ANTROPOLOGIA BÍBLICA

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. A ORIGEM DO HOMEM 3. O QUE É O HOMEM 4. EXPLICANDO A NATUREZA HUMANA

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CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA

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1 INTRODUÇÃO “Que é o homem?”, perguntaram Jó (Jó 7.17) e o salmista (Sl 8.4). Não há respostas simples para essa pergunta, porque ela se refere ao principal elemento de toda a criação, que é um ser completamente diferente dos demais. Ele é o único que raciocina, que questiona, que tem consciência de si mesmo, que busca uma razão além de si mesmo, que traz em si a imagem e a semelhança de seu Criador. Através dos tempos, filósofos, teólogos, esotéricos e cientistas têm se aplicado a fornecer uma resposta satisfatória a essa questão, mas de forma direta e objetiva a Bíblia nos informa: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1.26). Nestas poucas palavras está revelado um pouco do que é o homem, sua natureza e origem. A partir desse ponto, as Escrituras traçam várias características da humanidade, fornecendo uma base segura para compreendermos a nós mesmos e para entendermos o propósito divino. “Mas essa questão é importante? Que diferença isso faz, conquanto que vivamos nossa vida em paz?”, alguns podem indagar. Segundo o Dr. James Kennedy, a resposta que dermos à pergunta “o que é um ser humano?” determinará exatamente o que podemos fazer a um deles. Logo, responder a essa pergunta é essencial, pois uma visão antropológica distorcida pode gerar inúmeras atrocidades, como as perpetradas por Hitler durante a Segunda Guerra, quando mais de seis milhões de judeus – e também de outras etnias – foram mortos em nome da superioridade da raça ariana. Com certeza, seu conceito de ser humano não era de seres que são iguais por serem imagem e semelhança de Deus. Sua concepção antropológica estava fundamentada (ao que se sabe) em noções de raça como resultados de

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ANTROLOGIA BÍBLICA processos evolutivos. Portanto, judeus não eram iguais aos arianos, mas inferiores e até mesmo nocivos. Stalin e Lênin mataram milhões pelo êxito do comunismo porque estavam se opondo ao progresso da raça humana ao se manifestarem contra seu processo político. Pensemos também na atitude do homem diante da morte. Se ele é um ser existente apenas entre o rápido lapso de tempo entre seu nascimento e sua morte, o suicídio pode parecer, em muitos casos, uma boa opção. Não se deve olhar para nada além de si e de seu meio. Não há fundamento para qualquer ética. Não há base para definir o certo e o errado. O homem sempre tentou desvincular moral e religião, mas isso sempre foi impossível. Só existe certo e errado porque o homem é o que é. Ele entende as leis como algo externo, transcendente, porque recebeu sua natureza consciente e ética de um Ser Superior. Se o homem entende que não é criação de Deus, mas fruto de um processo evolutivo, não buscará a Deus por ignorá-lo ou por julgar que não precisa d’Ele, privando-se da sua graça. A visão que o homem tem de si determinará impreterivelmente seu comportamento ético e espiritual e influenciará sua atitude para com Deus e seus semelhantes. Como vemos, o que somos determinará impreterivelmente nossas atitudes éticas e espirituais. Influenciará nossas atitudes para com Deus e os homens. Se essas atitudes forem tomadas por líderes políticos, ou seja, pessoas que têm em suas mãos os destinos de outros, as consequências podem ser ainda mais drásticas. “Façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança” (Gn 1.26). Assim explica o Gênesis, em sua forma direta e objetiva, a origem da humanidade. Sem rodeios e discussão excessiva, ele não argumenta, mas revela, nessas poucas palavras, um pouco do que é o homem, sua natureza e origem. A partir desse ponto, as Escrituras vão traçando várias características, fornecendo uma base segura para a autocompreensão e para a compreensão do propósito divino. Conhecer a doutrina bíblica e também as doutrinas não bíblicas a respeito do homem é essencial compreendê-lo. Não podemos ignorar a pergunta feita por Jó e pelo salmista. Temos de nos empenhar para respondê-la, e esse é o propósito desta obra. 48

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A ORIGEM DO HOMEM O historiador Will Durante afirma que a História é um livro que se começa a ler pelo meio, mas até o momento tem sido impossível para a ciência histórica apontar para determinado ponto e asseverar infalivelmente: “Aqui principia a aventura humana sobre a Terra”. O historiador tem em mãos uma enorme colcha de retalhos, e nem sempre é possível dizer onde estão localizados o início e o fim. Alguns chegam a declarar que certas civilizações apontam para um declínio da humanidade e não para um progresso contínuo. A busca por responder às três perguntas mais essenciais para o ser humano – “Quem somos?”, “De onde viemos?”, “Para onde vamos?” – tem levado o homem a caminhos distantes. Durante muito tempo, de formas diversas, a religião tentou respondê-las por meio de seus mitos. Depois a ciência negou todos os postulados religiosos e advogou ser a única capaz de responder satisfatoriamente a essas perguntas. A pluralidade de crenças e ideias tem fornecido outras proposições na tentativa de resolver o enigma. Teorias se multiplicam, se conflitam e adquirem adeptos ferrenhos e seguidores apaixonados. Livros e mais livros são escritos para propagar seus conceitos. Para os cristãos, porém, a fonte não mudou. As Escrituras Sagradas, devidamente interpretadas, livre de tendenciosidade e inclinações perigosas, são suficientes para satisfazer o anseio por respostas a questões cruciais para a humanidade. Segundo as Escrituras, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, como coroa de toda a sua criação, e essa é “a declaração bíblica mais surpreendente com relação à humanidade”1. Partindo desses pressupostos, vamos analisar duas vertentes antropológicas e compará-las com a Bíblia. 1 Elwell, Walter A. et al. In Horton, David (ed.). Curso para formação de líderes e obreiros. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 149.

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ANTROLOGIA BÍBLICA 1.TEORIA EVOLUCIONISTA

Em 1859, o lançamento do livro Da origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida (mais tarde, foi abreviado para A origem das espécies), de Charles Darwin, no qual ele apresenta a Teoria da Evolução, causou um verdadeiro alvoroço. A partir de então, ele teria enorme influência não só sobre os conceitos científicos, mas também sobre os filosóficos e religiosos. As ideias propostas por ele já eram correntes havia muito tempo, mas ele forneceu munição científica para elas. O mundo jamais seria o mesmo. Segundo Darwin, os seres eram resultantes de outros seres de características inferiores. A origem de uma espécie estava em outra menos evoluída, e a evolução acontecia porque dentro de determinada espécie havia características que facilitavam sua sobrevivência. Assim, um lagarto que conseguisse saltar mais rápido teria mais chance de sobreviver do que os mais vagarosos. Esse processo, que levou milhões de anos, criou a cadeia que iria de um primitivo ser vivo semelhante a uma água viva até o ser humano tal qual o conhecemos. De acordo com essa teoria, o homem é resultado de uma evolução animal. Não existe nenhum valor especial no ser humano. Ele apenas progrediu mais do que os demais seres. Embora Darwin não tenha utilizado essas palavras, é o que se pode concluir de seu pensamento. Suas teorias iriam influenciar a visão do mundo e do homem muito mais do que ele poderia imaginar. As consequências da visão antropológica de Darwin em seu desenvolvimento histórico nem sempre têm sido devidamente analisadas, e as teorias derivadas de suas proposições tornaram-se muito mais significativas. 2.TEORIA VONDANIKINIANA

Outra teoria menos popular, lançada na década de sessenta do século passado, embora baseada em “provas” desmentidas posteriormente, deixou sementes difíceis de serem desarraigadas. Ela nasceu das proposições do suíço Erich Von Daniken, lançadas em seu livro Eram os deuses astronautas?, no qual ele defende a 50

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ANTROLOGIA BÍBLICA hipótese de que seres de outros planetas visitaram a Terra desde os tempos pré-históricos e de que eles eram os deuses descritos nas escrituras das principais religiões. Para comprovar sua teoria, Daniken afirma que certas construções antigas, como as pirâmides do Egito e os monumentos de Stonehenge, as Linhas de Nazca, no Peru, e textos obscuros encontrados em Heródoto e no épico hindu Mahabharata demonstram que as civilizações antigas sofreram influência de extraterrestres. Ele dá uma interpretação forçada dos fatos para fazer parecer que só podem ser explicados à luz de suas teorias. Até mesmo porções da Bíblia são distorcidas pelas suas conclusões. Hoje, os “vestígios de extraterrestres” apontados por Von Daniken foram devidamente interpretados e desmistificados. Mas de nada adiantou. Quem liga para gravuras e monumentos antigos, quando pessoas afirmam ter passeado de disco voador e entrado em contato com seres de outros planetas? É interessante conhecer a opinião de um dos maiores pesquisadores sobre vida extraterrestre, Frank Drake, do Projeto SETI (Search for Extraterrestrial Inteligence), que há mais de trinta anos busca sinais de vida inteligente fora da Terra. Ao ser perguntado se o planeta Terra já tinha sido visitado por seres de outro planeta, ele respondeu: “Não creio. Nunca foi achado nada de conclusivo que nos levasse a acreditar nessas pessoas que afirmam ter sido sequestradas ou mantiveram contato com seres extraterrestres. São crendices populares, nada mais. Nunca foi encontrada qualquer prova. Todos esses estranhos sequestros ocorrem à noite, quando a vítima está sonhando. Já investiguei alguns casos. Acho que essas pessoas têm problemas psicológicos”. A crença em seres vindos de outros planetas é um fenômeno do século 20, particularmente da segunda metade em diante. O Caso Roswell, ocorrido em 1947, foi o pontapé inicial de todo o processo. Destroços de uma nave alienígena teriam sido encontrados na localidade de Roswell, no Novo México, e o governo dos Estados Unidos estava escondendo tudo. Anos depois, os EUA revelaram que se tratava de um balão meteorológico para detectar possíveis testes nucleares russos. Posteriormente, uma nova teoria foi criada pelos adeptos do movimento da Nova Era: a Terra era sede de constantes visitas de extraterrestres, que possuíam 51

