Um Punhado de Coisas - José Maurício Ambrosio - Semente Editorial

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Um

Punhado de

Coisas

José Maurício A mbrosio

Rio de Janeiro, primavera / 2015 1ª edição



o que cabe no céu



aos meus pais por possibilitar, à Prem Rawat por conduzir, à minha esposa por participar, aos meus parentes do mundo, que se emocionam acompanhando a germinação das coisas.



que transborda do Sonho e entranha na Vida como tinta em papel



Pa l av r a s do autor Futuro do presente

Este Punhado de Coisas foi reunido aos poucos; formas surgidas em várias épocas e lugares já passados, físicos e emocionais, encarados como curiosos tipos de presentes distantes. Ao vê-los espalhados sobre a mesa, como farinha formando o espaço para sovar o pão, outras imagens surgiram e continuei a aumentá-lo então, misturando coisas novas ao que já estava pronto. Daí, quando me vejo nesse futuro poético, apresentando a outras pessoas os poemas presentes unidos aos passados, curiosamente noto que o punhado forma hoje um único passado, coberto de mel, passando agora para você como doce presente. Um presente que fico contente em oferecer, esperando que você goste, esperando sempre que você leia, para que abra minha poesia e espalhe tudo sobre a mesa como farinha torrada, perfumada, porque agora, amigo ou amiga, você faz parte do meu Punhado de Coisas futuras, numa boa. Bem-vindo, abraços.

Rio de Janeiro, primavera de 2015



P r efác io

Este é um texto suspeito. Nunca fiz um prefácio, não sei se este terá lógica. Alguém lê prefácio? Eu deveria estimular o leitor a ler o livro? Pois bem, pare de ler isso aqui e corra para desfrutar dos poemas do autor. É uma boa experiência, pode ter certeza. Porém, se não tiver pressa, pode continuar aqui, prometo que serei breve. Alguns poucos desses poemas são da época em que nos conhecemos; uns são canções; outros, apenas poesia. Os demais percorrem essas décadas ou são bem recentes, mas não se nota antiguidade ou urgência em nenhum deles, são de tempo nenhum. A boa poesia costuma ser atemporal. Fizemos muita arte juntos, debaixo de mau tempo. Éramos marginais entre os marginais, estávamos na terceira margem do rio. Acho que ainda estamos. Shows, teatro, cinema, literatura e humor, tudo por amor, por termos a arte em nosso espírito e a poesia em nossas veias. Anônimos e subversivos. Agora, Maurício (acho que é a primeira vez que o chamo assim), da terceira margem, despeja sua poesia no rio. 13


Deixa que flua por entre as outras margens. Beba-a. Sem sofreguidão. Saboreie delicadamente, pois há nela aromas tênues. Algo de transcendente que pode tocar regiões sutis de si mesmo. Permita-se ser tocado, caro leitor, solte sua imaginação, deixe sua intuição livre para perceber e poderá desfrutar do que há de melhor nesses poemas. O que está nas palavras e além delas, o que está na poesia e além. É o que importa. Para concluir esse breve prefácio, contarei uma historinha que talvez revele um pouco mais do autor desse livro. Eram os idos de 70, estávamos todos, nosso grupo de arte, em Guapimirim, caminhávamos por uma trilha, rumo a uma cachoeira próxima ao sítio onde nos hospedávamos. De repente, Maurício falou: esperem um pouco, andem devagar que eu vou lhes dar um presente. E adiantou-se, célere pela trilha. Ficamos um tanto perplexos, sem conseguir imaginar o que poderia ser. Continuamos a andar calmamente. Mais adiante, ao dobrarmos uma curva do caminho, estancamos todos. Minha sensação foi de um susto, um susto bom, leve. Maurício estava sentado, em posição de lótus, sobre uma pedra, em uma paisagem fantástica. Totalmente integrado na paisagem. Era como um quadro. Uma perfeita harmonia. Era pura poesia feita assim, com o corpo e com a beleza daquela natureza. Foi realmente um presente que mexeu com nossa sensibilidade, com nossa percepção, com nosso espírito. Um momento incrível, difícil de descrever, mas que nos tocou a todos. 14


É desse poeta que vos falo. E deixo-o agora, caro leitor, com o presente de sua poesia e de sua paisagem. Fique atento.

