinense começou a ser cogitado ainda antes do falecimento do personagem principal, quando entregou à filha Maria Tereza os manuscritos de suas reminiscências. O que era para ser uma obra singela, com o texto corrido e poucas fotografias, acabou não se concretizando por motivos facilmente explicáveis. Faltou tempo, faltou oportunidade, faltou um empenho maior em se lançar a tal empreendimento. Quis o fado das coisas insondáveis, no entanto, que uma ideia inicial simplória se transformasse num projeto de maior envergadura, que resultou neste livro-álbum que contém não somente as memórias do autor, mas um retrospecto de suas raízes baianas, com amplo destaque a alguns de seus ascendentes, e também uma perspectiva do legado que deixou em terras catarinenses, além, é claro, de sua trajetória como advogado, desportista e político. Nesse sentido, o que era para ser um memorial apenas familiar alçou voo para atingir um maior campo de interesse, despertando a curiosidade de quem queira conhecer um pouco mais os fatos e circunstâncias que marcaram a vida de um ilustre baiano barriga-verde. Memórias de Alexandre Queiroz só se tornou realidade, na forma pujante em que se apresenta, porque contou com o entusiasmo de sua equipe de coordenadores, editores e revisores (veja o expediente), cujo esforço editorial recebeu a colaboração de inúmeros parentes e amigos do homenageado. É pois com inescondível orgulho que apresentamos mais uma obra de qualidade produzida pela Editora Bonijuris, empresa que vem se revelando uma joia rara no campo editorial brasileiro, apesar ou exatamente em função de sua pequena mas aguerrida equipe de trabalho. Que este livro sirva, portanto, de inspiração para filhos, netos, bisnetos, amigos e simpatizantes de Alexandre Queiroz, nesta e nas vindouras gerações. Luiz Fernando de Queiroz Editor-chefe

Apresentação |

13


(Prefácio Trabalhar num projeto da magnitude deste livro é realmente marcante. Exige cuidado – manuseiam-se documentos antigos preciosos; bom senso – na decisão do que constará ou não na obra; e sobretudo respeito – entra-se a fundo na vida privada dos biografados. Aprendi muito, tanto na parte mais técnica, isto é, tudo o que implica a melhor produção de um bem tão valioso, quanto no viés emocional: como neta de Alexandre Muniz de Queiroz, afirmo que conhecer com profundidade a sua própria ascendência é conhecer melhor a si mesmo. O processo de elaboração de Memórias de Alexandre Queiroz: da estirpe baiana à família catarinense envolveu muita pesquisa. Para chegar a datas e dados corretos, juntaram-se informações constantes em documentos pessoais de Alexandre com aquelas registradas por ele nas mais diferentes situações: notas em artigos de jornal que ele entregava aos filhos, anotações muito precisas que escrevia atrás de fotografias, inúmeras publicações em jornais a respeito dele ou de seus ascendentes, além dos registros feitos pelas irmãs Yvonne e Thereza e de conversas com muitos de seus descendentes, que trouxeram à memória eventos fundamentais na montagem do quebra-cabeça da vida notável de Alexandre. Em meio a tantas revelações durante o processo de pesquisa, descobri que a máquina do tempo já existe. O curioso é que talvez ela deixe de existir, ou fique restrita a museus, pois a evolução tecnológica de hoje, ao invés de favorecer essa máquina do tempo a que me refiro, talvez a faça desaparecer. Explico-me. Entre todo o material investigado, sobressaem-se as cartas. Ler cartas de parentes já falecidos – algumas vezes ainda no envelope, o papel amarelado pelo tempo, mas a letra de cada um deles ali, fortemente impressa – me fazia viajar no tempo. Mesmo! E como foi bom!! Como eu gostei de conhecer cada um dos meus tios-avôs, bisavôs, algumas de minhas tias-avós, “primos-avós”, e até mesmo conhecer mais a fundo meu querido vô Xande e minha até hoje bem lembrada, apesar dos poucos anos de convivência, vó Dulce. E há tanto de cada um no seu modo de escrever, nas palavras escolhidas! Tanto de cada um e tanto da Família Queiroz tal como a conhecemos hoje. O que se passa de pai/mãe para filho, de tio para sobrinho, de avô para neto vai muito além do DNA. E isso confirmei durante minha viagem no tempo também. É fascinante ver o respeito à dinâmica da língua portuguesa, que aprendi com minha mãe, já nos escritos do tio Tidinho. É prazeroso ver o amor pela vida próxima ao mar que há em mim e em tantos primos já habitando a alma de nosso bisavô Enéas. Que lindo ver a paixão pelo cinema que ele já tinha passar pelo vô Xande e pela vó Dulce, continuar na minha mãe e na tia Perpétua (para citar algumas) e permanecer em pessoas da minha geração! É fantástico ver características do meu avô em tantos tios: a superorganização do tio Cote, a diplomacia do tio Diomário, a generosidade do tio Luiz Fernando, o gosto por viajar do tio Lafa. É fabuloso ver uma vocação passar de tio para sobrinho e assim novamente, como vem ocorrendo com os médicos da família: tio Totônio, os tios-avôs Aristides e Antônio Paulo, tio Luiz Paulo, o primo Antônio Bernardo (que, vejam vocês, ainda carrega o mesmo nome do ilustre médico de quem tanto ouvimos falar pelo vô Xande!). Fiquei emocionada ao ver nas cartas que Alexandre trocava com vários de seus primos (Eduardo, Joaquim, Paulo, José, Evangelina) como a união e o amor entre os primos se manteve até a minha geração e continua nos nossos filhos! Com incontáveis emoções, eu diria que a maior de todas é o fato de termos terminado de escrever a biografia que o próprio Alexandre começou anos atrás e que, por razões diversas, não pôde concluir. 14 | Memórias de Alexandre Queiroz


Consciente da família de importantes feitos à qual pertencia, sua vontade de deixar a nossa história registrada para a posteridade finalmente se realizou. Isso se deve à iniciativa de seus filhos Luiz Fernando e Maria Tereza, que há anos já tinham em mente tal empreitada. Não à toa, em 1997 Maria Tereza fez uma série de entrevistas com seu pai, em que todos os assuntos constantes no livro foram abordados, decorrendo daí o fato de que em cada capítulo há comentários do próprio biografado, que afinal descreve a própria trajetória. A publicação deste memorial, que também celebra o centenário de nascimento de Alexandre Queiroz, deve-se ainda, em especial, à Editora Bonijuris e sua pequena equipe, da qual faço parte, que não mediu esforços para a elaboração e execução da melhor obra possível. Assim, esta biografia contém o começo das reminiscências escritas por Alexandre, da qual partimos, bem como outros recursos para ajudar o leitor a compreender o que está além do texto: a árvore genealógica das famílias Vasconcelos e Queiroz; um mapeamento genealógico começando com Enéas, o pai de Alexandre, e chegando aos dias de hoje; a linha do tempo da vida de Alexandre; um curriculum vitae bem completo do biografado contendo detalhes que escapam ao texto narrativo, e um índice onomástico, o qual permite análises que ultrapassam o enredo de vida dos Queiroz. O formato que o livro tomou deve-se à minha prima parceira de vida e trabalho, Olga Maria, também organizadora desta obra, que soube tão bem idealizar uma história pessoal no contexto da história de um país, colocando em evidência as relações pessoais, profissionais e políticas de uma época, os fatores que levavam às tomadas de decisões na família e os traços que fizeram de Alexandre o grande homem que ele foi, tornando esta publicação atraente mesmo para aqueles que não são seus parentes. Agradecemos aos familiares que nos ajudaram prontamente sempre que solicitados, de Florianópolis, Videira, Curitiba e especialmente da Bahia, berço dos Queiroz, sem cuja contribuição este projeto não resultaria no livro que hoje temos em mãos. Esperamos que você, leitor, também se emocione e se inspire para viver uma vida digna de uma obra biográfica, como foi a de Alexandre Muniz de Queiroz.

Dulce de Queiroz Piacentini Organizadora Florianópolis, março de 2016

Prefácio |

15



(Reminiscências Por Alexandre Muniz de Queiroz Dedicadas aos meus filhos, netos e bisnetos. Bisnetos... Embora eu ainda não os tenha, tê-los-ei, todavia, fatalmente, num futuro próximo; portanto, antecipo em também a eles dedicar. xxx As presentes Reminiscências, faço questão de dizer, estou escrevendo sem qualquer pretensão de um dia querer publicá-las. E daí redigi-las quanto possível num linguajar coloquial, ao alcance de todos, despretensioso, sem arroubos literários, sem atavios circunstanciais, às vezes repetitivo e redundante, e com o mínimo de adjetivos qualificativos, mas com uma única preocupação maior, qual seja, o firme princípio moral por mim há muito tempo adotado abeberando-me da sublime lição ensinada por Aristóteles, o magnífico e portentoso sábio grego: “Não dizer todas as verdades, mas só dizer a verdade, ainda que faça inimigos”. A “verdade” a que aqui me refiro é aquela que entendo ser a verdade, isto é, posso errar de fato mas não de consciência. xxx

Capítulo I: Meu nascimento Segundo consta da minha certidão de nascimento, nasci no dia 7 de abril de 1916, sexta-feira, às 9 horas da manhã, na Industrial e Imperial Cidade de Valença (assim denominada em razão da visita oficial que a ela fez D. Pedro II como Imperador do Brasil), Estado da Bahia, na casa do meu avô Juca, pai da minha mãe, conforme costume da época. Digo assim porque naqueles tempos não existiam maternidades e para o hospital só iam – mesmo assim somente os privilegiados – os que estavam para morrer. A casa do meu avô Juca era um sobrado antigo, tipo colonial, mas muito bonito dentre os demais; ficava na rua Direita, ou do Comércio, e ainda existe. Assim é que, para o sucesso de um bom parto e gozar da assistência e cuidados da própria mãe (minha avó Naninha), minha mãe, Ritta, vinha ter os seus partos em Valença de onde quer que então estivesse residindo. Pelo que, nesta ordem, são meus irmãos nascidos em Valença: Manoel, nascido aos 17 de junho de 1912; José, aos 2 de julho de 1913; Enéas, aos 29 de setembro de 1914; e Yvonne, aos 3 de maio de 1920. Felizmente, todos ainda vivos, com exceção do José, falecido aos 7 dias do mês de março do ano 1987, ao qual, não por já ter falecido, eu costumava dizer ser “o melhor” (bom de coração) de todos nós seus irmãos.

Reminiscências |

17


Por último, na heroica cidade de Cachoeira (assim chamada, de “heroica”, devido às lutas da Independência nela travadas), à margem esquerda do rio Paraguaçu, ainda no estado da Bahia, aos 25 de fevereiro de 1927, nasceu a Thereza (Thereza da Conceição), caçula do primeiro casamento do meu pai. Este (meu pai Enéas), após o falecimento da esposa Ritta aos 8 dias do mês de junho de 1928, em Cachoeira, aos 35 anos de idade, de “febre amarela”, segundo diagnóstico de tio Totônio, casou-se em 2as. núpcias com Baronísia Sapucaia, mais conhecida por “Bembém”, também de Cachoeira e de quem veio a se separar após seis anos de casados. Desse seu segundo casamento nasceu a Maricota (Maria do Rosário), nascida aos 22 de outubro de 1929, também em Cachoeira. Em consequência dessa separação, ele casou-se, em 3as. núpcias, sob contrato, com a professora e viúva Laura Freitas Monteiro, da Laguna, Santa Catarina, com quem teve o filho Aristides, hoje médico, residente na cidade de Euclides da Cunha, Estado da Bahia, nascido aos 22 dias do mês de dezembro do ano de 1940. Além destes irmãos – germanos os cinco primeiros; consanguíneos os dois seguintes – meu pai Enéas criou, desde pequeno, como se seu filho fosse, o Antônio Paulo, filho de Paulo da Cunha Maia de Queiroz e Lurdes, ele segundo filho varão de tio Totônio, e por isso, como aliás tradicional na Bahia, eu o considero (ao Antônio Paulo) como realmente é, meu irmão de criação. E com ele encerrou-se a minha irmandade, pois não consta que meu pai Enéas tivesse qualquer outro filho, “natural”, como natural naqueles tempos, principalmente em Valença, onde ainda corre a tradição de que “não é bem homem aquele que não tiver pelo menos duas famílias”... Por isso, foi com grande satisfação que, em janeiro deste ano (1991), quando da minha visita ao Morro de São Paulo, na ilha de Boipeba, próximo de Valença, na companhia da Ivette, minha segunda esposa, de Dona Vivinha, possivelmente a mais antiga moradora do local, após ela falar com entusiasmo e abundantemente dos componentes da família Queiroz que ali veraneavam, enaltecendo os méritos e as virtudes de cada um deles, homens e mulheres, do meu pai Enéas ela disse apenas o seguinte, textualmente: “Ele foi um bom marido”.

Capítulo II: Os antepassados Deixando de lado a Árvore Genealógica pelo José da Yvonne, pelo Joaquim da Maria e por mim organizada, e da qual constam os nomes de todos os nossos antepassados e afins conhecidos, que são “infinitos”, razão por que deixo de transcrevê-los em sua totalidade, o que, além de enfadonho, seria fugir ao desiderato do presente trabalho, simples “reminiscências” e não “memórias”, começo dizendo que foram meus pais o engenheiro civil Enéas Vasconcelos de Queiroz e Ritta Lobão Muniz de Queiroz, sobre os quais falarei em capítulo próprio. Meu pai Enéas era filho de Aristides Galvão de Queiroz e Maria Benedicta de Vasconcelos Queiroz; minha mãe Ritta era filha de José Muniz de Souza Sobrinho e Anna Lobão Muniz de Souza, sobre os quais (avós paternos e maternos) também falarei em capítulo próprio. Vovô Aristides era filho de Alexandre José de Queiroz, médico emérito, com alguns cursos na Europa e Lente Catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia e que em sua homenagem recebi meu nome; e Anna Rosa da Cunha Galvão de Queiroz. Minha avó Maria Benedicta, por mim chamada de vovó Maria, embora fosse mais conhecida por “Benedita”, era filha de Comendador Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos e Hermínia de Figueiredo Lopes de Vasconcelos, ele irmão mais velho de Zacarias de Goes e Vasconcelos e muito famoso na família por sua alta cultura e saber jurídico, tendo inclusive traduzido para o português o “Corpus Juris Civilis” dos antigos Romanos. Tio Zacarias, ou seja, Zacarias de Goes e Vasconcelos, é até aqui o membro de maior destaque de todas as nossas famílias, pois, além de ter sido duas vezes Primeiro-Ministro do Império, Senador e Presidente do Senado, foi também Presidente das Províncias do Piauí, Sergipe e Paraná, sendo que desta última foi

18 | Memórias de Alexandre Queiroz


o seu primeiro Presidente. Dele, pelo deputado Túlio Vargas, de Curitiba, Paraná, foi publicada a monografia “O Conselheiro Zacarias”, bastante satisfatória. Meu bisavô Alexandre José de Queiroz era filho de Manoel Alexandre de Queiroz e Maria Bernarda, últimos ascendentes conhecidos neste ramo da Família. Minha bisavó Ana Rosa da Cunha Galvão de Queiroz era filha de Manoel Raymundo Galvão e Joaquina da Cunha Galvão, igualmente últimos ascendentes conhecidos neste ramo da família. Meu bisavô Comendador Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos era filho de Antônio Bernardo de Vasconcelos (de onde veio o nome de tio Totônio) e Maria Benedicta da Assunção Menezes de Vasconcelos (de onde veio o nome de minha avó Maria Benedicta). Minha bisavó Hermínia de Figueiredo Lopes de Vasconcelos, casada com o Comendador Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos, era filha de Manoel José Lopes (de ascendentes desconhecidos) e Francisca Xavier de Figueiredo Lopes, filha de Francisco Xavier de Figueiredo e Ana Maciel Figueiredo, últimos ascendentes conhecidos neste ramo da Família. Meu trisavô Antônio Bernardo de Vasconcelos era filho de Luiz Bernardo, de cuja consorte ignoramos o nome, português de nascimento. Dele (Luiz Bernardo) sabemos que veio menino para o Brasil e tinha uma filha de nome Maria Maia, casada com Joaquim José Coelho Maia, ascendentes diretos de tia Beatriz, casada com tio Totônio. Da minha trisavó Maria Benedicta da Assunção Menezes de Vasconcelos não sabemos os nomes dos ascendentes. Como já se poderá ir observando, em todo o desenrolar das diversas famílias mencionadas na precitada Árvore Genealógica há um verdadeiro entrelaçamento entre os seus diversos membros, como ainda mais recentemente aconteceu com a minha irmã Yvonne, casada com o José de tio Totônio, e com o Joaquim e a Maria, ele filho de tio Tidinho e ela filha de tio Totônio. Para ironia das coisas, tio Totônio, médico e sábio, dizia que, sob o prisma da Genética, isto não era bom, mas era o “normal” naqueles tempos, quando a convivência entre os familiares, principalmente entre os primos, era muito grande e intensa, devido às próprias circunstâncias da época. Finalmente, para que fique registrado e se tenha conhecimento, ainda que resumido, da existência deles, da citada Árvore Genealógica, até a minha geração, umas mais numerosas e mais entrelaçadas entre si, as grifadas; outras menos numerosas e mais afastadas, constam as seguintes famílias: Pinto, Xavier, Figueiredo, Galvão, Cunha, Lopes, QUEIROZ, Vasconcelos, Menezes, Santos, Luz, Ribeiro, Loureiro, Mattos, Goes, Araújo, Maia, Figueiras, Coelho, Campos, Pires, Carvalho, Albuquerque, Aguiar, Couto, Miranda, Mendonça, Peltier, Costa, Rosa, Lobão, Sapucaia (da Maricota), Gomes, Silva, Cathalá, Castro, Lima, Souza, Toscano, Batista, Wagner, Macário, Silveira, Viterbo, Campelo, Rodrigues, Muniz, Fernandes (da Dulce), Freitas (de Dona Laura), Lanat, Fortunato, Tarquinio, Silvestre, Ladeira, Soares, Gurinit, Faria, Sampaio, Martins, Oliveira, Lourenço, Motta, Almeida, Brandão, Amaro, Leite, Chaves, Osório, Domingos, Marques, Cardoso, Ross, Fonseca (do Wilson), Domingos, Zalamena (da Genoefa, casada com o Zacarias de tio Tidinho), Perrone, Tubino, Bastos, Leite, Chaves, Nunes, Chamusca e Lemos. A estas famílias, acima mencionadas e constantes, todas, da mencionada Árvore Genealógica, eu acrescento as seguintes, mais recentes e diretamente ligadas à minha família: Wendhausen e Duarte (da Quidinha do Manoel e Arno da Thereza), Zanella (da Dirce do José), Cabral (da Alda do Enéas), Antonucci e Thomé (da Ivette). São Paulo, Capital, 7 de agosto de 1991, aniversário do meu pai Enéas.

Reminiscências |

19



Aristides Galvão e Benedicta com alguns de seus filhos, genros e noras: tio Tidinho, tio Xande, Enéas, tio Otávio, tia Cota (casada com Otávio), Tieta, tia Beatriz e tia Anita (casada com tio Xande).

Uma tradicional família baiana

(Parte I



Introdução

C

onhecer Alexandre Muniz de Queiroz significa conhecer suas origens. Pesquisar, identificar e desvendar seus antepassados, privilegiando aqueles que serviram de inspiração para Alexandre e que por ele sempre foram mencionados. Resgate que fizemos como porta de entrada para a história escrita da sua vida. Descobrimos uma família tradicional, que, estabelecida no estado da Bahia, refletia os costumes de uma terra pioneira na instituição da Igreja, do comércio, da política e da educação superior. Nesse percurso, voltamos ao século XIX no ramo genealógico dos Vasconcelos, Galvão e Queiroz, com destaque para seus parentes mais ilustres, como o tio-bisavô Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos, político de renome nacional do II Império, primeiro presidente da província do Paraná; seu avô Aristides Galvão de Queiroz, doutor em Matemática pela Universidade de Coimbra; ou, ainda, seu tio Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz, médico e filósofo, um homem sábio que marcou sua geração. Outros personagens são citados apenas brevemente, como seu bisavô Alexandre, professor da primeira Faculdade de Medicina do Brasil, além de ter se diplomado médico pela Universidade de Pisa, na Itália; e o tio-avô de elevada carreira política e militar, Marechal Reformado Inocêncio Galvão de Queiroz, pacificador da guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul. Heranças de ascendentes que estavam na vanguarda de um país ainda colonial mas que, no entanto, carregavam consigo os costumes e tradições de uma elite nobre brasileira, da qual fizeram parte. São valores, maneiras de estar no mundo e de ver a vida que impulsionam Alexandre a se revelar, na vida adulta, como um conselheiro, filósofo, jurista, um homem público, da “res pública”. Por outro lado, ao resgatarmos sua biografia, salta aos olhos a importância daqueles parentes que formavam sua rede de afetos, pessoas sem registros nos anais públicos mas que marcaram profundamente suas reminiscências: esferas da vida pública e privada que amalgamadas formaram o substrato do jovem Alexandre. O falecimento precoce da mãe, Ritta, aos 35 anos, alterou a trajetória de toda a família e fortaleceu laços com o avô materno, o Juca. O campo da afetividade é o palco de participação das mulheres, seja pela ausência da mãe, seja por aquelas figuras que ele mais prezou, como sua tia Coletta e as irmãs Yvonne e Thereza, estabelecendo com elas uma relação de estima e proteção, que perdurou ao longo dos anos. Reunimos, também, um pouco da biografia do seu pai, Enéas Vasconcelos de Queiroz, engenheiro da Fiscalização Federal das Estradas de Ferro, e de cada um dos seus irmãos, os quais fazem uma ponte entre a intimidade do lar dos Queiroz e o desabrochar da vida público-profissional de Alexandre, já que a posterior mudança a Santa Catarina está estreitamente relacionada com as viagens profissionais do pai e a ida de seus três irmãos mais velhos (Manoel, Enéas e José) para o Sul. Esta parte do livro se encerra com a juventude de Alexandre e sua formação acadêmica, ainda na Bahia, fechando o primeiro grande ciclo de sua biografia. Parte I | Introdução |

23



Brasão da Família Queiroz.

(Parte I

Os ascendentes


O tio-bisavĂ´ Zacarias de Goes e (Vasconcelos


“Tio Zacarias, ou seja, Zacarias de Goes e Vasconcelos é, até aqui, o membro de maior destaque de todas as nossas Famílias, pois, além de ter sido duas vezes Primeiro-Ministro do Império, Senador e Presidente do Senado, foi também Presidente das Províncias do Piauí, Sergipe e Paraná, sendo que desta última foi o seu 1º Presidente. Dele, tio Zacarias, pelo deputado Túlio Vargas, de Curitiba, Paraná, foi publicada a monografia “O Conselheiro Zacarias”, bastante satisfatória. (...) inclusive tem uma estátua dele numa das praças principais de Curitiba. Eu me lembro que eu tinha 12 ou 15 anos na primeira vez que fui a Curitiba; quando passei pela praça e vi a estátua dele, eu disse para o meu pai: “Pai, aquele é o tio Zacarias!” Eu o reconheci pelo perfil. Nós saltamos pra ver, ele não sabia que era o tio Zacarias e eu reconheci pelo busto...”

Primeiros anos e início da carreira política na Bahia

Z

Uma das últimas fotos tiradas de Zacarias.

acarias de Goes e Vasconcelos nasceu em Valença/BA em 5 de novembro de 1815. Descendia de família tradicional da Bahia, “que desejava distinguir-se pelo brilho intelectual e moral de seus membros”i. Era filho do Capitão Antônio Bernardo de Vasconcelos e de Maria Benedita de Assunção, os quais tiveram seis filhos: João Antônio (1803; magistrado), Maria Benedita (1807), Rita (1811), Manoel (1813; professor de retórica; bisavô de Alexandre), Zacarias e José Antônio (1817; padre e vigário de Itaperoá). Em Valença, o pai, Antônio Bernardo, preocupava-se pessoalmente com a instrução dos filhos: “Todos viviam absorvidos nos livros; o pai dava o exemplo”ii. Mas, com seu falecimento em 1825, foi João Antônio, primogênito, quem cuidou da educação dos irmãos. Em 1833, Zacarias ingressou na Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda, recebendo o grau de bacharel em Direito em 1837 e tornando-se professor substituto da mesma instituição em 1841. “No ano de 1842, seu irmão Manoel foi designado Professor de Retórica, na Bahia, e o outro irmão, José Antônio, ordenado sacerdote. O mais velho, João Antônio, o mentor de todos, nomeado Juiz de Direito em Caravelas. A família vencia”iii Casou-se com Carolina Vieira de Matos em 8 de outubro de 1853, na cidade do Rio de Janeiro, então com 37 anos, e sua noiva ainda a um mês de completar 14 anos de idade. Consta que Carolina era de família importante, nascida em Paris e criada no Rio de Janeiro, tendo sido inclusive dama de honra da Imperatriz Tereza Cristina de Bourboniv. O casal teve cinco filhos: Rita Carolina, João Antônio, Maria da Glória, Domingos e Anna. Zacarias foi um jurista e político de renome nacional no período imperial do Brasil, reconhecido em sua época como um político de ideias conservadoras, atuação ética e firme, religiosidade rigorosa, caráter incorruptível, exímio orador, jurista impecável, doutrinador até mesmo de seus pares, de grande coragem, um verdadeiro líder. “Alto, magro, anguloso, rosto para o comprido, olhar duro, tez biliosa, boca sardônica, nariz afilado, queixo pontudo, testa larga, tinha gestos medidos e comportamento austero. Impunha-se pela personalidade grave e circunspecta. Impecavelmente trajado, correspondia, no aspecto físico, à expressão com que os adversários o definiam: jesuíta de casaca. Vestia-se sempre de preto, sobrecasaca escovada a rigor, e rosto meticulosamente escanhoado. [...] Zacarias de Goes e Vasconcelos |

27


Casarão onde nasceu Zacarias, em Valença/BA.

Tornar-se-ia o terror dos ministros pela agressividade do verbo cortante. Tenaz e incorruptível, provinha-lhe essa autoridade de sua couraça moral ‘por onde não entrava o estilete do revide’.”v Não foi por outras razões que Zacarias iniciou tão jovem sua carreira política. Ingressou no Partido Conservador no início dos anos 1840 – era um saquarema – e elegeu-se pela primeira vez deputado provincial da Bahia em 1843, antes dos 30 anos, reelegendo-se mais duas vezes para o mesmo cargo (1846, 1848); posteriormente foi eleito deputado geral da Bahia (equivalente hoje a deputado federal), em 1853. No plenário era famoso o seu discurso cortante: poucos o desafiavam a um duelo oratório. De opinião independente e polêmica, sempre fiel a seus princípios e com verbo incisivo, sacudia a Câmara, convencia e empolgava, sem medo até mesmo de censurar o governo imperial, quando por exemplo criticou a ampliação do regime disciplinar imposto aos estudantes. Em suas palavras: “A polícia dos estabelecimentos científicos deve ser mais que tudo moral. O primeiro expediente para chamar os alunos das escolas ao cumprimento dos seus deveres é dar-lhes diretores zelosos e irrepreensíveis. É dar-lhes mestres que, ao exemplo de seu regular comportamento, reúnam a reputação de homens de talento e estudiosos. [...] A estes [estudantes de Direito], com especialidade, cumpre desde os seus primeiros anos, e com toda antecipação, ir-se predispondo a respeitar a liberdade individual dos concidadãos para que não suceda que depois como magistrados se mostrem inclinados à opressão, detendo sem escrúpulo nas masmorras, às vezes sem culpa nem delito, os seus concidadãos (muitos aplausos).” vi 28

| Memórias de Alexandre Queiroz

Nesse ínterim, foi também chamado a atuar no poder Executivo, nomeado Presidente de Província (equivalente hoje a governador) de Piauí (1845-47) e Sergipe (1848-49), assim como Ministro da Marinha (1852-53), funções indicadas diretamente pelo Imperador D. Pedro II.

Atuação política nacional No final de 1853, Zacarias ocuparia um dos cargos mais importantes da sua carreira: primeiro Presidente da Província do Paraná. Coube a ele a instalação administrativa e política dessa província recém-separada dos domínios de São Paulo, missão que exigia experiência, tino administrativo, além de pulso, prudência e sabedoria. A escolha de Curitiba como capital, pela Assembleia Provincial em 1854, foi em muito contribuição de Zacarias, que com habilidade logrou conciliar os múltiplos interesses locais e ressaltar as vantagens da pulsante cidade localizada no planalto, ainda que para muitos devesse ter sido escolhida a litorânea Paranaguá. Como assentou Zacarias, “Roma, a capital do mundo antigo, nem Paris, a capital do mundo moderno, têm a posição de Constantinopla. E, todavia, que diferença em seus destinos!”vii Findo o período de seu governo, havia organizado as bases da nova província, deixando-a com estrutura administrativa, organização da força policial, abertura de nova estrada ligando a capital ao litoral – Estrada da Graciosa –, implantação de distritos sanitários e equilíbrio financeiro. Especialmente na nova capital, auxiliou nos primeiros passos de sua urbanização: cemitério, liceu, assembleia, casa de governo, ruas alinhadas, calçamento, primeira iluminação. Deixou sua marca na história do Paraná, ainda que para alguns historiadores tenham sido insuficientes o registro e as homenagens a ele


prestadas. Em Curitiba há uma praça com seu nome, “a mais central da cidade e a primeira que teve, em chafariz, água pública (...) [onde] se erigiu um busto em bronze, mesquinha prova de gratidão, em face ao muito que todo o Paraná lhe ficou a dever e que mal, ainda, tem agradecido”.viii Ao sair do Paraná, Zacarias retornou ao Nordeste, onde foi professor de direito administrativo na Faculdade de Direito de Olinda. No plano legislativo, seria eleito deputado geral pelo Paraná (1861), deputado geral pela Bahia (1864) e, por fim, senador pela Bahia (1864). “Fleumático e austero, inflexível e determinado, Zacarias assumiu, desde logo, a postura de líder. Destacava-se menos pela sua voluntariedade, do que pela equilibrada ponderação de uma sabedoria professoral, a praticar a prudência, sem abdicar da firmeza, a ser agressivo sem perder a seriedade, hábil e perspicaz no plenário e nos bastidores. [...] Nascera com tendências para ser o superior mesmo entre os iguais. A opinião que formava dos seus merecimentos não lhe consentia outro lugar, senão acima ou na frente; ou como chefe ou como mestre. Mas, com todos os seus defeitos, com seu temperamento de censor impiedoso da moral política de seus contemporâneos, foi uma verdadeira culminância.” ix

Presidente do Conselho de Ministros e mudança de conservador a liberal Culminando a sua carreira política, destaca-se a escolha de Zacarias, pelo imperador D. Pedro II, como Presidente do Conselho de Ministros do II Império por três vezes (1862; 1864; 1866), cargo de maior relevância do Poder Executivo, equivalente a primeiro-ministro e ao qual cabia nomear o corpo de ministros (eram, então, sete ministérios: Império, Fazenda, Estrangeiros, Agricultura, Guerra, Justiça e Marinha). Desde fins dos anos 1850, havia se afastado do partido conservador e se juntado à “liga progressista”, designação da aliança formada entre conservadores moderados e liberais, que deu origem ao partido Liberal Progressista. Essa transferência ideológica, que chocou muitos políticos de então, foi guiada por sua crença nos princípios liberais, na soberania da sociedade e nos limites ao arbítrio imperial. Nas três oportunidades em que assumiu a presidência do Conselho, organizou gabinetes liberais. Era época de grandes agitações políticas no Brasil, principalmente em torno da Guerra do Paraguai e das discussões pelo fim da escravatura. Fruto da dinâmica parlamentarista, seu primeiro ministério durou apenas 15 dias (chamado de “ministério dos três dias”), o segundo seis meses e o terceiro dois anos. Na sua terceira presidência no Conselho de Ministros, ele confrontava indiretamente o Imperador ao questionar os limites do Poder Moderador (a queda do gabinete, em 1868, é considerada símbolo do “começo da derrocada da monarquia”x). Substituiu-o o conservador duque de Caxias, então no comando das forças brasileiras em operação no Paraguai. “Zacarias pediu demissão em julho de 1868, recusando apelos do chefe de Estado no sentido de permanecer à frente do governo. E, em atitude típica de seu espírito pirracento, negou-se a indicar sucessor.” Em 1869 participou da elaboração do “Manifesto Liberal”, que questionava novamente a concentração de poder nas mãos de D. Pedro II, e em 1870 recusou convite para ser conselheiro de Estado, pois já ocupava lugar de oposição ao Imperador e tal Conselho parecia-lhe “antes joguete do governo do que roda útil da

Zacarias vestindo uma austera casaca preta, como era costume seu.

Zacarias de Goes e Vasconcelos |

29


administração”. Confirmava, mais uma vez, sua natureza insubordinável: “Seria intolerável subordinar suas ideias a conveniências do partido ou governo, aos quais buscou sempre impor seu pensamento. Ganharia, com isso, muitos desafetos, mas sem violentar sua própria consciência nem conviver com a submissão.”xi

A obra da natureza e limites do Poder Moderador De grande relevância na sua biografia, Zacarias publicou Da natureza e limites do Poder Moderador (1860), peça importante no debate político do período, já que propunha reformas às instituições da monarquia. No livro, ampliado e reeditado em 1862, ele defendia a ideia de que o poder do monarca, consubstanciado no poder Moderador, deveria ser limitado, aumentando-se o poder dos ministros. Particularmente, não defendia o modelo republicano, já que era fiel aos princípios da monarquia representativa, com o respectivo respeito às liberdades individuais, a exemplo do parlamentarismo inglês. Foi uma obra que impactou os políticos e intelectuais dos anos 1860, tendo sido considerado um livro clássico da escola liberal: “Em virtude do cunho jurídico, o texto (...) passou a ser entendido como referência para o estudo do Poder Moderador e para a compreensão da estrutura e funcionamento do Estado imperial, como se fosse a síntese dos princípios elaborados pelos liberais ao longo de todo o período monárquico.”xii

Os últimos anos e falecimento Zacarias viveu seus últimos anos na cidade do Rio de Janeiro, continuando a sua atuação como senador (à época, cargo vitalício), advogado e também provedor da Santa Casa de Misericórdia. Em traço marcante da sua personalidade, não aceitou receber títulos nobres da coroa (Visconde, Barão...), pois “os considerava provocadores de situações de meio suborno e de estreita subjugação à Monarquia, que ele serviu com calor, mas livremente, por convicção e própria conveniência”xiii. Ao contrário, recebeu o título honorífico de Conselheiro por ter ocupado o prestigioso cargo de presidente do Conselho de Ministros do II Império. Apenas mais dois políticos ocuparam por três vezes tal presidência: o marquês de Olinda e o duque de Caxias. 30

| Memórias de Alexandre Queiroz

Busto de Zacarias instalado em 1915 na praça homônima no centro de Curitiba/PR.


Faleceu em sua casa no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, aos 62 anos (28.12.1877), em razão de uma linfatite. Seu nome já havia marcado a história: “Prestígio, ninguém no seu tempo o teve maior. Quer estivesse no governo ou na oposição, sua influência era considerável. Enquanto foi vivo não se assentaram trilhos de bitola larga, na rua do Conde, porque ele não queria. [...] Inadmitia a vassalagem, a humilhante dependência que escraviza o homem. Esse impulso de autodeterminação foi sempre um traço marcante do caráter de Zacarias, sem deixar vestígios de ingratidão, porque todos lhe reconheciam um inato sentido de liderança.” xiv

João Antônio de Vasconcelos e Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos Zacarias foi muito próximo dos seus irmãos João Antônio e Manoel. O primeiro foi seu mestre e condutor; o segundo, seu companheiro de estudos, o qual teria ido também cursar os preparatórios em Salvador (1830) se não tivesse lhe acometido um forte reumatismo, que chegava a impossibilitar Manoel de sair de casa. João Antônio, “num gesto raro de desprendimento, foi residir em Valença, lecionar retórica”xv, a fim de atender de perto o irmão enfermo. João Antônio teve, assim como Zacarias, uma carreira de destaque. Foi nomeado juiz de direito em Valença (1833), ocupou os cargos de chefe de polícia no Ceará, deputado provincial pela Bahia, presidente da província da Paraíba, “desembargador da Relação da Bahia”, presidente do Tribunal do Comércio, desembargador do “Tribunal da Relação” (1864), desembargador do Supremo Tribunal de Justiça e, finalmente (1875), presidente deste órgão máximo do judiciário do II Império. O conselheiro (ele recebeu tal título quando da sua nomeação para desembargador) faleceu em 1875, aos 72 anos. Manoel, o bisavô de Alexandre Queiroz, não pôde expandir seus estudos e atuação para fora da Bahia, pois foi “assaltado de reumatismo tal, que ainda em fins de 1832 o vim encontrar a ponto de mal poder andar”, constatou seu irmãoxvi. Ainda assim, seguiu carreira de prestígio intelectual: lente (professor) de Retórica em Valença. Casou-se com Hermínia de Figueiredo Lopes de Vasconcelos, com quem teve, entre outros filhos, Maria Benedita de Vasconcelos, avó paterna de Alexandre. O hábito – e o zelo – de Alexandre de arquivar documentos e cartas da família contribuiu imensamente para que se resgatasse parte da biografia dos Vasconcelos. Assim reconheceu o escritor Túlio Vargas: “A perseverança da pesquisa em torno de Zacarias de Goes e Vasconcelos [...] levou-me, acidentalmente, a localizar em

Zacarias e Carolina durante a lua de mel do casal em Paris, 1853.

Joaçaba, Santa Catarina, a existência de um raro manancial de informações acerca do meu biografado. Tratava-se de dois volumes manuscritos, na forma de diário, datados de 1864 e 1872, da lavra de João Antônio de Vasconcelos, irmão mais velho de Zacarias e responsável pela sua educação, guardados com zelo exemplar pelo seu sobrinho Alexandre Muniz de Queiroz, prestigioso advogado naquela Comarca e que, na Bahia, houvera respondido pela Secretaria do Interior e Justiça [...].”xvii i CARNEIRO, David. História do período provincial do Paraná: galeria de presidentes da República. Curitiba: Banestado, 1994, p. 57. ii VARGAS, Tulio. O conselheiro Zacarias. Curitiba: Grafipar, 1977, p. 18. iii VARGAS, Tulio. Op. cit, p. 27. iv CARNEIRO, David. História ..., p. 61. v VARGAS, Tulio. O conselheiro..., p. 43. vi VARGAS, Tulio. Op. cit, p. 47. vii CARNEIRO, David. História..., p. 69. viii CARNEIRO, David Op. cit., p. 70. ix VARGAS, Tulio. O conselheiro..., p. 29. x OLIVEIRA, Cecilia H. S. de (org.). Zacarias de Góis e Vasconcelos. http://www. editora34.com.br/areas.asp?colecao=Formadores%20do%20Brasil" Coleção Formadores do Brasil. São Paulo: Editora 34, 2002, p.12. xi VARGAS, Tulio. O conselheiro..., p. 44. xii OLIVEIRA, Cecilia H. S. de (org.). Zacarias..., p. 15. xiii CARNEIRO, David. História ..., p. 28. xvi VARGAS, Tulio. O conselheiro..., p. 149; 151. xv VARGAS, Tulio. O conselheiro..., p. 19. xvi Boletim do Instituto histórico, geográfico e etnográfico do Paraná; volume XXV, ano 1979, p. 90. xvii Boletim do Instituto histórico, geográfico e etnográfico do Paraná; volume XXV, ano 1979, “Apresentação”, sem paginação.

Zacarias de Goes e Vasconcelos |

31


O avĂ´ paterno, Aristides GalvĂŁo de Queiroz)


“Vovô Aristides, entre aqueles com os quais eu ainda tive a bênção de conviver, é, para mim, o mais ilustre de todos.”

A

Aristides Galvão de Queiroz no jardim de sua casa.

ristides Galvão de Queiroz nasceu em Salvador, na Ladeira dos Aflitos, no dia 23 de maio de 1845. Era filho de Alexandre José de Queiroz, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia, e Anna Maria Rosa Galvão de Queiroz. Casou-se em Valença, no dia 7 de janeiro de 1872, com Maria Benedicta de Vasconcelos, filha do Comendador Manuel da Cunha Menezes de Vasconcelos e Hermínia de Figueiredo Lopes Vasconcelos. O casal teve nove filhos: Maria Benedita de Queiroz Maia (tia Cota, nascida em 11/2/1874), casada com o advogado Otávio Loureiro Maia; Maria Coletta de Queiroz Couto (6/10/1876), casada com o tabelião Sebastião José de Couto; Maria Arminda de Queiroz Gomes (tia Badá, 12/10/1877), casada com o médico e professor Juvêncio da Silva Gomes; Maria Francisca Vasconcelos de Queiroz (tia Xixi, 5/4/1878); Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz (tio Totônio, 5/12/1879), médico e professor, casado com Beatriz de Maia Queiroz; Aristides Vasconcelos de Queiroz (tio Tidinho, 8/6/1881), desembargador, casado com Helena dos Santos Queiroz; Maria Ana Vasconcelos de Queiroz (tia Anita, 25/7/1884), casada com o agricultor Alexandre Galvão de Queiroz; Enéas Vasconcelos de Queiroz (7/8/1885), engenheiro civil, casado com Ritta Muniz de Souza Queiroz; e Maria Hermínia Vasconcelos de Queiroz (Tieta, 18/9/1887). Aristides faleceu em 26 de agosto de 1925. Em razão disso, o jornal Tribuna do Povo, de Valença, publicou em 6 de setembro do mesmo ano a sua biografia, da qual salientamos: Cursou os preparatórios no Colégio Sebrão, onde concluiu seu curso. Aos 15 anos seguiu para o Rio de Janeiro e ali se matriculou na Escola de Engenharia. Formou-se Engenheiro Civil. Sustentou tese, recebendo a carta de doutor em Matemáticas e Borla e Capelo [insígnia de doutoramento atribuída pela Universidade de Coimbra]. Formou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, terminando esses cursos aos 23 anos. Ocupou os seguintes cargos e desempenhou as seguintes comissões: - Engenheiro Fiscal nas Estradas de Ferro de São Paulo, Minas, Bahia, Ceará e Pernambuco, onde, neste Estado, ocupou o lugar de Diretor-Chefe da Estrada. - Deputado pela Constituinte no Estado da Bahia, ocupou o lugar de Presidente da Câmara. [em 1891-1892] - Deputado Federal [para o período de 3 de maio de 1894 a 31 de dezembro de 1899]; Diretor da Repartição Geral da Agricultura no Rio de Janeiro; Diretor da Navegação do Rio de São Francisco; Diretor e Fundador da Colônia Inglesa na Aldeia de São Fidélis, neste município. - Dirigiu os trabalhos telegráficos das cidades de Santo Amaro, Cachoeira, Nazareth e Valença. - Presidiu a Comissão de Estudos de Trabalhos da Cachoeira de Paulo Afonso. - Comissionado, foi à Europa, desempenhando importante cargo. - Lente da Escola Agronômica em São Bento das Lages; lente da Escola Politécnica deste Estado; membro do Conservatório de Astronomia de Paris; membro da Academia de Letras da Bahia. Escreveu várias obras, predominando, na maioria, as de caráter financeiro. Quando deputado federal, prestou o seu valioso concurso em projetos de alto valor financista. Como jornalista, este era o seu assunto predileto, prestando real concurso ao País, a pedido do então Presidente da República, Dr. Campos Salles, com seus artigos na questão da valorização do papel-moeda. Aposentado em Diretor-Chefe da Primeira Diretoria de Obras Públicas da Secretaria do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, retirou-se para esta cidade [Valença], onde exerceu o cargo de Intendente Municipal [hoje Prefeito]. Reiteramos à sua digna família nosso profundo sentimento de pesar. Entre seus trabalhos publicados destacam-se: “Bases para organização de uma escola normal de agricultura na província da Bahia”, 1880; “Síntese Universal e a Theoria Physica, Mathemática da Aristides Galvão de Queiroz |

33


Razão: memória oferecida ao Instituto Polytechnico Brasileiro”, Bahia, 1880; “Observação sobre alguns erros da moderna escola da barateza kilométrica nas escalas de ferro para serem presentes ao Congresso de estradas de ferro do Brasil”, Rio de Janeiro, 1882; “A crise financeira – As Emissões e o Ministro da Fazenda do Governo Provisório” (artigos publicados no Diário da Bahia em 1892). Há ainda outra obra sua, inédita, a que tivemos acesso: Alexandre a guardou por dezenas de anos, até entregá-la ao filho Diomário, a quem fez dela depositário para uma eventual publicação. O livro se intitula O Ocultismo e A Teoria Física da Vida, “um estudo geral e aprofundado sobre os chamados fenômenos ocultos, feito sob ponto de vista pura e exclusivamente científico”, o qual Aristides conclui comprovando cientificamente a existência de Deus. Depois de aposentado, dedicou-se “a leituras e estudos de astronomia e dos assuntos mais variados, inclusive ao cultivo de flores e árvores frutíferas no jardim e no quintal de sua residência no sobrado situado na Praça 2 de Julho, onde nasceu o estadista Zacarias de Goes e Vasconcelos” (de outro jornal, sem fonte). Sobre o avô paterno, Alexandre escreveu em fevereiro de 1995, em carta endereçada ao neto André Zacarias Tallarek de Queiroz:

Vovô Aristides, por sua vez, entre aqueles com os quais eu ainda tive a bênção de conviver, é, para mim, o mais ilustre de todos eles. Filho do Dr. Alexandre José de Queiroz (daí meu nome) e de Anna Maria Rosa da Cunha Galvão de Queiroz, ele também de notável cultura, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia, então, com a do Rio de Janeiro, únicas no Brasil; era pai, também, do General (post mortem Marechal) Inocêncio Galvão de Queiroz (irmão, portanto, de vovô Aristides), outro dos mais notáveis membros das nossas famílias (Vasconcelos, Galvão e Queiroz), pacificador, inclusive, do Rio Grande do Sul (Revolução Farroupilha). Vovô Aristides era Doutor em Matemática pela Universidade de Coimbra, tendo sido o primeiro brasileiro a conquistar esse título; Intendente (Prefeito) de Valença; Deputado na Constituinte baiana de 1891; posteriormente Deputado Federal e Presidente da Câmara; Membro da Academia de Letras da Bahia e do Conservatório de Astronomia de Paris, etc. 34

| Memórias de Alexandre Queiroz

Escreveu ainda Alexandre em outra ocasião:

Do meu avô Aristides meu pai costumava contar que ele levantou famosa polêmica político-financeira com Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda [1889-91], e tendo levado vantagem, tão grande, Campos Salles o convidou para ser o seu Ministro, mas ele recusou, dizendo que tinha em Valença, sua terra natal, uns cajueiros e eles já estavam florindo...; contava que, após as aulas de Economia que ele dava na Escola Politécnica da Bahia, de tão brilhantes, era carregado em triunfo pelos alunos; quando, porém, faltava dinheiro em casa, minha avó Maria, sua esposa, também de famosa memória, costumava lhe dizer: “Você pode ser tudo o que sabemos que você é, mas em Economia Doméstica você é um fracasso!” Consta que Aristides declinou do cargo de Ministro na verdade porque não teria férias durante quatro anos, sendo os cajueiros apenas uma maneira gentil de recusar tão ilustre convite. Pensando bem, que Queiroz abriria mão de seu descanso anual? Em dissertação de mestrado pela UNESP sobre “O Doutorado em Matemática no Brasil: um estudo histórico documentado (1842 a 1937)”, Célia P. Miller registra que Aristides defendeu sua tese de doutorado no Brasil, para validá-la em terras brasileiras, em 5 de abril de 1869, e que a defesa “contou com a presença de sua majestade o Imperador D. Pedro II”. A respeito agora de sua avó, Alexandre Queiroz registrou em 1991:

Minha avó Maria Benedicta, por mim chamada de vovó Maria, embora fosse mais conhecida por “Benedita”, era filha de Comendador Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos e Hermínia de Figueiredo Lopes de Vasconcelos, ele irmão mais velho de Zacarias de Goes e Vasconcelos e muito famoso na família pela sua alta cultura e saber jurídico, tendo inclusive traduzido para o português o “Corpus Juris Civilis” dos antigos Romanos. Para que possamos conhecer um pouco mais do lado pessoal deste notável parente, segue um texto escrito por ele sobre a vida no campo em que não utiliza nenhum verbo (pasmem!); publicado no jornal O Estudante, de Teófilo Otoni/ MG, em 9/7/1933, portanto post mortem, nele se nota uma


ironia fina, que se reconhece em outros de nossos ascendentes:

A vida campestre

Maria Benedicta e Aristides Galvão de Queiroz.

Quanto prazer, quanta liberdade, que de encantos, nesta predileta dos amantes da Natureza e das almas verdadeiramente dedicadas ao Culto de Poder Criador! E quanta alegria, animação e contentamento no grande cenário dessa vida – o campo! Por toda parte a união, a fraternidade e o amor, sem embargo desta mesma luta pela existência, entre os seres componentes desse cenário. Aqui a vegetação em contínua reprodução sob a ação benéfica e fecundante da luz e do calor solares; ali uma infinidade de insetos, de todas as cores e feitios, em constante movimento à procura do alimento, e aves de formas e tamanhos variados, isolados ou em bandos, em luta aberta com as árvores e plantas portadoras desse alimento, encerrado em suas flores e frutos; acolá o gado esparso em manadas pelas encostas dos outeiros e nas campinas matizadas de relva e de flores agrestes. E, como uma linha circunscrevente desse quadro vivo, um límpido regato de águas cristalinas em sinuoso trajeto pelos vales circundantes daqueles outeiros, encimado, um deles, por uma palhoça, habitação de um casal feliz de septuagenários. Nenhum cuidado, nenhum desgosto, nem fome, nem necessidade alguma insatisfeita, nesse lar idílico dos novos Philemon e Baucis. Tudo natural ali, tudo são, tudo puro, tudo livre. Fácil e natural o alimento, poucos e simples os desejos e necessidades; puros os sentimentos do pai, da mãe, do vizinho; são os costumes da família e da pequena sociedade camponesa, santas as práticas da religião e da moral; e livres, finalmente, os atos do indivíduo, parte componente desse agrupamento de inocentes e felizes. Tal o quadro resumido da vida do campo; salvo o contraste com algumas dores e aflições inevitáveis, por inseparáveis do corpo e inerentes à alma humana. Tal a imagem da felicidade, mas, infelizmente, de uma felicidade puramente imaginária, filha da poesia, e conseguintemente irmã da mentira. Quão diferente, com efeito, a realidade! Espinhos, urzes, urtigas, formigas, maribondos, cobras, grilos, lagartas, inundações, solinas e gafanhotos, etc., etc., quantas causas constantes de contrariedades, privações, fome e miséria! Que ingrata a terra sem o suor doloroso, a fadiga e a preocupação constante do cultivador! E quanto desespero oculto nessa paz aparente do habitante do campo!!! No seu último ano de vida, no coração de Aristides brotou nova paixão. É o que nos conta Alexandre em nota escrita à filha Maria Tereza:

Meu avô Aristides apaixonou-se aos 80 anos de idade, já viúvo, por uma sobrinha legítima (Noélia, solteira, e morreu solteira, filha da tia Mocinha), com quem queria casar-se. Mas, como a família não concordou (naqueles tempos a Igreja também não concordava), não demorou muito e morreu!! De fato, Aristides faleceu no dia 26 de agosto de 1925, com 80 anos.

Aristides Galvão de Queiroz |

35


O avô materno, (José Muniz de Souza Sobrinho


“O avô Juca foi um dos homens bons da minha vida.”

J

osé Muniz de Souza Sobrinho, avô materno de Alexandre, era conhecido como vô Juca. Nasceu em Valença/BA, em data que não se conseguiu apurar. Alexandre costumava contar à filha Maria Tereza que vô Juca, na juventude, trabalhava como balconista num dos “armarinhos” da cidade – loja em que se vendem tecidos e aviamentos de costura –, pertencente a uma família judia que se radicou na Bahia. O sobrenome do proprietário, Lobão, indica o status de cristão-novo. Foi em meio a panos e texturas, nos olhares trocados pela porta entreaberta, que nasceu o amor entre José e Anna, a filha do dono da loja. Imagina-se que José conquistou a confiança de Seu Lobão em vários aspectos, pois mais tarde este passou o armarinho para o nome do genro. José Muniz e Anna Lobão casaram-se provavelmente em 1892 e tiveram sete filhos: Ritta, José, Alzira, Enéas, Ana, Carlos e Armia. O nome de José consta no Almanaque Laemmert – Anuário Comercial, Industrial, Agrícola, Profissional e Administrativo dos Estados, na lista da cidade de Valença, no ano de 1914 como coletor estadual e proprietário de um comércio (sem maiores especificações), e nos anos de 1918, 1919, 1922 e 1927 como tenente-coronel e suplente do substituto do juiz seccional da Justiça Federal (suplentes tinham mandato de quatro anos, com nomeação feita pelo Executivo Federal), além de dono de armarinho e também exportador de café. Parece que se aposentou como coletor federal da cidade de Valença, conforme explica o neto Alexandre:

O avô Juca foi um dos homens bons da minha vida. Ele era coletor federal. Tendo adoecido – não sei bem qual foi a doença mas parece que era do coração –, foi obrigado a se aposentar. Saiu de Valença, foi para Salvador se tratar. Ele só tinha o primário. Mas o primário daquele tempo valia tanto como o ginásio hoje. Era um homem ainda ilustre, excepcional de bondoso. Daí ele ficou em Salvador porque precisou de um tratamento mais prolongado. Depois comprou uma casa e nós ficamos morando com ele lá em Itapagibe. Naquele tempo se comprava os títulos do exército. Ele comprou um de tenente-coronel. Mas pela sua fama, todo mundo o chamava de coronel Juca.

José Muniz de Souza Sobrinho, sem data.

A vó Naninha, como Anna era chamada, faleceu no dia 4 de janeiro de 1935. Foi bem quando Enéas, o genro, intencionava escrever ao Cel. Juca sobre a possibilidade de seus filhos irem morar com o avô. A carta escrita no dia 23 de janeiro deixa claro o quanto os avós maternos de Alexandre eram queridos e respeitados por todos da família: Cel. Juca Creia o senhor que eu não tenho tido coragem de escrever depois que recebi aquele telegrama de Zezé. Recebi-o na véspera de embarcar para o Rio, de modo que saí daqui verdadeiramente acabrunhado, e a viagem foi toda ela sob a dolorosa impressão que me causou o desaparecimento brusco e inesperado da minha boa e sempre lembrada sogra, D. Naninha, de quem tanto gostava e com quem tanto bem me dei. São coisas desse destino implacável. Os meus filhos ficaram tristes e pensativos quando lhes dei a lutuosa notícia e vi que as lágrimas lhes vieram aos olhos, retirando-se cada qual para seu quarto calados e cabisbaixos. É que eles, como eu, muito estimavam a sua boa e incomparável avó, sua segunda mãe depois que órfãos ficaram. (...) Preciso entretanto decidir para onde irão o Xande e o Enéas. Preferiria que ficassem com o senhor, caso continue na Bahia. Teria assim eu a certeza de que estavam sob o controle do senhor.

José Muniz de Souza Sobrinho |

37


Anna Lobão

Não é oportuno tratar disso agora, pelo estado de espírito em que deve o senhor se achar. Entretanto, essa nossa vida neste mundo de tristezas e sofrimentos não pode deixar de ser cuidada. (...) Pelo meu gosto, Yvonne, Manoel, Enéas e Xande com o senhor ficariam até a minha transferência. O que eu teria que gastar numa pensão daria ao senhor. 38

| Memórias de Alexandre Queiroz


E assim foram os quatro netos morar com o avô. Nessa época, vô Juca já estava aposentado:

Meu avô materno era um homem bom, generoso, mas relativamente pobre. Ele era funcionário público, aposentado como coletor federal. A aposentadoria naquele tempo era coisa pequena. Apesar de ele ter uma casa própria muito boa, era pobre. Assim, ele era econômico e tudo era dividido no almoço e jantar para que todos pudessem comer. Então cada um tinha uma banana, cada um tinha um pão. Em outra carta ao sogro, esta de julho de 1935, Enéas comenta sobre o filho Alexandre: Como o senhor está sendo testemunha, o homem é ativo, não dorme, tem iniciativa, pensa bem e se preocupa muito com o futuro. E em carta de novembro do mesmo ano, mais um sinal da ótima relação entre sogro e genro: Cel. Juca Recebi no dia 8 o telegrama de parabéns que o senhor enviou-me pela minha promoção. Agradeço muito porque sei que esses parabéns são dos que tenho recebido os mais sinceros e saídos do coração. Era na casa do vô Juca que morava a Filipa, ex-escrava de quem muitos da família já ouviram falar – quem nunca experimentou o famoso “bife da Filipa”? Alexandre explica:

Filipa foi uma escrava do vovô Juca, liberta. Era uma preta clara. Igual à Filipa no tempero, só a Terência. Ainda da época em que morava com o avô, Alexandre recorda:

O meu avô Juca, com certa idade (ainda relativamente jovem hoje em dia, porque naquele tempo se morria mais cedo) e já aposentado por invalidez, também ficou surdo. Então ele ficava numa mesa na sala de jantar jogando baralho sozinho: Paciência. E atrás tinha uma escada comprida utilizada por nós, os rapazes, que morávamos no sótão. De quando em quando, um neto caía da escada, ele não escutava e dizia: “Que coisa boa ser surdo!!”

Yvonne e Filipa, a escrava liberta, em outubro de 1953.

Avô Juca faleceu no dia 5 de março de 1937. José Muniz de Souza Sobrinho |

39


A tia (Maria Coletta de Queiroz) Couto


“Tia Coletta foi uma das pessoas que eu mais estimei na minha vida. Era pobre, mas sempre alegre, otimista.”

M

aria Coletta de Queiroz Couto foi a segunda filha de Aristides Galvão de Queiroz; irmã portanto do pai de Alexandre. Nasceu em 6 de outubro de 1876, na cidade de Valença, Bahia, onde seus pais residiam e contraíram matrimônio. Tia Coletta se casou no dia 7 de janeiro de 1900 com o tabelião Sebastião José de Couto, que faleceu cedo, “de meia-idade”, nas palavras do próprio Alexandre. Tiveram seis filhos: Evangelina (18/6/1906), Eduardo (2/3/1910), Luiz (4/11/1912) e Maria da Glória (9/8/1914) (além de Aglaé, Bernadete e Gilberto, cuja data de nascimento não temos, sabendo apenas que faleceram com pouca idade). Alexandre sempre ajudou financeiramente duas tias: Xixi (Maria Francisca) e Coletta:

Tia Xixi morreu solteira; foi minha primeira professora. E tia Coletta era viúva pobre. Eu ajudei ambas até o falecimento delas. Quando eu me casei, como juiz eu recebia 700.000 réis e mandava 200.000 para essas tias. Alexandre a estimava muito, e era também muito estimado por ela:

A tia Coletta morava numa casa própria em frente à igreja matriz de Valença. Ela me tratava excepcionalmente bem. Todas as vezes que eu ia a Valença, ela anunciava pra cidade inteira: “Quem vai chegar amanhã é o Alexandre!” Quando eu chegava lá, ia visitá-la, ela tocava piano em minha homenagem, preparava a comida que eu gostava. Eu ficava todo agradecido. Eu gostava tanto dela que quando Maria Tereza nasceu eu quis botar seu nome Maria Coleta. Alexandre chegou a dizer que tia Coletta era uma segunda mãe para ele. Mais uma vez o sentimento era recíproco, pois a tia sempre expressava seu amor de mãe pelo sobrinho nas cartas que lhe escrevia: Então você já tem a sua escolhida? Na verdade, era para admirar se não tivesse. Adeus. Receba um abraço e a bênção da tia que o estima mesmo como a um filho, Maria Coletta (em 11 de junho de 1939) E mais tarde, em 14 de setembro de 1942: Alexandre, Saúde e paz a você e a Dulce. Só hoje é que respondo a sua carta de 15 do mês passado, devido à dificuldade de transporte. De maneira que hoje agradeço-lhe o dinheiro deste mês e o daquela ocasião. (...) Junto a esta, envio a Dulce e a você uma pequena lembrança para o meu futuro sobrinho-neto. Este babadouro me foi dado por Mamãe; e aos olhos de vocês terá bastante valor, pois foi usado por Enéas, meu irmão e seu pai. (...) Sua mãe que o preza e confia em você, Maria Coletta Carta de tia Coletta para Alexandre, setembro de 1942.

Tia Coletta faleceu no dia 13 de setembro de 1943, poucas semanas antes de completar 67 anos de idade.

Maria Coletta de Queiroz Couto |

41


O tio AntĂ´nio Bernardo (Vasconcelos de Queiroz)


“Ele era tão bom de conselho, tão bom de palestra, que eu, acadêmico de direito na Bahia, aos domingos deixava tudo, festa, baile, cinema, e ia para o Poço onde ele morava pra conversar com ele e usufruir sua palestra.”

A

ntônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz nasceu em Valença, no sobrado da família, no dia 5 de dezembro de 1879. Era filho de Aristides Galvão de Queiroz e Maria Benedicta de Vasconcelos Queiroz. Casou-se em 17 de setembro de 1904 com Beatriz Loureiro Maia, com quem teve quatro filhos: Maria (17/9/1910), José (2/6/1912), Paulo (15/6/1914) e Bernardo (19/9/1915). Tio Totônio deve ser o mais famoso parente (junto com Zacarias) dentro do círculo familiar. Não há neto de Alexandre, ou quiçá até bisneto, que não tenha ouvido falar dele, que não conheça alguns dos seus ditos. Quem não sabe, por exemplo, que o tio médico recomendava comer ao menos uma banana por dia? Sua fama de homem sábio se espalhou, à época, por toda a Bahia. Mesmo após sua morte pôde-se encontrar no jornal baiano A Tarde, de 23 de outubro de 1975, reverências à sua sabedoria e cultura, em artigo publicado por Adroaldo Ribeiro Costa, sob o título “Os Vasconcelos de Queiroz”: Do velho amigo Humberto Lyrio recebi seguinte colaboração preciosa: “Meu estimado Adroaldo: Sabedor de quanto és amigo das tiradas geniais, aqui vai uma anexa, do Prof. Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz, cuja memória reverencio. Conheci-o lecionando na Faculdade de Ciências Econômicas e legitimamente havido em conta de sábio, tal a vastidão de sua cultura. Aprecie, agora, que genial construção poética, entremeada de fina ironia, nos versos que, de improviso, compôs o Prof. Vasconcelos de Queiroz: PELO SINAL DO PROFESSOR

O médico Dr. Antônio Bernardo.

Distingue-se o professor, do modo mais evidente, onde quer que se apresente, pelo sinal:

Quando avista um companheiro, sorri, compassivo, e diz: - ali vai um infeliz dos nossos...

E, neste andar, oscilando entre um aperto e um apuro, como cuidar do futuro do filho?

é um tipo triste, cansado, de aspecto pobre e servil: o mesmo em todo o Brasil da Santa Cruz.