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ANTROLOGIA BÍBLICA uma civilização muitas vezes mais adiantada do que a nossa. Como uma espécie de laboratório, eles teriam plantado a vida aqui e estariam investigando os resultados. Alguns viveriam no interior do nosso planeta e de lá sairiam constantemente para fazer investigações. Estariam prontos para impedir uma guerra nuclear, caso houvesse. Isso criou uma verdadeira religião, e a ficção científica, por meio de livros e filmes, muito contribuiu para o desenvolvimento desses conceitos. Elementos espíritas, esotéricos e sinistros se encontram envolvidos no meio ufologista. Perdeu-se qualquer critério racional, e o que existe é um ocultismo aberto, em que seres extraterrestres não passam de um álibi para contato com espíritos estranhos. Como podemos perceber, os frutos dessa concepção foi uma visão completamente distorcida da vida, que não trouxe nenhum benefício para a solução dos problemas humanos, mas uma febre irracional por assuntos daninhos à vida espiritual, e até mesmo física, das pessoas, como se vê nos casos de abdução (suposto relacionamento sexual com seres extraterrestres) e os chamados contatos de sexto e sétimo grau, que têm afetado a saúde dos envolvidos.

3.DOUTRINA BÍBLICA

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gn 1.26-27). A narrativa bíblica é simples e direta a respeito do assunto. Dizer que o homem foi criado por Deus em um único ato nunca foi estranho a todos aqueles que receberam a mensagem do evangelho. Durante séculos essa explicação foi aceita sem dificuldades. Somente foi questionada quando um espírito irreligioso e materialista, apoiado em postulados naturalistas, lançou suas dúvidas sobre tudo o que se refere a Deus. 52

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ANTROLOGIA BÍBLICA Mesmo entre os que creem na Bíblia começou a surgir certo olhar de incredulidade sobre essa e as demais narrativas de Gênesis. O sentido literal foi desprezado e relegado a uma posição de “lenda” ou assumido como parábola, como mera representação de verdades espirituais. Nesse aspecto, já não falava mais em Adão e Eva como personagens históricos, mas apenas como “representantes da espécie humana”. As demais narrativas, como o Éden, a queda, o fruto do conhecimento do bem e do mal, Caim e Abel, o dilúvio, Babel, perderam seu sentido óbvio e direto, sofrendo novas interpretações que não se chocassem com as posições da ciência. Alguns pensam que isso é irrelevante para o cristianismo. Todavia, somente um entendimento literal dos primeiros capítulos de Gênesis possibilitaria uma aceitação evidente do Evangelho. A redenção só tem significado diante do entendimento do homem como imagem de Deus. Não se redimem animais evoluídos. O pecado só pode ser visto como tal quando é considerado como transgressão aos mandamentos de Deus. Se existe um salvador que se manifestou dentro da História, é porque em algum ponto dela o homem perdeu o propósito para o qual foi criado. Aceitar a criação do mundo e do homem conforme ensinado nas Escrituras não é opcional. Ou foi assim ou tudo não passa de mera divagação. Entre as coisas que podemos extrair das narrativas de Gênesis 1 – 3, como também das demais referências da Bíblia sobre essas passagens, estão: • Alguns teólogos fizeram uma tentativa de harmonizar a narrativa da criação com o sistema evolucionista. Porém, já se tem destacado que é frequentemente utilizada a expressão “dê fruto segundo a sua espécie” (1.11-12, 21). Desse modo, cada ser foi criado dentro de sua própria espécie. Não há possibilidade para dizer que uma espécie se transforma em outra. Por esse motivo, é difícil haver uma “evolução teísta”. • O homem foi criação de um ato deliberado da vontade de Deus, não um produto do acaso e de forças impessoais. O homem existe porque Deus assim o quis. A vida não é um acaso e menos ainda o homem. Mesmo que o darwinismo jamais tenha afirmado isso explicitamente, muitos assim inferiram. 53

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ANTROLOGIA BÍBLICA • O homem não é resultado de um processo evolutivo milenar, mas de um ato criativo imediato do Criador. Os cientistas evolucionistas não podem afirmar ter provas definitivas deste processo. Os historiadores, e mesmo paleontólogos, reconhecem que o homem inteligente “surge de repente na História”. Assim se expressou Carl Grimberg em sua História universal: “... foi no entanto repentino o nascimento de sua inteligência. Tudo faz supor que o limiar por onde se ascendeu diretamente ao pensamento foi transposto de uma só vez”. • O homem foi criado com o propósito de se sobrepor às demais criaturas. Igualá-lo com os animais, como certos segmentos têm feito, é minimizar seu papel na natureza. Classificá-lo cientificamente como pertencente ao reino animal é natural, mas nivelá-lo com os outros seres é outra história. • O homem apresenta uma característica que o coloca muito acima dos animais – ele foi criado segundo a imagem e semelhança de Deus. Isso não o torna igual a Deus, mas com certeza já o coloca acima dos demais seres. • Deus criou o ser humano com distinção sexual evidente. Não há espaços para escolhas dentro dessa área. O homossexualismo é antinatural, independentemente das justificativas. A criação original não dá margem para isso. • É até muito interessante o que alguns autores, entre eles Oswald Chambers, veem no texto de Gênesis 1.27: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou”. Isso também pode ser visto em Gênesis 5.1-2. A imagem de Deus não estaria impressa no homem ou na mulher individualmente, mas na unidade que ambos podem formar. De uma forma geral, nota-se que a mulher preenche certas lacunas que existem na personalidade do homem e vice-versa. Assim, homem e mulher, unidos, trazem em si a completa imagem de Deus em certos aspectos. Todavia, essa teoria apresenta certas dificuldades. Não é possível tal afirmação com base nessas passagens. Elas apenas nos levam a concluir que homem e mulher são iguais em sua natureza, ou seja, ambos trazem em si a imagem e semelhança de Deus. • O ser humano, apesar de suas potencialidades, teve seu caráter corrompido em diversos sentidos. Dizer que a humanidade está se aperfeiçoando é um otimis54

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ANTROLOGIA BÍBLICA mo sem base. Deus criou o homem reto (Ec 7.29). • Houve uma mudança na relação do homem com Deus. As religiões são uma prova de que há algo no homem que o leva a buscar alguma coisa além de si mesmo, que ele teve e perdeu. A história da queda é uma explicação lógica e coerente, que demonstra o contraste entre as boas aspirações humanas e suas más obras. 4.ADÃO E EVA COMO PERSONAGENS HISTÓRICOS

É estranha às Escrituras a noção de Adão como um símbolo, uma alegoria ou apenas um representante da humanidade. Ao fazer um paralelo histórico entre Cristo e Adão, Paulo praticamente anulou essa possibilidade. Se um existiu e determinou as condições da humanidade por suas atitudes, o outro fez de modo igual (Rm 5.17; 1 Co 15.45-49). Se um foi alguém com existência real dentro do espaço e do tempo, o outro com certeza o foi também. A ideia de que as raças existentes não derivaram de Adão não vem da Bíblia. A Teoria da Evolução tem levantado diversas questões e exigido respostas dos cristãos. Todavia, Paulo cria firmemente que toda a geração de homens veio de um único ser – Adão e sua esposa Eva (At 17.26), que recebeu este nome (que significa “vida”) por ser a mãe de todos os viventes (Gn 3.20). Claro que não podemos desprezar os postulados científicos e recusar qualquer resposta aos questionadores. Por outro lado, também não podemos inocentemente aceitar que o simples carimbo de “científico” sobre uma teoria nos obrigue a ignorar as óbvias posições das Escrituras. A ciência continua com muitos “elos perdidos” e não pode explicar satisfatoriamente a origem do homem sobre a Terra. Portanto, crer em um Adão literal não é, de forma alguma, ilógico, mesmo que não possamos responder a todos os questionamentos. É interessante notar que as tradições de diversos povos, principalmente dos povos do crescente fértil, falavam de um casal primevo, do qual teria se originado a raça humana. Alguns povos faziam desse casal a origem de sua raça. De qualquer forma, para os povos antigos não havia nada de estranho nessa pressuposição. 55

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ANTROLOGIA BÍBLICA Quando novas propostas foram lançadas, elas foram agarradas tenazmente, não porque tivessem sido provadas definitivamente, mas porque satisfaziam o ego humano em muitos sentidos. 5.A RELAÇÃO HOMEM E MULHER DENTRO DOS ASPECTOS ­CRIATIVOS DE DEUS

