ENFOQUE
O carnaval do referendo por
Sergio Ricardo do Amaral Gurgel
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O carnaval recordista de público em 2018 referendou os planos do Governo Federal para o Brasil, que agora segue em frente com a certeza de que a população reclama à toa, sem qualquer razão, pois com “tantos risos, tanta alegria”, somos mais de duzentos milhões de “palhaços no salão”. O clima de euforia significa, claramente, que nesta terra onde a cultura agoniza o “não” é “sim”.
DIVULGAÇÃO
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revista PRÁTICA FORENSE - nº 15 - março/2018
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urante o carnaval de 2018, foi exibida uma matéria jornalística que não despertaria tanta curiosidade se a situação vivida pelo povo brasileiro nos últimos anos tivesse sido diferente. Conduzidos por puxadores de samba destacados sobre um carro de som, milhares de foliões cariocas cantavam a música que ficou famosa na voz da cantora Simone: “Como será o amanhã?”. Muitas pessoas têm plenas condições de esclarecer esta dúvida, e de forma bem didática. Sem nenhuma necessidade de consultar o oráculo por intermédio de videntes ou cartomantes, quem quiser a resposta, basta procurar um cidadão que não esteja nas ruas entoando os clássicos carnavalescos. Este indivíduo dirá com precisão que o amanhã, com certeza, será muito pior do que o ontem. A evidência está no fato de que nesta “Cidade Maravilhosa cheias de encantos mil” continuará entrando arma, droga, e bilhões de dólares que serão convertidos em vultosas propinas para corromper agentes públicos desacreditados e mal pagos. Como se não bastasse, ainda surgirão muitos delegados covardemente executados dentro da mala de um carro, entre juízes e promotores pegos em emboscada nos portões de suas casas. Policiais militares seguirão caçados como ratos por traficantes muito bem armados, e serão enterrados com bandeiras sobre o caixão na proporção de um por dia, segundo os noticiários locais. E para as crianças tombarem despedaçadas no asfalto a tiros de fuzil, não haverá data nem hora marcadas. Diante deste cenário, órfãos e viúvas encontrarão razão para cantar pelo resto da vida, com a pureza da alma, o clássico de Dalva de Oliveira: “Bandeira branca amor / Não posso mais / Pela saudade, / Que me invade, eu peço paz.”.
ENFOQUE Dias antes das festividades, o Ministro da Defesa Raul Jungmann havia anunciado um suposto plano a fim de garantir o bem-estar da população, principalmente a que vive (sobrevive) no Rio de Janeiro. De forma muito semelhante à missão realizada em meados do ano passado, vários agentes da área de segurança pública foram convocados para que, diariamente, no mesmo horário, ficassem posicionados em áreas estratégicas, ou seja, bem longe dos pontos de conflito, revistando motoristas apavorados por estarem atrasados com o pagamento do IPVA. A mobilidade é tanta, que se não fosse pelo diâmetro das cabeças dos brigadistas, nossos irmãos pernambucanos iriam reclamar de suposta apropriação cultural. Estáticos como os postes nas esquinas, podem ser facilmente confundidos com os bonecos de Olinda. Não havia como o resultado ser diferente daquele obtido no projeto anterior: milhões de reais desperdiçados por um desfile de fardas imponentes. Quanto à violência sexual, a campanha do “não é não” claro que também não serve para absolutamente nada, ou era sério o projeto do governo ao pretender sensibilizar uma legião de tarados por intermédio de propagandas na televisão, quando sequer a escala penal de seis a dez anos para o tipo penal do estupro tem sido capaz de inibir o crime? Aliás, há um comercial alertando para que não mantenham relações sexuais com prostitutas de doze anos de idade. Incrível é a naturalidade com que admitem a submissão de nossas crianças a essa degradante miséria humana, como se a bestialidade estivesse no limite do aceitável. Por outro lado, não se tratando de criança ou adolescente, tudo pode! Tudo mesmo, exceto urinar na rua, pois este ato não é higiênico, transmite doença, atenta contra a saúde pública, e, em alguns casos, o ultraje público ao pudor. Quanto ao beijo na boca, por exemplo, a visão é bem diferente. Quando não domina os refrãos, tornam-se até títulos de inúmeras músicas das paradas de sucesso, do início ao fim do carnaval. Tanto nos blocos quanto nas micaretas, há quem participe de competição para ver quem consegue trocar maior quantidade de saliva com dezenas ou centenas de nobres desconhecidos. Somente após a quarta-feira de cinzas é ficamos sabendo como andam as estatísticas sobre o aumento significativo de doenças como herpes, sífilis, candidíase, meningite, mononucleose, tuberculose (doença que já se encontra fora de controle), entre tantas outras, para as quais o poder