Boletim do IRIB em Revista 359 - abril de 2019

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Maio 2019

em revista

ISSN 1677-437X

Publicação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil | nº 359

ONR: vinculação nacional e universalização do acesso ao Registro de Imóveis 36º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis debate Lei 13.465/2017



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expediente

ISSN 1677-437X

Publicação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil | nº 359

DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Sérgio Jacomino (SP) Vice-presidente: Jordan Fabrício Martins (SC) Secretário Geral: João Baptista Galhardo (SP) 1º Secretária: Fabiane de Souza Rodrigues Quintão (MG) Tesoureiro Geral: George Takeda (SP) 1º Tesoureira: Denize Alban Scheibler (RS) Diretora Social: Naila de Rezende Khuri (SP). DIRETORIA NOMINATIVA Pesquisador de Novas Tecnologias: Caleb Matheus Ribeiro de Miranda (SP), Diretor de Relações Institucionais: Daniel Lago Rodrigues (SP), Diretor de Tecnologia da Informação: Flauzilino Araújo dos Santos (SP), Diretor de Relações Internacionais: Ivan Jacopetti do Lago (SP), Diretora da Escola Nacional de Registradores – ENR: Daniela Rosário Rodrigues (SP), Diretora de Assuntos Agrários: Maria Aparecida Bianchin Pacheco (MT), Coordenador Editorial: Ivan Jacopetti do Lago (SP). CONSELHO DELIBERATIVO Região Norte: Fabiana Faro de Souza Campos Teixeira (AC), José Marcelo de Castro Lima Filho (AM), Cleomar Carneiro de Moura (PA), Milton Alexandre Sigrist (RO), Mirly Rodrigues Martins (RR), Marlene Fernandes Costa (TO). Suplentes: Rafael Ciccone Pinto - In Memoriam (AC), Francisco Jacinto Oliveira Sobrinho (RO), Kênnya Rosaly Lopes Távora (RR), Ionize Rodrigues da Silva (TO). Região Nordeste: Jackson Ivan Paula Torres (AL), Milton Barbosa da Silva (BA), Ana Teresa Araújo Mello Fiúza (CE), Felipe Madruga Truccolo (MA), Walter Ulysses de Carvalho (PB), Carla Carvalhaes Vidal Lobato Carmo (PE), Abmerval Gomes Dias (PI), Aldemir Vasconcelos de Souza Jr, (RN), Estelita Nunes de Oliveira (SE). Suplentes: Neusa Maria Arize Passos (BA), Ana Carolina Pereira Cabral (CE), Fábio Salomão Lemos (MA), Roberto Lucio Pereira (PE), Sérgio Abi-Sáber Rodrigues Pedrosa (SE). Região Centro-Oeste: Manoel Aristides Sobrinho (DF), Angelo Barbosa Lovis (GO), Haroldo Canavarros Serra (MT), Marco Aurélio Ribeiro Rafael (MS). Suplentes: Igor França Guedes (GO), Juan Pablo Correa Gossweiler (MS). Região Sudeste: Kênia Mara Felipetto Malta Valadares (ES), Luciano Dias Bicalho Camargos (MG), Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (RJ), Flaviano Galhardo (SP). Suplentes: Jocsã Araújo Moura (ES), Sérgio Ávila Doria Martins (RJ), Jose Celso Ribeiro Vilela de Oliveira (MG), Izaias Gomes Ferro Junior (SP).

Região Sul: Gabriel Fernando do Amaral (PR), Cláudio Nunes Grecco (RS), Christian Beurlen (SC). Suplentes: Jose Luiz Germano (PR), Bianca Castellar de Faria (SC), MarcosCosta Salomão (RS). CONSELHO FISCAL Titulares: Geraldo Augusto Arruda Neto (PR), Marcelo de Rezende C. M. Couto (MG), Jéverson Luís Bottega (RS), Aurélio Joaquim da Silva (MG), Gustavo Faria Pereira (GO). Suplentes: André Villaverde de Araújo (PE), Ynara Ramalho Dantas Mota (PE), Marcos Alberto Pereira Santos (PA). CONSELHO DE ÉTICA Titulares: Ademar Fioranelli (SP), Eduardo Sócrates C. Sarmento Filho (RJ), Marcos de Carvalho Balbino (MG). Suplentes: Alexandre Gomes de Pinho (SP), Sergio Neumann Cupolilo (SC), Miguel Angelo Zanini Ortale (SC). CONSELHO DELIBERATIVO (membros natos) Adolfo Oliveira - In Memoriam (RJ), Carlos Fernando Westphalen Santos - In Memoriam (RS), Dimas Souto Pedrosa - In Memoriam (PE), Elvino Silva Filho - In Memoriam (SP), Francisco José Rezende dos Santos (MG), Helvécio Duia Castello (ES), Ítalo Conti Júnior (PR), Jether Sottano (SP), João Pedro Lamana Paiva (RS), Julio de Oliveira Chagas Neto - In Memoriam (SP), Lincoln Bueno Alves (SP), Ricardo Basto da Costa Coelho (PR), Sérgio Jacomino (SP). CONSELHO EDITORIAL Adriana Unger (NEAR-Lab), Mônica Jardim (Direito Comparado), Nataly Cruz (Gestão Documental), Fábio Ribeiro dos Santos, Ivan Jacopetti do Lago, Leonardo Brandelli. IRIB -Instituto de Registro Imobiliário do Brasil Sede: Av. Paulista, 2.073 - Horsa I - Conjuntos 1.201 e 1.202 CEP 01311-300 – São Paulo - SP. Telefones: (11) 3289 3599; 3289 3321 – www.irib.org.br – irib@irib.org.br Presidente Sérgio Jacomino Editora e jornalista responsável Fatima Rodrigo (MTb 12576) Fotos dos Eventos Carlos Alberto Petelinkar | kpetelink@gmail.com Projeto gráfico, diagramação e edição de arte Patricia Delgado da Costa

Direitos de reprodução: o conteúdo desta publicação pode ser reproduzido mediante expressa autorização dos editores e indicação da fonte.