O movimento feminista, não podemos negar, trouxe muitos resultados positivos. Muitas injustiças e discriminações foram corrigidas, trazendo respeito para as mulheres no mundo todo. Todavia, ir de um extremo a outro é errado. Quando isso acontece, danos e consequências surgem nos relacionamentos sociais. O relacionamento entre homem e mulher ficou bem definido no próprio ato da criação. O feminismo, em sua forma mais rebelde e agressiva, contestou, com todas as suas forças, a posição de liderança masculina dentro do casamento. Por rejeitar o padrão bíblico, desestruturou famílias e criou uma visão de antagonismo entre homem e mulher que não tinha existido até então. Em primeiro lugar, é importante corrigir um concito errado quanto ao ensino das Escrituras sobre o relacionamento homem-mulher. Ambos são iguais em sua natureza. Tanto o homem quanto a mulher possuem a imagem de Deus (Gn 1.2627; 5.1-2). Quando Jesus diz que o Pai é maior do que ele (Jo 14.28), está falando de posição e não de natureza. O Pai podia ser considerado “maior” devido à sua posição hierárquica naquela ocasião, mas não era “melhor” do que ele, pois a natureza de ambos era igual. Maior fala de posição; melhor fala de natureza. Da mesma forma, dizer que a mulher está abaixo da posição do homem na escala de autoridade não é inferiorizá-la. Ela possui a mesma natureza do homem, e ele não é melhor do que ela. Se admitirmos que a posição de alguém o torna inferior, em sentido moral ou de natureza, então todos seriam culpados ao estabelecer posições e hierarquias. Em segundo lugar, há uma frase atribuída ao Talmud que, mesmo tendo apenas um sentido poético, pode servir para corrigir outro erro. Ela diz que a mulher foi tirada da costela para ficar ao lado do homem. Não foi tirada da cabeça para não 56

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ANTROLOGIA BÍBLICA estar acima dele, nem do pé para não ser pisada, mas de debaixo do braço, para ser protegida, e perto do coração, para ser amada. Nada justifica qualquer maltrato. Mas a posição do homem como cabeça do lar permanece atestada pelos seguintes fatos: a) Adão foi criado primeiro, e depois Eva (Gn 2.7; 18-23) – Não existe nenhum motivo para entender a criação do homem em Gênesis 1 de forma diferente daquela narrada em Gênesis 2. Esta é apenas uma descrição mais minuciosa da primeira. E está bem patente que Deus primeiro criou o homem e só posteriormente formou a mulher, quando percebeu que o homem estava incompleto. Paulo sanciona a narrativa bíblica ao dizer que “primeiro foi formado Adão, depois Eva” (1 Tm 2.13). Ele utilizou esse fato para mostrar que a mulher não deveria exercer autoridade sobre o marido (1 Tm 2.12). b) Deus criou Adão para Eva (Gn 2.18) e não o contrário – Deus deu Eva para Adão como uma auxiliadora capaz, idônea. O homem era o centro dos projetos de Deus, e assim ele criou outra pessoa para ajudá-lo. Mais uma vez o apóstolo dos gentios sancionou essa ideia dizendo: “… o varão não foi criado por causa da mulher, mas a mulher, do varão” (1 Co 11.9). É interessante notar que o apóstolo quase que imediatamente faz outra afirmação para evitar a ideia de um domínio que ignorasse a interdependência entre homem e mulher: “Todavia, nem o varão é sem a mulher, nem a mulher, sem o varão, no Senhor. Porque, como a mulher provém do varão, assim também o varão provém da mulher, mas tudo vem de Deus” (1 Co 11.11-12). c) Adão deu nome a Eva (Gn 3.20) – Isso indica seu direito ao domínio. Não podemos nos esquecer de que anteriormente ele teve autoridade para dar nome a todos os animais, e o nome que ele deu foi definitivamente aceito (Gn 2.19-20). Antes ele já havia dado a ela um nome geral, como ser da espécie feminina distinta dele (Gn 2.23), e agora, após a expulsão do Éden, deu-lhe um nome que a distinguiria das demais mulheres que haveriam de nascer. 57

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d) Deus deu o nome de homem à raça humana e não de mulher (Gn 5.2) – O termo homem foi criado por Deus, enquanto o termo mulher foi criado pelo próprio homem (Gn 3.20). É quase um senso comum se referir ao masculino como representante da humanidade. Até mesmo a gramática reflete esse fato. e) Deus se dirigiu primeiro ao homem após a queda (Gn 3.9) – Sua posição de liderança implicava responsabilidade. Não era à mulher ou à serpente que Deus pediria contas em primeiro lugar, mas ao homem. Cabia a ele ter evitado a situação, o que não aconteceu, por isso sofreria as consequências. f) Adão, e não Eva, era o representante da raça humana – A Bíblia fala do pecado entrando no mundo por meio de Adão e não de Eva (5.12). É nele que todos morrem (1 Co 15.22). É Adão que passa a ser uma prefiguração de Cristo como cabeça representativa de toda a raça humana (Rm 5.14). Dois pontos importantes ainda devem ser considerados dentro desse contexto: a) A queda não alterou os papéis do homem e da mulher. Ele continuou com o direito de governá-la (Gn 3.16). Mesmo que a queda tenha tornado esse governo sobre a mulher perverso e agressivo, contudo não tirou dele o direito de liderança. Não foi aqui o início do domínio, mas apenas uma confirmação dele. Não podemos esquecer que a rebelião passou a fazer parte da natureza humana, e era muito fácil Eva querer insurgir-se contra toda a autoridade. Era importante saber que seu desejo deveria ser para o seu marido. b) O cristianismo não anulou essas posições. Ele estabeleceu igualdade de direitos para ambos em Cristo (Gl 3.28), no sentido de que ambos possuem o mesmo acesso às dádivas espirituais do Evangelho. Por outro lado, sancionou as mesmas posições que existiam na época da criação, mas demonstrou que o relacio-

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ANTROLOGIA BÍBLICA namento deveria ser purificado de atitudes resultantes da queda, como a falta de amor do marido, por exemplo. Nem tudo que foi feito em nome do cristianismo esteve de acordo com os seus ditames. Nem tudo o que é realizado em nome das Escrituras possuem a aprovação de Deus. Um exemplo claro foi a escravidão, que era justificada pelos donos dos escravos com base em Gênesis 9, que nada mais era do que uma maldição lançada por um ancião embriagado. Se houve abusos de autoridade dos homens para com as mulheres, isso não justifica ignorar essa autoridade ou não dá a ninguém o direito de revogá-la. Não é porque os governantes falharam tantas vezes em sua liderança que a sua autoridade deve ser tirada. Deus previu a liderança do homem dentro da família em um clima de amor e respeito.

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O QUE É O HOMEM 1.A NATUREZA DO HOMEM

Os seres humanos, os seres angélicos e as pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo – possuem suas próprias características, suas particularidades, que os distinguem uns dos outros, e a Bíblia define qual é a natureza e os atributos de cada um deles. Apoiar-se em fontes externas é sempre perigoso. Claro que a biologia, a psicologia, a sociologia e a antropologia possuem seu valor na procura de um entendimento do homem, mas elas não são divinamente autorizadas, não exprimem a mente de Deus. São apenas tentativas do homem de entender a si mesmo e o seu semelhante. O mesmo podemos dizer da filosofia e das religiões. São tentativas, mas não afirmações definitivas sobre o que é o homem. Elas não podem fazer, e de fato não fazem, uma declaração infalível sobre a natureza humana. É curiosa uma frase encontrada em um dos principais diálogos de Platão, o Fédon, em que é discutida a questão sobre a alma: “Meu ponto de vista, Sócrates, a respeito de questões deste gênero, sem dúvida será também o teu, é que um conhecimento certo disto, na vida presente, se não impossível, pelo menos é extremamente difícil de obter. Mas, por outro lado, está claro, se as opiniões relacionadas a tudo isso não forem submetidas a uma crítica realmente aprofundada, se se abandonar o assunto sem antes ser examinado em todos os sentidos, então é porque se tem uma natureza fraca! É necessário, pois, a este propósito, fazer uma das coisas seguintes: Não perder a ocasião de instruir-se ou procurar aprender por si mesmo, ou então, se não for capaz de uma, nem de outra destas ações, ir buscar em nossas antigas tradições humanas, o 60

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ANTROLOGIA BÍBLICA que houver de melhor e de menos contestável, deixando-se assim levar como sobre uma jangada, na qual nos arriscaremos a fazer a travessia da vida, uma vez que não a podemos percorrer, com mais segurança e com menos risco, sobre um transporte mais sólido: quero dizer, uma revelação divina!”. Somente uma revelação de Deus, e não a razão, pode nos ajudar nessa questão tão séria e importante, que é definir o que é o homem. 2.VISÃO MATERIALISTA

