CIÊNCIA E FÉ - MÓDULO AMETISTA - SEMINÁRIO BATISTA LIVRE

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A CIÊNCIA E A FÉ CRISTÃ

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Sumário

INTRODUÇÃO

1. VISÕES E MODELOS INTERPRETATIVOS 2. A NATUREZA DA CIÊNCIA

3. DARWIN E O DARWINISMO 4. CIÊNCIA E FÉ: PROBLEMAS E TENDÊNCIAS ATUAIS BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO Como podemos pensar a relação entre o Cristianismo e a Ciência? Como o cristão deve se relacionar com as práticas científicas? O cristão pode se tornar um cientista? Sua fé deve ficar guardada do lado de fora do laboratório? Será que a história do relacionamento entre a ciência e a religião é a história de uma luta épica, sanguinolenta e sem fim? Essas são algumas perguntas que vamos tentar responder nesta seção que trata do tema Ciência e Fé. A relação entre a ciência e o universo da fé pode ser abordado sob algumas óticas distintas. É possível pensar, primeiramente, a relação entre ciência e fé estritamente falando, o que nos remete à relação entre uma fé individual, um conjunto de crenças, e a prática científica; mas também é possível abordar a relação entre ciência e teologia, o que, neste caso, nos levaria a pensar os fundamentos da teologia enquanto reflexão piedosa sobre as Escrituras e os fundamentos da ciência, bem como suas conexões possíveis e suas divergências; e pode-se, ainda, pensar de forma mais ampla a relação entre ciência e religião, sem uma particularização na experiência subjetiva da fé ou na dimensão epistemológica da teologia. Esta última será nossa abordagem, justamente por oferecer um aspecto mais amplo de reflexões que possam ser tecidas. Trilharemos nosso caminho em quatro partes: a) uma exposição dos modelos e das interpretações acerca da relação entre a ciência e a religião, bem como alguns pontos históricos que devem ser ressaltados nesse diálogo; b) uma investigação sobre a própria natureza da ciência e como a prática científica pode ser enxergada do ponto de vista religioso; c) uma reflexão sobre o darwinismo e suas consequências para o pensamento religioso; d) uma breve visão de temas e tendências atuais no debate sobre ciência e religião.

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1 Visões e modelos interpretativos Durante muito tempo, na Civilização Ocidental, a questão da relação entre “ciência” e “religião” nunca foi colocada, pelo simples fato de que essas categorias não existiam. Durante a Idade Média, o que nós hoje chamamos de “ciência” era geralmente chamado de “filosofia natural”, e o conceito de “religião” tinha outro significado, já que o Cristianismo não era visto como uma “religião”, e sim como uma verdade total sobre a realidade. O debate medieval girou sempre entre “fé” e “razão”, esses sim conceitos bem conhecidos e discutidos desde a Antiguidade. Foi apenas na segunda metade do século XVII e durante o século XVIII que se tornou uma questão disputada a relação entre “ciência” e “religião” – embora até o século XIX ainda fossem usados termos como “filosofia natural” e “história natural”. O que marca o início dessa transformação é um fenômeno conhecido como Revolução Científica, geralmente localizado entre o século XVI e XVII, e que trouxe uma visão radicalmente nova sobre o mundo e sobre como ele pode ser compreendido. Estamos falando, aqui, da obra de homens como Francis Bacon, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Robert Boyle e Isaac Newton. Ao mesmo tempo em que esses pensadores divulgavam suas ideias, uma nova modalidade de “fé” começava a ganhar espaço na Europa. Tratava-se do “deísmo”. É difícil definir o deísmo, pois há diferenças entre todos os seus propositores.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ Grosso modo, entretanto, os deístas acreditavam na existência de um “deus”, mas um deus ausente do mundo, que não se importava com as minúcias dos homens e não interagia com a matéria criada. Os deístas também rejeitavam as doutrinas que lhes pareciam irracionais, como a existência de um inferno para condenação eterna, o dogma da transubstanciação, a ideia da Trindade etc., além de fazerem oposição adamantina aos relatos miraculosos das Escrituras. Eventos como o Dilúvio, a abertura do Mar Vermelho, a cura de leprosos e a transformação da água em vinho deveriam receber uma explicação puramente racional ou serem prontamente descartados como “superstição”. No século XVIII, especialmente na França, em que alguns filósofos faziam uma batalha campal contra a Igreja Católica, começou a ganhar força a ideia de que seria possível explicar todo o mundo material sem recorrer a qualquer auxílio da teologia ou da revelação das Escrituras, mas sim por uso exclusivo da racionalidade e da experimentação científica. Foi nesse momento em que surgiu uma possível tensão entre o que hoje nós chamamos de “ciência” e de “religião”. Até aquele momento, inúmeros homens que hoje consideraríamos “cientistas”, eram pouco mais do que membros da igreja fazendo “filosofia”. Até aquele momento, investigar a natureza era simplesmente uma tarefa incumbida aos homens por parte de Deus. Até aquele momento, o mundo não era dividido entre as coisas que a “ciência” investiga e as coisas que a “religião” tem a dizer. 1.1 O MODELO DO CONFLITO

O século XIX veio consolidar a tendência da diferenciação entre “ciência” e “religião” por meio de obras históricas. A expressão mais clara disso vemos na chamada “tese do conflito” (em inglês, “conflict-thesis”). Ela também é conhecida como “metáfora militar” ou “modelo da guerra” entre a ciência e a religião. Trata-se de uma leitura histórica que propõe a existência de um conflito intrínseco e insolúvel entre a Ciência e a Religião, o qual pode ser vislumbrado ao longo dos séculos da história universal e que opõe, de um lado, aqueles que buscam o progresso e o desenvolvimento humano (ciência), e aqueles que procuram garantir suas ideias retrógradas a qualquer preço (religião). Os maiores expoentes dessa tese foram o britânico John William Draper (1811-1882) e

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ o americano Andrew Dickson White (1832-1918). Suas obras foram amplamente recebidas e divulgadas entre o final do século XIX e o início do século XX. Escreveram em um período em que o rigor histórico nem sempre era adequado, e muito do que vai em suas obras é considerado, hoje, inteiramente questionável. Mas é importante notar que foram homens capazes de perpetuar suas ideias e sequestrar o imaginário popular e imprimir nele a noção de que um conflito entre essas duas dimensões do conhecimento é absolutamente inevitável. 1.1.1 John William Draper e Andrew Dickson White Draper nasceu na Inglaterra, próximo a Liverpool, mas acabou se mudando para os Estados Unidos para assumir uma cadeira na Universidade da Cidade de Nova York. Sua paixão era pelos estudos da química, mas logo também se aventurou em estudos históricos e chegou a publicar alguns livros de natureza histórica. Teve uma educação razoavelmente tradicional e frequentou uma Igreja Metodista. Em geral, é possível dizer que Draper era um teísta, mas sem qualquer convicção doutrinária mais profunda. O que provocou Draper a escrever contra a religião e em defesa da ciência foi um conjunto de medidas da Igreja Católica, que nesse momento estava perdendo um enorme espaço – intelectual, moral e territorial, literalmente. Em 1864, uma encíclica papal chamada Quanta Cura reivindicava para a igreja romana o direito sobre a instrução formal, inclusive a científica. Seis anos depois, a Constituição Eclesiástica Pastor Aeternus assegurava a infalibilidade papal ex cathedra e atraía sobre a igreja a inimizade aberta da “ciência moderna”. No mesmo documento da Constituição, o incipit Dei Filius impunha um “anátema” sobre a ideia de que a ciência deveria ser livre para a investigação e afastada de qualquer controle da Santa Sé. Draper, assim, publicou, em 1874, sua obra History of the Conflict between Religion and Science, História do Conflito entre a Religião e a Ciência. A frase que sintetiza sua perspectiva é a seguinte: “A história da Ciência não é um mero registro de descobertas isoladas; é uma narrativa do conflito entre dois poderes disputantes, a força expansiva do intelecto humano, de um lado, e a compressão advinda da fé tradicionalista e dos interesses humanos, de outro”.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ * Natural da região da Nova Inglaterra, Andrew Dickson White desde cedo buscou se firmar como um estudioso. Seu sonho era se tornar o primeiro historiador da Universidade de Yale, o que nunca se cumpriu. Uma oportunidade lhe surgiu quando Ezra Cornell, um filantropo, o chamou para fundar e presidir a primeira universidade secular da América, a Universidade de Cornell. Uma série de críticas foi feita à empreitada, muitas delas criticando sua dimensão antidenominacional. Por isso, White decidiu “partir para o ataque”, e realizou uma série de palestras, baseadas em diversos artigos, que mais tarde foram compilados, em 1896, em sua obra A History of the Warfare of Science with Theology in Christendom, Uma História da Guerra entre a Ciência e a Teologia na Cristandade. São dois volumes que, juntos, somam mais de mil páginas. O coração da obra é anunciado logo no prefácio: “Em toda a história moderna, a interferência na ciência em nome do suposto interesse da religião, independentemente do quão ciosa tal interferência possa ter sido, resultou no mais direto malefício tanto para a religião quanto para a ciência, e isto invariavelmente; e, por outro lado, toda investigação científica desimpedida, independentemente do quão perigosa para a religião alguns de seus estágios podem ter parecido à época, resultou invariavelmente no mais alto benefício tanto para a religião quanto para a ciência.” A palavra abominável aqui, para White, é “interferência”. A solução para os prejuízos intelectuais e morais da ciência e da religião reside na separação entre ambas. É a única forma, aliás, de converter o prejuízo em lucro. Como White presidia a única universidade secular dos Estados Unidos, é compreensível que defendesse que a secularização seria o melhor caminho para a ciência. 1.1.2 A “tese Draper-White” em seu contexto histórico A “metáfora militar” para o relacionamento entre a ciência e a religião deve muito ao seu contexto histórico. A. D. White assistiu à Guerra Civil Americana (1861-65),