Mas não lhe fala: não pode; é hora de uma lição. (Quem não souber diz que são inimigos!)

Mas trabalha. E para a luta, que sustenta, dia a dia, tem que sacar energia do espírito.

Sempre queixoso do atraso nas folhas de pagamento... (Do seu perene lamento livre-nos Deus!)

Não aprecia uma festa, um cinema, um recital: só tem vida social em nome.

Meio cavaleiro andante, misto de monge e jogral, mas nutrindo um ideal santo!

Abandonado da sorte, só numa coisa confia: é que desta o leve um dia Nosso Senhor.

Sóbrio à força, sonha, às vezes, com frutas, doces, bebidas... Menos jejum tem a vida do padre.

É um herói desconhecido. Isso – é mais do que ninguém. Deus te proteja, colega! Amém.

Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz |

43


Como se vê, está em grifo o “pelo sinal”... e quanta gente precisa, hoje, recordá-lo... Com o fraternal abraço do Humberto Lyrio” Conheci muito de perto o Prof. Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz, aí pela década de 40, na Faculdade de Ciências Econômicas, onde ambos lecionávamos, e posso dar testemunho da vastidão de sua cultura, o que, como você diz, legitimava a fama de sábio que gozava. Era, além disso, homem de fino espírito, do que é prova a preciosidade que você me enviou, meu caro Humberto. Alexandre escreveu em outra ocasião que o poema acima foi feito de improviso pelo tio, no ano de 1940, quando “convidado e instado pelos colegas para dizer algo sobre o transcurso do Dia do Professor”. De quando em quando, o próprio tio Totônio publicava artigos nos jornais, como o fez em 12 de maio de 1918, no periódico Tribuna do Povo, de Valença, em que comenta um livro americano “que merecia ser traduzido em todas as línguas e dado como leitura habitual para as escolas”: Getting on in the world, de William Matheus, título que ele sugere traduzir por “Conselhos para o êxito na vida”. Nessa ocasião, uma amiga sua traduziu parte do livro – a que falava sobre a pontualidade –, ao que ele aduz: “Não irei ao ponto de dizer que esse trecho parece especialmente escrito para nós aqui, onde a pontualidade não é coisa muito observada”. Acerca do trabalho de tradução, observa o tio: “Uma tradução é por si só um trabalho literário, o qual, não raro, acontece ser mais valioso, mais árduo, mais dependente de erudição e estudo do que o próprio compor originalmente”. Não se sabe com detalhes da sua trajetória profissional. Apenas que cursou a Faculdade de Medicina da Bahia, foi professor no Colégio Estadual da Bahia e na Faculdade de Ciências Econômicas, e também intendente (prefeito) de Valença de 1916 a 1922. Seu interesse por astronomia era notório. Tinha em casa uma grande luneta, a qual, com muito cuidado e delicadeza no manejo, ele emprestava aos filhos e sobrinhos para que admirassem os astros no céu. Não é à toa que entre os seus grandes feitos destaca-se a descoberta de duas luas antes do polonês que hoje leva crédito pelo evento. Transcrevemos abaixo duas notinhas de jornais, a primeira delas do A Tarde de 12/9/1968:

Opinião do leitor As duas novas luas O Prof. Nelson Oliveira escreveu a esta redação dando notícia de que jornais poloneses informam “que o famoso astrônomo Kazimir Kordylewski acaba de receber do Prof. Sousa Oliver (Nelson Oliveira), do Brasil, considerações sobre a sua descoberta de mais duas luas de apenas 600 quilômetros de diâmetro, a uma distância da Terra de 400 mil quilômetros. O astrônomo polonês confirmou ter empregado, na sua descoberta, o cálculo de Lagrange. Pensa que se o tivesse logo aplicado, como previra o sábio brasileiro Vasconcelos de Queiroz, baseando-se no movimento de libração da Lua, descoberto pelo próprio Lagrange, não teria levado dez anos observando a região celeste através do maior equatorial de sua pátria. Ninguém, até hoje, interpretou melhor as considerações de Lagrange, Leverrier, Flammarion, Blake e outros do que o genial professor brasileiro Dr. Vasconcelos de Queiroz, cuja inteligência e cultura honraram o Brasil e o mundo. Corrigiu Galileu, com afirmações próprias sobre as oscilações do pêndulo, previu, ou melhor, descobriu, sem ver, os pontos de Kordylewski e acertou tantas coisas mais que o podemos considerar um verdadeiro sábio na acepção rigorosa da palavra. Morreu pobre, ignorado de quase todo mundo, à exceção de seus amigos-discípulos, como os Profs. Sá de Oliveira, Paulo Pedreira, Nelson Oliveira, Menandro Falcão, Álvaro Silva e poucos outros. Diz ainda o Prof. Nelson Oliveira que a Bahia deve perpetuar o seu nome, não numa rua qualquer, mas numa praça ou num instituto cultural, em Salvador e em Valença, sua terra natal, onde foi prefeito e médico de todo mundo, socorro certo e bondoso dos pobres. Isso será, apenas, uma amortização da grande dívida que o mundo científico tem para com o grande baiano. Ele fez como Leverrier com Netuno; foi ele o descobridor das duas novas luas, vistas por Kordylewski que hoje desfruta a glória de seu descobrimento” – conclui o ilustre missivista.

44

| Memórias de Alexandre Queiroz


Prof. Vasconcelos de queiroz Faria anos no dia 5 deste mês, se fosse vivo, o Dr. Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz. De inteligência poderosa e de uma cultura enciclopédica extraordinária, o Prof. Vasconcelos de Queiroz localizou, antes do astrônomo polonês Kazimir Kordylewski, as duas luazinhas que acompanham a grande Lua dos poetas, originando-lhe o famoso movimento de libração até então inexplicável. O grande falecido mostrou por A mais B a indispensabilidade da existência dos pequeninos astros, vistos e fotografados por Kordylewski após dez anos de permanência no telescópio de Breslávia. Desprezando o cálculo de Leverrier, o Prof. Queiroz aplicou o método de Lagrange, chegando a assinalar, no mapa celeste da “Coleção Nelson de Sousa Oliveira”, os pontos ocupados pelas luazinhas – cuja honra da descoberta fica com o astrônomo europeu. Foi também completador das leis de Galileu e morreu pobre e desconhecido. Era catedrático do Colégio Estadual da Bahia. Médico notável, poliglota profundo, químico, poeta. A sua família, os seus ex-discípulos e amigos prestam homenagem à sua memória imperecível. Carta escrita por Beatriz, esposa de tio Totônio, a Dulce em julho de 1946.

Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz |

45



Entre os inúmeros admiradores de tio Totônio estava, é claro, o sobrinho Alexandre; talvez o maior deles, como se deduz da epígrafe inicial. Alexandre nos conta mais desse ilustre tio:

Uma das passagens importantes da cultura de tio Totônio, por exemplo, era que ele lia tudo em francês. Um dia chegou na Bahia o embaixador ou representante diplomático da França, quando ele era professor do Ginásio Ipiranga e também da Escola do Comércio. O Embaixador foi fazer uma conferência no Ginásio da Bahia e então convidaram tio Totônio para fazer o discurso de saudação em francês. Ele fez um discurso tão solene, tão importante, tão culto, que o Embaixador não acreditou que ele nunca tivesse estado na França. Eu me lembro que o tio Totônio foi obrigado a sair de Valença porque não cobrava de ninguém, então começou a ficar pobre, a sentir a pobreza. E para não morrer pobre ele veio para Salvador, para poder se reabilitar economicamente. Mas mesmo assim, como ele era maçom, atendia na maçonaria e gratuitamente. Sobre a casa de tio Totônio, Alexandre deixou registrado:

Tio Tidinho e tio Totônio com as esposas, Helenita e Beatriz.

A casa de tio Totônio ficava no Poço. Era um sobrado, uma casa enorme. E na frente tinha dois pés de tamarindo. O pessoal da redondeza costumava passar ali uma tarde na sombra... E tio Totônio era uma pessoa boa não só comigo. Ele era mão-aberta com todo mundo, recebia todo mundo, inclusive as empregadas, que naquele tempo não eram bem empregadas, eram servas. Elas almoçavam na mesa com tio Totônio. A mesa tinha 5 m de tamanho e ali almoçava todo mundo: os parentes, filhos, genros, noras e netos, e também os empregados. A casa era tradicional. Naquele tempo toda casa tinha uma capela própria. Eu não me lembro mais a santa padroeira da capela da casa. O fato é que todos os dias, antes de dormir, a dona da casa rezava com os filhos, pedindo graças. Tinha lá uma sala de partos. Naquele tempo não havia maternidade. E quando os parentes Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz |

47


estavam para ter criança, iam exatamente para a casa de tio Totônio, que era médico famoso e obstetra. A Dulce inclusive foi lá para ganhar a Perpétua sob a assistência de tio Totônio. Eu me lembro do seu primeiro vagido... Eu estava dormindo; quando acordei, escutei o primeiro choro da minha filha. A dona Perpétua não estava na Bahia. Ela foi para lá depois. Só ia a hospital quem estava para morrer. Essa era a tradição. Entre as inúmeras lições de tio Totônio – a maioria passada à família de forma oral –, temos o registro escrito da seguinte:

Carta de tio Totônio para Alexandre, julho de 1943.

Hoje, 20 de abril de 1994, aniversário da Dulce (se estivesse viva estaria completando 75 anos), o Quinzinho, da Bahia, filho do Joaquim e da Maria, portanto neto de tios Tidinho e Totônio, e que deveria ter sido meu afilhado, mas que não sei por que não foi, me pediu, pelo telefone, CR$ 150.000,00 emprestados, o que prontamente atendi, pelo Bradesco, através da Ritinha da Yvonne. Estou fazendo esta anotação porque, ao atender o pedido por ele, Quinzinho, formulado, lembrei-me de mais uma das belas lições a mim transmitidas por tio Totônio, que desejo retransmitir aos meus filhos e netos. Na Bahia, ainda acadêmico e solteiro, mesmo assim, de quando em quando, por parentes e não parentes, me eram feitos pedidos semelhantes, e, quando possível, eu os atendia, dentro das minhas possibilidades. Certa feita, tio Totônio soube de um desses pedidos por mim prontamente atendido e, sem querer me elogiar, mas reconhecendo o mérito do meu gesto, me disse, com carinho paternal, como ele costumava ser comigo: “Muito bem, meu filho; muito bem; e não esqueça de agradecer a Deus duas vezes: primeiro, por ter condições de poder atender o pedido; segundo, porque é muito melhor serem eles que precisam pedir e não você”. A relação tão terna entre tio e sobrinho era notória. Até mesmo Beatriz, esposa do tio Totônio, em carta escrita a Dulce em 17 de julho de 1946, comenta:

48

| Memórias de Alexandre Queiroz


Não repare eu não escrever de vez em quando, pois isso não significa esquecimento; ao contrário, penso muito em vocês todos e sempre converso com Totônio a este respeito, quando acontece achar jeito de conversar com ele de noite quando chega do trabalho, e ele, que raramente se ocupa de outras pessoas, sempre se refere a Alexandre, lembrando as ideias dele e as finezas que sempre nos dispensou. O carinho e admiração mútuos sobressaem especialmente nas cartas que trocavam entre si. Daquelas que o tio escreveu ao sobrinho destacamos trechos que deixam à mostra a afeição, a intimidade e a estima de um pelo outro – mesmo nas partes que carregam a ironia fina e inteligente do nosso célebre tio: ------------20 de julho de 1943 Meu ilustre amigo, estimado parente e distinto co-didacta Alex Já lhe tinha escrito uma carta, mas ela voltou insistentemente para casa no meu bolso. Se eu fosse supersticioso, isto é, se fosse um pouquinho mais do que sou, não escreveria mais. Mas sou pouco e estou escrevendo. (...) Ora, estou sabendo que a suposta gravidez era ilusória, de modo que as minhas esperanças se desfizeram. Digo esperanças porque em condições normais eu não tenho coragem de oferecer-lhe minha casa, e assim só posso gozar a sua estimável presença – com todo o agrado das elucubrações filosóficas e todo o perigo das discussões metafísicas – quando as circunstâncias são prementes. Do que se resume que eu lhe desejo circunstâncias prementes. Quanto ao princípio da outra carta, era este: “Apresso-me em responder sua missiva, fazendo-o apenas à parte que dela me toca, que aliás não é grande. Digo apresso-me, porque cá na nossa família responder uma carta dentro do trimestre da recepção é uma lança em África...” Desejo-lhe saúde, repouso, solidão e livros. Metade dessas coisas à Exma. Senhora. A quarta parte à pequenina. E sou aquele mesmo animal ainda não classificado: ABernardo ------------Bahia, 10 de setembro de 1944 Dr. Alexandre Queiroz, Já tantas vezes lhe tenho escrito, telegrafado, recadeado, etc., sem ver resultado a essas atividades, que hoje em dia tenho a impressão da inutilidade absoluta de qualquer esforço no sen-

tido de me comunicar com o Inatingível. E vou acrescentar no meu Creio em Deus Padre: “creio na comunicação dos santos mas não creio na dos pretores”. De modo que faço esta carta como quem faz um documento para a posteridade – para que fique uma prova de que lancei mão de uma última tentativa. Se esta ainda não tiver resultado, ninguém mais me tirará a convicção de que sua existência é um mito, uma criação dos parentes, uma alucinação coletiva – o que aliás explicaria perfeitamente a diversidade das opiniões e conceitos que reinam a seu respeito, semelhante ao que se dá com as concepções míticas, que cada um corporifica de acordo com sua própria mentalidade. (...) Meu respeito às crianças, um abraço para D. Dulce, esta carta para você (caso exista) do tio AB -----------(sem data) Dr. Alexandre Queiroz Tenho tardado em lhe escrever por acúmulo de coisas que solicitam minha atenção. Note bem que eu não estou dizendo que sejam coisas estimáveis, ou pelo menos daquelas que você considera como tais. São coisas que pesam na distribuição das nossas horas... Entretanto, se eu não tivesse a certeza de que você não repara nessa tardança, já teria feito um esforço e escrito. En effet, um magistrado que é ao mesmo tempo um causídico, numa zona onde só se fala de negócios, onde a moeda divisionária que circula, nas bocas e nas transações, é o conto de réis, onde as visitas ainda conversam 15 minutos à porta, não achando jeito de se despedirem por causa dos assuntos que ficaram por tratar – não tem tempo nem atenção a dar às pequeninas e rasteiras insignificâncias com que nós aqui nos ocupamos. Por isso tardei, mas aqui estou. (...) São quase 12 horas. Trabalhei o dia inteiro e estou raciocinando tardamente. Raciocinando e sentindo também. Basta dizer que a lua está visível do lugar onde escrevo, e, meia embrumada e merencória, está me fazendo lembrar uns versos de Musset; e eu repito os versos sem sentir poesia neles... C’était, dans la nuit brune, Sur le clocher jauni, La lune Comme un point sur un i… Tio Totônio faleceu em 3 de outubro de 1958. Tinha então 79 anos incompletos. Foi enterrado no dia seguinte no Cemitério do Campo Santo, em Salvador/BA. Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz |

49


O tio (Aristides Vasconcelos de Queiroz)


“Tio Tidinho era muito estimado e era considerado o desembargador mais culto de sua época. Além de culto, era também amigo, caridoso, como sempre foram todos os Queiroz. Protetor... ele protegia todos os funcionários, os mais humildes...”

A

ristides Vasconcelos de Queiroz nasceu no dia 8 de junho de 1881, “acidentalmente em terras mineiras” (segundo jornal que noticiou sua morte), mas era considerado valenciano, por ter passado em Valença, na Bahia, sua infância e parte da mocidade. Era filho de Aristides Galvão de Queiroz e Maria Benedicta de Vasconcelos Queiroz. Casou-se com Helena Santos, com quem teve nove filhos: Aristides (funcionário estadual), Joaquim (pretor), Zacarias (estudante de humanidades à época do falecimento do pai), Ana (casada com Antônio Bernardo Maia de Queiroz, funcionário do Estado), Helena, Maria Benedita, Hermínia, Isabel e Noélia. Tio Tidinho foi outra figura proeminente da família. Os jornais que noticiaram seu falecimento, ocorrido em 14 de maio de 1939, destacaram seu importante papel como desembargador na Corte de Apelação baiana, “de cuja casa era uma das figuras de maior relevo, pela firmeza de seu caráter, pela lucidez de sua inteligência e pela nobreza de suas atitudes” (jornal da cidade de Valença, porém sem identificação ou data). No mesmo periódico: “Associando-se às homenagens póstumas em consequência do infausto acontecimento, o Senhor Prefeito deste município, Dr. Admar Braga Guimarães, ao ter notícia da triste nova, encerrou todo o expediente da Prefeitura, mandando hastear no Paço Municipal o Pavilhão Nacional, em sinal de luto”. No jornal O Conservador, outro sinal de sua reputação: “Cadeira vazia... É que quem reúne de vez tantos títulos morais e intelectuais dificilmente encontrará substituto...” O Diário de Notícias, de Salvador, também publicou seu lamento:

De luto a justiça baiana Faleceu, ontem, nesta Capital, o desembargador Aristides de Queiroz, que era um dos luminares do nosso egrégio Tribunal de Apelação. A cidade recebeu consternada a notícia do falecimento, ontem, cerca das 20 horas, do eminente conterrâneo, desembargador Aristides Vasconcelos de Queiroz, honra e lustre da nossa magistratura, elemento de grande destaque na sociedade baiana e um dos espíritos de mais alto relevo de sua geração. Juiz impoluto, servido por primoroso talento e por invejável cultura, a que se aliavam caráter de escol e coração boníssimo, de cidadão prestante, de amigo lealdoso e de pai de família exemplar, o desembargador Aristides de Queiroz, conforme, aliás, informáramos, destas colunas, vai por alguns dias, achava-se acamado, por volta de um mês, em consequência de intervenção cirúrgica a que se submetera. Infelizmente, o seu mal era sem cura, e, após a operação, redobrou de intensidade e violência, tornando inúteis todos os recursos da medicina e os desvelos da família e dos amigos. Perde a Bahia, assim, um dos grandes juízes que há possuído, grande pelo saber, grande pela inteligência e grande pelo caráter, o qual, depois de toda uma vida de labor honesto e de repetidas renúncias, morre paupérrimo, deixando viúva e nove filhos apenas com o patrimônio da honra imarcescíveis de seu saudoso esposo e pai. Eis sua trajetória profissional: O prof. Aristides homenageado na formatura do curso de Direito em 1936.

Fez o seu curso de humanidades em Salvador, no antigo Colégio S. Salvador. Em 1901 matriculou-se na Faculdade de Direito e recebeu o grau de bacharel a 7 de dezembro de 1905. Aristides Vasconcelos de Queiroz |

51


Helena e tio Tidinho em janeiro de 1928.

Em abril de 1908 foi nomeado Juiz Preparador de Vila Bela das Palmeiras, sendo removido, em dezembro de 1912, para Pilão Arcado. Fazendo concurso para Juiz de Direito, em fins de 1913, foi nomeado Juiz de Correntina e, mais tarde, de Santa Maria da Vitória, sendo removido, a pedido, em outubro de 1919, para a Comarca da Barra. Em outubro de 1920 teve acesso para Caravelas, passando depois, a pedido, para a Comarca de Bonfim. Em maio de 1926 teve acesso para Ilhéus, no governo Góes Calmon, indo exercer ali a Vara Crime. Submetendo-se, em 1927, a concurso para desembargador do Tribunal Superior de Justiça, foi nomeado aos 23 de maio 52

| Memórias de Alexandre Queiroz

do mesmo ano. Era Vice-Presidente dessa Corte de Justiça e membro do Conselho Disciplinar da Magistratura, tendo também lecionado Direito Civil na Faculdade de Direito da Bahia (que veio a ser a Universidade Federal da Bahia em 1946). No Governo do General Raymundo Barbosa, exerceu a pasta do Interior e Justiça. Também como professor o querido tio Tidinho se destacou. É o que mostra nota publicada no jornal A Tarde, da Bahia, em 23 de outubro de 1975, por Adroaldo Ribeiro Costa (continuação do texto reproduzido no capítulo de tio Totônio): Agora não sei se você conheceu o irmão [do médico Antônio Bernardo], Desembargador Aristides Vasconcelos de Queiroz,


De elegância absoluta no trajar – nisto se diferenciava do irmão –, dono de uma simpatia irradiante, era queridíssimo da turma, tanto que um grupo de que eu fazia parte levantou sua candidatura à Paraninfia. Perdemos a eleição por um voto e ele figurou no quadro como “Honra ao Mérito”. Dois grandes expoentes da Bahia, meu caro Humberto, cujas memórias reverencio hoje aqui, graças a você. Tio Tidinho e o sobrinho Alexandre tinham uma relação afetuosa, certamente nutrida pelo fato de que ambos escolheram atuar na área do Direito. Alexandre revelou a respeito de sua formatura:

Eu me formei em Direito e não tinha dinheiro. Era obrigado a usar beca, e eu não ia me formar com solenidade porque tinha uma taxa para pagar pelo seu uso. Mas tio Tidinho, sempre bondoso, me pagou a taxa e alugou a beca para eu poder me formar com solenidade. E ainda: Quando fui morar na Bahia, tio Tidinho era desembargador e me ofereceu um emprego de Secretário do Tribunal de Justiça da Bahia, mas com o compromisso de eu ajudar as duas tias: tia Xixi e tia Coletta, irmãs dele.

Carta de tio Tidinho para Alexandre, fevereiro de 1939.

outro homem notável. Este eu o conheci em 1933, na Faculdade de Direito, durante o meu segundo ano jurídico. Era nosso Professor de Direito Civil o Dr. João Marques dos Reis, cujas aulas tinham um brilho inexcedível. Mas naquele ano houve as eleições para a Constituinte. Marques dos Reis foi eleito e teve que deixar o curso, no segundo semestre. Lembro-me bem de que ele nos disse: “Vou sair mas deixo-os nas mãos de um dos maiores civilistas deste País”. Pois, meu caro Humberto, não tenho dúvida em afirmar que o velho Aristides foi o melhor professor que eu encontrei em toda a minha vida escolar. O Direito Civil, parte de Obrigações, é uma coisa árida, mas ele a tornava agradável e fácil.

Certa feita, Alexandre escreveu uma carta para o tio questionando-o a respeito do uso da palavra “inoperante” com que se deparou numa peça jurídica. No dia 2 de fevereiro de 1939, tio Tidinho, demonstrando a mente aberta com que compreendia a dinâmica da língua, respondeu: Há uns que entendem que os “léxicos” e as “gramáticas” são a fonte integral do saber filológico. De modo que, fora daí, negam toda possibilidade do encontro de uma palavra ou noção certas, passáveis. Para essa gente a formação da língua é sempre erudita. Outros pensam diferentemente. Humanistas, democratas, liberais não admitem essa escravidão, essa ditadura literária. Dizem que a língua, assim como nasceu, eternamente se renova, pelo interesse, jeito, gosto e inteligência do povo. Ao fazer uma lista de memórias em 1997, Alexandre citou entre as cinco coisas mais tristes de sua vida “o caixão

mortuário de tio Tidinho, zelado pelos parentes, na casa de tio Totônio, no Poço, Salvador, Bahia”.

O irmão Enéas escreveu ao filho Alexandre em carta de 3 de junho de 1939: “Avalio o vácuo deixado com o desaparecimento do Tidinho, e espero que só o tempo possa ir minorando esse estado de coisas. Da sua parte a falta é insuprimível. Outro igual, impossível encontrar.” Admirável tio Tidinho, para Alexandre Queiroz e agora, seguramente, também para seus descendentes! Aristides Vasconcelos de Queiroz |

53


O pai, (EnĂŠas Vasconcelos de Queiroz)


“Ele foi o melhor pai do mundo, não pode existir pai melhor do que ele foi para conosco.”

F

Enéas em março de 1936.

ilho de Aristides Galvão de Queiroz e Maria Benedicta Vasconcelos de Queiroz, baianos de Valença, Enéas Vasconcelos de Queiroz nasceu em Recife/PE, no dia 7 de agosto de 1885. Formou-se engenheiro civil na Escola Politécnica da Bahia. Pouco antes de completar 25 anos de idade, em 1910, casou-se com Ritta Lobão Muniz, com quem teve seis filhos: Manoel, José Benedicto, Enéas, Alexandre, Yvonne e Thereza da Conceição. Com o falecimento de sua esposa Ritta em 1928, o engenheiro Enéas contraiu novas núpcias, com Baronísia Sapucaia, de quem se separou em 1936. Desse matrimônio nasceu a filha Maria do Rosário, conhecida por Maricota. Em 1938, Enéas se uniu à professora e viúva lagunense Laura Freitas Monteiro, mãe de Léa (então com 6 ou 7 anos de idade) e Léo (1 ano mais novo que a irmã – falecido em maio de 1954), que à época era sua vizinha, com quem teve o filho Aristides em 1940. Interessado em política desde muito jovem – aos 19 anos já militava na Junta Republicana da Bahia pró-Hermes-Wenceslau, na campanha à presidência da República (1909) –, Enéas não podia deixar de se envolver na política local ao se estabelecer na Laguna, no início dos anos 1930, como engenheiro-chefe da Fiscalização Federal das Estradas de Ferro, tendo sob sua responsabilidade a atual Ferrovia Tereza Cristina. Esse cargo já o havia levado a outras regiões e cidades brasileiras, como Teresina/PI; Belém/ PA e Porto Velho/RO, onde se radicou para fiscalizar a estrada de ferro Madeira-Mamoré; Minas Gerais; Bahia e Blumenau/SC. A estrada de ferro Madeira-Mamoré marcou a história do Brasil. Tendo levado quatro décadas para ser construída (inaugurada em 1912), foi num dos seus maiores períodos de crise – a década de 1930 – que Enéas foi chamado a trabalhar junto à Companhia. Em 1929, como Engenheiro-Chefe da 1ª Fiscalização Federal das Estradas, ele se mudou com seus filhos homens para Belém (sede da Fiscalização) e depois Porto Velho para monitorar o funcionamento da ferrovia. Atingidos pelo “crack da bolsa de 1929”, os investidores norte-americanos e ingleses se viram obrigados a cortar gastos, o que culminou na dispensa de pessoal por parte da Madeira Mamoré Railway Company. O engenheiro brasileiro era tido como alguém de “palavra insuspeita e autorizada”, tendo dado aos jornais algumas entrevistas sobre o assunto. Porém, o que mais chama a atenção nos periódicos de 1930 é uma série de telegramas não apenas elogiando as ações criteriosas de Enéas para evitar o afastamento dos empregados, mas contendo um clamor geral para que a administração da ferrovia passasse a ser feita por um brasileiro, “a fim de harmonizar interesses”: “Os jornais apelam para o governo federal, a fim de ser nomeado o quanto antes Diretor da E. F. Madeira Mamoré, o Dr. Enéas Queiroz” (jornal Alto Madeira, Porto Velho, 1930). Apesar disso, em 1931 outra pessoa foi nomeada para o cargo. Ainda nesse mesmo ano, seu filho José, após perder-se na floresta, contraiu malária, o que fez com que o engenheiro desistisse de sua função fiscalizadora na famosa estrada de ferro. Em Laguna, nos 15 anos que aí viveu, Enéas mostrou-se cidadão atuante em várias frentes, participando da vida social, cultural e política da cidade. Foi vice-presidente do diretório municipal do PLC – Partido Liberal Catarinense, pelo qual se elegeu vereador em 1º de março de 1936. Respondendo aos cumprimentos de um amigo por ter conquistado a vereança do município, “que muito espera da sua inteligência e capacidade”, ele assim se expressou: “Muito agradecido seu abraço pela minha eleição a vereador desta boa e hospitaleira terra da Laguna, para cujo progresso e engrandecimento, afirmo, empregarei meus maiores esforços”. Toda a trajetória profissional de Enéas não chega a revelar os traços marcantes de seu caráter e personalidade, que “saltam aos olhos” ao lermos as cartas numerosas e frequentes que o pai escreveu ao Enéas Vasconcelos de Queiroz |

55


Enéas em 1886.

filho (nosso arquivo contempla os anos de 1935 a 1946). Fica claro de onde vem a admiração e o título de “melhor pai do mundo” que o filho Alexandre lhe atribuiu. Pai amoroso, Enéas se lembrava sempre dos filhos: Ontem fui rever o Mar-Grosso. Aqui na cidade – falando em franqueza – lembro-me da sua pessoa, porém em Mar-Grosso a lembrança foi muito maior. E sabe qual mais forte foi a lembrança? Você com aquele indecente bonezinho, bengalinha na mão e de pijama avermelhado velho de tiras... “passeando na praia”!! (Laguna, 14 de abril de 1938) Pai solícito e justo, ajudou todos os filhos até a graduação na universidade: Pois bem. Quero nesse ponto introduzir uma modificação necessária. Mande-me dizer qual o quantum necessário para as suas despesas de formatura. Faça como a Yvonne um orçamento detalhado, sujeito, já se vê, a possíveis aumentos para serem indenizados na ocasião oportuna. Idêntico orçamento vão fazer o Enéas e o José. Quero estudar o assunto para uma solução igual para os três. Como está acontecendo com você, no fim daria certo, mas não é assim que eu desejo solucionar o caso. De modo que faça o seu orçamento e me envie para o devido estudo. Convém prever todas as despesas embora eleve o total a despender. Já é tempo, de minha parte, de tratar do caso, o que aliás vou fazer com satisfação. E já posso porque os considero – aos três – quintanistas. Não enxergue, pois, nenhuma preocupação minha com a parte financeira do caso – pelo contrário – fazendo isso para resolvê-lo descansadamente e com tempo suficiente para saborear bem o prazer de pensar que serão estas as últimas despesas a fazer. Depois cada um que se assume. Você com a Dulce, José com a Dirce e o Enéas com a Alda. (Laguna, 9 de agosto de 1939) Tamanha era a ligação de pai e filho que, ao listar as cinco coisas mais tristes de sua vida, em duas delas Alexandre se refere a situações em que viu seu pai chorando. A primeira, por ocasião do falecimento de sua mãe, em 1928, foi “ver meu pai chorando na cadeira de balanço”. A segunda, “idem, em Belém do Pará, quando fomos

transferidos, e ele, precisando de dinheiro, teve que vender seu violão de estimação”.

Embora tenha sido um homem das ciências exatas, o lado poético de Enéas sobressai especialmente depois que Alexandre e Dulce se conheceram. Em 23 de março de 1939, ele relata: Estive na sua terra e pela primeira vez fui ver a ponte. Gostei. Está boa. Do outro lado, à direita de quem vai, vi uma “casinha” amarela, onde as cenas de um amor profundo se repetiram este ano. Poética, à margem esquerda do Tubarão, silenciosa, e janelas fechadas, para só se abrirem com o calor do novo verão – quando as “andorinhas” forem voltando das 56

| Memórias de Alexandre Queiroz


lutas escolares para seus ninhos – lares. Poético o Tubarão. Poética a situação daquela casinha amarela. P.S.: Depois de escrita esta foi que me lembrei que a casinha é cor de rosa e não amarela, e que ainda mais concorre para a poesia, somando o ambiente local todo da cor da casa...!! Noutra carta duas semanas depois, diz o pai ao filho: Tubarão vai bem. Ainda anteontem estive lá das 2 às 4 ½ da tarde. Estive parado defronte olhando os calçados da vitrine da loja do Jeremias. Pareciam me conhecer e um deles (eu ouvi perfeitamente embora fosse dito em segredo), de troça, disse para um outro bem baixinho: “Aquele é o Dr. Enéas – apontando o bico para mim – pai do Dr. Alexandre que está gostando da Dulce.” Um pediu licença para dizer que já tinha ouvido falar nesse namoro, mas... coitado! Foi tão infeliz no que disse que toda a sapataria da vitrine caiu-lhe em cima, repreendendo-lhe por taxar um noivado de namoro!! Mande notícias. Todas daí interessam, mesmo as mais escabrosas!

Carta de Enéas para Alexandre, setembro de 1939.

E em setembro do mesmo ano: Estive ontem em Tubarão. Vi lá ao longe a casa sob cujo teto se abriga quem tanto perturba o seu coração, esse órgão de músculos tão rijos mas tão fraco quando nele se aloja uma afeição!!! Que digam os sábios da escritura! Em carta escrita no dia 13 de dezembro de 1943, quando Alexandre e Dulce, já tendo a filha Perpétua, pensavam em se mudar da Bahia para Santa Catarina, o que disse Enéas mostra a mente aberta que ele tinha em relação aos filhos e o valor que dava ao relacionamento marido-mulher. Vale cada palavra: Nessas condições, para que tomar uma resolução dessas [mudar da Bahia para Santa Catarina] quando tudo lhe corre bem aí? A Dulce compreenderá bem a situação, e inteligente e preparada como é, certamente se conformará, mesmo porque quando a gente casa já é prevendo todas essas coisas. É da vida e não será ela a primeira nem a única a passar longe dos pais e irmãos muito tempo. Isto de pais e parentes, à luz da razão, é questão secundária. Mais tarde, a Perpetinha fará o mesmo. Sem dó nem piedade deixará vocês dois Enéas Vasconcelos de Queiroz |

57


Enéas em setembro de 1903, aos 18 anos de idade.

que hoje vivem e morrem por ela e para ela, e seguirá para onde o Destino aprontar, pelo braço e bem juntinho do seu preferido. Nunca tive outra ideia a respeito de filho. E todo dia repito isso à Laura quando a vejo queixosa porque o Léo ou a Léa preferem a cidade e as festas à permanência num ermo como esta praia atualmente está. O que é essencial, isto sim, é que haja perfeita comunhão de ideias entre os componentes do casal. Havendo, tudo o mais não vale nada. Ainda hoje em dia, já velho, pois quem tem nas costas o peso de 58 anos de existência já pode se considerar velho, mantenho inalteráveis as minhas ideias a esse respeito, e assim vou criando o Aristides tal como foi com vocês, sem nunca preferi-lo mais que à mãe, pois aquele é só criar asas e voará, ao passo que esta ficará comigo até morrermos, e é com quem desabafo o coração e junto de quem passo todo o meu tempo, tornando a vida poética e tão boa que é pena não seja eterna. As cartas de 1938 e 39 foram escritas de Laguna. Em 1940, porém, Enéas, já com sua terceira esposa, Laura, foi transferido para Belo Horizonte. Não estava feliz morando longe do mar. Não estava feliz na cidade: Em suma, 1940 está correspondendo integralmente aos meus vaticínios declarados em dezembro de 1939. Por tudo junto tenho me aborrecido. Calcule que depois que estamos aqui, onde alugamos a 18 de setembro, só fomos uma vez ao cinema!! (...) Veja você pois quanta complicação, quanto motivo de contrariedade e por que ando já de plano para descer, isto é, para ir para o sul, onde se vive! De Belo Horizonte, contudo, a família foi viver em Vitória, perto do mar, para contentamento de Enéas, que escreveu a Alexandre em 1942: Calcule que não tiro as tamancas dos pés. Aboli paletó. Dou passeios diários com a Laura em trajes 58

| Memórias de Alexandre Queiroz


Enéas, janeiro de 1914, na Bahia.

idênticos ao de Mar-Grosso. Meto os pés na água salgada. Me encho de ar da praia. Tenho peixe do bom e do melhor vendido na porta. Frutas, verduras, galinhas, tudo aparece em fartura e é preciso até que a gente se esconda para evitar os vendedores. E a vida não é cara. (...) Para mim a vida tem sido muito boa por não ter me faltado peixe nem ar do mar. De Vitória, antes de voltar ao Sul, moraram ainda em São Paulo, conforme carta de maio de 1943: Aqui, tenho perdido um pouco das “banhas” que me davam a impressão de rico... Dizem que o primeiro sinal de riqueza é ter a barriga grande. Em setembro daquele ano, voltaram para Laguna. Para finalizar, a visão de mundo de Enéas também estampada nas cartas ao filho: Não perdi o otimismo. Continuo, apesar de tudo, encarando a vida calmamente, sem nenhum descontrole, convencido, como sempre, que tudo está certo e obedece à marcha natural das coisas. (Laguna, 22 de outubro de 1939) Entreguei-me de corpo e alma ao que der e vier. Pretender é candidatar-se a desilusões! Procurar aborrecimentos. Nem para promoção pretendi, quando oportuno. Quando a quis não me veio e aborreci-me. Quando me resolvi a conformar-me com a situação de eterno 2ª classe – veio ela. De modo que ando sem programa. Vou indo na onda da vida, como um espectador que entrou num teatro e não sabe o que vai ser representado. Tudo é surpresa. Tudo serve. Tudo espera até baixar o pano do ato final!! (Laguna, 6 de agosto de 1939) Em 1948 voltou definitivamente à Bahia. Sempre lembrado por suas admiráveis virtudes e nobreza de caráter, Enéas Vasconcelos de Queiroz faleceu em Salvador no dia 4 de abril de 1960, aos 74 anos de idade. Enéas Vasconcelos de Queiroz |

59


A mĂŁe, (Ritta (Muniz de Queiroz)


“Mamãe era uma senhora muito saudável, inteligente, viva e sociável. Tinha todos os requisitos de uma pessoa sadia, forte, intelectualmente culta.”

R

itta Lobão Muniz nasceu no dia 17 de maio de 1893, em Valença, no Estado da Bahia. Filha de José Muniz de Souza Sobrinho (vovô Juca) e de Anna Lobão Muniz de Souza (vovó Naninha), era a mais velha dos seus irmãos, que se chamavam: José (tio Zezé), Alzira (tia Zizi), Enéas (tio Enéas), Ana (tia Nazinha), Carlos (tio Carlinhos) e Armia (tia Mimi). Depois de casada, passou a assinar Ritta Lobão Muniz de Queiroz. Faleceu no dia 8 de junho de 1928, em Cachoeira, também na Bahia, oficialmente de tifo, mas segundo diagnóstico de tio Totônio, a causa da morte foi febre amarela. Numa bela fotografia tirada em Conceição da Feira/BA na data de 11/4/1915, por ocasião da “Exposição de Costumes da Casa Singer”, consta ter sido Ritta Lobão Muniz de Queiroz a “Julgadôra”. Daí se depreende que, se ela não se constituía em modista, era no mínimo uma costureira conceituada. A dedicatória atrás da foto é singela mas denota orgulho pelo feito e, quem sabe, gratidão à genitora pelo ofício aprendido:

Sobre sua personalidade, seu jeito de ser e de educar os filhos, o filho Alexandre escreveu, em 22 de fevereiro de 1994:

Foto tirada no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, novembro de 1922.

Entre os familiares e pessoas íntimas era chamada de “Rittinha” e “Dona Rittinha”. Dos seus filhos, além de dois abortos, seis se criaram: Manoel, José, Enéas, eu, Yvonne e Thereza. O primeiro deles, também chamado de Manoel, morreu logo após o parto. Rita e Lurdes faleceram com menos de um ano. Eu senti muito a morte desta última, no Porto do Bonfim, Itapagipe, Bahia (Salvador), onde então morávamos, na casa (sobrado) que depois foi comprada pelo meu pai, hoje demolida. Um dos abortos, segundo consta, ocorreu em Conceição de Feira. Ela estava dormitando após o almoço, numa cadeira de balanço, na sala da frente, quando um jegue se aproximou da janela e começou a zurrar alto; ela se assustou tanto que abortou. Do outro aborto não sei dizer como é que foi, mas foram dois, dizia meu pai. Embora, quando ela faleceu, eu tivesse apenas 12 anos de idade, lembro-me muito bem dela, bonita, simpática, cheia de corpo, lábios grossos, óculos sem aros, inteligente, prendada, disciplinadora, esposa e mãe dedicada, excelente dona de casa. Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que faleceu: o caixão funerário, cheio de flores e “coroas”, quando o levaram para fora de casa; eu quis acompanhar o enterro e não me deixaram. Lembro-me do meu pai sentado numa cadeira de braços, chorando e consolado por amigos. Ritta Muniz de Queiroz |

61


Ritta em 1894.

Lembro-me, com a mesma nitidez, de alguns dos seus conselhos, geralmente dados durante as refeições, e dos quais destaco os seguintes: “Não compre o desnecessário só porque é barato; e, entre o mais barato e o mais caro, compre sempre o melhor; o barato sai caro”; “A economia é a base da prosperidade; só prospera quem economiza”; e ensinando, dizia: “Se você ganha cem, guarde dez; se você ganha dez, guarde um; mas sempre guarde”. 62

| Memórias de Alexandre Queiroz

Lembro-me que em Teresina, capital do Piauí, então uma cidade muito atrasada, sem luz elétrica, sem água encanada, sem serviço de esgoto público, ela ofereceu uma festa de aniversário para meu pai, a qual foi muito comentada na cidade, dizendo alguns que nem a do governador foi tão bonita; e outros, “censurando-a” (a ela minha mãe), diziam que foi um “exagero”, ao que ela rebatia: “Não se vive só do essencial; é necessário viver também do superficial, ou seja, daquilo que, mesmo não sendo essencial, nos traz alegria e prazer”. Dentre outros detalhes, lembro-me que certo dia o meu irmão Manoel, “brincalhão”, estava ocupando a “privada” e não queria abrir para mim; eu comecei a chorar e ela então veio em meu socorro e mandou que ele abrisse. Ainda em Teresina, duas empregadas queriam me vestir à força uma calça de casimira; eu não queria, comecei a chorar, ela veio em meu socorro e não permitiu que eu a vestisse. Até hoje não suporto vestir calça de casimira; para fazê-lo é preciso que eu vista uma leve por baixo. Progressista e destemida, ela e tia Zizi, num rasgo de “heroísmo”, foram das primeiras, na Bahia, a cortar o cabelo. Como sinal inconteste do seu espírito evoluído (os costumes naquele tempo eram outros), em Cachoeira, pouco antes de morrer, ela começou a ter aulas particulares de desenho, juntamente com o José, seu filho menor de idade. Aliás, depois que nasceram o Manoel, o José, o Enéas e o Alexandre (eu), quatro filhos varões seguidos, ela, mui natural, queria ter uma filha; e como eu, o caçula, tivesse os cabelos ondulados, ela os deixou crescer, como se eu fosse menina. Um dia, porém, em São Gonçalo dos Campos, onde então morávamos, sem consultá-la, meu pai foi ao barbeiro, levou os quatro filhos e mandou que ele cortasse “à escovinha” em todos. Quando chegamos em casa, ela chorou muito, mas tudo passou e acho que meu pai fez muito bem.


Ritta (na frente à direita) e a turma da “Exposição de Costumes da Casa Singer”, abril de 1915, Conceição da Feira/BA.

Ritta Muniz de Queiroz |

63


Ritta com o irmão Zezé e o marido, Enéas, no Jardim da Luz, em São Paulo, em setembro de 1926.

Depois nasceram a Rita e a Lurdes, as quais, entretanto, como já disse acima, faleceram com menos de um ano. Todavia, em “seguida” (entre aspas porque após alguns anos), nasceram a Yvonne e a Thereza, que felizmente ainda vivem. E minha mãe, neste particular, acredito, morreu feliz. Ela era devota de Santo Antônio e todo ano rezava a novena e exigia que todos os de casa, inclusive meu pai, que era maçom, a acompanhasse. Minha mãe, tal como minha avó Naninha, quando trovejava, trancava todos num quarto para rezar e assim ficávamos até a trovoada passar; ela tinha medo de trovoada e quando isso acontecia se apegava a uma imagem de Santa Bárbara, da qual, após sua morte, me apossei, mas já não sei que fim levou. De mim ela costumava dizer: “Ele mesmo solta os foguetes e ele mesmo apanha as flechas”. E, quando qualquer um de nós ria demais, ela dizia: “Muito riso, sinal de pouco siso”. Durante as refeições, para todos os seus filhos ela costumava dizer, obrigando-nos a assim proceder: “Botou no prato (encheu), coma; não tenha os olhos maiores que a barriga”. Esta, em resumo, tanto quanto me recordo, de mais importante ou curioso, era a minha mãe Ritta. Cada dia que passa, é impressionante, mas me lembro dela e cresce em mim uma verdadeira admiração por sua imagem e memória! 64

| Memórias de Alexandre Queiroz


À esquerda, as irmãs Ritta e Zizi (foto tirada em Sergipe). À direita, Manoel Raymundo, o primeiro filho de Ritta e Eneás, já morto, em 5 de abril de 1911.

Documentou sua morte, bem como seu enterramento, o jornal A Ordem (Cachoeira/BA), de cujas notas destacamos os seguintes trechos: Ontem, às 17:30 horas, foi a sociedade cachoeirana fundamente abalada com a dolorosa notícia do falecimento da inditosa D. Ritta Lobão Muniz de Souza Vasconcellos de Queiroz, dileta e virtuosa esposa do Sr. Dr. Enéas Vasconcellos de Queiroz, correto engenheiro fiscal da Central da Bahia. A pranteada morta, que desfrutava no nosso meio social do maior acatamento e estima pelos seus finos e delicados atributos morais, era mãe de família exemplaríssima e deixa inconsoláveis o esposo amantíssimo e um pugilo de crianças, seus adorados filhos, na triste e dolorosa orfandade de seus desvelos e carinhos maternais. O adiantado da hora nos priva no momento de dar informes detalhados sobre a desventurada senhora que fora em vida um exemplo de peregrinas e modelares virtudes, como filha, esposa e mãe. Acompanhando a sociedade cachoeirana na grande e justa mágoa que a conturba, fazemo-lo cordialmente, apresentando ao Sr. Dr. Enéas Queiroz e desolados filhos e ao Sr. Cel. José Muniz de Souza, extremoso pai da mal-aventurada extinta, a expressão sincera do nosso profundo pesar.

------------Realizou-se no dia 9 do corrente, com grande solenidade, às 11 horas, o enterro da infortunada D. Ritta Lobão Muniz de Souza Vasconcellos de Queiroz, prezada e virtuosa esposa do ilustre Sr. Dr. Enéas Vasconcellos de Queiroz, solicito e competente engenheiro fiscal da Central da Bahia. (...) D. Ritta de Queiroz, que era um verdadeiro exemplar da mãe de família brasileira, de grandes extremos para o lar em que imperava como senhora absoluta, contava 35 anos de idade e deixa órfãos de seu grande amor maternal 6 filhos, todos menores: Manuel, José, Enéas, Alexandre, Yvonne e Thereza da Conceição Muniz de Queiroz. Vitimou-a, num período de 10 dias, insidiosa febre tífica. Era natural da cidade de Valença, filha do Sr. Cel. José Muniz de Souza, honrado coletor estadual desta cidade, e sua excelentíssima esposa D. Anna Lobão Muniz de Souza, e casada há 18 anos com o Sr. Dr. Enéas de Queiroz, de cuja feliz união, alicerçada por um afeto que só a morte teve o poder de destruir, houve os filhos, que, irmanados com o esposo com a mesma lancinante dor, choram a sua imatura transição desta para a vida de além-túmulo. Ritta Muniz de Queiroz |

65



Os irmãos Manoel, Enéas e Yvonne com o marido José no gabinete de Enéas, então Secretário de Viação e Obras Públicas, 1971.

Os contemporâneos


O irmão (Manoel Lobão Muniz de Queiroz)


M

Manoel do jeito que ele era, 1981.

anoel Lobão Muniz de Queiroz foi o filho mais velho de Enéas e Ritta. Nasceu em Valença, Bahia, em 17 de junho de 1912, cidade que estimava muito: “É minha por nela eu ter nascido, e a amo por nela terem vivido os meus antepassados” (escrito em coluna de sua autoria publicada no jornal O Comércio em 24/12/1931). Conheceu Clotilde Duarte, a Quidinha, nascida a 29 de março de 1919 na cidade de Laguna, em pleno carnaval, tal como se passou com seu irmão Alexandre e Dulce. Manoel e Quidinha se casaram no dia 4 de setembro de 1938 e tiveram seis filhos: Rogério (nasceu em Jaraguá do Sul/SC em 9/6/1940 e faleceu no dia 12/1/2016, em Florianópolis), Valéria (Tubarão, 4/7/1941), Rosalba (Tubarão, 25/12/1945), Neusa (Tubarão, 25/4/1948), Cláudio (Tubarão, 31/1/1957) e Fernando (viveu apenas de fevereiro a junho de 1958). Sobre sua infância, dizia de si mesmo que era muito arteiro! Com a morte de sua mãe em 1928, Manoel foi morar com o avô Juca, em Salvador, onde fez o ginásio (equivalente então ao Ensino Médio). Trocava bastante correspondência com o pai, a quem se referia com uma pessoa muito bondosa, atenciosa, e por quem nutria uma admiração também profissional. Fez o curso de Direito na Faculdade de Direito da Bahia (hoje Universidade Federal da Bahia), tendo se formado no dia 8 de dezembro de 1936, na presença de seu ilustre tio desembargador, Aristides, homenageado no evento. Em publicação de 1950 do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia sobre as “Reminiscências de Vida Acadêmica dos Bacharéis em Direito de 1936” consta o registro do convite feito pela turma ao tio: Efetuou-se ontem [publicado originalmente no jornal A Tarde de 6/5/1936] a comunicação oficial ao des. Aristides de Queiroz, da sua escolha para a Homenagem de “Honra ao Mérito”, do quadro de bacharelandos deste ano. Às 20 horas, a maioria da série dirigiu-se à residência do homenageado à rua do Areial de Baixo, onde já se achavam, além da exma. família do des. Queiroz, pessoas de representação. Recebidos gentilmente, usou da palavra em nome de seus colegas o bacharelando João Alfredo Guimarães, que leu um discurso salientando as qualidades do homenageado e dizendo do conhecimento dos seus colegas ao antigo professor. Em agradecimento, respondeu o des. Aristides de Queiroz, que disse do quanto se sentia satisfeito com aquela homenagem sincera dos seus alunos e que embora de pouco tempo a sua passagem como professor, quando esperava que os seus alunos não mais o lembrassem, ao contrário, eles lhe davam aquela prova de reconhecimento. Ainda o orador salientou a figura do paraninfo, dr. Aloísio de Carvalho Filho, para quem teve os melhores elogios, dizendo da sua viva satisfação em figurar no quadro ao seu lado. Após os discursos, que foram aplaudidos, foram servidos doces e bebidas aos bacharelandos, tendo a digna família Queiroz cumulado de gentilezas os manifestantes. Por ocasião também de sua formatura, o amigo Guimarães publicou um perfil de Manoel no jornal A Tarde, da Bahia, em 3 de novembro de 1936: BACHARÉIS DE 1936 Passava, ontem, muito distraidamente pela rua Chile, quando alguém me bateu no ombro. Voltei-me. E estaquei surpreendido. Seria possível o que eu estava vendo? Um tipo alto, de compleição seca, macilento, face toda rapada, nariz aquilino e olhar penetrante, trajando com apuro uma impecável sobrecasaca preta. Mas, Santo Deus, sobrecasaca neste tempo, em plena rua Chile? Seria possível? Fiquei estático. Não pude articular palavra. Mas o estranho indivíduo fingiu não notar meu pasmo e perguntou-me: O senhor vai fazer o perfil de Lobão? E sem esperar resposta, continuou: Quando me formei, em 1837, não se usava isso... Não pude mais. Gritei: Em 1837? Mas quem é o senhor? – Sou Zacarias de Goes e Vasconcelos. O senhor não parece professor de História... – Mas, perdão. O conselheiro Zacarias morreu em 1877. – Exatamente. Morri a 30 de dezembro de 1877, vitimado por uma maldita laringite. – Perdão, senhor, eu não compreendo. – O cavalheiro não compreende porque é materialista, mas naturalmente não o será mais de hoje em diante. Manoel Lobão Muniz de Queiroz |

69


Compreendi, então. Era a alma de Zacarias. Que desejaria ele? Perguntou-me a segunda vez, como que adivinhando o meu pensamento: Vai fazer o perfil de Lobão? – É verdade, conselheiro. Ele até me pediu que falasse no senhor, e que não esquecesse o parentesco. – Sim. Somos parentes. Acha-o parecido comigo? – É o seu retrato. Apenas o Lobão é baixo, ao passo que o senhor... – Já sei, temos muitas semelhanças físicas e morais, mas há certas coisas neste meu parente que não compreendo. Quero pedir-lhe que lhe transmita meus conselhos. 70

| Memórias de Alexandre Queiroz

– Pois não, conselheiro. – O senhor conhece o que se tem escrito a meu respeito? – Alguma coisa. V. Exa. foi um elegante. O Barão de Cotegipe imputava 30 sobrecasacas a V. Exa. Sei também da sua generosidade. Quanto ao seu talento, à sua cultura, ao seu patriotismo nenhum brasileiro tem dúvidas. Muito se tem escrito sobre o assunto. – Obrigado. O senhor começou por onde eu desejava. Eu gosto do Lobão. Reconheço nele algumas das minhas virtudes. Um morto pode falar assim com franqueza, sem cometer leviandade. Eu já fui julgado pelos homens. O seu amigo tem

À esquerda, os filhos Valéria e Rogério, em Tubarão/SC, 20 de março de 1945. Acima, Manoel e Quidinha em 1955.


Manoel L. M. de Queiroz, formatura em Direito, Bahia, 1936.

a minha honradez, a minha inteligência e sobretudo aquela mesma preocupação de Justiça que tanto me distinguiu. Mas há nele coisas que me acabrunham. A primeira é o seu tamanho. É um “nanico”. A segunda é sua “casquinhagem”. O Lobão é o maior “casquinha” que eu conheço. – Mas não é tanto assim, conselheiro. – Como? Não é? E aquela história da namorada? O senhor sabe que ele quis vender uma namorada a um colega alegando que a mesma lhe saía caro por causa do bonde? Isso é uma vergonha! Pois sim, quis vendê-la por 14$000 porque já havia gasto 15$000 com o namoro. Que diz o senhor! Acha bonito? – Conselheiro, o Lobão é seguro... – Seguro? Casquinha, casquinha é que ele é. No mais é um bom rapaz. Pensa bem. Vai casar-se, sabe? – Conheço a noiva de retrato. É bonita. – Acho que faz bem. Ambos lucram porque se merecem. Espero que se dará bem em Santa Catarina. Mas vamos aos conselhos. Diga-lhe que aprovo o seu gênio frio, meticuloso, intransigente. Parece-se comigo. O senhor sabe que me chamavam de “jesuíta de casaca”? Gosto dele assim. Rígido, altaneiro, inabalável nas suas convicções. Orgulhar-me-ia de ouvi-lo discutir, não fosse o seu modo de falar. A voz parece uma avalanche de sons bárbaros acachoando-se na garganta de uma serrania. E depois especialmente eu critico o seu sistema de hipereconomia. É excessivo. Diga-lhe isso. No mais, é digno de mim. E estirou-me a mão enluvada. O condutor puxou-me pelo braço: O bonde vai recolher, cavalheiro. E eu que nunca havia dormido em bonde! Mas foi bom, porque assim arranjei o seu perfil, Lobão, e entrego-lhe com um saudoso abraço, no qual quero significar-lhe a nossa grande e sólida amizade. Manoel tomou posse no cargo de Promotor Público de Santa Catarina em 1938, tendo morado neste Estado a partir de então, sobretudo nas cidades de Tubarão e Florianópolis. Atuou como advogado de 1945 a 1960. No ano seguinte tornou-se juiz de direito substituto, cargo no qual se aposentou compulsoriamente aos 70 anos de idade. Foi também professor de Sociologia no Ginásio da Escola Normal São José, de Tubarão, e de Direito Processual Civil na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Conviveu bastante com o irmão caçula (dos homens), especialmente nas festas de fim de ano, quando todos se encontravam em Tubarão, pois os sogros de Alexandre também moravam nessa cidade. Quando não podiam se ver, os irmãos escreviam-se cartas. Uma em especial merece destaque. Era dezembro de 1942:

Manoel Lobão Muniz de Queiroz |

71


Alexandre, Dulce e os filhos Perpétua e Diomário, a irmã Thereza, Quidinha e seus filhos Neusa (no colo), Rogério e Valéria, em março de 1950.


Caro Xandoca, Em primeiro lugar receba você e a Dulce os nossos votos de boas-festas e um feliz e próspero ano novo. Em breve, já não serão só vocês dois, teremos, certamente a Perpetuazinha... Já está tardando, não? Mas isso eu já previra, vocês são marinheiros de primeira viagem, haveriam de errar na contagem... Que tal a vida de casados? Boa, não? Melhor será quando o filhinho se interpuser entre os dois como traço de união... Continuo satisfeito e bem satisfeito, graças a Deus. Gosto muitíssimo dos meus dois herdeiros e eles são tudo para mim, a nossa maior distração, sobretudo agora que já começam a falar e a perguntar e tudo querem saber e que se lhes dê uma explicação... O Rogério é muito observador. Um levado. A Valéria meiga e tão ou mais esperta do que o próprio irmão! Para os netos de Alexandre que conheceram seu irmão mais velho, Manoel era o tio de sorriso largo, sempre alegre e brincalhão, que fazia a mágica de “dividir o polegar ao meio” – divertida demonstração de carinho que transcendeu gerações. Manoel faleceu em Florianópolis no dia 29 de março de 1996, aos 83 anos de idade.

Os filhos de Manoel e Quidinha: Rosalba, Valéria, Cláudio, Neusa e Rogério.

Manoel Lobão Muniz de Queiroz |

73


José Benedicto Muniz de Queiroz, sem data.

O irmão (José Benedicto Muniz de Queiroz)


J

osé Benedicto Muniz de Queiroz nasceu em Valença/BA no dia 2 de julho de 1913. Recebeu seu segundo nome em homenagem à sua avó paterna, chamada Maria Benedicta. Mesmo após a morte de sua mãe, em 1928, José continuou morando com o pai. Fez o Ginásio na cidade de Laguna, tendo concluído os chamados estudos preparatórios em Curitiba, conforme nota publicada no jornal “Correio do Sul” de 2 de janeiro de 1936: José Queiroz Acaba de bacharelar-se no Ginásio de Curitiba, o jovem José Queiroz, filho do ilustre engenheiro Dr. Enéas Queiroz. O estudante José Queiroz fizera todo seu estudo no “Ginásio Lagunense”, seguindo, em janeiro do corrente ano, para a Capital paranaense, onde, com brilhantismo, concluiu o curso de preparatórios. Este fato vem demonstrar que o ensino no acreditado “Ginásio Lagunense” é ministrado com absoluta eficiência, estando o mesmo suficientemente aparelhado para receber alunos internos de qualquer parte. O seu diretor, Sr. Manuel Grot, esforça-se continuamente para fazer do Ginásio da Laguna o maior estabelecimento de ensino secundário deste Estado. José fez a faculdade de Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Como nas férias sempre ia a Laguna com seu pai, acabou conhecendo Dirce Zanella, lagunense nascida em 1º de junho de 1918. Casaram-se no dia 26 de abril de 1941 e tiveram cinco filhos: José Carlos (Joaçaba, 7/3/1942), José Luiz (Joaçaba, 11/7/1945), Heloisa (Laguna, 22/1/1947) e Carolina (Curitiba, 6/3/1957). Recém-casados, foram morar em Herval d’Oeste/SC, onde estava em construção uma nova via férrea, na qual José passou a trabalhar como engenheiro-chefe. Logo mudaram-se para Joaçaba, cidade em que viveram por cerca de 10 anos e onde as famílias dos irmãos José e Alexandre conviveram intensamente – eram almoços, jantares, aniversários, muitas as ocasiões em que estavam juntas! Em seguida, moraram em Ourinhos/SP e por último em Curitiba/PR, onde José trabalhou na Rede Ferroviária Federal, assumindo o cargo de superintendente, até se aposentar. José e Dirce eram muito estimados por Alexandre, que comentou: “Meu irmão José era muito bom, bom demais

para ser humano”. Quando lhe foi oferecida a promotoria de Joaçaba, o fato de José morar na cidade foi crucial para que Alexandre aceitasse a função. Nas suas palavras: “Eu aceitei porque lá morava o José, meu irmão. E eu gostava muito do José. Continuo dizendo, se alguém está no céu, tia Coletta e José estão. Porque pra mim eles foram as duas pessoas mais santas que eu conheci na vida.”

Alexandre com o irmão José e o amigo Antonio Fische, em traje de banho, na praia de Cabeçudas, Itajaí/SC, 2 de outubro de 1932.

Sobre a cunhada, Alexandre também declarou:

Fora da minha família, a Dirce foi uma das pessoas de quem eu mais gostei. Ainda é hoje muito estimada. Da Dirce eu tenho as melhores lembranças. Quando cheguei em Joaçaba na primeira vez, nós ficamos hospedados com o José. Ele era engenheiro residente. Por isso eu tive e ainda tenho uma amizade e gratidão pela Dirce, que sempre nos recebeu muito bem. Nenhuma cunhada pode ter sido melhor para o seu cunhado do que a Dirce foi para conosco. Tudo que era bom ela fazia em nosso benefício. Tem uma passagem histórica que a Dirce ainda pede para eu contar quando se encontra comigo. Quando se ia para o Mar Grosso tomar banho de mar, já era de maiô curto, diferente do tempo das minhas tias, quando o maiô vinha até o tornozelo. O da Dirce vinha até o joelho, um pouco acima. Na Laguna ninguém notava porque era normal. Um dia, em Joaçaba, por qualquer circunstância, ela vestiu o maiô e foi para o quintal. O José não gostou, reclamou, e ela me chamou para ser o juiz da decisão. Eu fui a favor do meu irmão. Na praia era normal, mas lá, usar no quintal, não era. Então ela nunca mais usou dentro de casa. Alexandre ainda recordou a ajuda de seu irmão em duas ocasiões em que estava atrasado: “Dizem que era uma característica minha chegar atrasado nos lugares. Recordo bem que José, meu irmão, era diretor da estrada de ferro, e duas vezes o trem quebrou o horário pra me esperar para eu não perder a viagem.” José faleceu no dia 7 de março de 1987, em Curitiba/PR, poucos meses antes de completar 74 anos de idade.

José Benedicto Muniz de Queiroz |

75


O irmão Enéas Muniz de Queiroz


E

néas Muniz de Queiroz nasceu em Valença/BA no dia 29 de setembro de 1914. Fez o Ginásio em Salvador/BA, no “Carneiro Ribeiro”, junto com seu irmão Alexandre. Depois, como seu irmão José, cursou Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Conheceu Alda Cabral, tubaronense nascida em 19 de junho de 1918, no baile da primavera da cidade de Tubarão e casaram-se no dia 4 de março de 1941. Tiveram quatro filhos: Ana Rita (Tubarão, 13/12/1941), Ana Lúcia (União da Vitória, 27/3/1945), José Francisco (União da Vitória, 25/12/1947) e Antônio Carlos (União da Vitória, 19/6/1952). Enéas e Alda foram inicialmente morar em Mafra/SC, mas logo mudaram-se para União da Vitória/PR, onde viveram por muitos anos. Ao primeiro estádio de futebol da cidade, inaugurado em 1964 pelo Ferroviário Esporte Clube, foi dado o seu nome: “Estádio Enéas Muniz de Queiroz”. Enéas trabalhou sempre na Rede Ferroviária Federal, tendo sido superintendente da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, com exceção do período em que foi Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado do Paraná (Governo Paulo Pimentel – 1966-1971). Nessa época, portanto, já morava em Curitiba, onde viveu até seu falecimento. Alexandre, que chamava o irmão carinhosamente de Lelé, deixou registrado que conheceu a Dulce num baile de carnaval em Tubarão ao qual tinha ido por causa de Enéas:

Então, eu fui pra esta festa pra conhecer a Alda Cabral, que era namorada do Lelé, meu irmão. E conheci a Dulce. Ninguém apresentou. Eu tirei ela pra dançar, conversamos, nos correspondemos e um gostou do outro.