O racionalismo do século XVIII, mais tarde aliado ao espírito científico e ao empirismo, estabeleceu que tudo o que não pode ser comprovado pela ciência deve ser rejeitado. A física e a química fizeram grandes avanços para explicar o funcionamento do Universo e das ações da natureza. Como resultado, a ideia de que o homem possua algo além de seu corpo físico foi rejeitada. O ser humano não é nada mais do que funções do organismo em operação. Os sentimentos e pensamentos podem ser explicados pelas leis da física e da química sem qualquer dificuldade. Não existe nada transcendente ao homem e ao seu período de existência sobre a terra. A vida humana não é uma preparação para uma vida posterior em um estado imaterial, porque não existe um estado diferente deste. Foi proposta uma ética independente da religião. O homem pode ser bom, mesmo que não haja motivos divinos para isso. Essa visão conduziu a um hedonismo sem limites, em que as pessoas só existem para satisfazer seus próprios prazeres. “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” (Is 22.13) foi o resultado de tal compreensão da natureza humana. 3.VISÃO PANTEÍSTA

Derivada da cultura hinduísta, essa concepção da natureza do homem tem se infiltrado no pensamento ocidental devido ao movimento da Nova Era e ao que podemos chamar de “orientalização” do Ocidente. No hinduísmo, as coisas são 61

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ANTROLOGIA BÍBLICA apenas parte de um todo e tudo é Deus. O homem é apenas uma das manifestações da forma de Deus. Em seu panteísmo, as concepções antropológicas do hinduísmo elevam e ao mesmo tempo rebaixam o ser humano, pois ele tanto é igual a Deus como inferior a uma vaca. A morte de um ser humano é igual à morte de um animal. Ambos estão apenas mudando sua forma dentro da divindade. Aqui se quebra a individualidade humana. Não existem seres completamente distintos e únicos, com autoconsciência e responsabilidade particular por sua própria vida. O todo e a personalidade se confundem. O hindu aspira ao Todo para tornar-se Nada. O seu “céu” não lhe dá qualquer prêmio por uma vida de devoção, mas a anula e agora ele perde sua existência individual e é absorvido no Todo. Em alguns casos, a doutrina hindu argumenta que todas as coisas são mera projeção da mente humana. Ou seja, nada mais existe, só o homem, que cria com sua mente as demais coisas ao seu redor. Tudo não passa de mera projeção do pensamento humano. Para conhecer essa realidade, o homem precisa “rasgar o véu de Maia”. Observar a situação econômica e social da Índia talvez seja suficiente para fornecer uma ideia do que pode produzir tal concepção antropológica. 4.VISÃO BÍBLICA

Quando Deus criou o homem, soprou nele o fôlego da vida (Gn 2.7), tornando-o uma alma vivente. Se levarmos em conta que até então Deus não fizera isso a nenhuma de suas criaturas, só podemos concluir que o ser humano foi dotado de uma natureza diferente, espiritual, capaz de estabelecer relacionamento com o Criador. Jesus disse que Deus é espírito, portanto é só por meio dessa parte espiritual que o homem pode estabelecer contato com Deus. Só ele é um “animal religioso”. Assim, diferentemente dos anjos, que são apenas espírito (Hb 1.14), o homem é espírito e corpo. Assim, ele pode se relacionar tanto com a criação material quanto com Deus e as demais realidades espirituais. Ele não se resume a funções fisiológicas, como afirmam os céticos, porque a 62

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ANTROLOGIA BÍBLICA vida é mais do que o alimento e o corpo mais do que as vestes (Mt 6.25). Por outro lado, ele é uma criatura distinta do seu Criador. O apóstolo Paulo denomina a parte espiritual do ser humano como “homem interior” (Rm 7.22; 2 Co 4.16), que é oposta ao homem exterior, que está relacionado aos sentidos. Assim, sem negar seu corpo físico, o que levou ao ascetismo e crenças estranhas no decorrer da História, e sem negar o lado espiritual do ser humano, o que leva ao materialismo, ao ceticismo e ao hedonismo, as Escrituras Sagradas definem a vida do homem sobre a Terra como um plano de Deus. Para compreender a doutrina bíblica sobre o homem, vamos analisar o que ela diz sobre sua natureza física e espiritual. 5.O HOMEM INTERIOR

Alguns grupos religiosos tentam usar a Bíblia como suporte para negar a parte espiritual no homem, aquela que sobrevive ao seu corpo, que transcende sua natureza física e terrena, mas as Escrituras frisam esses dois aspectos de sua natureza. Entre os que reconhecem essa característica, existem os dicotomistas e os tricotomistas. Os dicotomistas entendem que o homem é bipartido em corpo e alma, ou espírito. Para justificar esse posicionamento, argumentam que alma e espírito são usados como sinônimos em várias passagens das Escrituras (por exemplo, Ec 12.7; Ap 6.9; Sl 146.4; Tg 2.26). Os tricotomistas, por sua vez, distinguem espírito e alma, baseados principalmente em 1 Tessalonicenses 5.23, que fala de corpo, alma e espírito, e Hebreus 4.12, que afirma que a Palavra divide alma e espírito. Para estes, a alma tem funções diferentes do espírito: a alma corresponderia a tudo aquilo que se relaciona ao homem consigo e com outros homens, como pensamentos, emoções e vontade; o espírito, a tudo aquilo que estaria relacionado com Deus e ao mundo espiritual, como adoração, comunhão e consciência. Para os dicotomistas, esses textos são insuficientes para estabelecer uma visão tripartida do homem. A tricotomia tem uma história recente dentro da teologia, mais especificamente dentro da antropologia bíblica. A maioria dos teólogos e das teologias sistemáti63

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ANTROLOGIA BÍBLICA cas apresenta definições dicotomistas, alegando que há poucas e frágeis passagens para sustentar a tricotomia. Alguns estudiosos, entre eles John Wesley, criam que o homem é dicotômico antes da sua conversão, mas depois dela se torna tricotômico. Em outras palavras, o homem sem Deus não tem espírito, ou pelo menos este está morto e completamente destituído de suas funções. Ao converter-se, o homem recebe o espírito da parte de Deus, ou ele é vivificado e capaz de cumprir suas funções. É uma posição difícil de sustentar diante das referências bíblicas ao espírito dos não salvos. Não se pode deixar de reconhecer a estreita relação entre ambos. Pode-se mesmo dizer que um inexiste sem o outro. Vale a pena frisar que nunca é dito que os animais possuem espírito (com exceção de Eclesiastes 3.21, que dá ideia apenas de fôlego), mas somente ao homem é atribuído um espírito. Se o espírito é um órgão distinto da alma ou apenas uma parte mais profunda desta, é difícil determinar. Não há qualquer dificuldade nisso em termos de relacionamento com Deus. Cabe-nos apenas aprender as funções de nosso “homem interior”. Nos estudos de antropologia bíblica, busca-se enfatizar cada vez mais a unidade do homem interior, e isso tem facilitado bastante um entendimento. Também gostaríamos de refutar algumas proposições da Nova Era quanto à natureza do homem. Este não é, de modo algum, uma divindade ou um cristo interior, como creem os esotéricos, mas apenas a parte de nosso ser que se identifica com Deus e que pode se relacionar com ele. Na verdade, convém lembrar que o ser humano é menor em força e poder até mesmo do que os anjos (2 Pd 2.8) O fato de haver divergências teológicas quanto a alguns aspectos da natureza humana não invalida suas declarações. Mesmo que dentro da antropologia bíblica possa haver linhas diferentes sobre um ponto da natureza humana, existem muitos pontos resolvidos. Ela mostra claramente aquilo que o homem não é. Entre outras coisas, ele não é um animal evoluído, não é um ser que tem sua existência finda na morte, não é Deus nem apenas um pedaço deste. Tampouco é um produto dos ETs. Estes são alguns pontos que a antropologia bíblica resolve. Portanto, quanto mais nos debruçarmos sobre esse assunto, mais somaremos argumentos conclusivos que nos ajudarão a compreender a nós mesmos e à humanidade. 64

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6.O MOTIVO DA CRIAÇÃO DO HOMEM

Outro ponto que sempre se discute é: “Por que Deus criou o homem?”. Claro que, se ele não quisesse, não precisava tê-lo feito. Aliás, não precisava ter feito nada do que fez. Primeiro, é importante dizer que Deus faz tudo o que quer porque ele é Deus, conforme diz Salmos 115.3. A única motivação é sua própria vontade. Ele o desejou e assim o fez. Paulo, na Epístola aos Efésios, exprimiu essa ideia de forma magistral ao dizer que Deus faz tudo “segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11) e também “segundo o seu beneplácito” (Ef 1.9). O homem é a coroa da criação de Deus. O motivo de sua criação é o mesmo que lemos em Isaías 43.7: “… que criei para a minha glória”. Assim, o homem foi criado com o propósito de glorificar a Deus. Paulo diz em Romanos 11.36: “Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!”. Tudo converge para Deus, e a criação do homem não é diferente. Mas ainda precisamos entender a posição do ser humano em relação à criação geral. O homem foi formado após todo o restante, foi o último, o derradeiro, mas seu valor excede a tudo o que foi criado. A Bíblia apresenta diversos pontos que retratam o homem em relação à criação. a) O homem foi criado para dominar Não há dúvida de que uma das funções do homem dentro da criação é exercer domínio (Gn 1.26-28). Salmos 8.6-8 e Tiago 3.7 corroboram esse fato. Por mais que possam ser encontradas semelhanças biológicas entre o homem e outros animais, um abismo os separa. Somente o homem poderia exercer o domínio sobre a criação. Ele foi criado e capacitado pelo Criador para isso.