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EDITORIAL O QUE É O ONR? Sérgio Jacomino PROJETO PONTES PARA O FUTURO: O REGISTRO DE IMÓVEIS ONTEM, HOJE E AMANHÃ COMITÊ PRÓ-SREI 50 ENTIDADES DE TODO O BRASIL APOIAM A CRIAÇÃO DO COMITÊ PRÓ-SREI PERGUNTAS & RESPOSTAS ONR: DÚVIDAS ENVIADAS PELOS REGISTRADORES IMOBILIÁRIOS ENTREVISTA ONR VINCULA REGISTROS DE IMÓVEIS DO PAÍS VISANDO À UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO

ONR | CONSTITUCIONALIDADE | SEGURANÇA JURÍDICA | LEGALIDADE | NATUREZA JURÍDICA

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ONR: CONSTITUCIONALIDADE ONR: RESPOSTA À EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE UM EFICIENTE SISTEMA REGISTRAL André Ramos Tavares

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ONR: SEGURANÇA JURÍDICA REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO ONR: ENTRE A EFICIÊNCIA E A SEGURANÇA JURÍDICA

Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas

ONR: LEGALIDADE A CRIAÇÃO DO ONR É LEGAL? Celso Fernandes Campilongo ONR: NATUREZA JURÍDICA NATUREZA JURÍDICA DO OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO – ONR

Graciano Pinheiro de Siqueira

ONR: CONSTITUCIONALIDADE OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO E A ATIVIDADE REGULATÓRIA DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA: UMA NOVA REALIDADE INSTITUÍDA PELA LEI Nº 13.4651

José Aurélio da Cruz e José Herbert Lisboa 2


índice 36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

Antônio Carlos Alves Braga Júnior

A POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Rodrigo Garcia

SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

Sérgio Jacomino

PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

Renato Góes

PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ACORDO COM A LEI Nº 13.465/2017 Paola de Castro Ribeiro Macedo LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

Flauzilino Araújo dos Santos

DIREITO REAL DE LAJE

Ivan Jacopetti do Lago

194 DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS 202 CONDOMÍNIO DE LOTES 212

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CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES

Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas Francisco Eduardo Loureiro

Melhim Namen Chalhub

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Luiz Gustavo Montemor

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

Bianca Castellar de Faria

O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Marcio Evangelista

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS AMBIENTALMENTE SENSÍVEIS

Marcelo Martins Berthe

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irib O QUE É O ONR?

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stá criado o Comitê Pró-SREI, que contará com conselheiros de todos os Estados da federação. A decisão foi tomada em reunião que congregou mais de 50 representantes de entidades estaduais de registradores imobiliários de todas as regiões do país, realizada pelo IRIB em São Paulo (19.09.2018). Um pouco antes (10.08) ficara decidido, em outra reunião do IRIB com representantes dos Estados, a instituição do comitê bem como a realização de uma Prova de Conceito (POC – proof of concept) do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico. Estamos esperançosos e confiantes de que um caminho seja construído pelo entendimento e boa vontade de todos os registradores brasileiros. Esta edição do Boletim do IRIB em revista resgata alguns esclarecimentos importantes para o momento histórico que atravessamos. Considero relevante registrar mais uma vez o que vêm a ser efetivamente SREI e ONR, ainda desconhecidos por muitos. Com o objetivo de dirimir quaisquer dúvidas, que eventualmente ainda existam, aproveito a oportunidade para reiterar a elucidação de pontos do ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico que foram questionados, juridicamente, a respeito de sua constitucionalidade. Relembro aqui nossa resposta à opinião legal encomendada pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp) no Ofício nº 64/2017, de 19 de junho de 2017. A entidade paulista manifestou preocupação com a autorização para criação do ONR contida na MPV nº 759, de 2016 (PLV

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n° 12/2017), subsidiada com a opinião legal dos advogados Igor Tamasauskas, Beto Vasconcelos e Otávio Mazieiro, sugerindo veto presidencial ao art. 76, do Projeto de Lei de Conversão da MPV 759/2016. (Como sabemos, a Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, consagrou o ONR como o órgão responsável por implementar e ser o operador do SREI em âmbito nacional, apesar do veto aos parágrafos 3º e 8º do artigo 76). Todo o articulado da opinião legal encomendada pela Arisp investe contra dois temas básicos: o ONR representaria um abalo ao (1) exercício privado da atividade registral, com ingresso mediante concurso público, e (2) subversão do poder de vigilância e fiscalização pelo Poder Judiciário. Na verdade, o Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico (ONR) de modo algum fere qualquer dos princípios insculpidos no art. 236 da Carta de 1988.

O REGISTRADOR, SEU MISTER E O SREI É preciso assentar, logo de início, que o ONR não exercerá qualquer atividade própria do registrador imobiliário, nem o substituirá em quaisquer de seus misteres. Vale dizer: não praticará quaisquer dos atos previstos na legislação pertinente aos registros públicos (arts. 12 e 13 da Lei 8.935/1994 e Lei 6.015/1973). Não fará inscrições, averbações, registros, não se substituirá aos profissionais do Direito encarregados do mister registral, nem atrairá para si atribuições ordinárias e tradicionais dos registradores.


editorial O que fará o ONR? Responde-nos a própria lei: cuidará de implementar e operar o SREI em todo o território nacional (art. 54 da MP 759/2016 cc. art. 37 da Lei 11.977/2009; art. 76 da Lei 13.465/2017), a exemplo do que fazem, na esfera estadual e de modo insuficiente, as centrais estaduais. Isso nos leva a outra pergunta: o que seria o SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico?

É PRECISO ASSENTAR, LOGO DE INÍCIO, QUE O ONR NÃO EXERCERÁ QUALQUER ATIVIDADE PRÓPRIA DO REGISTRADOR IMOBILIÁRIO, NEM O SUBSTITUIRÁ EM QUAISQUER DE SEUS MISTERES.