público não dispõe de medicamento suficiente. E para aqueles em que o beijo foi apenas uma preliminar, ajudarão o Brasil a ascender na colocação entre os recordistas de pacientes contaminados pelo vírus HIV, bem como pelo HPV, que vem disseminando o câncer de útero e de pênis em pacientes que mal entraram na puberdade. Tudo isso, sem contar a gravidez indesejada, multiplicando a incidência de morte de jovens gestantes nas clínicas clandestinas de aborto. Nos últimos anos, o carnaval vem renovando o seu repertório. Chegaram à conclusão de que algumas músicas instigavam o preconceito referente à etnia e sexualidade. Assim, nessa onda hipócrita de parecer politicamente correto, foram vedadas marchinhas tradicionais como “Olha a cabeleira do Zezé”, “O teu cabelo não nega” e “Maria Sapatão”. O curioso é que na falta dos cantos tradicionais, resolveram adaptar alguns funks, sertanejos universitários (com perdão da contradição do termo) e até o rock’n’roll para preencher o vazio, e, quem sabe, seduzir mais adeptos à Festa da Carne. Assim, em substituição, foram consagradas músicas que trazem em seu refrão passagens como “não sei se dou na cara dela ou bato em você” e “que tiro foi esse, viado!”. Creio que feministas e homossexuais não tenham se sentido preservados e prestigiados com as inovações “artísticas”, mas 54
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arquivo pessoal
ao menos devem estar torcendo para que tais “pensadores” contemporâneos não venham ser referenciados nas próximas redações do Enem. Apesar de estar bastante desgastada, a letra de Ivan Ferreira apresenta-se como ao mais adequada à nossa realidade: “Ei, você aí! / Me dá um dinheiro aí! / Me dá um dinheiro aí!”. Claro que devemos admitir que esta forma de tratamento não se coaduna à linguagem atual, hoje proferida em outros termos pela bandidagem, a exemplo do “perdeu! perdeu!”. Em todas as esferas, os governos também não desafinam nessa melodia, e fazem destes versinhos a trilha sonora do ano inteiro, transformando o Brasil no país com a maior carga tributária do planeta. Palhaço não é mais fantasia, é indumentária de trabalhador, que se quiser rir de si mesmo, deve se vestir de boleto bancário, fatura ou DARF. Para alguns, o fato de estarmos vivendo o maior índice de desemprego da história, gerado por uma sucessão de governos corruptos e incompetentes, não deve ser visto como fundamento para suspender as festividades patrocinadas com dinheiro público. Convém registrar, que, em breve, a dispensa em massa atingirá também os funcionários públicos, a começar por aqueles que estão em estágio probatório, embora muitos prefiram se enganar com o mito da estabilidade, fim da aposentadoria, falência de empresas, cancelamento dos investimentos estrangeiros, sucateamento dos institutos de pesquisas vinculados às universidades, moradores de rua, expansão das favelas, cracolândias, todas estas desgraças, infelizmente, há quem as compreenda como simples detalhes, parte do cotidiano de uma nação civilizada. Acham também que o surto de febre amarela, doença fatal que se espalha por todo o território nacional, não se mostra grave suficiente para calar os gritos de “Allah-La Ô”. Interessante notar que esses indivíduos são exatamente os mesmos que consideram países como o Iêmen, Bangladesh, e a vizinha Venezuela, como países culturalmente atrasados. Ocorre que esses povos possuem pleno discernimento para reconhecer a ausência de motivos que justifiquem a farra, e só saem às ruas em blocos quando para protestar contra os traidores da nação. Se estivessem financiando carnavais com recursos públicos, assistiríamos a tudo tão chocados quanto os europeus agora se mostram ao notarem nossas reações diante do caos: arrastões nas praias que nos lembram das cenas típicas exibidas em documentários sobre os ataques das hienas. Não foi por acaso que um estudo recente desenvolvido na Inglaterra apontou o povo brasileiro como o terceiro mais idiota do mundo. México e Índia, por enquanto, aparecem na nossa frente, mas não ficaremos espantados se algum dia for revelado que o Brasil ofereceu propina para trocar o ouro pelo bronze. Agora fica fácil de entender por que somente os viadutos caem em Brasília, nada mais. O carnaval recordista de público em 2018 referendou os planos do Governo Federal para o Brasil, que agora segue em frente com a certeza de que a população reclama à toa, sem qualquer razão, pois com “tantos risos, tanta alegria”, somos mais de duzentos milhões de “palhaços no salão”. O clima de euforia significa, claramente, que nesta terra onde a cultura agoniza o “não” é “sim”.
SERGIO RICARDO DO AMARAL GURGEL é advogado criminalista, autor da Editora Impetus, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.
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