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ANTROLOGIA BÍBLICA b) O homem foi criado para apreciar Somente o homem tem a possibilidade de apreciar e dar valor à criação. O senso estético é uma faculdade exclusivamente humana. O ser humano tem consciência de sua própria existência e do mundo ao seu redor. Algumas vezes, a mente distorcida pelo pecado acaba por adorar a criatura em vez do Criador, mas esse fato só demonstra que ele pode apreciar o que foi formado. c) O homem foi criado para cuidar Em tempos recentes, o extremismo ecológico tem culpado o cristianismo, que reconhece o direito de domínio dado por Deus ao homem, pela degradação do meio ambiente. Este equívoco ocorre porque, como em muitas outras áreas, o ser humano decaído nem sempre tem exercido um domínio saudável sobre o meio ambiente. Isso, contudo, não anula a supremacia do homem sobre a criação, mas o chama para sua real responsabilidade. O extremismo ecológico tem nivelado o homem e os animais ou mesmo o homem e a criação, e essa atitude não passa de desvario e loucura, pois não há nada mais claro do que a superioridade humana. Negar isso é tolice no mais alto grau. Apesar de curta, a narrativa de Gênesis sobre a criação e a queda do homem nos fornece elementos para compreendê-las adequadamente. Ela se coaduna perfeitamente com a realidade e nos possibilita entender nossa situação de modo claro e profundo.

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EXPLICANDO A NATUREZA HUMANA Não há dúvida quanto à complexidade da alma humana. As inúmeras palavras e expressões, sejam elas de natureza religiosa, científica ou filosófica, serão sempre insuficientes para descrevê-la. Vimos recentemente a psicologia criar inúmeros termos com o intuito de descrever o ser humano e sua natureza. Mesmo que somássemos todas elas, não seria suficiente para esclarecer todos os pontos sobre o ser humano. As Escrituras, ainda que muito a respeito do homem permaneça uma incógnita, nos fornecem base segura para nossa compreensão. 1.A ALMA HUMANA

Do hebraico nephesh e do grego psique, a alma é a vida da carne. Os termos se referem tanto à alma quanto à vida da alma, por isso algumas vezes é traduzida simplesmente como “vida”. A palavra “espírito” vem do hebraico ruah e do grego pneuma e pode significar vento, fôlego ou espírito. Ao buscar o sentido de “alma” ou “espírito” na Bíblia, é de extrema importância aplicar regras de hermenêutica. O significado de um termo está estreitamente ligado ao seu contexto. Em lugares diferentes, a mesma palavra tem sentidos diferentes. Por isso, não se deve tomar um único texto para estabelecer o sentido único de determinado termo. Deve-se tomar sempre as Escrituras como um todo. Podemos distinguir pelo menos cinco significados diferentes que a Bíblia atribui à palavra alma. Temos de lembrar que em nenhum lugar existe uma definição explícita de um significado, como acontece em um dicionário, por exemplo. Portanto, cabe a nós entender o sentido inferido em cada passagem. Uma passagem que mostra claramente as diferentes aplicações da palavra 67

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ANTROLOGIA BÍBLICA alma é Isaías 53: a alma do servo se põe por expiação (sentido de vida) (v. 10); o trabalho de sua alma (v. 11), no sentido de pessoa; derramou sua alma (v. 12), no sentido de sangue. Alma como sangue (Gn 9.4; Lv 17.11, 14) – Esta é apenas uma das representações da alma. Que a vida da carne esteja no sangue, no sentido de que este elemento biológico seja essencial para a manutenção do funcionamento do corpo, não temos qualquer dúvida. No entanto, tornar este líquido como único sentido de alma é entrar em contradições desnecessárias, como fazem as Testemunhas de Jeová. O sangue permeia de fato todo o corpo e possibilita a existência e manutenção da vida para todos os órgãos do homem. É bem provável que a identificação do sangue com vida e alma seja apenas metafórica, devido a sua importância. Transformar ambas em sinônimo foge à hermenêutica bíblica. Em uma clara ilustração da alma ou vida como sangue, podemos verificar o valor da vida na Bíblia, pelo seu sangue, dentro de uma gradação. Primeiro vem o sangue dos animais, depois vem o sangue do homem, com valor maior porque ele tem a imagem e a semelhança de Deus (Gn 9.6). Dentro da espécie humana há uma estima especial pelo sangue dos inocentes e dos mártires (Gn 4.10; Mt 23.35). E acima de todos está o sangue de Cristo, pois representa a vida mais preciosa que já existiu neste mundo (1 Pd 11.19; Hb 9.12). Era a vida da Divindade unida à vida humana. Por representar a vida, o derramamento do sangue tornou-se o meio de expiação do pecado: “Porque a alma da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação pela alma” (Lv 17.11). Alma como pessoa (Atos 7.14) – Pelo fato de na alma se encontrar a essência do que é o ser humano, a Bíblia a identifica com pessoas, mas é bom frisar que se deve fazer distinção entre a alma humana e a animal. Quando Estêvão falou da descida de Jacó para o Egito e referiu-se a setenta e cinco almas (At 7.14), claro que eles levavam todos os seus animais, mas estes não entraram na conta. 68

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ANTROLOGIA BÍBLICA A alma, neste aspecto, pode ser vista como a personalidade. É na alma que residem todos os ingredientes que fazem uma pessoa ser o que ela é. É a soma de seu temperamento, seu caráter, sua maneira de ser. É por meio da alma que distinguimos uma pessoa de outra, pois assim como não existem dois corpos iguais, não existem duas almas iguais. Alma como vida (Gn 1.20) – Algumas vezes a alma é identificada nas Escrituras apenas com “vida”. Neste aspecto, tanto os animais quanto o homem possuem alma. Podemos até dizer que, em certo aspecto, os vegetais também possuem alma, porque possuem vida, embora seja uma vida inconsciente. Mas isso não significa que dentro desses conceitos de “alma” não exista distinção. Por causa da alma, o ser humano é diferente dos vegetais (Jó 14.7-10), dos animais (Mt 6.26), dos anjos (2 Pd 2.23) e de Deus (Is 29.16). É seu fator distintivo de individualidade perante tudo. Os tradutores sempre encontram dificuldade em traduzir “psique”, de modo que algumas vezes traduzem como “alma” e outras vezes como “vida”. Alguns fazem referência à vida da alma. A conceituação de uma palavra não é algo fácil, principalmente se tratando de uma ideia tão subjetiva quanto a vida. Até mesmo definir o que é vida não é tão simples assim. Algumas vezes, só o contexto na qual ela está inserida pode definir claramente seu sentido. Alma como parte indestrutível do homem (Mateus 10.28) – É bom entendermos os termos dentro de seu contexto. Em Ezequiel lemos que a alma morre (18.20), mas também lemos em Mateus 10.28 que ninguém pode matar a alma. Não se trata de contradição, apenas de contextualização. Ezequiel utiliza “alma” no sentido de pessoa que será punida pelo seu pecado. Ao dizer “a alma que pecar”, torna evidente que, pelo fato de a alma tomar as decisões, por ser ela a sede da vontade, é ela que peca, ou seja, a pessoa peca e morre. No caso de Jesus, ele fala dos que podem ser mortos por causa de seu testemunho. Seu corpo pode morrer, mas sua alma não. Só Deus pode puni-la, lançando-a no inferno. É bem clara a distinção que Jesus faz da parte física e da parte não física do homem. 69

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ANTROLOGIA BÍBLICA Na passagem do rico e Lázaro, em Lucas 16.19-31, está evidente a existência da alma como uma parte do homem que permanece consciente após sua morte. Ainda que no Antigo Testamento nem sempre isso tenha ficado claro, é possível ver, por exemplo, em Gênesis 35.18 que a alma era vista como algo mais do que a própria pessoa e seu sangue. É bom notar que Atos 2.27, ao falar da ressurreição de Jesus, citando o salmo 16, demonstra que há um lugar específico para a alma ficar. Paulo fala de sua morte como uma partida para estar com Cristo (Fl 1.23) e deixar este corpo para estar com o Senhor (2 Co 5.8). Em 2 Coríntios 12.3-4, ele fala sobre uma ida ao Paraíso, ou terceiro céu, mas não sabe dizer se foi no corpo ou “fora do corpo”, dando a entender que uma parte do homem independente do corpo físico. Pedro também se refere à sua morte como deixar este tabernáculo, isto é, seu corpo (2 Pd 1.14). Ele não via seu corpo como a única realidade de sua natureza, mas como algo maior que deixaria seu corpo por meio da morte. O apóstolo João também relata uma experiência fora do corpo, ou seja, no espírito, por ocasião de suas visões em Apocalipse (Ap 4.2). Nesse livro, onde as realidades espirituais são retratadas de forma bastante evidente, vemos as almas debaixo do altar de Deus (Ap 6.9-12), que eram pessoas que haviam sido mortas e estavam conscientes. Todas essas referências são substanciais para mostrar que existe uma parte da natureza humana, denominada espírito ou alma, que tem consciência e permanece mesmo após a extinção do corpo. Não existe fundamento para dizer que a doutrina cristã a respeito da alma foi extraída da filosofia grega e não das Escrituras. Ainda que o conceito seja bastante amplo, a alma também é abundantemente referida como a parte imaterial, o homem interior. 2.A ORIGEM DA ALMA