O desenvolvimento do SREI teve uma longa história de trabalho, estudos e iniciativas empreendidas no âmbito do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sob a coordenação científica do LSITec – Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos (ligado à Escola Politécnica da USP – Universidade de São Paulo), criou-se uma complexa infraestrutura do Registro de Imóveis eletrônico, com a produção de toda documentação técnica que permitiria a implantação e operação, em meios eletrônicos e em caráter nacional, tal e qual previsto no conjunto normativo representado pelos artigos 37 e seguintes da Lei 11.977/2009. O resultado do trabalho empreendido no âmbito do CNJ resultou na publicação da Recomendação 14, de 2/7/2014, que tornou obrigatória a observância de “parâmetros e requisitos constantes do modelo de sistema digital para implantação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI elaborado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos – LSI-TEC em cumprimento ao contrato CNJ n° 01/2011” (art. 1º). Posteriormente, não tendo sido possível a criação de uma central nacional de Registro de Imóveis –

a exemplo do que se fez com a Central de Notários, por exemplo (Provimento CNJ 18/2012) –, o mesmo CNJ acabaria por baixar o Provimento 47, de 19/6/2015, estabelecendo que o SREI deveria ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis (art. 2º) e operado por meio das centrais estaduais (art. 3º). Esse mesmo Provimento 47/2015 cuidaria de especificar os serviços que as centrais estaduais deveriam prestar em coordenação com as unidades de Registro de Imóveis.

Ora, o que diferencia a iniciativa legal representada pelo ONR e as experiências fragmentárias e insuficientes das centrais estaduais? Essencialmente, nada. O que se censura no ONR poderia, com muito maior razão, ser criticado nas centrais estaduais. Soa deveras contraditório alvejar o ONR por pretender implantar e operar o SREI em nível nacional, cumprindo regras e orientações do próprio CNJ, quando se consente que as mesmas atividades sejam realizadas de modo parcial por intermédio de centrais estaduais. Calha, então, discriminar o que diferencia as centrais estaduais do ONR.

O QUE É O ONR? Em primeiro lugar, o ONR foi criado por lei e as centrais estaduais por ato normativo, à míngua, como se sabe, de regulamentação da Lei 11.977/2009. Além disso, e não menos importante, as centrais estaduais são operadas por pessoas jurídicas de direito privado. Já o ONR, embora revestido de uma forma atípica de pessoa jurídica de direito

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irib privado, foi criado por lei e poderá ser fiscalizado diretamente pelo poder público. Não é outro o sentido do § 4º do art. 54 da MP 759/2016 que prevê que o agente regulador será o Poder Judiciário e que o CNJ se encarregará de zelar pelo cumprimento do estatuto social do ONR por ele mesmo aprovado.

eficiente e adequado, além de consentâneo com as diretrizes baixadas pelo CNJ. E mais: será possível avançar na transformação paulatina do sistema registral brasileiro, dotando-o de bases tecnológicas para fazer frente às demandas econômicas e sociais, modernizando-o e aperfeiçoando-o.

É preciso reconhecer que as centrais estaduais estão em funcionamento apenas em alguns estados da federação. Além disso, cumprem tão-somente uma etapa parcelar e meramente acessória do modelo proposto pelo próprio CNJ na Recomendação 14/2014. As centrais são, basicamente, guichês eletrônicos por onde transitam informações e títulos e cujo intercâmbio é tarifado ao arrepio da própria Lei 10.169/2000, que estabeleceu normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

REGULAMENTAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO

O SREI não pretende esgotar-se num mero guichê eletrônico. O núcleo do Registro de Imóveis eletrônico ainda não existe. Os meios tradicionais (cartáceos) não foram substituídos por meios inteiramente eletrônicos, como exige a Lei 11.977/2009. O Brasil não tem, propriamente, um Sistema de Registro de Imóveis eletrônico, mas tão-somente uma interface eletrônica entre os usuários finais e algumas unidades de Registro de Imóveis. O sistema representado pelas centrais é evidentemente insuficiente. Não atende aos reclamos da sociedade, do governo e do mercado por acesso universalizado, ágil, seguro e com diminuição de custos transacionais. É exatamente para se implantar e tornar operativo o SREI que o ONR foi criado pela Lei. Em resumo: tudo o que se faz de modo parcelar e insuficiente no âmbito das centrais estaduais (e que não se confunde com as atividades próprias dos registradores) se fará pelo ONR de modo mais

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Reza a Lei 13.465/2017 que caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do ONR e zelar pelo cumprimento de seu estatuto (§ 4º do art. 54). Há uma confusão adrede no parecer e que carece de algum esclarecimento. Normatização, normalização e gestão administrativa e financeira são conceitos diferenciados e é preciso distinguir muito bem esses aspectos e espancar as possíveis dúvidas. a) Normatização – é a competência legal e constitucional para baixar normas técnicas sobre o registro (inc. XIV do art. 30 da Lei 8.935/1994) e sobre a fiscalização de seus serviços (§ 1º do art. 236 da CF cc. art. 37 da Lei 8.935/1994). Essas atribuições e competência, que são exclusivas e indelegáveis do Poder Judiciário, remanescem intocáveis no modelo proposto. Nos termos do § 4º do art. 76 da Lei 13.465/2017 resta reafirmado que caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do ONR. b) Normalização – a expressão tem o sentido que foi acolhido pela Recomendação 14/2014 do CNJ, que aprovou o conjunto de normalização do SREI (v. o item 1.1 do documento SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário: https://folivm. files.wordpress.com/2011/04/srei_introducao_v10-r-7.pdf). A normalização compreende o estabelecimento de requisitos técnicos aplicáveis tanto à operação dos sistemas de software e hardware


editorial quanto à forma de estruturação e operação. Visa, em última análise, estabelecer as bases técnicas para a criação de infraestrutura para implantação do SREI, em protocolos de compliance com as normas baixadas pelo Poder Judiciário, que a tudo fiscaliza e correciona.

O SISTEMA REPRESENTADO PELAS CENTRAIS É INSUFICIENTE. NÃO ATENDE AOS RECLAMOS DA SOCIEDADE, DO GOVERNO E DO MERCADO POR ACESSO UNIVERSALIZADO, ÁGIL, SEGURO E COM DIMINUIÇÃO DE CUSTOS TRANSACIONAIS.

c) Gestão e administração dos cartórios. O gerenciamento administrativo e financeiro das serventias é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular (art. 21 da Lei 8.935/1994). Essa autonomia refere-se, basicamente, ao controle de despesas de custeio, investimento e pessoal, atribuição de funções, remuneração de prepostos, etc. e não pode alcançar a definição de padrões tecnológicos relativamente aos dados do registro que são, em sua essência, públicos.