Alexandre e o irmão Enéas vestidos com a farda paraense, 10 de abril de 1931, em Belém do Pará.

Alexandre também recorda os tempos em que moraram com o avô Juca, em Salvador. Lembra que eram muitas pessoas na mesma casa e o avô Juca, que era aposentado como coletor federal, tinha uma vida modesta. Nas refeições distribuíam igualmente um pão e uma banana para cada um:

Meu irmão Enéas era muito guloso, mais do que eu. Ele gostava muito de banana e eu de pão. Então nós trocávamos, eu dava a banana pra ele e ficava com o pão dele para poder ficar com dois pães! Em entrevista realizada no ano de 1997, Alexandre comenta a última vez que tinha chorado na vida:

Que eu me lembre, foi quando me comunicaram a morte de Enéas. Eu chorei muito, tive uma crise de choro de soluçar. Ele era meu irmão mais próximo de idade, não chegava a dois anos a diferença. Enéas Muniz de Queiroz, sem data.

Enéas faleceu em Curitiba no dia 4 de dezembro de 1997, aos 83 anos de idade. Sua esposa Alda ainda vive e completa 98 anos em 2016. Enéas Muniz de Queiroz |

77


A irmĂŁ (Yvonne (Muniz de Queiroz)


Y

vonne Muniz de Queiroz nasceu em Valença, Bahia, no dia 3 de maio de 1920. Depois de Ritta ter tido quatro filhos homens (e duas meninas que faleceram antes de um ano), não é difícil imaginar a sua alegria ao ver esta filha crescer e se desenvolver. Após a morte da mãe em 1928, Yvonne ficou vivendo um período com seu pai, mas depois foi morar com seu avô materno, o vô Juca. Conta-se que, de mudança para o Sul (provavelmente em 1931, quando o pai Enéas foi transferido de Belém/PA para Blumenau/SC), tendo o navio atracado em Salvador, ao desembarcarem, a filha do segundo casamento de seu pai, Maricota, estava no colo de Yvonne. Vendo a cena, vô Juca achou que estavam fazendo Yvonne de babá e assim não permitiu que ela seguisse com a família para o Sul, ficando ela com o avô até casar-se. Yvonne fez o Curso Normal no Colégio dos Perdões, em Salvador. Sentiu-se feliz e orgulhosa pelo fato de seu tio Tidinho ter estado presente na sua formatura. Não chegou a lecionar, pois logo se casou e foi morar no interior. Contraiu matrimônio no dia 17 de julho de 1939 com o filho de seu tio Totônio, o engenheiro José Maria Maia de Queiroz, nascido a 2 de junho de 1912, e passou a assinar Yvonne Muniz Maia de Queiroz. Seu irmão Alexandre deixou registrado que tio Totônio não foi, em princípio, muito favorável ao casamento dos primos-irmãos, temendo alguma anormalidade nos filhos do casal, mas eles tiveram três filhas saudáveis: Rita (30/9/1942), Beatriz (29/3/1944) e Anita (23/12/1960 – 30/3/2012). É bem verdade que Yvonne chegou a ter dois filhos homens que nasceram mortos (consta que o primeiro, João, nascido em 1940, tinha quase 6 kg; o outro, nascido depois de Beatriz, chamava-se Ricardo), além de ter sofrido um aborto de gêmeos e um aborto de uma menina que já tinha até nome, Margarida. Em setembro de 1943, grávida de Beatriz, Yvonne comentou, feliz, em carta ao irmão: “Você viu que coincidência? Dulce espera ter menino justamente quando eu espero, lá para fins de março ou começo de abril.” Quando engravidou de Anita, aos 44 anos, 18 depois do nascimento de sua primeira filha, Yvonne pensou que já estivesse na menopausa. Que surpresa saber que teria mais uma menina! Antes de se casarem, José passava por um período de instabilidade no emprego. Estava preocupado, pensou até em adiar o casamento. Desabafou em carta ao primo Alexandre, com quem tinha uma excelente relação (nas cartas chamavam um ao outro de Mestre), o qual lhe respondeu, em 13/6/1939:

Yvonne e Alexandre, 28 de agosto de 1938, na Bahia.

Acho que não deve se preocupar muito com o futuro, pois este é incerto para todos nós, não só para você. Sei que as responsabilidades de um marido que se preza são enormes. Os Códigos estão cheios delas. A Moral ainda mais. Sei também que não se pode ter um doce sonho através de um pesadelo. Mas você tem tudo ao seu lado. Todos gabam a sua distinção. Depois, você bem sabe, melhor talvez do que eu, a Yvonninha é o seu complemento. Parece, conheço-a bem. É simples, e não poderia deixar de sê-lo, como nós; é conformada, foi criada, como sabe, sem requintes de nobreza, antes modestamente; é moralmente bem formada; conhece já um pouco da vida – ainda que um pouco ingênua, como são as mulheres – e possui outros predicados de virtude e de espírito. Amanhã, pois, em qualquer reviravolta a que todos estamos sujeitos, sei, garanto, confio, ela saberá aceitar tudo com o mesmo estoicismo como tem feito até aqui. Antes, será talvez o desempecilho de muitas “quedas”. E no infortúnio, prevejo, como nos momentos de alegria, se é que os dois se gostam, será a companheira que lhe irá dar vida, e com ela saúde, otimismo, fé, confiança, energia. Pelo que, aqui concluindo, acho que mesmo para ela, esperar, agora, adiando o casamento, salvo motivo superior positivo, seria, no meu ver, a pior das soluções. “A incerteza que esvoaça é pior que a desgraça.” E confie também na união que faz a força.

Yvonne Muniz de Queiroz |

79


À esquerda, carta do primo José para Alexadre, agosto de 1941. Abaixo, José com as fillhas Rita e Beatriz, março de 1945.

80

| Memórias de Alexandre Queiroz

Os irmãos Yvonne e Alexandre trocavam muitas cartas e fotos, mantinham-se perto mesmo morando longe. A personalidade dos irmãos, assim como interessantes fatos históricos, é revelada nas linhas e entrelinhas que redigiam. Em carta que escreveu da cidade de Nazaré/BA, logo que voltou da lua de mel, ela diz: Fizemos boa viagem, embora jogasse um pouco até Itaparica. Desembarcamos às 5 horas e fomos de automóvel para nossa casinha. Gostei muito da casa, penso que não podia ser melhor. O quarto de dormir depois de arrumado ficou lindo, assim como a sala de jantar; só a sala de visita é que ainda não está direita. Ao contrário de você, tenho gostado imensamente daqui. Atualmente tem feito dias lindos. Quanto à cozinheira (Paulina) até agora não tenho nada que dizer; me agrada muito, lava e engoma minhas roupas brancas e de José, varre a casa todos os dias, até a comida já está fazendo melhor. Como vê, tenho gostado muito de minha nova vida. Melhor marido que José não poderia achar; peço a Deus que continue assim. Mas, como não existe felicidade completa, logo no segundo dia da nossa chegada aqui, tivemos uma grande decepção: já encontramos dr. Alexandre no lugar de José, e este continua afastado da Estrada, esperando qualquer determinação sobre o caso. Estamos ansiosos esperando a solução. José ficou muito abatido com isso, eu é que tenho animado um pouco a sua tristeza. Não muito tempo depois José foi transferido para Jeremoabo/BA e no ano seguinte, em 1940, o casal já tinha se mudado para Jaguaripe, onde Yvonne ficava numa pensão enquanto


seu marido dormia numa barraca ao lado das obras que estavam sob sua responsabilidade: Ao meu ver, quem ler esta carta há de pensar que nós andamos nos queixando, que com nada estamos satisfeitos sempre achando o presente pior do que o passado. É verdade que de vez em quando reclamo da vida que José está levando, e com razão, pois não vou comparar nossa vida em Nazaré, com casa montada, José junto de mim, sem risco de febres, trabalhando num escritório, abrigado dos rigores do tempo e das cobras, ganhando mais, etc., com a vida que ele leva atualmente. Imagine você que tem pedaço da estrada que eles trabalham com lama pelos joelhos, um frio medonho na barraca, quando não é isto, é um sol abrasador durante o dia e José chega parecendo que tomou um banho de suor, etc. Mas, com tudo isso, José não se queixa. Pelo contrário, sempre achando que a vida de engenheiro é esta mesmo, que os outros também passam por isto. Basta dizer que ele nunca rejeitou trabalho, para onde mandam ele ir, ele vai sem reclamar. Eu de fato preciso um pouco de aprender com você o “segredo fecundo de saber gostar das coisas”. Mas, diga francamente, se você visse certas coisas que eu tenho presenciado, garanto que o seu otimismo esmoreceria um pouco. E no entanto eu estou bem alegre, mais feliz do que no tempo que passei no Poço e José em Jeremoabo. Pois, Xande, não quero me gabar, mas sou uma pessoa que se contenta com muito pouco. Arranjasse você uma colocação para José no interior mesmo (não fazemos questão de Capital), num lugar sadio, onde tivéssemos nossa casinha, que José pudesse vir dormir e fazer as refeições comigo, sem ter que morar na barraca, mesmo que ganhando menos, eu ficaria satisfeita e não me queixaria mais. Peço que não se aborreça comigo, caso esteja lhe ofendendo. Estou escrevendo o que meu coração sente e não quero em absoluto que você fique sentido com minhas palavras. Tanto eu como José devemos muito a você. Deus permita que dr. Medeiros cumpra o que lhe prometeu, isto é, a efetivação de José. Estou confiada porque tudo em que você se mete termina bem. Em 1941 a situação parece ter melhorado para o jovem casal. Mais animado, José escreve ao primo Alexandre: No próximo domingo faremos a nossa mudança para o arraial de São João, onde terá uma casinha às ordens. Como para lá não existem estradas carroçáveis, Yvonninha terá de mostrar suas habilidades de amazona. E sendo esta a sua estreia, já tomei as devidas precauções quanto à escolha do animal mais manso aqui das redondezas. Ela, não obstante, está bem disposta e confiante. Em 1942 mudaram-se definitivamente para Salvador. José faleceu aos 63 anos de idade, no dia 10 de fevereiro de 1976. Yvonne partiu em 2 de janeiro de 2003, aos 82 anos, deixando muitas saudades.

Yvonne e José em 22 de março de 1941. Mais abaixo, os irmãos Yvonne e Alexandre, em Salvador/BA, no ano 2000.

Yvonne Muniz de Queiroz |

81


A irmã (Thereza da Conceição Muniz de Queiroz


T

Thereza, na Bahia, setembro de 1939.

hereza da Conceição Muniz de Queiroz nasceu em Cachoeira, Bahia, no dia 25 de fevereiro de 1927. Filha caçula de Enéas e Ritta, perdeu a mãe quando tinha somente um ano de idade, tendo sido então criada pela irmã de sua mãe, Alzira, chamada por todos de Zizi. Tia Zizi ficou solteira por muito tempo – para a época – e só depois dos 35 anos é que conheceu um descendente de inglês que se apaixonou por ela: Albert Walsh era viúvo e tinha duas filhas. Casaram-se em 1935, registro que a própria Thereza deixou no seu diário: Minha mãe tia Zizi casou-se com Albert Walsh, viúvo com duas filhas, Léa e Therezinha. Ainda moravam com ele duas senhoras, a mãe e a tia. A mãe dele passei a chamar “minha avó Berta”, e a tia, “tia Luiza”. Além de criar Thereza e as filhas do marido, tia Zizi acolheu a Edinha, filha do seu irmão Enéas, o qual trabalhava nas docas e foi assassinado num dia em que havia recebido o pagamento (10/1/1956). Tia Thereza de criança não conviveu muito com os irmãos de sangue, mas teve uma infância feliz com tia Zizi (falecida em 23/8/1959), a quem chamava de mãe, como se viu, e suas irmãs de criação, passada em sua maior parte na cidade de Mata de São João, na Bahia. A Escola Normal, no entanto, Thereza fez em Salvador. Em carta para Dulce e Alexandre, de abril de 1945 – seu último ano escolar –, Thereza conta, feliz, das férias de verão formidáveis que havia tido: Em Queimadas, montei muito a cavalo (passei o rio Itapicuru montada), assisti ferrar boi e tudo o que se faz numa fazenda, eu apreciei. Passei 15 dias maravilhosos! A fazenda de Carlinhos fica situada a duas léguas de distância da cidade. (...) Noite de lua é uma coisa louca! Enfim, em Queimadas estive mais em contato com a natureza; vi cenários tão belos que custava a crer fossem verdadeiros ou apenas imaginação minha. Ao voltar de lá, fiquei na Mata S. João; aí foi diferente. Foram outros dias bons, mas cheios de festas, danças, piqueniques que tomavam todo o tempo e não deixavam apreciar as maravilhas da natureza, senão nas noites de luar, quando se fazia serenata. Em outra carta do mesmo ano, Thereza compartilha com Dulce sua experiência de estágio de docência: No dia 1° comecei a praticar com o 5° ano primário da Escola Daltro Filho. Foi maravilhoso, estudei muito, porém no dia da despedida tive recompensa. Recebi dois enormes ramalhetes de rosas, sorriso de Maria, cravos, margaridas, etc., um copo com a seguinte palavra gravada: “Recordação”, uma caixa de pó, santos, muitos mesmos, e retratos. E o que mais me comoveu foi a forma como se despediam de mim, choravam... A formatura de Thereza foi no dia 8 de dezembro de 1945. Ela deu detalhes à irmã Yvonne e à cunhada Dulce: Não poderia deixar de escrever a vocês contando os acontecimentos do dia 8. Foi um dia maravilhoso! Jamais o esquecerei. Só não foi melhor porque nenhum irmão, nem meu pai, assistiram às solenidades, nem puderam me abraçar, como eu tanto desejava. Pela manhã, às 6:35 horas, assisti missa e comunguei na capelinha do colégio, com a Irmã Superiora e as colegas. Após a missa houve um cafezinho, com muitos doces, distribuição de santos, etc. A tarde é que foi formidável! Meu vestido estava ok, o chapéu um sonho, e demais coisas tudo legal. Mas uma coisa que usava chamou a atenção e despertou cobiça, foi o colar antigo que Mãe me ofertou. Deu e ainda dá o que falar! A colação de grau foi bonita, o corpo de bombeiros tocou e as autoridades vieram assisti-la pessoalmente, sem enviar os tais representantes. Quando fomos para o Bonfim já havia dado 5:30, o Te-Deum começou às 6 horas. As neo-professoras entraram acompanhadas dos seus padrinhos, que as levavam aos bancos que haviam sido preparados para elas. Quando nós entramos na igreja, acenderam-se as luzes e a orquestra começou a tocar. Pe. Antônio fez um belo sermão e começou o Te-Deum. Vocês não fazem a pequena ideia de como foi bonito! Não pude conter as lágrimas quando Osmundo Pinho começou a cantar a Ave-Maria. Somente em 1946 Thereza fez uma viagem ao Sul, na qual finalmente, depois de muitos e muitos anos, reencontrou seu pai: Laguna. Um lugar especial no meu coração. Foi lá que visitei papai. No dia 24 de dezembro de 1946 foi o nosso encontro. Conheci D. Laura, Aristides, Léa, Léo e demais pessoas da família de minha madrasta. Papai no primeiro dia que me viu pouca atenção me deu. Convidou-me para a ceia de Natal e eu fui com Dindinho [o irmão Manoel, que era na verdade padrinho de Yvonne]. No dia 25 foi diferente, indo Thereza da Conceição Muniz de Queiroz |

83


visitá-lo encontrei-o doente. Beijei a mão dele e a testa e então disse-me: “Deus te abençoe, filhinha”. Quase choro e, não sei como, com certa dificuldade, pois não me lembro ter chamado alguém “papai”, eu disse: “Papai, o senhor gosta de mim?” Papai achou que eu me pareço com minha mãe Rittinha. Thereza passou dois meses em Laguna, e foi aí que conheceu seu futuro marido. Quidinha e Manoel é que apresentaram Arno Duarte, irmão de Quidinha, a ela. Dizem que a primeira impressão não foi das melhores – achou-o “metido 84

| Memórias de Alexandre Queiroz

Alza (atrás da planta), Albert, Zizi, “Dindinho”, tia Luiza, a avó Berta, Léa, Thereza e Therezinha, 1935.


Diário de Thereza, passagens marcantes e as emoções do noivado.

a carioca”! Mas como nem sempre “a primeira impressão é a que fica”, tornaram-se noivos em meados de 1948. Apesar da pouca convivência quando crianças, os irmãos Alexandre e Thereza eram bastante ligados. Ouvia-se dizer que Thereza era a preferida de Xandoca! Quando seu pai, Enéas, não se mostrou muito favorável ao noivado de Arno e Thereza, esta recorreu ao irmão buscando aconselhamento. Em resposta, numa longa e linda carta escrita de irmão para irmã em junho de 1948, proferiu Alexandre: Thereza da Conceição Muniz de Queiroz |

85


Zizi com Ana Maria, filha de Thereza, setembro de 1950.

86

| Memórias de Alexandre Queiroz

Como você pede a minha opinião a respeito, não poderei deixar de dá-la, a mais franca e sincera possível. Ei-la: enquanto ele mostrar gostar de você e não lhe der motivo, sério, de queixa, acho que você deve continuar firme, com fé inabalável no Arno. É esta – ter fé – a primeira condição, em tudo, para se ter êxito em qualquer coisa. Mormente no casamento. Como se pode ser feliz com alguém se não se tem fé neste alguém? (...) E esta fé, ou confiança, não é necessária somente durante o noivado, mas casamento afora. (...) Os pais, por mais que queiram bem aos filhos, e às vezes até mesmo por excesso de amor, também erram e se equivocam. Não quero dizer que o “Velho” esteja errado ou equivocado no seu caso. Todavia, pelo que ouço dizer, não me parecem ponderáveis as razões pelo mesmo apresentadas. Não vejo no Arno um rapaz que só tem ideia e nenhuma realização. É possível que ele tenha muitas ideias, mas isso não é defeito, ou quando fosse, grave. (...) Pior é não ter ideia nenhuma, defeito, aliás, de que nós Queiroz em geral padecemos, isto é, por excesso de escrúpulo e modéstia. Hoje em dia não vence quem não tem ideias, no conceito que ora emprestamos a essa palavra, ou seja, iniciativa, entusiasmo, coragem, audácia, “farol”. No Rio estive algumas horas com o Arno e fiquei espantado de ver a sua iniciativa, as suas relações, e os seus conhecimentos na arte a que vem se dedicando, o Direito. (...) O Arno, pois, no assunto, a continuar como se me apresentou naqueles poucos dias que com ele passei no Rio, é uma esperança, e sã esperança. Quando ele mesmo não seja rico, só o fato de ele procurar morar num confortável apartamento, como é o dele, revela o seu bom gosto e espírito elevado, ou seja, civilizado (moderno). (...) O natural é ser como o Arno: ter o prazer e o desejo de vencer na sociedade, acompanhando-a na sua evolução para o progresso, já que do homem a sociedade é seu habitat. Os displicentes e indiferentes são os anormais, ainda que em maioria.


(...) Sei, também, que o “Velho” acha que você não será feliz com ele pelo simples fato de certa feita, nas últimas férias, o ter visto sentado numa mesa de Café, em Laguna, bebendo cerveja com outros amigos. Ora, qual de nós não terá feito isso, e possivelmente pior, durante os tempos de estudante? Eu não só bebi cerveja em Cafés, mas também em Cabarets! É possível, não duvido, que ele, papai, não o tenha feito no seu tempo de moço. Mas acho que ele já está ficando esquecido, ou, quando não, enfileirando-se no rol daqueles para os quais “no meu tempo sempre era melhor”..., o que é, aliás, de se admirar, pois ele sempre foi um espírito muito liberal e progressista, o que o fazia um líder no pensamento entre seus contemporâneos. (...) É bem-vinda, quando menos em parte, a advertência feita ou oposição levantada pelo “Velho”. Pelo menos você fará o esforço de estudar a si mesma e verificará se está ou não certa na resolução que tomou. Eu penso que sim; mas você mesma o que pensará? O seu coração é quem deve dizer. (...) Uma coisa, enfim, creio que posso garantir: com o Arno você tem possibilidade de viver num mundo diferente, ou seja, cheio de vida, de progresso, de ideal, elevado, culto, o que não aconteceria se se casasse com um bocó qualquer, sem eira nem beira, sem dinheiro e sem instrução. (...) Tem a possibilidade, enfim, de lhe proporcionar uma vida exuberante, o que virá muito ao encontro do seu temperamento. Com ele, tenho essa impressão, você não se mirrará nem se definhará numa vida estéril, opaca e inútil. Casaram-se no dia 19 de junho de 1949. Moraram primeiramente em Orleans, depois por anos em Araranguá, ambas em Santa Catarina. Tiveram cinco filhos: Ana Maria (nascida em Tubarão, 13/5/1950; segundo a própria Ana, “eles moravam em Orleans, porém por ser o primeiro parto e como o tio Manuel e tia Quidinha moravam em Tubarão acharam melhor que eu nascesse lá”), Maria Thereza (Orleans, 20/3/1952), Arno (Araranguá, 23/8/1954), Ricardo (Araranguá, 31/8/1957) e Ana Lúcia (Araranguá, 31/1/1961). Com o nascimento da filha caçula, portadora da síndrome de Down, decidiram se mudar para Curitiba, uma capital com

melhores recursos e onde já viviam dois irmãos de Thereza: José e Enéas. Este último trabalhava à época na Rede Ferroviária e conseguiu que Arno se tornasse advogado da Rede. Apesar de morarem em cidades diferentes, as famílias de Alexandre e Thereza conviviam bastante, passavam juntas algumas datas especiais, como Páscoa, e seguiram assim fortalecendo o vínculo entre os Queiroz, que se mantém até os dias de hoje. Thereza faleceu em Curitiba no dia 3 de abril de 2001, aos 74 anos de idade. Segundo a filha primogênita, descoberto o câncer em janeiro daquele ano e não havendo nada que pudesse ser feito, Thereza passou um mês em Florianópolis, na casa do filho Ricardo. De volta a Curitiba, partiu sem ter feito uma queixa sequer sobre a vida!

Thereza no encerramento das atividades do grupo da Terceira Idade, na PUC/PR, em novembro de 1999.

Thereza da Conceição Muniz de Queiroz |

87


Maricota aos 15 anos de idade.

A irmĂŁ (Maria do RosĂĄrio Queiroz)


F

ilha do segundo casamento de Enéas, com Baronísia Sapucaia, a Bembém, Maria do Rosário Queiroz nasceu em 22 de outubro de 1929, no município de Cachoeira, Bahia. No início de sua infância, Maricota, como era chamada pela família, viveu em diversas cidades, acompanhando os deslocamentos profissionais do pai: Belém/PA, Porto Velho/RO, Teófilo Otoni/MG, Blumenau/SC e Laguna/SC. Mesmo depois da separação de Enéas e Baronísia, em 1936, a caçula continuou a morar com o pai. Apenas em 1946 é que Maricota morou por alguns meses com a família do irmão Enéas, na pequena cidade catarinense de Porto União/SC. Da infância foram marcantes as visitas ilustres recebidas pelo pai e as travessuras dos irmãos mais velhos, especialmente Manoel. Conheceu em Laguna, aos 16 anos, aquele que se tornaria seu marido, Ned Perfeito da Silva, nascido em 18 de fevereiro de 1924. O pai de Ned era dono da fábrica de café da cidade. E como as famílias frequentavam os mesmos lugares, acabaram se encontrando. Sobre a época do namoro, o registro vem de carta de fevereiro de 1946 que Enéas escreveu ao filho Alexandre: Entreguei à Maria sua carta. Certamente demorará ela em responder pois o programa em vigor é ir todos os dias almoçar na casa do noivo em Mar Grosso e lá ficar o resto da tarde, programa aliás que tem se provado muito bom na parte referente à saúde, sem falar no encanto e na poesia dessas boas horas passadas assim sem preocupação. Maricota e Ned se casaram em 8 de dezembro de 1946. Os dois foram então morar em Laguna, depois em Palhoça e em Tubarão, retornando mais tarde a Laguna, onde viveram até seu falecimento. Tiveram três filhas – Maria da Graça (Laguna, 5/11/1947), Thereza (Laguna, 17/4/1949) e Sandra (Tubarão, 13/8/1962). Com a separação dos pais, Maricota voltou a ver sua mãe somente depois de casada. Pensava que ela tinha falecido. Maria era asmática e aos 19 anos foi diagnosticada erroneamente com tuberculose. Já tendo duas filhas e preocupada com quem deixaria as meninas, acabou descobrindo que sua mãe estava viva. Conseguiu contatá-la e Bembém veio do Rio de Janeiro ao Sul para reencontrar sua filha. Esse resgate da própria história seguramente marcou a vida de Maricota. Depois disso mãe e filha conviveram bastante até o fim da vida. Já de volta a Laguna, a família recebia visitas de Alexandre e Dulce, que aproveitavam as vindas a Florianópolis para ver os parentes queridos. Consta que Alexandre elogiava muito a comida feita por Maricota. Os irmãos tinham uma ótima relação. Sempre trocavam cartões de Natal, aniversário – não esqueciam as datas especiais! O ano de 2002 foi duro para a família de Maria do Rosário, pois em dez meses ocorreram três mortes súbitas: a filha Thereza faleceu no dia 13 de fevereiro; a mãe, Bembém, despediu-se no dia 3 de novembro, e dez dias depois, em 13 de novembro, Maricota amanheceu caída ao lado da cama, aos 73 anos de idade.

Maricota com 2 anos (foto tirada por Alexandre, em Blumenau, no dia 29 de maio de 1932); Maricota em Laguna (sem data); e com o marido, Ned, no casamento da filha Sandra, em 1981.

Maria do Rosário Queiroz |

89


O irmĂŁo Aristides (Freitas de Queiroz)


A

ristides Freitas de Queiroz foi o caçula de Enéas. Filho de Laura, do terceiro casamento do pai, nasceu em Belo Horizonte/MG no dia 22 de dezembro de 1940. Fez o secundário no Colégio Marista, em Salvador/BA, e cursou medicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, tendo parte da sua faculdade sido custeada pelo irmão Alexandre. Segundo o sobrinho Luiz Paulo, também médico, que quando estudante passou um mês com Aristides, “ele era daqueles médicos antigos, que faziam tudo”; mais tarde, no entanto, especializou-se em obstetrícia. Chegou a ser dono de um hospital, mas, por dificuldades da vida, acabou como assalariado da instituição. Conheceu sua esposa, Romilda Costa, nascida em Itiúba/BA no dia 18 de abril de 1945, porque os dois moravam no mesmo bairro – Roma, na Cidade Baixa. Casaram-se no dia 26 de março de 1965 e tiveram quatro filhos: Aristides (Senhor do Bonfim/ BA, 15/1/1969), Alexandre (Euclides da Cunha/BA, 31/10/1971), Carla (Euclides da Cunha/BA, 18/12/1974) e Ângela (Euclides da Cunha/BA, 9/6/1980). A característica mais marcante de Aristides era sua calma, sua tranquilidade. Diz Carla que nunca viu o pai perder a cabeça por nada. E lembra ainda de receber visita do “tio que tinha sotaque diferente”, destacando que o fato de Alexandre ser advogado influenciou a ela e ao irmão (também Alexandre) na escolha da carreira, já que ambos fizeram Direito. Aristides e Romilda separaram-se, e do seu segundo casamento, com Zélia Barreto de Souza, nasceu Enéas Souza de Queiroz, em Euclides da Cunha, no dia 21 de setembro de 1993. Apesar de muito mais velho que o irmão caçula e, portanto, da pouca convivência, Alexandre tinha-lhe grande afeição:

Na época ainda tinha a coisa de filho ilegítimo. Eu mesmo interferi; como advogado requeri a modificação da certidão do Aristides porque ele foi registrado como filho ilegítimo [pelo fato de Eneás e Laura não terem formalizado o casamento]. Então ele foi legitimado. Para completar, ele foi sempre um bom rapaz e eu sempre tive o melhor relacionamento com ele. Até hoje. Quando ele se separou da primeira esposa, mandou a filha para passar uma temporada conosco em São Paulo. E eu gostei muito da menina, a Ângela, muito carinhosa comigo...

Aristides aos 9 anos, com o pai, Enéas, e a sobrinha Ana Maria, filha de Thereza.

Além disso, os irmãos eram parecidos, de acordo com o pai, que escreveu a Alexandre: Vitória, 10 de julho de 1942 Sobre o Aristides teria muito a falar se me dispusesse a gastar papel. Vamos, porém, ao caso de parecer com você. A semelhança está na conformação da cabeça, na cor e no arranjo dos cabelos, tudo do seu atual. Já não quero referir-me ao gosto por ferramentas e nem à otite – no ouvido esquerdo – e nem também à preferência por pão. Limito-me à semelhança pessoal, física. Tem ele muito do avô paterno – de quem você herdou a qualidade de “quando quer, quer mesmo”! – é que o Aristides já de pequeno vem dando sinais bem visíveis de ter. Ainda morando em Vitória, depois de dar notícias não muito boas, Enéas filosofou em carta a Alexandre, destacando o prazer que sentia ao estar na praia com seu caçula: Enquanto isso o mundo vai continuando no seu giro, as marés aqui enchendo e vazando indiferentes aos sofrimentos da humanidade e aos horrores da guerra, e eu, apesar de todos esses pesares e ter na cozinha algumas panelas de barro por serem mais baratas, ainda vou como já fiz hoje à praia levar o Aristides, vê-lo tomar banho, gozar o prazer em que o Léo, a Maricota e a Isabel mergulhavam e nadavam, e sentir nos pés e nas pernas o fresquinho da água do mar. No ano seguinte, ao passar uma temporada trabalhando em São Paulo, o pai Enéas escreve: São Paulo, 31 de maio de 1943 Estou sozinho e me custou muito deixar o Aristides, que é hoje o meu elixir de longa vida. Já de volta a Laguna, o pai comenta com Alexandre: Laguna, 16 de setembro de 1943 Logo que me instale na cidade vou escrever a minha biografia baseada nos documentos que possuo. Pretendo oferecê-la ao Aristides, mas poderei oferecer-lhe também uma cópia, sabendo como sei que você é “conservador”. Enéas não chegou a escrever sua biografia e oferecê-la aos descendentes. Mas certamente o fato de ter um filho “conservador” como Alexandre foi o que permitiu a elaboração desta biografia. Aristides faleceu no dia 13 de novembro de 2013, semanas antes de completar 73 anos.

Aristides Freitas de Queiroz |

91


Antônio Paulo, Rosa, Ivette e Rita, em Valença/ BA, janeiro de 1994.

O irmão Antônio (Paulo Silva Queiroz)


A

ntônio Paulo Silva Queiroz nasceu em Salvador/BA no dia 11 de setembro de 1939. Era, na realidade, neto de tio Totônio, sendo criado desde o nascimento por este. Mas, segundo o próprio Antônio Paulo, em 1948, quando Enéas já tinha voltado a residir em Salvador, pelo fato de o filho caçula, Aristides, ser quase da mesma idade que aquele e estar muito sozinho, os irmãos Enéas e Totônio decidiram que Antônio Paulo passaria para a guarda do primeiro. E assim foi feito. Realmente, Antônio Paulo nos conta que, temeroso em princípio mas tendo sido bem aceito e cuidado com carinho por “tio Enéas e tia Laura”, passou anos felizes ao lado do irmão Aristides, com quem acabou tendo uma relação muito próxima: “Éramos muito unidos e cúmplices em tudo”. O irmão Alexandre atesta:

Então, o meu pai o acolheu e o criou como se fosse filho. E ele foi o melhor presente que o meu pai recebeu na vida. Ele foi tão carinhoso ou mais com o meu pai do que os próprios filhos. Eu sempre fui um filho bom, mas não fui melhor que o Antônio Paulo. Antônio Paulo fez o secundário no Colégio Marista de Salvador e cursou Medicina na Universidade Federal da Bahia, especializando-se em cirurgia geral e medicina do trabalho, com atuação na área de perícias judiciais. Sua formatura foi em 1967 e nesta ocasião ganhou de seus irmãos o anel de formatura com a pedra-símbolo da medicina – esmeralda –, iniciativa capitaneada por Alexandre e Yvonne. Antônio Paulo conheceu Rosa Angélica, nascida em Salvador a 2 de fevereiro de 1938, na praia de Roma, no domingo de Bonfim de 16 de janeiro de 1966. Casaram-se três anos, três meses e três dias depois, em 19 de abril de 1969, e tiveram três filhos, todos soteropolitanos: Paulo Marcus (15/11/1970), João Marcelo (20/9/1973) e Luiz Eduardo (31/4/1976). As primeiras lembranças que Antônio Paulo tem do irmão Alexandre são de uma viagem que fez com o pai em Santa Catarina, ainda criança. No entanto, eles tiveram maior convivência já adultos. Alexandre e Dulce sempre visitavam Antônio Paulo quando iam a Salvador. Numa dessas ocasiões, com a companhia de Luiz Paulo adolescente, passaram um fim de semana em Amoreira, Ilha de Itaparica, numa pequena casa de pescadores que tinham alugado! Mais tarde, Alexandre e Ivette, que costumavam viajar à Bahia, também passaram “dias inesquecíveis” em Itaparica e no Morro de São Paulo, como nos declarou Antônio Paulo. Esses e outros encontros, também na cidade de São Paulo, são, nas palavras do irmão mais novo, “pequenos tópicos, mas com valores emotivos fortes”. Antônio Paulo hoje ainda atua como assistente técnico em processos que envolvam litígios trabalhistas nos assuntos de periculosidade ou insalubridade em área hospitalar e continua morando em Salvador com sua Rosinha. Eles passam boa parte do tempo na sua casa de veraneio, na praia de Busca Vida, no município de Camaçari, litoral norte da Bahia.

Antônio Paulo, Rosa, Ivette e Alexandre na Ilha de Itaparica/BA, 1990.

Antônio Paulo Silva Queiroz |

93



Alexandre aos 15 anos. Foto tirada em 1º de junho de 1931, Belém/PA.

Infância e juventude


(Infância e juventude de Alexandre


A

lexandre Muniz de Queiroz nasceu em 7 de abril de 1916, numa sexta-feira, na cidade de Valença, Bahia, na casa do seu avô Juca (José Muniz de Souza Sobrinho), pai de Ritta. Recebeu este nome em homenagem a seu bisavô, Alexandre José de Queiroz, que, considerado um sábio pela sua cultura e inteligência, chegou a fazer parte da Academia Baiana de Letras. Ainda bem pequeno, Alexandre morou com a família em Teresina, Piauí. Naquele tempo não havia água encanada nem luz elétrica. Alexandre comentou certa vez que a água vinha em barris e quando chegava em casa ainda era preciso usar pedra-pomes para decantá-la e poder tomar banho:

“O banho era frio, de cuia”.

Outros dois episódios marcaram sua infância durante o período em que viveram em Teresina. Um deles se refere à festa de aniversário de seu pai, que por ser engenheiro-chefe da estrada de ferro, um posto elevado portanto, teve toda a pompa. Organizada pela mãe, Ritta, comentava-se na comunidade que nem o governador tinha tido uma festa tão bonita! Alexandre, mesmo nos seus 90 anos, lembrava de ter presenciado um tiroteio nas ruas de Teresina em razão da Revolução de 1924, dizia ele. Pesquisando os registros históricos, chegamos à conclusão de que ele estava falando da chegada da coluna Prestes – formada pelos tenentes que foram vencidos na Revolta Paulista de 1924 e os revoltosos do Rio Grande do Sul, liderados por Luís Carlos Prestes – à cidade de Teresina em dezembro de 1925: “Nós nos recolhemos, tudo passou, os revoltosos foram

derrotados, fugiram, e a cidade voltou ao normal”.

No que tange à sua vida escolar, consta que sua primeira professora foi uma irmã solteira de seu pai que lhe dava aulas particulares, a tia Xixi. Fez o curso primário, de quatro anos, no Colégio Castro Alves, em Cachoeira, Bahia. Depois da morte de sua mãe, em 1928, seu pai, já casado com a segunda mulher, foi transferido para Belém/PA como Chefe da 1ª Fiscalização Federal das Estradas, para supervisionar a famosa estrada de ferro Madeira-Mamoré. Ali estiveram por cerca de dois anos, de 1929 a meados de 1931, período durante o qual Alexandre estudava no Ginásio Paes de Carvalho. Foi então que a família passou por outros dias de tiroteios e revoltas, esta vez, segundo Alexandre, por conta da Revolução de 30:

Os rebeldes tomaram conta da capital, Belém. Eu estava doente de paratifo e tudo fechado, não podia sair na cidade que tinha tiroteio, os armazéns todos fechados... Eu sei que no fim de uns dias começou a faltar comida em casa e alimento para mim... mingau... O meu pai queria sair pra comprar maisena, mas não sei quem foi que não o deixou sair porque o tiroteio estava muito grande. Um vizinho muito bom soube e deu pra ele a maisena. Até hoje costumo dizer que um bom vizinho é melhor que um bom parente!! Aprendi na minha infância que quando os filhos são ruins, a pessoa deserda os filhos; quando um parente é ruim, a pessoa afasta o parente; mas quando o vizinho é ruim, você se muda! Alexandre relata outro fato curioso de quando morou em Belém:

Lá fazia um calor terrível, mas eu sempre preferi o calor ao frio. Naquele tempo, matematicamente, chovia torrencialmente durante uma hora, uma hora e meia. Era costume local, quando uma pessoa marcava um encontro, dizer: “Antes ou depois da chuva?” Porque rigorosamente chovia naquela hora, de tardezinha. Alexandre provavelmente em 1934, quando se alistou.

Nessa época, por conta da crise de 1929 que afetou o andamento da estrada de ferro Madeira-Mamoré, a família passou alguns meses em Porto Velho, para onde seu pai foi “por ordem governamental, como representante do governo da República” (nota publicada em periódico da cidade, datado de 1930). Foi aí que Alexandre debutou, conforme escreveu em carta a um amigo de lá:

Infância e juventude de Alexandre |

97


Durante minha estadia em Porto Velho, tive o prazer de, aos 15 anos, pôr pela primeira vez calças compridas, e então, conforme costume da época, “debutar” (sim, debutar), o que ocorreu no Clube Internacional, tendo como par uma linda (é pelo menos assim que me lembro dela) indígena, isto é, filha da terra, de olhos amendoados, morena-clara, da minha altura e, se não me engano, de nome Juracy. Depois, seu pai foi transferido para Blumenau, onde moraram cerca de dois anos (1931-33), “numa casa tipo alemã, verde e branca”. Sobre essa época, Alexandre nos conta: Uma das passagens que me marcaram de Blumenau foi o avô da Maike [que se casou mais tarde com seu filho Diomário], Max Hering: todos os dias ele saía com o cachorro de estimação e pegava um pau, falava em alemão com o cachorro, jogava o pau, o cão pegava o pau e trazia pra ele. Então eu achava graça como é que o cachorro entendia alemão! Alexandre frequentava o Colégio Santo Antônio. Perguntado se teve que aprender alemão na escola, ele responde:

Parece um dos absurdos da minha vida. Por princípio, idealismo tosco, eu fiz questão de não falar alemão... Por brasileirismo. Achava que era uma ofensa eu falar alemão na minha pátria. Mas eu entendia tudo que eles falavam. Não cheguei a falar porque não queria aprender. A família morou ainda em Teófilo Otoni, Minas Gerais (1933-34). Alexandre estudou no Ginásio Mineiro e recorda que era “um rapaz ativo, promovedor das coisas”. A casa em que viviam, em frente à estação da estrada de ferro, tinha sido um antigo hospital. Assim, era enorme, “com 10 ou 11 quartos”! 98

| Memórias de Alexandre Queiroz

Casa de Porto Velho/RO, sede da 1ª Fiscalização Federal das Estradas, 1930.


Casa da família em Blumenau/SC, 23 de dezembro de 1931.

E complementa:

Nessa época o meu pai passava as férias em Caravelas, na Bahia, durante 10 ou 15 dias, e eu ficava [em Minas] porque era diretor do jornal O Estudante. Eu não ia pra praia por causa do jornal, para poder fazer as edições. Ficava numa casa de 11 quartos, sozinho, e não tinha medo! Quando seu pai estava de férias, Alexandre fazia as refeições na única pensão da cidade, que ficava na praça principal:

Quando meu pai voltou, foi pagar as minhas refeições lá, mas a dona da pensão não quis cobrar nada. Ela dizia que eu não gostava da comida dela porque só comia arroz e feijão! Aí meu pai teve que explicar que não é que eu não gostava, é que eu era enjoado mesmo. Só comia arroz, feijão, farofa e molho de pimenta, no almoço e na janta. Depois disso, ele e alguns de seus irmãos foram morar com o avô Juca, no bairro de Itapagibe, em Salvador. Lá, Alexandre frequentou o Ginásio “Carneiro Ribeiro”, na Cidade Alta. Gostava de lembrar que o nome da escola se referia “a um ilustre e famoso professor, mestre, inclusive, do mais que famoso e imortal brasileiro Ruy Barbosa”. Ele conta que, “para ir ao Ginásio, normalmente era preciso ir até o Elevador Lacer-

da, subir, e lá em cima, na Cidade Alta, tomar outro bonde para chegar ao colégio. Meu pai me dava dinheiro para assim eu fazer (ele mandava o dinheiro por intermédio do meu avô Juca), mas eu, já naqueles tempos muito econômico, subia a pé a ladeira do Canto da Cruz, poupando assim uns trocados para os meus gastos extras.” Infância e juventude de Alexandre |

99


Ao ser perguntado se era bom aluno, Alexandre revela:

Sempre fui muito dado ao estudo da Geografia e História, principalmente Geografia. Um dia, no exame de admissão ao ginásio, o professor Antoninho começou a me fazer perguntas da França, da Holanda, da Bélgica... Ele me perguntou uma cidade da Bélgica, eu disse. Perguntou outra, eu disse a segunda, a terceira. Na quarta, ele perguntou, eu respondi, e ele depois não perguntou mais! Aí eu disse que ele não perguntou porque não sabia!! Eu sabia ainda! Mais do que ele! São coisas que as pessoas não esquecem. Então, esta atração por Geografia o meu filho Enéas herdou. No entanto, a respeito de línguas estrangeiras, Alexandre confessa:

Eu sempre fui péssimo!! Para fazer a admissão era preciso saber uma língua facultativa: ou inglês ou francês. Optei por francês. Mas sabia muito mal. O meu professor, Emílio Sada, foi muito tolerante comigo, muito amigo do meu pai. Ele fez duas ou três perguntas, eu não respondi, ele começou a ensinar a resposta e ainda me aprovou!! ‘Estou satisfeito’, ele disse! À época, depois do ginásio passava-se pelo exame de admissão para a faculdade. Não havia o científico. O ginásio durava cinco anos e tinha um ano facultativo nas ciências de Letras: “Fiz o facultativo 100 | Memórias de Alexandre Queiroz

À esquerda, prova de História da Filosofia, matéria do sexto ano do Ginásio, em que Alexandre tirou nota 100. Acima, Alexandre em Blumenau/ SC no dia 30 de outubro de 1932.


Alexandre em 1931 e 1933 (fotos laterais). A do meio está sem data (provavelmente de 1934, quando se alistou).

porque eu não tinha idade para entrar na faculdade. Eu era precoce. Ainda tenho o certificado do 6º ano: me formei Bacharel em Ciências de Letras.” Imaginamos que não tenha sido difícil para Alexandre passar no exame de admissão à faculdade. No sexto ano do Ginásio, tirou nota 100 (cem) em provas de Sociologia e História da Filosofia, o que comprova que era de fato bom aluno e demonstra seu interesse nas disciplinas-base do Curso de Direito, que ele começou em 1936. Sobre sua alimentação na infância, sabe-se que Alexandre sempre gostou muito de pão. Marcou-lhe um evento acontecido no seu aniversário: “Meu pai, sempre com espírito alegre, brincalhão,

num dia de meu aniversário, 10 ou 11 anos, para brincar comigo, mandou que cada filho me desse de presente um pão. Mas ele se equivocou, porque em vez de ficar zangado, eu abracei todos eles e disse que eu não ia dar pra ninguém!” Seu gosto por pão prevaleceu por toda a vida. Apesar de ter perdido a mãe cedo, aos 12 anos de idade, e de seguramente ter sofrido com isso, Alexandre não costumava falar da falta que sua mãe fazia; antes, sempre enfatizava quão maravilhoso seu pai havia sido. Nas reminiscências que deixou, transparece a certeza de que teve uma boa infância, que nada lhe faltou e que todos os ensinamentos desse período muito contribuíram para a formação de seu caráter honesto e leal e de sua eterna alegria de viver. Infância e juventude de Alexandre | 101


Bacharelado em Direito e primeiros anos profissionais na Bahia


A

lexandre fez Direito na Faculdade de Direito da Bahia (que veio a ser a Universidade Federal da Bahia em 1946), em Salvador, no período de 1936 a 1941. Como bom “arquivista” – palavra que ele gostava de usar –, tinha um caderno onde anotava muito do que lhe acontecia nesses anos: datas de matrículas, gastos, impressões sobre as aulas e professores, provas e seus resultados. Para entrar na faculdade, Alexandre teve que prestar vestibular:

Inscrevi-me para o Exame Vestibular na Faculdade de Direito da Bahia em 23 de janeiro de 1936. Pela taxa de inscrição paguei 150#000, mais 800 réis para selo do recibo (!). Apresentei então os seguintes documentos, todos com firma reconhecida por tabelião desta capital, à exceção do atestado de idoneidade moral, que foi passado por um professor da “Escola”, dr. Aloysio de Carvalho Filho: 1° - carteira de identidade; 2° - atestado de vacinação antivariólica; 3° - certidão de idade; 4° - certificado de aprovação final nas matérias do 5° ano do curso secundário, feito em estabelecimento oficial ou oficializado; 5° - prova de sanidade; 6° - atestado de idoneidade moral; 7° - recibo de pagamento da taxa de inscrição; e uma petição ao Diretor da Faculdade selada com um selo federal de 2.000 réis. (...) No dia 1° de fevereiro fizemos prova escrita de Literatura; no dia 3, prova escrita de Higiene; no dia 4 prova escrita de Latim; no dia 5, Psicologia e Lógica; no dia 6, Geografia Econômica; e no dia 10, oral de todas as matérias. (...) Foram estas as minhas notas: Literatura, 70; Higiene, 50; Latim, 65; Psicologia e Lógica, 75; Geografia, 45. Média Geral: 61.

Como o próprio Alexandre atestou, o primeiro lugar teve média 74, o segundo lugar 70, o terceiro lugar coube aos que tiveram média 63 e o quarto lugar coube a ele e outros colegas que tiveram a nota 61. Durante os anos de faculdade, ele morou numa pensão só para rapazes na Ladeira de São Bento:

Eu morava lá, embora tivesse a casa de tio Totônio, porque era mais perto da faculdade e do trabalho. A dona da pensão era a viúva Dona Cesalina. Quando eu me casei e fui pra Salvador, Dulce e eu fomos nos hospedar na pensão. Ela nos deu o seu quarto principal, que era de casal, indo dormir com a filha. Dona Cesalina recebeu a Dulce com esta frase: “Dona Dulce, meus parabéns! O seu marido morou cinco anos conosco e nunca reclamou de nada!” Embora o curso fosse gratuito, sempre havia algumas taxas a serem pagas, e Alexandre deixa claro que era seu pai quem cobria essas despesas. Sobre os primeiros dias como acadêmico de Direito, Alexandre escreveu:

As minhas impressões primeiras da Faculdade e da vida de acadêmico, por não serem boas, deixo-as em branco. Alexandre e o primo José, 8 de dezembro de 1940, na Bahia.

Já tendo Alexandre passado pelas provas parciais de junho, com notas boas, embora não tendo sido o primeiro lugar da turma, nas provas parciais de setembro o professor titular da cadeira de Introdução à Ciência do Direito teve de viajar, com o que os exames ficaram a cargo do primeiro livre-docente, Bacharelado em Direito | 103


Dr. Orlando Gomes, um dos maiores civilistas que o país já teve:

Gostei imensamente do critério do dr. Orlando. Tirei, como na primeira vez, a nota 8. Desta vez, porém, a maior nota. Não houve 10, nem 9. Já em relação à prova de Direito Romano, o ilustre acadêmico registrou:

Foi a prova vergonha do curso... Colava-se às vistas do professor, dos examinadores e do próprio fiscal, com os livros sobre as carteiras e o que mais houvesse... Vergonha, meu Deus, vergonha!! Chamam a atenção ainda as anotações de Alexandre a respeito da frequência dos alunos às aulas. Nas de Direito Roma-

no, ele comenta que só dois ou três alunos, no máximo, compareciam, e que ele, por respeito, embora já tendo passado de ano na matéria, continuou assistindo a todas. O então segundanista conta o trote dado aos novos calouros:

Hoje, 2 de março de 1937, foi o dia do trote. Verdadeiro trote... Discursos, calças arregaçadas, farinha do reino, “gravatões”... Botaram num dos pedestais da Faculdade um calouro negro para falar. Tremia, coitado, como uma vara verde. E então começou o discurso: – Meus colegas! – Muito bem... (palmas!)

Cópia do diploma de Bacharel em Direito, dezembro de 1940.

104 | Memórias de Alexandre Queiroz


Portarias que nomearam Alexandre para o seu primeiro emprego depois de formado, em 1941, e para o cargo de Pretor de Boa Nova/BA, em 1942.

Bacharelado em Direito | 105


– “Todo calouro é burro”... Na verdade, o trote é necessário.... Hoje eu o recebo com satisfação, na certeza de que amanhã eu também o darei... – Muito bem... (palmas!) – Entretanto, em agradecimento a esta expressiva manifestação de que eu sou alvo... – Qual o quê! Você é preto!! (gargalhadas, risos em geral!) Que bom ser veterano!! Portaria nomeando Alexandre para o cargo de Promotor Público de Itambé/BA, 1944.

No terceiro ano, em 1938, Alexandre estava ainda mais exigente com a qualidade das aulas:

Fui à primeira aula do Dr. Ponciano: que tristeza! Fui, idem, do dr. Evandro: regular. Fui, enfim, à do dr. Castro Rebello: lástima! Falou de “ventilador”, de Castro Alves, de “tudo”, menos do assunto da lição! Que trindade! Que “santa” trindade! E indigna-se com as faltas dos colegas:

A que ponto chegamos: ontem assisti sozinho a uma aula do dr. Ponciano (Comercial); hoje, apenas eu e o Ladislau a uma do dr. Castro Rebello (Internacional Público). Caramba! Já é demais! No entanto, logo depois anotou:

Fui hoje nomeado escriturário de 2ª classe, interinamente, do Tribunal de Apelação. Ba., 17/8/38. E deixei de ir às aulas. Embora tenha dito “interinamente”, parece ter ficado na função por bastante tempo, ou então voltou oportunamente. É o que nos leva a crer o texto da portaria que o designou para seu primeiro emprego depois de formado, aqui publicada. Alexandre colou grau no dia 8 de dezembro de 1940. Logo em seguida, como acima comentado, assumiu o cargo de Oficial de Gabinete da Secretaria de Interior e Justiça da Bahia. Em julho do ano seguinte, 1942, foi nomeado Pretor – juiz municipal – da cidade de Boa Nova, na Bahia:

Boa Nova, uma das melhores passagens da minha vida foi lá. Eu era pretor, a primeira escala de juiz, correspondente ao juiz de primeira instância. Fui recebido com todas as honras, todas as festas, tudo que era de melhor da sociedade. Não só por nós próprios; era a homenagem que se fazia ao próprio juiz. Nós morávamos na melhor casa de Boa Nova depois da casa do médico. O chão era atijolado. Em novembro de 1944 ele passou em concurso para o cargo de Promotor Público da Comarca de Itambé, uma das cidades principais do interior da Bahia. Como promotor público lhe era facultado também advogar. E foi o que ele fez a partir daí até os 81 anos de idade, quando finalmente deixou de frequentar o escritório de advocacia em São Paulo que um amigo lhe franqueara. O próprio Alexandre explica sua trajetória profissional no mundo jurídico e a mudança da família Fernandes de Queiroz da Bahia para Santa Catarina, onde passou a maior parte da sua vida profissional, como veremos na terceira parte desta biografia:

106 | Memórias de Alexandre Queiroz


Quando entrei na faculdade, se fosse para ser advogado eu não teria entrado. Meu sonho era ser juiz, e se a sorte me ajudasse, ser desembargador, seguindo assim a tradição da família. Recém-formado, já casado, mas ainda Oficial de Gabinete do Dr. Lafaiete Pondé, Secretário do Interior e Justiça, este me ofereceu o cargo de Delegado Especial de Polícia da Capital, um dos cargos mais cobiçados do momento, e eu recusei, dizendo que me formei para ser juiz; fui então nomeado pretor (juiz municipal) de Boa Nova. Ganhava 700 mil réis por mês, mandava 100 mil para tia Coletta, 100 mil para tia Xixi, e ficava com 500 mil para o resto do mês. A sua mãe, uma heroína, e, pode-se dizer, santa, jamais reclamou. Mas decorreram dois anos e somente no Natal desse último ano eu consegui lhe dar um modesto vestido novo. Em Boa Nova tudo era comprado mediante caderneta e pago no fim de cada mês. Houve um mês que fiquei só com 5 mil réis de saldo, para com ele passar todo o resto do mês. Num domingo, tudo fechado, onde eu comprava mediante caderneta, faltou fósforo em casa e a Dulce me pediu dinheiro para comprar na “loja” aberta. Eu pedi, então, que ela pedisse emprestado ao vizinho, o que ela fez, pois se eu “destrocasse” os únicos 5 mil réis que tinha, numa nota só, terminaria gastando o resto facilmente... Conclusão: houve uma vaga de promotor de Itambé; Dr. Pondé ma ofereceu, dizendo das vantagens de ser promotor, pois, além do ordenado fixo, quase igual ao de juiz, poderia advogar etc. Depois de muito pensar e por amor à Dulce, resolvi aceitar, abandonando assim, provisoriamente, e depois definitivamente, a magistratura... Eis que na primeira causa que peguei como advogado, em Itambé, recebi, só de “entrada”, o equivalente a meu vencimento de juiz... Saí, eufórico, comprei um “queijo de cuia” e um litro de vermute branco para festejar o acontecimento... Depois que nasceu o Enéas (Cote), ainda em Itambé, a Dulce ficou novamente grávida, do La-

Correspondência enviada a Alexandre em 1941 - sem endereço e sem a cidade!

faiete, e como ela não tivesse passado bem nos dois últimos partos, resolvi que ela teria o novo parto em Tubarão, junto com a sua mãe. Fiquei sozinho em Itambé e quando fui visitá-la e buscá-la de volta, meu pai, que residia então em Laguna, por intermédio do Dr. Aderbal Ramos da Silva, então governador do Estado, me ofereceu a vaga de promotor de Joaçaba, onde morava meu irmão José, engenheiro-residente da Rede Ferroviária. E então, mais uma vez por amor à Dulce, sacrifiquei novamente “tudo” e aceitei minha nomeação para Joaçaba. Não estou arrependido de nada do que fiz e me sinto feliz por ter sido feliz, durante 40 anos, como poucos poderão ter sido, com a Dulce... Bacharelado em Direito | 107



A família Fernandes de Queiroz no início de 1965.

A família Fernandes de Queiroz

(Parte II



Introdução

A

força do destino perpassa esta segunda parte da biografia de Alexandre, na qual identificamos uma grande travessia, simbolicamente representada por sua mudança da Bahia dos antepassados para o Sul promissor, jornada transformadora de um jovem estudante em pai de família. No final da década de 1930, Alexandre conhece a catarinense Dulce Knabben Fernandes num baile de carnaval em Tubarão. Encantados um com o outro, começam a namorar, mas ele volta a Salvador para concluir o curso de Direito. Como descreveria mais tarde o colega José de Mello, Alexandre era o estudante de “terno de casimira, colete e chapéu de feltro” que todos esperavam, “por sua retidão de caráter e saber jurídico”, vir a ser um respeitável desembargador, de fato carreira tradicional entre seus ascendentes. No entanto, a chegada dos primeiros filhos propicia a guinada de vida, da qual diz nunca ter se arrependido: “fui feliz no casamento como poucos terão sido”. A família, ainda nos anos 1940, vem morar na rústica cidade de Joaçaba, toda erguida com casas de madeira, onde Alexandre consolida-se como advogado. Dulce é personagem de destaque desta segunda parte. Uma mulher à altura da expectativa dos Queiroz: culta, inteligente, amável, de fina educação. Num período em que as jovens pouco estudavam, Dulce, além de se formar no Ensino Vocacional Superior, recebeu bolsa de estudos para cursar Pedagogia no Rio de Janeiro. Entre a promissora vida profissional e o casamento, ela se decide pelo matrimônio. A origem mais humilde – seu pai, Manoel Jeremias Fernandes, era sapateiro – não passou em vão para Alexandre, que ressalta esse fato em suas memórias. Contudo, é com essa nova família que ele recebe o apoio para a formação da sua própria família, tanto nos momentos do nascimento dos filhos, nos veraneios na casa dos sogros, como no carinho recebido especialmente da sogra, Perpétua. Em terras novas e com a vida pela frente, vemos o casal se fortalecer como pais, ambos disciplinadores, exigentes, mas cada um suavizando os rigores da época com atos de ternura. Na casa não havia supérfluos ou excessos, todos os esforços eram direcionados para que os sete filhos tivessem acesso à cultura, aos livros, a uma educação completa – bases para a formação de crianças que um dia deveriam ser adultos íntegros, éticos, vencedores. Na sequência, privilegiamos o relato biográfico dos filhos, de próprio punho, em que relembram a infância, o percurso escolar e acadêmico, a vida adulta, assim como nos apresentam os novos descendentes de Alexandre, os netos. Nesse sentido, este livro assume a faceta de abraçar mais de um ponto de vista, ter mais de um narrador. Também por isso há textos assinados por parte dos filhos de Alexandre e Dulce que complementam vazios e silêncios, dando sentido ao que ainda não havia registro. São manuscritos fundamentais para compreendermos a mudança de rumo na vida do nosso biografado. Arrebatado pelo destino, consciente da sua liberdade e fortalecido no amor por Dulce, Alexandre escreve sua própria história, criando novos ramos para a árvore genealógica dos Queiroz. Parte II | Introdução | 111



A famĂ­lia no aniversĂĄrio de 1 ano de Maria Tereza, 1952.

A nova famĂ­lia


Os sogros Manoel Jeremias e PerpĂŠtua


“A vó Perpétua, a sogra, junto com meu pai foi a melhor pessoa da minha vida, excluindo os filhos e as esposas; por isso eu contesto e reclamo quando falam mal de sogra. O vovô Neco era refratário ao noivado. Nunca acreditou que eu fosse capaz de noivar com a sua mãe... Mas depois que eu noivei, ele se normalizou.”

M

anoel Jeremias e Perpétua tiveram importante papel na vida da família Fernandes de Queiroz, desde a aprovação do casamento de Dulce e Alexandre até os cuidados com os netos. Pouco se tem registrado de Manoel Jeremias Fernandes, o vô Neco, e seus antepassados. Nascido em Tubarão/SC em 18/2/1895, ele provinha de uma família simples. Estudou até o terceiro ano primário, foi sapateiro de profissão, teve loja de calçados e foi um ótimo negociante, o que permitiu uma vida confortável à sua família: “o Neco não era pobre mas era modesto, nunca foi homem rico”. Faleceu em Florianópolis em 1976, aos 81 anos de idade. Filha de um alemão, Joseph Knabben (nascido em 1870 na cidade de Monheim, distrito de Dusseldorf), e de uma descendente de portugueses, Maria Rosa da Silva (nascida em 1875, em Armazém/SC), Perpétua Knabben nasceu em 6/7/1902 em Gravatal/SC, tendo falecido em 9/9/1993, em Florianópolis. Manoel e Perpétua se conheceram num baile, em Armazém. Casaram-se quando ela tinha apenas 15 anos, no dia 15/6/1918, e tiveram seis filhos: Dulce foi a primogênita; depois vieram os gêmeos José Jeremias (Zezé, casado com Luiza Bergler. Filhos: Sheila, José Luiz, Gladis Helena, Nora Silvia, Ricardo, Viviane, André Luiz, Pedro Paulo) e Maria (Mimi, casada com Amândio Corrêa. Filhos: Edison, Edna, Elisabete, Eliane, Eduardo); Walburga (casada com Alberto Beck. Filhas: Mara e Marilena); Sílvia (casada com Hilário Silvestre. Filhas: Maria Perpétua e Ana Luzia); Luiz Carlos (filho adotivo, casou-se com Maura Fernandes. Filhos: Carlos Alberto e Luiz Henrique). Em entrevista no dia 29/3/1992 ao seu sobrinho Jurandir Knabben, responsável por um saite sobre a família Knabben no Brasil, Perpétua disse que jamais se arrependeu de ter casado tão cedo: “Eu aproveitei a vida muito depois de casada”. E completou: “Eu gostava muito de carnaval. A gente fazia os blocos, que ensaiavam lá em casa. Era muito divertida a minha casa.” Para Alexandre chamava a atenção Manoel ter sido um sapateiro, profissão muito distante social e intelectualmente da carreira assumida por seu pai, Enéas, engenheiro de estrada de ferro, ou de seus ilustres antepassados baianos. Esse é apontado como um dos motivos para que, de início, Manoel olhasse com desconfiança o namoro de Alexandre e Dulce:

O meu sogro, sem desprezar a sua profissão, era sapateiro, como se fala na gíria: “remendão”. [...] E quando comecei a gostar da Dulce, ele quis se opor ao nosso namoro, porque achava, com seu complexo de inferioridade, vamos dizer assim, que eu, um acadêmico de Direito, filho do Dr. Enéas, que era figura ilustre em todo o Sul, não ia namorar com sinceridade a filha de um sapateiro. Mas o fato é que eu o convenci de que as minhas intenções eram as melhores possíveis. E aí sempre contei com o apoio da sogra, desde o início. Desde o carnaval. O segundo motivo se deve ao fato de Manoel ter sido muito religioso, católico fervoroso, e não ter gostado nada de saber que Alexandre pretendia entrar na maçonaria, o que era prática tradicional na família deste:

Manoel e Perpétua na Bahia, em 1945, por ocasião do nascimento do neto Enéas.