Outras questões teológicas que precisam ser analisadas à luz das Escrituras são: quando surge a alma no homem? As almas foram criadas todas de uma única vez ou cada um recebe a sua quando nasce? A alma é transmitida de ser humano para 70

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ANTROLOGIA BÍBLICA ser humano ou Deus cria cada uma individualmente por ocasião de seu nascimento? A ideia de uma preexistência da alma não tem nenhum fundamento bíblico. Orígenes (185-254), mestre cristão de Alexandria, foi um dos poucos que levantou essa hipótese em sua “Ode à imortalidade”. Seu conceito se aproximava, em alguns pontos, do gnosticismo. Nas Escrituras, alma e corpo são originados simultaneamente. Não é gerado apenas um corpo para abrigar uma alma, mas um ser inteiro (Sl 139.13-17; Jó 10.8-12). Por isso, é impossível não assumir a morte de um feto como a morte de um ser humano. Ter um corpo significa já possuir uma alma. O anjo Gabriel disse a Zacarias que João Batista seria cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe (Lc 1.15), o que demonstra que ele já tinha espírito mesmo antes de estar completamente formado. O aborto, portanto, é um assassinato, pois não está apenas pondo fim a um corpo em formação, mas também a um espírito em formação, que mesmo nesse estágio já está apto para a comunhão com Deus. Diversas passagens mostram que o espírito de cada indivíduo é uma produção única e especial de Deus (Is 57.16; Ec 12.7; Zc 12.1; Hb 12.9). O ser humano começa a ser formado como um todo – corpo, alma e espírito. Isso não significa que o homem participa da formação desse novo ser. Não podemos esquecer que existe uma “herança” da natureza pecaminosa que é transmitida de geração em geração, de modo que a decadência da natureza adâmica se propagou a todos os seres humanos (Rm 5.12; 1 Co 15.22). Na criação do homem fica evidente que ele, ou sua alma, não preexistia: “E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2.7). Não só seu corpo foi originado neste instante, mas ele se tornou alma vivente. Não há qualquer indicação de que a partir de então ele tinha a missão de crescer e multiplicar sua espécie sobre a terra. Seus filhos foram gerados conforme sua imagem e semelhança (Gn 5.3).

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ANTROLOGIA BÍBLICA 3.FUNÇÕES DA ALMA

Na alma estão presentes os elementos essenciais que nos tornam seres peculiares. Se levarmos em conta o binômio alma/espírito, sejam eles sinônimos ou não, podemos descrever suas principais funções: Inteligência/Conhecimento: A alma aprende por meio dos sentidos. Ela tem a capacidade de absorver e acumular conhecimento. E não apenas isso, mas também de organizar esse conhecimento e formar opiniões e conceitos com ele. Esta é a capacidade racional da alma. Aquilo que o homem aprende, ele o desenvolve e aplica. Um ponto muito importante a ser considerado é que Deus deu ao homem a tarefa de colocar nome em todos os animais (Gn 2.19), e ele cumpriu-a. Isso denota o imenso poder intelectual que lhe foi concedido. Outra demonstração clara desse poder é que Deus entregou o Éden para o homem administrá-lo. Adão deveria usar sua inteligência e conhecimento para cultivar e proteger o jardim (Gn 2.15) Apesar de sua racionalidade e da capacidade de apreender, não se pode negar a existência de um “instinto”, isto é, algo inato na alma, que em parte comunga com a alma animal e é essencial para a sua sobrevivência. Esse “instinto” pode ser descrito como: • Autopreservação – impede o homem de destruir-se e o leva a cuidar de si mesmo. Por meio dela, ele busca alimento (quando nasce, a criança procura os seios da mãe instintivamente para se alimentar) e evita o perigo. • Perpetuação da espécie, – leva-o a reproduzir-se. Sem isso, a humanidade se extinguiria. • Domínio – embora varie de pessoa para pessoa, representa a busca humana por ampliar sua influência e permite criar a vida organizada em sociedade. De todos os animais, o homem é o que possui menos instintos, porque só sua mente é capaz de administrar seus conhecimentos em prol de si mesmo, dependendo assim muito mais da razão do que do instinto. 72

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Emoções: “Então, disseram uns aos outros: Na verdade, somos culpados acerca de nosso irmão, pois vimos a angústia de sua alma, quando nos rogava; nós, porém, não ouvimos; por isso, vem sobre nós esta angústia” (Gn 42.21). Uma das maiores e mais visíveis expressões da alma são os sentimentos. Muitas vezes eles podem ser descontrolados, e mesmo quando são controlados não são opcionais. Ninguém pode escolher ter ou não sentimentos. Eles fazem parte da natureza da alma e irão se manifestar independentemente da vontade dela. Volição: “… pelo que a minha alma escolheria, antes, a estrangulação; e, antes, a morte do que estes meus ossos” (Jó 7.15). A escolha é uma das grandes características do homem. Sua vontade é o que move o mundo. A alma, munida das percepções e sentimentos, decide continuamente. O existencialismo, doutrina filosófica desenvolvida principalmente pelo francês Jean-Paul Sartre, colocava a decisão, apoiada no livre-arbítrio, como o fator que forma a personalidade humana. Comunhão e Adoração: “Disse, então, Maria: A minha alma engrandece ao Senhor...” (Lc 1.46); “… o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito” (1 Co 6.17). Deus é espírito (Jo 4.24), portanto somente por meio de seu espírito o homem pode comunicar-se com Deus. A semelhança entre o homem e Deus é o fator que permite a comunhão entre ambos. Os animais, embora possuam alma, não conseguem realizar essa comunhão. Prova disso é que o animal mais evoluído e inteligente continua completamente incapaz de estabelecer algum relacionamento com Deus. Somente o homem é capaz disso por meio de seu espírito. Outro ponto interessante é que essa comunhão não se limita apenas à união do homem com Deus. Quando lemos as Escrituras, vemos que a alma de um homem pode se unir à alma de outro homem (Atos 4.32; 1 Sm 18.1), e assim formam uma unidade. Consciência: “… dando-me testemunho a minha consciência...” (Rm 9.1). Este é o elemento da alma que avalia todas as ações, classificando-as como certas ou 73

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ANTROLOGIA BÍBLICA erradas. Mesmo que fatores externos ao homem influenciem seu julgamento, é impossível não reconhecer que existe dentro do ser humano um “juiz” inato, que ou o acusa ou o defende (Rm 2.15). As leis externas e as convenções sociais apenas sancionam ou destacam este conhecimento a priori que a consciência apresenta. Intuição: “E Jesus, conhecendo logo em seu espírito que assim arrazoavam entre si, lhes disse: Por que arrazoais sobre estas coisas em vosso coração?” (Mc 2.8). Nem tudo que o homem sabe vem necessariamente pelos sentidos e pela razão. Tratando-se das coisas divinas e espirituais, muito é apreendido principalmente pela intuição. Quando Jesus disse a Pedro que o que ele havia dito não era resultado de carne ou sangue, mas da revelação de Deus, ele estava falando do conhecimento que vem por meio da intuição (Mt 16.17). Vale lembrar a famosa frase do filósofo cristão Blaise Pascal: “O coração tem suas razões que a própria razão desconhece”. Algumas vezes a Bíblia atribui à alma as mesmas sensações do corpo. Mais do que metáforas, demonstram certas facetas da alma que estão sujeitas às impressões externas: A alma sente cansaço (Mt 11.29); A alma é traspassada pela dor como por uma espada (Lc 2.35); A alma pode ser comunicada, no sentido de doada, dividida com outros (1 Ts 2.8); Deve ser limpa e purificada (1 Pd 1.22); Trabalho da alma (Is 53.11). 4.O ESPÍRITO HUMANO

A Bíblia fala bastante do espírito humano. Na verdade, é somente ao ser humano que ela atribui espírito, com uma única exceção, em Eclesiastes 3.21. Todavia, como já vimos, o original hebraico e grego lhe atribui o significado de fôlego, e nesse sentido os animais também têm fôlego. A Bíblia diz que o espírito do homem é a lâmpada do Senhor (Pv 20.27) que 74

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ANTROLOGIA BÍBLICA esquadrinha seu ser mais interior. O mesmo diz o apóstolo Paulo (1 Co 2.11). Deus age no espírito do homem, dando-lhe um espírito novo (Ez 36.26; João 3.7). Quando o espírito é renovado, ele se torna sede do serviço a Deus. A Bíblia diz que o homem passa a servir a Deus em novidade de espírito (Rm 7.6). O homem regenerado serve a Deus em espírito, isto é, na força de um espírito que agora foi transformado (Rm 1.9); adora a Deus em espírito (Jo 4.24); sente alegria no espírito (1 Ts 1.6); ora no espírito (1 Co 14.15); canta no espírito (1 Co 14.15); anda (vive) no espírito (Gl 5.16). Isso indica uma nova esfera de existência, que antes era governada simplesmente por sua própria vontade (Ef 2.3), mas agora é governada pelo seu homem interior, que foi transformado por Deus. A natureza do homem define seu caráter de forma tão estreita, que a Bíblia o compara com as características de seu espírito. Dessa forma, diz-se que um homem tem um “espírito altivo” quando ele é orgulhoso (Pv 16.18); um espírito perverso, se ele é mal (Is 19.14); um espírito contrito e humilde, se ele assim procede (Is 57.15); um espírito manso e quieto, se se comporta com mansidão e humildade (1 Pd 3.4). 5.O CORAÇÃO DO HOMEM

A Bíblia fala do coração do homem como o centro de sua vida, a sede de seus pensamentos e decisões (Pv 4.23). O coração geralmente é identificado com o espírito (Rm 2.29). A ele se atribui as mesmas características que à alma (Rm 9.2; 10.1). A ele está relacionada toda a vida interior, tudo aquilo que é feito não de modo externo, aparente, mas com profundidade, com essência (Rm 6.17). Não seria correto fazer grande distinção entre alma/espírito e coração. Por sua utilização geral nas Escrituras, só podemos admitir que ou ambos são sinônimos, ou estão inseparavelmente ligados. O coração é aquilo que é sondado por Deus para nos conhecer (Ap 3.23). Logo, ele só pode ser identificado como o “homem interior” ou uma parte dele.