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ John Draper cresceu no contexto da dominação imperialista do Império Britânico, o qual frequentemente lançava mão do exército em suas colônias. Ambos leram com avidez a obra de Charles Darwin, Origem das Espécies, que defendia a ideia de uma “luta pela sobrevivência” na natureza. Por todos os lados, portanto, havia conflitos e guerras acontecendo, isso influenciou sobremaneira a interpretação histórica de Draper e White. Além disso, ambos os autores eram positivistas. O Positivismo foi uma filosofia criada por Auguste Comte (1798-1857) que propunha que a humanidade passaria por três etapas fundamentais de pensamento: a) a etapa teológica, em que as explicações para os fenômenos dependiam de elementos religiosos; b) a etapa metafísica, na qual a religião não se fazia mais presente, mas muitas explicações dependiam da filosofia; e c) a etapa positiva, em que toda atividade social e científica seria conduzida pela experiência, pela técnica e pela tecnologia. Draper e White entendiam, assim, que a ciência precisaria se libertar de qualquer influência religiosa ou mesmo filosófica para que pudesse ser “pura” e plenamente realizada. A metáfora militar extrai também do darwinismo não apenas a ideia de “luta”, mas também a ideia de progressão evolutiva, como se a ciência progredisse ao longo do tempo, de forma linear, frequentemente enfrentando inimigos e triunfando sobre eles, como as espécies na natureza. Por fim, é notável que ambos tenham abraçado um certo liberalismo teológico. No caso de Draper, tratava-se mais de um teísmo aberto, sem compromisso com doutrinas religiosas. No caso de White, tratava-se de uma posição mais consciente e refinada. White defendeu abertamente as obras da chamada “Alta Crítica Bíblica”, especialmente aquela mais radical, de origem alemã. White tinha horror à ortodoxia religiosa da Nova Inglaterra, geralmente calvinista, e faz o movimento explícito de reduzir o Cristianismo inteiro aos seus mandatos éticos – “amarás a Deus e ao teu próximo”. 1.1.3 Onde mora o conflito? A “tese do conflito” nos mostra três áreas em que geralmente se pontuam problemas no relacionamento entre a “ciência” e a “religião”: a epistemologia, a ética e as relações de poder.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ No que concerne à epistemologia, ou seja, à filosofia do conhecimento, a questão gira em torno dos fundamentos do conhecimento e dos métodos para se chegar à verdade. Os que se alinham ao lado da “ciência” costumam afirmar que a religião não é capaz de produzir um conhecimento certo e real sobre o mundo, pois sua interpretação da realidade é geralmente orientada por princípios bíblicos, e não pelo rigor científico. Os que saem em defesa da “religião” argumentam que todos os cientistas possuem pressupostos, princípios não comprovados cientificamente, que orientam sua pesquisa científica, e que, por isso, a busca pela verdade do ponto de vista religioso não é menos legítima. Do ponto de vista ético, a tensão residiria nos valores morais que devem orientar ou restringir a pesquisa científica. Seria legítimo, por exemplo, investir no desenvolvimento de técnicas para o aperfeiçoamento do aborto? Como a ciência e a religião se posicionam a respeito das modificações genéticas? Em geral, acredita-se que a religião seja uma fonte de impedimentos morais para o desenvolvimento científico-tecnológico. É importante registrar, todavia, que a ciência já cometeu atrocidades por falta de freios morais. A ciência da eugenia, por exemplo, desenvolvida, dentre outros, pelos nazistas alemães, era orientada por uma ideia de evolução científica irrestrita e de aperfeiçoamento da sociedade e do homem. Por fim, existe o debate sobre a dimensão do poder. Parte importante das tensões entre “ciência” e “religião” derivam do domínio da igreja sobre as instituições de pesquisa e educação desde a Idade Média, notadamente por meio das Universidades, bem como da influência eclesiástica sobre a esfera política. Inversamente, no século XIX uma nova ciência foi proposta para atender às demandas do Imperialismo britânico. Tratava-se de uma ciência a serviço do expansionismo, uma ciência que deveria servir para potencializar o poderio das nações no âmbito da tecnologia. Uma parte considerável da discussão poderia ser esclarecida os argumentos fossem trabalhados no âmbito dos pressupostos. Se definirmos a prática científica como o estudo da natureza e de seus fenômenos por meio de métodos racionais e empíricos, fica evidente que todo aquele que se dedica ao estudo científico carrega para essa atividade os seus pressupostos. O materialista acredita que a natureza é tudo o que existe, o panteísta acredita que a natureza contém elementos divinos em si, o

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ animista acredita que a natureza é dotada de alma, o cristão, por sua vez, acredita que a natureza foi criada por Deus para refletir sua glória. Nada disso impossibilita o estudo da natureza, mas é natural que esses pressupostos se reflitam nas ênfases das pesquisas. O cristão que se propõe a fazer ciência não entra em um laboratório para se dedicar ao estudo das Escrituras, mas para estudar a natureza a partir de uma visão de mundo bíblica. 1.1.4 Problemas acerca do modelo do conflito A tese do conflito desenvolvida por Draper e White carrega inúmeros problemas do ponto de vista histórico e filosófico. Em primeiro lugar, a tese ignora, ou obscurece, a multiplicidade das formas de relações possíveis entre a ciência e a religião. Essas esferas frequentemente se apresentaram em relação harmônica, simbiótica, cooperativa ou mutualista ao longo da história. Construir uma visão conflitante como modelo universal de interpretação desse relacionamento simplesmente não explica uma enorme gama de manifestações pacíficas entre a religião e a ciência. Em segundo lugar, o modelo tende a generalizar algo que se mostra, na verdade, bastante pontual na história da ciência. Houve tensões, certamente, entre princípios religiosos e a prática científica, mas esses foram muito menos graves e persistentes do que a tese do conflito nos leva a imaginar. Em terceiro lugar, essa visão reflete uma perspectiva claramente progressista da história. A história é retratada como uma marcha em direção ao progresso e ao futuro, o que compõe uma visão histórica bastante ingênua. O mais recente nem sempre é melhor ou superior ao antigo, e ao se ignorar esse fato, incorre-se no risco de uma história que é incapaz de compreender o passado, restando apenas julgá-lo. Em quarto lugar, o modelo da guerra ofusca as muitas nuances que existem tanto na ciência quanto na religião. Postular, por exemplo, um conflito entre ciência e religião no caso da teoria evolucionista de Darwin nos leva a ignorar que a maior resistência à sua teoria partiu de outros cientistas com outras ideias científicas, ao passo que diversos ramos da teologia aceitaram sem nenhum problema os princípios darwinianos. Há ciências e ciências, religiões e religiões, e o modelo do conflito não permite essa percepção.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ Finalmente, esse modelo, ao colocar luz alta sobre os conflitos, produz graves distorções históricas. Geralmente, qualquer discordância técnica pode ser considerada um conflito entre ciência e religião, desde que uma das partes tenha princípios religiosos. Draper e White se notabilizam pela interpretação exagerada e frequentemente equivocada dos dados e eventos históricos, e isso para que possam corroborar a sua tese central. Um dos melhores exemplos disso é a – falsa – afirmação de que, durante a Idade Média, a Igreja Católica defendia que a terra seria plana. Outros mitos comprovadamente falsos, como o de que Galileu teria sido torturado pela Inquisição, que Copérnico foi perseguido pela Igreja, que Giordano Bruno foi um mártir da ciência etc, todos eles derivam, basicamente, da obra desses autores. Ou seja, é preciso ter clareza de que existem modelos distintos de relacionamento entre a ciência e a religião, modelos que vão muito além do simples conflito. Agora, nos voltaremos para algumas respostas relevantes que foram oferecidas ao modelo do conflito.

1.2 Interpretações antimilitares da relação Ciência-Religião Desde as primeiras décadas do século XX, novos intérpretes da relação entre ciência e religião apareceram no cenário intelectual. De modo geral, eram autores antipositivistas e antiprogressistas, isto é, rejeitavam a ideia de que a ciência pode se transformar em pura técnica e de que a história caminha sempre para algo superior, o que demandaria eliminar a interferência da religião na ciência. Um dos primeiros intelectuais de peso a se contrapor à tese do conflito foi E. A. Burtt (1892-1989), com sua obra Metaphysical Foundations of Modern Science, As Fundações Metafísicas da Ciência Moderna (1924). Nessa obra, Burtt se coloca a reavaliar o trabalho de Galileu Galilei e Isaac Newton, questionando a ideia – lançada pelos positivistas – de que eles eram meros engenheiros, homens de técnica, empiristas puros. Em suma, positivistas. Longe disso, diz Burtt. A ciência de Galileu e Newton, segundo ele, derivou diretamente de seu pensamento metafísico, isto é, que não diz respeito ao mundo físico, mas ao mundo imaterial, aos princípios filosóficos que orientavam sua visão de mundo. Não apenas a metafísica desses homens era fundamental para sua ciência como essa