Paulo Márcio Pereira*

* Paulo Márcio Pereira é meu bom amigo de muito tempo. Sempre foi poeta, sempre foi diretor de teatro. É professor da arte teatral na Universidade Federal de Santa Maria. (Mostra o sonho pra eles Pereira !)

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Pneuma

Não faço poemas de rua nem traço poemas de mesa palavras brotam do susto da incerteza de ouvir nos sussurros do Tempo as histórias que envolvem minha própria natureza Sou filho do homem e de Deus nasci embrulhado nos véus tramei uma incrível jornada que descubro ser no início o ponto final a chegada Descrevo em minhas palavras coisas simples dessa estrada formada por sentimentos onde piso leve quase voo

quase voo 16


Não sou poeta sou poeira que gira nas danças do Vento e envolve os pequenos momentos lançando-os sobre um papel batendo firme nas teclas buscando do fundo do peito as sobras que trago do chão lembranças que me fazem sentir ainda parte de uma vasta Criação.

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Maçã e Macieira

O caminho das letras na palavra, da palavra na frase, da frase no texto, do texto na Vida podem talvez regar uma pequena flor escondida na vasta plantação de poesias adormecidas no pequeno peito daquele simples cidadão que atravessa a rua sem jeito e, com olhos embaçados, acompanha com tristeza o mundo em sua explosão.

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C éu sinto às vezes acho às vezes que há vezes que esqueço o que sou e torno-me um esquecimento e vago esquecido esquecendo aonde vou esqueço que sinto que sei e que sou há vezes que me acho há vezes que me finjo há vezes que me perco há vezes que me ensino às vezes crescido às vezes menino Ter r a 19


A Janela Entre as grades que as trilhas da chuva criavam no vidro da janela eu olhava a cidade que não parecia ser minha nebulosa escorregadia não era mais de ninguém As grades que desciam do céu marcavam também meu corpo com a lembrança do frio e eu expunha-me apenas como hálito quente embaçando o lado de cá do vidro fazendo a cidade ficar mais opaca mais distante Esfreguei a ponta do dedo na bruma abrindo espaço para o olhar e através de uma gota estática um ponto da grade parado no vidro diante de mim olhei a chuva forte brilhante como se fosse de luz Os prédios entrelaçados numa dança curiosa ondulavam margeando as ruas que escorriam percorrendo a cidade

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seguiam seu caminho levando e trazendo pequenas flores de nylon negras, azuis, amarelas, estampadas, algumas meio tortas e quebradas que mesmo balançadas pelo vento forte não paravam de ir e vir Somente nós permanecíamos parados em lados opostos do vidro lados opostos da visão eu olhava pela gota, talvez ela estivesse olhando por mim Eu via uma claridade fosca alterando a forma das nuvens e na gota podia sair e conhecer a queda e conhecer o ar explodir e secar não existia o horizonte e não existia sequer o chamar existia na gota a experiência da Vida através da grade do olhar E pra quem via era um rapaz na janela, chorando de tristeza, dor, talvez de amor, quem sabe.

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Cantiga

Tudo em nós é sagrado o fígado o baço até o pecado Tudo em nós é disposto o passo o rim até a ruga do rosto Tudo em nós é preciso o fim o salto o sopro até o riso

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Manutenção da Vida

E mais uma vez começa a brincadeira de gato e rato fecho os olhos busco dentro de mim no escuro te escondes mas consigo vislumbrar-te em claridade sorrindo mostrando-se às vezes sumindo-me às vezes quando fixo os olhos somes é minha atenção que pedes não meu olhar é a intuição que tenho não meu pensar é o amor que te dou ao buscar-te é o amor que me dás ao te ofereceres 23


Junto com o Sonho o o o quando me atirei à vidraça vi o vidro estilhaçar e meu olhar quebrar junto com o sonho frágil frágil que somos eu e meus olhos eu e meus sonhos o o o o

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pingos da chuva Da nça dos pi n g os d a chu va para música de Fernando Medeiros

pingos ... pra olhar você

dança dos pingos dança me salto m’embolo nos ventos

chuva na dança do pingo

desenho n’areia um lamento só pra ser romântico

pingo dança na chuva

pra dizer que espero pra dizer que te quero

sem muito dramapingos

na chuva

sem muita felicidade

dança na chuva do pingo

a medida certa do amor

é a eternidade... chuva pingo dança nos pingos pingos na chuva dança dos pingos da chuva

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pingos


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