Postas essas premissas, fácil compreender que a implantação de um sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, em todo o país, demanda o concurso da instituição registral (art. 37 da Lei 11.977/2009), de um agente regulador (Poder Judiciário – CNJ, § 4º, do art. 76 da Lei 13.465/2017) e de um organismo normalizador, representado pelo ONR (arg. do art. 37 da Lei 11.977/2009 cc. § 1º do artigo 76, caput, da Lei 13.465/2017.). Essas atividades, correlacionadas entre si (instituição, regras jurídicas e processos tecnológicos envolvidos), conformam a ideia do SREI. Nada como um exemplo prático para demonstrar claramente o papel de cada ator nesse complexo sistema de modernização do sistema registral pátrio.

Tomemos como exemplo a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB. Ela foi criada pelo Provimento CNJ 39/2014, de 25/7. O concurso de esforços dos próprios oficiais registradores imobiliários – com apoio, disciplina e regulamentação do Poder Judiciário – redundou no sistema que está em funcionamento desde 2014.

Note-se, todavia, que o impulso dos registradores, somado ao acolhimento e disciplina normativa do Poder Judiciário, dependeria ainda de um elemento consubstancial ao próprio sistema: a sua normalização, isto é, o estabelecimento de requisitos técnicos aplicáveis à operação dos sistemas de hardware e de software quanto à forma de estruturação e operação, como asseverado acima. Enfim, sem a normalização não teria sido possível lançar-se a instituição do CNIB nem a disciplina e normatização do Poder Judiciário teria sentido. Enfim, a Central não seria possível sem a construção da infraestrutura tecnológica que lhe dá concretude e executabilidade. Registre-se de passagem e por derradeiro que o que faltou no âmbito do SREI foi, justamente, a normalização para que o sistema saísse do papel e se tornasse uma realidade concreta em todo o país, tal e qual previsto na sobredita Resolução 14/2014. Sérgio Jacomino Presidente

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Projeto Pontes para o Futuro: o Registro de Imóveis ontem, hoje e amanhã

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om o objetivo de traçar diretrizes políticas e institucionais para orientar a resposta dos registradores brasileiros aos desafios representados pelas novas tecnologias, o IRIB – atuando de modo coordenado, planejado e estrategicamente – vem promovendo debates e ações concretas, sobre a adoção do registro eletrônico, em eventos abertos a todos os interessados. Para que a memória não se perca no tempo, registramos aqui a cronologia de fatos recentes e importantes para a história do Registro de Imóveis no Brasil.

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1. Debate sobre a modernização dos sistemas de segurança jurídica No dia 25 de junho de 2018, o IRIB promoveu no Hotel Meliá, em São Paulo, um workshop aberto a todos os registradores interessados em participar da construção do futuro do Registro de Imóveis brasileiro. Os participantes puderam conhecer as iniciativas destinadas a reposicionar o Registro de Imóveis no centro das discussões visando à modernização dos sistemas de segurança jurídica. Os resultados das discussões traçariam um roadmap direcionado às iniciativas de modernização do sistema registral brasileiro para os próximos anos.

2. Aprovação de planejamento estratégico do IRIB A Reunião da Diretoria Executiva, Nominativa e dos Conselhos Deliberativo, Fiscal e de Ética do IRIB, regularmente convocada e realizada no dia 27 de julho de 2018, no Hotel Meliá, em São Paulo, aprovou importante planejameno estratégico para o Instituto. Em primeiro lugar, a gestora de projetos, Adriana Unger, elencou algumas realizações recentes do IRIB, como os três workshops sobre Blockchain, Computação Cognitiva e Identidade Digital; os cursos de usucapião extrajudicial realizados

em São Paulo (SP), Vitória (ES), Recife (PE) e Goiânia (GO); o debate Direitos Reais versus Direitos Pessoais com a professora doutora Mónica Jardim, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, realizado na Faculdade de Direito da USP, que contou com a participação dos professores Otávio Luiz Rodrigues Júnior (Departamento de Direito Civil) e Celso Fernandes Campilongo (Departamento de Filosofia e Teoria do Direito), além do magistrado José Marcelo Tossi Silva, juiz-auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo; o 37º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis realizado no hotel Ritz Lagoa da Anta, em Maceió (AL); as Jornadas Registrais sobre Usucapião e Regularização Fundiária Urbana realizadas em Salvador (BA), Balneário de Camboriú (SC), Belém (PA) e Recife (PE). A seguir, foram relatados os projetos em andamento: IRIB Acadêmico (digitalização de todo o acervo; plataforma EAD; reestruturação do portal IRIB com o objetivo de facilitar a pesquisa; livro Kollemata; Índice Nacional IRIB do mercado imobiliário – geração de índices a partir dos dados do Registro de Imóveis. - Proposta de reforma do Estatuto Social do IRIB. Uma comissão aprovada em Reunião de Diretoria anterior (19.3.2018) apresentará a minuta da reforma do Estatuto Social do IRIB, uma vez que o

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modelo de hierarquização rígida está perdendo espaço nos modelos corporativos atuais. Essa minuta será submetida a todos os registradores e posta para aprovação em assembleia geral.

que a publicidade formal se expresse a partir de sua base única e primária com clareza e simplicidade, sem prejuízo do valor jurídico da informação, prestada na forma da lei.”

- ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico. O presidente Sérgio Jacomino lembrou que o IRIB pode ser um braço importante do ONR; “Todos têm uma Central, o Registro Civil, o Colégio Notarial, o Protesto, o RTD. Mesmo que possamos absorver o compromisso de que as centrais estaduais serão respeitadas, existe algo que discordamos que é a cobrança de taxas de intermediação. Essas taxas, aparentemente, não têm base legal. As centrais foram homologadas, mas não os valores cobrados.”