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ metafísica frequentemente possuía elementos teológicos. Burtt mostra, por exemplo, como Galileu fundamenta seu trabalho na ideia de que Deus possui uma racionalidade matemática e que teria construído o mundo a partir dela. Newton, por outro lado, sugere diversas vezes que o cosmos, o universo, não poderia ser mantido por si só, sem nenhuma interferência de Deus. Nem mesmo a gravidade, diz Newton, pode ser gerada pela matéria, embora seja proporcional a ela. A gravidade só pode ser obra de Deus. O vácuo, por exemplo, não pode existir. O universo todo deve ser preenchido pela “presença divina”. Dessa maneira, Burtt demonstra que não apenas os elementos religiosos dos grandes cientistas não interferem negativamente em sua tarefa científica, como elas funcionam como fundamento para seus insights. Alfred North Whitehead (1861-1947), em sua obra Science and the Modern World, A Ciência e o Mundo Moderno (1926), argumentou que a ciência moderna tem suas origens, na verdade, ainda no período medieval, especialmente nas figuras de Jean Buridan e Nicolau Oresme. Estes padres da igreja Católica teriam reformulado o conceito de movimento de Aristóteles de uma tal maneira que abriram caminho para as experiências de Galileu e outros cientistas modernos. Alexandre Koyré (1892-1964), importante pensador da ciência, escreveu, em 1957, sua obra Do Mundo Fechado ao Universo Infinito, um estudo sobre a cosmologia (isto é, o estudo sobre a origem e estrutura do universo) da ciência moderna. Sua conclusão foi que no processo de gestação da ciência moderna, ciência, filosofia e teologia se encontravam juntos, nos mesmos homens, de forma inseparável. Assim, a concepção de um mundo ilimitado, um universo infinito, não dependia somente da certeza científica, matemática e experimental, mas também da filosofia e da teologia. Nenhum avanço científico seria possível se dependêssemos somente da “ciência bruta”. 1.2.1 Cristianismo, Reforma e a Ciência Moderna Qual seria o papel do Cristianismo na ciência moderna? A pergunta é cabível por um motivo simples: a ciência moderna, tal como a entendemos hoje, não desabrochou em nenhum outro contexto espacial ou temporal, senão no Ocidente cristão. A China não foi capaz de desenvolver a ciência como a conhecemos hoje, tampouco a Grécia Antiga ou a Roma Antiga. A ciência surge como prática madura somente na Europa Ocidental tomada pelos valores cristãos. É legítimo se perguntar,

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ como fizeram alguns autores, por que isso acontece. Haveria alguma relação direta entre o Cristianismo e a ciência moderna? Reijer Hooykaas (1906-1994) é um dos que defende afirmativamente. Em sua obra A Religião e o Surgimento da Ciência Moderna, de 1972, o holandês elabora importantes argumentos a favor da relação entre Cristianismo, especialmente o cristianismo reformado de matriz calvinista, e a ciência moderna. Segundo Hooykaas, foi a Reforma Protestante que permitiu um equilíbrio saudável entre a racionalidade e o empirismo. Isso porque a visão bíblica sobre a natureza “des-deifica” a mesma, isto é, não apresenta a natureza com aspectos divinos intrínsecos. A natureza é criação de Deus, mas não é deus em si mesma. Além disso, a natureza, enquanto criação de Deus, foi criada da maneira como Deus desejou, segundo a sua vontade, e por isso os homens não têm como imaginar, por um simples exercício racional, como esse mundo funciona. É preciso descobri-lo, experimentá-lo, testá-lo. É preciso aceitar o mundo como Deus o fez, e não procurar explicá-lo a partir de um sistema fechado, como tentou fazer Aristóteles e Descartes. Além disso, Hooykaas encontra na ideia do sacerdócio universal um dos fundamentos de uma ação positiva em relação à natureza. O astrônomo Johannes Kepler escreveu que era, ele mesmo, um “sacerdote do Deus altíssimo”. Um sacerdote não das Escrituras, como os clérigos, mas da outra revelação de Deus, a Natureza. Assim, ambos os livros – as Sagradas Escrituras e a Natureza – deveriam ser lidos e examinados por todos os crentes, promovendo um grande impulso no sentido da leitura bíblica e, também, da investigação da natureza. Outro intérprete que ressaltou o papel da teologia calvinista no desenvolvimento da ciência moderna foi Robert K. Merton (1910-2003). Sua obra Ciência, Tecnologia e Sociedade na Inglaterra do século XVII (1938) foi originalmente escrita como sua tese de PhD. Seu propósito mais amplo era escrever algo como “um ensaio na sociologia histórica das vocações”. A palavra “vocação”, aqui, lembra o “chamado”, Beruf, de que Lutero falava, ou seja, o chamado de Deus para a vida de um cristão, sua tarefa singular a ser realizada neste mundo. O propósito de Merton era expandir a consagrada tese de Max Weber (1864-1920), em seu A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905). Nessa obra, Weber argumentou que

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ havia uma forte relação entre a visão calvinista de mundo e a prática capitalista. O que Merton faz em sua obra é mostrar que existe uma forte relação entre a visão de mundo calvinista e a prática da ciência moderna. Merton analisa alguns valores do puritanismo inglês e sugere que eles seriam francamente compatíveis com a ciência moderna, uma “compatibilidade intrínseca”, diria ele. Esses valores seriam o utilitarismo, os interesses intramundanos, a ação incessante e metódica, o empirismo, o antitradicionalismo e o livre exame das Escrituras. Segundo Merton, os puritanos buscavam o melhor modo de viver neste mundo, mas sem se entregar a este mundo. Ele chamou isso de “ascetismo intramundano”, em oposição ao “ascetismo extramundano” dos monges católicos. O puritano é o indivíduo que valoriza o mundo como criação divina e cultiva por ele um grande interesse, mas não se deixa dominar por esse mundo, antes, deseja dominá-lo. O puritano é aquele que se preocupa com questões práticas da vida, com a forma de agir neste mundo, e não que se perde em divagações filosóficas ou teológicas que discutiam detalhes insignificantes, como ocorria na Idade Média. Segundo Merton, essa preocupação dos puritanos com as coisas deste mundo abriu um importante caminho para a valorização da Criação e dos esforços de melhor conhecê-la. Em outras palavras, o puritanismo altera as orientações sociais. Indivíduos que, em outro contexto, não teriam qualquer interesse pela ciência e pelo mundo natural, agora enxergam nesses estudos um caminho legítimo e respeitoso, fazendo com que muitos protestantes se lancem nessas empreitadas científicas. De fato, Merton realizou uma intensa pesquisa estatística e constatou que uma maioria consistente dos membros da Royal Society da Inglaterra eram puritanos, e o mesmo se repetia em alguns outros contextos importantes. Sua conclusão, portanto, é que o puritanismo inglês, pelos seus valores éticos, acaba favorecendo o desenvolvimento da prática científica. Uma das abordagens mais recentes e criativas acerca da relação entre Cristianismo e Ciência tem sido a de Peter Harrison (1955- ). Em sua obra A Bíblia, o Protestantismo e o surgimento da Ciência Natural (1998), Harrison argumenta, um tanto surpreendentemente, que a Reforma Protestante, ao defender uma leitura mais literal dos textos bíblicos, contribuiu para o desenvolvimento da

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ ciência. Segundo Harrison, a Reforma trouxe uma nova hermenêutica, uma nova chave interpretativa para a Bíblia e também, ao mesmo tampo, para a Natureza. Harrison mobiliza um número impressionante de tratados científicos e filosóficos para mostrar que, enquanto os autores da Igreja Católica se acomodavam com a leitura metafórica ou alegórica das Escrituras, realizavam uma leitura simbólica também da própria natureza e de seus fenômenos. O que interessava a esses homens não era a dimensão física da natureza, mas sim sua dimensão mais profunda, espiritual. A Reforma, ao defender uma leitura literal de textos que evidentemente não eram metafóricos, trouxe também uma nova forma de enxergar episódios da narrativa bíblica. A Queda, o Dilúvio ou a abertura do Mar Vermelho, por exemplo, não poderiam mais ser explicados de forma metafórica. A Queda de fato teria ocorrido, bem como o Dilúvio, a travessia do Mar Vermelho e a confusão das línguas em Babel. Ora, se todos esses elementos de fato aconteceram, quais seriam os seus efeitos visíveis na natureza? Ou, ainda, como eles poderiam ter acontecido, considerando o comportamento da natureza? Harrison argumenta que houve um grande estímulo para que as ciências saíssem em busca de explicações. A Astronomia foi usada para tentar localizar o céu e o inferno. A Química, para melhor entender a possibilidade da glorificação dos corpos. Várias disciplinas foram usadas para tentar explicar a ressurreição literal da carne. Enfim, trata-se de uma interessante perspectiva que mostra como a fé cristã não apenas está longe de ser um obstáculo à ciência, como pode, frequentemente, impulsioná-la. CONCLUSÃO

Durante séculos, o debate entre “ciência” e “religião” foi alheio ao Ocidente. A ideia de que os fundamentos religiosos e a prática científica pudessem conflitar entre si só surgiu a partir do século XVIII, mas tomou forma durante o século XIX, em grande parte devido ao pensamento positivista que enxergava a teologia como uma manifestação a ser superada pela ciência. Foi no século XIX que surgiu o modelo do conflito, ou “tese do conflito”, elaborada por John William Draper e Andrew Dickson White. O modelo provocou distorções

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ profundas na compreensão da relação entre ciência e religião, mas surtiu um enorme impacto e foi abraçado pelo imaginário popular de tal maneira que se tornou comum, no discurso e na mentalidade geral, a oposição entre ciência e fé. Contudo, esse modelo vem sendo sistematicamente criticado, desde as primeiras décadas do século XX. De um lado, ficou provado que os “cientistas” que deram origem à ciência moderna não eram positivistas e que foram amplamente influenciados por valores metafísicos, muitas vezes teológicos. Por outro lado, algumas interpretações da relação entre ciência e fé propuseram, de forma razoavelmente convincente, que os fundamentos gerais do Cristianismo e da Reforma mais contribuíram para a impulsão da Ciência Moderna do que para seu impedimento.