E o seu Jeremias me fez esta ameaça: que se eu fosse maçom ele não deixaria eu me casar com sua filha. Ele era mais do que católico, era beato. A maçonaria, naquele tempo, era condenada pela Igreja Católica. Então ele fez a ameaça, tal o seu apego à Igreja. E por isso não entrei na maçonaria. Preferi deixar de ser maçom e me casar com a Dulce. Meus bisavós foram maçons, meu avô era chefe da maçonaria em Manoel Jeremias e Perpétua | 115


Propaganda da sapataria de Manoel veiculada no jornal local.

Valença, meu pai também era maçom. Não chegou ao grau máximo 33, mas cultivou a maçonaria até a morte. Alexandre, respeitando tal imposição, de fato nunca entrou na maçonaria, e ao pedir a mão de Dulce em casamento acalmou os ânimos do sogro: “Depois que eu noivei, ele

se normalizou”. Enquanto Manoel (também chamado de Neco) é lembrado como um homem modesto, sempre preocupado, agoniado, gênio forte, com um quê de negativista, a sogra Perpétua é retratada como uma mulher excepcional, generosa, sociável, ótimo exemplo de ser humano: “Dulce sempre foi

muito cativante, sociável... nisso só foi suplantada pela vó Perpétua, que entrava num trem e já fazia amizade com todo mundo. Impressionante.” Assim foi, por exemplo, nas lembranças do noivado com Dulce:

Aí o meu pai veio da Laguna para pedir Dulce em casamento, veio para Tubarão. A sua avó, que 116 | Memórias de Alexandre Queiroz

sempre foi muito dedicada, nos recebeu com festa. Ela fez uma recepção para a família, muito íntima mas bastante festiva. O Neco participou, mas ele ainda era refratário. Nunca acreditou que eu fosse capaz de noivar com a sua mãe com aquele complexo de que ele era sapateiro... Alexandre também cita a vó Dinda (Maria Rosa, mãe de Perpétua e madrinha de Dulce) como uma pessoa muito importante para o jovem pretendente:

Ela, muito camarada... naquele tempo, mesmo noivos, não podíamos ir sozinhos ao cinema. E a vó Dinda não sabia ler – mas era normal porque as mulheres não podiam frequentar a escola – mas gostava de ir ao cinema só pra ver as imagens. Então eu ia ao cinema com a sua mãe, mas não sozinhos; a vó Dinda sempre nos acompanhava!


Já tendo adquirido confiança no futuro genro, Neco lhe escreve uma carta contando as novidades do momento:

Calçados para homens, senhoras e crianças.

SAPATARIA CRUZEIRO ----- DE -----

MANOEL JEREMIAS FERNANDES

Oficinas de conserto de calçados de qualquer espécie

RUA CORONEL COLAÇO TUBARÃO ESTADO DE SANTA CATARINA

Tubarão, 27 de julho de 1940

Ilmo. Sr. Alexandre Queiroz Saúde! Nós até a presente data vamos passando bem, o mesmo espero que aconteça aí. Formulo a presente para lhe comunicar que tenho realizado sempre regularmente os apreciados jornais da Bahia, o que muito agradeço. As novidades daqui creio que está a par de todas através de outras correspondências, mas tenho lhe escrito mais vezes agradecendo os jornais e contando algumas novidades porque sou muito vadio para escrever, mas creio que a “Sogra” tem se encarregado disso algumas vezes. Estive em Laguna há pouco, falei com Dr. Enéas, este me falou que a ida para B. Horizonte era provisoriamente, pois a residência definitiva seria Laguna e com isto voltei muito satisfeito, pois desta maneira talvez o “casalzinho” possa ficar em Santa Catarina. Este fim de mês tenho andado muito preocupado com a festa do Divino E. Santo, este ano me coube a honra de ser Imperador da mesma, de modo que durante oito dias todas as noites temos música no Lado dos “Gambás”, a festa terminará dia 4 de agosto, quando me verei livre desta tarefa. A professora continua no sítio fazendo força com os alunos, felizmente vai bem disposta, estes dias se viu às voltas com recepção para chegada do Sr. Arcebispo no Travessão, me consta até que meteu-se a “discurseira”. Enéas (filho) está em Tubarão gozando as férias, mas lá em casa não apareceu, talvez não queira perder tempo, pois o prazo é curto. Muitas Saudades da Sogra e de todos de casa Abraços do futuro Sogro e Amigo Manoel Jeremias Fernandes

“que junto com meu pai foi a melhor pessoa da minha vida; por isso eu contesto e reclamo quando falam mal de sogra”: Excluídos as esposas e os filhos, as duas melhores pessoas da minha vida foram meu pai e dona Perpétua. A Walburga costuma dizer que ela fazia tudo que eu gostava. Eu não repliquei na hora, mas replico agora: eu também fazia tudo que ela gostava. Se ela gostava de uma fruta, eu ia ao mercado e comprava pra lhe trazer;

Em suas memórias, Alexandre fez questão de ressaltar o quanto a sogra foi boa para ele,

Manoel Jeremias e Perpétua | 117


Perpétua com a filha Dulce e a neta Perpétua, 1960.

se ela gostava de um objeto qualquer, eu fazia questão de comprar e dava pra ela... E eu também sempre dava um presentinho em dinheiro. Não mandava muito porque eu também não era rico. Um dos motivos principais de eu mandar dinheiro pra ela, embora eles fossem bem de vida, é que ela tinha o gosto de fumar e o Neco tinha pavor que ela fumasse. Então, eu dava um dinheirinho e ela comprava cigarro escondido. O outro é que ela comprava fruta que gostava, etc. A excelente relação do genro com a sogra marcou tanto Alexandre que na comemoração dos 90 anos de Perpétua, festa realizada em 13/7/1992, Alexandre declarou (e deixou por escrito):

Sou descendente de uma família maravilhosa, pelo que muito agradeço a Deus. Meus pais e meus avós, paternos e maternos, eram maravilhosos. Meus tios, numerosos de ambos os lados, também eram maravilhosos, cada um melhor que o outro. Uma tia, paterna, era tão boa, que eu a tinha como uma verdadeira santa. Pois bem: apesar 118 | Memórias de Alexandre Queiroz

de tudo isso, eu considero que a aniversariante, minha boníssima sogra, é uma das melhores pessoas que encontrei na vida. Tão boa, tão boa, que eu posso dizer, de alma aberta e francamente, que ela é o desmentido formal do infundado preconceito popular contra as sogras. Desnecessário dizer, nesta oportunidade, tudo de bom que ela, com a sua extrema bondade, sempre me dedicou, e tudo de bom que nela eu sempre vi. Digo apenas que, apesar de seu reconhecido gênio forte e dominador, jamais tive com ela qualquer desavença, por mais leve que fosse. Dela jamais guardei qualquer ressentimento, mágoa ou rancor, ostensivo ou oculto. A ela só devo carinho, afeto, atenções especiais e gentilezas. Por isso, concluo, conclamando: todos nós, que aqui estamos reunidos, parte de sua grande família, continuemos a amá-la de todo o coração, quanto ela merece, pois que, fora de qualquer dúvida, ela, realmente, é legítima expressão do verdadeiro AMOR!


Vó Perpétua com os netos Diomário, Lafaiete, Perpétua, Luiz Fernando, Enéas, Luiz Paulo e Maria Tereza com o filho no colo, na comemoração dos seus 80 anos, em 1982.

Sobre o gosto pelo cigarro, ficou famosa na família a história de que, atendendo ao pedido do marido para que ela parasse de fumar – “ou você para de fumar ou eu saio desta casa” –, Perpétua teria respondido: “Tudo bem, mas a primeira coisa que eu vou fazer quando você morrer é acender um cigarro”. E assim o fez, tendo dado, como ela mesma disse, “seis meses de lambuja”. Verdade é que Manoel e Perpétua foram sempre muito presentes na vida de Alexandre e filhos, especialmente nos momentos de parto e nas férias em família. Foram à Bahia mais de uma vez visitá-los, inclusive para acompanhar o nascimento do neto Enéas Jeremias, quando lá ficaram mais de

um mês. Sobre esse período, Alexandre recorda:

O Neco aguentou porque ele encontrou um ambiente agradável. Lá tinha, nos sábados, as feiras populares. Ele ia pra feira, gostava, ouvia palavras que nunca tinha escutado, ele anotava, chegava em casa e dizia: “Olha, Alexandre, eu ouvi essas palavras. Será que existem?” Eu ia ao dicionário, existiam. Ele ficava admirado como é que aqueles caboclos, analfabetos, sabiam uma série de palavras de que ele não sabia o significado. Manoel Jeremias e Perpétua | 119


Com Dulce grávida de Lafaiete, a família veio morar em Joaçaba/SC, tendo três filhos na cidade dos seus pais (apenas Luiz Fernando nasceu em Joaçaba). Ela ficava aos cuidados da mãe, como diz Alexandre:

“Em todos os partos eu ia para Tubarão, mas quem cuidava era a vó Perpétua”. Manoel e Perpétua eram muito queridos pelos netos, que guardam boas recordações das férias com os avós. Em Tubarão, eles moravam perto do rio, inicialmente numa casa modesta de madeira, onde mais tarde foi construída uma de material, já que Manoel cresceu financeiramente comprando terras. Nelas criavam bois, vacas leiteiras, galinhas, porcos, e plantavam verduras e muitas árvores frutíferas; vendiam leite, manteiga e queijo, além de morangos da horta. Também havia a casa de praia em Jaguaruna/SC, local das férias de verão para todos os filhos e netos de Manoel e Perpétua: cada quarto pertencia a um filho, com cama de casal e beliches onde dormiam as crianças. Como em Jaguaruna não havia mercado, todos os víveres vinham de Tubarão de caminhão: frutas, grãos, verduras, tudo tinha que vir da cidade para abastecer a casa. Com o tempo, manter essa estrutura foi ficando caro, “vinha muita gente, ninguém trazia nada, a vó não dava contar de fazer tanto pão caseiro para a piazada esfomeada” (conta a neta Perpétua), e acabaram vendendo a casa. Avós carinhosos, no período escolar costumavam escrever cartas aos netos. A primeira para Diomário, em que Manoel manifesta o orgulho de ver seus netos progredindo na vida. E a segunda de Perpétua a Diomário e Enéas: Tubarão, 13/6/1961 Prezado Neto Antônio Diomário, [...] Já estou me julgando incompetente para escrever a quase bacharel em Direito. Infelizmente, vovô teve a oportunidade de estudar somente até o terceiro ano primário, e sei que minhas cartas não são instrutivas e nem aproveitadas para um aluno que está cursando o terceiro ano científico. Mas nem por isso deveis deixar de me escrever continuamente, pois tuas cartas são lidas e relidas e guardadas com carinho, pois assim vovô vai acompanhando com prazer a marcha dos estudos dos netos. [...] Aqui em Tubarão já fazem 3 dias que chove dia e noite, a chácara está uma beleza, venha pelas férias de julho para ver como está bonita. Queira receber abraços do avô que o estima, Manoel Jeremias Fernandes *** Meus queridos netos Diomário e Enéas, saúde! [...] Resolvi aproveitar o portador Tio Zezé para mandar este bolo e estas bananas. [...] Gostei das notas e dou meus parabéns pelos esforços que fizeram, e você, Diomário, tirando o primeiro lugar, seus pais devem ficar satisfeitos com isto, não é? [...] O vovô vai bem, o tio Luis Carlos idem, este está contentíssimo porque comprou um “jeep”. Ele agora vai todos os dias para a chácara. A chácara está bonita, tem muitas uvas. Abraços e beijos para vocês dois da vovó que os estima de todo coração Vó Perpétua A residência em Tubarão continuou sendo o refúgio familiar até a famosa enchente de 1974 (grande

tragédia em Santa Catarina), quando o belo casarão, que ficava na beira do rio, foi alagado e totalmente danificado. Nessa época Manoel já havia sofrido um derrame, estava acamado, e o casal veio morar em Florianópolis. Quem os trouxe para a capital e comprou uma casinha para eles foi o genro Alexandre: “Tanto ele apreciava a vovó que não pediu ajuda a ninguém para comprar a casa, na qual ela morou por muito tempo” (neta Perpétua). Perpétua viveu até os 91 anos de idade (viu quatro de seus filhos falecerem: Sílvia, Zezé, Mimi e Dulce). Perguntada, meses antes de partir, sobre a mensagem que gostaria de deixar aos netos e bisnetos, Perpétua respondeu: “Eu desejo que todos sejam felizes como eu fui”. 120 | Memórias de Alexandre Queiroz


Meus heróis, vovô Neco e vovó Perpétua Por Antônio Diomário de Queiroz Criança, descobri o paraíso em Tubarão, nas férias em casa dos meus avós maternos, vovô Neco e vovó Perpétua. Era o lugar onde me sentia amado intensamente sem restrições, tratado com carinho extremo, comendo o que mais gostava e servido especialmente para mim, descobrindo o mundo sem medo de machucar-me, protegido e incentivado pelos avós e tios, acompanhado nas travessuras pela alegria contagiante de queridos primos e primas. Em Joaçaba, ao longo de semanas, fazíamos a contagem regressiva, dia a dia, da chegada das férias de verão, cada irmão descrevendo os momentos felizes que queríamos viver desde a chegada em nosso paraíso. Vovô Neco tornou-se logo meu herói! Era diferente de todos os adultos que eu conhecera até então. Falava comigo de igual para igual, como a um velho amigo e não a uma criança. Eu adorava ficar sentado conversando com ele na varanda da casa, contando os carros que passavam sobre a ponte do rio Tubarão, para ver se o movimento de veículos era maior do que o da ponte do rio do Peixe em Joaçaba. Tinha orgulho dos primeiros “arranha-céus” de Tubarão, que “estavam fazendo sombra em Laguna e Criciúma”. Analisava para mim a produção de leite das vacas, a beleza dos terneiros e cavalos, o efeito das variações do tempo sobre as plantações, o progresso das destocas dos troncos de árvore para a formação de pastos, a qualidade e sabor das primeiras tiradas de feijão, milho e cebola, dessas coisas que só ele falava comigo com tanta seriedade e alegria e que me influenciaram ao ponto de

vir a morar numa chácara em Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Admirava muito o vovô Neco como homem de negócios. Ele me mostrava sua contabilidade bem feita da loja de calçados e da cooperativa agrícola em que era um dos dirigentes e deu-me as primeiras lições de débito e crédito. Tinha orgulho de ter sido sapateiro e guardava no paiol como boa recordação os seus moldes de sapato que um dia me mostrou emocionado. A enchente de 1974 destruiu ou levou embora esta e outras relíquias. Vovô ganhou e perdeu bastante com os loteamentos em que se transformaram os pastos e os terrenos de plantações, com o crescimento da cidade. Vovô vendia a prestações numa época em que não se praticava a correção monetária sobre as dívidas. A inflação galopante devorou os ganhos de diversas de suas vendas, transformando bons em maus negócios. Mas a imagem que guardo do vovô Neco é de um homem abastado, risonho e feliz. Tinha sempre um carro do último tipo na garagem, cuidado por Tio Luiz Carlos para que estivesse muito limpo e brilhante. Levava a família a passear, com frequência enchia o automóvel de netos para uma viagem a Gravatal ou para outros passeios fantásticos. Os carros naquele tempo tinham um cheiro forte de plástico e gasolina, os netos enjoavam muito, antecipando o fim da aventura. Várias vezes fez uma longa viagem para nos buscar de automóvel em Joaçaba. Para quem não enjoasse, oferecia uma terneirinha de prêmio ao chegar em Tubarão, o que ninguém conseguiu alcançar. A casa dos avós era muito bela, com móveis lindos, chuveiros elétricos com água quente, um grande carrilhão para soar as horas, com cordas que só o vovô podia

Perpétua comemorando seus 90 anos, em 1992, com muitos netos e bisnetos.

Manoel Jeremias e Perpétua | 121


tocar. Tinha também uma caminhonete para levar os produtos da chácara e toda a alimentação para a família, quando veraneávamos em Laguna ou Jaguaruna, em casa alugada ou construída por ele. Todos os dias tinha a mesa farta, cheia de filhos, netos, familiares e amigos! Lembro-me de sua grande habilidade ao descascar uma melancia, fazendo saltar as fatias e o miolo inteiro, do qual me regalava com um pedaço. Vovô tomava diariamente, no almoço e no jantar, seu vinho Cardeal ou Cadorim e adorava batida de butiá, mas nunca o vi beber em excesso! Gostava de jogar baralhos e ensinou-me buraco e pife. No Natal fazia uma festa maravilhosa, carneando um boi ou porco, e então servia cerveja para os homens; para as mulheres e crianças, guaraná ou laranjinha. Vovô Neco era para mim um homem muito culto. Conhecia com profundidade a atividade agrícola, tinha sempre os melhores touros reprodutores e excelentes vacas de leite, participava de exposições agropecuárias, acompanhava com entusiasmo a política brasileira e discorria sobre as candidaturas com convicções bem formadas. Mas sobretudo o admirava por duas das suas atitudes fundamentais para a educação da família. Primeiro, pela sabedoria com que decidiu investir na educação de Dulce, minha mãe, para formá-la professora normalista com internato no Colégio Coração de Jesus em Florianópolis. Naquela época, era raro que fosse mulher a única criança de uma família de agricultores escolhida para prosseguir estudando. Mamãe foi eleita por seu excelente desempenho na escola desde pequena, pelo reconhecimento de sua vocação para os estudos. Daí decorre minha inicial e profunda convicção do valor da educação para o desenvolvimento das pessoas. Em segundo lugar, em suas conversas vovô sempre me estimulou a estudar e a ser um bom aluno. Gostava de ver minhas notas e de elogiar os bons 122 | Memórias de Alexandre Queiroz

Perpétua com a filha Dulce nos jardins do Castelo de Windsor, Inglaterra, 1978.

resultados. Foi visitar-me quando fiz o científico em Blumenau, levando-me a almoçar no Gruta Azul. Participou de minhas formaturas, presenteando-me com os anéis de Contabilidade e Direito. Escreveu-me várias cartas de afeto. E tinha orgulho de todos os netos que se destacavam nos estudos. Vovó Perpétua, amei-a de todo o coração e tornou-se minha heroína! Nunca brigou comigo e a vi tratar cada neto com muita doçura, compreensão e carinho. Dedicava amor tão especial a cada um que todos acreditavam ser seu neto preferido! Preparava fornadas de pão, de gostosas roscas e broas, manteiga amarelinha e copos grandes de coalhada para o café da manhã. Suas galinhas de domingo tinham sabor até hoje inigualável! Para a canja da noite, gostava de matar uma ave gorda e ovada para nos dar o prazer de disputar suas geminhas. Fazia bolos e sobremesas enormes para a gente poder comer à vontade. Jamais esquecerei do seu saboroso suco de abacaxi batido no liquidificador com bastante gelo! Com o auxílio de tia Maura, cuidava para que tudo de bom fosse preparado e servido para a família e convidados, às 12 horas em ponto, como exigia o vô Neco. Vovó Perpétua cuidava também de nossas doenças. Tinha chás de todos os tipos para todos os males do cotidiano. Até hoje não tenho prazer em tomar chá, porque é remédio! Para sarar diarreia ou constipação bastava comer a banana-figo. Naquela época, quando aparecia alguma doença contagiosa para crianças, o costume era facilitar o contágio para tratar todos juntos de forma preventiva. Lembro-me de um surto de caxumba, em que estávamos várias crianças sendo medicadas no paiol da estrebaria com banha quente de galinha que era passada sobre os inchaços do pescoço. Uma vez, já em Florianópolis, a Maike em viagem, o Max pegou uma baita inflamação no pé. Como a vovó era especialista em sarar furúnculos, telefonei-lhe


pedindo ajuda. Disse-me para fazer um pirão quente de farinha com cachaça e aplicar no local inflamado e dar de beber chá de picão ao menino para sua cura. A sorte do filho foi que a Maike chegou em meio ao tratamento e levou-o ao médico que, com uma pequena incisão, resolveu o problema. A bondade era outra virtude extrema da vovó Perpétua. Ajudava a todos, todos os dias! Tinha a capacidade de amar, sem exigir contrapartida, os familiares, amigos e sobretudo os pobres. Diariamente fazia uma fezinha no jogo do bicho e, quando ganhava, 20% eram para obras de caridade! Impressionou-me um dia, quando roubaram os siris e as economias de um pescador que dormia num carrinho à beira do rio e chorava de desespero; ela consolou-o dando todo o dinheiro que acabara de receber da venda do leite naquela semana. Abrigou diversos parentes nos seus momentos de necessidade. A vovó Perpétua era uma mulher independente e de negócios. Gostava de ganhar seu próprio dinheirinho e de contribuir para as despesas da casa. Sempre tinha um porco na engorda que ela mesma matava e transformava em carne, banha, torresmo, linguiça, morcilha, para o consumo da família. Teve criação de galinhas para a venda de ovos. Cultivava frutas, verduras e legumes para uma rede de fregueses. Era ela também que comercializava o leite das vacas. Foi quem me deu o primeiro emprego. Contratou-me e ao Edinho para fazer a entrega de leite todos os dias de manhã. Lá íamos, com uma bolsa de três ou quatro litros de cada lado, levá-los à casa dos clientes. Diariamente a vovó marcava quantos litros cada um entregou e ao final da semana fazia questão de nos pagar tantos centavos por litro entregue. Dizia “que quem trabalha merece receber!” E do seu dinheiro era ela quem dava as gorjetas nos restaurantes, hotéis e hospitais, o que o vovô não gostava de fazer. E com seu dinheiro não deixava ninguém sem chocolate ou um presentinho nos aniversários, Páscoa e Natal. Com as enchentes e o derrame cerebral do vô Neco, a vovó Perpétua veio morar em Florianópolis. Ela adorava nos visitar em Santo Antônio de Lisboa, onde relembrava diversos ambientes de sua vida em Tubarão. Sua fruta preferida era a jaboticaba. Uma vez levei-lhe em casa uma cesta enorme de frutas e legumes e ela exclamou: “Mas Diomário, você não trouxe as jaboticabas?” Levava-lhe também, de minhas viagens, cigarros americanos que ela gostava muito, fumando com a consciência limpa, pois “após o falecimento do Neco ainda dei seis meses de lambuja antes de voltar a fumar!” Com uma saúde muito boa, a vovó enfrentou várias operações de pedras no rim e de cataratas, recuperando-se de forma admirável. Quando completou 80 anos, convidou toda a família para festejar e ela mesma fez questão de cozinhar e servir pessoalmente o excelente vatapá que havia aprendido na Bahia. Em nossa casa, num aniversário seguinte, recitou

Carta da vó Dinda, mãe de Perpétua, para Alexandre, agosto de 1939.

de cor um longo e lindo poema que havia aprendido na escola aos 13 anos de idade. Ela tinha excelente memória dos números e uma alegria imensa de conhecer tudo o que era novo! Às vésperas do seu falecimento no Hospital Universitário, fui visitá-la. Estava já com muita dificuldade respiratória e recitava em oração toda uma ladainha de santos. Interrompeu-a para me perguntar: “Diomário, você sabia que tem agora umas panelas e frigideiras Teflon que não grudam e não queimam e são ótimas para cozinhar?” Vovô Neco e vovó Perpétua marcaram de forma indelével minha vida! Com frequência tomo-os como referência nas decisões e no enfrentamento dos problemas e no transbordar do amor e das alegrias do relacionamento com os amigos, esposa, filhos e netos. Seus valores são tão presentes que às vezes tenho a impressão de que ambos estão ainda vivos, numa convivência espiritual branda e serena. Florianópolis, 21 de dezembro de 2015 Manoel Jeremias e Perpétua | 123


A esposa Dulce Fernandes de Queiroz


“Esposa-modelo, mãe amantíssima e avó extremosa, foi exemplo de dignidade, fortaleza e das mais sublimadas virtudes.”

Infância, estudos e juventude

D

ulce Fernandes de Queiroz nasceu no dia 20 de abril de 1919, em Armazém, uma pequena vila no município de Gravatá, hoje Gravatal. Era a filha mais velha de Manoel Jeremias Fernandes e Perpétua Knabben Fernandes. Seus avós paternos foram João Jeremias Fernandes e Maria das Neves Fernandes, e maternos José Knabben e Maria da Silva Knabben, a vó Dinda, como era chamada. Ainda criança, a pequena Dulce já deixava antever sua inteligência aguçada. Estava sempre atenta a tudo o que se passava a seu redor, e embora os livros fossem coisa rara, ela arranjava “sabe-se lá como” um jeito de tê-los à mão, curiosa para decifrar o que via. O interesse pelos livros levou-a a ler aos três anos de idade! Aos seis anos incompletos, quando foi para a escola primária, já era alfabetizada, e se tornou, até o fim do curso ginasial, a melhor aluna que o Colégio São José, de Tubarão, jamais tivera. Quem sabe, hoje, seria reconhecida como criança prodígio. Dulce não parou mais de ler. Tinha sempre livros na sua estante. Mesmo em Joaçaba lia muito, lia com gosto, e sabia tudo o que se passava no mundo e no “grand monde” social. Quando jovem, muitas vezes sua mãe a surpreendia lendo embaixo da cama para que se esquecessem dela e não a chamassem para a lida doméstica. Foi justamente por essa faceta de sua filha, somada à sua inteligência, inata liderança e facilidade no trato com as pessoas, que os pais a enviaram para Florianópolis, em 1935, como interna no já renomado Colégio Coração de Jesus. Foi a única dos seis filhos a ir estudar na Capital. Lá frequentou o Curso Normal, que preparava as alunas para a carreira do magistério. “Mamãe era aplicada, comprometida com os valores morais ali reforçados, exigente no cumprimento de seus deveres e campeã em nota dez nas matérias” (relato da filha Maria Perpétua). Durante os três anos de estudo tirou sempre o primeiro lugar da classe. Na vanguarda de seu tempo, em que poucas mulheres sequer concluíam o ensino médio, Dulce também frequentou, complementarmente ao Normal, o Curso Superior Vocacional, de dois anos de duração, graduando-se em 1939. No convite de formatura consta que foi a oradora da “Oração da Mestra” representando a sua turma. Não por acaso, foi proclamada a melhor aluna de todo o estado de Santa Catarina, o que lhe valeu uma bolsa de estudos no Rio de Janeiro para se especializar em Pedagogia. Formada, voltou para Tubarão, onde lecionou por um ano na Escola Mista de Travessão do Gravatá, e mais um ano no Curso Complementar anexo ao Grupo Escolar Hercílio Luz, finalizando as atividades já às vésperas de suas bodas. Em março de 1942, com seu casamento, mudança imediata para a Bahia e a “produção em série” de sete filhos, parou de trabalhar e só voltou em 1960, no Colégio Cristo Rei em Joaçaba, onde lecionou Francês, Artes Femininas e Puericultura durante 10 anos. Em 1965 foi nomeada para a cadeira de “Higiene, Puericultura e Educação Sanitária” do Colégio Governador Celso Ramos, do qual assumiu a direção geral em 1969 (oficialmente nomeada Diretora em 31/8/1970). Alexandre diz, num de seus muitos escritos, que Dulce era “culta e inteligente, altamente

prendada e um exemplo de amor maternal aos seus alunos. Como diretora era enérgica e disciplinada, mas dócil e afetiva”. Na verdade, essas suas qualidades como diretora eram

Dulce e Alexandre na década de 1940.

marcas de seu caráter desde sempre: A versatilidade da mamãe de navegar em diferentes águas é que fazia dela uma mulher singular, admirada e amada por todos os que a conheciam – inclusive seus alunos, que mesmo hoje, quando se referem a ela, é sempre com uma palavra de carinho e reconhecimento (relato de Ma Perpétua).

Dulce Fernandes de Queiroz | 125


Ă€ esquerda, convite da formatura de Dulce, 1939. Abaixo, Dulce e as amigas do Normal comemorando os 40 anos de formatura, 1979.

126 | MemĂłrias de Alexandre Queiroz


O jovem casal

Boletim da aluna Dulce Fernandes do 1° Ano do Curso Superior Vocacional do Colégio Coração de Jesus, cuja diretora era a Irmã Benwarda, 1938.

Em 1939 se dá o encontro de Dulce com Alexandre, um baiano bonito e charmoso. Ao conhecê-la em um baile de carnaval em Tubarão, ele logo sentiu que ali estava uma mulher diferenciada. Havia ternura em seu olhar, doçura em suas palavras, mas firmeza em suas atitudes. Nas palavras dele, foi assim que tudo começou:

O meu pai morava na Laguna, cujas festas eram famosíssimas. Mas as de Tubarão não ficavam atrás. Então, no carnaval de 1939 fui a Tubarão porque eu estava querendo paquerar uma das filhas da família Balsini. Lá na festa, conheci a Dulce, três anos mais nova do que eu. Ela me encantou tanto, que eu deixei a Balsini e dancei aquela noite toda com ela. Depois de três dias de carnaval, já “saudoso e em prantos” ele volta à Bahia para concluir o curso de Direito. O namoro, porém, estava consolidado. Foram ao todo três anos trocando cartas, que levavam de 15 a 20 dias para chegar ao destino. Seu primeiro retorno aconteceu nas férias seguintes, e em janeiro de 1940 os jovens enamorados ficam noivos: “Lembrei-me muito de você no dia 11, rememorando todo o dia do nosso noivado, que já vai tão distante – 14 anos!” (Dulce, em carta ao marido datada de 26/1/54) O casamento só se realizou dois anos depois, em 10 de março de 1942. E os planos do casal começaram a se formar. “Papai já pronunciava que queria muitos filhos, pelo menos sete! Assim mesmo, sem a menor consulta à mamãe, que sempre acatava as decisões do papai com tranquilidade – doce mamãe” (relato Mª Perpétua). Dulce Fernandes de Queiroz | 127


Acima, nota publicada no jornal Cruzeiro do Sul, de Joaçaba, em 1942. À direita, presente de Dulce para Alexandre pelo noivado, 1940 (foto tirada em 2016).

Alexandre era assim, intenso e apaixonado em tudo o que fazia, e não media suas reações. Quando se casaram, ele não se conteve de emoção e quase pôs a cerimônia religiosa água abaixo...

A festa não foi muito agradável porque na hora do casamento, na igreja, eu chorei alto de emoção. E as más línguas disseram que eu chorei de arrependido! (risos) Mas não era, era de emoção. Dias depois, os recém-casados embarcam num navio da empresa Loyd com destino a Salvador. Alexandre e Dulce sempre falavam da viagem como uma linda aventura. Um tempo de águas calmas para um casal que, dez meses após, já daria à luz o primeiro filho.

Dulce como esposa Numa época em que o patriarcado ainda emoldurava as relações familiares e sociais, com Alexandre não foi diferente. Mais de uma vez Dulce, já pronta e arrumada, era proibida de sair de casa porque estava de saia sem meia de seda e sair sem meia não era atitude de mulher decente! Ainda que os exemplos sejam muitos, no ver de Alexandre ele estava fazendo tudo para que Dulce fosse uma mulher feliz! Vale dizer, agia como chefe de família e único provedor da casa, para que a esposa pudesse desenvolver as qualidades do caráter e do espírito. Dulce não reclamava da postura de Alexandre como chefe-mor, pelo contrário. Uma frase recorrente 128 | Memórias de Alexandre Queiroz


sua era de louvor ao marido: “O Alexandre nunca me deixou trabalhar fora de casa!” Uma honra, uma deferência à esposa, que não precisava contribuir com as despesas da família.

Sempre tive o hábito de trabalhar até à 1h da manhã. E quando era um compromisso maior, não foram poucas as vezes que passei a noite inteira trabalhando. Tinha vezes que eu nem dormia. Eu saía já para o cartório para dar conta do meu serviço. E a Dulce, sempre cuidadosa, me levava o cafezinho, uma média, com pão, com doce. Toda noite, antes de ir dormir, ela me levava o café. Tal hábito – que ela botou em mim – mantenho até hoje: antes de dormir costumo comer qualquer coisa. Alexandre tinha grande orgulho da inteligência e sofisticação da esposa:

A Dulce falava francês corretamente e bem. Eu me lembro de uma vez que estávamos em Paris, na Torre Eiffel. Entre outros visitantes, tinha um casal, com quem ela começou a falar francês e eles duvidaram que ela nunca tivesse estado na França antes ou que não tivesse aprendido francês lá, de tão correto era o francês que ela falou. O casal estabeleceu, assim, uma vida em sintonia. Mesmo após nove anos de casados e seis filhos, ainda expressavam em cartas a saudade que sentiam um do outro quando distantes: De Alexandre:

Hoje, por falta absoluta de tempo, não era, ainda, para lhe escrever esta. Mas como as saudades são muitas e ainda não tive o prazer de receber umas linhas suas, que fiquem, para depois, os inúmeros serviços urgentes que ainda tenho que fazer. 19/8/51 De Dulce: Por que não escreveu? Bem sabe que preciso de suas cartas como do ar que respiro. Não me deixe "asfixiar"! 24/6/54 A vida para mim só tem graça com o seu amor. 24/10/54 Carta de Alexandre quando Dulce está em Tubarão por ocasião do parto de Maria Tereza:

Desde que daí saí [...] não tenho tido um só minuto de descanso de espírito: vivo em estado de permanente apreensão, somente pensando em você. Ou seja, que tudo corra bem – antes, durante e após o nascimento do seu sexto filho! É uma

Alexandre e Dulce posando para foto em 1942.

obsessão tal que, se não dá para matar, é capaz de fazer alguém ficar louco. Se eu ainda não o estou, é que eu, parece, não tenho propensão para isso! Nada me distrai! 24/7/51 Não posso ver um objeto seu, qualquer que ele seja, de uso pessoal ou não, que não me recorde muito de você e sinto profunda saudade. Parece que ainda não passei aquele estado de eterna apreensão ante-parto, tal a emoção que ainda sinto por tudo que liga meu pensamento a você e aos filhos, mas a alegria que tenho sentido de viver, a euforia, já demorada, de que ando possuído, dizem que não. 19/8/51 Os filhos foram chegando, a família crescia bem ao gosto de Alexandre, que desejava ter muitos filhos, e o casal continuava saudoso na distância, unido em pensamento: Dulce Fernandes de Queiroz | 129


Alexandre e Dulce, 10 de marรงo de 1942.


Carta de Alexandre para Dulce, julho de 1951.

Vou fazer força para que os dias passem depressa e você volte logo, ainda que logo depois comecem as “reclamações”. Mas é assim mesmo a vida. Só se sente o prazer de um dente são quando ele começa a doer. Sem você e meus filhos, mas principalmente sem você, hoje, posso dizer, não sou nada na vida! 19/8/51

Dulce como mãe Eu sempre dava, a cada filho que nascia, um presente pra sua mãe. Me lembro que eu dei um anel, uma máquina de moer carne, e, por incrível que pareça, não sei qual foi o filho, dei uma saboneteira. Uma saboneteira! Que coisa! Como eu era pobre! E repito, ela nunca se queixou da vida, sempre alegre, ensinando, educando as pessoas, compartilhando da Igreja... No seu papel de mãe, Dulce era exigente: as cobranças eram diárias, o cumprimento do dever, qualquer que fosse, era inegociável – tradução do empenho e determinação para que os filhos se tornassem pessoas de bem. No entanto, sua devoção aos filhos compensava a rigidez: O fato é que éramos crianças felizes, pois mamãe compensava sua firmeza de educadora com muitos agrados. Não que fosse dada a beijos e carícias, mas era absolutamente comprometida com as necessidades dos filhos, com sua saúde e o bem-estar de cada um. Os aniversários, por exemplo, eram uma festa, e o dono da festa é quem escolhia seus doces favoritos e o motivo do bolo de velinhas, que ela mesma confeitava. (relato Ma Perpétua) Dulce Fernandes de Queiroz | 131


Educação firme e disciplina marcaram a infância de todos os filhos. Não apenas Dulce, mas Alexandre também tinha plena convicção da necessidade de atitude rigorosa na condução dos filhos. Citava sempre a frase de Santo Agostinho “A disciplina não é castigo, é dom de Deus”:

Os filhos, por sua vez, eram naturalmente receptivos e obedeciam a suas ordens sem maiores questionamentos; sabiam que depois das estripulias vinham umas boas chineladas. Era essa a filosofia de educação da época, pai e mãe que não batessem nos filhos estariam faltando com a educação dos pequenos e no futuro iriam, como ela costumava dizer, “chorar lágrimas de sangue”. Não se podia exagerar nos dengos, como bem disse Dulce numa de suas cartas ao marido: “Luiz Fernando é que tem dado trabalho, pois não quer comer nada, e não adianta forçar porque não come. Ficou “perdido” de tanto dengo. Se Deus quiser, e você ajudar, Maria Tereza não há de ser criada assim.” 27/8/51

Nós éramos muito rigorosos, mais ainda a sua mãe, no horário das refeições. O almoço era às 12h30 em ponto. Eu nunca me preocupava em chamar os filhos porque eles sabiam da hora do almoço. Quem chegasse atrasado só almoçava aquilo que encontrasse ainda disponível na mesa. Se chegava na hora da sobremesa, só comia a sobremesa. Nesta disciplina a Dulce sempre me acompanhou. Certa vez, tinha qualquer comida lá um pouco estranha, Luiz Fernando não quis comer porque ele não gostava. Eu e Dulce não dissemos nada. Se não quiser comer, não come. Mas ele ficou sem almoçar aquele dia. Eu não obrigava nenhum filho a fazer aquilo que ele não queria. Mas não quebrava a disciplina. A casa sem os filhos perdia toda a graça, como expressou Alexandre:

E como é triste uma casa vazia! Mesmo sabendo que mulher e filhos estão todos bons, gozando das delícias de umas férias! O que não seria de mim se não tivesse essa certeza e conforto? [...] O que sinto, hoje, por você e filhos, é apenas “amor”, reflexo do grande medo, prolongado, que tive de perdê-la.

Alexandre e Dulce em Tubarão, logo após seu noivado, fevereiro de 1940.

132 | Memórias de Alexandre Queiroz

19/8/51 Em carta de 18/12/1963, respondendo ao filho Diomário pelo convite para sua formatura no Colégio Santo Antônio, de Blumenau, Dulce bem mostra suas características como mãe – amorosa, orgulhosa do sucesso intelectual dos filhos, disciplinadora e guardiã dos bons costumes: Querido Diomário: Um grande abraço e beijos pelo dia de hoje . [...] Recebi sua carta, o convite de formatura e a fotografia. Gostei de tudo; você está parecido com o pai na fotografia de formatura. Gostei de ver o seu nome como orador, numa página em destaque. Estimo que se saia bem no discurso. Sinto não estar aí para vê-lo falar, mas não foi possível, a época é inoportuna, logo antes do Natal. [...] Mas não vai se escapar da carrada de conselhos: Faça seu curso com vontade; lembre-se de que está lá em primeiro lugar para fazer o curso.


Não se esqueça nunca da linha ... Alexandre. Por favor, querido, não se meta com a UNE, que é uma colmeia de comunistas. Para mim, não adianta você brilhar em tudo, se esquecer os princípios religiosos, vindos do berço, e ficar com as ideias pervertidas. Seja um baluarte contra o comunismo (seu pai sempre o combateu). Maria Tereza recebeu uma medalha no curso de Inglês, como a aluna que mais aproveitou o curso. Foi o único prêmio que houve. [...] Perpétua tocou piano e declamou em inglês. Vê como a maninha já está brilhando? Esta família é do Bombril mesmo. Abraços de todos. Beijos da mãe que lhe deseja todo o bem e o abençoa, Dulce Dulce era dedicada mãe de família, leal ao marido e aos filhos, zelosa cumpridora de seus deveres como professora e educadora, fiel amiga de suas amigas, atenta às mudanças do mundo, às inovações que surgiam a cada dia. Para seus filhos desejava genuína felicidade: “A verdadeira felicidade está assentada no seguinte tripé: algo que fazer, algo que esperar e alguém a quem amar” (de uma fita gravada em 1952, quando inauguravam o primeiro aparelho de som da família).

a mãe". E Dulce não esquecia os filhos: "Mande a fazenda do vestido de formatura da Perpétua, pois posso demorar e assim já vai feito. E ela que mande dizer quando é o festival de ballet. Como vai minha mãe com a turma?" Dulce continua tendo dores nas juntas, sobretudo no maxilar, “perto da orelha”. Como a boca quase não abre, um médico prenuncia, de modo sombrio, a morte da paciente por inanição. Logo se imaginou que o foco da infecção estaria na boca, por isso em janeiro de 1954, em Tubarão, Dulce teve as amígdalas extraídas: "Durou duas horas a operação, pois confirmando a minha fama de complicada, tive hemorragia e o médico lutou mais de uma hora para estancá-la". Resta procurar com urgência alternativas de cura!

A luta contra a artrite Muito cedo, aos 34 anos de idade, Dulce começou a reger sua vida sob o jugo da artrite reumatoide, o que marcou profundamente a dinâmica de toda a família. Alexandre recorda:

Bem... A doença do reumatismo, lamentavelmente, se manifestou ou se agravou numas férias que passamos no Morro de São Paulo. Lá era o paraíso da família, era o nosso Havaí. Todos os parentes iam para lá. E a sua mãe, não sei se foi por causa dos banhos (porque lá se tinha o hábito de depois do banho de mar tomar um banho de água doce, com cuia, para tirar o sal) ou por outro motivo qualquer, mas a Dulce adoeceu. Sendo assim, de início eles procuraram tratamento com o tio Totônio, mas logo tiveram que voltar ao Sul. Foram então atrás de outros recursos. Em novembro de 1953, Dulce recorre a “aplicações de cataplasma” numa clínica em São Paulo, as quais lhe provocaram uma alergia enorme, quase a desfigurá-la. Na cidade desconhecida, recebeu a atenção de “tia Helenita”, embora ficasse hospedada no “Hotel Casino Iguassu”. Nesse período, vó Perpétua ficou em Joaçaba para tomar conta dos seis netos, especialmente da pequena, que tinha apenas 2 anos e 3 meses: “Não deixe a Maria Tereza esquecer

Alexandre e Dulce em Belém do Pará, 1959.

Dulce Fernandes de Queiroz | 133


Tio Totônio se oferece para tratar de Dulce na Bahia. Todavia, as dificuldades para isso seriam imensas, não só pela distância e logística, como Alexandre argumenta: “Se não

aceitei o oferecimento que ele me fez por telegrama, o que muito me honrou e confortou, pois fico sabendo que ainda resta uma esperança, é mais pelo lado sentimental: não posso sair daqui de Joaçaba (agora é que eu preciso trabalhar mais, pois as despesas reduplicaram) e acho duro, duríssimo mesmo, ter que me afastar dela por um espaço longo, seis meses, quiçá um ano ou mais. Em quanto tempo ele esperaria curá-la?” (carta à irmã Yvonne, “Vovolha”, 16/5/54) O ano de 1954 marca a separação temporária da família para novas tentativas na capital sulina: “Chegamos às 4 e meia em Porto Alegre, pois as três paradas em Erechim, Passo Fundo e Carazinho foram rápidas”. Agora Maria Tereza acompanha a mãe, e elas se hospedam no Pensionato das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, à Rua Mostardeiro nº 215, que “fica bem perto da Casa de Saúde em que [Dulce] está se tratando”. O tratamento com Dr. Messias “constará de injeções de ouro, massagens diariamente e forno de Bier de dois em dois dias, além de mais duas injeções e o metiocolin que eu já estava tomando". E traz alguns resultados positivos: “O braço está menos rígido e já dobro a perna esquerda quase até em cima. A direita, por causa da operação [de menisco, que havia sido extraído em vão, já que a dor no joelho tinha outra causa] acho que não endireitará mais.” Em outra carta: “O braço está bem reto, e a boca esticando mais.”

De maio a outubro Dulce e Maria Tereza permanecem em Porto Alegre, com idas e vindas rápidas a Joaçaba, e também de Alexandre àquela cidade. Nos períodos de ausência da mãe, Perpétua ficava no internato do Colégio Cristo Rei, e os meninos em casa com o pai e as empregadas. Em carta para a irmã Yvonne, Alexandre desabafa o esforço que é continuar o dia a dia sem a presença constante da esposa e companheira:

Aliás, com meus três filhos menores (Enéas Jeremias, Luiz Lafaiete e Luiz Fernando), eu aprendi uma grande lição, quando da partida, pela primeira vez, da Dulce, que jamais quero me esquecer, e se possível transmitir aos outros: na vida, só excepcionalmente se justifica o desespero! [...] o fato é que eu vinha sofrendo enormemente só em pensar que eu tinha que me separar da Dulce por um prazo tão longo, talvez de dois anos, embora com intervalos, conforme tinha estabelecido o médico. O meu sofrimento não era somente por minha causa, mas também, e em grande parte, por causa dos filhos. Acreditava que eles fossem sofrer muito, como eu já estava sofrendo. No dia do embarque, para evitar que o ambiente se tornasse mais comovedor e eu, inesperadamente, como algumas vezes já tem acontecido, abalasse o mundo com o meu choro, mandei que o Diomário não faltasse à aula e os outros três ficassem em casa.

Acróstico feito pelo tio Totônio para Dulce, sem data.

134 | Memórias de Alexandre Queiroz


Dulce no carnaval na Bahia. Foto tirada por Alexandre em 1953.

A Dulce chorou muito, a Terência idem. No campo de aviação, porém, as cousas “melhoraram”. Na hora do embarque, como estava chovendo, houve confusão e eu não tive tempo senão de levar a Maria Tereza carregada até o avião e vê-lo partir. Voltava, meditabundo e cabisbaixo, para casa, mas aqui tive a agradável surpresa: encontrei os três numa farra tão grande, como se a Mãe jamais tivesse viajado aquele dia, alegres, felizes, pulando nas cadeiras! E foi então que a minha alma se desoprimiu, como se tivesse saído de um grande e imenso pesadelo! Como eles são inocentes! E eu sofrendo por eles! [...] daí em diante tenho sentido saudades imensas, mas já não sofro tanto quanto vinha sofrendo, e bem compreendo o poeta: a saudade

não deixa de ser um “doce amargo”... Agora, os dias que passamos juntos são os mais felizes da vida, e recompensam os de separação. 16/5/54 Depois de trinta anos tratando-se com cortisona, tendo passado ainda por outras cirurgias, Dulce foi hospitalizada (no Hospital Celso Ramos, em Florianópolis) pela derradeira vez: seu intestino delgado, fino como papel, “deu um nó”, e os médicos não tiveram como reparar isso. A febre altíssima, em decorrência da septicemia que dominou seu corpo, fazia com que visse anjos por perto, e foi com eles que partiu – era quase meia-noite, 18 de janeiro de 1983. Tinha 63 anos. Seu maior legado ficou resumido numa frase que escreveu para uma palestra: “Amar os filhos não significa sufocá-los em carícias, mas fazer deles HOMENS!” De fina sensibilidade, prodigiosa agudeza de espírito, apurado senso de justiça e inabalável fé no Criador, Dulce era, realmente, uma mulher que transcendia todas as medidas. Dulce Fernandes de Queiroz | 135


(Vida em famĂ­lia


Q

uatro anos vividos na Bahia e Alexandre vem advogar em Joaçaba – Dulce naturalmente o acompanha, três filhos nos braços e um quarto na barriga. Corria o ano de 1946. Joaçaba era então uma pequena cidade do “velho oeste” catarinense. As casas eram todas de madeira, a maioria no estilo das rústicas construções italianas, a frente duas janelas de folha e uma pequena varanda que dava para a sala de visitas. Não tinham em nada a beleza das casas enxaimel alemãs, nem seu conforto. Na verdade, no início de sua formação tudo na cidade era de madeira: a pequena igreja no alto do morro, a prefeitura em frente à praça, o hospital, o grupo escolar, a delegacia, o Colégio Cristo Rei, das Irmãs Salvatorianas. Um dos acontecimentos que tiravam as pessoas de casa eram os incêndios recorrentes, pelo menos um a cada final de semana. As ruas da cidade eram um descalabro. Barrentas, empoeiradas, cheias de lama nos dias de chuva e escorregadias no inverno, quando as constantes geadas cobriam com um fino manto branco toda a região, às vezes até o meio-dia, e só então o sol aparecia de mansinho atrás do morro. Quando calçaram as primeiras ruas de Joaçaba, dizia-se que finalmente o progresso estava chegando à terra. Foi ali que Alexandre ganhou sua vida, trabalhando muito, incessantemente. Dulce cuidava da casa, dos filhos, fazia o dinheiro se multiplicar, numa comprovada competência financeira. A primeira moradia da família em Joaçaba era também de madeira, uma casa pequenina perto da igreja, as paredes pintadas de um amarelo-claro. Depois nos mudamos para a única casa de alvenaria da cidade, construída por um alemão que ficara pouco tempo por ali, era fugitivo de guerra. Nessa casa moramos a vida inteira, uma reforma atrás da outra para poder acomodar a prole que crescia e carecia de espaço. Quando papai a vendeu, em 1978, nenhum dos filhos a habitava, todos já adultos e independentes. Não éramos pobres nem ricos. Remediados, papai dizia. No início da vida o dinheiro era suficiente para as necessidades básicas da família, mas não o bastante para pequenos luxos como uma boa coberta de penas para enfrentar os gelados invernos de nossa infância. Nas noites muito frias, de termômetro abaixo de zero, mamãe completava com toalhas de banho pré-aquecidas o ralo cobertor que pouco nos aquecia. Arrumava as toalhas em torno de nosso rosto, cobrindo as orelhas, cabeça – nossos olhos agradecidos pelo conforto, nossos dentes que tiritavam de frio se acalmando aos poucos, mal sabia ela que o que nos aquecia era seu profundo e incondicional amor. Naturalmente, nos primeiros anos de casados, um filho após o outro, as coisas eram mais difíceis, mas mamãe sabia multiplicar o pão nosso de cada dia. O café com leite da noite já vinha misturado na leiteira, com o açúcar; assim, não haveria desperdício. A sobra do feijão do almoço se transformava numa incomparável sopa no jantar. A marmelada para o pão era feita em casa, em grandes tachos de cobre adquiridos aos ciganos, que os negociavam por um quase-nada. A manteiga era comprada do colono, o leite vinha ainda cru, direto da ordenha, em encardidos latões de alumínio... (trechos do livro Retratos de Família, de Maria Perpétua de Queiroz) Alexandre complementa:

Aniversário de 1 ano de Luiz Fernando, 1949.

Em Joaçaba nós moramos na casa de um alemão que voltou para seu país. Primeiro eu aluguei e depois comprei. Em relação a Boa Nova e Itambé, morar em Joaçaba foi um paraíso. Não tinha rua calçada ainda, andava-se de bota. Lembro perfeitamente que, em frente à nossa casa, do lado esquerdo tinha uma fábrica e na frente da fábrica tinha uma lagoa, duas lagoazinhas: o ano inteiro nunca secavam, no meio da rua. De noite, as rãs coaxavam. Chovia bastante em Joaçaba, mas não com aquela constância de Belém. Tinha trovoada forte também. No nosso primeiro ano, tínhamos quatro filhos. Quando saíamos com os quatro, todo mundo se admirava... Eu sempre carregava o caçulinha. A Terência carregava outro e a Dulce segurava os outros dois que já eram maiores.

Vida em família | 137


O filho Diomário também recorda a casa de Joaçaba: Como éramos cada vez um número maior de crianças e não conhecíamos bem os limites de nosso terreno, um dos vizinhos construiu um muro de fora a fora para não invadirmos mais sua propriedade. Entre as duas casas, o muro foi erguido até uns quatro metros de altura para que ninguém pudesse olhar pela janela do outro! Lembro-me de papai contrariado e até meio ofendido com essa medida. Mas com o tempo passou a gostar da ideia e fez um muro igual do outro lado do terreno, isolando-nos também da casa do segundo vizinho, com muros da mesma altura. Até hoje não conheço outra casa tão bem murada como a nossa de Joaçaba! Alexandre e Dulce eram rigorosos na educação dos filhos, a ponto de D. Vitória, esposa do grande amigo Miguel Russowsky, censurá-los a esse respeito. Mas Alexandre não se deixava dobrar:

Eu sempre fui muito rigoroso na educação dos meus filhos, pelo menos dos primeiros. Só os dois últimos, Luiz Paulo e Maria Tereza, é que não apanharam de mim. Eu costumava dar até bolos quando eles praticavam um ato que eu considerava condenável. D. Vitória me censurava dizendo que eu era muito rigoroso, mas eu respondia que estava plantando o futuro deles, e citava a frase de Santo Agostinho que dizia: “A disciplina não é castigo, é um dom de Deus”. E assim, estou colhendo os frutos daquela disciplina que plantei neles quando crianças. Hoje tenho sete filhos, não sei qual é melhor. Todos bons, cada um melhor do que o outro. Apesar disso, os pais não obrigavam os filhos a fazer aquilo que não queriam; teriam eles, no entanto, que arcar com as consequências. Assim era quando alguém rejeitava o que estivesse servido: ele não seria forçado, mas ficaria sem comer até a hora do lanche. O almoço era servido estritamente às 12h30:

Eu nunca me preocupava em chamar os filhos porque eles sabiam da hora do almoço. Quem chegasse atrasado, só almoçava aquilo que encontrasse ainda disponível na mesa. Se chegava na hora da sobremesa, só comia a sobremesa. Nesta disciplina a Dulce sempre me acompanhou. Ainda sobre a hora das refeições, Diomário lembra os gostos de Alexandre, bem como um fato curioso: Papai tinha hábitos alimentares bem diferentes dos da 138 | Memórias de Alexandre Queiroz

mamãe. Ele adorava feijão com bastante charque, arroz, carne e massas, tomava sopa preta à noite e esvaziava diariamente a panela após serem servidos os filhos e mamãe. À mesa não podia faltar a pimenta! Gostava de café e pão, depois de descartar com a mão o miolo; comia bolo e algumas bolachas molhadas no café com leite coado, deliciava-se com banana na farofa doce e manteiga salgada como na Bahia. A mamãe adorava saladas de todos os tipos e as preparava diariamente para mim e para ela, pois os demais irmãos e irmãs seguiam a linha de Alexandre. Na quarta-feira, quando ele ia advogar em Campos Novos, ela então fazia os outros pratos que gostávamos: fígado, buchada, rabada, língua e coração, entre outros. Aconteceu que num desses dias, quando havia preparado uma deliciosa buchada, choveu muito e papai teve que retornar para casa dado o péssimo estado das estradas. Rapidamente a mamãe preparou um gostoso bife para ele e o serviu à mesa com a buchada para nós. Lembro-me bem das suas exclamações em voz alta: “Mas, Dulce, eu não suporto nem o cheiro dessa buchada!” A solução naquele dia foi ele ir almoçar no gabinete! Com o tempo Alexandre foi aprendendo a provar e apreciar outras coisas. Por exemplo, passou a gostar de batatas, que classificava também como verdura, desde então adorando batata frita e batata-palha, esta sobretudo junto com camarão. O acompanhante ideal dos pratos salgados era a pimenta, muita pimenta. E nos doces não poupava no açúcar. Costumava dizer que gostava de tudo, menos apenas de três coisas: carne crua, “desta, não tenho jeito de gostar!”; cebola e alho, “isto é comida aqui do Sul com a qual ainda não me adaptei!”; e verduras e coisas exóticas, onde incluía tudo o mais de que não gostava!! Os filhos ganhavam uma mesada – que na realidade era semanal:

Todo domingo eu dava um dinheirinho para cada um deles para poderem ir ao cinema, comprar qualquer coisa, uma bala, um chocolate. [...] Veja que interessante: o Cote era guloso, pegava o dinheiro, comprava fruta, comia sozinho e gastava tudo de uma vez; não ia ao cinema para comprar as guloseimas. O Luiz Fernando não ia ao cinema, guardava o dinheiro, no meio da semana emprestava aos irmãos, com juros! (risos) Parece mentira, mas é verdade. Ele até hoje acha graça! As compras eram feitas com o sistema de caderneta – anotava-se tudo e final do mês a conta era paga. Alexandre não esqueceu o quiproquó que quase se passou com os farmacêuticos:


Era caderneta pro armazém, pra padaria, pra farmácia. Levou seis ou oito meses, ou um ano, não sei, um dia seu Abílio Machado, o farmacêutico, reclamou, disse que eu nunca tinha comprado nada na farmácia dele (havia duas farmácias em Joaçaba – a outra era do Ravache). Ele pensava que eu estava comprando na do Ravache. Eu disse que nunca precisei comprar remédios em Joaçaba. Não tive nenhum problema de doença durante aquele ano. Nem eu, nem a Dulce, nem os filhos. E ele ficou zangado porque pensou que eu comprava na outra!

Eu era juiz em Boa Nova. Um dia chegou uma senhora com uma menina negra de uns sete anos. Ela foi levar a “filha” para eu botá-la num asilo ou qualquer coisa porque não a aguentava mais, dizia que ela era terrível, malcriada, teimosa. Acontece que eu deixei a menina em nossa casa para resolver o assunto e ela começou a brincar com a Perpétua [que teria aproximadamente um ano de idade]. Então resolvemos ficar com ela. Chamava-se Terência. Uma cozinheira de primeira mão, a comida dela era fabulosa de boa. Tudo o que a Terência fazia era gostoso.

E eis que surge a Terência na vida da família Fernandes de Queiroz:

Alexandre guardou e entregou para Maria Tereza o documento original do registro de nascimento da sua agregada:

A família em 1952, no jardim da casa dos avós Fernandes, em Tubarão/SC.

Vida em família | 139



“Certidão de nascimento, a pedido verbal da senhora Paulina Pereira de Souza, como abaixo se declara. [...] que no dia doze de Novembro de mil novecentos e trinta e cinco, em hora ignorada, na vila de Imbuia neste Termo, nasceu Terência Barra, do sexo feminino, cor preta, primeira na ordem de filiação, não é gêmea, filha natural de Maria Barra, de profissão, naturalidade e residência ignoradas; cuja menor vive sob a guarda dela declarante. [...] Do que para constar, eu, Alice Alves de Miranda Sá, Escrivã de Paz servindo de Oficial do Registro Civil, interina, das Pessoas Naturais deste Distrito, sede, na falta de titular efetivo, lavrei este termo [...]. Em tempo: a declarante é viúva, de profissão doméstica, natural de Lavras Diamantinas e residente nesta Cidade. [...] O referido é verdade e dou fé. Cartório de Paz do primeiro Distrito de Boa-Nova, 15 de Dezembro de 1944.” Terência viveu muitos anos com a família, até ir morar e trabalhar por conta própria. Mais no final da vida encontrou um companheiro, vindo a falecer em 2003. Conta Alexandre:

Mais tarde, eu construí pra ela uma casinha, com forro. Era a única casa da região, uma vila de operários, com forro! Com a minha saída de Joaçaba, o Cote é que tomou conta dela até o fim, fornecendo-lhe os meios de subsistência.

Os seis filhos na frente de casa e Terência na entrada, 1954.

Depois de vários anos em Joaçaba, Alexandre comprou seu primeiro carro – um Aero Wyllis preto do último tipo, adquirido em Tubarão sob os cuidados do sogro. Diomário recorda a felicidade do pai, que dizia: “Minha vida melhorou muito desde que passei a ter o automóvel!” E completa o filho: Guardo uma recordação emotiva muito forte do carro de papai porque ele o utilizava como garantia para poder manter-me e a todos os meus irmãos e irmãs em cursos superiores e em programas de educação no exterior, porque naqueles tempos a venda de um carro tinha total liquidez, e papai me dizia: “Viaja tranquilo, Diomário, pois se algum dia você precisar de dinheiro eu vendo o carro e lhe envio!” Nunca precisou vender o carro por esta razão, mas se não o possuísse como garantia talvez não tivesse conseguido mandar os filhos formarem-se fora. Tendo Joaçaba como cenário, viver em família para os Fernandes de Queiroz era estar numa casa talvez com pouco tamanho, mas certamente com muito amor, em que as refeições juntos, as viagens, as regras de convivência, o aprendizado diário, o carinho da mãe, o apoio do pai, as férias em família constroem uma vida que tem, nas suas nuances, muitas preciosidades. É o filho Diomário, mais uma vez, quem resume como era Alexandre no seio familiar: Na minha infância, prevaleceu em mim a imagem do papai como um homem severo, muito trabalhador, exigente, bastante nervoso, chegando a gaguejar quando tinha algum problema a enfrentar, devendo eu, já pela manhã, antes de ir para a escola, recitar de cor, a ele e mamãe, as lições do dia. Com o tempo, porém, fui percebendo que papai era acima de tudo um homem boníssimo, emotivo, alegre e muito amoroso com a família e com os amigos. Quando adolescente, comoveu-me ao confidenciar numa de suas cartas que uma de suas prioridades na vida era conquistar a amizade e a admiração de cada um de seus filhos e filhas. Certamente, isso Alexandre conseguiu. E foi além – tem hoje a admiração profunda também dos seus netos e bisnetos. Vida em família | 141



Os filhos de Alexandre reunidos na casa de Lafaiete no ano 2000.

(Relatos dos filhos


(Maria PerpĂŠtua de Queiroz)


Nascimento, vida estudantil e profissional

P

ouco mais de nove meses depois do casamento de meus pais, nasci em Salvador, na casa do meu tio-avô Totônio, parto por ele realizado. Era o dia 26 de dezembro de 1942. Quando eu tinha quatro anos nos mudamos para Joaçaba, onde morei até os 23. Entrei na escola primária aos sete anos, e como ainda carregava meu sotaque baiano, era motivo de risos para os colegas catarinenses. Nesse tempo também estudei piano e balé, o que, para mamãe, fazia parte da formação de uma jovem. Mais tarde cheguei a ser professora de piano de 15 alunas, sendo uma delas a Maria Tereza, minha irmã. Em março de 1958, com 15 anos de idade, embarquei em um avião da Panair rumo a Florianópolis, onde iria fazer meu curso de normalista no Colégio Coração de Jesus, como interna. É claro que em Joaçaba não havia qualquer curso secundário, mas o que motivou mamãe a me matricular nesse colégio foi a certeza de que eu iria aprender a ser uma moça de ‘fino trato’. Ela mesma havia estudado no famoso Coração de Jesus, onde obteve seu diploma de normalista – coisa rara em sua época de estudante. Foi lá que desenvolvi algumas habilidades valorizadas para a época: pintura, bordado, piano, costura, arte, economia doméstica. Ainda antes de completar 18 anos, voltei a Joaçaba e lá trabalhei como professora do curso primário do Grupo Escolar Roberto Trompowsky por cinco anos, quando, então, senti necessidade de frequentar um curso superior. Fiz o vestibular em Curitiba, e aos 23 anos iniciei a graduação em Letras Português-Inglês da Universidade Federal do Paraná. Nas manhãs eu frequentava as aulas da faculdade, à tarde lecionava no Colégio da Divina Providência – para a quinta série primária – e à noite dava aulas de português no curso ginasial de um colégio público em Santa Felicidade. Durante os sete anos em que vivi em Curitiba também iniciei a graduação em Direito na UFPR, tendo cursado apenas dois anos, pois me casei com Sérgio e fui morar na Bahia. Em Salvador, estudei outros dois anos de Direito, mas por desventuras da vida não o concluí. Com a minha ida em 1975 para a Inglaterra, me especializei em Língua e Literatura Inglesa; de volta ao Brasil, continuei ensinando português e inglês. Em 2015 completei 55 anos de magistério, mesmo ano em que comemorei bodas de prata de uma turma de inglês – um grupo de 10 alunas, todas jovens senhoras, entre 70 e 80 anos. Também preparei muitos alunos em redação para vestibular, curso que ofereci numa sala de aula na minha casa por 23 anos. Além disso, durante 10 anos dei aulas de revisão gramatical para advogados, contratada pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Ministrei aulas deste curso em diferentes cidades catarinenses, inclusive Joaçaba. E como o mundo dá suas voltas, hoje, aos 73, voltei a morar em Curitiba, cidade onde meus filhos Antônio Bernardo e Olga Maria vivem. Após uma vida como professora, agora escolhi ser apenas aluna!