3. Protótipo funcional do RI eletrônico, produção de índices estatísticos e criação do Comitê Pró-SREI

- Criação do Índice Nacional do Mercado Imobiliário. A ideia é criar uma infraestrutura tecnológica capaz de agregar os dados, como também um projeto econométrico que possa fazer um estudo estatístico desses dados e gerar índices de interesse dos interlocutores do IRIB. O projeto está em desenvolvimento. O presidente Sérgio Jacomino informou que a ideia é criar um portal na internet semelhante ao portal de transmissão de dados para a Receita Federal. “Temos que fazer a distinção entre publicidade direta e publicidade indireta. A Lei de Registros Públicos segue o sistema da publicidade indireta, via certidões e informações, o que não se confunde com o acesso direto aos arquivos registrais por qualquer meio, físico ou eletrônico. Cabe aos registradores dar um tratamento profissional para a publicidade formal e isso exclui a apresentação para terceiros dos dados carentes de transcendência jurídica, e implica

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No dia 10 de agosto de 2018, representantes da diretoria do IRIB reuniram-se com representantes de centrais dos Estados para discutir o futuro da atividade no Brasil, em especial o Sistema de Registro de Imóveis (SREI) previsto na Lei 13.465/2017 (art. 76).1 - Prova de Conceito: protótipo funcional do RI eletrônico. O IRIB propôs a realização de uma Prova de Conceito (POC – proof of concept) do SREI desenvolvida por profissionais da área de tecnologia da informação e comunicação. Objetivo: apresentar, mediante recorte mínimo do sistema, um protótipo funcional de registro de instrumento particular de compra e venda com alienação fiduciária, projetando as necessidades do usuário, do agente de crédito imobiliário e do adquirente. A importância desse projeto foi concretizar um protótipo funcional do Registro de Imóveis eletrônico que o Instituto apresentaria no XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. 2 - Índices indicadores do mercado imobiliário. Cumprindo o que fora decidido na Reunião de Dire-

http://www.irib.org.br/noticias/detalhes/irib-e-centrais-estaduais-dao-inicio-a-projeto-piloto

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rova de Conceito (POC) do SREI foi apresentada durante o XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, P realizado em Florianópolis, Santa Catarina, entre os dias 17 e 19 de outubro de 2018: http://www.irib.org.br/noticias/ detalhes/undefineddo-ideal-ao-real-construindo-o-sreiundefined-apresenta-a-prova-de-conceito-poc-do-srei

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toria de 27/7/2018, o IRIB comunicou, ainda, o início do novo projeto visando instituir índices estatísticos sobre o mercado imobiliário de todo o Brasil a partir dos dados da Declaração de Operação Imobiliária (DOI). O objetivo é municiar a administração pública e a sociedade com dados relativos às transações imobiliárias. A iniciativa visou atender tanto o mercado como o governo que há muito demandam essas informações. O presidente do IRIB, Sérgio Jacomino, propôs pensar os índices nacionalmente e agregar ao projeto as iniciativas já desenvolvidas nos Estados. - Comitê do RI eletrônico brasileiro: Os registradores presentes deliberaram a criação do Comitê do Registro Eletrônico brasileiro, que seria formado pelo Instituto de Registro de Imóveis do Brasil (IRIB) e por todas as entidades estaduais de registradores. “Em ambiente comunitário e colaborativo será possível dirimir conflitos e compor os interesses em jogo. Não queremos suplantar as peculiaridades e interesses de cada Estado, mas fortalecer o Registro de Imóveis brasileiro”, enfatizou Sérgio Jacomino.

entidades, mas os próprios registradores que essas entidades representam. É unanimidade, não há nenhum registrador que se oponha à implantação do registro eletrônico”, afirmou Flauzilino Araújo dos Santos, diretor de Tecnologia da Informação do IRIB. “Estamos aqui compartilhando experiências e pensando o futuro do Registro de Imóveis. Esse quadro se traduz em especial importância que é hoje a formulação do ONR, uma entidade dos registradores para coordenar as atividades dos próprios registradores. É mais do que nunca um momento de união, de reflexão da classe em torno dessa importante medida, que nos vai auxiliar, e para que possamos ter nossas atribuições desempenhadas efetivamente pelos próprios registradores”, comentou Sergio

“Esse comitê já é uma convergência de todas as entidades estaduais com o IRIB para a implantação do registro eletrônico. Creio que esse é o primeiro grande passo para que possamos organizar não apenas as

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Ávila Doria Martins, 1º Secretário da Associação de Registradores Imobiliários do Estado do Rio de Janeiro (ARIRJ). “Eu estava aguardando por uma reunião como essa. Fico muito feliz de ter participado porque sinto que agora estamos caminhando para construir efetivamente o Registro de Imóveis Eletrônico”, disse Gabriel Fernando do Amaral, presidente da Associação dos Registradores de Imóveis do Paraná (ARIPAR). “Discute-se muito sobre o futuro do Registro de Imóveis brasileiro e imagino que com o trabalho do IRIB estamos no rumo certo”, destacou Igor França Guedes, presidente do Colégio Registral Imobiliário de Goiás (CORI-GO). O Comitê Pró-SREI foi instituído no dia 19 de setembro de 2018, em reunião do IRIB com mais de 50 representantes de entidades estaduais. Veja, na página 18 desta edição, a cobertura completa da criação do Comitê, cuja missão é instituir o Operador Nacional do SREI como previsto nas Leis 11.977/2009 e 13.465/2017.

4. Pioneirismo: IRIB cria veículo inédito de comunicação online para dar publicidade oficial aos atos registrais A ata da Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária realizada pelo IRIB no dia 5 de novembro de 2018, no Hotel Meliá Paulista, em São Paulo, registrou um lançamento importante. “O Diretor de Tecnologia da Informação do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos, apresentou aos presentes para aprovação, a Resolução IRIB nº 1/2018, expedida nesta data, que visa a criação do Diário Eletrônico do Sistema de Registro de