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2 A natureza da Ciência É muito comum discutir o tema da relação entre ciência e religião sem que os termos estejam bem definidos. O que é ciência? O que é religião? A religião não pode oferecer conhecimento verdadeiro sobre o mundo? A ciência não pode assumir as características de uma seita religiosa? Precisamos tirar um momento para refletir sobre a ciência e sua prática. Veremos que essa reflexão é capaz de reconfigurar a forma como entendemos a operação da ciência e seus possíveis contatos com a religião.

2.1 Realistas e Antirrealistas Basicamente, existem duas maneiras de enxergar a atividade científica, o realismo e o antirrealismo. Os realistas acreditam, grosso modo, nas seguintes ideias: • O mundo físico é real e autônomo, ele não depende de nós; • Nossa atividade científica não influencia o mundo como ele é; • A realidade limita o número de teorias possíveis, as teorias precisam se amoldar à realidade; • O conhecimento do mundo físico real é possível, em alguma medida, e desejável; • Existe um método científico rigoroso que deve ser seguido para alcançar o conhecimento do mundo; • As teorias científicas devem afirmar verdades sobre o mundo, devem explicar como ele realmente é;

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ • As teorias científicas falam de coisas reais (átomos, moléculas, células etc.), e não de entidades teorizadas; • A ciência se faz por acumulação de novos dados e pela correção progressiva de teorias anteriores, aproximando-se cada vez mais da verdade. Em poucas palavras, essa visão da ciência é a visão do senso mundo. É a visão que todos os alunos escolarizados geralmente têm sobre como se deve fazer ciência e qual a sua importância. As teses realistas parecem tão evidentes que é difícil entender como se pode questioná-las. Mas pensadores importantes, filósofos, historiadores e principalmente sociólogos da ciência chegaram de fato a questionar esse modelo com muita propriedade. Em 1962, o filósofo Thomas Kuhn (1922-1996) publicou uma das obras mais lidas e referenciadas do século XX, A Estrutura das Revoluções Científicas. A tese de Thomas Kuhn é que a ciência não progride de maneira linear, neutra, progressiva, por meio da acumulação de dados e da correção de teorias. Kuhn defendeu que a ciência possui paradigmas, ou seja, modelos de pensamento científico que se estabelecem no estudo da ciência e que orientam as pesquisas científicas. Esses paradigmas não se estabelecem necessariamente porque explicam melhor a realidade, mas por questões de poder, relações sociais ou outros fatores que nada têm a ver com a ciência. Uma vez que um determinado paradigma começa a apresentar anomalias e inconsistências, ele começa a perder força e pode ser substituído por um outro paradigma completamente diferente do primeiro. A física é o melhor exemplo disso, segundo Kuhn. Aristóteles foi quem estabeleceu o paradigma da física na Antiguidade e ele perdurou durante toda a Idade Média, estimulando diversas pesquisas que partiam do princípio de que Aristóteles estava correto. Mas esse modelo foi substituído pela física de Galileu e de Newton, que compõem um novo paradigma científico. Desde então, os cientistas ignoram a física de Aristóteles e realizam pesquisas partindo do princípio de que Galileu e Newton estão certos. São, portanto, duas formas completamente diferentes de estudar a natureza, e não é possível, diz Kuhn, afirmar qual delas é “mais correta”. Thomas Kuhn, assim, pode ser chamado de antirrealista. Os antirrealistas também

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ possuem um conjunto de teses, e o historiador Steven Shapin (1943 - ), em sua obra Nunca Pura, o resume nos seguintes tópicos: 1. Não existe algo como Método Científico. 2. A ciência moderna vive somente em seu tempo e para o seu tempo; ela parece muito mais especulação na bolsa de valores do que uma busca pela verdade sobre a natureza. 3. Conhecimento novo não é ciência até que seja socializado. 4. Uma realidade independente no sentido físico comum não pode ser adscrita aos fenômenos nem às agências de observação. 5. A base conceitual da física é uma invenção livre da mente humana. 6. Os cientistas não encontram ordem na natureza, eles a colocam lá. 7. A ciência não merece a reputação que conquistou tão amplamente... a de ser completamente objetiva. 8. A imagem do cientista como um homem de mente aberta, alguém que pese as evidências a favor de algo e contrárias a algo, é conversa fiada. 9. A física moderna baseia-se em alguns atos de fé intrínsecos. 10. A comunidade científica é tolerante para com estórias bem insubstanciais. 11. Em qualquer momento histórico, o que se passa por explicações científicas aceitáveis tem tanto determinantes sociais quanto funções sociais. Os antirrealistas, portanto, acreditam que a ciência não é uma atividade “pura”, estritamente racional, metódica, livre da interferência de elementos externos, isenta de ideias e de valores. Ao fazer ciência, dizem os antirrealistas, inúmeros fatores estão em jogo: questões emocionais, disputas de poder, hierarquia social, prestígio, carisma, sorte, dinheiro, interesses, ideologias etc. O cientista não é como uma máquina de fazer ciência, de realizar contas e montar quebra-cabeças. Ele pode deixar de seguir uma linha de pesquisa “correta” por falta de financiamento, ou porque um laboratório rival de maior prestígio ridicularizou sua ideia. O cientista pode defender da melhor maneira possível uma ideia “errada” porque ela é fundamental para suas ideias políticas ou porque recebeu um enorme financiamento que precisa justificar. Mas o que isso nos diz a respeito da religião?

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ Um dos maiores estudiosos antirrealistas do assunto é David Bloor (1942 - ). Sua teoria mais geral foi apresentada na obra Conhecimento e Imaginário Social, de 1976. Ali, Bloor sugere que a forma realista de se encarar a ciência se assemelha muito à maneira como os religiosos enxergam a religião. Bloor afirma que os cientistas geralmente não aceitam que sua prática científica possa estar equivocada ou fundamentada em princípios falsos, não aceita nem mesmo que seus princípios sejam questionados. Existe uma dimensão “sagrada” na prática científica, como se ela fosse um oráculo que profere verdades a partir de um conhecimento privilegiado da realidade. Mas o que ele propõe é justamente que a ciência seja encostada na parede, questionada, avaliada e criticada, como qualquer outra área da experiência humana. Durante todo o século XIX e XX, a ciência gozou de uma autoridade imbatível. Quando se desejava conhecer algo a respeito do corpo humano, um médico era consultado, e não um curandeiro. Quando era necessário prever o tempo, um meteorologista era consultado, não um sábio rural. As dúvidas sobre o mundo físico, em suma, foram sempre dirigidas aos “cientistas” especializados, como se a ciência, e somente ela, pudesse oferecer um conhecimento certo e verdadeiro sobre o mundo. O que Bloor defende é a “dessacralização” da ciência, ou seja, a eliminação de sua aura divina e um questionamento sério de seu funcionamento. De fato, Bloor e os antirrealistas defendem que a ciência é tão suscetível à interferência de elementos não racionais (desejos, medos, orgulho, inveja, desonestidade, mentiras, recursos financeiros etc.) quanto qualquer outra esfera da vida humana, e, por isso, as práticas científicas devem ser estudadas considerando todos esses fatores. Não basta, por exemplo, dizer que Copérnico “descobriu” que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário. É preciso explicar quais foram os elementos não racionais que o permitiram chegar a essa ideia. Por que, por exemplo, Copérnico não divulgou seus resultados antes? Por que foi levado a dedicar sua obra ao Papa? Como Copérnico justificou o fato de estar se opondo a um ensinamento milenar? Outra forma de entender a questão seria perguntar: Por que a teoria de Copérnico foi aceita? A resposta geralmente dada é “porque era verdadeira”. Mas o que os sociólogos da ciência defendem é que a teoria “verdadeira” muitas vezes não é aceita

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ como verdadeira, e que teorias hoje consideradas “falsas” foram por muito tempo tomadas como “verdadeiras”! Isso significa que é preciso explicar por que uma teoria foi aceita em termos sociológicos, e não somente dizer que “alguém descobriu algo”, como se isso fosse suficiente para esclarecer esse paradigma. 2.2 CRISTIANISMO E CIÊNCIA

O que vimos anteriormente tem uma série de consequências importantes para o estudo da relação entre a ciência e a fé. Dificilmente o cristão pode simplesmente adotar uma das duas posições acima de forma irrestrita, seja a posição realista, seja a posição antirrealista. O mais prudente seria investigar os fundamentos dessas posições à luz das Escrituras. É evidente, por exemplo, como defendem os realistas, que existe um mundo autônomo, independente de nós. O universo é criação de Deus, e não do homem. O mundo não se transforma segundo a vontade ou as crenças dos homens. A grande pergunta que o cristão deve fazer é: será que a ciência é uma prática que consegue acessar, compreender e explicar autonomamente e suficientemente esse mundo que existe de fato? Os antirrealistas demonstraram, em diversas obras, que a ciência não é, nem consegue ser, uma prática rigidamente racional, respaldada por um método rigoroso e que se sustenta a partir da descoberta de verdades incontestáveis. Os paradigmas científicos que hoje orientam nossas pesquisas podem, amanhã, ser completamente revistos. As certezas inabaláveis que temos hoje podem ser vistos, sem qualquer surpresa, como tolices. Ora, o fracasso dos homens na compreensão do universo – e a história da ciência é uma coletânea de fracassos muito maior do que uma coletânea de sucessos – não diz nada contra a criação de Deus. Pelo contrário, ela apenas reconhece a finitude do homem e de suas práticas. Além disso, uma abordagem antirrealista da ciência permite uma abordagem mais justa e simétrica dos fenômenos sociais. Existe, naturalmente, uma dimensão sociológica da religião, e aqueles que se dispõem a fazer “ciências da religião” investigam justamente essa dimensão. Por outro lado, os cientistas tendem a ignorar o fato de que existe uma dimensão social também na ciência. O antirrealismo entende que