Família

Perpétua e família no Natal de 1985.

Fui casada por duas vezes. Aos 30 anos com Sérgio Pretto, gaúcho, economista e integrante do governo Antônio Carlos Konder Reis. Primeiramente moramos em Salvador, mas com dois anos de casados nos mudamos para Florianópolis, palco de uma grande tragédia em minha vida: o falecimento de Sérgio num acidente de avião perto de Joaçaba. Recém-viúva, resolvi romper as amarras e morar no exterior: em Londres, Inglaterra. Lá, entre idas e vindas para o natal no Brasil, morei por cinco anos, estudando e conhecendo o mundo. Voltando um pouco no tempo: em 1959, numa palestra ministrada pelo cardeal Dom Elder Câmara, conheci Marcilio, que me foi apresentado por meu primo Rogério Queiroz. Marcilio Cesar Ramos Krieger vinha de uma conceituada família de Brusque, o que agradou bastante a meus pais. Ele era estudante de Direito em Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina. Era, principalmente, um líder: foi presidente da União Catarinense dos Estudantes – UCE e integrante do Movimento Ação Popular, organização política de esquerda católica. Com meu retorno a Joaçaba após ter concluído o curso Normal, acabamos terminando o namoro. Maria Perpétua de Queiroz | 145


Perpétua com a mãe e a irmã, 1952.

Quase 20 anos depois, nos reencontramos em Londres e, simbolicamente, nos casamos; eu viúva, ele recém-separado. Com nossa volta ao Brasil, em 1979, continuei minha carreira de professora, e Marcilio, além de sua atuação como jornalista, retomou sua carreira como advogado, primeiro trabalhista e, nos últimos anos, de direito desportivo, tendo sido Procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Ainda vivemos três décadas de feliz união, até o seu falecimento em fevereiro de 2010 aos 71 anos.

Antônio Bernardo de Queiroz Krieger nasceu em Florianópolis em 2/7/1981, quando eu tinha 38 anos. O nome Antônio Bernardo foi dado em homenagem ao tio Totônio, a quem aprendi a admirar pelos olhos do meu pai e de quem sempre ouvi histórias do seu papel social como médico. Por essas escolhas do destino, Antônio desde muito cedo demonstrava interesse por tudo o que se relacionava à saúde. Em 2005 formou-se Médico pela Universidade Federal de Santa Catarina, vindo morar em Curitiba para fazer residência em ortopedia no Hospital Cajuru, entidade vinculada à PUC/PR. Na sequência, foi fellow de cirurgia da coluna pela AOSpine International e mestre em Cirurgia em 2010 pela PUC/PR. Atualmente Antônio trabalha como cirurgião de coluna do Hospital Marcelino Champagnat. Durante a residência, conheceu minha nora, Michele Lonardoni, natural de Maringá, também médica, especialista em oftalmologia. Em setembro passado tornaram-se pais de seu primeiro filho, Theo. Olga Maria de Queiroz Krieger, também natural de Florianópolis, nasceu em 18/10/1982, dois meses antes de eu completar 40 anos. Desde pequena, Olguinha nos mostrava cotidianamente seu senso de justiça, pensamento idealista e sensibilidade ao outro, qualidades em sintonia com o lado humanista do seu pai. Formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, logo se voltou aos direitos humanos e às ciências sociais. Cursou pós-graduação em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal, e em 2012 obteve grau de mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Hoje, mora em Curitiba e trabalha na Editora Bonijuris. Casada com Anderson Luis de Almeida, de São Bento do Sul, arquiteto e urbanista. São pais de Caetano, nascido em 2013, e de Leila, que acaba de nascer.

Causos

Filhos

As cartas de Marcilio

Conheci a Bia, Beatris Regina Silva Krieger, filha do primeiro casamento de Marcilio, quando ela tinha 13 anos e tomei-a como filha imediatamente. Nascida em Volta Redonda, Rio de Janeiro, a Bia é, na verdade, filha do mundo: durante os dez anos de exílio de Marcilio viveu com os pais no Chile, Peru e Portugal, e já adulta morou primeiramente na França, por 15 anos, e atualmente no Canadá. Hoje, aos 48, é uma cantora de carreira internacional, tendo lançado sete CDs de músicas brasileiras, francesas e autorais. O marido, Erik West Milette, é músico reconhecido e premiado no Canadá. Moram em Montreal e compartilham a vida com seu filho Carlos Victor Krieger, fruto de uma linda adoção em 2009.

As cartas de Marcilio eram muitas e longas. E podem acreditar: era papai quem lia as cartas, em voz alta, sentado na cadeira de trabalho do seu gabinete, tendo como ouvintes mamãe e eu, a verdadeira destinatária das ‘missivas’. Pura realidade!

146 | Memórias de Alexandre Queiroz

Marcilio viaja a Joaçaba Como militante, Marcilio viajava algumas vezes para encontros com jovens estudantes no interior do Estado, inclusive Joaçaba, quando aproveitou para me visitar. No caminho, o ônibus parou em vários outros lugares, entre eles Campos


Novos. Senta-se então a seu lado um senhor de terno, muito elegante, que mal se ajeita no banco e já inicia um papo: - Boa tarde, meu jovem. - Boa tarde, senhor. - Vem de onde? Vai até Chapecó? - Não, desta vez vou ficar em Joaçaba. - Joaçaba? É lá que eu moro! E o que o jovem vai fazer por lá? - Vou visitar minha namorada... Assunto encerrado, de lá até Joaçaba Marcilio se deliciou com os roncos de seu companheiro. E, claro, não dormiu mais! À noite o jovem namorado se dirige à casa da Pety – como costumava me chamar –, um pouco ansioso pela ousadia em bater pela primeira vez à sua porta. Toca a campainha, arruma a postura e ensaia rapidamente as palavras que vai dizer... quando a porta se abre e lá está ele, seu companheiro de viagem, seu sogro! Papai me deixando voar alto e longe Na minha primeira ida a Londres, em 1975, morei com uma família inglesa, aprendi inglês em uma escola para estrangeiros, e no final do ano voltei para o Brasil. Passei parte do verão com papai e mamãe em Joaçaba. Um dia falei ao papai: Estou voltando agora para Florianópolis, vou trabalhar mais um ano e depois retorno a Londres para aprofundar meus estudos. “Não senhora” – respondeu papai. “Você vai agora para Londres! Pode ter certeza, minha filha, se você voltar a trabalhar não irá mais para a Inglaterra. O trabalho vai te prender.” O sentido e a força de suas palavras eram muito claros. É preciso ser muito pai e amar muito uma filha para tomar essa posição. Papai foi sempre assim, em lugar de prender os filhos numa gaiola de apego, mandava-os voar alto e longe! Mamãe, embora mais reservada e reticente, concordava com a visão ousada de papai. Papai, a farofa e os netos Quando adolescentes, Antônio e Olga se divertiam muito com o vô Xande, a quem adoravam. Na hora do almoço, no final de semana em que ele estava conosco, riam muito quando o avô botava no prato toda a farofa que o prato pudesse abarcar, desfigurando o sabor de qualquer coisa que fosse comer. Por cima de tudo a pimenta malagueta aos montes! Ainda assim, papai, sempre gentil, elogiava a refeição: “Foi você mesma quem cozinhou, Perpétua? Está tão bom que parece de restaurante.” Não há como se esquecer de um querido desses.

No topo, Perpétua com o aniversariante na comemoração dos seus 88 anos, abril de 2004. Acima, Perpétua com Marcilio e os filhos em junho de 2005.

Maria Perpétua de Queiroz | 147


Antônio (Diomário de Queiroz)


Nascimento, vida estudantil e profissional

G

Diomário e família no Natal de 1985.

uardo o “Primeiro livro do Bebê” onde consta o registro de meu nascimento, às 15 horas do dia 12 de abril de 1944, com 4 quilos e 53 cm de altura, em Boa Nova, interior da Bahia, onde papai exerceu as funções de Pretor do Termo desta pequena cidade da Comarca de Jequié. Papai relatou-me que mamãe passou muito mal após o parto, quase morreu, quando ele apelou para Deus e então encontrou apoio, fortaleza e a fé. Foram meus padrinhos de batismo, na igreja Nossa Senhora da Boa Nova, João Burgos de Menezes e sua esposa Eunice Maia de Menezes. O padrinho deu-me um bezerro pelo nascimento e depois, quando vim morar em Joaçaba, aos dois anos de idade, em todos os aniversários de criança enviava pelo correio um presente em dinheiro que era depositado em minha caderneta de poupança. A madrinha Eunice amava e admirava muito “a nossa Dulce, aquela alma nobre cheia de qualidades finas, de uma educação sem limites, uma esposa fabulosa e uma mãe maravilhosa; uma heroína verdadeira”. Vivi infância muito feliz em Joaçaba. Fui alfabetizado pela irmã Firmina, em 1951, no Ginásio Cristo Rei das irmãzinhas da Imaculada Conceição (na época localizado em Herval d´Oeste), onde cursei os dois primeiros anos do Primário. Nos dois anos seguintes, no Grupo Escolar Roberto Trompowsky, fui aluno das excelentes professoras Antônia de Oliveira e Dione de Sisti. No Ginásio Frei Rogério dos irmãos maristas, após o Exame de Admissão, concluí o ginásio em 1958, na turma do admirável irmão Nicanor. Em 26 de agosto de 1956, sob a liderança do dinâmico Chefe Xavier, fui um dos fundadores do Grupo Escoteiro Tupã-Etê e Chefe da Patrulha do Cão. Adorava a cidade de Joaçaba onde tinha um grupo excelente de amigos, a maioria de origem alemã ou italiana, com sua cultura alegre e trabalhadora. Tive uma educação de meus pais ao mesmo tempo severa e amorosa. Nas minhas dificuldades escolares mamãe socorria-me com suas aulas particulares. Diariamente, antes de eu ir para a escola, recitava-lhe as lições aprendidas! Nas férias de julho ela me orientava em estudos de recuperação das matérias em que mostrara baixo desempenho no semestre. Ensinou-me também a dançar quando comecei a frequentar as festinhas da nossa juventude. Nas férias de verão íamos para Tubarão no paraíso dos adorados vovô Neco e vovó Perpétua, que nos proporcionavam também inesquecíveis dias nas lindas praias de Jaguaruna e Laguna. Naquela época, Joaçaba não tinha o curso científico. Meus pais, conscientes da importância da educação, enviaram-me para frequentá-lo como interno do Colégio Santo Antônio dos padres franciscanos em Blumenau. Sempre lhes serei grato por essa coragem que só se explica por sua forte crença na importância da educação. Aos 14 anos, precisava viajar durante três dias por estradas lamacentas ou poeirentas, curvas e esburacadas, para chegar ao Colégio, voltando para casa somente nas férias grandes de julho e de final do ano. Marcou-me na vida o choro de mamãe nas despedidas da viagem. Ela então me perguntava: “Quando será, Diomário, que as mães de Joaçaba não precisarão mais enviar para tão longe seus filhos para estudar?” Esta frase motivou-me em todas as funções que vim a exercer no campo da Educação a dar de mim o melhor possível a favor da interiorização do sistema educacional, da ciência, da tecnologia e da inovação em Santa Catarina. No Colégio Santo Antônio, solidifiquei a disciplina e os bons hábitos de aprender. Frei Odorico Durieux constitui a imagem do excelente professor: culto, idealista, amigo, criou a Academia Monte Alverne de oratória e nos impulsionava com alegria para a perfeição, ensinando em nível elevado para nos desafiar a também alçar voo. Optei pela formação universitária em Florianópolis, concluindo o curso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina em 1966. Formei-me também no curso Técnico em Contabilidade na Escola Técnica de Comércio São Marcos e, enquanto estudante universitário, exerci o magistério no Instituto Estadual de Educação, na Escola de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina e no Colégio Catarinense. Em 1967, no Rio de Janeiro, especializei-me em Programação Industrial pelas Nações Unidas, no Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social e Centro de Desenvolvimento Econômico CEPAL/BNDE. Ao final daquele ano, na condição de bolsista do Governo Francês, segui Antônio Diomário de Queiroz | 149


para Paris, onde concluí o Doutorado em Economia do Desenvolvimento na Université Paris I, Sorbonne, em 1971. Retornando a Florianópolis, exerci diversas funções na administração pública e privada e na educação superior, ocupando cargos técnicos, de assessoramento e de direção, nas Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – CELESC, no Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina S.A. – BADESC e no Grupo USATI - PORTOBELLO. Sempre gostei de ser professor. Lecionei no Cursinho Pré-Vestibular de Direito, na Escola Superior da Polícia Militar, na Escola Superior de Administração e Gerência – ESAG e na Universidade Federal de Santa Catarina. Na UFSC, onde passei ao regime de dedicação exclusiva em 1988, construí carreira de magistério e de pesquisador nos programas de graduação, pós-graduação e ensino à distância por videoconferência do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas. Fui responsável por várias disciplinas e orientei dissertações e teses de mestrado e doutorado. Exerci diversas funções de administração universitária: coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, coordenador de cooperação interuniversitária com a França, Alemanha e Canadá, diretor executivo da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária, presidente do Conselho Editorial da EDUFSC, diretor do Centro Tecnológico, diretor-presidente da Fundação de Ensino de Engenharia em Santa Catarina, pró-reitor de Pesquisa e Extensão, Reitor. Fui presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES. Na função de reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, de 1992 a 1996, o compromisso fundamental com uma universidade aberta à sociedade consubstanciou-se em diversas realizações. Dentre outras, a implantação do Fórum da Educação Superior de Santa Catarina, para a melhoria da qualidade das instituições universitárias do interior do Estado, o programa de qualificação dos professores de educação básica das escolas públicas, que originou o Magister, a implantação da Rede de Ciência e Tecnologia, RCT, que integrou todas as regiões do Estado à internet, a ampliação dos serviços gratuitos do Hospital Universitário, a instalação da Maternidade Universitária, a implantação do Fórum Judiciário com acesso à justiça aos cidadãos de baixa renda, a ampliação da Biblioteca Universitária e a parceria com a UDESC na constituição da TV Anhatomirim. Abriu-se à comunidade a Praça da Cidadania, bonito e agradável passeio público com obras de arte como o mosaico de Rodrigo de Haro sobre a criação latino-americana, abrigando o Templo Ecumênico e o Centro de Cultura e Extensão. A partir de 2003, a convite do Governador Luiz Henrique da Silveira, passei a exercer várias funções no Governo do Esta150 | Memórias de Alexandre Queiroz

do: presidente da FUNCITEC e FAPESC, Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica; reitor pro-tempore da Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – UDESC; secretário adjunto, diretor geral e Secretário de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia. Participei da comissão de implantação da Universidade Federal da Fronteira Sul do Brasil. No exercício de todas essas funções, estive sempre empenhado na aprovação de obras como as incubadoras empresariais, os projetos de pesquisa científica e tecnológica em diversas áreas do conhecimento, a informatização, a capacitação dos professores, a formação de agentes de desenvolvimento regional, a construção e recuperação de escolas públicas estaduais, o desenvolvimento regional de Santa Catarina com base em educação, ciência, tecnologia e inovação. Atualmente, ocupo o cargo de diretor de Ciências, Tecnologia e Inovação do Sapiens Parque, localizado no norte da Ilha, empreendimento fundamental para o futuro de Florianópolis e de Santa Catarina. Atendo a vários convites para palestras e tenho participado de alguns conselhos superiores, entre eles SOCIESC, Univille, Fundação CERTI e FloripAmanhã. No campo do lazer, reservo tempo para as leituras diárias, para a canastra com os amigos e para o convívio com a família, especialmente com os 12 queridos netos. Em 2006, o reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Aristides Cimadon, outorgou-me o Título de Professor Honoris Causa, “por relevante contribuição à educação superior e às ciências”. Também tive a honra de ser agraciado com diversas condecorações por outras entidades, destacando-se a de Chevalier de l'Ordre des Palmes Académiques outorgada pelo primeiro-ministro da Educação Nacional da República Francesa, e os títulos de Cidadão Honorário dos municípios de Florianópolis, Antônio Carlos e Joaçaba.

Família

Tenho o privilégio de dois excelentes matrimônios! Conheci Maike Hering em 1961 quando cursava o científico em Blumenau, ambos estudantes no Colégio Santo Antônio. Ela era linda, nove meses mais jovem do que eu, e declarava ter sido concebida para mim, com amor à primeira vista. Quando vim para Florianópolis cursar Direito, ela se transferiu para São Paulo, onde concluiu o científico no Colégio Visconde de Porto Seguro e tornou-se bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Tivemos um prolongado namoro à distância, alimentado por cartas e por encontros esporádicos. Nosso convívio se intensificou em 1967, quando fui cursar a CEPAL no Rio de Janeiro, e nos visitávamos nos finais de semana. Em dezembro, quando eu era estudante em Paris, Maike viajou até


a casa de sua mãe, Dona Lia, em Innsbruck, Áustria, onde passamos o Natal e noivamos em um dia belíssimo de muita neve. No ano seguinte nos casamos em Blumenau e fomos morar em Paris como estudantes de pós-graduação. Nosso casamento foi pleno de felicidade, amor e trabalho. Tivemos cinco filhos: Simone, Alexandre, Max, Lia e Ângela; e 12 netos: Tiago Antônio, Maria Cristina, Caterina, Ana Clara, Isabela, Lucas Diomário, Gabriela, Vítor, Leonardo, Gabriel, João e Naiane. Maike adorava ao extremo cada um dos filhos e netos, acolhendo-os com todo o carinho e dedicação. Infelizmente a Oma Maike veio a falecer antes do nascimento dos últimos cinco netinhos, vítima de câncer em 2006. Embora mãe de grande família, Maike fez questão de realizar-se profissionalmente como bióloga. Concluiu o Mestrado em Botânica Tropical na Faculté des Sciences de Paris em 1970 e o Doutorado em Ciências Florestais na École Nationale du Génie Rural, des Eaux et des Forêts, em Nancy, França, 1994. Tornou-se professora da Universidade Federal de Santa Catarina em 1974, optando pelo regime parcial até que a filha mais nova completasse cinco anos de idade, quando passou à dedicação exclusiva. Na UFSC, ministrou disciplinas em diversos cursos de graduação e no Mestrado em Biologia Vegetal do Departamento de Botânica. Dedicou-se com afinco à pesquisa, sendo responsável pelo Laboratório de Análises de Sementes Florestais, coordenadora de pesquisa do Departamento de Botânica e coordenadora da Unidade de Conservação Ambiental Desterro. Orientou diversos trabalhos de conclusão de cursos de graduação e dissertações de mestrado. Participou em importantes projetos de pesquisa na área de Nativas Florestais e Regeneração da Floresta Atlântica, com uma centena de artigos publicados em periódicos, congressos e anais científicos. Era membro da Societé Botanique de France, da Sociedade Brasileira de Botânica e do Comitê de Sementes Florestais da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes. Foi ela quem me entusiasmou a morar em Santo Antônio de Lisboa, junto ao mar, em ambiente de Mata Atlântica valorizado pelos seus conhecimentos de preservação e regeneração de áreas degradadas em exuberantes e floridos jardins. Viúvo, não gostava de viver sozinho, sobretudo na solidão das noites. Casei-me com Rosa Assunta De Cezaro, nascida em Viadutos, Rio Grande do Sul. Conheci-a em Joinville, onde era responsável pela educação superior na Secretaria Regional de Desenvolvimento. Admiradora de meu trabalho quando Secretário Estadual de Educação, convidou-me para proferir oito palestras, em três dias, nas escolas e universidades de Joinville, para promover os projetos de pesquisa acadêmica. Assistiu a todas as palestras sentada na primeira fila, prestando muita atenção. Conversa vai, conversa vem, começou o namoro. Com a bênção de todos os meus filhos bem como dos pais e

da família de Rosa, nos casamos na Igreja de Nossa Senhora das Necessidades em Santo Antônio de Lisboa, em 20 de abril de 2008. De origem italiana, Rosa logo foi muito bem aceita pelos netos como a Nona Rosa. Tendo sido diretora exemplar do Colégio Estadual Santa Teresinha em Curitibanos por 15 anos, integrou-se muito bem com as crianças e com a administração da casa, da horta, do orquidário e dos jardins. Com domínio de reflexologia, massagem e outras terapias alternativas, tem dado assistência à saúde dos familiares. Tornou-se ótima cozinheira. É uma esposa muito querida e amorosa. Cuida muito bem de mim. Gosta de viajar e é agradável companheira de viagem. Rosa foi irmã da Congregação Sagrada Família de 1975 a 2000. Graduou-se em Letras com Habilitação em Português e Inglês. Especializou-se em Literatura Infantil e Metodologia do Ensino. Concluiu o Mestrado em Educação pela UNC/UNICAMP. Integrou a equipe assessora do Conselho Estadual de Educação em Florianópolis. Presidiu a Associação das Escolas Católicas de Santa Catarina (AEC) e coordenou a Associação Nacional de Educação Católica de SC (ANEC). Atualmente Rosa participa da Coordenação Nacional dos Associados Missionários da Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho. Tem também colaborado com a liturgia de nossa Paróquia de Santo Antônio de Lisboa.

Filhos Em Paris, 1971, ainda quando Maike e eu éramos estudantes, “Nasceu Simone belíssima!”, como então noticiei para a família por telegrama. Ela foi concebida no Mont Saint-Michel e tem sido ao longo de toda sua vida uma filha muito querida e meiga, que enfrenta os desafios do cotidiano com profunda fé, amor e coragem. Esteve sempre atenta e presente na educação dos irmãos. Graduou-se em Computação e em Administração. Concluiu mestrado e doutorado em Engenharia de Produção. Foi consultora e gestora do Grupo RBS, coordenadora de curso na ÚNICA/FESAG e coordenadora de ensino na SOCIESC. É professora desde 1999, lecionando com foco em Gestão de Pessoas nos cursos de Graduação, EAD e Pós-Graduação da ÚNICA/FESAG e da Faculdade CESUSC. Produziu e orientou diversos trabalhos acadêmicos. Simone casou-se com Santiago Francisco Yunes, com o qual tem três filhos amados: Tiago Antônio, Maria Cristina e Gabriela. Santiago é bacharel, licenciado, doutor e pósdoutor em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina, onde leciona com ênfase em Química e Físico-Química Orgânica. Pós-doutorou-se também nos Estados Unidos na University of California, Santa Barbara, e em Portugal, na Antônio Diomário de Queiroz | 151


Diomรกrio e Rosa, na sacada de sua casa, em abril de 2015.

152 | Memรณrias de Alexandre Queiroz


Universidade do Porto, no campo da Química Verde. Iniciou sua carreira de magistério na UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina e foi diretor de P&Desenvolvimento da Quimsar Química Fina Ltda. Desenvolveu vários projetos de pesquisa e extensão acadêmica, publicou dezenas de artigos científicos. Santiago é um pai coruja, apaixonado pela família. Ele e Simone constituem um matrimônio feliz e realizaram em 2015 o sonho de uma belíssima casa própria. Alexandre é nosso primeiro filho. Nasceu em Florianópolis, um bebê grande, saudável e comilão, com um choro muito forte que era ouvido em todo o Edifício Daniela onde vivíamos. Desde pequeno revelou-se uma criança muito bondosa e comunicativa, sendo o nosso relações-públicas ao recebermos visitas. Exteriorizava a alegria com entusiasmo, de forma contagiante, e adorava brincar. Desde cedo revelou habilidades artísticas e domínio do espaço e dos processos mecânicos que eu considerava incríveis, pois não as herdou de mim. Com Max de sócio, abriu uma oficina de consertos de bicicleta que precisei segurar, pois começou a tomar uma dimensão muito grande. Formou-se em Engenharia de Produção Mecânica, na UFSC, premiado com o primeiro lugar da turma, onde também concluiu Mestrado em Engenharia de Produção. Trabalhou como consultor de empresas na área de Gestão Empresarial e Engenharia até o ano de 2003, quando fundou a Dueto Indústria e Comércio de Joias Ltda., em Antônio Carlos/SC, exercendo com sucesso a função de diretor e atuando na Área de Desenvolvimento de Novos Produtos por 11 anos. Em 2014, em conjunto com sua irmã Lia, cria a Toque de Joia, loja virtual especializada em semijoias. Voltou a exercer a função de consultor de empresas e dirige com muita competência o processo de implantação do Condomínio das Bromélias em Santo Antônio de Lisboa, coordenando também outras ações relativas à gestão do patrimônio da família. Alexandre casou-se com Melissa Tensini, natural de Brusque/SC. De seu matrimônio nasceram duas filhas lindas, Caterina e Isabela, que herdaram a alegria do pai e os predicados da mãe, educadas com competência e dedicação, num ambiente familiar de muito amor. Melissa é formada em Nutrição e concluiu o Mestrado em Ciência dos Alimentos na Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalhou na área de Nutrição Clínica e como consultora na área de Alimentação Escolar. Destacou-se também em vendas no ramo de semijoias e na criação e desenvolvimento de novos produtos na empresa Dueto. Atualmente é diretora de Criação e Conteúdo da empresa Toque de Joia. Melissa e Alexandre são cantores da Associação Estúdio Vozes como coralistas e solistas desde o ano 2000. Cantam maravilhosamente! Transmitiram o dom e a cultura do canto às duas filhas, que também interpretam músicas com vozes de anjo. Integram o coral da família que

embeleza a liturgia da Igreja de Nossa Senhora das Necessidades em Santo Antônio de Lisboa. Por sua bondade natural, animam também com os irmãos outras atividades de formação cristã de jovens e casais. Nosso segundo filho homem é Max, nome que herdou dos seus ancestrais Hering pois desde o nascimento era muito parecido com a mãe, com traços dominantes de sua família. Dotado de uma inteligência excepcional e sendo muito disciplinado por natureza, destacou-se sempre nos estudos. Muito amigo e companheiro do Alexandre e também das suas irmãs, foi uma criança sensível, querida e atenciosa aos pais. Max graduou-se em Engenharia de Controle e Automação Industrial e completou o Mestrado e o Doutorado em Engenharia na Universidade Federal de Santa Catarina. Adquiriu vivência internacional como engenheiro estagiário da Siemens Automotive SA, Toulouse, França, e bolsista de doutorado na University of Toronto, Canadá. Especializou-se em Moderna Gestão Empresarial. Um dia revelou-me que queria ser professor universitário e pesquisador e pediu-me a opinião, respondendo-lhe eu que ficaria orgulhoso dele se essa fosse sua opção. Por concurso, tornou-se inicialmente professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina CEFET/SC e posteriormente professor da Universidade Federal de Santa Catarina, lotado no Departamento de Automação e Sistemas do Centro Tecnológico. Max desenvolve a função plena do magistério, lecionando na graduação e pós-graduação, orientando dissertações e teses de mestrado e doutorado, coordenando importantes projetos de pesquisa e extensão, publicando artigos científicos, proferindo palestras no país e exterior, exercendo diversas funções na gestão universitária. Em 2002, Max casou-se com Mariana Arzua de Queiroz, graduada em Farmácia e Bioquímica pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com Mestrado em Engenharia Genômica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Exerceu atividades profissionais como farmacêutica responsável na Farmácia Seeman e realizando exames de DNA no Laboratório Neurogene, em Florianópolis. Max e Mariana formam um matrimônio muito harmonioso e feliz, dedicando integral amor e carinho na educação dos dois filhos, Vítor e João. Nossa segunda filha mulher é Lia, nascida com este nome em homenagem à sua Oma materna. Lia era uma criança linda e saudável, loira em função da origem germânica da família, inclusive pelo lado Knabben de mamãe, que a meu ver foi dominante na hereditariedade, pela sua índole comerciante que se revelou desde criança, quando gostava de brincar de vendedora. Formou-se em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina. Realizou seu Trabalho de Conclusão de Curso na área de “Comportamento do Consumidor e Atendimento Antônio Diomário de Queiroz | 153


Diomário com a neta Gabriela e Alexandre, em 2006.

aos Clientes”, que escolheu para o exercício profissional. Realizou Pós-Graduação Lato Sensu MBA em Marketing na FGV. Foi sócia do grupo Connex por 14 anos, quando ocupou a direção da área de atendimento, posteriormente transformada na empresa Aliar Contact Center – Call Center com foco em vendas, atendimento e cobrança. Em 2013 fundou em sociedade com Alexandre e Melissa o e-commerce Toque de Joia, como um canal de vendas das semijoias finas de sua fabricação, desde 2015 um negócio independente. Lia é casada com Pablo Rosendo Yunes, nascido em Santa Fé, Argentina, irmão do Santiago. Formado em Engenharia Química e mestre em Ciências na Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pablo foi professor na FURB de 1991 a 2010 no curso de Engenharia Química. É sócio-fundador, desde 1993, juntamente com Santiago e Rosendo Augusto Yunes, da QUIMSAR Indústria Química, onde dirige todo o processo de pesquisa, desenvolvimento e comercialização de diversos produtos químicos inovadores. Pablo é um líder realizador e responsável, um abrigo seguro para toda a família. Do matrimônio com Lia nasceram Ana Clara, Lucas Diomário e Gabriel, três adoráveis e inteligentes netos. Nossa querida filha caçula, desde o nascimento, é um anjo, e a Maike, com esta percepção, batizou-a de Ângela. Revelou-se um anjo muito inteligente, amoroso, com capacidade 154 | Memórias de Alexandre Queiroz

inata de compreender e cativar as pessoas e de construir com determinação e habilidade seu próprio caminho. Velou pela saúde de sua mãe com incansável dedicação até seus últimos dias. Enquanto estive só, na viuvez, cuidou também de mim com muito carinho. Foi estudante destacada em toda sua formação universitária. Cedo encontrou a vocação de pedagoga e psicóloga graduando-se nos dois cursos. Especializou-se em Terapia Relacional Sistêmica e Orientação Profissional. Concluiu o Mestrado em Psicologia na UFSC, defendendo primorosa dissertação sobre o processo de migração familiar. É professora de Psicologia do Centro Universitário Estácio de Sá de Santa Catarina, onde também exerceu as funções de orientadora pedagógica. Patrick Alex Freitas da Silva foi sua escolha de amor para o casamento. Ele tem se tornado um grande amigo, colaborativo, agradável animador das brincadeiras com as crianças, em especial com os dois queridos filhos do casal, Leonardo e Naiane. Tem graduação em Física e Análise e Desenvolvimento de Sistemas, com especialização em Data Science, Experiência em ETL e modelagem multidimensional para Data Warehouse. Foi Programador SQL Pleno na empresa DOCKTOOL e também na NEOWAY, onde foi promovido a Desenvolvedor de Business Intelligence. Patrick é um profissional responsável e ético, estudioso e plenamente preparado para


evoluir em desenvolvimento de sistemas complexos que requeiram linguagem matemática avançada, fundamentado no senso analítico que lhe proporciona a formação em Física. Tenho plena convicção que, cultivando o amor, Ângela e Patrick têm o destino das pessoas que se alçam com determinação e trabalho consciente a um nível privilegiado de sucesso, felicidade, realização familiar e profissional.

Causos As primeiras lembranças que guardo dos tempos de criança são de Joaçaba, quando tomava banho no rio do Tigre, no fundo de nossa casa. Papai nadava de costas e me levava montado sobre seu peito, eu gritando ao mesmo tempo de felicidade e de medo. Lembro-me das águas limpas daquele rio. A gente descia pelo mato até uma pequena praia ao lado da qual havia uma espécie de piscina onde se tomava banho. Depois as águas se sujaram pela ocupação urbana e agroindustrial em direção à nascente. Nas grandes enxurradas passaram a descer rio abaixo cada vez mais imundícies, porcos e galinhas e até uma vaca trazidos pela correnteza. Seguindo o exemplo do vizinho, papai construiu então um muro alto ao lado do rio, aterrando nosso terreno para um galinheiro e pequena horta. Por sobre este muro, lembro-me da Terência jogando no rio o nosso gato Mimi que havia roubado um bife na cozinha, e de papai lançando com alegria, como se fossem discos-voadores, os pratos e pires trincados da casa, prometendo à mamãe que iria comprar novos. * Desde cedo, papai resolveu alfabetizar-me. Comprou uma cartilha e um caderno de caligrafia para o meu aprendizado. As aulas eram no seu gabinete de trabalho. Começou ensinando-me os números e o beabá. Mas mantinha sobre a mesa uma régua quadrada de peroba ou canela, ameaçando dar-me uma reguada se eu não respondesse certo às suas perguntas. Fiquei atormentado. Com medo, meus olhos se enchiam de lágrimas e não conseguia sequer ouvir as perguntas ou ler as palavras apontadas e tentava adivinhar as respostas. Papai perdeu a paciência e mamãe intercedeu em meu favor, suspendendo aquelas aulas. Mas alguma coisa devo ter aprendido. No primeiro dia de aula do primário, no Colégio Cristo Rei das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, a irmã Firmina usou como método de motivação a leitura da cartilha na frente da sala por um aluno já alfabetizado, Ilo Pagnoncelli. Lembro-me de minha reação: “Mas isto eu também sei!” E voltei para casa sabendo ler, e mamãe buscou o jornal O Estado e uma caixa de Maizena para que eu mostrasse a todos o “milagre da irmã Firmina” que me ensinara a ler em um só dia de aula! *

Papai e mamãe sempre acreditaram profundamente na importância da educação. Por esta razão, sem medir custos e sacrifícios, enviaram Perpétua para estudar em Florianópolis no Colégio Coração de Jesus, onde se formara a mamãe, e a mim para cursar o científico em Blumenau, no Colégio Santo Antônio, onde estudara o papai. Naquela época, no segundo grau, em Joaçaba, só existia o Contador, que estava iniciando as primeiras turmas. Blumenau ficava a três dias de viagem, dormindo-se uma noite em Lages e outra em Rio do Sul. Os ônibus lentos, barulhentos, com cheiro de gasolina, lotados de gente, a poeira entrando pelas janelas abertas, com a maioria dos passageiros vomitando pelas curvas, seguiam sacolejando, com paradas a cada instante para a descida ou subida das pessoas. Em dias de chuva ou geada, atolavam e atrasavam sua chegada. Em março de 1959 eu tinha apenas 14 anos, e na primeira viagem papai acompanhou-me até Blumenau. Mostrou-me com muita satisfação a cidade e o Colégio Santo Antônio. Apresentou-me e recomendou-me aos freis com orgulho. Senti-me importante. Depois retornou para Joaçaba e comecei um novo e importante período de vida. No início sentia muitas saudades e tive dificuldades de adaptar-me ao nível superior dos estudos. Mas então comecei pela primeira vez na vida a iniciar um diálogo mais aberto com papai e mamãe por meio de cartas. Mamãe enviava as notícias do cotidiano e conselhos. Papai falava de sentimentos e filosofava sobre a vida. Creio que foi aí que comecei a conhecê-los melhor e a amá-los de todo o coração. * No final do semestre daquele ano, papai organizou-se para ir buscar-me pessoalmente em Blumenau para passar as férias em casa. Fiquei radiante ao reencontrá-lo, assim como à mamãe, aos irmãos e amigos de Joaçaba. Papai viajava muito de ônibus pois atendia clientes de toda a região Oeste. Era famoso por dormir profundamente e até em pé quando não conseguia lugar sentado. Naquela vez viajávamos em assentos lado a lado. A partir de Lages fazia muito frio e a geada cobriu toda a estrada. Próximo a Curitibanos o ônibus escorregou no gelo e caiu num barranco sem poder ser removido. Dormimos no ônibus, papai roncava muito alto e eu, sentindo pena dele, não ousava acordá-lo. A turma dos bancos de trás começou então a brincadeira, como se os roncos fossem do motor do ônibus. Gritavam: “Primeira, Dr. Queiroz:” e o papai, roncando alto: Rorrrrrr!! “Segunda, Dr. Queiroz”: e a resposta: Rorrrr, rorrrrr!! “Terceira, Dr. Queiroz”: e ele, Rorrr, rorrr!! Aquilo divertiu os passageiros e amenizou o clima de desolação do ônibus, até que gentilmente cutuquei no braço do papai, para que ele virasse de lado e pudesse dormir sem roncar!

Antônio Diomário de Queiroz | 155


EnĂŠas Jeremias de Queiroz


Nascimento, vida estudantil e profissional

N

asci na cidade de Itambé, no sul da Bahia, em 10 de julho de 1945. Alguns meses após meu nascimento, meus avós maternos, Manoel Jeremias e Perpétua, foram de vapor (pequeno navio) de Florianópolis até Ilhéus, e daí em diante por terra até a minha cidade natal, convencendo meus pais a voltar para Santa Catarina. Desde meados de 1946 passei a morar em Joaçaba, onde, no ano de 1950, ingressei no jardim de infância das Irmãs da Congregação da Imaculada Conceição, ao lado da antiga igreja matriz, na parte dos fundos do atual Hospital Santa Terezinha. O acesso para a igreja e para a escola era pela Rua Salgado Filho, um pouco antes de um terreno e uma pequena casa de madeira que o pai possuía no outro lado da rua. No início de 1951 o jardim de infância e a igreja matriz, ambos de madeira, foram demolidos e concluí o jardim de infância nos fundos da nova igreja matriz de Joaçaba (atual Catedral), em fase final de construção. Cursei o primeiro ano do primário na atual cidade de Herval d’Oeste, em 1952, no Colégio Cristo Rei, das Irmãs do Divino Salvador – Salvatorianas. A escola, também de madeira, ficava no outro lado da rua, nos fundos da igreja católica da então Herval. No dia 18 de dezembro de 1952 um incêndio destruiu a escola de Herval, com o que cursei os três anos restantes do primário no Grupo Escolar Roberto Trompowsky, em Joaçaba. Em 1956, como não completaria onze anos até a data de 30 de junho, fui forçado a fazer o Curso de Admissão, no Ginásio Frei Rogério, dos Irmãos Maristas. Neste estabelecimento frequentei o curso ginasial, de 1957 a 1960. De 1961 a 1962, junto com o Diomário (no primeiro ano) e com o Lafaiete (nos dois anos seguintes) cursei o científico no Colégio Santo Antônio, dos padres franciscanos, em Blumenau, em regime de internato. Em seguida vieram meus cursos universitários e de especialização: engenharia química, de 1964 a 1968, em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná; administração, no Colégio Bom Jesus, dos padres franciscanos, também em Curitiba, concluído em 1973; de especialização em engenharia de segurança do trabalho, ministrado pela UFSC em Chapecó, em 1975, e curso de ciências contábeis, na Femarp, atual UNOESC, em Videira, concluído em 1984. Minha vida profissional começou em janeiro de 1969, em Mafra, nas Indústrias Químicas Carbomafra. Foi nessa cidade que, nos últimos dias do mês de julho de 1970, conheci e comecei a namorar com Léa Berenice Ulir. Ainda na Carbomafra, residi em Curitiba, nos anos de 1972 e 1973, trabalhando na unidade local dessa empresa. Em dezembro de 1973, fui morar em Balneário Camboriú, na casa de praia da Maike e do Diomário, e trabalhar na Engelec, em Itajaí, em sociedade com o Lafaiete e outro profissional. Casei com a Léa em 4 de maio de 1974, transferindo residência para Itajaí. Em data de 6/1/1975 passei a trabalhar na Perdigão, em Videira, nas áreas administrativa e contábil, permanecendo neste grupo empresarial por exatos oito anos, até 5/1/1983. Desde então levo vida profissional própria, sempre em Videira, na qualidade de fundador e sócio da Tróia Consultoria Empresarial.

Filhos

Enéas e família no Natal de 1985.

Enéas Ulir de Queiroz, nascido em Videira em 24/6/1975, casado com Cristiane Argenta de Queiroz e com três filhas: Josiane (18/10/2001), Jéssica (30/1/2003) e Beatriz (2/7/2009). Formado em engenharia da computação na Universidade de Kansas, Estados Unidos, em 1998 e em ciências contábeis, pela UNOESC, em Videira, em 2004. Trabalha na Tróia desde o dia 22/11/1999, onde hoje é sócio.

Enéas Jeremias de Queiroz | 157


A família de Enéas no batizado do neto Alexandre, em 2011.

158 | Memórias de Alexandre Queiroz


Ulisses Muniz de Queiroz, nascido em Mafra em 17/8/1977, casado com Roberta Nunes de Queiroz, ainda sem filhos. Formado em ciências da computação, pela UFSC, em 2003, e em ciências contábeis, pela UNOESC, em Videira. É sócio da Tróia, onde trabalha desde 1º/7/2004. Helena Fernandes de Queiroz Argenta, nascida na cidade de Rio Negro, no Paraná, em 12/9/1978, casada com Eduardo Argenta, tendo a filha Camila (7/3/2013). Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFSC em meados de 2001. Trabalhou como arquiteta, em Videira, desde 2001 até maio de 2009, quando passou a trabalhar e a dividir o comando, com a Léa, das franquias “O Boticário” nas cidades de Videira, Caçador, Fraiburgo, União da Vitória, Santa Cecília e Taió, operando ainda, com venda direta, em mais 29 municípios de Santa Catarina e do centro-sul do Paraná. Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto, nascida em Videira em 31/7/1982 e casada com Alissiano Francisco Miotto, com o qual teve os filhos Alexandre (18/7/2011) e Vinicius (19/1/2015, in memoriam). Formou-se em Ciências Contábeis pela UFSC em 2003, e em Direito, pela UNOESC, em 2009. Passou a trabalhar na Tróia em 2/3/2004, onde é sócia.

Causos Destruição do presente do pai e da mãe Pela pouca diferença de idade e de altura, o Lafaiete e eu sempre tínhamos muita afinidade nos divertimentos e nas travessuras. No Natal de 1951, ambos imploramos para nossos pais nos darem de presente uma carrocinha de madeira, com condutor e puxada por dois cavalos. Como o presente era relativamente caro, a mãe, sempre segura nos gastos, não queria nos atender. Foi o pai que aprovou a compra do brinquedo. No dia seguinte ao Natal, nós dois fomos para um terreno de propriedade do pai, bem perto de nossa casa, na esquina das avenidas XV de Novembro e Barão do Rio Branco. Chegando lá, desmontamos peça por peça o presente recebido, que não mais pôde ser consertado. Mais uma vez foi o pai que nos salvou de uma surra! Iniciativa aprovada pelo pai No ano de 1952 a cidade de Joaçaba começava nas margens do rio do Tigre (onde estava a residência de nossa família) e findava no então bairro e subdistrito do Herval. A Perpétua, o Diomário e eu frequentávamos o curso primário no Colégio Cristo Rei, no subdistrito de Herval. Todos os dias úteis, íamos de ônibus circular para a escola. Nosso embarque no circular acontecia a uma quadra de nossa casa, na esquina onde existia a Casa Pedrini, que era uma pequena loja de secos e molhados. Aguardávamos o circular, às 7:30 horas, sentados na soleira de uma das portas daquele mercado. Um determinado dia, então com quase sete anos, ao chegar na escola, verifiquei que tinha esquecido o material escolar e meu lanche na porta da Casa Pedrini. De imediato tomei uma decisão: saí correndo da escola até a Casa Pedrini, encontrei o material esquecido ainda na soleira e voltei correndo para o Herval. Com pouco menos de sete anos de idade, a pé, sozinho e por duas vezes, atravessei correndo quase toda a cidade de Joaçaba! Já em casa, no almoço, escutei as palavras preocupadas da mãe e recebi a total aprovação do pai, que sempre incentivava as iniciativas dos filhos. Enéas Jeremias de Queiroz | 159


Luiz Lafaiete de Queiroz


Nascimento, vida estudantil e profissional

S

Lafaiete e família no Natal de 1985.

endo o filho do meio entre os sete irmãos, considero-me o “baiano barriga-verde” da família: filho de pai baiano, de mãe catarinense, gerado na Bahia e nascido em Santa Catarina, em Tubarão, no dia 7 de dezembro de 1946. Como os demais irmãos, cursamos o primário e o ginásio em Joaçaba, o primeiro no Grupo Escolar Roberto Trompowsky e o segundo no Ginásio Frei Rogério. A partir daí, por falta de opção em Joaçaba, aos 15 anos de idade fiquei interno no Santo Antônio, em Blumenau, onde cursei os dois primeiros anos do científico. Destaco que para ir de Joaçaba a Blumenau, em 1962, eram dois dias de viagem, com pernoite em Lages. Acompanhando o Enéas, o qual começava sua faculdade em Curitiba, fiz o terceiro científico no Colégio Estadual do Paraná, juntamente com o Curso Dom Bosco, preparando-me para o vestibular. Influenciado pelos exemplos familiares, passei em Engenharia na Universidade Federal do Paraná, e no terceiro ano optei pelo ramo da Engenharia Elétrica, diplomando-me em 20 de dezembro de 1969. Para conhecer o funcionamento do Exército, resolvi servir no CPOR, na área de Artilharia, sendo diplomado como Segundo-Tenente da Reserva, após estágio na histórica cidade da Lapa. Meu primeiro emprego foi na Celesc, onde trabalhei em Lages, Joaçaba e novamente em Lages. Quando viajava de Lages para Florianópolis, no dia 1º/9/1973, para assumir o Departamento de Segurança no Trabalho, passei em Itajaí, e após acertos com o Eng. Roger Georges Gavrois, francês, tornei-me sócio da Engelec – Engenharia Elétrica Ltda., realizando um sonho de estudante. Recordo-me que ao telefonar para Joaçaba avisando de minha demissão da Celesc, a mamãe não quis acreditar, ficando muito preocupada. Felizmente, o destino mostrou que eu estava certo: trocando a segurança pela liberdade, minha vida foi e continua plena de realizações, nas áreas profissional e pessoal, com obras executadas praticamente em todos os municípios de Santa Catarina e em muitos estados do Brasil. Não esqueço, igualmente, na ocasião em que fui me despedir do Diretor da Celesc, Luiz Gomes (Lula), suas palavras de incentivo: “Lafaiete, se você disse que está saindo para realizar um sonho de vida, vá, pois se não tentar realizá-lo, nunca irá perdoar a si mesmo; e se um dia quiser voltar para a Celesc, estamos às suas ordens.” Resolvi mudar-me para Florianópolis em 1976, trabalhando na Instaladora Santa Rita Ltda., com o saudoso Wilson Lemos, onde dei início ao Departamento de Engenharia. Em abril de 1980, casado, com dois filhos pequenos, Sérgio com 3 anos e Gustavo com 1 ano, dei uma pausa no trabalho e acompanhei minha ex-mulher ao México, morando três meses em Guadalajara e sete meses na Cidade do México. Resolvemos nos separar no final de dezembro, ela e os filhos retornando ao Brasil, e eu fui passar uma temporada nos Estados Unidos, onde fiquei cinco meses, retornando ao Brasil em meados de junho de 1981. Ainda no México, frequentei dois trimestres em MBA, no ITAM – Instituto Tecnológico Autónomo de México. A cadeira de Marketing mudou a minha visão dos negócios, ao estudar o modo como as empresas americanas se relacionavam com os clientes. Depois do meu retorno, encontrei casualmente a Vera, minha ex-namorada, e desde então estamos vivendo juntos, felizes, principalmente com o nascimento de nosso filho Gilberto. Um parêntese: para receber os filhos pequenos após a separação, por necessidade resolvi aprender a cozinhar, sendo ajudado pelas irmãs. Fugindo à regra da família Queiroz, cozinhar continua sendo um de meus prazeres favoritos. E fico contente que a nova geração está seguindo meus passos. Profissionalmente, após uma passagem breve pela Instaladora Santa Rita, resolvi fundar a Macro Engenharia de Instalações, em 1º/11/1981, convidando para sócio o Eng. Ricardo Luiz Paludo. Foram muitos anos de trabalho, viagens, realizações e sucesso, afirmando-me como empreendedor. No ano 2000, com a saída do então sócio Eng. Julio Paupitz, resolvi encerrar as atividades. Voltei a trabalhar na Santa Rita durante o ano 2000. Depois de tirar seis meses de “descanso sabático”, em julho de 2001, convidado pelo Volnei Zapelini, e assessorado pelo nosso “guru” Enéas, fundamos duas empresas: Macro Zapelini Instalações Ltda. e Luiz Lafaiete de Queiroz | 161


Alexandre com a sobrinha Rita no condomínio do filho Lafaiete, em Canasvieiras, começo dos anos 2000.

to no Brasil como no exterior. O despertar começou nas idas para Tubarão para longas férias de verão, e principalmente na viagem que fiz a Salvador-BA na companhia do Décio Brunoni. Já formado, minhas primeiras férias foram um tour visitando 12 países da Europa. Destaco o curso “Le Management à la Nord-Americaine”, na Université Laval, em Québec-Canadá, juntamente com 33 franceses. E um curso na Alliance Française em Paris. Depois, foram inúmeras viagens pelo Brasil, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, América do Sul, Grécia, Europa, notadamente na França, com viagens de “longs séjours”. Adotei a França como meu segundo país, por sua história, arte, costumes, culinária, meu nome Lafaiete e a língua francesa, que me faz recordar da mamãe. E, “quel chance”, já viajamos com todos os irmãos, pelo menos uma vez. Nossos planos são continuar nosso périplo, até que Deus assim nos permitir, é claro, com a Vera, sempre disposta e parceira nessas ocasiões.

Filhos

Macro Zapelini Comercial Elétrica Ltda., sendo a primeira de execução de obras e a segunda uma indústria de fabricação de quadros elétricos. Conforme previamente planejado, quando completei 60 anos vendi a firma de engenharia para o Volnei e fiquei com a de quadros elétricos. Com o nome atualizado para Macro Quadros Elétricos Ltda., tenho, com satisfação, como um dos sócios o meu filho Gilberto, engenheiro de produção. Meu plano é que ao completar 70 anos passe totalmente o comando da empresa para ele e os demais sócios. Vale lembrar que, desde os 60 anos, trabalho dois dias e meio por semana, com direito a três meses de férias. Desta maneira, criei disponibilidade para a família, os amigos, a sociedade, o lazer e atividades físicas regulares.

Viagens Viagem sempre foi uma das prioridades na minha vida, tan162 | Memórias de Alexandre Queiroz

Tenho três filhos homens, Sérgio Guilherme e Gustavo Vasconcelos do casamento anterior e Gilberto Lafaiete, do atual com a Vera Lúcia. Sérgio Guilherme de Queiroz nasceu em Balneário Camboriú em 10/11/1976, empresário, divorciado, pai dedicado dos filhos Thomas e Nicolas. Gustavo Vasconcelos de Queiroz nasceu em Balneário Camboriú em 13/1/1979, empresário, administrador de empresas pela Univali, pai de nossa neta Camila, de seu relacionamento com Soledad Becerra quando era estudante intercambista na Tailândia. Gilberto Lafaiete de Queiroz nasceu em Florianópolis em 27/10/1988, empresário, engenheiro de produção pela Unisul e sócio-diretor da Macro Quadros Elétricos.

Causos Condomínio Porto Seguro - I Temos um modesto apartamento em Canasvieiras, porém confortável e localizado em belo condomínio frente ao mar, com quadra de tênis, quadra de voleibol, churrasqueiras, piscinas, salão de festas, arborizado e florido. Todas as vezes que o Papai passava o final de semana conosco, durante a temporada de verão, não cansava de dizer: - Quando estou aqui, parece que estou em “Ullywood”! Condomínio Porto Seguro – II Nossos amigos do Porto Seguro tratavam o Papai com todo o apreço. Para alegrar o ambiente, perguntavam: “Dr. Alexandre,


Lafaiete e Vera na França, maio de 2015.

pode nos repetir a sua filosofia de vida?” Faceiro, ele respondia: “Primeiro: Não guardar raiva nem ódio de ninguém. Segundo: O dinheiro é bom, mas não devemos ser avarentos. Terceiro: Fazer o bem em favor de todos. Quarto: Ter fé em algum ser superior. Quinto: Praticar um esporte qualquer. Por último: Não comer verduras!” A gargalhada era geral... Popó Quando estava conosco, o Papai foi se apegando ao nosso chihuahua Popó, o qual era seu companheiro no cochilo após o almoço. Nos seus últimos dias de vida, em casa do Diomário e Maike, a Vera resolveu levar o Popó para animá-lo. Ele ficou muito contente. Instantes depois, quando a Simone entrou no quarto, comentou: “Sabe quem esteve aqui me visitando? Foi o Popó!!!” Luiz Lafaiete de Queiroz | 163


Luiz Fernando de Queiroz


Nascimento, vida estudantil e profissional

N

Luiz Fernando e família no Natal de 1985.

asci às 20 horas do dia 13 de agosto de 1948, em Joaçaba/SC, uma sexta-feira “13” de ano bissexto, combinação que só acontece a cada 28 anos. Após um parto longo e difícil da minha mãe – fui o primeiro e único filho a nascer em Joaçaba – quase morremos eu e ela. Sobrevivi às precárias condições de assistência médica da época: na cidade mal havia um hospital, que funcionava em um casarão de madeira. Por causa do estado de saúde de mamãe, tive uma ama de leite, Dona Glória Nogara, nossa vizinha e muito amiga da família. Vivi uma infância livre, leve e solta, embora entremeada pela disciplina germânica da mamãe e pela autoridade e linha dura de papai, que nos criaram com aquela educação tradicional brasileira. Brincávamos muito, mas nos era exigida dedicação diária com os estudos. Na semana de provas, por exemplo, tínhamos que acordar às 5 horas da manhã para estudar na presença da mamãe, que nos tomava a lição. Na casa havia uma mesa grande de estudos com seis gavetas, uma para cada filho, onde guardávamos nosso material. Nunca fui o primeiro da minha turma e nunca quis ser o aluno nota 10, mas estava sempre no topo, entre os melhores. Em Joaçaba, fui o primeiro dos filhos a fazer um ano de jardim de infância, na paróquia da igreja Santa Terezinha. Posteriormente estudei no Grupo Escolar Roberto Trompowsky até o quarto ano e no Ginásio Frei Rogério, dos irmãos Maristas. Eram colégios exigentes, não davam moleza, mas a gente tirava de letra. Durante o ginásio, aprendi a tocar acordeom na Academia de Acordeon Pozza, cursei até o último ano e participei, pela formatura, de uma apresentação aberta ao público. Saí de Joaçaba com 15 anos, em 1964, para cursar o ensino médio em Curitiba, no Colégio Estadual do Paraná. Entrei por recomendação do professor Luiz Fernando Coelho, filho de Dona Amélia Lima Coelho, grande amiga da mamãe, e de quem recebi o mesmo nome em homenagem. No mesmo ano também vieram estudar em Curitiba meus irmãos Lafaiete, a fim de finalizar o terceiro ano colegial, e Enéas, iniciando o primeiro ano de faculdade. Morávamos, Lafaiete e eu, numa pensão para estudantes na rua Barão do Rio Branco, em frente ao Cine Vitória. Durante o curso secundário, estudei inglês no Centro Cultural Interamericano, primeira instituição de ensino da língua inglesa em Curitiba, e me candidatei a uma bolsa para viver nos Estados Unidos por um ano através do programa de intercâmbio do American Field Service (AFS), patrocinado pelo governo americano desde o final da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de promover a troca cultural entre jovens de todas as nações. Depois de realizadas as provas, com a concorrência de vários candidatos, fui selecionado; eu vivia com o sorriso aberto, talvez por isso tenha sido escolhido! Fui o segundo aluno do Paraná a ir para os Estados Unidos (a primeira foi Sandra Hromada e junto comigo viajou José Dionísio Rodrigues). Meus pais precisaram apenas enviar uma mesada correspondente ao que se gastaria no Brasil; os demais custos estavam cobertos pela bolsa. Viajei para os Estados Unidos no final do mês de julho de 1965 e lá completei 17 anos. Morei na cidade de Council Bluffs, Iowa, com meus pais americanos, Donald Robert Lash e Frances Marshall Lash, e cursei o ensino médio no Abraham Lincoln High School. Foi um ano marcante, em que absorvi muito da cultura americana, do seu cotidiano, da sua civilidade, dos seus valores. Em contraponto, apresentei 35 palestras sobre o Brasil, cultura brasileira, vida familiar e outras particularidades do nosso país. Era uma época em que ninguém falava português por lá – o brasileiro mais perto vivia a 80 km de distância. Em julho seguinte, todos os estudantes de intercâmbio daquele ano fomos de ônibus de Omaha a Washington, onde nos receberam nos jardins da Casa Branca. Desde 1997 esse grupo se reúne novamente, a cada dois ou três anos, em algum lugar do mundo para uma confraternização – já estamos no décimo encontro. Retornei ao Brasil com quase 18 anos. Fiz o exame de validação e fui direto cursar o terceiro ano colegial, prestando vestibular no final daquele ano. Passei em Direito, em quarto lugar, e em Jornalismo, ambos na Universidade Federal do Paraná. Em seguida, entrei no CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, não por convocação mas por alistamento, porque, após morar nos Estados Unidos, se Luiz Fernando de Queiroz | 165


Luiz Fernando e Elin em 2014.

166 | Memรณrias de Alexandre Queiroz


Luiz Fernando, a irmã Maria Tereza, o pai, e os primos baianos Didi e Francisco, em 1956.

valoriza o serviço militar. No começo tranquei o curso de Direito, no ano seguinte foi aberta uma turma noturna, “Turma Pioneira”, e pude continuar estudando – lembro que desde criança, com três anos, já dizia que seria advogado. Ao concluir a CPOR, com 19 anos, fiz uma viagem marcante pela América do Sul, com um colega de faculdade chamado José Luiz Moreira Brum. Levamos 80 dólares para 35 dias de viagem – dois dólares por dia e só! Fomos de ônibus a Florianópolis e de lá partimos na carona de um caminhão – a viagem foi toda realizada com caronas, muita pechincha, boca-livre, noites em abrigos, delegacia, casas de família! Foi um verdadeiro aprendizado para a vida. No final dos anos de 1960 não me envolvi diretamente com os movimentos estudantis – na realidade, nunca me filiei a partido político ou outras instituições –, mas cheguei a ser preso na manifestação do Centro Cívico de 1968, que reuniu 200 estudantes. Acabei ficando um dia no quartel e fui fichado pela polícia, o que me custou dez anos sem conseguir fazer passaporte, até a abertura política de 1979. Em 1969 pretendia participar do projeto Rondon, mas na hora da inscrição o responsável do programa precisava de um jornalista e me convidou para trabalhar no Diário do Paraná, do professor Carlos Danilo Costa Côrtes. Ali começou

minha vida profissional – e nunca mais parou. Eu estudava Jornalismo pela manhã, trabalhava como repórter de tarde e cursava Direito à noite. Segui neste ritmo até me formar, primeiro em Jornalismo. Durante o quinto ano de Direito, comecei estágio no escritório do Dr. José Salvador Ferreira. Em 1973, recém-formado, fui convidado para ser advogado da Imobiliária Predial Iguaçu, da família Tigges. Com essa experiência, resolvi me especializar na área de direito imobiliário, sendo um dos primeiros advogados a organizar esse ramo do direito e a pensá-lo como uma área jurídica nova. Em 1975 comecei meu próprio escritório com os sócios Lauro Laertes de Oliveira e Ilson Ney Bemben. Ainda guardo nosso cartão de visitas: “Escritório de Advocacia Imobiliária”. No início da década de 1980 principiei um novo sistema de cobrança garantida de condomínio através do “contrato de cobrança garantida de condomínio com assessoria jurídica”, contrato que foi a base do que hoje oferecem as empresas Garante e Duplique, das quais sou sócio-fundador (uma rede de 70 empresas em 12 estados). Paralelamente, em 1984 fundei o Telejuris Consultoria Jurídica, em 1989 o Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris, origem da Editora Bonijuris, em 2000 o Instituto Euclides da Luiz Fernando de Queiroz | 167


Cunha, que, com a parceria da minha irmã Maria Tereza, se volta à propagação do bom uso da língua portuguesa, e em 2001 a Associação dos Condomínios Garantidos do Brasil, instituição sem fins lucrativos. Também escrevi, desde 1997, mais de 700 colunas sobre o tema condominial e publiquei algumas obras, como a TPD-Direito Imobiliário (Sugestões Literárias/IOB), composta de 15 módulos didáticos, que alcançou a cifra de mais de 40 mil exemplares vendidos ao longo de 10 anos; o Guia do Condomínio IOB, manual sintético sobre o dia a dia do condomínio, com mais de 10 mil exemplares vendidos, e, mais recentemente, os livros Condomínio em Foco: questões do dia a dia e Dinâmica do Imóvel: à luz da lei e da prudência dos tribunais, ambos pela Editora Bonijuris. Em 2009, Elin Tallarek de Queiroz e eu tivemos a satisfação de integrar o segundo livro da coleção VOZES DO PARANÁ – retratos de paranaenses, hoje com sete volumes, na qual o seu autor, jornalista Aroldo Murá G. Haygert, vem traçando o perfil de “gente que ajuda a definir o Paraná contemporâneo de maneira particularmente saliente”, nas suas palavras. “Não se coloca todos os ovos na mesma cesta”, dizia papai, talvez por isso eu tenha sempre procurado atuar em diferentes frentes. Hoje, com 40 anos de carreira, coordeno as publicações do Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris, sou editor responsável da Editora Bonijuris e advogado sócio-fundador do escritório de advocacia Grupo Jurídico. De 15 anos para cá, também atuo no setor de agronegócio, com erva-mate em São Mateus do Sul, e fruticultura e reflorestamento de eucalipto em Cerro Azul.

Família Conheci Elin Tallarek em 9/11/1969, éramos vizinhos de prédio, um com vista para o outro. Noivamos na Páscoa de 1971, em São Bento do Sul/SC, e nos casamos em 22/1/1972, na Igreja Luterana de Curitiba, com festa organizada por nós. Foi um choque para a família de Elin vê-la casar com um brasileiro, ela vindo de uma cidade em que praticamente só se falava alemão. Elin é filha de Adolf Karl Tallarek (29/6/1908-9/9/1980), alemão prussiano da cidade de Gregersdorf bei Neidenburg, próxima de Köningsberg (atual Kaliningrado), emigrado para o Brasil em 1923, e de Luise Meyer Tallarek (15/5/1909-7/10/1945), alemã da cidade de Selbitz, próximo de Hof, na Baviera, emigrada para o Brasil em 1930. Adolf era filho de um grande proprietário de terras, Christoph August Otto Tallarek (1866-1944) e de Mine Marie Klimmek (1874-1946), irmã do fundador das Indústrias Klimmek de São Bento do Sul/SC. Luise era filha de Johann Wolfgang Meyer (1873-1930) e de Marie Johanna Meyer (1874-1943), mãe de 10 filhos. Era Elin quem bancava a casa no nosso início de vida de casados com seu trabalho como professora de inglês no Inter (Centro Cultural Brasil-Estados Unidos). Elin cursou Geografia na Universidade Federal do Paraná, mas fez carreira como professora de inglês. Nossos dois filhos, Luise e André, nasceram em Curitiba e aqui fizemos nossa vida. Ainda assim, apesar de me sentir um cidadão curitibano, sou catarinense de coração. Um cidadão curitibano, de identidade catarinense.