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6.ORIGEM, FUNÇÃO E NATUREZA DO CORPO

Em princípio, não há muito que dizer sobre o corpo do ser humano, que dispõe das mesmas funções fisiológicas que os demais animais e seres vivos. É por meio do corpo que os sentidos se manifestam e tomam ciência da realidade circundante. É por meio do corpo que o homem executa as funções comuns da vida como comer, dormir, locomover-se, reproduzir, etc. Esses são os fatores que identificam a vida, isto é, por meio de suas funções. Todavia, dentro da antropologia bíblica também é importante focar o que o corpo significa para o ser humano. Ele representa o mesmo para os animais, para todas as religiões? O cristianismo encara o corpo físico da mesma maneira que outros segmentos religiosos, como o hinduísmo e o budismo, por exemplo? Na cosmovisão platônica ou hinduísta, o desprezo pelo corpo é muito grande. Na verdade, o corpo é um estorvo para o homem, um impedimento para o seu progresso. Avançar em direção a Deus significa livrar-se dele, que nada mais é do que uma grande maldição e suas atividades devem ser reduzidas ao mínimo. A Idade Média foi profundamente influenciada pelo platonismo. O movimento monástico na verdade começou com homens que abandonavam tudo e iam viver no deserto, castigando seu corpo com privações extremas. Abstinham-se completamente de sexo e consumiam o mínimo de alimentos. Além disso, algumas vezes infligiam dores propositais somente para castigar o corpo, por causa de sua malignidade inerente. Algumas vezes, por exemplo, a matéria foi vista como algo inferior, que não foi criada por Deus, mas por outro deus inferior, ou era uma degeneração da verdadeira realidade, que era completamente espiritual. Isso era o que propagava o gnosticismo. Alguns homens que defendiam essa heresia chegaram a afirmar que Jesus não teve um corpo físico como o nosso, visto a matéria ser má. O ensino bíblico, porém, não é esse, embora isso tenha feito parte do pensamento cristão por muitos anos. As Escrituras não ensinam que a matéria seja inerentemente má. Muito pelo contrário, afirmam que depois de Deus ter criado todas 76

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ANTROLOGIA BÍBLICA as coisas, incluindo o corpo humano, ele viu que tudo era “muito bom” (Gn 1.31). Quando as Escrituras atribuem corrupção à matéria criada e ao corpo (Rm 7.18), ela o faz tendo em vista o evento da queda, que corrompeu a criação (Gn 3.17). Tabernáculo (2 Co 5.1, 4; 2 Pd 1.13) – Um tabernáculo é uma tenda, uma cabana feita de lonas. Esta figura usada para descrever o corpo humano é bastante sugestiva. Em primeiro lugar, porque transmite a ideia de que o homem, em sua essência, não é a tenda, mas mora dentro dela. Querer resumir o homem a apenas aquilo que pode ser medido e pesado, ou como se descreve a matéria, aquilo que ocupa lugar no espaço e tem peso, é não compreender o que verdadeiramente é a natureza humana. Em segundo lugar, transmite a ideia de transitoriedade. Um palácio ou uma casa são mais duradouros do que uma barraca. Da mesma forma, nosso corpo abriga a alma apenas por um período relativamente pequeno. A vida na Terra não passa de mera peregrinação. Invólucro – Esta é a tradução literal de Daniel 7.15, em que o profeta fala de seu espírito dentro de seu corpo ou “dentro de mim”. Na verdade, uma tradução mais próxima ainda seria “bainha”, ou seja, o lugar onde se guarda uma espada ou punhal. O elemento “eu” não é o corpo, mas aquilo que se encontra dentro dele. Mais uma vez, enfatizamos que o conceito de alma como a verdadeira pessoa, que continua consciente após a destruição do corpo não é ensinado pelos cristãos com base em nenhum filósofo, mas sim nas Sagradas Escrituras. O corpo é o continente e o homem o conteúdo. Templo – “Ou não sabeis que o nosso corpo é templo do Espírito Santo… e que não sois de vós mesmos?” (1 Co 6.19). Esta é outra figura utilizada para descrever o corpo, neste caso o corpo do cristão. Quando o homem é regenerado, ele passa a ser habitação de Deus em seu aspecto trino, isto é, o Pai, o Filho e o Espírito Santo fazem morada nele (Jo 14.23; Rm 8.11). O corpo serve apenas como morada, como depositário de Deus. 77

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ANTROLOGIA BÍBLICA

Por isso, enquanto o ascetismo produzido por visões erradas do que seja o corpo humano tem levado os adeptos de certas religiões a maltratarem seu corpo, a Bíblia afirma que o homem sensato jamais manifesta amor a si próprio, mas zela e cuida de seu próprio corpo (Ef 5.29). Devido à grande influência do platonismo, o mundo romano entendia que a purificação e a santidade somente eram possíveis se o corpo fosse “neutralizado”. Buscava-se alcançar tal estado por meio de regras externas, mas Paulo argumentou que essas coisas, apesar de toda a disciplina e devoção que aparentavam, não eram eficazes para anular as manifestações carnais (Cl 2.20-23). Por fim, vale a pena frisar que a teologia paulina emprega amplamente a palavra “carne”. Esta, todavia, não é sinônimo de corpo físico, como podemos constatar pelo contexto, mas faz referência à natureza humana decaída e contaminada pelo pecado. Mesmo que alguns pecados estejam ligados ao corpo, como a glutonaria e a sensualidade, outros, como a inveja e o orgulho, não podem ser relacionados apenas ao corpo. Portanto, o conceito de carne como algo pecaminoso transcende a natureza física e alcança o homem interior. Logo, quando Paulo opõe carne e espírito, não o faz da mesma forma que Platão e outros filósofos, mas em um sentido revelado, exclusivamente cristão. 7.O QUE DEUS FARÁ COM O CORPO?

Enquanto na filosofia grega e hindu o alvo religioso é “despir-se” para sempre do corpo, a Bíblia ensina o contrário. É isso o que diferencia as cosmovisões cristã e oriental. O cristianismo, mesmo que tenha sido em boa parte de sua história contaminado por aspectos negativos da filosofia grega, nunca fez uma rejeição teológica da matéria. Enquanto esta ensina que o homem só pode progredir longe da matéria, aquele, baseado na ressurreição de Cristo, prega a redenção dessa matéria. Por isso o apóstolo Paulo não fala em apenas deixar o tabernáculo e a habitação terrestre, mas em ser revestido da habitação que é do céu (2 Co 5.1-2). No pensamento paulino, nós não queremos ser despidos, ou seja, desprovidos do 78

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ANTROLOGIA BÍBLICA corpo físico, mas queremos que este seja revestido com a imortalidade (2 Co 5. 4). Nesse ponto, é preciso admitir que as Escrituras fornecem uma resposta mais adequada ao problema do mal na espécie humana. A morte, isto é, a separação do corpo e da alma, não fazia parte da natureza do primeiro casal. E quando falamos de morte, referimo-nos a ela em suas várias manifestações – velhice, fraqueza, doença, etc. Depois de milênios convivendo com a morte como inerente à vida, para o homem era difícil conceber um ser que não morreria. Ao contemplar seu corpo decadente e toda a natureza ao seu redor, era mais fácil imaginar que o homem só poderia redimir-se deixando o corpo. Não era possível uma salvação com o corpo, mas apenas sem ele. Somente o cristianismo, tomando como herança as proposições do judaísmo, apresenta a solução para esse estado de decadência, provocado pelo pecado, harmonizando a matéria e o espírito. O corpo e a matéria não precisam ser deixados de lado. Basta receber a redenção. Mesmo que o corpo seja comparado apenas a uma semente (1 Co 15.35-38), a verdade é que a Bíblia não ensina sua negação, mas sua transformação. Por isso a Bíblia inclui o corpo no destino eterno do homem. Haverá ressurreição de justos e injustos (At 24.15), e o corpo dos salvos se tornará imortal e incorruptível (1 Co 15.51-57). Quanto ao corpo dos não salvos, a Bíblia nada fala sobre sua natureza, mas deixa bem claro que ele participará do castigo eterno (Mt 10.28; Ap 20.11-15).