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ ambas as práticas, por mais que possuam aspectos internos que se expliquem por uma racionalidade própria, também abrigam questões que extrapolam para o âmbito sociológico, individual, emocional etc. Por fim, compreender a dimensão social da ciência significa abrir mão de um confronto de entidades eternas e absolutas, a “ciência” e a “religião”. Ciência e religião deixam de ser dois arquirrivais disputando terreno, passam a ser aspectos importantes a ser considerados seja qual for a esfera de interação social. Valores religiosos influenciam a ética, o trabalho, a família, a ciência etc., e a ciência, por sua vez, sofre também influência de todos esses fatores. O Cristianismo em nenhum momento atribui à ciência a posição de detentora exclusiva do conhecimento e da realidade verdadeiros, embora nunca deixe de reconhecer a validade de suas práticas, ainda que limitas. CONCLUSÃO

A ciência, tradicionalmente, é vista como uma empreitada racional, metódica, pura e imune a influências externas de qualquer ordem. Na segunda metade do século XX, entretanto, essa visão foi duramente questionada e se levantou uma série de elementos que influenciam diretamente na pesquisa e prática científica, mas que fogem ao âmbito da racionalidade: recursos financeiros, status social, prestígio na comunidade, disputas pessoais, sentimentos, ideologias, agendas políticas etc. Diante disso, a relação entre ciência e religião precisa ser repensada, uma vez que a prática científica perdeu o posto de “oráculo” incontestável do mundo moderno. A ciência precisa ser investigada com as mesmas regras com que se investiga qualquer outra prática social. A religião, nesse novo cenário, não é mais vista como conflitante com a ciência, e sim como um dos fatores que a condicionam.

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3 Darwin e o darwinismo Charles Darwin (1809-1882) é uma figura incontornável quando o assunto é a relação entre ciência e fé. Em geral, a imagem que se tem de Darwin é aquela construída por seus defensores. Darwin seria o gênio que teria desvendado o funcionamento das leis universais que determinam o surgimento e o desaparecimento das espécies. Em termos gerais, Darwin teria descoberto os mecanismos funcionais da natureza, o que tornaria a figura de Deus obsoleta e descartável. Muitos cristãos, por sua vez, acabaram adotando a visão de que Darwin e suas ideias seriam nocivos às verdades bíblicas e, portanto, caberia a eles se esquivarem e combaterem seu sistema biológico. O problema da leitura de que Darwin “descobriu” as leis naturais por meio de uma suposta “genialidade” é que suas ideias ficam totalmente descontextualizadas, como se uma centelha divina o tivesse inspirado a pensar o que pensou e escrito o que escreveu. É o problema, portanto, da des-historicização, ou seja, da desconsideração da influência dos elementos históricos e sociológicos na compreensão do advento das ideias de Darwin. Podemos descrever essa posição como a posição realista, conforme estudamos na seção anterior. Nosso propósito aqui, contudo, é oferecer uma leitura contextualizada da obra de Darwin, para que possamos pensar seus efeitos sobre o Cristianismo.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ 3.1 CHARLES DARWIN: VIDA E OBRA

Charles Darwin nasceu na cidade de Shrewsbury, Inglaterra, em 1809. Rebento de família abastada, seu pai era um médico formado pela Universidade de Edimburgo e pôde lhe proporcionar generosas experiências de estudos e viagens. A medicina escocesa em que Robert Darwin foi formado era reconhecidamente materialista, ou seja, orientada pela ideia da autonomia da natureza, desconsiderava causas metafísicas para a explicação dos fenômenos naturais. O avô de Charles, Erasmo Darwin, foi um importante “filósofo natural” – nome que se dava aos estudiosos dos eventos da natureza – que acreditava fielmente na doutrina da “transmutação das espécies”, isto é, que as espécies da natureza não são fixas, mas que transformam. O irmão de Charles, Erasmo Alvey, seguiu os passos do avô e cursou medicina em Edimburgo, sendo mais tarde tutor de Charles Darwin. A mãe e a irmã de Darwin, por sua vez, eram ambas Unitaristas, ou seja, não reconheciam a divindade de Jesus Cristo. Tudo isso nos oferece um contexto rico e importante de influências, e muitas delas se veriam realizadas plenamente nas obras de Darwin durante os anos vindouros. 3.1.1 A natureza em grande escala Em 1825, Darwin ingressou no curso de Medicina em Edimburgo. Frustrou-se profundamente e investiu no estudo de “História Natural”, disciplina que cuidava da descoberta, ordenação e classificação de espécies. Conheceu, ali, as teorias de Jean Baptiste Lamarck (1744-1829), que defendia a evolução natural das espécies por meio de modificações ambientais. Em 1828, Darwin mudou-se para a Universidade de Cambridge e acabou por realizar a leitura das obras de Alexander von Humboldt (1769-1859), destinadas a ter enorme influência sobre seu pensamento. Em Humboldt, Darwin encontrou pela primeira vez a noção de um pensamento holístico, isto é, preocupado em contemplar a natureza como um todo. A partir daí, Darwin começa a aprofundar seus estudos sobre geologia, uma disciplina que lidava, por natureza, com as dimensões da natureza em grande escala. Fez as leituras de Charles Lyell (1797-1895), principal autoridade do período, e abraçou sua visão do “uniformitarianismo”. Essa doutrina postulava que todas as

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ modificações na natureza acontecem sempre de maneira uniforme, sem grandes sobressaltos. Os continentes, por exemplo, se movem na mesma velocidade hoje que se moviam há milhões de anos. Se Humboldt ofereceu a Darwin uma visão holística da natureza, Lyell inseriu essa visão em grande escala no tempo. 3.1.2 HMS Beagle e a Teoria da Evolução Em dezembro de 1831, Darwin foi convidado para singrar os mares em uma viagem de circum-navegação a bordo do famoso navio HMS Beagle. Durante cinco anos, Darwin viajou pelo mundo escrevendo em seus famosos “diários” entradas sobre geologia, zoologia e história natural. Darwin acumulou nesse período reflexões sobre as causas “ambientais” das transformações nas espécies e sobre o lugar do homem na natureza. Em 1836, de volta à Inglaterra, Darwin começou a estudar seus diários e a elaborar o que viria a ser sua célebre teoria da evolução. Foi então, por volta de 1842, que Darwin teve o seu “momento Malthusiano”. Despretensiosamente, começou a reler a obra de Thomas Malthus (1766-1834), Ensaio sobre o princípio da população (1798), em que Malthus afirmava que a capacidade de alimentação do mundo era menor do que a capacidade de reprodução dos homens, o que os colocava em uma condição de disputa pela sobrevivência. Darwin, então, entendeu que esse era o princípio que governava a evolução: os mais evoluídos, ou mais bem adaptados, sobreviveriam à disputa, os menos adaptados pereceriam. Podemos, então, dizer que a teoria da evolução de Darwin se desenvolveu em três etapas: a) Primeiramente, Darwin começou a abraçar a ideia da transmutação das espécies, duvidando da imutabilidade das espécies, conforme sugeria a tradição cristã do período. Isso se deu a partir da influência de seu avô, da leitura de Charles Lyell e de sua viagem a bordo do Beagle. b) Depois, Darwin começa a elaborar uma série de reflexões sobre a prática da criação de animais. Ele frequentou círculos de criadores de cavalos, por exemplo, e buscou investigar a ideia do aprimoramento artificial das espécies. c) Por fim, o momento Malthusiano, a partir do qual Darwin conseguiu propor que a evolução ocorre por meio da seleção natural das espécies

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ 3.1.3 A Origem das Espécies (1859) A obra que consagra as ideias de Darwin acerca da evolução, como se sabe, é a Origem das Espécies, de 1859. O livro traça um só longo argumento que se fundamenta no paralelo entre a seleção artificial e a seleção natural. Assim como existe a seleção artificial, visível na criação de cavalos, por exemplo, existe também uma seleção operada pela própria natureza, a qual, naturalmente, demora muito mais tempo para ser percebida. Isso ocorre porque os cruzamentos livres, diz Darwin, atrasam a seleção, por isso é preciso pensar em termos de “eras geológicas”. Além da ideia da “seleção natural”, a obra de Darwin apresenta um segundo argumento crucial: o da “árvore da vida”. Segundo Darwin, todas as espécies podem ser remontadas a um pequeno conjunto de “ancestrais comuns”, seres muito pouco desenvolvidos que originaram, por meio da seleção natural, todas as demais espécies. A pergunta óbvia que se colocou a Darwin, e que o deixou em grandes dificuldades, foi: como surgem as “variações vantajosas” nas espécies? Darwin não dispunha do conceito de “mutação genética”, por isso não soube explicar como essas mudanças aconteciam. O que mais chama atenção na obra de Darwin é que ela não se parece, em nada, com a obra que se esperaria de um “cientista”. Darwin evita entrar em detalhes técnicos e evita apresentar suas ideias na forma de postulados científicos e verificáveis. Sua obra se assemelha muito mais a uma reflexão filosófica sobre a natureza e referência diversos pensadores sobre a natureza. Existe, hoje, uma grande dificuldade de entender a obra de Darwin como uma proposta filosófica, o que de fato é, e não uma análise científica. 3.2 DARWIN E O CRISTIANISMO