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Imóveis (DSREI) e seus diversos requisitos de segurança e funcionalidade, como ferramenta de publicidade e divulgação de editais relacionados com as atividades registrais imobiliárias, atos institucionais, bem como a publicação de quaisquer atos e editais de entidades públicas e privadas. A operacionalização será por intermédio do domínio www.editaisonline.org.br e a hospedagem do site da Amazon.” Ao criar o Diário Eletrônico, o objetivo do IRIB foi oferecer publicidade com segurança jurídica e tecnológica aos editais de usucapião ou a quaisquer comunicações de atos e de outras publicações que exijam atribuição de publicidade oficial. Outro grande benefício do sistema é a redução de custos com publicações de editais e de outros atos, uma vez que o valor fica em apenas 10% daquele cobrado por jornais de grande circulação. - IRIB lança Diário Eletrônico do Sistema de Registro de Imóveis (DSREI). Na semana seguinte à Assembleia (13.11.2018), o Instituto lançou o Diário Eletrônico do Sistema de Registro de Imóveis (DSREI) – instrumento de publicidade e divulgação de editais relacionados com as atividades registrais imobiliárias, atos institucionais, bem como a publicação de quaisquer atos e editais de entidades públicas e privadas, e comunicações em geral, para fins de atribuição de publicidade oficial. A nova ferramenta foi instituída na resolução IRIB Nº 1/2018. O DSREI permite a rápida indexação dos editais gerando buscas mais ágeis e precisas em todos os sites de buscas disponíveis na internet. Segundo a resolução do IRIB, as publicações do DSREI deverão ser assinadas com Certificado Digital ICP-Brasil; receber o Carimbo do Tempo, emitido por Autoridade Certificadora do Tempo (ACT), credenciada pelo ITI – Instituto de Tecnologia da Infor-


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mação; cumprir os requisitos da arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e ser simultaneamente armazenadas em rede de blockchain pública a fim de prevenir qualquer interpolação e alteração no material veiculado. O site (www.editaisonline.org.br) poderá ser acessado por qualquer cidadão sem a necessidade de prévio cadastramento. Para publicar editais no Diário Eletrônico do Sistema de Registro de Imóveis (DSREI) é preciso criar um cadastro mediante uso de certificado digital.

RESOLUÇÃO IRIB Nº 1/2018 Cria o Diário Eletrônico do Sistema de Registro de Imóveis (DSREI) O Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, no uso de suas atribuições legais e estatutárias, Considerando o decidido nesta data pela Assembleia Geral Ordinária do IRIB, realizada em São Paulo, Capital; Considerando que os novos meios eletrônicos, via Internet, se constituíram nos principais meios de comunicação e informação da sociedade contemporânea, cuja realidade já foi compreendida e assimilada pelo Direito brasileiro; Considerando que aos oficiais de registros públicos foi atribuído, com exclusividade, o dever de instituição do registro eletrônico, consoante determinações expressas do art. 37, da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009; Considerando as disposições do art. 4º, da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, do art. 37 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, do § 14, do art. 216-A, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro

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de 1973 (incluído pela Lei nº 13.465, de 2017), e do parágrafo único, do art. 11, do Provimento n. 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), relacionadas com publicações eletrônicas oficiais e, especialmente, a publicação dos editais nos procedimentos extrajudiciais de usucapião; Considerando a necessidade de implantar, em âmbito nacional, veículo para publicação eletrônica de atos para fins de atribuição de publicidade oficial, em apoio ao registro eletrônico, veículo esse que utilize as novas tecnologias, seja de baixo custo para o interessado e de acesso universal, sem cobrança de taxas de assinaturas, ou imposição de prévio cadastramento de informações pessoais para composição de banco de dados que possibilitam a venda de informações privadas; Considerando que princípios publicísticos exigem que os oficiais de registros públicos apresentem aos utentes acesso aos seus serviços que atenda aos princípios legais da forma menos onerosa possível; Considerando que a desjudicialização de procedimentos objetiva, além da diminuição de demandas no Poder Judiciário, maior celeridade e redução de custos relacionados; Considerando que o Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR), previsto no art. 76 da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, encontra-se em fase de constituição, mediante proposta da Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR e do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB e que prevê, entre seus objetivos estatutários, a publicação do Diário Eletrônico do SREI;


Considerando que a publicação do DSREI com autenticação em plataforma de blockchain, em comparação com os métodos tradicionais de publicações, representa desburocratização dos processos no país, trazendo mais eficiência, transparência e segurança jurídica e tecnológica para os setores público e privado, RESOLVE: Art. 1º Fica criado o Diário Eletrônico do Sistema Registro de Imóveis (DSREI) como instrumento de publicidade e divulgação de editais relacionados com atividades registrais imobiliárias, atos institucionais, bem como a publicação de quaisquer atos e editais de entidades públicas e privadas, e comunicações em geral, para fins de atribuição de publicidade oficial. Art. 2º O DSREI é uma solução desenvolvida e publicada na Internet sob o domínio www.editaisonline.org.br, que objetiva dar a mais ampla publicidade, com maior grau de segurança jurídica e tecnológica, com redução de custos com publicações de editais e de outros atos, mediante modernização de processos e fluxos, aplicação de novas tecnologias e articulação entre as unidades de Registro de Imóveis do país e outras entidades públicas e privadas, com o objetivo de constituir-se em referência nas práticas de qualidade em comunicações oficiais. § 1º O DSREI poderá ser consultado por qualquer pessoa, em qualquer lugar, com equipamento que permita acesso à Internet, sem custos e independentemente de requisição e de qualquer tipo de cadastramento prévio, e equivale às publicações – previstas em lei – em jornal local de grande circulação. § 2º O DSREI será disponibilizado em edição diária, de segunda a sexta-feira, exceto nos

feriados nacionais e nos dias em que não houver expediente, podendo, ainda, ser publicadas edições extraordinárias, observada a numeração sequencial histórica. § 3º A data constante no DSREI corresponderá à data de sua disponibilização na Internet. § 4º Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no DSREI, salvo disposição em contrário. § 5º Nos dias em que não houver publicação do DSREI deverá ser consignada a seguinte informação para a respectiva data: “Nenhuma publicação nesta data”. Art. 3º A gestão e produção do DSREI será efetuada pela Diretoria de Tecnologia da Informação do IRIB que definirá o tipo de plataforma, os critérios, métodos e protocolos de envio dos documentos a serem publicados, e observará o formato da publicação, características, sequência de ordem e arte gráfica final, dentre outros aspectos estabelecidos em regulamento. Art. 4º As publicações do DSREI deverão atender aos seguintes requisitos: I – ser assinadas com Certificado Digital ICP-Brasil; II – receber o Carimbo do Tempo, emitido por Autoridade Certificadora do Tempo (ACT), credenciada pelo ITI – Instituto de Tecnologia da Informação; III – cumprir os requisitos da arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico); IV – ser simultaneamente armazenadas em rede de blockchain pública a fim de se preca-

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ver contra qualquer interpolação e alteração no material veiculado.