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O HOMEM COMO IMAGEM DE DEUS Dentre todos os seres que vivem na Terra, o homem é o único a quem é atribuída a imagem e semelhança de Deus. Embora não exista em nenhum lugar das Escrituras o que significa exatamente a expressão “imagem e semelhança de Deus”, é possível inferir muitos pontos em que essa semelhança existe quando comparamos as características de Deus, do homem e dos demais seres. 1.SENTIDO DA EXPRESSÃO

Caráter moral – “Manteiga e mel comerá, até que ele saiba rejeitar o mal e escolher o bem. Na verdade, antes que este menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra de que te enfadas será desamparada dos seus dois reis” (Is 7.15.16). O homem possui um caráter moral, pois a noção de bem e mal afeta todas as suas ações. Ele possui noção de valores, de certo e errado, de conceitos éticos. A Deus se conferem atributos como: bom, justo, santo, misericordioso, honesto, etc., e somente ao ser humano podem ser conferidos atributos semelhantes, e assim fazem as Escrituras. É evidente que, quando aplicadas ao homem, essas características carecem da mesma perfeição quando são aplicadas a Deus, mas demonstram que elas são passíveis de classificações ligadas ao caráter moral de ambos os seres. Razão – “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos e se converta ao SENHOR, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR. Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus ca80

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ANTROLOGIA BÍBLICA minhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.7-9). Enquanto o animal vive no mundo e sobrevive a ele, o homem o compreende e o controla, isto é, ele tem a capacidade de perceber o mundo e suas relações. Mesmo que não seja capaz de criar nada ex nihilo, do nada, ele pode transformar as coisas que estão criadas utilizando sua razão, seu raciocínio. Claro que os pensamentos de Deus são muito mais altos do que os nossos pensamentos e sua onisciência nem se pode comparar com nossa tosca ignorância, mas aqui já percebemos o que há de semelhante – o próprio pensamento. Arbítrio – “Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas...” (Dt 30.19). Deus fez o mundo e ainda faz sua obra dentro dele regido pela sua própria vontade (Sl 115.3). Ele não é um autômato, como o ser humano também não é. Deus é um ser capaz de fazer escolhas. Da mesma forma, o homem, ao ser colocado no Éden, tinha possibilidade de fazer escolhas, e as fez, mas de modo errado. Quando os animais fazem suas escolhas, não as fazem como resultado da reflexão, mas agem instintivamente. Seus erros não têm efeito moral. Eles não pecam porque não fazem escolhas baseadas em conceitos de certo ou errado. Apenas agem pela sua sobrevivência e são incapazes de ir além disso.

Parentesco – “E o mesmo Jesus começava a ser de quase trinta anos, sendo (como se cuidava) filho de José, e José de Eli... e Cainã, de Enos, e Enos, de Sete, e Sete, de Adão, e Adão, de Deus” (Lc 3.23). É curioso como Adão também foi chamado filho de Deus, porque trazia dentro de si características que o assemelhavam a Deus. Uma vez que Jesus é o Unigênito, ou seja, o único Filho de Deus (Jo 3.16), o homem não pode sê-lo, a não ser em um aspecto diferente. Portanto, o homem, de modo geral, é filho de Deus porque Deus é o pai dos espíritos (Hb 12.9), mas não pode ser chamado de filho de Deus no sentido neotestamentário enquanto não tomar uma decisão diante de Jesus Cristo (Jo 1.12). 81

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ANTROLOGIA BÍBLICA A palavra “filho”, de algum modo, indica parentesco, semelhança, identificação. Por esse mesmo motivo alguns autores, entre eles Oswald Chambers, veem na designação de “filhos de Deus” para os anjos (Jo 1.6; 38.4) uma indicação de que eles também trazem em si a imagem e a semelhança de Deus. 2.SENSUS DIVINITATUS

Por ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano, de alguma forma, se volta para a divindade. As religiões nada mais são do que o reflexo de anseio pela divindade. Em sua natureza distorcida, esse anseio pode adquirir formas bastante corrompidas, como a adoração da natureza, de ídolos ou de si mesmo. Todavia, não poucos teólogos e pensadores cristãos identificaram essa tendência inegável, que abrange desde os povos mais primitivos até os mais sofisticados. O homem precisa de alguma religião e a terá. Se não tiver a religião de Jesus, terá a religião de Satanás. (William Blake) Por sua constituição, o homem é um animal religioso. (Edmund Burke) Os homens são seres religiosos. Não é possível desfazer-se da religião tentando ignorá-la. (A. A. Hodge) O homem precisa ter um Deus ou um ídolo. (Martinho Lutero) 3.A QUESTÃO DO ANTROPOMORFISMO

A título de refutação, é bom destacar que o fato de o homem ter a imagem e semelhança de Deus não implica que Deus tenha um corpo físico. Alguns grupos, como os mórmons, gostam de dizer que Deus é um ser igual ao homem, apenas mais evoluído. A semelhança não está ligada a aspectos físicos do ser humano, mas a aspectos interiores e espirituais. 82

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ANTROLOGIA BÍBLICA Quando a Bíblia menciona a mão, os pés, a boca ou os olhos de Deus (Isaías 59.1, por exemplo), trata-se apenas de uma linguagem antropomórfica, isto é, que atribui forma humana a Deus, de maneira simbólica e não literal, que busca possibilitar um entendimento das ações de Deus. Por exemplo, é incorreto dizer, baseado em Salmos 91.4, que Deus tem penas e asas, senão o compararíamos a uma ave. Por diversas vezes as Escrituras Sagradas fazem questão de mostrar as diferenças consistentes que existem entre Deus e o homem, afirmando categoricamente que aquele não é como este (Nm 23.19; Sl 50.21; Os 11.9; 1 Sm 15.29). 4.A QUEDA

Quando observamos o homem e a criação, vemos no ser humano perfeição misturada com as mais grosseiras corrupções, anseio por bondade cercado por cruéis obras de maldade. Em toda criação, vemos um bem sublime com um mal nefasto e assim entendemos que algo está errado. O capítulo 3 de Gênesis é pura filosofia em forma de narrativa. É a explicação sobre a interrupção de algo que funciona de um jeito muito diferente daquele pelo qual deveria funcionar. A desobediência do ser humano, a interrupção de sua comunhão com o Criador, as maldições, incluindo dor, decadência e morte, se encaixam no quadro de forma perfeita. Vemos nela a nossa revolta contra a morte, e essa passagem nos mostra que esse não era o propósito original. Vemos o homem fugindo de Deus e sofrendo para sobreviver, e a resposta para isso está nesse mesmo capítulo. Nessa narrativa, vemos como o ser humano corrompeu seus sentidos. A queda afetou o homem em sua totalidade. Seus sentimentos, sua mente e sua vontade foram corrompidos (Rm 1.21, 7.14-18; Ef 4.17-18). Somente a graça de Deus pode reverter esse quadro. Essa graça foi manifestada na encarnação, morte e ressurreição de Cristo e somente por meio dela o tenebroso quadro produzido pela queda pode ser revertido (Ef 2.1-10).

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ANTROLOGIA BÍBLICA 5.A IMAGEM DIANTE DA QUEDA

Como relacionar a crença do homem como imagem de Deus e as afirmações bíblicas da corrupção humana? Como honrar o homem devido a essa característica divina em sua natureza e ao mesmo tempo repreendê-lo por seu comportamento contra Deus? Não seria correto dizer que o homem perdeu a imagem de Deus quando pecou. Mesmo após a queda, encontramos afirmações bíblicas de que o homem traz em si a imagem de Deus (Gn 9.6; Tg 3.9). Isso demonstra claramente que ele não perdeu definitivamente essa imagem e essa semelhança. O que podemos concluir é que de fato essa imagem foi corrompida, foi embaçada, de modo que, quando olhamos para o ser humano em todo o seu caminhar pela história, tanto nos admiramos da grandeza de seus feitos e da nobreza de suas atitudes como nos envergonhamos de seus atos violentos e animalescos. Ele consegue abrigar em si tanto a grandeza quanto a corrupção. Assim o apóstolo Paulo descreveu a degeneração da raça humana, que foi do conhecimento de Deus até os mais baixos padrões de comportamento: “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus os entregou às concupiscências do seu coração, à imundícia, para desonrarem o seu corpo entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém! Pelo que Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário 84

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ANTROLOGIA BÍBLICA à natureza E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convém; estando cheios de toda iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes ao pai e à mãe; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem” (Rm 1.18-32). Imaginemos um espelho em que uma pessoa observa a sua imagem. Se esse espelho quebrar, ou for manchado, ou ficar embaçado, a imagem ali refletida ainda será dessa pessoa, mas não será reconhecida como tal. Isso foi o que aconteceu com o homem. A imagem de Deus continua refletida nele, mas não pode ser discernida porque foi manchada e embaçada pelo pecado. O evangelho é justamente a restauração da imagem de Deus no homem “... pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou…” (Cl 3.9-10). Para que o homem volte a possuir a perfeita imagem e semelhança de Deus é necessária uma restauração. Ela já acontece aqui gradativamente, à medida que o cristão serve a Deus (2 Co 3.18), mas chegará o dia em que, transformado em semelhança ao Jesus ressuscitado, terá a perfeita imagem de Deus (1 Jo 3.2).

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