Inúmeras questões podem ser trabalhadas quando falamos a respeito de Darwin, do darwinismo e de suas relações com o Cristianismo. Aqui, vamos abordar apenas algumas delas, a saber: a) as influências cristãs sobre da teoria da evolução; c) o problema das crenças pessoais de Darwin; c) os usos políticos do darwinismo contra a Igreja Anglicana; e d) os problemas que o darwinismo pode colocar aos fundamentos do Cristianismo.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ 3.2.1 As origens cristãs da teoria evolutiva de Darwin Quando falamos sobre a teoria da evolução e o Cristianismo, é preciso ter em mente que a coisa pode ser bem mais intrincada do que imaginamos. Por exemplo, Darwin, em 1828, frustrado com a faculdade de medicina, ingressou em Cambridge com o objetivo de ser ordenado sacerdote da Igreja Anglicana. Ali, teve contato com posições bastante ortodoxas do Cristianismo e não apresentava nenhuma objeção séria aos fundamentos da fé cristã. É difícil imaginar que Darwin não tenha retido nada de sua instrução cristã. É importante, portanto, observar que as principais influências de Darwin para a elaboração de sua teoria da evolução resultaram de perspectivas que podem ser consideradas cristãs. Em primeiro lugar, Darwin foi impactado, como muitos ao longo do século XVIII e XIX, pelo sistema newtoniano. Como já vimos, E. A. Burtt provou que Newton nunca abriu mão da ideia de um Deus cristão que interfere no mundo, mas Newton foi visto como aquele que descobriu leis universais – sejam criadas por Deus ou não – capazes de explicar o funcionamento regular do mundo. Darwin abraça essa ideia, igualmente, e durante toda sua carreira tem em mente a busca por “leis universais” na natureza. Em segundo lugar, Darwin teve contato com a disciplina da “teologia natural”. Duas leituras obrigatórias que impactaram muito Darwin foram a Teologia Natural e a Evidências do Cristianismo, ambos escritos por William Paley (1743-1805). Paley foi o mais importante autor inglês a pensar a relação entre a natureza e as verdades da fé, e seus livros fizeram um sucesso estrondoso. Neles, Paley buscava demonstrar que os fenômenos naturais, pela sua ordem, beleza e complexidade, oferecem evidência plena da existência de Deus, um ser de belo, complexo e de ordem. Paley sistematizou a ideia do “design” na natureza. Darwin releu e memorizou as obras de Paley, e até a década de 1850 é possível argumentar que reteve intactos os fundamentos do cristianismo de Paley. Por fim, a teoria de Thomas Malthus, que, como vimos, foi decisiva para o surgimento da teoria da evolução, era também resultado de uma visão cristã de mundo. Malthus entendia que a disputa pela sobrevivência e o sofrimento dela resultante, especialmente para os mais pobres, era convertida em algo bom, segundo o propósito de Deus. Era o que chama

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ mos de “teodiceia”, um discurso que reflete sobre a bondade de Deus apesar do sofrimento do mundo. Darwin, ainda em 1842, chegou a defender sua teoria dizendo que o processo brutal da seleção natural contribuiria para “um bem maior” e para a criação de “animais superiores”. 3.2.2 A fé de Charles Darwin Existe muita especulação sobre as crenças de Darwin. De um lado, há os que afirmam que, acertadamente, Darwin abriu mão de sua crença em Deus em favor da sua teoria da evolução. Outros sugerem que, apesar de sua teoria, Darwin teria se mantido um cristão. Há, por fim, o mito de que Darwin teria se “reconvertido” em seu leito de morte, como resultado da pregação do evangelho por parte de “Lady Hope”, uma senhora que viajava ministrando estudos bíblicos. Talvez seja possível propor a seguinte divisão para as etapas do pensamento e das crenças de Darwin: a) 1830-40: Darwin era um cristão não ortodoxo, com algumas ideias reformadoras resultantes de sua família Unitarista e de suas visões sobre a autonomia da natureza e do papel secundário de Deus nos fenômenos naturais. b) 1840-50: Darwin se torna um deísta, abrindo mão das doutrinas cristãs professas pela Igreja Anglicana e elaborando uma espécie de “religião natural”. c) 1850-80: Darwin abandona sua fé, dizendo-se “agnóstico”. O que teria processado a virada dos anos de 1850? O que teria feito Darwin romper definitivamente com o Cristianismo? É certo que a própria teoria da evolução continha elementos que acabaria por fazer Darwin questionar o lugar de Deus. Por exemplo, Darwin afirmou que “quanto mais sabemos sobre as leis fixas da natureza, mais inacreditáveis os milagres se tornam”. Além disso, a perfeita adaptação das espécies em seu habitat, que Paley atribuía à obra divina, Darwin agora explicava por meio da seleção natural. Além disso, a ideia da “guerra natural” das espécies, da “luta pela sobrevivência” não parecia, para Darwin, se adequar à ideia de um Deus benevolente.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ Isso significa que Darwin, por causa de sua teoria, abraçou uma visão de mundo pessimista e desesperada, na qual a bondade e a beleza da natureza desaparecem, cedendo espaço à miséria e ao sofrimento. Em sua Autobiografia, Darwin se professa um “agnóstico”. Essa palavra foi inventada por Thomas Huxley (1825-1895), seguidor voraz de Darwin, e a ideia geral era a de um homem que, diante dos dados científicos, não poderia afirmar a crença em Deus. O “agnóstico” nada mais era do que um ateu “científico”. Mas existem dois elementos importantes, que não se relacionam com a teoria de Darwin, e que tiveram papel decisivo na rejeição do Cristianismo por parte de Darwin. Em primeiro lugar, Darwin enfrentou dois lutos próximos em sua família: em 1848 seu pai faleceu e, em 1851, sua filha Anne, de dez anos, também faleceu. A morte de Anne o deixou devastado, e ele registra em sua biografia que esse foi o momento crucial em que sua crença em um Criador foi severamente abalada e reconsiderada. Em segundo lugar, após seu luto familiar, cresceu em Darwin seu horror à doutrina da condenação. Darwin não conseguia mais conceber que, para que o Cristianismo fosse verdadeiro, seria necessário acreditar na existência de um “inferno” onde o sofrimento persistisse indefinidamente. Esses dois fatores, a rejeição da doutrina da condenação e o luto familiar nos ajudam a compreender que sua teoria evolutiva não foi a única responsável pelo abandono de sua fé, mas que certamente serviu como um sistema alternativo de entendimento do mundo, uma vez que abandonara o Cristianismo. 3.3.3 Ciência, Religião e Política Mas será que o problema entre ciência e religião, no que diz respeito às teorias de Darwin, é somente um problema teórico? Frank Turner, profundo estudioso do assunto, diz que não. A associação estabelecida, quase de forma natural, entre Darwinismo e anticristianismo é resultado muito mais dos interesses políticos e institucionais dos seguidores de Darwin do que dele próprio. Darwin nunca foi um militante ateísta, diferentemente de T. H. Huxley, o “bulldog de Darwin”. Turner nos leva ao período em que os debates sobre o darwinismo aconteceram e nos mostra que o que estava em jogo, na verdade, era uma discussão sobre a co

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ munidade científica, seus integrantes e seu papel social, além, evidentemente, dos métodos que deveriam implementar. Tradicionalmente a ciência britânica se fazia pelas mãos de homens que acabaram seguindo estudos acadêmicos por interesse e sendo ordenados por opção – ou falta dela –, ou ainda por amadores autônomos, que financiavam suas próprias pesquisas e não se impunham um ritmo marcado de labor, prestação de contas ou outras exigências profissionais. Ademais, o papel da ciência na Inglaterra, há muito tempo, tornara-se aquele de disciplina auxiliar da Teologia Natural. Suas descobertas serviam à explicação do mundo e à decifração de seus mistérios, apontando sempre para o mistério e a maravilha de uma Criação divina. Teologia Natural e “Ciência” eram, assim, estritamente complementares.Em meados do século XIX, esse cenário começou a ser subvertido. Um grupo de darwinistas radicais, liderado por Huxley, Tyndall, Spencer e outros, criou o chamado Clube-X, cuja tarefa seria lutar pela formalização da profissão de “cientista”, estipulando os critérios de trabalho e legitimidade da atividade científica. Segundo Turner, essa investida dizia respeito, exclusivamente, ao âmbito social e institucional da prática científica. Não dependia, portanto, do debate teórico e epistemológico entre a evolução e o Cristianismo. As disputas teriam acontecido com ou sem a obra de Darwin. Além das disputas teóricas, havia as disputas por espaços sociais e institucionais girando em torno da ciência do período. Um dos mais eficazes recursos empregados pelo movimento profissionalizante da ciência foi um redimensionamento consciente e agressivo da função social, dos propósitos e fins da ciência. Se a pesquisa científica, por assim dizer, até meados do XIX era pouco mais que um apêndice da Teologia Natural, o discurso de Huxley e seus aparceirados buscava “relacionar o avanço da ciência e seus praticantes à segurança física, econômica e militar da nação”, bem como “ao alívio da injustiça social”. A ciência, assim, deveria se provar uma serva do vasto e potente império britânico, e não uma serva de Deus. O resultado foi um êxito notório. No último quarto do século XIX os membros do clero anglicano bateram em rápida retirada da esfera da pesquisa científica, abrindo uma larga avenida para os novos cientistas profissionais, em geral secularizados e adeptos de uma epistemologia positivista e naturalista.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ 3.3.4 O evolucionismo ameaça a fé? A questão que deve ser colocada, depois de todo esse estudo, é: afinal, o darwinismo coloca um problema real para o Cristianismo ou é possível conciliá-los? Com essa pergunta, somos levados de volta ao início de nosso estudo. Como as obras de John William Draper e Andrew Dickson White surgiram no contexto de um darwinismo latente, a teoria da evolução foi prontamente colocada ao lado da “ciência” e contra a “religião”. Isso imprimiu no imaginário ocidental uma visão de profundo antagonismo entre o darwinismo e o Cristianismo, o que foi ainda mais ampliado com a cruzada darwinista de T. H. Huxley, como vimos. Por outro lado, vimos também que a teoria de Darwin deve muito às teorias de Newton, Paley e Malthus, que eram todas, em alguma medida, cristãs. A relação, portanto, é complexa, e vale a pena listar alguns pontos que podem ser focos de tensão entre o evolucionismo e o Cristianismo: 1. A doutrina cristã da imago dei, do homem criado à imagem e semelhança de Deus, dificilmente pode ser conciliada com a teoria da evolução. Afinal, como explicar o surgimento natural de um ser que é imagem de Deus? Como um ser que é imagem de Deus pode ter sido uma mutação de um ser inferior? 2. Como lidar com a figura de Adão? Seria Adão uma figura histórica, ou a explicação de Gênesis seria uma simples metáfora? Se Adão não for entendido como figura histórica, como lidar com as genealogias bíblicas que remontam até Adão? E como lidar com a ideia de Cristo como “segundo Adão”? 3. Como entender, a partir do ponto de vista evolutivo, o surgimento da alma humana? Em que momento seres sem alma teriam sido dotados de alma? 4. De que maneira o cristão pode compreender a Queda do homem se, do ponto de vista evolutivo, toda a história natural é a história da ascensão, e não da queda das espécies? 5. Se o homem não é mais do que matéria em evolução, como pode haver moralidade? Como entender o conceito de pecado?