GEORGE TAKEDA Diretor Tesoureiro Geral

Parágrafo único. O IRIB deverá, ainda, manter arquivo permanente (backup) contendo todas as edições do DSREI à disposição de quaisquer órgãos ou cidadãos para consulta e verificação das publicações.

NAILA DE REZENDE KHURI Diretora Social

Art. 5º Após a publicação no DSREI os documentos não poderão sofrer modificações ou suspensões. Eventuais retificações e aditamentos deverão constar de nova publicação. Art. 6º A respons abilidade pelo conteúdo remetido à publicação incumbirá ao ente que as produziu. Art. 7º Após a constituição do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR), o IRIB promoverá a transferência para essa nova entidade do domínio editaisonline. org.br, perante o registro.br, bem como do código fonte, do banco de dados, da titularidade de propriedade intelectual e direitos autorais, sem ônus, custos, indenizações ou despesas. Art. 8º Os valores recebidos e despendidos serão contabilizados e destacados em contas a serem criadas com a definição “publicação de editais”, e seu resultado será aplicado exclusivamente no fomento à implantação do registro eletrônico. Esta resolução entra em vigor nesta data e será publicada na primeira edição do DSREI. São Paulo, 5 de novembro de 2018. SÉRGIO JACOMINO Presidente FLAUZILINO ARAÚJO DOS SANTOS Diretor de Tecnologia da Informação

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DANIEL LAGO RODRIGUES Diretor de Assuntos Institucionais CALEB MATHEUS RIBEIRO DE MIRANDA Pesquisador de Novas Tecnologias CLAÚDIO NUNES GRECCO Vice-Presidente – RS FLAVIANO GALHARDO 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo (SP) RAFAEL RICARDO GRUBER 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Caetano do Sul (SP) - NEAR-Lab e o desenvolvimento do SREI. Em vez de buscar a reconstrução dos muros abalados por tecnologias disruptivas, o presidente Sérgio Jacomino entende que os registradores devem avançar no sentido de dotar a especialidade registral de meios e ferramentas para dar respostas às novas demandas da sociedade e do Estado. “O Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis Eletrônico (NEAR) é o núcleo tecnológico do IRIB, criado para pensar e promover debates acerca das novas tecnologias. Penso que temos que ter dentro do IRIB uma startup produzindo novas tecnologias para o Registro de Imóveis”. O presidente propôs a criação do NEAR-Lab3 (Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados de Registro de Imóveis eletrônico) em sua vertente prática, voltada ao desenvolvimento do SREI. - Blochchain, computação cognitiva e identidade digital. O presidente Sérgio Jacomino falou também de outras realizações recentes do IRIB e igualmente


importantes no sentido de buscar conhecimento sobre questões que afetam o futuro do Registro de Imóveis. Ainda em 2017, foram realizados dois workshops sobre novas tecnologias de extrema relevância, Blockchain e o Futuro do Registro de Imóveis Eletrônico e Computação Cognitiva e o Registro de Imóveis. Em 2018, um terceiro workshop – Identidade Digital e o Registro de Imóveis – foi realizado nas modalidades presencial e remota. Os conteúdos completos dos três eventos foram publicados no Boletim do IRIB em Revista nº 3584 para estudo e reflexão pelos registradores brasileiros. “Temos que analisar se é esse o caminho que queremos continuar a trilhar. Está em nossas mãos construir hoje o Registro de Imóveis do amanhã”. Para Sérgio Jacomino não há fora do IRIB quem consiga enxergar o fenômeno da modernização do sistema registral como os registradores, que vivenciam o dia a dia do Registro de Imóveis.

“Temos uma missão, que é resolver o que vamos fazer com o SREI-ONR. Não é possível pensar em um sistema de Registro de Imóveis eletrônico no Brasil sem o ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico, tal como previsto na Lei 13.465/2017. Isso é fundamental. Qual a alternativa? O sistema registral baseado exclusivamente em centrais estaduais é inorgânico e já experimenta a exaustão do modelo. Como formar a grande rede, o círculo registral, que tanto tenho propugnado? O ONR, que foi criado por lei, integra e vincula todos os registradores imobiliários do Brasil”, lembrou. “Estamos avançando para o ONR. Para quem ainda não percebeu esse movimento sutil, ele pode se tornar efetivamente um órgão de representação dos registradores, um colégio registral nacional. Todos os registradores que nos antecederam, os que aqui hoje estão e os mais jovens sempre sonharam com isso: ter um órgão de representação dos interesses do registro imobiliário”.

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Mais sobre o NEAR-Lab: https://cartorios.org/2019/02/25/dados-registrais-digitais-e-o-seu-uso-indevido/#more-8686

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Boletim do IRIB em Revista nº 358: https://issuu.com/sergiojacomino/docs/revista_irib_358_rev5 17


50 representantes de todo o Brasil apoiam a criação do Comitê Pró-SREI O Comitê Pró-SREI foi instituído em reunião do IRIB com mais de 50 representantes de entidades estaduais. Coordenado por Flauzilino Araújo dos Santos, o comitê contará com conselheiros das cincos regiões brasileiras para debater a implantação do Registro de Imóveis eletrônico. 18


Comitê Pró-SREI

O

Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) realizou, no dia 19 de setembro de 2018, a terceira reunião para discutir a implementação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) no país. Estiveram presentes mais de 50 representantes de entidades estaduais de registradores de todas as regiões do Brasil. Com a mesa presidida por Sérgio Jacomino, presidente do IRIB, Francisco Ventura de Toledo, vice-presidente, e Flauzilino Araújo dos Santos, diretor de Tecnologia da Informação, a reunião teve como objetivo principal a criação do Comitê Pró-SREI, que visa, por meio do diálogo constante, instituir o Operador Nacional do SREI, tal e como previsto nas Leis 11.977/2009 e 13.465/2017.

Carla Carvalhaes Vidal Lobato Carmo (Paulista/CE), Roberto Lúcio Pereira (Recife/PE), Helena Borges (Anoreg/CE), Júlio Nascimento (Jardim dos Angicos/ RN), Maurício da Silva Lopes Filho (Salvador/BA), Thiago Estrela (ATC/MA) e Felipe Trucollo (Paço do Lumiar/MA).