Filhos Luise Tallarek de Queiroz Maliska nasceu em 17/3/1974 em Curitiba. Fez intercâmbio cultural em 1991 por um ano na Alemanha. Ao voltar, prestou vestibular para Direito, passando na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e se graduando em janeiro de 1998. Em 2001 formou-se em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Paraná, mas se dedicou profissionalmente à advocacia. Em outubro de 2005 mudou-se para Florianópolis, onde mora desde então com seu marido, Clóvis Maliska Júnior. Em novembro de 2009 nasceu seu filho Augusto. André Zacarias Tallarek de Queiroz nasceu em Curitiba em 3/12/1977. O segundo nome, Zacarias, é em homenagem a Zacarias de Goes e Vasconcellos, tio-tetravô, primeiro governador da província do Paraná, que por aquela ocasião estava completando 100 anos de falecimento. André formou-se em 2001 168 | Memórias de Alexandre Queiroz


em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Também cursou três anos completos de administração de empresas na FAE. Especializou-se em contratos empresariais em 2002 pela Universidade Federal do Paraná. À época exerceu a advocacia de forma independente, com dois sócios que conheceu na especialização. Casou-se em 2 de julho de 2005 com Halline e, logo depois, passaram um ano em Toronto, onde André fez um Master of Laws (LL.M.) em direito internacional comparado. De retorno ao Brasil, finalizou o mestrado strictu sensu em direito econômico na PUC-PR, bem como oficializou sua inserção de trabalho no escritório e grupo familiar. Para melhorar seus conhecimentos de administração, que lhe eram crescentemente requisitados em suas atividades, foi com esposa e filhas em agosto de 2012 para a Califórnia fazer um MBA dedicação integral. Ficou mais um ano trabalhando em diversos lugares no sul da Flórida. De volta ao Brasil em agosto de 2014, retomou o trabalho no Grupo Jurídico. Do casamento com Halline Aparecida Digner de Queiroz advieram três filhas, Júlia, Laura e Sofia.

Causos Durante a minha infância sábado era dia de cortar o cabelo! O papai era quem cortava, dos filhos e dos vizinhos, mas o modelo era um só: raspado nas laterais e com franja em cima. Toda a piazada que morava do outro lado do rio vinha lá em casa; papai chegava a cortar o cabelo de uns 10, 15 meninos. *** Papai costumava contar muitas histórias do tio Totônio. A que mais me marcou foi a do vizinho que vivia pedindo dinheiro emprestado e que (quase) nunca devolvia. Um dia tio Totônio foi repreendido pela esposa para que parasse de ser tolo. Sua resposta foi mais ou menos assim: – Olha, D. Beatriz. Dei e vou continuar emprestando para o fulano. Por três motivos: Primeiro, porque é ele que está pedindo. Segundo, porque não sou eu que estou mendigando. Terceiro, porque EU POSSO! Tolitur quaestio.

Aniversário de 1 ano de Luiz Fernando, 1949.

Luiz Fernando de Queiroz | 169


Maria Tereza de Queiroz Piacentini


Nascimento, vida estudantil e profissional

F

azia bastante frio no despontar do dia 30 de julho de 1951, quando nasci em Tubarão. O telegrama que papai recebeu no Rio de Janeiro - DF (onde estava a trabalho) dizia: DULCE GANHOU MENINA HOJE 7,5 MANHAN PESANDO 4 100 GRAMAS PT ESTAH PASSANDO BEM PT ABRAÇOS JEREMIAS. De Blumenau, no dia seguinte, segue telegrama para Joaçaba de Enéas e Laura com “parabéns nascimento nossa nova netinha”. E quatro meses mais tarde a tia Yvonne assim se expressa: “Soube pela Thereza e Dirce que a Maria Tereza é linda, que vontade tenho de vê-la!” De 1958 a 1965 frequentei o curso primário e o ginasial no Colégio “Cristo Rei”, sempre de uniforme azul-marinho e branco, meias curtas e pernas de fora (no inverno eu tiritava de frio!). No mesmo educandário eu me formei no Normal. E também frequentei por um ano a Lakewood High School, no Colorado – fui para os Estados Unidos como intercambista do AFS e morei nos arredores de Denver com uma família maravilhosa: Dr. Roger Wotkyns (cirurgião de abdome) e esposa Jackie com seus cinco filhos: Emily, Kip, John, Jim e Bill. Em janeiro de 1970 fiz vestibular na UFSC, e nunca mais saí de Florianópolis. Formada em Letras, aqui dei aulas: inicialmente de inglês; muitos anos mais tarde, de português. Também na UFSC fiz o Mestrado em Educação (2004). Trabalhei em várias repartições estaduais, como Casa Civil, Assembleia Legislativa e Gabinete do Vice-Governador. Mas me efetivei na Fundação Catarinense de Cultura, de onde pedi aposentadoria em 1997. No ano 2000, já com dois livros publicados (até 2015 eu lançaria mais quatro livros) e sob o incentivo e patrocínio do meu irmão Luiz Fernando, comecei a me dedicar ao sítio Língua Brasil, onde se publicam as colunas Não Tropece na Língua. De lá para cá tenho trabalhado ainda como revisora, especialmente de obras traduzidas do francês e do inglês.

Casamento e família Em 1972, quando eu morava na RASS (Residência das Alunas de Serviço Social), no centro da Capital, conheci o Vi (Valmir Humberto Piacentini), frequentador do mesmo grupo de amigos que gostava de fazer música (ele toca violão). Começamos a namorar em 1973, e em julho do ano seguinte nos casamos: a cerimônia foi na igreja do Espírito Santo (praça dos Bombeiros), em cujo salão de festas recebemos os convidados com bolo, guaraná e champanhe. Na mesma noite pegamos um ônibus para Gramado/RS; na volta da lua de mel fomos para a casa da Tânia (irmã do Vi) e Emanuel, no bairro Chácara do Espanha, onde ficamos três meses até que a casinha que estávamos construindo no então quase deserto Jardim Santa Mônica ficasse pronta. Depois de 15 anos, vendemos essa pequena propriedade e construímos uma boa casa na Serrinha, bairro da Trindade, para onde nos mudamos em 1992. Em 1976 nasceu a Dulcinha; quatro anos depois, o Vítor. Quatro anos mais tarde, em 1984, surge a Fabiana em nossa vida: ela tinha 15 dias quando veio morar conosco com sua mãe, Edith Schmitt; embora tímida, Fabiana trouxe vivacidade e alegria à nossa família e às caronas ao educandário “Menino Jesus” com Perpétua ou Vi e as crianças: Vítor, Antônio e Olga. Ela tinha oito anos quando nasceu Pedro Paulo, seu irmãozinho, também bonito e louro, um menino muito alegre e expansivo. Nunca me esqueço do dia em que papai e eu resolvemos dar uma volta de carro com as crianças. Ao desembarcarmos todos, o Pedro Paulo (quase aos dois anos de idade) correu e abraçou as pernas do papai, dizendo: “Vovô lindo!”

Filhos Maria Tereza e família no Natal de 1985.

Dulce de Queiroz Piacentini nasceu em 18/4/1976 em Florianópolis. Decidiu-se por fazer Direito em cima da hora da inscrição no vestibular. Já sabia que não queria ser advogada, juíza ou promotora, mas Maria Tereza de Queiroz Piacentini | 171


Maria Tereza no lanรงamento de um dos seus livros, 2012.

172 | Memรณrias de Alexandre Queiroz


Vítor de Queiroz Piacentini nasceu em 19/4/1980 em Florianópolis. Desde pequeno estava envolto com animais e plantas, tendo decidido já por volta dos seis anos de idade que queria ser biólogo. E assim aconteceu. Sempre contando com apoio da madrinha Maike, também bióloga, graduou-se bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2003. Seguiu na vida acadêmica desde então, obtendo os títulos de mestre em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná (2006) e doutorado em Ciências Biológicas (Zoologia) pela Universidade de São Paulo (2011), além de ter realizado um pós-doutorado pelo Museu de Zoologia da USP (2014) e um segundo pós-doutorado pela Academy of Natural Sciences of Drexel University, na Filadélfia, EUA. Seu campo de pesquisa é a ornitologia.

intuía que seu caminho estava nessa área. Foi no penúltimo ano na Universidade Federal de Santa Catarina que descobriu sua paixão dentro do mundo jurídico: os direitos humanos, especialmente em seu aspecto internacional. Fez sua monografia de graduação sobre o tema e logo depois de formada passou dez meses estudando na Universidade Carlos III de Madrid, Espanha, curso em que descobriu a relação entre direitos humanos e diversidade cultural. Voltando, ministrou a disciplina de Direitos Humanos na faculdade Cesusc por um ano e depois ingressou no mestrado, cuja dissertação intitulou-se “Direitos Humanos e Interculturalismo: Análise da prática cultural da mutilação genital feminina”, que foi publicada como livro em 2008. Nesse mesmo ano conheceu seu companheiro de vida, Decarlos Furtado Menna, gaúcho, programador (TI), que à época morava na Nova Zelândia. Sem pestanejar, Dulce mudou-se para lá, onde moraram por cinco anos. Foi nesse período que começou a trabalhar como editora e revisora da Editora Bonijuris, de seu tio Luiz Fernando. Em 2012, ainda na Oceania, nasceu Caio. No ano seguinte a família voltou a morar em Florianópolis, onde nasceu Isadora em 2014. Foi em sua cidade natal que Dulce descobriu um novo propósito de vida – era hora de trabalhar pelos direitos das mulheres e crianças na prática. Assim, Dulce tornou-se doula pós-parto e consultora em aleitamento materno e segue em sua caminhada de ajudar as famílias nesse período crucial da vida.

Troca de mensagens Querido paisinho Eu estou com muitas saudades do senhor e de meus irmãozinhos. Muitos beijos e abraços da filhinha Maria Teresa (dias antes de fazer 6 anos) Meu pai é muito bom. Eu adoro ele. Tudo que eu peço ele me dá, quando pode. Se eu nascesse agora eu queria ser filha dele. Eu adoro ele! Maria Tereza (aos 8 anos) 25/8/70 P.S. Não, não me decepcionarei. Depois dos 40, dificilmente a gente se decepciona. Mas, conselho de pai, nunca se precipite quando tiver que tomar uma decisão importante. Durma primeiro e só no outro dia, depois de ouvidos os travesseiros, é que se resolva. Então, sim, vale a decisão que tomar!! Um abraço. O pai e amigo, Alexandre Sobre “o melhor que filho”, como costumava dizer, papai escreveu:

Alexandre com a filha Maria Tereza, fevereiro de 1952, Joaçaba/SC.

No noivado da Maria Tereza – 22 de dezembro de 1973 – em Fpolis, no apartamento do Diomário, com Valmir (Vi) Humberto Piacentini, acadêmico de engenharia e natural de Siderópolis, debaixo do riso de todos os presentes, aconteceu o seguinte. Ele, Vi, muito nervoso, iniciando o seu discurso para pedir a mão da Maria Tereza (foram estas, textualmente, as suas primeiras palavras): – Por isso mesmo... Maria Tereza de Queiroz Piacentini | 173


Luiz Paulo de Queiroz


Nascimento, vida estudantil e profissional

N

Luiz Paulo e família no Natal de 1985.

asci em Tubarão/SC no dia 22 de agosto de 1957, pelas mãos do Dr. Otto Frederico Feuerschuette. Após um parto complicado em Joaçaba, do Luiz Fernando, a mamãe foi ganhar os filhos (Maria Tereza e eu) em Tubarão, onde moravam meus avós, Perpétua Knabben e Manuel Jeremias. Mas fui criado e morei em Joaçaba até completar o ensino médio, em dezembro de 1975. Só ia para Tubarão nas férias de final de ano, com a família, até a grande enchente de 1974, quando a Vó Perpétua foi morar em Florianópolis. Frequentei o curso primário (até a quinta série, que na época era opcional, pois os pais achavam que eu era muito novo para ir para o ginásio!) no Grupo Escolar Roberto Trompowsky (escola pública), o ginásio no Colégio Marista Frei Rogério e o “científico” no extinto Colégio Cristo Rei, de freiras. Como o ensino médio na época era profissionalizante, saí formado como Técnico em Química, tendo inclusive feito estágio no laboratório de asfalto do antigo DNER, em Joaçaba. No primeiro semestre de 1975, fiz intercâmbio como exchange student do programa Youth for Understanding, em Traer, Iowa, USA, uma pequena cidade rural do meio-oeste norte-americano, tendo frequentado a North Tama County Community High School. Ao final, na cerimônia de encerramento do ano letivo, recebi o diploma de graduação na High School; e fui um dos poucos agraciados com um prêmio de “melhores alunos”. Prestei o vestibular para Medicina no final de 1975, tendo frequentado apenas o segundo semestre do terceiro ano do ensino médio e feito somente um mês de cursinho preparatório para o vestibular, no Curso Barriga Verde, em Florianópolis, tendo sido aprovado em oitavo lugar da classificação geral da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ganhei de presente do papai, por ter passado no vestibular, um fusca amarelo-gema, placa JC1324! Nesse mês de dezembro de 1975, pré-vestibular, fiquei hospedado na casa do Vi e da Maria Tereza, no bairro Santa Mônica, juntamente com um amigo de infância de Joaçaba, Laércio Addor de Vasconcelos, filho do Dr. Sérgio Vasconcelos e Maria Luiza. Foi o Dr. Sérgio, aliás, o grande incentivador para eu seguir a profissão médica – desde os meus 12-13 anos já assistia a cirurgias e depois o ajudava segurando os afastadores cirúrgicos. Lembro-me da primeira vez contando em casa que tinha assistido a uma cirurgia; e que tinha visto uma paciente nua! De março de 1976 a dezembro de 1981, dediquei-me ao curso de Medicina na UFSC. Durante a faculdade morei na Pensão da Dona Wilde Bértoli, na Rua Luiz Delfino, centro, até o meu casamento, em janeiro de 1981. Durante o curso acompanhei principalmente o serviço de pneumologia, talvez por influência do Dr. Alberto Chterpensque, casado com nossa prima Edna Corrêa. Mas acabei por ficar inicialmente na clínica médica e posteriormente me tornar neurologista. Na formatura ganhei a medalha de aluno com melhor Índice de Aproveitamento da turma; e também o prêmio de melhor aluno de cirurgia, apesar de nunca me dedicar a esta área da medicina. Em 1982 e 1983 fiz a residência médica em Medicina Interna, no Hospital Governador Celso Ramos (HGCR). Após a residência, no início de 1984, comecei a trabalhar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário (HU) da UFSC, e no final de 1985 também na Emergência do HU (segundo vínculo). Fui chefe do Serviço de Emergência do HU de 1989 a 1994. Também trabalhei nas UTIs do HGCR (1986 a 1989) e do Hospital de Caridade (1984 a 1993) – chegava a dar 15-17 plantões de 12 horas por mês, além de trabalhar diariamente das 8 às 20h! Cansado de dar tantos plantões e vendo a escassez de neurologistas na cidade, resolvi fazer uma nova residência, em neurologia, no HGCR em 1990 e 1991. Era residente, mas continuava trabalhando nos plantões do HU e HGCR! Fui presidente da Sociedade Catarinense de Terapia Intensiva de 1989 a 1991. Chefio o Serviço de Atendimento à Comunidade Universitária, da UFSC, desde 1996. Em 1992 comecei a trabalhar como neurologista, na Cefaloclínica, em Florianópolis, dos Drs. Luiz Carlos Coral e Luis Otávio Cavallazzi. E nesse mesmo ano, no HU, troquei a UTI pelo Serviço de Neurologia. Depois de começar a atender aos pacientes neurológicos em ambulatório ou consultório privado, observei que havia um grande número de pacientes com dor de cabeça, e nenhum neurologista da cidade se dedicava ao estudo e atendimento dos casos mais complicados. Resolvi, estimulado pelo papai e pelo Diomário, fazer um Clinical Fellowship (especialização) em cefaleia no exterior. Após pesquisar Luiz Paulo de Queiroz | 175


Luiz Paulo e famĂ­lia em dezembro de 2015.

176 | MemĂłrias de Alexandre Queiroz


uns artigos sobre cefaleia na Biblioteca do HU, escrevi para quatro especialistas dos EUA. O que primeiro me respondeu, e foi o mais simpático, foi o Dr. Alan Rapoport, do The New England Center for Headache, em Stamford, CT, USA. Aliado ao fato de a cidade ser a menor das pretendidas, e de que havia alguns parentes de neurologistas de Florianópolis que moravam lá, podendo nos auxiliar se necessário, fomos para Stamford, de agosto de 1994 a julho de 1995 – com a Célia, a Fernanda (11 anos) e a Bruna (2 anos)! Alugamos uma Town House, compramos um carro; e viajávamos pela redondeza quase todos os fins de semana! Durante esse ano escrevi meus dois primeiros artigos científicos, que foram publicados em revistas médicas internacionais. Após o retorno dos EUA, já como especialista em cefaleia, comecei a ser reconhecido como profissional referência na especialidade. Sou membro titular da Academia Brasileira de Neurologia desde 1992; membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, da Associação Americana de Cefaleia e da Sociedade Internacional de Cefaleia, todas desde 1995; membro (Corresponding Fellow) da Academia Americana de Neurologia desde 1998. Fui secretário da Sociedade Brasileira de Cefaleia de 2010 a 2012; sou membro da Comissão de Educação da Sociedade Internacional de Cefaleia desde 1999 e presidente da Comissão de Membership desta mesma entidade desde 2011. Fui presidente do XXI Congresso Brasileiro de Cefaleia, realizado em Florianópolis em setembro de 2007. Exerço a atividade de revisor de diversos periódicos de neurologia e cefaleia; e de editor associado da revista Headache desde 2013. Já publiquei cerca de 40 artigos científicos em revistas médicas, nacionais e internacionais. Tenho o título de Mestre em Ciências pela UFSC (1999 a 2001) e de Doutor em Ciências/Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (2006 a 2009). Atuo como professor colaborador da Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da UFSC; e como preceptor das Residências Médicas em Neurologia do HGCR e do HU, tendo já sido Supervisor da Residência Médica em Neurologia do HGCR, de 2005 a 2012. Atualmente, além das atividades no HU e no HGCR, sou sócio-proprietário e diretor técnico da Clínica do Cérebro desde janeiro de 2000.

Família Em 10 de janeiro de 1981, casei com Célia Márcia Pamplona de Queiroz, filha de Célio Vieira Pamplona e Elzi Dutra. Na época, eu ainda era estudante de medicina, iniciando o sexto ano (internato). A Célia tinha se formado em Pedagogia em dezembro de 1979, também recebendo a medalha de melhor

Índice de Aproveitamento da turma. E já estava trabalhando, desde o início de 1980, no Curso Elementar Menino Jesus, como professora da segunda série. Posteriormente fez especialização em Métodos e Técnicas de Ensino e em Orientação Educacional, passando para este cargo em 1986; exerceu esta função até se aposentar, em 2006. Até eu me formar, em dezembro de 1981, e nos dois anos da residência médica de Medicina Interna, em que eu recebia uma bolsa de apenas um salário mínimo, a Célia é quem sustentava a casa, auxiliada por uma mesada que eu ganhava do papai e outra mesada da Perpétua. Quando casamos, o pai da Célia construiu uma casa ao lado da deles, em Capoeiras, onde moramos até 1991. Nesse ano nos mudamos para o apartamento do Edifício Serra do Mar, na Rua Frei Caneca, Agronômica; e em 2013 para o Edifício Acqua, na mesma rua. Atualmente a Célia é voluntária da Rede Feminina de Combate ao Câncer, de Florianópolis, onde faz atendimentos semanais e é responsável pelo setor educacional, dando inúmeras palestras sobre Câncer de Mama e Câncer de Colo de Útero.

Dulce com Luiz Paulo recém-nascido, na maternidade de Tubarão, 1957.

Luiz Paulo de Queiroz | 177


Filhos

Luiz Paulo com os pais, em 1975, no aeroporto de Florianópolis, antes de embarcar para intercâmbio de seis meses nos EUA.

Temos duas filhas. Fernanda Pamplona de Queiroz Rodrigues nasceu em Florianópolis no dia 4 de fevereiro de 1983, na Maternidade Carmela Dutra, por parto cesáreo. É graduada em Psicologia pela UFSC (2006). É especialista em Neuropsicologia pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HCFMUSP (2008) e em Reabilitação Neuropsicológica

pelo Instituto Central do HCFMUSP (2009). Participou do Programa de Aprimoramento Profissional no Serviço de Reabilitação de Adultos do Centro Paulista de Neuropsicologia em 2010 e foi bolsista de pesquisa (2011) na mesma instituição, vinculada ao departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. Em 2014 foi professora e orientadora de monografias no Curso de Especialização em Neuropsicologia do Instituto Neurológico de São Paulo. Cursou a Especialização em Terapia Cognitiva Comportamental no Centro de Terapia Cognitiva Veda (2015); é neuropsicóloga do ambulatório de diagnóstico em Deficiência Intelectual da APAE de São Paulo, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do HCFMUSP e sócia-proprietária da Clínica Psicologia Integrada, em São Paulo/SP. É casada com o médico ginecologista/obstetra Regis Rigolino Rodrigues desde novembro de 2013, morando na Vila Mariana, em São Paulo/SP. Bruna Pamplona de Queiroz, solteira, natural de Florianópolis, nasceu em 26 de dezembro de 1991, também na Maternidade Carmela Dutra, por parto cesáreo. Formou-se em Direito em dezembro de 2015, já aprovada na prova da OAB. Fez estágios na Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e na Defensoria Pública da União em Santa Catarina. Estagiária no escritório Julio G. Müller Advogados desde março de 2015. É apaixonada por línguas. Fez intercâmbio durante cinco meses em Plano, Illinois, USA, em 2008, e estudou inglês em San Diego, Califórnia, em janeiro de 2015. É formada em francês pela Aliança Francesa, tendo feito aperfeiçoamento nesta língua em Paris, Amboise, França, e em Montreal, Canadá.

Causos Papai viajante Mesmo antes de se tornar comum viajar para o exterior, papai

e mamãe já iam para a Europa e EUA. As viagens para a Europa, de navio, duravam cerca de dois meses. Todos em Joaçaba achavam que o pai era rico, ao contrário do Dr. Miguel Russowsky (um dos mais ricos da cidade), que não viajava nunca. Numa dessas viagens, quando eu tinha uns 12-13 anos, passei dois meses na casa da tia Thereza, em Curitiba. Tive certa dificuldade na escola (Colégio Marista Santa Maria), pois era muito mais “puxado” que em Joaçaba. Mas tive a oportunidade de viajar com eles para Foz do Iguaçu, pela primeira vez, e andar a cavalo, na fazenda da Dona Elvira, uma conhecida do tio Arno e tia Tereza. Quando eles chegaram da viagem, fiquei uma hora inteira agarrado ao papai, sem dizer nada! Depois disso ele disse que nunca mais faria viagens longas sem mim! 178 | Memórias de Alexandre Queiroz


Célia viaja a Joaçaba A Célia só foi liberada para viajar para Joaçaba comigo depois do casamento! Naquela época, a viagem de ônibus de Florianópolis para lá durava a noite inteira. Como a Célia já tinha problemas de coluna, não queria ir de ônibus convencional; mas não tínhamos dinheiro suficiente para ir de ônibus-leito. A mamãe disse que deveríamos ir de convencional, sem problemas; mas papai disse que ele pagaria as passagens de ônibus-leito!

Infância em Joaçaba Em relação à frequência nas aulas, nossos pais eram muito rigorosos. Na grande nevasca de agosto de 1965, quando eu ia completar oito anos, fui mandado para a escola, sozinho, como sempre ia. Tinha uns 20-30 cm de neve nas ruas! Como eu não tinha sapatos especiais, os pés foram embrulhados em sacos plásticos, para não ficarem úmidos! Felizmente, logo após sair de casa, fui avisado que as aulas tinham sido suspensas! Por outro lado, eu era livre para andar pela cidade inteira, sem dizer por onde andava, só tendo que chegar no horário do almoço ou do jantar. O almoço, por sinal, nas férias e fins de semana, a maioria das vezes eu comia na casa dos amigos, principalmente do Laércio. Quando morávamos na casa, na Avenida Rio Branco, às tardes o papai ficava trabalhando no escritório da frente; e eu e meus amigos ficávamos jogando bola, andando de carrinho rolimã..., mas ele nunca reclamou do barulho! Na adolescência, também não tinha hora para chegar à noite. A mamãe só se preocupava um pouco com a bebida, mas nunca fui de exagerar. Embora alguns amigos já usassem drogas (maconha), nunca me deixei levar. Nem cigarro comum eu fumei. Lembro-me que sempre que eu chegava, às 2h ou 3h, o papai estava com a luz acesa no escritório, trabalhando. Ao contrário dos primeiros filhos, nunca levei uma surra do papai (pelo menos não me lembro!). A mamãe que era mais rigorosa. Certa vez eu estava no quarto do andar superior, e a mamãe me mandou descer para apanhar, não me lembro por quê. Ela não subia, pois já tinha dificuldades, pela artrite reumatoide. Depois de várias chamadas, finalmente eu desci. Mas quando ela me batia, com a mão, na bunda, ao invés de chorar eu ria! É que enquanto ela me chamava, eu coloquei várias calças/calções, uns sobre os outros, para amaciar as palmadas! Quando ela notou o truque, caiu na gargalhada! Eu também era protegido na divisão do frango nos almoços de domingo. O peito sempre era do papai. Mas depois, como eu também só comia o peito, ele dividia comigo! Quando havia uma votação em família, papai sabia que tinha um voto garantido - o meu! Papai otimista Quando papai vinha passar os fins de semana conosco, já morando na Casa de Repouso de Itacorubi, em Florianópolis, o que nos impressionava é que ele era sempre muito otimista, cordato, nunca reclamando de nada... E achava tudo lindo e maravilhoso! Em frente ao nosso apartamento, na Praça Celso Ramos, tinha uma pequena árvore, com flores rosadas, na qual nunca tínhamos prestado atenção. Quando ele viu aquela árvore florida, disse: - “Olha só que coisa querida!” Passamos, a partir daí, a observar a árvore de modo diferente!

Das reminiscências do pai Alexandre Luiz Paulo, depois de eu muito insistir para que ele fosse comigo ao jogo de futebol Comercial X Atlético (ele com 6 ou 7 anos), saiu-se com esta: – Papai, o senhor não diz sempre que não obriga filho nenhum a fazer qualquer coisa? Hoje eu não quero ir ao futebol... – Está bem, filho, se é esta a sua vontade, combinado; eu vou e você não vai... Eu fui, mas não fiquei até o fim!!! Luiz Paulo de Queiroz | 179



Alexandre Queiroz em mĂşltiplas facetas

(Parte III



Introdução

A

construção de uma biografia responde a um duplo movimento de expandir e recortar, em que, como organizadoras, tivemos de escolher quais arquivos comporiam a história escrita da vida de Alexandre. As suas múltiplas facetas foram reconstituídas através de suas memórias, de fotografias icônicas e da coletânea de documentos por ele mesmo guardados. Se começamos o trabalho com o resgate dos seus antepassados e prosseguimos com o relato dos filhos, finalizamos com esta terceira parte dedicada exclusivamente ao nosso biografado. Da sua vida pública e profissional impressiona a dedicação com que se envolveu em cada projeto, refletida nos feitos realizados e homenagens recebidas. Na advocacia, fundou e presidiu a subseção joaçabense da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/SC. Como membro do Lions Clube, lugar de expressão dos seus ideais, elegeu-se governador do Distrito L-10, posição de destaque que o levou, inclusive, a viajar para os Estados Unidos. Desportista comprometido, uniu sua paixão pelo xadrez com a capacidade de liderar para ser um dos maiores apoiadores dos Jogos Abertos de Santa Catarina – JASC, tendo presidido a comissão organizadora da VIII edição dos Jogos. Como cidadão enraizado em Joaçaba e consciente de que era possível fazer mais pela sociedade, elegeu-se vereador por três mandatos, recebendo, anos depois, o título de Cidadão Joaçabense. Exemplos de um homem que se permitiu viver em plenitude. Entrando no universo dos quereres, reunimos as paixões de Alexandre, das quais ele muito falou: as viagens pelo mundo, a arte de escrever, a cidade de Joaçaba, o Brasil em seus contrastes e riquezas. Com o falecimento de Dulce, em 1983, Alexandre forma novos laços, primeiramente com Yvette, quando se muda para São Paulo, e mais tarde com Hilda, no retorno para Florianópolis, onde viveu seus últimos anos. Na sua feição mais serene, Alexandre é descrito pelos netos como um avô otimista, retrato de seu prazer de estar vivo e rodeado pela família. A última parte deste livro resgata e organiza o legado que mais o representa: suas lições de vida. São dizeres, provérbios, conselhos que só poderiam vir de um homem que teve como linha de horizonte a fé na humanidade, na democracia e, em primeiro lugar, em Deus. Ao final deste intenso reconstruir biográfico, podemos desenhar um Alexandre que fala com orgulho da sua história, com carinho daqueles que amou e com alegria das aventuras da vida. De certa maneira, suas Reminiscências se completaram, é como se o próprio Alexandre fosse coautor deste livro, tanto pelas inúmeras cartas, jornais e documentos que arquivou, pelas memórias registradas em áudio, quanto pelas lições gravadas em nosso coração. São legados para além do seu tempo. Parte III | Introdução | 183



Vida pĂşblica e profissional


Promotor pĂşblico, advogado, professor


A

lexandre era promotor público na cidade de Itambé, na Bahia, quando foi a Santa Catarina buscar a esposa, que tinha acabado de dar à luz seu filho Lafaiete (Dulce fora a Tubarão para ter o parto ao lado de sua mãe). Nessa ocasião foi-lhe oferecida, por intermédio do governador Aderbal Ramos da Silva, a vaga de promotor de Joaçaba. Ao aceitar o convite, Alexandre deixa para trás o seu sonho de ser juiz na Bahia e – pelo bem da família, ou pelo amor que tinha por Dulce, como costumava dizer – vem radicar-se em Santa Catarina. Ao todo, atuou de 1947 a 1951 como promotor público de Joaçaba. Desses anos ele nos conta um evento marcante:

Tinha lá um cabo da polícia, chamado cabo Cabeça porque tinha uma cabeça grande, acima do normal. Ele, na companhia de mais quatro ou cinco soldados, matou um cidadão em Herval d’Oeste. Eles foram processados como autores do crime. Eu era o promotor e os acusei bastante. Ainda me lembro do argumento de que não era possível perdoar um cidadão cuja obrigação é manter a paz, sendo que ele tinha perturbado a paz, por isso o crime dele pra mim era pior do que qualquer outro. Assim ou assado, eles foram condenados. Quando saiu do júri, ele disse ao público que haveria de se vingar de mim. Então, meu compadre Lilico Galvão – o qual eu tinha defendido de uma acusação de assassinato, tendo ele sido absolvido – ficou 15 dias guardando a minha casa até o cabo ir embora. Um ou dois anos depois, eu estava passeando nas ruas de Florianópolis, eis que me aparece o cabo. Não me assustei. Ele veio para mim e, em vez de me agredir, agradeceu porque se alfabetizou e tinha regalia na prisão, ficou secretariando o serviço na penitenciária. Então, ele me agradeceu pela oportunidade que lhe dei de se alfabetizar e tornar-se elemento útil à própria delegacia. Décadas depois, Alexandre ainda guardava na memória outros júris de que participou:

O advogado famoso, brilhante daquela época em Joaçaba era o Dr. Brasílio Celestino de Oliveira. Houve lá dois ou três rapazes de uma mesma família que surraram um velho ancião que acabou morrendo por causa das agressões. O Dr. Brasílio defendeu essa família contra aquele crime e eu fui o promotor. Mas apesar do brilhantismo do Dr. Brasílio, eu consegui a condenação dos rapazes. Teve ainda um certo júri em que a população ficou admirada... Esse júri atravessou a noite. Eu, com medo de que alguém dos jurados fugisse – porque os jurados saíam para fazer necessidades acompanhados de um oficial de justiça, ou saíam para fazer as refeições –, fiquei a noite inteira sem ir ao mictório e sem comer para não deixar a sala a fim de evitar que houvesse algum meio de comunicação e o júri fosse anulado. Se ficasse comprovado que alguém, um advogado, tivesse conversado com os jurados, o júri seria anulado. Então fiquei a noite inteira ali sem sair. Alexandre discursando na 1ª Conferência Estadual dos Advogados de Santa Catarina, realizada em Florianópolis, abril de 1959.

Esse último júri citado seria lembrado como um dos fatos mais pitorescos de sua carreira. Ele ocorreu no dia do nascimento de seu sexto filho, Luiz Fernando, em 1948. Dr. Queiroz, como era chamado, não pôde estar presente porque o júri durou mais de 30 horas ininterruptas! Atuando também como advogado desde 1947 (inscrito na OAB com o número 0092), as causas mais comuns que Alexandre pegava eram “inventário, cobrança, alvará, coisas cíveis, simples... questões de terra”: Promotor público, advogado, professor | 187


O caso mais importante foi o do Atílio Fontana, rico, com vários advogados à sua disposição. Quando houve o processo de reconhecimento de paternidade de uma das filhas dele, todos se admiraram que, com tanto advogado à disposição, ele me procurou para essa causa. Todo mundo dizia que dessa vez eu ia ficar rico, que eu podia cobrar o que eu quisesse que ele pagaria! Se eu cobrasse um preço exorbitante, tenho certeza que ele pagaria, primeiro porque ele ficou satisfeito com o resultado, segundo que para ele não era nada. Mas quando ele me perguntou o preço, eu respondi: “Atílio, a honra de ser seu advogado é maior do que qualquer honorário”. Não cobrei nada. Como advogado, Alexandre fundou e presidiu a OAB Subseção de Joaçaba (criada em 22/12/1971), sendo também fundador e doador do acervo inicial de sua biblioteca, denominada “Dr. Brasílio Celestino de Oliveira”; organizou e presidiu a 2ª Conferência Estadual dos Advogados de Santa Catarina, realizada em Joaçaba; e atuou ainda como consultor jurídico das prefeituras de Joaçaba, Campos Novos e Catanduvas. Em 1987, advogando em São Paulo, Alexandre respondeu a um questionário enviado pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, no qual aponta ao final:

Fui juiz (pretor) e promotor público na Bahia, promotor público em Santa Catarina, advoguei, eventualmente, em diversos Estados do Brasil, especialmente na Bahia, Rio, Minas, Paraná, Santa Catarina (neste em caráter efetivo) e Rio Grande do Sul, e aos íntimos costumo dizer: “Ainda bem que vou morrer vendo um dia a Justiça funcionando”. O ano de 1988 foi bom para o causídico. Em nota à filha Maria Tereza a respeito de três vitórias suas na advocacia, ele registra:

O que eu quero salientar no presente caso é que, mesmo aqui em São Paulo, onde sou um “ilustre desconhecido”, mas com a força dos meus argumentos e boas maneiras (não ofendi nem ao juiz nem ao oficial de justiça, quando poderia ter feito), ainda recebo dessas “surpresas”, prova provada de que ainda sou “bananeira que dá cacho”. Outra importante atuação na vida profissional de Alexandre foi como professor. Começou em 1958, no Colégio Frei Rogério, em Joaçaba, onde foi titular das disciplinas de Economia Política e Português, aí lecionando até o ano de 1967. Também foi catedrático de Sociologia Geral no Colégio Cristo Rei em 1963, e de Sociologia Geral e Aplicada e de Português no Colégio Governador Celso Ramos, de 1965 a 1973. Perguntado sobre as qualidades essenciais a um professor, Alexandre responde:

Primeiro de tudo, o professor precisa ter cultura. Se não tiver cultura, os alunos tomam conta e fazem do professor boneco. Segundo, paciência. Porque não é possível que, numa turma de 20 ou 30 alunos, um aluno não converse com o outro. O professor tem que ter paciência. Terceiro, tolerância. Por exemplo, na faculdade os rapazes queriam fumar, mas eu só deixava fumar fora, no corredor. Porque eu achava que não seria prudente nem respeitoso um aluno fumar em aula. Além dessas qualidades, Alexandre revela outra característica que possuía:

Como professor do ginásio, eu era muito rigoroso. Era tão rigoroso que lá no Colégio das Irmãs de Joaçaba tinha uma turma em que os professores não queriam mais ensinar porque era muito indisciplinada. E comigo essa turma não era assim: nunca castiguei, nunca reprovei ou mandei aluno sair de sala. Um dia a Irmã diretora 188 | Memórias de Alexandre Queiroz


foi espiar para ver o que é que eu fazia para essa turma ser disciplinada comigo. Ela ficou admirada porque na hora que eu entrei, eles estavam em alvoroço, todo mundo parou, se sentou, a turma ficou quieta. Ela perguntou o que eu fazia. Eu disse “nada, só o respeito”.

Alexandre, Dulce e a filha Maria Tereza, 1952.

Alexandre também lecionou na faculdade – Fundação Universitária do Oeste Catarinense, que mais tarde, em 1995, unificou-se com outras duas fundações da região para formar a UNOESC –, tendo contribuído sobremaneira para o reconhecimento da instituição pelo Ministério da Educação, como ele mesmo conta:

Eu fui aquele que, através do Ministro da Educação, que era Dr. Lafaiete Pondé, baiano e de quem fui oficial de gabinete na Bahia, conseguiu a aprovação e reconhecimento oficial da Faculdade de Joaçaba. Com muita rapidez. Causou estranheza porque sempre levava um ou dois anos para se conseguir o reconhecimento de uma faculdade, não era fácil. Eu fui como Secretário da Faculdade para pedir o reconhecimento e quando cheguei no Ministério, o Dr. Lafaiete Pondé soube que era eu que estava esperando audiência, mandou entrar e eu disse o motivo de minha visita. Ele chamou o secretário do gabinete e disse para mandar fazer, porque o que o Alexandre estava pedindo era para ser atendido. A faculdade foi reconhecida naquele mesmo dia. Foi nessa instituição educacional, nas Faculdades de Administração, de Educação e de Estudos Sociais, que Alexandre ministrou Sociologia Geral e Aplicada e ainda Estudo de Problemas Brasileiros, nos anos de 1971 a 1982. Apesar de não ser do seu gosto, também chegou a dar aulas de Filosofia:

Para reconhecer uma faculdade no Ministério era preciso que houvesse aulas de Filosofia do Direito. Não tinha ninguém capacitado, então eu fui preencher a vaga para a faculdade poder ser reconhecida. Mas não que fosse a minha preferência ou a matéria predileta. Foi para preencher a vaga, então eu estudava mais do que os alunos! Os alunos estudavam pouco e eu estudava bastante para poder ensinar. Promotor público, advogado, professor | 189


Cartaz divulgando o trabalho de Alexandre.

Mesmo como professor universitário Alexandre era exigente, e alunos especiais ficaram-lhe na memória:

Me lembro de alguns alunos porque eu era muito rigoroso. Dificilmente um aluno tirava 10 comigo. Porque eu sempre encontrava alguns erros de português, tudo o mais... O primeiro 10 que eu dei na minha vida como professor foi para a Jacy Dalcanale. O segundo foi a um aluno que era funcionário do Banco do Brasil, o Wilson. Mais tarde foi para a aluna Dulce Demoliner. Eles ficaram famosos porque conseguiram um 10 comigo que não era fácil. Mesmo numa prova de Sociologia ou Filosofia do Direito eu era muito rigoroso: se um aluno escrevia mal ou cometia erros de português, eu assinalava de vermelho e nunca dava 10. Quando essa aluna tirou a nota máxima, todo mundo aplaudiu porque era coisa rara eu dar um 10. 190 | Memórias de Alexandre Queiroz


Outra forte lembrança dessa época eram as excursões que o mestre fazia com seus alunos:

Sempre gostei dos meus alunos, lecionava pelo prazer, não pela necessidade. Chegou um ponto em que eu dizia que gastava mais para pegar a condução para ir à faculdade do que o que eu ganhava como professor. Eu me lembro de pelo menos duas excursões com os alunos da faculdade. Uma, ainda com a Dulce, para o Rio de Janeiro. Os pais deixaram que algumas filhas fossem porque iam com o controle da Dulce, que era ponderada, tolerante, impunha respeito e os pais confiavam nela. Quando chegamos em Santos ou no Rio, alguns alunos viram pela primeira vez o mar. Teve um que gritou: “O mar! O mar!” Eles se entusiasmaram, acharam o mar uma coisa fabulosa. Foi como se estivessem vendo a casa de Deus! Nós fomos de ônibus, contratado, às minhas expensas. Os alunos pagavam as refeições. Ainda hoje, quando vou a Joaçaba, ocasionalmente tem um aluno que recorda uma dessas viagens que fez comigo. Duas vezes fomos para o Paraguai. Eu levava a turma para ver as cataratas de Foz de Iguaçu, e de lá, como é perto de Assunção, pegávamos um ônibus e íamos visitar a capital. Foram tão felizes, tão gostosas essas viagens que até hoje eu guardo Assunção como uma das cidades prediletas da minha vida. O reconhecimento de seus alunos veio, entre outras, na forma de convites expressivos: Alexandre foi Patrono da primeira turma de bacharelandos (1975), Padrinho (nome da turma) dos bacharelandos de 1977 e Paraninfo dos bacharelandos de 1980, todos da Faculdade de Administração. Seu lema junto aos pupilos era:

Alexandre Queiroz: advogado e professor, anos 1970.

“Onde estiver um aluno ou ex-aluno meu, aí estarei com ele”. Em 2006, Alexandre foi homenageado com o título de Professor Honoris Causa da UNOESC, em cerimônia realizada no dia 14 de agosto, “pelos seus relevantes serviços prestados à Instituição”. Promotor público, advogado, professor | 191


Governador do Lions Clube


A

lém de toda a atuação profissional, especialmente como advogado e professor, e de sua atenção à família, Alexandre ainda encontrava tempo para se dedicar ao Lions Clube Internacional, aspecto de sua vida do qual ele sempre falou com muito orgulho:

O Lions, para mim, ainda hoje é uma das melhores organizações universais. Não tem religião, aceita todas, inclusive os que não são religiosos, defende os princípios mais belos do universo, prega os melhores sentimentos do amor e da família, de forma que ainda hoje eu me sinto orgulhoso de ser leão. [em

entrevista no ano de 1997] O primeiro Lions Clube fundado no Brasil foi o do Rio de Janeiro, em 1953. Não se sabe exatamente quando Alexandre se filiou ao clube, mas já em 1959, no dia 15 de março, reunidos os leões no Clube 10 de Maio, na cidade de Joaçaba, “e sob grande entusiasmo, ficou definitivamente estabelecida a fundação de nosso Clube de Leões” (jornal O Urro do Leão, boletim mensal do Lions Clube de Joaçaba, de fevereiro de 1964, relembrando sua fundação), para cuja diretoria provisória Alexandre foi escolhido presidente. A fundação do clube na cidade onde residia parece ter sido apenas a primeira de muitas outras das quais Alexandre participou, como ele mesmo conta:

Me lembro bem que eu fundei o Lions de Concórdia, de Campos Novos, de Chapecó... De forma que fui um leão desbravador do oeste de Santa Catarina. Eu viajava todo fim de semana ou a cada 15 dias para pregar o Lions e fundar alguns clubes. Hoje eu sou jubilado, mas ainda pertenço ao quadro do Lions Internacional. No começo da década de 1960, Alexandre era Vice-Governador da região L-10 (hoje pertencente ao Distrito LD-08), e como tal publicava em jornais um pouco da filosofia do Lions Clube da qual ele compartilhava:

Dulce e Alexandre dançando num baile do Lions Clube, em Joaçaba, década de 1960.

Candidatou-se a Governador do Distrito em 1964 e foi eleito, conforme publicado no periódico regional O Urro do Leão: Seria desnecessário dizer aqui da satisfação do nosso Clube em ver o nome de um de seus CCLL indicado para tão elevadas funções, máxime em recaindo, essa escolha, na pessoa de um dos seus mais ativos, dedicados e ilustres CCLL, qual o CL Alexandre Muniz de Queiroz, que, assim, vê reconhecidos e, não seria Governador do Lions Clube | 193


Frente e verso do cartão de afiliado do Lions Clube, 1969.

demais dizer, recompensados os seus assíduos e assinalados esforços em prol do Lions Internacional. (...) Com tais predicados e na certeza de que, eleito, o CL Alexandre Muniz de Queiroz não somente cumprirá com seus árduos deveres e laboriosas obrigações, como também honrará e elevará o cargo de Governador do Distrito, é a razão por que, endossando a indicação dos Clubes de Joinville e Itajaí, nós, o Lions Clube de Joaçaba, igualmente temos a máxima satisfação de recomendar a todos os Clubes do L-10 o nome do CL Alexandre Muniz de Queiroz para candidato ao cargo de Governador do Distrito no próximo pleito a ser realizado em Florianópolis, pedindo para o seu nome o apoio integral e caloroso de todos os clubes do Distrito. Para tomar posse no cargo de Governador, Alexandre viajou ao país de fundação do Clube, acompanhado de sua esposa:

Os governadores eleitos “obrigatoriamente” tinham que ir aos EUA porque lá é que tomávamos posse do cargo; ela não era dada aqui no Brasil. A minha foi em Chicago. Aí nós aproveitamos e fomos ao Canadá – um dos sonhos da minha vida. Gostei tanto que eu disse que o Canadá era a antiga Inglaterra, tudo nobre, bonito, civilizado, povo culto, agradável, limpo. Naquela ocasião, eu reparei que Canadá e a Suécia eram os dois países mais civilizados e adiantados da humanidade, tal o progresso, a limpeza, a ordem e a disciplina. Voltando aos EUA: lá eu não gostei da comida. A única coisa que eu comia era macarrão. E tomava 194 | Memórias de Alexandre Queiroz

milk-shake de chocolate de manhã, no almoço e de noite. Tomei tanto que fiquei doente. Na nossa caravana brasileira existia um companheiro leão médico muito bom, então não foi preciso chamar médico norte-americano. E, com o tratamento dele e a assistência de Dulce, eu tive três ou quatro dias de febre. Depois melhorei. No ano de seu mandato, 1965, um dos seus grandes feitos foi a criação da “Comissão BR-282 Asfaltada”, da qual foi o 2° Vice-Presidente, e que perdurou por vários anos (ainda assim, somente em abril de 2008 é que o último trecho de chão batido, entre Lages e Campos Novos, foi asfaltado). A integração entre os municípios, em especial no oeste do Estado, era uma das suas prioridades. Anos depois, Alexandre foi autor do trabalho intitulado “Integração Catarinense”, premiado em 1° lugar em concurso de 1971 do Distrito L-10 do Lions Clube, do qual destacamos o trecho final:


Em traços gerais, essa é a maneira como se têm processado as constantes aglutinações das raças, as cíclicas integrações dos povos e a formação das grandes civilizações: através da cultura. Esta, porém, como vimos, se manifesta sob multiformes facetas e, no caso particular do Estado de Santa Catarina, para que cada vez mais se acelere a sua integração total, torna-se imperiosamente necessário: 1° - que se rasguem, o mais amplamente e brevemente possível, através do rádio, da televisão, do telégrafo sem fio, do telefone e especialmente das boas estradas (asfaltadas, pois que já não é mais possível falar em boas estradas que não sejam asfaltadas) – notadamente a BR-282, que corta o Estado horizontalmente, de leste a oeste, ligando os seus dois extremos mais distantes –, aquelas barreiras que secularmente impediram o seu progresso e integração, acima mencionadas; 2° - maior intercâmbio cultural entre as diversas regiões e microrregiões, através da criação de mais escolas, mais faculdades, mais jornais, mais academias e institutos de ciências e letras, mais bibliotecas, mais esportes e mais clubes de serviços; 3° - finalmente, até se conseguir aquele resultado final, mais administração (ainda que se deixando livre a iniciativa privada), em que se destaquem a implantação e o funcionamento correto de mais órgãos estatais e paraestatais – INPS, hospitais regionais, delegacias de ensino, centros de pesquisas e outros, e também unidades das Forças Armadas. Esta a maneira única e possível de se conseguir a integração desejada. Outra maneira não existe. Falamos, é verdade, em linhas gerais. Não entramos em detalhes. Estes ficam para quando se quiser pôr em prática o que acabamos de afirmar. O importante em tudo é saber o que se quer. Primeiro pensar, traçar, planejar, para depois agir. Ou, como já dizia Pitágoras, o célebre filósofo grego e de referência ao homem em si: “Escolhei um perfeito ideal de existência, que o hábito tornará

vossa vida perfeita”. Esta, enfim, a nossa convicção. E se deixamo-la aqui consignada expressamente, o fazemos com o fim precípuo e específico de colaborar com o presente concurso, em tão boa hora instituído. Todavia, lançada que ela foi, que encontre guarida! Sobretudo como governador distrital, Alexandre viajou bastante pelo Estado de Santa Catarina:

Meu meio de viagem era um carro antigo que eu tinha, um Aero Willys. Nele eu percorri todo o Estado por conta própria, porque o Lions contribuía com uma certa quantia para gasolina, etc., mas o carro era por minha conta. Praticamente, como se diz na gíria, eu gastei um carro nas minhas visitas aos municípios-núcleo do Lions em SC. Naquele tempo não tinha asfalto ainda. No oeste do estado as estradas eram terríveis. Apesar de tudo, visitei todos os clubes e marquei uma fase de progresso do Lions em SC. Alexandre era sempre acompanhado nas viagens pela esposa, Dulce:

Ela foi uma companheira 100%, não só como esposa mas também como “domadora”. As esposas dos leões eram e são chamadas de domadora. A Dulce foi uma domadora por excelência. Certa feita, eu viajei com ela para uma Convenção no Rio de Janeiro. E ela declamava poesia muito bem... Numa dessas reuniões, ela declamou tão bem, tão bem, e foi tão aplaudida por todos que um companheiro do Lions, governador do RJ, me abraçou e disse: “Queiroz, agora eu sei por que você é governador!” Quis dizer que deu a ela os méritos por eu ser governador. Eu sempre disse e ainda digo: o leão só é grande quando a domadora compartilha. Se a domadora não acompanha o entusiasmo do leão, não adianta ele ser grande porque não será nunca um leão completo. E a Dulce sempre me acompanhou, prestigiou e por isso era aplaudida por todos. Governador do Lions Clube | 195


Essa parece não ter sido a única vez que Dulce declamou em jantar do Lions Clube. O periódico Nosso Jornal, de Tubarão, de 27 de fevereiro de 1965, registrou o evento em que, talvez mais que o próprio leão, quem chamou mesmo a atenção foi a domadora: Após cumprir extenso programa de orientação em nossa cidade, o governador distrital do Lions Clube Internacional, Sr. Alexandre Muniz de Queiroz, foi festivamente recepcionado num dos salões do suntuoso Clube 7 de Julho. (...) A seguir, a domadora Dulce Fernandes, esposa do Dr. Alexandre, brindou os presentes com a declamação de uma poesia na qual ressalta o sentimento amoroso do caipira nacional. Dona Dulce, que revelou grande espírito artístico e intelectual, ao término da declamação foi demoradamente ovacionada. Ainda no mesmo artigo: Quase ao final das solenidades fez uso da palavra o Governador Alexandre Muniz de Queiroz. Durante a sua brilhante alocução, como homem de extrema dedicação à causa leonística, encareceu a necessidade de haver entrosamento perfeito entre os diversos Clubes. Apresentou um decálogo, em redação provisória, sobre o qual deverá orientar-se o Lions Clube. Dos dez pontos constantes ressaltamos aqui os seguintes: uso permanente do distintivo; maior interesse; participação ativa nos movimentos encetados pelo Lions; elaboração de orçamento próprio; desenvolver relações amistosas entre os Clubes existentes, etc. O ilustre visitante ao encerrar seu discurso agradeceu sensibilizado pela magnífica acolhida de que foi alvo. Disse que jamais se esquecerá da recepção invulgar que lhe foi dada. Em uma dessas viagens de carro pelo Estado, o casal sofreu um acidente:

Nosso destino aquela vez era a cidade de Ibirama. Saímos de Joaçaba antes de amanhecer o dia: o motorista, eu, Dulce e dona Antonieta Hüttner (que viajava conosco para visitar um filho seu naquela cidade). A estrada não era asfaltada, muita lama, chovendo, ele derrapou e entrou por baixo de um caminhão. Antes, no carro, a Dulce estava sentada atrás. Mas ela se sentiu enjoada e pediu para sentar no banco da frente. Coitada... Parece que foi desígnio de Deus, me livrou do acidente e ela foi sacrificada. Bateu com a testa no vidro e o braço direito também. Ela ficou bastante tempo na beira da estrada, sangrando, até chegar o socorro... Daí foi recolhida ao hospital, junto com dona Antonieta, que havia quebrado ou desloca196 | Memórias de Alexandre Queiroz

do um braço. Nem precisa dizer, Dulce foi muito bem tratada, sem gastar um tostão. Acho que foi o Lions que pagou. Por isso também ainda hoje eu sou um fã propugnador do Lions. Terminado o mandato de governador distrital, ainda atuou como Conselheiro Internacional da instituição. No periódico Na Pele de Leão (abril/1972), publicou coluna com o título “Servir e ser feliz”, na qual, após filosofar sobre o que faz o ser humano ser bom e o que o corrompe, ele assevera:

Todavia, mesmo nesse mundo competitivo, será possível a boa vivência e continuar o homem, individualmente, a ser bom. São muitas as maneiras de se conseguir e infinitos os tratados, inclusive religiosos, que ensinam como fazê-lo. Nós, ainda com a lição da nossa própria experiência, resumiríamos tudo num preceito, de ordem pragmática, mas nem por isso de menor valor: levar a vida “desportivamente”, ou, como afirmaria sabiamente Alfred Adler, o imortal discípulo de Sigmund Freud, “viver como as crianças”, pois o mundo não passa de uma grande ilusão e somente nela poderemos encontrar a felicidade. Não obstante, enquanto assim não se consiga fazer, não se possa fazer, ou não se queira fazer, temos, no Lions Internacional, uma orientação – também de sentido prático, mas construtiva e de elevado preceito moral – digna de ser seguida e comprovadamente verdadeira: ninguém será feliz se antes não aprender a SERVIR! Nela, pois, a nossa mensagem. Só servindo é que seremos felizes. Sendo feliz, o homem se tornará bom. Sem concorrência, com concorrência e apesar da concorrência. Observem, comprovem, pratiquem e se convencerão!!! E Alexandre fazia na prática o que defendia na teoria. No jornal O Município de Brusque/SC, de 11/9/1987, sob o título “Coisa de leão”, conta-se de um advogado brusquense que quase se vê em maus lençóis por não ter tido conhecimento de uma cobrança relativa a um processo judicial seu. A nota termina dizendo que Alexandre, “sem ao menos conhecer pessoalmente o advogado, resolveu, num gesto típico de Leão de


‘quatro costados’, satisfazer o débito pendente, evitando desta forma sérios prejuízos para a causa de nosso conterrâneo. Exemplos como este nos convencem, cada vez mais, que ser Leão é servir desinteressadamente.” Em 1989, muito decepcionado com o país de origem do Lions Clube, Alexandre redigiu umas linhas pedindo seu desligamento da organização. Nunca chegou a entregar a carta – que escreveu “num arroubo de indignação”, como disse – pois após dormir uma noite tranquila resolveu não o fazer “em amor aos três filhos ‘norte-americanos’: Luiz Fernando, Maria Tereza e Luiz Paulo”, que tinham vivido um período nos EUA quando adolescentes. Como a carta revela muito do lado humanista de Alexandre, resolvemos publicá-la aqui:

No momento em que, entre entristecido, surpreso, inconformado e desolado, vejo a mais poderosa nação do mundo atual, que se arvora líder da democracia, quebrar, acintosa, desabrida e irreverentemente os mais lídimos e sacrossantos princípios de liberdade e autodeterminação dos povos, em frontal, brutal e inconcebível desrespeito a tudo quanto altruisticamente estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, invadindo impiedosamente, inclusive com o sacrifício de vidas inocentes, um pequeno país, que ela mesma ajudou a criar, para fazer prevalecer, pela força e superioridade em armas, o que ela, prepotente, orgulhosa e equivocadamente julga ser seu direito, sem respeitar, pois, como lhe cumpria fazer, os direitos dos outros, inclusive o de “asilo”, tão humana e superiormente reconhecido por todos os países pan-americanos, não posso, em sã consciência, continuar a pertencer a uma instituição que, qual o nosso Lions, é umbilicalmente dependente daquela nação, a qual, com profundo pesar o digo, passou a ser, com o atual governo que a preside, indigna do meu respeito e admiração, em que sempre a tive. Ante o que, mui pesarosamente, requeiro ao prezado e digno CL Presidente, daquele que ajudei a fundar, minha irrevogável demissão dos seus quadros sociais, quites que estou com a sua Tesouraria. (...)

Com as minhas cordiais saudações, extensivas a todos os diletos CCLL e digníssimas domadoras, mui respeitosa e leonisticamente – infelizmente pela última vez –, CL Alexandre Muniz de Queiroz, Conselheiro Internacional e Sócio Privilegiado. SP, 30/12/89 Os Estados Unidos tinham invadido o Panamá no dia 20 de dezembro de 1989. Alexandre chegou a anotar que talvez um dia se arrependesse de não mandar a carta, mas como sempre o escutamos falar do clube com orgulho, mesmo depois de sua indignação, imagina-se que esse arrependimento nunca tenha acontecido. Marcaram-lhe, isso sim, os grandes feitos realizados e aprendidos. Alexandre terminou a entrevista sobre o Lions Clube fazendo uma afirmação a respeito da qual não há a menor dúvida: “Eu fui um bom leão!”

Alexandre e Dulce na XXI Convenção Nacional dos Lions Clubes do Brasil, Balneário Camboriú, 1974.

Governador do Lions Clube | 197


Xadrez e Jogos Abertos de Santa Catarina – JASC


E

m 1989, pouco antes da publicação de seu livro sobre a realização dos Jogos Abertos de Santa Catarina de 1960 a 1985, Alexandre escreve: “Já

ultrapassados os 70 anos de idade, casado duas vezes, pai de sete filhos, avô de 19 netos [à época; são 20 os netos], 48 anos de profissão, bem vivido portanto, não tenho hesitação em afirmar que, das melhores recordações que levarei da vida, muitas delas, sem dúvida, terão sido ligadas ao Xadrez”.

A deduzir-se dos documentos que temos, o xadrez passou a fazer parte da vida de Alexandre quando ele e a família vieram morar em Joaçaba. Desde então, praticava seu “esporte predileto” quase diariamente. Jogava com amigos, participava de campeonatos, ajudava quando requisitado na fundação de clubes de xadrez, era sócio do CXEB – Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro, existente até hoje; mais tarde jogava com alguns netos, e mesmo nos seus últimos anos de vida seus filhos providenciaram para que semanalmente passasse algumas horas entre peões, bispos, reis e rainhas. Até hoje foi o atleta que mais participou dos Jogos Abertos de Santa Catarina, sempre na equipe de xadrez (alguns anos também como técnico), tendo conquistado nove premiações. Não à toa Alexandre desponta em Santa Catarina como o notável enxadrista que foi. Alexandre foi um dos fundadores do Clube de Xadrez de Joaçaba, no dia 10 de maio de 1953, inicialmente nos cargos de 1º vice-presidente e orador. Em 16 de agosto do mesmo ano, esteve presente na criação da Federação Catarinense de Xadrez representando o clube de sua cidade. Foi presidente do Clube de Xadrez por mais de trinta anos, desde 1955 até 1989. Ainda em 1953, o grande mestre internacional Svetozar Gligoric, da Iugoslávia, um dos maiores nomes do xadrez mundial, foi a Curitiba “dirigir uma simultânea de 41 tabuleiros”. Alexandre foi o único a vencê-lo, com o que teve destaque no jornal O Estado, de Florianópolis, o “talentoso enxadrista de Joaçaba, que logrou vencer, em estilo vigoroso, ao grande mestre europeu, o qual, em análises posteriores, considerou essa partida a mais bela da noite, tecendo os maiores elogios ao seu adversário” (15/8/53). E continua o artigo: De fato, a partida é surpreendente pela força e sangue-frio com que a conduziu o Dr. Queiroz, aproveitando-se de maneira exemplar do domínio do centro e tirando partido da fome de peões do mestre Gligoric. Com a desvantagem de dois peões, consegue o Dr. Queiroz, entretanto, uma posição superior, que lhe dá o domínio da partida. Dois anos depois, como presidente do Clube de Xadrez de Joaçaba, Alexandre listou o que considera necessário para jogar bem: - Máxima atenção! - Pensar desde o primeiro lance (bastante nos primeiros lances, mais ainda no meio

do jogo e ainda mais no final!). - Aproveitar as mínimas vantagens de lance em lance (pensar nas situações difíceis e mais ainda nas favoráveis para liquidar o adversário o quanto antes). - Jogar para empatar, ou seja: Não ceder a mínima vantagem e, logo que o adversário ceder, aproveitar para ganhar (desconfie quando o adversário “oferece” muita vantagem; só aceitá-la depois de examinar bem a situação. Onde parece “bom”, aí está o “mal”...). - Não desprezar, nunca, o adversário. - Arrematar, isto é, saber concluir a vitória, finalizar, sem piedade do adversário. Alexandre jogando xadrez, década de 1950.

Em 10 de outubro de 1958, representando o Clube de Xadrez de Joaçaba, participou da Assembleia da Federação Catarinense de Xadrez que aprovou seu Estatuto Social.