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ 6.

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É legítimo conceber a Deus como uma divindade que cria as espécies e a humanidade pelo método da seleção natural, que é pouco mais do que tentativa e erro ao longo de um enorme espaço de tempo? Se a adaptabilidade perfeita ao meio ambiente pode ser explicada por meio da seleção natural, a ideia de um “design” perfeito no mundo, estabelecido por um Deus de perfeita ordem, torna-se desnecessária, no limite. O problema do sofrimento é outro que não pode ser ignorado. Teria Deus utilizado meios tão rudes e brutais como o da extinção de espécies inteiras, somente para promover o advento do homem?

Entretanto, é útil manter em perspectiva alguns outros dados que nos ajudam a 1.

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pensar melhor a relação entre darwinismo e Cristianismo: Charles Hodge, importante teólogo presbiteriano do século XIX, compôs uma obra para explicar e criticar o darwinismo. Entretanto, ele nunca afirmou que a ideia da evolução das espécies é antibíblica, mas sim que o mecanismo da seleção natural não está em acordo com a Providência. Samuel Wilberforce, famoso bispo que disputou com T. H. Huxley a veracidade do darwinismo, não via problemas na ideia da seleção natural, mas somente enquanto fosse mantida intra-espécie, e não interespécie. Em outras palavras, os melhores indivíduos seriam selecionados no interior de uma mesma espécie, para que assim a espécie pudesse perdurar, e não para que pudesse dar origem a novas espécies. Darwin, embora tenha escrito a respeito da origem das espécies, não se pronunciou sobre a origem da vida. Em algumas ocasiões, ele chegou até mesmo a usar um vocabulário teológico, falando em um “Criador soprando vida” a um ou mais espécies diferentes. É preciso distinguir entre a teoria darwinista acerca da origem das espécies por meio da seleção natural e uma “cosmovisão darwinista”. A primeira deve ser medida pelo seu poder explicativo acerca do surgimento das espécies, enquanto a segunda reflete uma ideia de um universo sem propósito e significado, que produz eventos sem critérios pré-definidos.

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A teoria da evolução por meio da seleção natural é uma obra fundamentalmente filosófica, e não “científica” pelos padrões modernos. A rigor, a teoria da evolução permanecerá sempre uma teoria apenas, pois é impossível provar, por meio de testes laboratoriais, a veracidade da seleção natural, pois esta depende de um espasmo de tempo enorme para se ver alguma comprovação. Muitos cristãos, especialmente entre os teólogos, receberam bem a teoria da evolução num primeiro momento. Segundo eles, a teoria evita a ideia de um Deus que interfere a todo tempo na Criação, e torna o universo muito mais simples e elegante. Darwin dizia que não fazia sentido imaginar um Deus se ocupando da criação dos moluscos mais asquerosos do planeta. Inversamente, muitos cientistas receberam mal a teoria da evolução, pois ela carecia de provas científicas e não explicava o advento das “mutações”. A teoria da evolução de Darwin não é, intrinsicamente ateísta ou deísta. A rigor, é uma teoria que pode ser adaptada a diferentes contextos. O problema é que se deve enfrentar as dificuldades da assimilação dessa teoria nos contextos diversos.

Conclusão A relação entre a teoria da evolução por meio da seleção natural de Darwin e as ideias cristãs pode ser bem mais complexa do que parece à primeira vista. Darwin fundamentou, em grande medida, sua teoria em outros sistemas filosóficos ou científicos que refletiam uma visão de mundo cristã. Entretanto, o seu próprio sistema filosófico acabou por oferecer uma alternativa à visão cristã, e Darwin encerrou seus dias abandonando sua fé e se apegando ao sistema que criou. Mas a percepção de um conflito entre o darwinismo e o Cristianismo tem outros fatores. O primeiro deles é o próprio modelo interpretativo do “conflito”, que sistematicamente colocou em lados opostos a teologia ortodoxa e a teoria da evolução. O segundo é a disputa política e social que os darwinistas travaram contra o clero, usando os princípios darwinistas como campo de batalha.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ Por si só, a teoria evolutiva de Darwin não implica o ateísmo, tampouco o teísmo. Alguns pensadores cristãos receberam calorosamente as ideias de Darwin, como sendo um caminho para explicar a forma de Deus agir no mundo. Mas é inegável que existem diversos problemas teológicos que precisam ser enfrentados quando se assume a posição de que a teoria da evolução possa ter uma correspondência na realidade.

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4 Ciência e Fé: Problemas e tendências atuais O problema da interação entre ciência e fé faz parte de discussões que se firmaram, em maior ou menor grau, em diversas áreas do conhecimento. É útil analisarmos brevemente algumas questões importantes e caminhos que têm sido seguidos na contemporaneidade. Vamos nos debruçar sobre os seguintes itens: a) o naturalismo científico; b) o argumento do Design; c) a física e a religião; d) a cosmologia e a religião. 4.1 O NATURALISMO CIENTÍFICO

Naturalismo é a ideia de que tudo o que existe no mundo se reduz a elementos naturais e que, portanto, todos os fenômenos físicos devem ser explicados a partir de causas exclusivamente naturais. Materialismo é outra forma de nomear essa perspectiva: tudo se reduz à matéria, e nenhuma explicação deve transcender o âmbito da matéria. O naturalismo tem propositores desde a Antiguidade, como Empédocles (492-432 a.C.), Lucrécio (99-55 a.C.), e Epicuro (341-270 a.C.), e teve propositores por longa data no Ocidente, até que a visão cristã se tornou majoritária. Foi somente

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ durante o século XIX que o naturalismo ganhou um novo fôlego com a obra de Charles Darwin (1809-1882). Darwin não apenas ofereceu importantes argumentos para os naturalistas como desencadeou uma nova visão de mundo baseada no naturalismo e que se estende, até hoje, pela maioria das disciplinas e ramos de pesquisa nas ciências. Esse novo paradigma rejeita qualquer tipo de explicação sobrenatural ou transcendental para a explicação de fenômenos naturais e comportamentos humanos. Tudo deve ser explicado com base na matéria e na natureza – tudo são átomos, reações químicas, força e movimento. O naturalismo ético, por exemplo, defende que não existe nada certo ou errado, bom ou mau. Esses termos só fazem sentido dentro de comportamentos sociais padronizados. Assim, o certo e o errado têm valor dentro de uma sociedade, mas não como fenômenos universais. Alguns chegam até mesmo a dizer que crenças e sentimentos não existem, são meras palavras sem referenciam no mundo, e, portanto, são falsos. O naturalismo se mostrou um grande fracasso em questões éticas e na filosofia da mente, mas o imperativo naturalista na ciência persiste. Edward B. Davis e Robin Collins sugerem quatro motivos para a persistência do naturalismo na academia: 1. Naturalistas defendem que fenômenos outrora explicados por razões teológicas ou metafísicas, hoje podem ser explicados pela ciência naturalista, e que isso é um padrão válido para o futuro. 2. O antinaturalismo acabou sendo associado a visões supersticiosas e à religiosidade fundamentalista, prejudicial ao progresso humano. 3. A ideia de que existe um universo sobrenatural coloca inúmeros problemas para o estudo científico da relação entre esse universo sobrenatural e o universo natural. 4. Materialistas e naturalistas acusam o dualismo (a ideia de que existe um mundo material e um mundo espiritual) de ser responsável pela opressão da liberdade humana, pelas disfunções sociais e psicológicas do mundo e pelos obstáculos ao avanço da ciência.