Xadrez e JASC | 199


200 | Parte II | A Nova FamĂ­lia


Em 11 de junho de 1962, já contando com certa experiência no xadrez e estando os III JASC a ponto de começar, Queiroz escreveu o Decálogo do Bom Enxadrista: - Como o bom filósofo: faz livremente o que os outros fazem obrigados pela lei. - Quando perde, cumprimenta o vencedor; quando ganha, guarda as peças (quando

for o caso). - Não perturba o adversário com gestos impróprios. - Não volta lance; para ele é sagrado o princípio “pedra tocada, pedra jogada”. - É leal no jogo e com o adversário. - Pratica o xadrez como esporte e não como “jogo”. - Gosta de ganhar, mas também sabe perder; para ele vale o lema de Cubertin: “O importante é disputar”. - Mas não só disputa, como procura cada vez mais se aperfeiçoar, estudando e participando de torneios. - Procura não só o seu aperfeiçoamento, mas também o de todos. - Procura difundir, quanto possível, o xadrez, que é a arte sublime e o jogo dos nobres! A importância de Alexandre para os Jogos Abertos de Santa Catarina se mede não apenas pelo fato de ter sido o desportista que mais participou dos JASC (em 1989, era o único que tinha tomado parte em todas as edições), mas também por ter sido presidente da Comissão Central Organizadora dos VIII JASC, realizados em Joaçaba no ano do cinquentenário da cidade, bem como presidente da delegação de Joaçaba nos II JASC (Florianópolis), III (Blumenau), IV (Joinville), V (Porto União), VI (Brusque) e VII JASC (Lages). Como um dos maiores apoiadores dos Jogos Abertos, ele estimulava a participação de seus filhos: Diomário jogou tênis de mesa nos I JASC; Enéas Jeremias foi da equipe de xadrez de Joaçaba nos VII, VIII e IX JASC, de Mafra nos X e XI JASC e de Itajaí nos XV JASC; Lafaiete participou no tênis de mesa em Lages (1966), Joaçaba (1967), Mafra (1968), quando se sagrou campeão, Rio do Sul (1971) e Itajaí (1972); Luiz Fernando participou de uma prova de atletismo em 1968; Maria Tereza jogou tênis de campo em Lages (1966) e fez parte da equipe de natação de Joaçaba, na categoria nado de costas, em 1967. Em Joinville, nos IV Jogos Abertos (1963), nem o caçula, embora ainda muito pequeno, escapou de participar:

No desfile, o então menino, hoje médico, Luiz Paulo de Queiroz, meu filho, desfilou como “mascote”, portando um cartaz que dizia: EU SOU O AMANHÃ. Só que ele mesmo, embora muito afeiçoado ao esporte, não se tornou um grande atleta...

Alexandre (centro) no Clube de Xadrez de Curitiba, década de 1950, acompanhado, entre outros, do joaçabense Miguel Russowsky (primeiro à direita).

Nos XV JASC, realizados em Criciúma, o jornal O Estado de 22/10/1974 publicou nota sob o título “Favoritismo da Capital x Tradição de Joaçaba”, em que consignou: O mais surpreendente foi a derrota do campeão catarinense, Edson Marques, de Florianópolis, para Alexandre Queiroz, de Joaçaba. Foi uma partida empolgante. Todos os espectadores consideraram a mais brilhante, realizada até o presente momento, no Criciúma Clube, local permanente para essa modalidade. Em meio ao silêncio, Alexandre Queiroz não se perturbou com o título ostentado pelo adversário e com muita calma chegou à vitória difícil. Quem torcia surpreendeu-se com esse resultado, pois era uma partida difícil para Alexandre. Em 1990, Alexandre lançou a obra “25 ANOS DE JASC (1960 - 1985): Joaçaba sempre presente”, na qual compila informações históricas sobre a criação dos Jogos Abertos de Santa Catarina e sobre cada uma das suas 25 primeiras edições, além de fotos, artigos de jornais e curiosidades. O livro-álbum foi escrito sobretudo no ano de 1985, efetivamente terminado em 1988 e lançado dois anos depois. Em carta datada de 15 de dezembro de 1988 à sua filha mais nova, Alexandre assinala:

Xadrez e JASC | 201


MARIA TEREZA, chérie; Lembra-se da frase de Juscelino “O otimista pode errar, mas o pessimista já começa errando”? Pois, você também vai ler, numa das crônicas do Fernando Sabino, que lhe estou remetendo, o seguinte trecho: “Mas, como dizia meu pai, tudo no fim dá certo (e se não deu é porque ainda não chegou ao fim)”... Quinta-feira última, dia 8, um dia depois do aniversário do Lafaiete, finalmente datilografei a última página do Álbum... Só agora? perguntarão. Pois é; mas o que é que se vai fazer? Agora, todavia, como se tivessem tirado um enorme peso das minhas costas, sinto-me aliviado, feliz e realizado, ainda que ele não esteja totalmente concluído, pois ainda falta revisá-lo, imprimir, etc., mas, como

diria Dante Alighieri ao avistar Nápoles, “agora já posso morrer”... feliz e aliviado, enfim, porque agora vou ter uma visão global do Álbum e assim melhor poderei avaliar do seu mérito ou não. E, com a revisão geral que pretendo fazer, muitas pequeninas falhas, erros, senões e equívocos poderão ser corrigidos ainda, expurgando-o do supérfluo, do desnecessário, redundante e repetitivo, ou acrescer do que estiver faltando, o que somente agora, com a visão geral que dele vou ter, poderei fazer a contento, deixando-o enfim no ponto que sempre desejei vê-lo, isto é, quando não “perfeito” – o que é impossível de se conseguir, como já dizia nosso ancestral Eça de Queirós – pelo menos “o melhor possível”. Reportagem sobre o livroálbum dos JASC publicada no Jornal de Santa Catarina em setembro de 1990.

202 | Memórias de Alexandre Queiroz


Em 6 de dezembro de 1994, o Conselho Estadual de Desportos outorgou a Alexandre Queiroz a Comenda do Mérito Desportivo, “pelos relevantes serviços prestados ao Desporto Catarinense”. Enfim, a estreita relação de Alexandre com o xadrez marcou seus filhos, netos e a sociedade em geral, como bem expressou Diomário: Papai estudava os livros de xadrez e as partidas dos campeões. Assim tornou-se também campeão em várias modalidades, xadrez relâmpago, xadrez por correspondência e em categorias brasileiras de mais idade. Até ao final da vida praticou este esporte, o que ajuda a explicar sua lucidez mental, uma de suas impressionantes características pessoais. Papai foi um advogado, um político e um professor ilustre. Mas, como ele mesmo dizia, era sobretudo popular e reconhecido como campeão de xadrez.

Participação do pai nos Jogos Abertos de Santa Catarina Por Enéas Jeremias de Queiroz O pai teve grande participação nos Jogos Abertos de Santa Catarina, quer como jogador, quer como dirigente e organizador. Tudo começou nos Jogos Abertos do Interior, de São Paulo, do ano de 1956, realizados na cidade de Bauru, quando deles participou a equipe de Xadrez de Joaçaba e ainda atletas de outras modalidades de alguns municípios catarinenses. Os dirigentes das equipes de Santa Catarina, dentre os quais estavam Arthur Schlösser e o pai, gostaram do que viram, encheram-se de entusiasmo e decidiram criar os Jogos Abertos de Santa Catarina (JASC). Foi então escolhida uma Comissão para organizar os Jogos Abertos de Santa Catarina, comandada pelo empresário brusquense Arthur Schlösser, e da qual o pai participou ativamente por muitos anos. Arthur Schlösser fez-se presente aos Jogos Abertos do Interior dos anos de 1957, 1958 e 1959, realizados respectivamente nas cidades de São Carlos, Piracicaba e Santo André, para colher subsídios necessários à criação dos JASC. Os primeiros Jogos Abertos de Santa Catarina, fruto do trabalho da Comissão presidida por Arthur Schlösser, aconteceram na cidade de Brusque, nos dias 7 a 12 de agosto de 1960. Como dirigente, o pai presidiu a Comissão Central Organizadora dos Jogos Abertos de Santa Catarina do ano de 1967, realizados em Joaçaba. Como desportista, dentre todas as modalidades, o pai foi o atleta que mais participou dos Jogos Abertos de Santa Catarina. Ele esteve presente e atuante em todos os primeiros vinte

O enxadrista Alexandre Queiroz, década de 1970.

e nove Jogos: do inaugural em Brusque no ano de 1960, até o 29º, em Joaçaba, ocorrido em 1989 (devido às enchentes que assolaram o Estado de Santa Catarina, em 1983 os JASC não foram realizados). Nos dez primeiros anos dos JASC, a equipe de xadrez de Joaçaba era quase imbatível, constituída por enxadristas da qualidade de Miguel Russowsky, João Batista Ribeiro Neto, Silvio Dobrowolski, Alexandre Muniz de Queiroz e Flávio de Carli.

O pai entregou o jogo Dentre os irmãos, fui o único que acompanhou o pai no jogo de xadrez. Fiz parte da equipe de xadrez de Joaçaba nos Jogos Abertos de Lages (1966), Joaçaba (1967) e Mafra (1968), sendo campeão nos JASC realizados nas duas primeiras cidades. Integrei a equipe do município de Mafra nos Jogos Abertos de Joinville (1969) e Concórdia (1970). E participei dos Jogos Abertos de Criciúma (1974) pela equipe de Itajaí. Participei uma única vez do Campeonato Catarinense de Xadrez, no ano de 1967, quando a disputa foi realizada em Joaçaba. O pai participou de muitos campeonatos, sendo que, até então, o 4º lugar tinha sido sua melhor classificação. O campeonato de 1967 foi ganho pelo florianopolitano Martim Afonso de Haro, ficando o joaçabense Miguel Russowsky na segunda colocação. Na última rodada, joguei contra o pai, que precisava de um simples empate para ser o terceiro colocado. A partida, em seu final, caminhava para um empate. Então, o pai “cochilou” em uma jogada, não fazendo o melhor lance. Com isto, consegui vencer o jogo e acabei o campeonato em terceiro lugar. O pai ficou na quarta posição. No dia seguinte ao término do campeonato, fiquei em dúvida se o “cochilo” do pai havia sido intencional ou não. Tempos após e até hoje, sem falar sobre o assunto com o pai, passei a ter certeza de que ele “cochilou” de propósito, para beneficiar o seu filho. Xadrez e JASC | 203


Carreira polĂ­tica


A

preocupação com o desenvolvimento da comunidade e com o progresso da região em que vivia levou Alexandre a candidatar-se a vereador, pelo Partido Social Democrático – PSD, nas eleições de 1958. Eleito, obteve êxito também nas eleições posteriores – 1962 e 1966, esta última pelo partido Arena –, exercendo portanto três mandatos seguidos, até 31 de janeiro de 1970. Muitas memórias dessa época marcaram o vereador:

As campanhas eram violentas. A UDN e o PSD se entrelaçavam. As pessoas eram inimigas pessoais. Quem era da UDN era inimigo dos do PSD e vice-versa. Eu fui vereador três vezes. Os meus adversários se perguntavam como eu tinha tanto prestígio assim. Certo dia, um vereador da UDN me viu sair do Colégio dos Irmãos Maristas, onde eu tinha ido tratar de outros assuntos (os meus filhos homens estudaram lá). Aí ele me disse: “Agora eu sei onde o senhor consegue os seus votos!”, pensando que a Igreja votava em mim. De fato, uma parte dela votava em mim porque eu sempre prestigiei a Igreja Católica. Não era um religioso fanático, não frequentava a missa diariamente, só aos domingos para acompanhar a Dulce. Mas os Irmãos Maristas me apoiavam. Dulce, por amor ao marido, participava como podia nas campanhas:

A Dulce foi uma surpresa porque ela, que não se metia em política, até saiu comigo para fazer campanha, distribuir cédulas. Dos comícios ela não participava. Os comícios eram populares, em praça pública se reunia um grupo de manifestantes e falavam. Eu nunca fui um bom orador. O bom orador era Nelson Pedrini: primoroso, espontâneo, nato. Então, eu sempre falava primeiro e depois deixava o Nelson, porque ele arrebatava a plateia. Eu dava conta do meu serviço, desempenhava o meu papel, mas sem ser orador nato. A propósito, mesmo não se considerando um orador nato, Alexandre já fazia discursos desde a época da faculdade, quando começou verdadeiramente seu envolvimento com a política. Registrou ele próprio a sua estreia, ocorrida em 16 de outubro de 1937:

Hoje, sábado, às 5 horas da tarde, a pedido de Joaquim, no intervalo de duas horas, no Pelourinho (Baixa do Sapateiro), falei, de improviso (i.e., sem ler), num comício popular, de acadêmicos, em prol da candidatura de José Américo de Almeida, promovido pelo “PSD Universitário da Bahia”, do qual faço parte. É de se notar que estamos em “estado de guerra” e que eu já o tenha (José), bem como ao sr. Armando de Salles como “gato morto”... Falei de 20 a 25 minutos de relógio. Fui eu que abri o comício, i.e., o primeiro que falou. Tive “clacs” [claques]: por isso, mesmo não agradando (o que não suponho), tive palmas! Joaquim gostou. José, que também assistiu, gostou... Dante Garleoggine também... Foi, como se sabe, o primeiro discurso de improviso, bem como o primeiro feito em comício. São coisas da política... De volta à década de 1960, as campanhas incluíam eventuais programas no rádio:

De vez em quando eu falava no programa do PSD. Não diariamente. Eu falava ocasionalmente para me defender da futrica e campanhas políticas dos adversários. Propaganda política, 1982.

Sobre seus adversários políticos, Alexandre relata uma curiosidade:

Carreira política | 205


Tinha o Albino Sganzerla, que era figura proeminente da UDN. Eu era o presidente do PSD. Uma das duas rádios era de propriedade dele... e todo dia ele fazia programa político me criticando. Quando eu tinha prometido fazer o campo de futebol que até eu ser eleito não tinha sido construído, ele fazia programas assim: “...a bola foi, foi, foi e correu no campo de futebol”! Apesar disso, eu o admirava e estimava. Praticamente todas as tardes, ao passar pela sua loja de automóveis, eu tomava um cafezinho com ele. Mas um dia fiz uma crítica que correu a cidade toda e até o Dr. Miguel, que era um dos espíritos elevados, culto, inteligente, me elogiou por essa minha brincadeira. Porque uma das farmácias locais pôs em exposição duas serpentes cascavel. Eu estava olhando a cena quando chegou o Sganzerla e nós ficamos apreciando as cobras. No dia seguinte, elas morreram. Eu disse na rádio brincando que tinha sido o veneno do Sganzerla! Apesar disso, nós sempre fomos bons amigos. Vereador atuante, Queiroz apresentou vários projetos de lei que mudaram o destino de Joaçaba e outros municípios da região: foi autor do projeto de lei (PL) que criou o município de Irani, em 1963, antes pertencente a Joaçaba; do PL que criou o Distrito de Vargem Bonita, em 1963, anexado ao município de Catanduvas; do PL que fez doação à Sociedade Musical de Papuan, hoje em Treze Tílias; foi criador do codinome “Flor do Vale” dado ao município de Capinzal; autor do PL que doou ao Ginásio Gratuito Joaçabense, posteriormente CNEC (Colégio Cenecista), a área de terras em que está construído; do PL que liberou, pura e simplesmente, o terreno até então doado sob gravame à Congregação dos Irmãos Maristas, onde foi edificado o Ginásio Frei Rogério; do PL proibindo que qualquer funcionário público municipal percebesse menos que o salário mínimo; foi autor da indicação que recomendou a grafia correta do nome da cidade como sendo Joaçaba, e não Juaçaba; e autor ainda da emenda legislativa que mandou constar do emblema oficial de Joaçaba a constelação do Cruzeiro do Sul, em homenagem à tradição histórica do município, que já tinha se chamado “Cruzeiro do Sul”. Sua carreira política é permeada de diversas posições de liderança: foi presidente do diretório do PSD de Joaçaba, líder da bancada do PSD e presidente da Câmara de Vereadores, além de 2° vice-presidente do Partido Popular – PP em Santa Catarina, ao qual se filiou depois, tendo organizado os diretórios municipais do PP em pelo menos uma dúzia de cidades do Oeste catarinense. Em 1982, Alexandre foi candidato a deputado estadual pelo PMDB, mas não se elegeu. Explicou sua derrota como tendo sido um erro político:

Propaganda da candidatura de Alexandre em 1958 (acima), 1962 (centro) e 1982 (à esquerda).

Não diria que me arrependi, mas foi um erro grave. Porque se eu tivesse continuado no meu partido, tenho certeza absoluta que eu teria sido eleito. Eu era muito estimado na região, mas mudei de partido. Na expressão forte da palavra, traí o partido. Me sinto traidor, porque foi de repente que eu me tornei candidato do PMDB; eu tinha lutado 40 anos contra eles, né? Daí, eu não tive apoio. E o PMDB tinha dois candidatos a deputado estadual pela mesma


cidade. Se não tivesse o outro candidato, eu ainda receberia uma votação partidária, digamos assim. Mas eram dois candidatos, um tradicional, radialista, e eu, que era novo no partido. Em carta de 1986 à filha Perpétua, Alexandre esclarece:

Não é, pois, de guardar mágoa de quem quer que seja, mas devo, muito despretensiosamente, reconhecer que fui o único errado, quando, por amizade a terceiros (talvez não merecida) e em nome de um falso partidarismo – que não merecia tal desprendimento de nossa parte – fraquejamos e abrimos mão do nosso propósito inicial de não aderirmos à famigerada fusão do PP ao PMDB, partido que sempre combati. Mas... “errar é humano”, por isso me penitencio do meu erro – não o de ter sido candidato, mas de não ter lutado até o fim e, quando vencido, aceitar a derrota mas não aceitar a fusão, totalmente “criminosa” e contra meus princípios ideológicos. Reconhecido, enfim, como fica, por mim próprio, o meu erro, vivo hoje bem. Alexandre obteve, nessas eleições, um total de 7.374 votos. O filho Diomário, que contribuiu fortemente na campanha, apresenta os detalhes: Desse total, mais da metade foi conseguida pelo Enéas em Videira, onde Queiroz foi o candidato mais votado, com 2.850 votos, e nos municípios da região, Fraiburgo, Tangará entre outros. Em Florianópolis, capital, ele obteve 803 votos, sendo o 5° mais bem votado do PMDB. Obteve também expressiva votação nos municípios próximos, onde fizemos campanha para ele: São José, Palhoça, Antônio Carlos, Alfredo Wagner e outros. Também teve uma boa votação espalhada em muitos outros municípios, onde era bem conhecido como advogado e sobretudo como enxadrista. Falhou, no entanto, em sua base eleitoral, Joaçaba e região, onde fez inexpressiva votação, rejeitado pelo próprio PMDB, pois o candidato local do partido era Iraí Zílio, radialista muito popular, e papai vinha do PP de Tancredo Neves... Seu maior ídolo político era Getúlio Vargas. Alexandre nunca esqueceu a maneira como soube da sua morte e o que sentiu:

do suicídio dele. Eu era fã, nunca me decepcionei com ele. Fui fiel a ele até a sua morte. E acho que ele foi um injustiçado, como todos os homens grandes são injustiçados. Até Cristo não escapou de ser crucificado. Getúlio foi vítima das intrigas políticas dos seus adversários, que eram muitos. Ele terminou se suicidando. Eu caí numa crise de choro daquelas que eu tive algumas vezes na vida. Chorei alto, os vizinhos não sabiam o que tinha acontecido comigo. O Brasil inteiro chorou naquele dia. Porque foi um gesto inesperado, ninguém supunha que ele fosse fazer aquilo. Ele era muito estimado pelo povo. O povo era mais amante dele do que os políticos. E eu o apreciava muito, gostava do seu governo. O filho Diomário testemunhou a crise de choro: Em 1954, aos 10 anos, pela primeira vez vi papai chorar em altos prantos. Eu voltava da escola feliz porque tinham suspendido as aulas pela morte do Presidente da República, quando, ao adentrar a casa, vi papai debruçado sobre o rádio, chorando muitíssimo, inconformado com o suicídio de seu ídolo Getúlio Vargas! Numa época em que vereadores não tinham remuneração, Alexandre foi na política como era na vida: apaixonado, dedicado e sobretudo altruísta – pensava sempre no bem da comunidade, da cidade, da região.

Cartão de propaganda da candidatura a deputado estadual, 1982.

Foi o seguinte: naquele tempo não tinha televisão, só rádio. Eu escutava rádio todo dia e quando eu fui para casa almoçar, deram a notícia Carreira política | 207


Curriculum) vitae

208 | Memรณrias de Alexandre Queiroz


Curriculum vitae | 209


210 | Memรณrias de Alexandre Queiroz


Curriculum vitae | 211



PĂĄginas do passaporte expedido em maio de 1969.

Suas outras paixĂľes


Joaรงaba, Brasil e o mundo


U

ma das paixões mais marcantes de Alexandre, daquelas que perduraram por toda a sua vida, era viajar. Talvez isso se explique – se é que é necessária alguma explicação – pelo fato de, como criança, ter viajado muito com seu pai, ter morado em diversos lugares do Brasil, e assim desenvolvido o gosto pelo novo, por conhecer outras culturas, pessoas diferentes, deslumbrantes cenários do Brasil e do mundo. Alexandre gostava muito de viajar por mar:

A viagem de navio, para mim, é a melhor de todas elas. De Salvador para Itajaí ou Florianópolis levava 15 dias. Naturalmente para quem enjoa é horrível. Mas mesmo as pessoas que enjoam, é só no primeiro ou segundo dia. Depois se acostumam. Eu fiz muitas dessas viagens no “Aspirante Nascimento”, da Bahia para Santa Catarina. Os maiores navios paravam em São Francisco do Sul, os médios em Itajaí, e só os pequenos é que paravam em Florianópolis. Eu procurava ser um bom aluno porque, naquele tempo de faculdade, quem tinha média acima de 7 era dispensado dos exames finais e dos exames orais. Eu sempre tive notas boas. Então em setembro fazia as provas, o resultado saía em outubro e em novembro eu já vinha para o Sul. Voltava em fevereiro, março, eram quase cinco meses que eu passava aqui com a família. Uma dessas viagens transcorreu no tempo da Segunda Guerra Mundial:

Quando eu vim da Bahia com o Manuel, houve uma ameaça a submarino aqui no Brasil. E os alemães afundaram dois ou três navios nossos da Marinha Mercante. Então, no meio da viagem todos os passageiros, de improviso, eram acordados com uma sirene, como se o navio estivesse afundando. Era um estardalhaço, corre pra cá, corre pra lá... Botávamos os coletes salva-vidas, alguns entravam no bote, arriavam o bote... Isso foi no começo da guerra, eu era noivo. Ele gostava também das festas e dos campeonatos de xadrez – outra indubitável paixão sua – realizados no navio:

Desde jovem, sempre gostei muito de jogar xadrez. Nas viagens eu sempre encontrei parceiros. Lembro que em uma ou duas delas eu fiquei campeão dos torneios e ainda tenho guardado lá em São Paulo um desses prêmios que ganhei. Nos navios, além dos jogos, todas as noites depois do jantar tinha um pequeno concerto e depois havia dança. Eu gostava muito desses divertimentos em alto-mar, era uma coisa agradabilíssima. À meia-noite em ponto fechava o salão de dança. Casado, fez sua primeira viagem com Dulce para a Bahia, da qual recorda:

Alexandre com a filha Perpétua em viagem ao Egito, 1978.

Foi mais ou menos 15 dias depois do casamento – porque a lua de mel nós fomos passar em Urussanga. Depois de Urussanga, ficamos na Laguna aguardando o navio do Loyd que ia pra Bahia. Até há pouco tempo, o Loyd ainda mantinha essa linha para Laguna. Mas depois, como era sempre difícil entrar em Laguna, suspenderam essa viagem e transferiram a parada para Imbituba, que o porto era aberto. Fomos muito bem tratados na viagem. Eu me lembro de um casal já idoso que nos recebeu muito bem por saber que éramos recém-casados. Chegamos na Bahia e a recepção foi a melhor possível. Joaçaba, Brasil e o mundo | 215


Em suas viagens, Alexandre costumava levar consigo uma cadernetinha onde anotava tudo que poderia ser importante: os aniversariantes do período em que estaria fora, o endereço das pessoas a quem mandar cartão-postal, uma lista daqueles que receberiam presente na volta, os gastos da viagem, causos ocorridos durante a jornada, suas impressões e às vezes um diário do que acontecia, feito dia por dia do roteiro! Em 1969, Alexandre, Dulce e a filha Perpétua fizeram uma longa viagem pela Europa – 59 dias, contados daquele em que saíram de Joaçaba –, na qual visitaram os seguintes países: Portugal, Espanha, França, Itália, Vaticano, Suíça, Alemanha, Holanda, Bélgica e Inglaterra. Partiram de Santa Catarina no dia 31 de maio:

Saímos de Joaçaba às 3h da tarde, no Fusca, a Dulce, o Luiz Paulo e eu, e chegamos em Curitiba às 11 da noite, onde nos esperavam, na casa da Thereza e Arno, o Luiz Fernando e o Enéas Jeremias. Tudo ok e tudo certo! Já era o prenúncio de uma linda viagem, marcada por inúmeros passeios, fartos jantares, boas amizades, concertos musicais, lugares inesquecíveis e, é claro, situações engraçadas também, como as que o próprio Alexandre anotou:

A Dulce, no Paço dos Bragança, em Guimarães: - Estas roupas enormes eram dos soldados? O guia, circunspecto: - Não, eram dos cavalos... A Dulce, na Estalagem Zende, em Esposende, por nós “inaugurada” (como seus primeiros hóspedes): - Alexandre, agora que já tomei banho é que descobri onde se esquenta a água: é só puxar esta corda... De repente, a empregada batendo às pressas na porta, aflita: - Alguma coisa, madame? À época, Diomário e Maike viviam em Paris. Encontraram-se todos no 44° dia da viagem. Era 13 de julho:

Feijoada feita pela Dulce e Maike. Concerto de órgãos e missa na Notre Dame. Visita, a pé, à Ilha de São Luiz. Café em frente à Prefeitura de Paris e iluminação nos Invalides. Tudo admirável! Nesse percurso, remeteram a incrível cifra de 158 postais!! Tudo anotado: de onde e para quem. E finalmente, no 59° dia:

Saída cedo (às 7 h) de Curitiba, no nosso Fuque, a Dulce, a Maria Tereza [que havia voltado dos EUA depois de um ano lá], o Luiz Paulo, e eu guiando. Viagem normal, sem acidentes, esplêndida; chegamos em Joaçaba por volta das 4 horas da tarde, tudo normal, bem e em paz, estando a D. Mafalda nos esperando com a casa limpa, doces, etc. Portanto, uma viagem realmente maravilhosa, bem-sucedida (do começo ao fim), completa, que satisfez plenamente o sonho de uma vida inteira, que me faz realizado na vida e que, portanto, não há dinheiro que pague! Alexandre voltou à Europa outras vezes, inclusive com sua segunda esposa, Ivette, e comentou:

Apesar de ser difícil escolher qual é a melhor viagem, porque sempre gostei de viajar muito e todas foram ótimas, naturalmente as melhores foram as que fiz para a Europa. 216 | Memórias de Alexandre Queiroz


Foram eventos ocorridos em viagens que fizeram Alexandre tremer:

Salvo-conduto de Alexandre e Dulce, documento exigido à época para transitar em território nacional e que permitiu ao casal viajar de Santa Catarina à Bahia em 1942.

Três vezes na vida eu tremi realmente vendo uma coisa terrestre. A primeira é incrível. Foi quando eu fui visitar pela primeira vez Assunção e vi o rio Paraguai, onde tem o obelisco da Passagem de Riachuelo. Eu me lembrei da Batalha de Riachuelo vencida pelos brasileiros e tremi de emoção. A outra vez foi quando eu vi a Acrópole grega. Eu senti uma emoção tão grande que realmente tremi. Não chorei, mas tremi. Achei tão linda, tão linda, tão linda... No Bosque de Viena também me emocionei. A gente vê os filmes e se entusiasma. Quando entrei no Bosque de Viena, vi aquela imagem igualzinha à do cinema, tremi mesmo de emoção.

Joaçaba, Brasil e o mundo | 217


Outra lembrança significativa:

Em Veneza, a pessoa sai de uma rua estreita que se compara à Rua do Ouvidor no Rio de Janeiro: movimentada, cheia de gente; quando a pessoa desemboca da rua e entra na Praça de São Marcos de Veneza parece que se está entrando no céu, de bonito! Eu não me lembro se tremi, mas foi um choque, de mexer com a gente, pela beleza que é a Praça de São Marcos. Toda a Itália é bonita. Mas a pior macarronada que eu comi foi lá! Dizem os brasileiros que quem vai a Portugal volta com anedotas. Alexandre, apesar de ter sido grande fã desse país-irmão e dos portugueses, tinha as suas:

Viajando de ônibus, com a Dulce, de Paris para Lisboa, no começo, até Madri, o guia era espanhol. Falava em espanhol e eu entendia tudo. Em Madri o guia foi trocado por um português, mas eu – inacreditável! – não entendia nada, absolutamente nada do que ele falava! Mesmo eventuais incidentes ocorridos não tiravam o brilho do lugar visitado:

Caderninho de anotações da viagem à Europa em 1969.

Eu fui roubado em Barcelona. Mas nem por isso deixo de gostar da cidade. Ainda quero voltar, se Deus quiser, a Barcelona. Eu cheguei lá, estava saindo de um teatro ou outro lugar, veio um cidadão e me colocou um spray no ombro, no paletó, e disse que estava sujo, “vamos limpar”. Aí fui pro banheiro lavar. E a Ivette ficou preocupada. As mulheres sempre têm um sexto sentido. Quando voltei, ela perguntou se tinha acontecido algo. Eu disse não. Ela perguntou: “E a sua carteira?” Quando eu fui ver, estava sem a carteira. Ele tinha roubado a minha carteira com 1.000 dólares dentro! E eu nem percebi, nem levei a mal. Aí fui dar queixa. Uma senhorita falou: “Meu senhor, não adianta dar queixa porque isso ocorre todos os dias aqui”. Então, desisti. E está na Espanha uma das cidades preferidas de Alexandre, bem como uma manifestação cultural que ele condenava:

218 | Memórias de Alexandre Queiroz


De todas as cidades, a que eu mais gostei é Madri. A cidade melhor do mundo. Em Madri tudo é bonito. O povo é alegre, agradável, atencioso, cavalheiresco, como não ocorre em outra cidade. Por exemplo, França. O parisiense não dá bola pra você. Você pergunta, eles dizem “oui, oui, non”, mas não dão bola. Já em Madri eles pegam a gente pelo braço e levam até o lugar pra mostrar onde é ou não é. Uma afabilidade fora de série. Em Madri tudo me agradava, a moda, as espanholas, os cantos, teatros. Só não gostei da tourada. Eu achei um espetáculo muito violento. Fui assistir uma tourada e quando o boi pega de mau jeito o toureiro, a assistência toda vibra, olé, olé! Mas no fim, termina o toureiro matando o boi. Ora, é uma selvageria! Eu não aguentei e saí na metade. Os espanhóis vibravam. Não posso compreender como é que um país civilizado, católico, ainda faz isso contra os animais. Também na Espanha um episódio revela um pouco da personalidade de Alexandre:

Na entrada do shopping tinha uma livraria. E a Ivette disse assim: “Alexandre, você fica aqui que eu já volto”. E passa o tempo, passa uma hora, uma hora e meia... Duas horas depois, não é exagero, não estou fantasiando, ela apareceu e não percebeu que já havia passado tudo isso. À sua chegada, uma jovem vendedora de livro virou-se pra mim e disse em português: “Meus parabéns pela sua paciência!” A outra disse: “Muita paciência!” (risos) Eu me sinto hoje feliz porque qualquer que fosse o marido menos equilibrado e mais temperamental, teria brigado com a esposa, reclamado, recebido mal. E eu recebi a Ivette com festa, dizendo: “Então tinha tanta coisa assim de entusiasmo que você ficou duas horas!” Ela não quis acreditar. Com tantas lembranças incríveis de variados países e inúmeras cidades, ainda assim Alexandre não hesitava em afirmar que o Brasil era para ele o melhor país de todos. Foi sobre isso que escreveu em 10 de abril de 1995:

Alexandre e Dulce prestes a embarcar para Buenos Aires, no porto de Colônia do Sacramento, no Uruguai, fevereiro de 1966.

Joaçaba, Brasil e o mundo | 219


O QUE PENSO DO BRASIL Sou brasileiro de nascimento, o que muito me orgulha, e de coração, o que me apraz dizer. Tenho viajado bastante, conheço, de visita, quase toda a América (as do Norte e do Sul, menos a Central e as Antilhas) e a Europa, e, não tenho dúvida em afirmar, quaisquer que sejam as restrições que se lhe possam fazer, o Brasil é o melhor país do mundo, devido ao seu clima, à sua prodigiosa natureza, e, sobretudo, seu povo naturalmente bom, pacífico e cordial. E por isso reafirmo, com redobrado orgulho: este é, incontestavelmente, pelo menos para mim, o melhor de todos os países do mundo. E dentro do melhor país do planeta, uma cidade sobressai no seu coração: Joaçaba. Alexandre sempre demonstrou orgulho em nela viver e em ter contribuído para o seu desenvolvimento. Manifestou seu amor em diversas ocasiões, das quais destacamos o evento de comemoração dos 50 anos da cidade, realizado em 1967, com programação intensa nos

meses de junho a novembro. Alexandre não apenas fez parte da Comissão Central do Cinquentenário de Joaçaba como Secretário Geral, mas também publicou um livro resgatando a história da cidade. Trata-se do “ÁLBUM COMEMORATIVO DO CINQÜENTENÁRIO DO MUNICÍPIO DE JOAÇABA 25 de agosto de 1917/1967”. Nas suas 250 páginas se encontra, entre outros itens, um histórico da colonização regional e dos distritos que fizeram parte do município, inicialmente denominado Cruzeiro, com o registro completo da lei que o criou; descrição da geografia física, política e econômica de Joaçaba bem como da Comarca; depoimentos e produção literária de alguns joaçabenses, além de fotografias antigas de inestimável valor. Entre os agradecimentos do autor, destacamos dois:

“Ao meu filho Enéas Jeremias de Queiroz, pelos trabalhos de pesquisa, cartografia e estatística, valorizando, igualmente, o seu conteúdo.” “Ao meu filho Antônio Diomário de Queiroz, pelo incentivo que, na hora decisiva, quando alguns poucos, mal informados, combatiam a publicação deste ÁLBUM, fez com que não desistíssemos da ideia inicial.”

Alexandre no CVPI, jogando xadrez com o PhD Keith Kenny, genro da diretora, novembro de 2003.

220 | Memórias de Alexandre Queiroz


Unindo uma paixão a outra que possuía – escrever –, Alexandre compôs um poema em homenagem à cidade:

Limeira. Catanduvas. Guerra do Contestado... Cruzeiro ou encruzilhada? Ponte Emílio Baumgart. Progresso. Estradas... É a fé e o entusiasmo que renascem! Campo de aviação. Nova roupagem. Cidade que mais cresce... Capital d’Oeste! Tudo nela agora é beleza, no inverno ou verão, no outono ou primavera, pois até serviço de água potável já tem! Cidade-líder, Cidade-polo, Capital regional... Ó Joaçaba, você é linda, bela, formosa, a cidade que mais quero! Foi ele o responsável, entre outras coisas, pela construção do primeiro prédio do município, sinal dos ares modernos que se empenhava em atribuir a Joaçaba:

Eu sempre fui muito bairrista. Não nasci em Joaçaba, mas costumo dizer que é das minhas terras prediletas, mais do que a própria Bahia, que é minha terra natal. Então, fiz tudo que foi possível em favor de Joaçaba, que estava começando a crescer, e eu quis dar um impulso à cidade construindo um prédio. Foi feita a planta de sete andares. Só que teria que ter elevador. Acontece que naquele tempo a luz elétrica da cidade ainda es-

tava muito precária, funcionava um dia, no outro não, ficava-se horas sem luz... Então o Dr. Lineu, que era o engenheiro da obra, aconselhou a não fazer de sete andares, mormente por esse motivo. Assim, fez o projeto de quatro andares, dizendo que futuramente eu poderia construir os outros três. Mas isso nunca aconteceu; eu não cogitei colocar mais andares. O dinheiro veio da advocacia. E sempre foi fácil alugar as salas do prédio. Houve tempo que, quando vagava uma sala, havia fila para alugá-la, tal a escassez de salas em Joaçaba, principalmente naquele ponto central, em frente à prefeitura, na rua principal da cidade. Anos mais tarde, em novembro de 1985, foi conferido a Alexandre o título de “Cidadão Joaçabense”, em reconhecimento “aos relevantes serviços prestados ao Município”. Na ocasião, proferiu discurso em que consignou: ...permito-me dizer apenas que seria desneces-

sário repetir aqui que grande é o meu amor por Joaçaba. Tão grande é esse amor, que pela minha maneira natural de ser, extrovertido, é facilmente perceptível por todos aqueles que me conhecem e também por aqueles que não me conhecem, mas que conhecem a tradição, isto é, a minha luta constante, a minha pertinácia inquebrantável e o meu labor assídua e ininterruptamente a ela dedicados, desde o venturoso dia 27 de abril de 1947 – quando Joaçaba e Herval d’Oeste, unidos e fortalecidos, eram um só município – aqui aportei pela vez primeira, a convite do meu irmão José Benedito Muniz de Queiroz, então engenheiro-residente da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, o fiz com o ânimo transitório, mas que, percebendo, de logo, quanto ela era terra boa e acolhedora, mudei de propósito, nela me plantei com o ânimo definitivo e terminei por escolher para ser o meu torrão amado. Pois, com efeito, conforme respondi ao atencioso ofício do Exmo. Sr. Presidente desta Colenda Câmara, me comunicando a outorga do honroso título, que tanto me envaidece e exalta, de “Cidadão Honorário de Joaçaba”, dela fiz a Joaçaba, Brasil e o mundo | 221


minha terra de opção, nela fui muito feliz durante os 37 anos que aqui vivi e convivi; nela vi nascer um dos meus sete filhos e a todos eles aqui os criei com muita saúde e desenvoltura, graças, fora de qualquer dúvida, ainda que parecer possam ser em contrário as aparências, ao seu salubérrimo clima, por mim sempre decantado; que a vi crescer e desabrochar, como desabrocham as flores e as crianças, com o entusiasmo e o encanto de pai amoroso; a ela dediquei, quanto pude, o melhor de mim; que somente a deixei por acidental motivo lutuoso, do conhecimento de todos; mas que, mesmo tendo outras residências não menos queridas – São Paulo e Florianópolis – a escolhi, livremente, para continuar sendo meu domicílio civil nos termos como permitido por lei. Sou, pois, com muito orgulho e incontido prazer, duas vezes joaçabense: legal e de coração. Além de todas as já citadas qualidades de Joaçaba, a ótima relação que Alexandre e Dulce tinham com Dr. Miguel Russowsky e D. Vitória, também moradores da cidade, seguramente contribuiu para Alexandre gostar tanto de nela viver. Dr. Miguel era médico e compartilhava com Alexandre a prática do xadrez. Jogavam quase todos os dias:

Ele dava assistência aos seus pacientes e então vinha lá em casa, depois do jantar. E quando ele não vinha porque tinha mais gente para atender, pra mim era como se eu tivesse faltado à missa, tal o apego que eu tinha de jogar uma partida de xadrez diariamente com ele. Para o filho Diomário ficaram marcadas na memória as partidas dos fins de semana: Os sábados, domingos e feriados de minha infância são povoados pela lembrança das infinitas horas de papai e Dr. Miguel jogando xadrez no gabinete. Além do xadrez, os dois amigos partilhavam o gosto pela escrita. No dia 6 de julho de 1950, o “Joaçaba-Jornal” publicou: O SONETISTA Dedicado ao Dr. Alexandre Queiroz Calmo se atreve... e sobre a folha bruta A pena d’ouro esculpe, qual cinzel, A procura da forma indissoluta Que valha um mundo e caiba num papel. 222 | Memórias de Alexandre Queiroz

E enredado nas malhas da labuta Tenta prender com guizos de ouropel, Raios de sol, que alguma musa astuta Esparramou incauta no vergel. Escolhe a rima, a métrica, a cadência, E busca a chave, e segue sem abalo Planeando, meditando com paciência ...Surge enfim o plano em esqueleto Toca enchê-lo, medi-lo, reformá-lo Até tomar o corpo dum soneto.

M. Russowsky

E 10 dias depois, no mesmo jornal, a resposta:

AGRADECIMENTO Ao Dr. Miguel Russowsky Grato, caro amigo meu, doutor Miguel, Pelo bel soneto que me dedicou; É oferta tão rara e fina, de ouropel, Que no coração, profundo me tocou Não é cousa fácil – saber eu já vou – Em versos verter nua folha de papel. Pode alguém, letrado, ou que muito estudou, Desejar compô-los, qual bom menestrel Mas se não tiver das musas nascimento, Em vão tentará fruto que dê proveito. Soneto inspirado, belo e de talento, Tão só o gênio sabe fazê-lo perfeito. Porque, na verdade – diz o pensamento – O poeta do berço vem e não é feito. A.Q. Enfim, o multifacetário Alexandre tinha mesmo o dom de conseguir se dedicar a cada uma das suas paixões, a cada coisa que fazia seu coração bater mais forte: sua família, seu esporte, sua comunidade, sua cidade, seu país, além da admirável variedade natural, cultural e social do mundo. Desta última deixou-nos uma lista, escrita no dia 27 de outubro de 1997:


Alexandre e Ivette em Florença, Itália, novembro de 1987.

As coisas mais belas que eu já vi na vida, independentemente de graduação - A Acrópole em Atenas, na Grécia. - Os fiordes da Noruega, vistos do alto, de avião. - As pirâmides do Egito, no Cairo. - O pôr do sol no rio Amazonas. - Os bosques de Viena, na Áustria. - As “planícies” do Canadá. - O Rio de Janeiro visto do Corcovado (tanto de dia quanto de noite). - O altar-mor da Igreja de São Francisco, em Salvador, Bahia (todo de ouro!). - A neve (sim, neve) caindo do céu em Joaçaba. - As Ilhas dos Açores, no Oceano Atlântico. - As Cataratas do Iguaçu, no Paraná. - As Ilhas da Madeira, no Oceano Atlântico, pertencentes a Portugal. - A Colina do Bonfim, em Salvador, Bahia. - O Estreito de Magalhães, na Patagônia. - A Lagoa da Conceição, em Florianópolis/SC. - O fado português, cantado por artistas, num teatro, em Lisboa. - Um balé espanhol, dançado por artistas em Madri, Espanha. - A Estátua da Liberdade, na entrada do porto de Nova Iorque. - O Arco do Triunfo, em Paris, na França. - A cidade do Porto, em Portugal, vista do alto, de avião. Joaçaba, Brasil e o mundo | 223


“Ao querido e estimado tio Alexandrovich, com os nossos parabéns pela passagem dos seus 90 anos de vida, bem vivida, com muita sabedoria, equilíbrio e amor. Como seus sobrinhos sempre soubemos lhe admirar e tê-lo como exemplo de bom pai, marido e vovô e como tio tão querido e tão perto de cada um de nós!” Rogério e Etel


Terceira idade


Novos laรงos


O

falecimento de Dulce, no início de 1983, mudou, como era de se esperar, o rumo da vida de Alexandre. Depois de tantos anos felizes juntos, tal qual ele sempre afirmou, como poderia agora viver sem seu grande amor? No dia seguinte à partida da esposa, Alexandre escreveu um “Planejamento Provisório” listando importantes decisões que tinha tomado:

- A única ideia firme que eu tenho no momento é que não pretendo me casar novamente (só o farei se der a “bobeira”. Mas tudo farei para que isso não aconteça). - Provisoriamente pretendo ficar morando com a vó Perpétua, até decisão posterior. Portanto, no atual “subsolo” onde ela mora. - Ainda que possa escandalizar a sociedade, e até mesmo alguns parentes próximos, pretendo fazer a viagem já programada com o Manoel. Além de outras circunstâncias que justificam a viagem, creio, firmemente, que esta era a vontade da Dulce. - Não pretendo ir a Joaçaba senão no fim do mês. Não gostaria, jamais, de ir sozinho. O Lafaiete e a Maria Tereza já se ofereceram para ir comigo. Se houver mais algum filho que também queira e possa ir, tanto melhor. (...) Na volta da viagem com o Manoel, salvo novas circunstâncias imprevistas, pretendo fixar residência, em definitivo, aqui em Florianópolis, agora com a vó Perpétua morando comigo, em apartamento ou casa meus, adquiridos nas condições estabelecidas em folha separada. Em conclusão, não pretendo morar mais em Joaçaba um dia sequer.

Alexandre não chegou a morar com a sogra (embora ele tenha comprado um pequeno apartamento no centro de Florianópolis); durante a viagem de navio com o irmão Manoel, bateu-lhe a “bobeira” que ele pensou pudesse evitar:

Fiquei um mês inteiro sem sair de casa. Só saí para ir à missa de sétimo dia e à do trigésimo dia. Eu já tinha a viagem marcada com o Manoel. Nessa viagem conheci a Ivette, que também era viúva recente e que estava viajando para esquecer a viuvez. Era de navio para Miami e de lá para Nova Iorque. No navio, a Ivette se sentiu mal, enjoada. O Manoel tinha um remédio. Nós fomos levar para ela para passar a tontura. Aí, coisas da natureza, já naquele primeiro contato nos simpatizamos. Depois houve uma festa no navio, e tinha aquele sistema de dança de trocar parceiros. E certa hora as mulheres escolhiam os homens. Não sei por que motivo, ela me tirou para dançar. Dançamos e nasceu a amizade.

Casamento de Alexandre e Ivette, em janeiro de 1984, com a presença dos sete filhos.

Ivette Mariana Antonucci Thomé nasceu em São Paulo/SP no dia 17 de maio de 1935. Trabalhou muitos anos como secretária executiva bilíngue (no Instituto Biológico e no Banco Ioshpe, entre outros), seu último emprego tendo sido no MuBE – Museu Brasileiro da Escultura. Do seu primeiro casamento, com Walter Thomé, teve duas filhas: Daniella (6.10.1964) e Andrea (29.9.1967). Morava em São Paulo na companhia das filhas e também de Aparecida Ferreira de Paiva e sua filha Ana Luiza (7.9.1976), que havia muitos anos viviam com a família, sendo Aninha afilhada de Ivette e considerada uma irmã por Andrea e Daniela. Ao se encontrarem no navio, Ivette tinha 48 anos, Alexandre 66. O namoro foi adiante. Alguns meses depois de se conhecerem, o médico poeta, Dr. Miguel, escreveu umas linhas em homenagem à namorada do amigo: Dois viúvos... muito tédio, Não choreis do que já era, Sou médico e me compete Tudo passa, amigos meus, Dele o céu já se fez dono. A zelar por todos nós. Pois existe este remédio Houve amor na primavera, O que for bom para a Ivette Na drogaria de Deus Este nasce em pleno outono. É melhor para o Queiroz. Novos laços | 227


Acima, convite do casamento de Alexandre e Ivette. À direita, bilhete escrito por Alexandre pela comemoração dos 19 anos do CVPI.

Casaram-se, em cerimônia religiosa e na presença de todos os filhos, em 28 de janeiro de 1984. Alexandre se estabeleceu então na cidade de São Paulo, onde continuou a advogar e a jogar xadrez semanalmente. Alexandre e Ivette compartilhavam, entre outras coisas, o gosto por viajar; juntos foram diversas vezes à Europa e à Bahia. De umas dessas viagens Diomário recorda: Por coincidência, quando estávamos eu, Maike e Ângela assistindo às danças espanholas em Madri, na mesa ao lado encontramos papai e Ivette presentes ao mesmo espetáculo. Foi uma festa! No seu aniversário de 1991, Alexandre ganhou de Ivette um livro com a seguinte dedicatória: Alex, Deus é meu amigão também, porque me concedeu o privilégio de conviver com uma pessoa como você. Mil “venturas” em seu aniversário! E dois anos depois, em maio, talvez inspirada pelo próprio aniversário que acabara de passar, Ivette escreveu ao marido: Quem é esse homem de olhar manso que caminha ao meu lado, apoiando meus passos, transmitindo serenidade e calma? Quem é esse homem cuja aura, difusa e brilhante, faz com que as pessoas dele se aproximem atraídos por essa luz e se tornem melhores porque a bondade dele se reflete nelas? Quem é esse homem iluminado que tem o dom de trazer paz, amor e ternura aonde quer que vá? Quem é esse homem que tive a ventura de encontrar em minha vida e com quem compartilho meu destino? Terei merecimento? Deus foi generoso comigo. Esse homem se chama Alexandre.

228 | Memórias de Alexandre Queiroz

A admiração e respeito mútuos se manifestaram ao longo de 18 anos. “Os dois viveram muito bem, sempre visitando a família em Florianópolis com alegria”, reforça Diomário. Em 1999 Ivette teve um AVC e a partir daí precisou de cuidados constantes em razão das sequelas físicas. Em 2001, Alexandre já com 85 anos e também requerendo bastante atenção, as famílias acharam melhor que ele voltasse a morar em Florianópolis:

No começo pensei em morar com o Diomário, depois com a Maria Tereza, mas, com o passar do tempo (oh! que coisa boa o tempo!), me convenci de que eu daria muito trabalho aos dois, e por indicação da Célia, esposa do Luiz Paulo, vim morar no Centro Vivencial, onde sou muito bem tratado por todos e me sinto muito feliz! Mesmo depois de separados, Ivette expressou a admiração e carinho que ainda nutria por Alexandre (em carta a Maria Tereza, 2002):


Alexandre e Hilda em 2003

Ainda gosto muito do Alexandre, aprendi muita coisa com ele em termos de generosidade, bondade e tolerância. Acho que ter convivido com uma pessoa tão especial quanto ele foi um privilégio. Sinto muito a falta dele e sonho com ele todas as noites, e nos sonhos sempre um dos filhos está presente. Acho que foi a maneira que meu subconsciente encontrou para suprir a falta dele e de vocês, de quem tenho tantas saudades. A ternura e o carinho que tenho por Alexandre jamais se apagarão. Ivette faleceu no dia 18 de abril de 2008, pouco antes de completar 73 anos de idade. * O Centro Vivencial para Pessoas Idosas – CVPI, pertencente à Igreja Metodista, é edificado numa área de 25 mil metros quadrados, arborizada e com mata nativa, no bairro do Itacorubi, oferecendo ótimas condições de convívio para seus residentes, como liberdade de ação e assistência médica 24 horas. Durante o período em que morou no CVPI, os filhos providenciaram para que Alexandre continuasse jogando xadrez toda semana, tivesse passeios de carro também semanais, além de passar cada sábado e domingo na casa de um dos

cinco filhos residentes em Florianópolis. Alexandre era de fato muito benquisto por todos do Centro Vivencial, o que provam os inúmeros cartões recebidos no seu aniversário, dos quais destacamos um escrito por Edith Schisler, fundadora do CVPI: Querido Dr. Alexandre, Esta casa se orgulha em saber que temos o privilégio de tê-lo, e a sua família, em nosso meio e em nossos corações. Agradecemos a Deus por sua pessoa, seu exemplo de vida, sua prática de justiça, seus ensinamentos e seu espírito alegre, contagioso, pacificador. O senhor soube com a sua esposa educar seus filhos e filhas para serem valiosos e contribuidores para o bem neste mundo. Que Deus continue abençoando a sua vida preciosa e a vida dos seus filhos, netos e bisnetos, noras e genros. Em agosto de 2005, nos jardins da casa, sofreu um acidente, cujo registro foi feito por Maria Tereza: Em razão do ciclone [que havia passado pela Ilha], uma árvore muito grande que estava na entrada do pátio do Centro Vivencial (plantada no lado da Escola Anabá), resolveu desabar justo no momento em que meu pai estava passando. Novos laços | 229


Alexandre e Ivette em Salvador/BA, janeiro de 1990.

Ele ficou embaixo dela, sob um cipoal, até chegar o Corpo de Bombeiros, que levou algum tempo para serrar e remover o tronco. Mas ele não teve fraturas. Com gesso na perna direita, só precisou de repouso e ajuda em certos movimentos. O susto foi enorme! Na “Pousada”, como carinhosamente chamava seu novo lar, Alexandre conheceu Hilda Boleratski Fetzer, nascida em 22 de outubro de 1922 na Iugoslávia (mas morando no Brasil 230 | Memórias de Alexandre Queiroz

desde criança), sua “companheira de jogos, de mesa e de passeios”, como costumava dizer. Das novas companhias, Alexandre gostava muito de D. Mercedes, uma amável senhora argentina que também o acompanhava nos passeios de carro com Zeca (José Domingos dos Santos), mas foi de D. Hilda que ele se aproximou mais, a ponto de ser considerado o seu namorado. Também viúva, ela tinha vindo de Caçador/SC, embora tenha residido


duas últimas semanas na casa de Diomário, tendo expirado em 23 de julho de 2007. Entre as diversas notas de jornal comunicando seu falecimento, a de Roberto Alves, comentarista esportivo do Diário Catarinense, merece destaque:

Nota publicada pelo jornalista Roberto Alves no Diário catarinense de 25 de julho de 2007.

a maior parte de sua vida em São Paulo, onde exerceu a profissão de cabeleireira do salão Jacques Janine, que atendia artistas e a alta sociedade paulistana. Hilda teve apenas um filho, Ricardo Willy Fetzer (1941-2003), que lhe precedeu na morte. A dela ocorreu em 2 de maio de 2010. Hilda deixou saudades e pequena descendência: os netos Rubens e Mariana e os bisnetos David Nicolas Fetzer Arrais e Vinícius Dellani. Alexandre viveu no CVPI seis anos e um mês. Passou suas

Sobre o velório e seus dias finais, Diomário deixou registrado: No CVPI papai achou uma nova namorada, Dona Hilda. No dia de seu sepultamento, meus amigos ficaram muito bem impressionados ao vê-la, aos 84 anos, chorando copiosamente ao lado do caixão, como uma jovem viúva apaixonada. Papai morreu em minha casa. Quando seu estado de saúde se agravou, e estando eu viúvo, trouxe-o para morar comigo e Ângela nos seus últimos dias. Era um hóspede agradável e organizado, comia sempre uma fruta e bebia água antes de ir dormir e me repetia diariamente que estava deixando a porta do quarto aberta durante a noite. Um dia Vera, que o visitava, correu gritando que ele estava morrendo. Desci do escritório a tempo de lhe segurar as mãos, e de mãos dadas o vi dar com serenidade seu último suspiro. Novos laços | 231


O “vô Xande”


A

lexandre tem vinte netos, dez meninos e dez meninas. E os netos têm muitas histórias para contar sobre o avô! Em comum, a fila que formavam quando ele chegava nos “almoços dos Queiroz” para receber seu abraço apertado, suingado e sonoro: ãh (para a direita), ãh (para a esquerda), ãh, ãh, ãh, ãh (subindo um tom para anunciar o final), ãããããh...! Todos se lembram muito bem dos gostos alimentares do avô, sobretudo da pimenta e

Alexandre com sua primeira neta, a Simone, em 1971.

do açúcar. O neto Alexandre recorda o avô na hora do cafezinho: xícara ao lado do açucareiro, e dá-lhe uma, duas, três... incontáveis colheres de açúcar! Depois de servir o café e provar, a xícara voltava para a mesa para ser completada com mais uma ou duas colheradas até ficar do seu gosto! Nas refeições, não podia faltar pimenta. Certa feita, na casa de Diomário, família reunida, o preparado de pimenta caseiro tinha ficado extremamente forte; não havia quem se servisse de mais de uma gotinha. Até que chegou a vez do vô que, mesmo alertado de que essa estava ardida demais, colocou a quantidade de costume – muita! – gabando-se de que ele gostava e estava acostumado. Todos parados, estupefatos, olhando a cena. O vô Xande experimenta a primeira garfada. Lágrimas chegam a correr dos seus olhos. Sem falar nada, o avô coloca mais farofa – outra de suas comidas preferidas – no prato e volta a comer. Entre uma colherada e outra, mais e mais farofa. Quem olhasse seu prato pensaria que farofa era tudo o que tinha! Mesmo vermelho, suando e lacrimejando, não deixou nada no prato! Falando em farofa, corre na família a vez em que, almoçando na casa da filha Perpétua, o prato principal era macarrão, o qual vô Xande colocava entre suas três comidas favoritas. Tendo confundido o queijo ralado com farofa, serviu-se de todo o queijo que tinha! Os demais, incluindo os netos Antônio e Olga, certamente com um sorriso no cantinho da boca, acabaram comendo sem o complemento ideal da massa, enquanto vô Xande raspou o prato sem dizer uma palavra sobre o equívoco! O neto André rememora o gosto do avô também por camarão: Fiquei incontáveis vezes hospedado na casa do tio Diomário, e lá o vô Alexandre passava muitos finais de semana. Com a generosidade característica do tio Diomário, ele levava a todos para comer peixe e camarão. Chegavam os pratos, vô Xande pegava o de camarão e perguntava: “Alguém vai querer?” E sem-cerimônia rapava mais da metade dos camarões. Aprendi a gostar de pimenta com ele também. Lembro da quantidade absurda de pimenta líquida que ele jogava na sua comida. Ele enchia o prato com o camarão, completava com farofa, regava na pimenta, fazendo quase que um pirão daquilo; e depois era só festa. A neta Lia bem resume um fato certamente marcante para todos os netos, que cresceram ouvindo sobre a importância de comer legumes e verduras: Vô Xande se gabava de nunca ter comido uma verdura. O pai quando ouvia isso, logo acrescentava, para não entrarmos na onda: "Se ele vive há tanto tempo sem verduras, imagine se as tivesse comido!" Luise costumava partilhar do almoço com o avô quando ele morava no Centro Vivencial em Florianópolis: No ano de 2006, eu ia às quartas-feiras almoçar com ele. Sempre que eu chegava, seu rosto se iluminava e abria um doce sorriso. Abraço apertado, cheiro bom de loção pós-barba e as perguntas de sempre: “Seus pais vão bem? E o Coi?” Antes de nos sentarmos à mesa, lá ia ele caminhando com seu boné e estojo dos óculos nas mãos atrás do corpo, dava uma volta em todo o bufê para se inteirar do menu do dia, e se nada o agradasse, ia até a cozinha pra pedir às cozinheiras, com todo seu charme e simpatia, que lhe preparassem um arroz com ovo frito. Aí comia com gosto. Sabendo desse seu paladar sui generis, em minha festa de casamento tratei de pedir à responsável pelo buffet que preparasse um lanche especial para o meu avô. Enquanto todos comiam queijos, patês, filé mignon, salmão, e tantos outros pratos que já nem me recordo, ele teve seu pãozinho com manteiga, queijo prato e presunto e café com leite, ao qual estava acostumado. Fiquei famosa no Centro Vivencial, pois nas semanas seguintes o vô não falou de outra coisa. André relembra ainda a costumeira soneca que o vô Xande impreterivelmente tirava depois do almoço, outra memória que todos os netos compartilham: O “vô Xande” | 233


Muitas vezes, durante as férias, ainda solteiro, eu me hospedava na casa da tia Maria Tereza, onde o vô Xande passava bastante tempo. Com seu sempre invejável bom humor, uma de suas brincadeiras era dizer: “Faz 30 anos que não durmo depois do almoço”. Então, tínhamos aquela gostosa refeição e, pouco tempo depois de finalizada, era “dito e feito”: bastava procurar o vô e lá estava ele, roncando firme e forte, na poltrona da sala de estar. Mas, de fato, ele não se deitava na cama à tarde. Acho que era isso que ele queria dizer... Simone, Dulcinha e Luise, sendo as netas – meninas – mais velhas, tiveram a sorte de passar, quando pequenas, algumas temporadas com os avós em Joaçaba. Dessa época, lembram de várias coisas do dia a dia da casa: os exercícios físicos que o avô praticava na cama mesmo todas as manhãs, as balas de mel feitas pela vó Dulce e os sabonetes que ela pintava à mão, além do gabinete de trabalho do avô, no qual estavam autorizadas a mexer em apenas uma gaveta (a de papel de rascunho). Luise nos conta mais dessa época – era o comecinho da década de 1980: Talvez o momento mais marcante que tive com o vô tenha sido quando passei algumas semanas das minhas férias de julho com o vô e a vó Dulce no seu apartamento em Joaçaba. Obviamente quem se ocupou e cuidou de mim a maior parte do tempo foi a vó Dulce, tentando entreter uma criança de 7 anos, numa era sem tablets, smartphones e computadores, da melhor forma possível. Passávamos muito tempo na cozinha, fazendo bala de mel ou outra guloseima que me apetecesse, ou então assistindo novela juntas, ou passeando pela cidade. Mas havia um ambiente em especial naquele apartamento que me atraía de uma forma quase mágica: o escritório do vô! O piso era de tacos de madeira, seus móveis austeros, de madeira maciça, estantes abarrotadas de livros, e pilhas e pilhas de papéis sobre a mesa. Além de muitas canetas, tesoura, grampeador, furador de papel e uma incrível máquina de escrever manual. Eu nunca entrei sem sua permissão, pois a porta permanecia fechada e me proibiram a entrada se ele não estivesse em casa. Então, por mais que aquilo tudo me atraísse, também havia uma aura de respeito e uma carga de receio, caso me surpreendessem ali. No entanto, eu tinha acesso livre enquanto ele estivesse trabalhando no gabinete. Uma das minhas maiores diversões era quando eu brincava de “carnaval”. Ele me dava uma pilha de papéis de rascunho e o furador de papel e ali eu ficava durante horas furando papéis até formar bastante “confete”, que eu jogava para o alto, deixando cair sobre minha cabeça e sobre todo o chão do escritório. A brincadeira só acabava depois que eu tivesse 234 | Memórias de Alexandre Queiroz

juntado todos os confetes do chão, um por um, e recebido a permissão do vô para então poder ir fazer outra coisa. O neto Vítor até hoje gosta de rememorar o que ele e seu avô tinham em comum: Quando penso no vô Xande, entre tantas histórias vividas e ouvidas, sempre lembro das muitas coincidências “geográficas” que nos ligam, fruto de um gosto comum que nos une: o gosto por viajar. E quando falo em gostar de viajar não me refiro apenas a conhecer novos lugares, mas também a desfrutar a viagem em si – o deslocamento. Tal qual o vô Xande, que dormia fácil nos ônibus entre São Paulo e Florianópolis, também eu gosto de relaxar com o balançar de ônibus e trens. Muitas vezes ele dizia que gostava de nos acompanhar de carro pela cidade, mesmo que não houvesse nenhum compromisso, pelo simples gosto de ver as pessoas e a vida em movimento. Repetidas vezes me flagrei apreciando demoradas viagens pela oportunidade de ver a paisagem mudando a cada esquina, ou a cada quilômetro. Quantas vezes perdi a conversa em caronas simples de carro em minha própria cidade? Muitas. Nisso somos iguais. Mas, claro, assim como os caminhos, também os destinos nos unem. Minha vida errante me levou a muitos cantos e encantos, especialmente no Brasil. Conhecer Salvador, cidade onde o vô morou e que tanto gostava, não é privilégio meu. Os filhos e muitos netos também a conhecem. Mas poucos já passaram por Valença, onde ele nasceu. Que dizer da também baiana Boa Nova, onde foi pretor e onde nasceu seu segundo filho, meu padrinho? Já visitei esta cidade pouco conhecida. Também já fui várias vezes a Belém do Pará, de onde ele contava a história de que a chuva do fim de tarde, à época muito mais regular, determinava a cronologia da vida: “Nos encontramos então amanhã depois da chuva”. Em Porto Velho, onde debutou e “dançou com uma filha de índia”, já estive em múltiplas ocasiões. Teresina. Também os locais de algumas de suas férias: Fernando de Noronha, Laguna... Sem falar nas várias cidades catarinenses como Joaçaba, Blumenau e Florianópolis, claro. Por fim, quis o destino que nós dois viéssemos a morar em São Paulo, cidade que assusta tantos, mas da qual aprendemos a muito gostar. E assim, a cada carona pela cidade, a cada paisagem pela janela, a cada novo ou velho destino, vamos nos encontrando seguidamente pelo caminho da vida e vou revivendo suas muitas histórias, tantas vezes por ele recontadas, mas que eu sempre ouvia como se fora a primeira vez. Alguns netos jogaram com o avô o seu esporte predileto, como ele mesmo dizia. André registrou: Eram os idos de 1995, mais ou menos. O vô Alexandre morava em São Paulo. Ele chegou a vir diversas vezes a Curitiba para participar de campeonatos de xadrez. Lembro-me que,

Alexandre com os dois netos caçulas, Bruna e Gilberto, em agosto de 1998.



Dezoito dos vinte netos de Alexandre no Ano-Novo de 2006.

no SESC da esquina de Curitiba, onde competiam centenas de enxadristas, eu ficava impressionado e mais admirando a figura concentrada do vô Alexandre do que o próprio jogo que acontecia, já que eu não compreendia a profundidade das jogadas de qualquer maneira. Imagino partidas duríssimas contra adversários igualmente ferozes. Recordo-me de algumas poucas vezes que cheguei a jogar xadrez com ele. De duas uma: ou ele deixava a partida fluir, apontando-me os erros de meus movimentos, ou então, quando eu assim solicitava, ele jogava “de verdade”, ocasião em que eu perdia em poucas jogadas. Com tantas características distintas, o que de fato mais marcou os netos foi a alegria do avô, seu otimismo perene, sua capacidade de focar sempre no que há de bom. E desse seu jeito de ver a vida brotaram os ensinamentos herdados – lições que ficam para sempre, a serem passadas às próximas gerações, e que tornam Alexandre eterno, agora imortalizado no coração de seus descendentes e levado por eles mundo afora. Com a palavra os netos: Quando penso no vô Xande, vem-me à mente e ao coração sua grande sabedoria, que o fazia olhar o mundo com muito otimismo e com o olhar dos mais necessitados. Para ele não havia tempo ruim, estava sempre buscando o lado bom de tudo e de todos. Lembro-me que até mesmo em uma situação em que ele havia sido vítima de um assalto, não se abalou, apenas comentou: "Coitado, devia estar precisando destas coisas mais do que eu!" Também lembro da sua grande ternura com cada um dos filhos e netos. Acho maravilhoso o jeito com que ele terminava uma carta ou um bilhete: "do Vô/Pai, amigo, admirador e grato..." e assim por diante! Seus últimos dias viveu com muita serenidade, sempre com um sorriso no rosto e com uma palavra de carinho para cada um que o visitava! Que vida plena, que exemplo! Sinto-me muito honrada em ser sua neta! (Simone Hering de Queiroz Yunes) Lembrar do Vô Xande é pensar sempre em BOM HUMOR! Seu sorriso, sua alegria e positividade com as coisas da vida eram, para mim, sua marca registrada. Tudo estava bom, sempre – com exceção da pimenta que sempre podia ter mais! Seu abraço caloroso, com o famoso "ãh, ãh, ãh", balançando de lá para cá, também o diferenciava! E ali no balanço, trocava alguns segredinhos, do tipo "você é minha neta preferida", que ele falava para todas! Lembro de uma vez tê-lo visitado em São Paulo, na época em que morava com a Ivette, e que a visita muito o emocionou. Já estava bem idoso, notava-se que sentia muitas saudades da família do Sul, acho que foi um pouco antes de ter vindo para Florianópolis. Depois dessa viagem, até seus últimos dias, não teve uma vez que tenha me encontrado que não se lembrasse desse fato, que para mim foi tão simples, mas para ele tão marcante. Isso me fez dar valor para pequenos gestos e encontros, que fazem valer a vida! (Lia Hering de Queiroz Yunes) 236 | Memórias de Alexandre Queiroz


Nunca vi o vô Alexandre reclamar de nada! Lembro uma vez que estávamos caminhando na praia eu, minha esposa Halline e ele. Era um dia de verão, e estava um vento forte, mas tão intenso a ponto de estar desagradável e dificultar nossa caminhada. Ele percebeu o vento e comentou: “Que ventinho agradável”. E não era ironia. Ele estava achando agradável mesmo! Eu que não iria contradizê-lo. Meu avô me deu de presente certa vez uma versão, com sublinhados de seu próprio punho, do livro “Minutos de Sabedoria”, do autor Carlos Torres Pastorino, e me disse que seguia muito da sabedoria de vida ali existente. Colho uma frase do livro que poderia talvez resumir minha lembrança do vô: “Viva alegre e entusiasta e empregue todas as suas forças na plantação do bem, do amor, do carinho no coração daqueles que o cercam na vida”. Espero, vô Xande, um dia reencontrá-lo, sem dúvida, com Deus, no céu. (André Zacarias Tallarek de Queiroz)

“Eu sou muito abençoado” Por Ângela Hering de Queiroz Ao longo de minha vida sempre me senti muito abençoada por fazer parte da Família Queiroz. Durante a infância a vinda do vô Xande de São Paulo era sempre motivo para reunirmos a grande família em almoços regados a muita conversa e gargalhadas em alto volume. Nesses almoços eu brincava muito com os primos, mas tinha pouco contato com o vô Xande. Na chegada e saída tinha aquele abraço apertado e balançado, com aquele “ãh, ãh, ãhãhãhãhãããh” e um beijo estalado no ouvido que fazia os netos se arrepiarem! Sempre escutei a mesma história de que quando eu era bebê ele e as duas avós ficaram cuidando de nós (filhos do Diomário) por motivo de viagem dos pais. O orgulho dele é que mesmo diante de duas avós eu só dormia no seu colo, embalada pela música do “Boi da Cara Preta”, que ele cantava toda vez que me contava a história. E eu já tinha a resposta: “Então eu já era inteligente desde bebê”, arrancando um sorriso do vô Xande. A vinda do Vô Xande para Florianópolis, em 2001, foi fundamental para aprofundar meu vínculo com ele. A sua presença um final de semana por mês na nossa casa permitiu que eu conhecesse um avô para além da história do Boi da Cara Preta. Nesses anos de convivência recebi muitas lições: que só devemos falar se tivermos algo de positivo para dizer, caso contrário o silêncio é preciso; ou também a se maravilhar com os avanços da tecnologia, ser sempre gentil, saber rir de si mesmo, praticar sempre um esporte (nem que seja o xadrez!), estar atento ao próximo e se orgulhar e alegrar com a família. Apesar de tantos ensinamentos contidos nas suas histórias, muitas vezes repetidas, a grande lição que recebi do vô Xande foi na sua despedida. No último mês de vida, já não tendo a autonomia necessária para permanecer na sua adorada “Pousada”, o vô Xande se mudou para a nossa casa (do filho Diomário) ficando ao nosso cuidado, com a ajuda de enfermeiros e demais filhos, que se revezavam para deixá-lo sempre amparado. Nesse mês o vi colocando em prática seus ensinamentos de forma grandiosa. Já com muita dor, algumas vezes escapava algum gemido, mas de sua boca só saíam palavras de agradecimento aos cuidados e à vida. Quando se ajeitava o travesseiro, por exemplo, ele agradecia “obrigado, obrigado, obrigado, está muito confortável, sou muito abençoado”. Ou se eu contava alguma história, como a do Boi da Cara Preta, ele também agradecia “obrigado, obrigado, obrigado, que lembrança maravilhosa, que neta maravilhosa, sou muito abençoado”. De todos os agradecimentos que fazia, um era constante e quase um mantra: “Que felicidade, que felicidade, que felicidade, sou muito abençoado, tenho sete filhos e não sei qual o melhor, e não sei qual o melhor, e não sei qual o melhor!” Ainda consigo escutar a voz do vô Xande repetindo inúmeras vezes esta oração, de uma forma quase que cantada, embalando nosso coração. Com amor e saudade, Ângela O “vô Xande” | 237



Lições de vida


Um legado em palavras


A

s lições deixadas por Alexandre espelham a sua vida. Da mãe, Ritta, ainda que a convivência com ela tenha sido breve – 12 anos –, aprendeu por exemplo que “o barato sai caro”, que “só prospera quem economiza”, que “não se vive só do essencial” ou que “não se deve ter os olhos maiores que a barriga”, mandamentos que passou adiante à sua maneira. Da época da faculdade, quando tinha encontros semanais com o tio Totônio, absorveu inúmeros aprendizados, como “Quando não você mesmo, os filhos e netos se beneficiarão das obras boas que você praticar”, ou então a importância de comer ao menos uma banana por dia, o que falou – e fez – até o fim da vida. No começo da carreira profissional, partilhou com tio Tidinho o gosto pela língua bem escrita, mas sem se tornar escravo da gramática, o que claramente alcançou seus filhos e netos. Já sendo pai, aprendeu com seu genitor que filhos “criarão asas e voarão” e a importância de um casamento com respeito, companheirismo e sobretudo amor. Das suas leituras, gostava de citar certas lições de Aristóteles, Pitágoras, Gandhi (que com Cristo e Sócrates, dizia, eram para ele os maiores vultos da humanidade) e até Freud – que leu às escondidas quando era estudante de Direito –, ensinamentos que tomou como seus e aplicou no cotidiano. De sua experiência de vida vieram outros preceitos. Solidificou-se a fé no Divino, como conta o próprio Alexandre em carta ao filho Diomário, quando este lhe perguntou sobre a existência ou não de Deus. Percebeu que guardar rancor e ressentimento prejudica aquele que os mantêm, e que um sorriso tem poder para solucionar controvérsias. Do seu otimismo nato veio sua inabalável esperança e fé na vida e sua capacidade notória de sempre elogiar (desde que se diga de verdade) e nunca reclamar (mas não dizer toda a verdade!). Como se verá, hoje encontramos as lições de vida legadas por Alexandre em cartas e bilhetes escritos aos irmãos, filhos e netos, em pequenos comentários deixados em artigos de jornal, em discurso que pronunciou como paraninfo de turma formanda, e ainda em notas comentando frases do pequeno livro “Minutos de Sabedoria”, com cópia entregue a cada um dos filhos. Alexandre, como o grande homem que foi, nos transmitiu assim suas crenças, habilidades, ensinamentos comprovados na sua própria experiência de vida. E que vida! Com sucesso em tantas áreas – no campo jurídico, na política, na academia, na comunidade, no esporte, no seio familiar –, com tantas realizações, fiquemos nós, seus descendentes, com essa herança imensurável. Colocando em prática o seu exemplo, certamente seremos tão felizes quanto ele foi, e no momento da nossa partida nos sentiremos tão abençoados quanto ele se sentiu. Quando for a hora, daremos o nosso adeus com um sorriso nos lábios e tranquilidade no coração, certos de que o aprendizado continuará com seus bisnetos, trinetos, tataranetos... Eis, abaixo, o legado de Alexandre Muniz de Queiroz!

Sobre o dinheiro O dinheiro não vale nada senão quando com ele praticamos boas obras. (20/6/1948 em carta à irmã Thereza) * Não se esqueça, crédito é melhor do que dinheiro! Uma pessoa honesta sempre consegue o dinheiro, pois tem crédito! (disse, certa feita, ao filho Diomário)

Sobre ser otimista Alexandre no Natal de 2002, com 86 anos.

Os tempos mudaram, não? E sempre para melhor, digo eu. (15/2/1988 em carta à filha Maria Tereza, na qual ele explica que teve de ler Freud às escondidas sob pena de ser expulso da faculdade) Um legado em palavras | 241


Sobre o amor e o casamento “Tudo o que apaixona acaba logo.” NOTA: Assim é. Portanto, melhor do que se apaixonar é “amar”! (dezembro/1986) * Sobre o amor, tiro algumas conclusões: 1) O amor não tem idade. 2) Não tem “status”. 3) Aparece independentemente das nossas conveniências e do nosso querer. 4) Existe (só os tolos negam. E só ele, o amor, quando puro, justifica atualmente o casamento!). 5) Finalmente, como já dizia meu pai, homem experimentado e casado três vezes, “o homem e a mulher não se podem aproximar muito, senão explodem!” (setembro/1987) * Para ser feliz no casamento é preciso que haja amor. As outras condições são: base econômica; descendência; mesma religião; mesmo nível social; mesmas inclinações, tendências e princípios; educação mais ou menos igual; mútua compreensão e muita inteligência, e também um pouco de sorte. [...] Ninguém, com antecedência, poderá garantir a sua felicidade no casamento. O casamento é um jogo de sorte, em que apenas é dado estudar as possibilidades pró e contra. [...] Não há felicidade completa no casamento, como não há na vida. É um entremeio de prazeres e contrariedades. Com esforço e inteligência, e também um pouco de sorte, consegue-se viver mais feliz do que infeliz. Está, pois, nas mãos de cada um fazer um pouco da sua vida. O resto é sorte. (20/6/1948 em carta à irmã Thereza)

Sobre a fé “A Esperança é fundamental para o sucesso.” NOTA: Mais do que isso. Com a Fé e Caridade forma a maior trilogia de todos os tempos! (dezembro/1986) * Eu acredito na sorte! De nada ou pouco valeria nosso esforço se a sorte não ajudasse! (dezembro/1986)

Sobre Deus Tenho, para comigo, como três verdades primárias, base, princípio e fundamento de todas as outras, indispensáveis a uma existência digna, útil e venturosa, as seguintes: 1ª. Deus existe. 2ª. O homem nasce e deve morrer livre. 3ª. O homem é a medida de todas as coisas. Deus, incontestavelmente, é a primeira e a mais fundamental de todas as verdades. Não precisa de demonstração. Todos nós a sentimos, embora uns mais, outros menos, palpitante e profundamente. A estes últimos, que poderei dizer? Apenas que procurem adubar, quanto possam, a Fé. Sem esta, irmã gêmea da Esperança, o que seria de nós? (discurso como paraninfo, 1960) * Assim eu penso e me ensinou Frei Genésio, professor de catecismo do Colégio Santo Antônio de Blumenau: “Nós – dizia ele – somos um pedaço de Deus”! “Deus é toda a Natureza e se manifesta em cada um de nós através da nossa consciência”! (dezembro/1986) * Joaçaba, domingo, 5 de maio de 1968 Querido Diomário, meu filho, Aproveitando o silêncio da casa [...], vou tentar responder sua “difícil” carta do dia 7 de abril, dia do meu aniversário e escrita de Londres, pois, na verdade, das perguntas que Você me possa formular, nenhuma será tão difícil de responder quanto sobre a existência ou não de DEUS. Não pelo que eu possa afirmar ou negar, o que seria fácil, mas pelo desejo de lhe poder incutir um pouco de FÉ verdadeira, o que talvez eu não conseguirei, o que é NATURAL, na sua ... idade! E aqui vai a primeira afirmativa: ELE, na Sua imensa bondade, não ficará mal com Você, nem lhe castigará por duvidar da Sua existência. Cristo não perdoou a São Tomé e fez dele seu Discípulo? Eu próprio, e até sua Mãe, não estamos sabendo receber sua carta e compreendê-lo? Portanto, não tenha receio em duvidar, desde que esta dúvida seja sincera. Mais do que nós, Ele saberá perdoar. E somente assim é que eu O compreendo e sempre O compreendi, desde o dia que Nele acreditei verdadeiramente! E isso 242 | Memórias de Alexandre Queiroz


aconteceu pela primeira vez – veja Você a ironia das coisas! – exatamente quando Você nasceu. [...] Também eu, desde moço, não só duvidava da Sua existência como negava. No Colégio Santo Antônio é conhecida a passagem, enquanto tio Enéas se confessava, eu me negava a tanto, e como, apesar disso, tirava sempre as melhores notas em Religião e era tratado com regalias pelo meu comportamento e iniciativas por toda a direção do Colégio [...], comecei não só a gostar da Igreja como dos Padres [...]. E assim foi também na primeira infância... Me confessei aos 12 anos, obrigado!!! Tio Tidinho, como Você sabe, era místico tanto quanto eu o sou atualmente, ou mais; nada fazia sem antes invocar o nome de DEUS. Mas tolerava e dizia: não se incomode que um dia, com o passar dos tempos, Você será “iluminado”... Tio Totônio [...], um dia, tendo eu lhe feito a mesma pergunta que Você ora me faz, respondeu-me: “o melhor mesmo é Você não se preocupar muito com o assunto... e se um dia Você chegar a acreditar, então Você passará a ser um homem feliz”. Tia Coletta, a quem eu também considerava e costumava chamar de Santa, costumava-me dizer: “não faz mal, não faz mal, pode continuar a pensar assim e eu continuarei a rezar por Você...”. Não obstante, eu continuava cético e não progredia na minha fé, embora sempre gostasse da Igreja e dos Padres. A sua Mãe pedia-me para ir à Missa, eu ia [...], e, depois daquela primeira comunhão, conseguiu que eu fizesse a segunda, para me casar... Um dia, porém [...], Você nasceu... e deu-se o “estalo”, ainda que de uma maneira que eu gostaria que não tivesse acontecido: sua Mãe passou mal após o parto, quase morreu, esteve algumas horas nesse estado de “morre não morre”, não havia injeção que a fizesse voltar a si ou “ressuscitar”. Eu estava feito uma “fera”, trancado no meu gabinete, assistido por um amigo, para que eu não agredisse o médico e mesmo o matasse, pois esta era realmente a minha intenção caso sua Mãe morresse... quando, então, entre abatido, medroso e vencido, eu senti a necessidade de apelar para alguém SUPERIOR, para Quem afinal apelei, em Quem encontrei apoio e fortaleza, e assim, vencida a “crise” e logo ressuscitada sua Mãe, prometi a mim mesmo jamais esquecê-Lo, o que tenho conseguido até a presente data e cada vez mais reconhecido! Argumento, lógica? Não é preciso. Eu senti necessidade Dele, eu ACREDITEI, e isso basta! A Sua existência, pois, é simplesmente uma questão de FÉ. E Fé é “inspiração”... “dom natural"... E se ela ainda não chegou a Você... um dia chegará! Ele é uma necessidade [...]. Só com Ele é possível PROGRESSO, só com Ele é possível HARMONIA, só com Ele é possível ORDEM, só com Ele é possível LÓGICA, só com Ele é possível AMOR, que é a base e fundamento de todas as coisas e manto diáfano que cobre todas as misérias humanas. E daí a minha final conclusão: FELIZ o homem que tem FÉ! Abraços e saudades. O pai, amigo, admirador e grato, Alexandre

Sobre as relações humanas “Tudo neste mundo é um reflexo de nossos sentimentos.” NOTA: Pratiquem a empatia! (dezembro/1986) * “Seu mau-humor não melhora a vida. Deixe esta carranca de lado e sorria.” NOTA: Sorria sempre... (dezembro/1986) * “Elogie sempre, em vez de reclamar. Agradeça sempre, em vez de culpar. Você crescerá em espírito e em magnetismo pessoal. Você será querido ou querida por todos, uma pessoa maravilhosa.” NOTA: Quem contesta? (dezembro/1986) * “A coisa que as pessoas mais gostam é de serem elogiadas. Às vezes um pequeno elogio dá a força que alguém precisa. Passe a elogiar as pessoas, no que elas têm de melhor, sempre que tiver oportunidade. MAS SEJA SINCERO E NÃO BAJULADOR.” NOTA: É o que eu sempre digo: Façam isso com os próprios Um legado em palavras | 243


filhos; não deixem os elogios só para os estranhos... (dezembro/1986) * “Quando você agrada e a recompensa não vem, sua satisfação se transforma em mágoa ou rancor secreto.” NOTA: Eu consegui transpor essa frustração. Jamais fiz qualquer benefício esperando recompensa! Uns são reconhecidos, outros não, mas tudo vale. É dando que se recebe (São Francisco de Assis) e, quando não, “é melhor dar do que receber”. É necessário que todos aprendam o grande, profundo e íntimo prazer de “DAR”! (dezembro/1986) * Lafaiete, queridão: A seu pedido, tenho o prazer de transcrever, aqui, alguns dos “Meus princípios” e as “Boas Maneiras de se viver”: - Nunca mentir; só falar, pois, sempre a verdade. A mentira só é perdoada no caso do médico, para “aliviar” o doente, ou no caso de Santa Cecília, para salvar alguém, mesmo um ladrão ou criminoso. - Ser sempre honesto e cordial com todos, qualquer que seja a maneira como me tratem. - Fazer, sempre, mesmo com dificuldade e, às vezes, eles não mereçam, o que for possível em favor dos meus inimigos, pessoais ou políticos; eles podem se converter, por qualquer motivo ou gratidão, em meus amigos. - Uma pequena desavença não deve prejudicar uma grande amizade. - Saiba compreender as imperfeições e ingratidões dos seus amigos. Ninguém é perfeito na vida. Todos temos os nossos pecados, erros e omissões, voluntários ou involuntários. Errar, enfim, como disse Eça de Queirós, famoso “sábio” português, é humano. - Seja benevolente em suas palavras, ações e, principalmente, nos seus julgamentos. - Uma palavra cruel fere profundamente e é capaz de terminar uma velha amizade. Ao contrário, uma palavra amável cura e é capaz de fazer milagres. - Ao dividir alguma coisa, deixe ao outro a prioridade de escolher. - Depois de fazer um favor, não o lembre a quem o fez. - Exercite sua humildade; faz bem à alma. - Não impeça que alguém lhe faça algo de bom. (sem data) * Quando acho algo bom eu sorrio, quando acho ruim fico quieto. (à neta Simone, em abril/2004)

Sobre viver bem “A maior riqueza que qualquer pessoa pode possuir é a PAZ DE ESPÍRITO.” NOTA: Anote-se: acima mesmo da própria saúde! (dezembro/1986) * “Não fique preso, apegado, amarrado a coisa nenhuma deste mundo material.” NOTA: Que melhor conselho do que este? MARCO AURÉLIO já ensinava: “Quem se apega demasiadamente à vida e às coisas materiais, já as perdeu”! (dezembro/1986) * “Sua felicidade depende do que você pensa de si mesmo.” NOTA: Esta lição é de Pitágoras, que dizia: “Pense num ideal perfeito e o obterá.” (dezembro/1986) * “Não é preciso ser santo... é preciso ser correto.” NOTA: “Correto e bom”, eu diria. (dezembro/1986) * “Dois elementos são vitais para a saúde do corpo: muito AR puro e muita ÁGUA.” NOTA: É a lição magna de Victor Pauchet em “O Caminho da Felicidade”. Quanto à água, todavia, ainda tenho a dizer o seguinte: bebo todos os dias, em jejum, um copo grande de água, na temperatura natural (e não gelada, como diz o autor a seguir). Assim tenho procedido desde os 45 anos de idade... (dezembro/1986) * “É preciso lutar e trabalhar muito, mas muito mesmo, desde cedinho até de noite, sem parar.” NOTA: É o que eu sempre fiz, creio, e continuo fazendo, apesar dos meus 70 anos. Como costumo dizer, “se trabalho matasse, eu estaria morto há muito 244 | Memórias de Alexandre Queiroz


tempo”... Todavia, saiba como fazê-lo: não seja relógio nem burro de carga... (dezembro/1986) * Todo excesso é mal, até a água (bebê-la em excesso pode levar à morte), a religião (o excesso leva ao fanatismo), a liberdade (o excesso leva ao caos) e até a virtude (mulher muito honesta não se casa!)!! (década de 1980) * Vivei como as crianças, ou desportivamente, conforme professa Alfred Adler, o magnífico discípulo de Freud. A vida é curta, transitória, e não devemos fazer dela um fardo mais pesado do que o exigido pelo Criador. Por que guardar ódio, rancores e ressentimentos? O ódio não constrói, mas o amor sim; não é castigando, mas perdoando, que corrigimos; não é recebendo, mas dando, que aumentamos; não é destruindo, mas construindo, que seremos felizes... E a vida, em que pese a comparação modesta, não passa de uma disputa esportiva: deve ser levada a sério, mas não tão a sério que se faça dela um fim e não um meio. Esquecer é uma arte divina, e disso se encarregará o tempo. Cultivai a amizade e procurai conviver com todos. O homem, como afirmou sabiamente Aristóteles, é um animal social. Portanto, não pode viver sozinho, mas precisa da convivência do seu semelhante. Façamos pois dessa convivência fatal, necessária, a melhor possível. E não somente com uns, ou alguns, mas com todos, indistintamente. Quanto maior o número de amizades, mais feliz será o homem. Não ponhais jamais a culpa dos vossos erros nos outros, ainda que estes tenham contribuído para eles. Mas ninguém poderá ser totalmente culpado pelo erro de outrem. Cada um é culpado, uma parcela mínima que seja, do seu próprio erro. Combatamos, pois, em nós essa parcela mínima, e deixemos a do próximo. Não é querendo corrigir a esses que nós nos corrigiremos. Só dizei a verdade, mas não digais todas as verdades. É essa outra sublime lição do grande Stagirita. Difícil, entretanto, é saber o que é a verdade. Disse Cristo que ele era a Verdade e assim o creio. Mas aqui me refiro à verdade pragmática, opositora da mentira, àquela que logo somos acusados pela consciência quando a ela faltamos. É a essa verdade comum, de todos os dias, que me refiro. Indispensável à convivência humana, mas não tão indispensável que não possamos resguardá-la ou ocultá-la por algum tempo ou mesmo todo o tempo. Se todas as verdades fossem ditas por todos ao mesmo tempo, afirma Freud em “A psicanálise da guerra”, o mundo seria destruído em poucos minutos... Portanto, que valha a lição do filósofo da Academia. Respeitai, em qualquer circunstância, o sentimento alheio. Isto é, não melindreis o próximo, propositadamente, com o ânimo de fazê-lo, ainda que ele o faça. Um erro não justifica outro erro. Cuidai da saúde. Sim, porque descurá-la é suicidar-se, ainda que paulatinamente... E depois da educação, é o maior bem, material, que podemos conquistar na vida. Tende boas maneiras. Em outras palavras, o que puder conquistar mansamente, não o façais com violência. A violência gera a violência, e não há coração humano, por mais empedernido, que não se renda a um elogio ou a um gesto de cortesia. Elogio sincero, porém, e não bajulação. Esta envilece ao bajulador e enoja ao bajulado. A cortesia, entretanto, tudo vence. Sede diligentes. Diligentes em tudo. No agir e, mais ainda, no modo de agir. A vida é ação; a inércia a sua negação. Aprendei e educai. A educação é a fonte perene e inesgotável de todos os bens terrenos. E se, realmente, o nosso destino na Terra é a felicidade, somente poderemos consegui-la, individual ou coletivamente, através da educação. Aprender é uma necessidade; educar, um bem. Aprender é receber; educar é dar; mas, verdadeiramente falando, somente dando é que recebemos. Não importa que não tenhais vocação para professor. Mas educai, assim mesmo, onde estiverdes e quanto possível, com a palavra e com o exemplo. (Discurso de paraninfo aos Contadorandos de 1960 da Escola Técnica de Comércio Frei Rogério, Joaçaba/SC, reproduzido parcialmente)

Um legado em palavras | 245


E a vida


continua...


Netos e bisnetos Enéas, o Cotinho, com Cristiane e as filhas Josiane, Jéssica e Beatriz.

Ângela com Patrick e os filhos Leonardo e Naiane.

Olga com Anderson e os filhos Caetano e Leila.

248 | Memórias de Alexandre Queiroz

Lia com Pablo e os filhos Ana Clara, Lucas Diomário e Gabriel.

Helena com Eduardo e Camila.

Antônio Bernardo com Michele e Theo.

Simone com Santiago e os filhos Tiago Antônio, Maria Cristina e Gabriela.

Bruna e Gilberto Lafaiete, os netos mais novos.

Ulisses e Roberta.


Max com Mariana e os filhos Vítor e João.

Sérgio com os filhos Thomas e Nicolas.

Vítor com a sobrinha Isadora.

Gustavo e a filha Camila.

Eneida, grávida de Vinícius, com Alissiano e o filho Alexandre.

Alexandre com Melissa e as filhas Caterina e Isabela.

Luise com Clóvis e o filho Augusto.

André Zacarias com Halline e as filhas Júlia, Laura e Sofia.

Fernanda e Regis.

Dulce com Decarlos e os filhos Caio e Isadora.

Netos e bisnetos | 249


Mapeamento genealógico Enéas Vasconcelos de Queiroz e descendentes Descendentes do primeiro casamento, com Ritta Lobão Muniz de Queiroz 1. MANOEL LOBÃO MUNIZ DE QUEIROZ 17.6.1912, Valença/BA – 29.3.1996, Florianópolis/SC Juiz de Direito Clotilde Duarte de Queiroz 29.3.1919, Laguna/SC – 25.2.1973, Florianópolis/SC 1. Rogério Duarte de Queiroz 9.6.1940, Jaraguá do Sul – 12.1.2016, Florianópolis/SC Filhos: Rodrigo, Rafael e Felipe 2. Valéria Duarte de Queiroz 4.7.1941, Tubarão/SC 3. Rosalba de Queiroz Scherer 25.12.1945, Tubarão /SC Filhos: Eduardo, Marcelo e Fernando

1. José Carlos Zanella de Queiroz 7.3.1942, Joaçaba/SC Filhos: Iara, Simone e Fabiano 2. José Luiz Zanella de Queiroz 11.7.1945, Joaçaba/SC Filhos: Luiz Eduardo, Graziela e Giovana 3. Heloisa de Queiroz Zandonai 22.1.1947, Laguna/SC Filhos: Daniela, Fabíola e Maurício 4. Carolina Zanella de Queiroz 6.3.1957, Curitiba/PR Filhos: Ana Carolina e Rafaela

3. ENÉAS MUNIZ DE QUEIROZ 4. Neusa de Queiroz Santos 25.4.1948, Tubarão/SC Filhos: Manoel e Pedro 5. Cláudio Duarte Lobão de Queiroz 31.1.1957, Tubarão/SC Filhos: Luana e Lucas 6. Fernando Duarte de Queiroz (fevereiro a junho de 1958)

2. JOSÉ BENEDICTO MUNIZ DE QUEIROZ 2.7.1913, Valença/BA – 7.3.1987, Curitiba/PR Engenheiro Civil Dirce Zanella de Queiroz 1.6.1918, Laguna/SC – 14.5.2012, Curitiba/PR 250 | Memórias de Alexandre Queiroz

29.9.1914, Valença/BA – 4.12.1997, Curitiba/PR Engenheiro civil Alda Cabral de Queiroz 19.6.1918, Tubarão/SC 1. Ana Rita Cabral de Queiroz 13.12.1941, Tubarão/SC Filhos: Cláudia, Laura e Marcelo 2. Ana Lúcia Cabral de Queiroz 27.3.1945, União da Vitória/PR Filhos: Adriana, Mariana e Eduardo 3. José Francisco Cabral de Queiroz 25.12.1947, União da Vitória/PR


4. Antônio Carlos Cabral de Queiroz 19.6.1952, União da Vitória/PR Filhos: Bianca e Marco Antônio

4. ALEXANDRE MUNIZ DE QUEIROZ 7.4.1916, Valença/BA – 23.7.2007, Florianópolis/SC Advogado Dulce Fernandes de Queiroz 20.4.1919, Gravatal/SC – 18.1.1983, Florianópolis/SC Professora Ivette Mariana Antonucci Thomé 17.5.1935 – 18.4.2008, São Paulo/SP Secretária executiva bilíngue 1. Maria Perpétua de Queiroz 26.12.1942, Salvador/BA Professora Sérgio Ângelo Pretto 30.5.1936, Caxias do Sul/RS – 29.8.1973, Joaçaba/SC Economista Marcilio Cesar Ramos Krieger 4.11.1938, Brusque/SC – 25.2.2010, Florianópolis/SC Advogado 1. Beatris Regina Silva Krieger 26.7.1967, Volta Redonda/RJ Cantora e compositora Erik West Milette 4.2.1967, Montreal - Canadá Produtor musical 1. Carlos Victor Krieger 27.4.2005, Florianópolis/SC 2. Antônio Bernardo de Queiroz Krieger 2.7.1981, Florianópolis/SC Médico ortopedista Michele Lonardoni Krieger 19.2.1981, Maringá/PR Médica oftalmologista 1. Theo Lonardoni Krieger 3.9.2015, Curitiba/PR

3. Olga Maria de Queiroz Krieger 18.10.1982, Florianópolis/SC Advogada Anderson Luis de Almeida 18.5.1981, São Bento do Sul/SC Arquiteto 1. Caetano Krieger de Almeida 26.7.2013, Curitiba/PR 2. Leila Krieger de Almeida 16.2.2016, Curitiba/PR 2. Antônio Diomário de Queiroz 12.4.1944, Boa Nova/BA Professor e administrador público Maike Hering de Queiroz 30.12.1944, Blumenau/SC – 19.4.2006, Florianópolis/SC Bióloga Rosa Assunta de Cezaro 30.10.1954, Viadutos/RS Professora 1. Simone Hering de Queiroz Yunes 22.1.1971, Paris - França Administradora Santiago Francisco Yunes 3.6.1969, Santa Fé - Argentina Químico 1. Tiago Antônio de Queiroz Yunes 13.3.1998, Florianópolis/SC 2. Maria Cristina de Queiroz Yunes 13.3.2001, Florianópolis/SC 3. Gabriela de Queiroz Yunes 25.1.2006, Florianópolis/SC 2. Alexandre Hering de Queiroz 12.6.73, Florianópolis/SC Engenheiro de Produção Mecânica Melissa Tensini Hering de Queiroz 1.11.1975, Brusque/SC Nutricionista 1. Caterina Tensini de Queiroz 1.8.2001, Florianópolis/SC 2. Isabela Tensini de Queiroz 7.10.2003, Florianópolis/SC

Mapeamento genealógico | 251


3. Max Hering de Queiroz 6.6.1975, Florianópolis/SC Engenheiro, professor universitário Mariana Arzua de Queiroz 18.8.1978, Brusque/SC Bioquímica 1. Vítor Arzua de Queiroz 22.8.2008, Florianópolis/SC 2. João Arzua de Queiroz 23.3.2012, Florianópolis/SC 4. Lia Hering de Queiroz Yunes 31.3.1977, Florianópolis/SC Administradora Pablo Rosendo Yunes 3.6.1966, Santa Fé - Argentina Engenheiro Químico 1. Ana Clara de Queiroz Yunes 24.5.2003, Florianópolis/SC 2. Lucas Diomário de Queiroz Yunes 15.4.2005, Florianópolis/SC 3. Gabriel de Queiroz Yunes 15.8.2011, Florianópolis/SC 5. Ângela Hering de Queiroz 24.2.1980, Florianópolis/SC Psicóloga e pedagoga Patrick Alex Freitas da Silva 24.4.1980, Florianópolis/SC Programador 1. Leonardo de Queiroz da Silva 18.7.2011, Florianópolis/SC 2. Naiane de Queiroz da Silva 2.6.2014, Florianópolis/SC

3. Enéas Jeremias de Queiroz 10.7.1945, Itambé/BA Engenheiro, empresário Léa Berenice Ulir de Queiroz 13.10.1953, Mafra/SC Empresária 1. Enéas Ulir de Queiroz 24.6.1975, Videira/SC Contador Cristiane Argenta de Queiroz 22.10.1978, Videira/SC Empresária 1. Josiane Argenta de Queiroz 18.10.2001, Monte Carlo/SC 2. Jéssica Argenta de Queiroz 30.1.2003, Monte Carlo/SC 3. Beatriz Argenta de Queiroz 2.7.2009, Videira/SC 2. Ulisses Muniz de Queiroz 17.8.1977, Mafra/SC Contador Roberta Nunes de Queiroz 9.10.1986, Videira/SC Advogada 3. Helena Fernandes de Queiroz Argenta 12.9.1978, Rio Negro/PR Empresária Eduardo Argenta 14.5.1976, Videira/SC Empresário 1. Camila de Queiroz Argenta 7.3.2013, Videira/SC 4. Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto 31.7.1982, Videira/SC Advogada Alissiano Francisco Miotto 30.10.1981, Campo Erê/SC Contador 1. Alexandre de Queiroz Miotto 18.7.2011, Florianópolis/SC 2. Vinícius de Queiroz Miotto 19.1.2015 – 14.2.2015, Florianópolis/SC

252 | Memórias de Alexandre Queiroz


4. Luiz Lafaiete de Queiroz 7.12.1946, Tubarão/SC Engenheiro Eletricista Neide de Queiroz 7.7.1947, Salvador/BA Bioquímica Vera Lúcia Coelho 28.6.1949, Tubarão/SC Assistente Social 1. Sérgio Guilherme de Queiroz 10.11.1976, Balneário Camboriú/SC Empresário 1. Thomas Schmidt de Queiroz 13.7.2006, Florianópolis/SC 2. Nicolas Schmidt de Queiroz 24.10.2008, Florianópolis/SC 2. Gustavo Vasconcelos de Queiroz 13.1.1979, Balneário Camboriú/SC Empresário 1. Camila de Queiroz Becerra 20.7.1997, Mar del Plata - Argentina 3. Gilberto Lafaiete de Queiroz 27.10.1988, Florianópolis/SC Empresário 5. Luiz Fernando de Queiroz 13.8.1948, Joaçaba/SC Advogado, empresário Elin Tallarek de Queiroz 6.11.1944, São Bento do Sul/SC Professora

2. André Zacarias Tallarek de Queiroz 3.12.1977, Curitiba/PR Advogado Halline Digner de Queiroz 11.2.1979, Pato Branco/PR Química 1. Júlia Digner de Queiroz 29.4.2008, Curitiba/PR 2. Laura Digner de Queiroz 9.9.2011, Curitiba/PR 3. Sofia Digner de Queiroz 31.12.2014, Curitiba/PR 6. Maria Tereza de Queiroz Piacentini 30.7.1951, Tubarão/SC Revisora e professora Valmir Humberto Piacentini 3.9.1948, Siderópolis/SC Engenheiro de Telecomunicações 1. Dulce de Queiroz Piacentini 18.4.1976, Florianópolis/SC Editora e doula pós-parto Decarlos Furtado Menna 4.1.1978, Santa Vitória do Palmar/RS Programador 1. Caio Piacentini Menna 16.2.2012, Wellington - Nova Zelândia 2. Isadora Piacentini Menna 25.5.2014, Florianópolis/SC 2. Vítor de Queiroz Piacentini 19.4.1980, Florianópolis/SC Biólogo

1. Luise Tallarek de Queiroz Maliska 17. 3.1974, Curitiba/PR Advogada Clóvis Raimundo Maliska Júnior 3.4.1976, Florianópolis/SC Engenheiro, empresário 1. Augusto de Queiroz Maliska 8.11.2009, Florianópolis/SC

Mapeamento genealógico | 253


7. Luiz Paulo de Queiroz 22.8.1957, Tubarão/SC Médico neurologista Célia Márcia Pamplona de Queiroz 12.3.1959, Florianópolis/SC Orientadora Educacional 1. Fernanda Pamplona de Queiroz Rodrigues 4.2.1983, Florianópolis/SC Neuropsicóloga Regis Rigolino Rodrigues 20.1.1984, São Paulo/SP Médico 2. Bruna Pamplona de Queiroz 26.12.1991, Florianópolis/SC Advogada

5. YVONNE MUNIZ DE QUEIROZ 3.5.1920, Valença/BA – 2.1.2003, Salvador/BA Professora (de formação) José Maria Maia de Queiroz 2.6.1912, Valença/BA – 10.2.1976, Salvador/BA

3. Arno Duarte Filho 23.8.1954, Araranguá/SC Filhos: Juliana e Isabel 4. Ricardo de Queiroz Duarte 31.8.1957, Araranguá/SC 5. Ana Lúcia de Queiroz Duarte 31.1.1961, Araranguá/SC ---------------------------------------------------------------------

Descendentes do segundo casamento, com Baronísia Sapucaia 7. MARIA DO ROSÁRIO QUEIROZ SILVA 22.10.1929, Cachoeira/BA – 13.11.2002, Laguna/SC Ned Perfeito da Silva 18.2.1924 – 11.4.2004, Laguna/SC 1. Maria da Graça Silva Candemil 5.11.1947, Laguna/SC Filhos: Alexandra, Luciano, Karina e Flávio

1. Rita Muniz de Queiroz Pereira 30.9.1942, Salvador/BA Filhos: Anete e José Otávio

2. Thereza da Ressurreição Queiroz Silva 17.4.1949 – 13.2.2002, Laguna/SC

2. Beatriz Muniz Maia de Queiroz 29.3.1944, Salvador/BA Filho: Marcos

3. Sandra Helena Queiroz Silva (Pereira) 13.8.1962, Tubarão/SC Filhos: Gabriel e Águida

3. Anita Muniz de Queiroz Vitória 23.12.1960 – 30.3.2013, Salvador/BA Filhos: Ian e Jana

6. THEREZA DA CONCEIÇÃO MUNIZ DE QUEIROZ 25.2.1927, Cachoeira/BA – 3.4.2001, Curitiba/PR Professora Arno Duarte 7.11.1921, Jaguaruna/SC – 6.6.1993, Curitiba/PR 1. Ana Maria Duarte Somma 13.5.1950, Tubarão/SC Filhos: Ana Luiza, Rafael, Edgar e Maria Olívia 2. Maria Thereza Duarte Carneiro da Cunha 20.3.1952, Orleans/SC Filhos: Anna Paula e Rodrigo 254 | Memórias de Alexandre Queiroz

---------------------------------------------------------------------


Descendentes do terceiro casamento, com Laura Freitas 8. ARISTIDES FREITAS DE QUEIROZ 22.12.1940, Belo Horizonte/MG – 13.11.2013, Euclides da Cunha/BA Médico obstetra Romilda Costa de Queiroz 18.4.1945, Itiúba/BA Zélia Barreto de Souza 3.10.1973, Santaluz/BA 1. Aristides Costa de Queiroz 15.1.1969, Senhor do Bonfim/BA Filhos: Aristides e Laura 2. Alexandre Costa de Queiroz 31.10.1971, Euclides da Cunha/BA Filhos: Henrique e Mônica 3. Auxiliadora Carla Costa de Queiroz 18.12.1974, Euclides da Cunha/BA Filha: Alexia 4. Ângela Costa de Queiroz 9.6.1980, Euclides da Cunha/BA Filho: Ariel 5. Enéas Souza de Queiroz 21.9.1993, Euclides da Cunha/BA

9. Antônio Paulo Silva Queiroz 11.9.1939, Salvador/BA Médico do Trabalho Rosa Angélica Silva Queiroz 2.2.1938, Salvador/BA 1. Paulo Marcus Silva Queiroz 15.11.1970, Salvador/BA Filhos: Larissa e Rodrigo 2. João Marcelo Silva Queiroz 20.9.1973, Salvador/BA Filhos: Bruna e Lucas 3. Luiz Eduardo Silva Queiroz 31.4.1976, Salvador/BA Filho: Felipe Mapeamento genealógico | 255


Índice onomástico Aderbal Ramos da Silva 107 Adolf Karl Tallarek 168 Adroaldo Ribeiro Costa 43, 52 Alan Rapoport 177 Albert Walsh 83-4 Alberto Beck e filhas 115 Alberto Chterpensque 175 Albino Sganzerla 206 Alda Cabral de Queiroz 19, 56, 77, 250 Alfred Adler 196, 245 Alexandre Costa de Queiroz 91, 255 Alexandre de Queiroz Miotto 159, 249, 252 Alexandre Galvão de Queiroz 33 Alexandre Hering de Queiroz 153, 229, 249, 251 Alexandre José de Queiroz 18-9, 33-4, 97 Alissiano Francisco Miotto 159, 249, 252 Alzira Lobão Muniz Walsh/Zizi 37, 61-2, 83-4, 86 Amândio Corrêa e filhos 115 Amélia Lima Coelho 165 Ana Clara de Queiroz Yunes 151, 248, 252 Ana Lúcia Cabral de Queiroz 77, 250 Ana Lúcia de Queiroz Duarte 87, 254 Ana Maciel Figueiredo 19 Ana Maria Duarte Somma 6, 87, 90, 254 Ana Rita Cabral de Queiroz 77, 250 Anderson Luis de Almeida 146, 248, 251 André Zacarias Tallarek de Queiroz 34, 168, 233-4, 237, 249, 253 Andrea Thomé 223 Ângela Costa de Queiroz 91, 255 Ângela Hering de Queiroz 151, 154-5, 228, 231, 237, 248, 252 Anita Muniz de Queiroz Vitória 79, 254 Anna Lobão Muniz de Souza 18, 37-8, 61, 65 Anna Rosa da Cunha Galvão de Queiroz 18, 33-4 Antonieta Hüttner 196 Antônio Bernardo de Queiroz Krieger 14, 145-6, 248, 251 Antônio Bernardo de Vasconcelos 19, 27 Antônio Bernardo Maia de Queiroz 51 Antônio Bernardo Vasconcelos de Queiroz/tio Totônio 14, 18-9, 23, 33, 42-9, 52-3, 61, 79, 93, 103, 133-4, 145-6, 169, 237, 239 Antônio Carlos Cabral de Queiroz 77, 251 Antônio Carlos Konder Reis 145 Antônio Diomário de Queiroz 8, 14, 34, 72, 98, 119-21, 123, 132, 134, 138, 141-2, 148-55, 157, 159, 163, 173, 175, 201, 203, 256 | Memórias de Alexandre Queiroz

207, 216, 220, 222, 228, 231, 233, 237, 241, 251 Antônio Paulo Silva Queiroz 6, 14, 18, 92-3, 255 Aparecida Ferreira de Paiva e filha 223 Aristides Cimadon 150 Aristides Costa de Queiroz 255, 91 Aristides Freitas de Queiroz 14, 18, 55, 58, 83, 90-1, 93, 255 Aristides Galvão de Queiroz 18, 20, 23, 32-5, 41, 43, 51, 55 Aristides Vasconcelos de Queiroz/tio Tidinho 14, 19, 20, 33, 47-8, 50-3, 69, 79, 241, 243 Aristóteles 17, 241, 245 Arno Duarte 19, 84-7, 178, 254 Arno Duarte Filho 87, 254 Aroldo Murá G. Haygert 168 Arthur Schlösser 203 Atílio Fontana 188 Augusto de Queiroz Maliska 168, 249 Auxiliadora Carla Costa de Queiroz 91, 255 Baronísia Sapucaia/Bembem 9, 18, 55, 89, 254 Beatris Regina Silva Krieger 146, 251 Beatriz Argenta de Queiroz 157, 248, 252 Beatriz Loureiro Maia de Queiroz 19, 20, 33, 43, 45-8, 169 Beatriz Muniz Maia de Queiroz 79-80, 254 Brasílio Celestino de Oliveira 187-8 Bruna Pamplona de Queiroz 176-8, 234-5, 248, 254 Caetano Krieger de Almeida 146, 248, 241 Caio Piacentini Menna 173, 249, 253 Camila de Queiroz Argenta 159, 248, 252 Camila de Queiroz Becerra 162, 249, 253 Campos Salles 33-4 Carlos Danilo Costa Côrtes 167 Carlos Victor Krieger 146, 251 Carolina Vieira de Matos 27, 31 Carolina Zanella de Queiroz 75, 250 Castro Alves 106 Castro Rebello 106 Caterina Tensini de Queiroz 151, 153, 249, 251 Célia Márcia Pamplona de Queiroz 177, 179, 228, 254 Célio Vieira Pamplona 177 Christoph August Otto Tallarek 168 Cláudio Duarte Lobão de Queiroz 69, 73, 250 Clotilde Duarte de Queiroz/Quidinha 19, 69, 70, 73, 84, 87, 250 Clóvis Raimundo Maliska Júnior 168, 249, 252 Cristiane Argenta de Queiroz 157, 248, 252 Cristo 207, 241-2, 245


D. Pedro II 17, 28-9, 34 Daniella Thomé 223 Dante Alighieri 202 David Nicolas Fetzer Arrais 227 Decarlos Furtado Menna 173, 249, 253 Décio Brunoni 162 Dirce Zanella de Queiroz 19, 56, 75, 171, 250 Donald Robert Lash 165 Dulce de Queiroz Piacentini 15, 171, 173, 234, 249, 253 Dulce Demoliner de Pádua 190 Dulce Fernandes de Queiroz 8, 9, 14, 19, 41, 45, 48-9, 56-7, 69, 73, 77, 79, 83, 89, 93, 103, 107, 111, 115-6, 118, 120, 122, 124-35, 136-9, 149, 171, 177, 183, 187, 191-7, 205, 214-9, 222, 227, 234, 251 Eça de Queirós 202, 244 Edith Schisler 229 Edith Schmitt 171 Edna Corrêa 115, 175 Eduardo Argenta 159, 248, 252 Elin Tallarek de Queiroz 166, 168, 253 Elzi Dutra 177 Enéas Jeremias de Queiroz 8, 14, 100, 107, 115, 119-20, 134, 138, 141-2, 156-9, 161, 165, 201, 203, 207, 216, 220, 252 Enéas Lobão Muniz 37, 61, 83 Éneas Muniz de Queiroz 17, 19, 23, 38, 55-6, 61-2, 66, 76-7, 87, 89, 243, 250 Enéas Souza de Queiroz 91, 255 Enéas Ulir de Queiroz 157, 248, 252 Enéas Vasconcelos de Queiroz 9, 14-5, 18, 20, 23, 33, 37, 39, 41, 53-9, 65, 69, 75, 79, 83, 85, 89-91, 93, 115, 117, 171, 250 Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto 159, 249, 252 Erik West Milette 146, 251 Etel Kretzschmar 220 Eunice Maia de Menezes 149 Fabiana Schmitt Sommer 171 Fernanda Pamplona de Queiroz Rodrigues 176-8, 249, 254 Fernando Duarte de Queiroz 69, 250 Fernando Sabino 202 Filipa, a escrava liberta 39 Flávio de Carli 203 Frances Marshall Lash 165 Francisca Xavier de Figueiredo Lopes 19 Francisco Xavier de Figueiredo 19 Frei Odorico Durieux 149

Freud 196, 241, 245 Gabriel de Queiroz Yunes 151, 154, 248, 252 Gabriela de Queiroz Yunes 151, 248, 251 Galileu 44-5 Gandhi 241 Getúlio Vargas 207 Gilberto Lafaiete de Queiroz 161-2, 234, 248, 253 Gustavo Vasconcelos de Queiroz 161-2, 249, 253 Halline Aparecida Digner de Queiroz 169, 237, 249, 253 Helena dos Santos Queiroz 33, 51-2 Helena Fernandes de Queiroz Argenta 159, 248, 252 Heloisa de Queiroz Zandonai 75, 250 Hermínia de Figueiredo Lopes de Vasconcelos 18-9, 31, 33-4 Hilário Silvestre e filhas 115 Hilda Boleratski Fetzer 183, 225-7 Humberto Lyrio 43-4, 53 Ilson Ney Bemben 167 Inocêncio Galvão de Queiroz 23, 34 Iraí Zílio 207 Isabela Tensini de Queiroz 151, 153, 249, 251 Isadora Piacentini Menna 173, 249, 253 Ivette Mariana Antonucci Thomé 6, 18-9, 92-3, 216, 218-9, 223, 226-30, 236, 251 Jackie Wotkyns e filhos 171 Jacy Dalcanale 190 Jéssica Argenta de Queiroz 157, 248, 252 João Alfredo Guimarães 69 João Antônio de Vasconcelos 27, 30 João Arzua de Queiroz 151, 153, 249, 252 João Batista Ribeiro Neto 203 João Burgos de Menezes 149 João Jeremias Fernandes 125 João Marcelo Silva Queiroz 93, 255 João Marques dos Reis 53 Joaquim José Coelho Maia 19 Joaquim Santos de Queiroz 14, 18-9, 48, 51, 205 Joaquina da Cunha Galvão 19 Johann Wolfgang Meyer 168 José Américo de Almeida 205 José Antônio Vasconcelos 27 José Benedicto Muniz de Queiroz 17, 23, 55-6, 61-2, 65-6, 74-5, 77, 87, 107, 221, 250 José Carlos Zanella de Queiroz 19, 75, 250 José de Mello 111 Índice onomástico | 257


José Dionísio Rodrigues 165 José Domingos dos Santos 226 José Francisco Cabral de Queiroz 77, 250 José Jeremias Fernandes/Zezé e filhos 61, 115, 120 José Lobão Muniz 37 José Luiz Moreira Brum 165 José Luiz Zanella de Queiroz 75, 250 José Maria Maia de Queiroz 14, 18, 79-81, 102, 254 José Muniz de Souza Sobrinho 18, 36-9, 61, 64-5, 97 José Salvador Ferreira 167 Joseph Knabben 115, 125 Josiane Argenta de Queiroz 157, 248, 252 Júlia Digner de Queiroz 169, 249, 253 Julio G. Müller 178 Julio Paupitz 161 Jurandir Knabben 115 Juvêncio da Silva Gomes 33 Kazimir Kordylewski 44-5 Laércio Addor de Vasconcelos 175, 179 Lafaiete Pondé 107, 189 Laura Digner de Queiroz 169, 249, 253 Laura Freitas Monteiro 9, 18-9, 55, 58, 83, 91, 93, 171 Lauro Laertes de Oliveira 167 Léa Berenice Ulir de Queiroz 157, 159, 252 Léa Freitas Monteiro 55, 58, 83 Léa Walsh 83-4 Leila Krieger de Almeida 146, 248, 251 Léo Freitas Monteiro 55, 58, 83, 91 Leonardo de Queiroz da Silva 151, 154, 248, 252 Lia Hering de Queiroz Yunes 151, 153-4, 236, 252 Lineu Bonato 221 Lucas Diomário de Queiroz Yunes 151, 154, 248, 252 Luis Carlos Prestes 97 Luis Otávio Cavallazzi 175 Luise Meyer Tallarek 168 Luise Tallarek de Queiroz Maliska 168, 233-4, 249, 253 Luiz Carlos Coral 175 Luiz Carlos Fernandes e filhos 115, 120, 121 Luiz Eduardo Silva Queiroz 93, 255 Luiz Fernando Coelho 165 Luiz Fernando de Queiroz 8, 13-5, 119-20, 132, 134, 137-8, 142, 164-9, 171, 173, 175, 187, 197, 201, 216, 253 Luiz Gomes 161 Luiz Henrique da Silveira 150 Luiz Lafaiete de Queiroz 8, 14, 119-20, 134, 142, 157, 159, 160-3, 165, 187, 201-2, 227, 244, 253 Luiz Paulo de Queiroz 9, 14, 91, 93, 119, 138, 142, 174-9, 197, 201, 216, 228, 254 Luiza Bergler e filhos 115 258 | Memórias de Alexandre Queiroz

Maike Hering de Queiroz 98, 122-3, 150-1, 154, 157, 163, 173, 216, 228, 251 Manoel Alexandre de Queiroz 19 Manoel da Cunha Menezes e Vasconcelos 18-9, 29, 31, 34 Manoel Jeremias Fernandes/Neco 111, 114-23, 125, 149, 157 Manoel José Lopes 19 Manoel Lobão Muniz de Queiroz 17, 19, 23, 38, 55, 61-2, 67-73, 83-4, 89, 227, 250 Manoel Raymundo Galvão 19 Marcilio Cesar Ramos Krieger 145-7, 251 Maria Ana Vasconcelos de Queiroz 33 Maria Arminda de Queiroz Gomes 33 Maria Barra 141 Maria Benedicta da Assunção Menezes de Vasconcelos 19, 27 Maria Benedicta de Vasconcelos Queiroz 18, 31, 33-5, 43, 51, 55, 75 Maria Benedita de Queiroz Maia 33 Maria Bernarda 19 Maria Coletta de Queiroz Couto 33, 40-1 Maria Cristina de Queiroz Yunes 151, 248, 251 Maria da Graça Silva Candemil 89, 251 Maria das Neves Fernandes 125 Maria do Rosário Queiroz Silva/Maricota 18-9, 55, 88-9, 254, 79, 91 Maria Fernandes Corrêa/Mimi e filhos 115-6, 120 Maria Francisca Vasconcelos de Queiroz/tia Xixi 33, 41, 53, 97, 107 Maria Hermínia Vasconcelos de Queiroz 33 Maria Luiza Vasconcelos 175 Maria Maia 19 Maria Perpétua de Queiroz 8, 14, 48, 57, 72-3, 118-20, 125, 127, 131, 133-4, 137, 139, 144-7, 155, 159, 171, 177, 207, 214, 216, 233, 251 Maria Rosa da Silva Knabben/vó Dinda 115-6, 123, 125 Maria Tereza de Queiroz Piacentini 8, 13, 15, 35, 37, 41, 112, 119, 129, 132-5, 138-9, 145, 168-73, 175, 188, 197, 201-2, 216, 227-9, 234, 241, 253 Maria Thereza Duarte Carneiro da Cunha 87, 254 Mariana Arzua de Queiroz 153, 249, 252 Mariana Fetzer 231 Marie Johanna Meyer 168 Martim Afonso de Haro 203 Maura Fernandes e filhos 115, 122 Max Hering 98 Max Hering de Queiroz 122, 151, 153, 249, 251 Melissa Tensini Hering de Queiroz 153-4, 249, 251 Mercedes Gonzalez Soler 230 Michele Lonardoni Krieger 146, 248, 251 Miguel Russowsky 138, 178, 201, 203, 206, 222, 227


Mine Marie Klimmek 168 Naiane de Queiroz da Silva 151, 154, 248, 252 Ned Perfeito da Silva 89, 254 Neide de Queiroz 253 Nelson de Souza Oliveira 44-5 Nelson Pedrini 205 Neusa de Queiroz Santos 6, 69, 72-3, 250 Nicolas Schmidt de Queiroz 162, 249, 253 Olga Maria de Queiroz Krieger 15, 145-7, 171, 233, 248, 251 Orlando Gomes 104 Otávio Loureiro Maia 20, 33 Otto Frederico Feuerschuette 175 Pablo Rosendo Yunes 154, 248, 252 Patrick Alex Freitas da Silva 154-5, 248, 252 Paulo da Cunha Maia de Queiroz 14, 18 Paulo Marcus Silva Queiroz 93, 255 Paulo Pimentel 77 Pedro Paulo Schmitt 171 Perpétua Knabben Fernandes 48, 11, 114-23, 125, 133, 149, 157, 175, 227 Pitágoras 195, 241, 244 Regis Rigolino Rodrigues 178, 249, 254 Ricardo de Queiroz Duarte 87, 254 Ricardo Luiz Paludo 161 Ricardo Willy Fetzer 231 Rita Muniz de Queiroz Pereira 6, 79, 80, 92, 162, 254 Ritta Lobão Muniz de Queiroz 8, 17-8, 23, 33, 37, 55, 60-5, 69, 79, 83, 97, 241, 250 Roberta Nunes de Queiroz 159, 248, 252 Roberto Alves 231 Roger Georges Gavrois 161 Roger Wotkyns e filhos 171 Rogério Duarte de Queiroz 69, 70, 72-3, 145, 224, 250 Romilda Costa 91, 255 Rosa Angélica Silva Queiroz 92-3, 255 Rosa Assunta De Cezaro 151-2, 251 Rosalba de Queiroz Scherer 69, 73, 250 Rubens Fetzer 231 Ruy Barbosa 34, 99 Sandra Helena Queiroz Silva 6, 89, 254 Sandra Hromada 165 Santiago Francisco Yunes 151, 153-4, 248, 251 Sebastião José de Couto 33, 41 Sérgio Guilherme de Queiroz 161-2, 249, 253 Sérgio Ângelo Pretto 145, 251 Sérgio Vasconcelos 175 Sílvia Fernandes Silvestre e filhas 115, 120 Silvio Dobrowolski 203 Simone Hering de Queiroz Yunes 151, 153, 163, 232, 234, 236,

244, 248, 251 Sócrates 241 Sofia Digner de Queiroz 169, 249, 253 Svetozar Gligoric 199 Tancredo Neves 207 Tânia Piacentini 171 Terência Barra 39, 135, 137, 139-41, 155 Tereza Cristina de Bourbon 27 Theo Lonardoni Krieger 146, 248, 251 Thereza da Conceição Muniz de Queiroz Duarte 14, 18-9, 23, 55, 61, 64-5, 72, 82-7, 91, 171, 178, 216, 241-2, 254 Thereza da Ressurreição Queiroz Silva 89, 254 Thomas Schmidt de Queiroz 162, 249, 253 Tiago Antônio de Queiroz Yunes 151, 248, 251 Ulisses Muniz de Queiroz159, 248, 251 Valéria Duarte de Queiroz 6, 69, 70, 72-3, 250 Valmir Humberto Piacentini 171, 173, 253 Vera Lúcia Coelho 162-3, 231, 253 Vinícius Dellani 231 Vinícius de Queiroz Miotto 159, 249, 253 Vítor Arzua de Queiroz 151, 153, 249, 252 Vítor de Queiroz Piacentini 171, 173, 234, 249, 253 Vitória Russowsky 138, 222 Volnei Zapelini 161-2 Walburga Fernandes Beck e filhas 115, 117 Walter Thomé 227 Wilde Bértoli 175 Wilson Lemos 161 Yvonne Muniz de Queiroz 14, 17-9, 23, 38-9, 48, 55-6, 61, 64-6, 78-81, 93, 134, 171, 254 Zacarias de Goes e Vasconcelos 18-9, 23, 26-31, 34, 43, 69, 70, 168 Zélia Barreto de Souza 91, 255

Índice onomástico | 259


“E' esta - ter fé - a primeira condiçâo, em


tudo, para se ter êxito em qualquer coisa. ” Joaçaba, 20 de junho de 1948



Este livro teve seu primeiro lanรงamento no dia 9 de abril de 2016, durante jantar comemorativo do centenรกrio de nascimento de Alexandre Muniz de Queiroz, Florianรณpolis/SC, na presenรงa de familiares e amigos do homenageado. Um segundo lanรงamento ocorreu na cidade de Curitiba/PR, no dia 22 de abril de 2016. Editora Bonijuris


Este livro foi composto em Utopia e Encorpada Classic, impresso sobre papel couché matte, pela Gráfica Pancrom, em abril de 2016, na cidade de São Paulo.



Conhecer Alexandre Muniz de Queiroz significa conhecer suas origens. Pesquisar, identificar e desvendar seus antepassados, privilegiando aqueles que serviram de inspiração para Alexandre e que por ele sempre foram mencionados. Resgate que fizemos como porta de entrada para a história escrita da sua vida. * A construção de uma biografia responde a um duplo movimento de expandir e recortar, em que, como organizadoras, tivemos de escolher quais arquivos comporiam a história escrita da vida de Alexandre. As suas múltiplas facetas foram reconstituídas através de suas memórias, de fotografias icônicas e da coletânea de documentos por ele mesmo guardados. Se começamos o trabalho com o resgate dos seus antepassados e prosseguimos com o relato dos filhos, finalizamos com uma parte dedicada exclusivamente ao nosso biografado. Ao final deste intenso reconstruir biográfico, podemos desenhar um Alexandre que fala com orgulho da sua história, com carinho daqueles que amou e com alegria das aventuras da vida. Olga Maria Krieger

ISBN 978-85-65017-13-8

9 788565 017138

R$ 240,00


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.