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ A resposta dos cientistas religiosos tem variado bastante. Há um extremo, que diz que as crenças religiosas devem ser interpretadas de forma naturalista, sendo que Deus seria equalizado às forças cósmicas evolucionárias; há outro extremo que rejeita qualquer tipo de naturalismo, reivindicando um criacionismo estrito na academia. A maioria dos religiosos, entretanto, procura acomodar o quanto for possível do naturalismo, sem abrir mão de suas crenças no sobrenaturalismo. Os sobrenaturalistas têm apontado há décadas os limites do naturalismo científico e suas dificuldades de explicar determinados fenômenos. Filósofos como Alvin Plantinga têm defendido um pluralismo no trabalho de pesquisa, segundo o qual pesquisadores poderiam trabalhar de acordo com paradigmas (naturalista, sobrenaturalista) distintos. 4.2 O ARGUMENTO DO DESIGN

A ideia central do argumento do Design é que a ordem e a complexidade do mundo físico devem, necessariamente, ser remontados a uma causa inteligente responsável por essas características. Essa causa não necessariamente deve ser o Deus da tradição judaico-cristã, e alguns defendem até uma racionalidade universal impessoal. Contudo, tradicionalmente o argumento do Design é associado à metafísica cristã. Um dos fundamentos do argumento do Design é o Princípio Antrópico, termo que foi cunhado e elaborado pelo astrofísico Brandon Carter, em 1970. Originalmente, o conceito do princípio antrópico afirma que as leis físicas e as constantes fundamentais que estruturam o universo devem ser compatíveis com seus observadores. Como nós, humanos, somos observadores do universo, essas leis e constantes são compatíveis com nossa existência. Acontece que as demandas dessas leis e constantes para que a vida humana seja possível são dramáticas. A lei da gravidade, por exemplo, não poderia ser mais forte ou mais fraca, ou o universo entraria em colapso, e o mesmo vale com a força magnética e inúmeras outras. Isso significa que o universo é “antropocêntrico”, ou seja, que favorece a vida humana. Alguns chamaram esse fenômeno também de “sintonia fina” ou “Coincidências Antrópicas”. A lógica é simples: um universo que favorece a vida humana não poderia, jamais, ter emergido do caos, da sorte ou do azar. Não é um produto

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ do acaso, e sim algo pensado e projetado de forma racional e complexa por uma inteligência racional e complexa. Além desse Design no âmbito cosmológico, o Design na esfera restrita da biologia também ganhou muita visibilidade em anos recentes sob o nome de Design Inteligente. O Design Inteligente, em alguma medida, é um sucessor da Teologia Natural. A Teologia Natural desenvolvida desde o século XVI e que teve em William Paley (1743-1805) seu mais importante autor, argumentava que a natureza demonstra uma harmonia e adaptação perfeitas, e que isso exigiria uma força racional por trás dela. A diferença da Teologia Natural para o Design Inteligente é que este tem a ambição de propor, de fato, um programa de pesquisa alternativo ao darwinismo. Esse programa é baseado na teoria da informação. Os propositores do Design Inteligente entendem que os fenômenos biológicos complexos, como o DNA, são indicadores de uma causa inteligente por transmitirem informações complexas. O estudo científico, portanto, não tem por objetivo simplesmente confirmar que existem causas inteligentes, mas sim o estudo das informações e dos caminhos das informações que existem na natureza. O grande desafio, portanto, do Design Inteligente, é promover avanços científicos palpáveis dentro de sua proposta. Um dos maiores proponentes do Design Inteligente na atualidade é Michael Behe. Behe apresenta o conceito de “complexidade irredutível”, que afirma que existe uma disposição biológica mínima necessária para o funcionamento dos organismos, um estado que não pode aceitar um estágio “anterior”. Em outras palavras, não seria possível que algo tivesse “evoluído” para aquele estado, pois sem qualquer das funções presentes naquele organismo, ele não teria existência. 4.3 A FÍSICA E A RELIGIÃO

A física que hoje chamamos de “clássica” nasceu nos séculos XVII-XVIII, em grande parte como resultado das obras de Isaac Newton. Como já notamos, não havia qualquer problema, na filosofia de Newton, para enxergar o lugar de Deus em relação aos fenômenos naturais. Para ele, a gravidade não era uma propriedade da matéria, por isso era preciso que Deus interviesse constantemente na natureza para sustentar o universo. Newton também acreditava, alinhado à ideia da “sintonia

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ fina”, que a complexidade do Sistema Solar era prova da existência de Deus. Acontece que, durante o século XVIII, alguns filósofos defenderam que era possível abraçar o sistema de Newton sem a sua metafísica. Um deles foi o matemático Pierre Laplace (1749-1827), que argumentou que o uso de aproximações matemáticas na obra de Newton o fizeram achar que Deus era necessário, mas que correções comprovariam que Deus, na verdade, não precisaria intervir no mundo. A “hipótese nebular” de Laplace também explicou o sistema solar em termos meramente físicos, sem recursos metafísicos. Na Alemanha, Immanuel Kant (1724-1804) argumentou que nenhum conhecimento físico pode ser o fundamento para conclusões metafísicas. Assim, ele separava definitivamente filosofia natural e metafísica, ciência e religião. Kant teve enorme impacto no universo intelectual do período, e um resultado imediato disso foi a queda no interesse pela “teologia natural”. O início do século XX viu o surgimento da chamada “física moderna”, que também trouxe novos caminhos para pensar sua relação com a religião. Como é sabido, um dos físicos modernos mais célebres, Albert Einstein (1879-1955), era judeu e professava uma crença em Deus. Contudo, a relação não é tão simples quanto parece. O Deus que Einstein professava era muito parecido, em suas próprias palavras, com o deus de Baruch Spinoza, o filósofo materialista holandês. Einstein afirmou que “não posso conceber um Deus que recompensa e pune suas criaturas”, e que “também não posso, nem quereria conceber um indivíduo que sobrevive à sua morte física”. Claramente, portanto, Einstein não era um ortodoxo, e seu Deus estaria mais preocupado com a racionalidade matemática do mundo do que com as doutrinas espirituais da tradição judaico-cristã. Entretanto, é por causa de sua crença na existência de um Deus que Einstein defendeu a necessidade da existência de um mundo real que pode ser estudado e descoberto, e por causa dela, também, Einstein defendeu uma unificação entre a física atômica e a cosmologia – a chamada “teoria de tudo”. Afinal, não seria possível que um universo racional e coerente, resultado de uma mente racional e coerente, não pudesse ser racionalmente acessível. Um dos campos de contenda da física moderna tem sido o da “teoria dos cam

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ pos”. Originalmente, a teoria das forças e campos magnéticos sustentou a ideia de que a intervenção divina na matéria não seria necessária. Contudo, o teólogo Wolfhart Pannenberg (1928-2014) argumentou que a ideia de uma força imaterial que preenche o espaço sugere uma analogia ao princípio da atividade cósmica do Espírito Santo. Em suma, a física moderna contribuiu para reabrir inúmeros debates a respeito do homem e de seu lugar no mundo, bem como do papel de Deus em relação à natureza. 4.4 A COSMOLOGIA E A RELIGIÃO

Cosmologia é a área que estuda a origem e a estrutura do universo. Entre o final do século XIX e início do século XX, os debates cosmológicos foram excessivamente técnicos, demandando uma profundidade matemática que poucos alcançavam para derivar suas implicações teológicas. O debate cosmológico começou a se popularizar com a proposta de Georges Lemaître (1894-1966), um clérigo católico e matemático que propôs que o universo estaria em expansão e que essa expansão poderia ser lida de trás para frente, até um ponto original com um núcleo atômico gigantesco, o qual chamou de “átomo primevo”. Mais tarde, Arthur Eddington (1882-1944), um Quaker, republicou a proposta de Lamaître em periódicos e jornais que lhe deram visibilidade. Aqueles dedicados ao estudo das relações entre cosmologia e religião encontraram na proposta de Lamaître um importante respaldo para a teoria criacionista, defendendo que o processo de expansão do universo seria análogo ao processo de Criação ex nihil, a partir do nada, relatado em Gênesis 1. Uma outra proposta, em competição com a de Lamaître, também teve ampla divulgação. Tratava-se da teoria do “estado fixo”, elaborada por Fred Hoyle (1915-2001), que propunha que o universo era eterno e a expansão do universo também ocorria desde sempre. Como explicação para a densidade constante da matéria, defendeu que a matéria seria continuamente criada no espaço. Rapidamente, a visão de Lamaître foi recebida como uma visão teísta, enquanto a de Hoyle foi vista como antiteísta, por não prever um ato criador. Curiosamente, entretanto, a história se mostrou muito mais complexa, como geralmente acontece. Depois alguns anos, a ideia de Lamaître, apelidada por Hoyle, de

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$ &,Ç1&,$ ( $ )e &5,67­ forma desdenhosa, de “teoria do big bang”, começou a ser associada à teoria da evolução de Charles Darwin. Ambas propunham, afinal, o surgimento de entidades complexas a partir de unidades mais simples em um longo processo “evolutivo”. Por outro lado, a ideia de Hoyle de que a matéria precisaria ser constantemente criada condizia com a visão judaico-cristã de um Deus intervencionista que sustenta a própria existência da natureza. Assim, a teoria de Lamaître, originalmente recebida até pelo Papa Pio XII com bons olhos, acabou sendo vista com desconfiança pelo meio religioso, enquanto a teoria de Hoyle, oposta à de Lamaître, acabou recebendo guarida entre cientistas e filósofos religiosos. CONCLUSÃO

Há inúmeras questões técnicas sendo discutidas no âmbito das ciências físicas e biológicas e que, de alguma forma, podem impactar as reflexões acerca do relacionamento entre ciência e religião. Contudo, é importante notar que a maioria das teorias científicas propostas não são, em si mesmas, fundamentalmente cristãs ou anticristãs. O que define se uma teoria científica irá colidir com as manifestações religiosas são os são pressupostos filosóficos e seus compromissos ideológicos. Dificilmente uma visão naturalista e materialista de mundo é conciliável com uma visão judaico-cristã, e vice-versa. O certo é que, até hoje, nenhuma teoria científica, e nenhum dado científico, foi capaz de comprovar ou contestar absolutamente as verdades cristãs. No fundo, ideias e debates científicos podem influenciar a maneira como pensamos a nossa fé, mas é improvável que qualquer argumento científico ou filosófico possa questionar o Cristianismo em sua integridade, pois o Cristianismo não deriva sua veracidade dos fatos científicos, e sim de um homem histórico, Jesus Cristo, e sua obra.

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