Representação expressiva e apoio unânime ao Comitê Pró-SREI O objetivo da reunião foi ouvir os registradores de imóveis de diferentes Estados a respeito da instituição do Comitê Pró-SREI. Além de membros do IRIB de diversos Estados e da Comissão de Pensamento Registral do IRIB, estiveram presentes os representantes de entidades como: Colégio Registral Imobiliário de Santa Catarina; Associação de Registradores de Imóveis de Santa Catarina (Anoreg/SC); Instituto de Registro Imobiliário do Rio Grande do Sul (IRIRGS); Colégio Registral do Rio Grande do Sul; Associação dos Notários e Registradores do Rio Grande de Norte (Anoreg/RN); Con-

selho de Registradores de Imóveis da Bahia; Colégio Registral Imobiliário do Mato Grosso do Sul (CORI/MS); Associação dos Notários e Registradores do Mato Grosso do Sul (Anoreg/MS); Associação de Registradores de Imóveis de Roraima (ARIRR); Associação de Registradores de Imóveis do Rio de Janeiro (ARIRJ); Associação dos Notários e Registradores do Mato Grosso (Anoreg/ MT); Associação dos Titulares de Cartórios do Maranhão (ATC/MA); Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CORI/MG); Associação de Registradores de Imóveis de Pernambuco (ARIPE); Associação dos Notários e Registradores do Tocantins (Anoreg/TO); Associação dos Notários e Registradores do Ceará (Anoreg/CE); Associação dos Notários e Registradores de Roraima (Anoreg/RR); Colégio de Registradores do Pará; Associação dos Notários e Registradores do Pará (Anoreg/

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PA); Associação dos Notários e Registradores do Maranhão (Anoreg/MA); Associação de Registradores de Imóveis do Paraná (ARIPAR); Associação dos Notários e Registradores de Rondônia (Anoreg/RO) e Registradores Imobiliários de Rondônia (ARIRON).

Referências legais e normativas relativas ao SREI Após dar as boas-vindas aos presentes, Sérgio Jacomino passou a palavra ao diretor de Tecnologia da Informação do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos, indicado para coordenar os trabalhos do Comitê. Em sua fala, o diretor expôs as referências legais e normativas que dão suporte à criação do SREI. “Essa iniciativa surgiu da preocupação da registradora Carla Carvalhaes de retomar as discussões sobre o registro eletrônico. A partir dessas reuniões decidiu-se convidar para um encontro formal os representantes de todas as associações de registradores de imóveis do Brasil, além de representantes das Anoregs locais, no caso de Estados onde não há associações exclusivamente de registradores de imóveis. E hoje estamos aqui com uma represenChristian Beurlen (Pomerode/SC)

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tação expressiva tanto do ponto de vista numérico, quanto do ponto de vista da representatividade dos registradores de imóveis de diversos Estados”, ressaltou o diretor. Segundo ele, “desde a Medida Provisória 2.200 nós já poderíamos ter implantado o registro eletrônico visto que os insumos jurídicos para esse processo estavam previstos na MP”, explicou. “Depois disso tivemos a publicação de outros diplomas como a Lei do Processo Eletrônico, que provou que os tribunais poderiam autorizar a criação de livros eletrônicos. Esse foi mais um suporte que poderíamos ter aproveitado para implantar o SREI. Depois ainda tivemos a edição da MP 459 e sua conversão na Lei nº 11.977/2009, que teve um capítulo dedicado ao assunto e fixou prazo de cinco anos para a implantação do registro eletrônico em todo o território nacional, prazo esse vencido em 2014. O Provimento CNJ 47 ainda fixou um prazo de 360 dias para a implantação do SREI”, ressaltou. Ainda de acordo com o diretor de Tecnologia da Informação do IRIB, as legislações foram sendo aprovadas de maneira intercorrente, deixando de lado estudos realizados no âmbito do CNJ e também no âmbito do Conselho da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional, cujos trabalhos culminaram na edição de duas normas, uma editada pelo Conselho Nacional de Arquivos, direcionada ao arquivamento de documentos extrajudiciais, e outra foi a recomendação 14/2014 da Corregedoria Nacional de Justiça, embora não diretamente dirigida aos registradores, mas sim às Corregedorias estaduais, e que não foram atendidas.


Comitê Pró-SREI “Do ponto de vista jurídico tivemos todas as condições para implantar o SREI, mas andamos em caminhos diversos. Prova disso é a falta de interoperabilidade das centrais estaduais existentes e a falta de centrais estaduais em algumas unidades federativas”.

ONR – entidade técnica voltada à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias Francisco Ventura de Toledo, Sérgio Jacomino e Flauzilino Araújo dos Santos.

Sobre o Operador Nacional do SREI (ONR), o coordenador do Comitê destacou que o Operador é uma entidade técnica, “voltada à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias aplicadas ao Registro de Imóveis, proposta pelo IRIB em conjunto com Anoreg-BR, e que terá como órgão regulador o CNJ”.

O ONR não é uma simples associação de caráter privado uma vez que foi criado por lei e sobre ele incidem, igualmente, regras de direito público, além do fato de que o agente regulador do ONR será o Poder Judiciário. Trata-se de uma pessoa jurídica sui generis, congregando todos os registradores de imóveis do Brasil. Não se trata de associação voluntária, mas de vinculação em decorrência de lei. O Operador se propõe a fazer a integração das normas jurídicas com as normas tecnológicas e apresentar aos oficiais de registro de imóveis e às entidades congregadas “um estudo que poderia levar a um funcionamento interoperável, padronizado e sincronizado entre todos os cartórios de registro de imóveis do território nacional”, ressaltou.

ONR não pretende substituir as centrais nem regular valores “O ONR não pretende substituir as centrais e nem pretende regular valores por elas cobrados. A proposta do ONR está aguardando a regulamentação pela Corregedoria Nacional do CNJ nos termos da lei. Essa regulamentação tarda por envolver transformações profundas no sistema registral, o que tem levado alguns poucos colegas a resistir às mudanças. Essa é a razão da reunião. O Comitê pró-SREI visa justamente aparar eventuais arestas no âmbito interno para depois levar ao Poder Público a nossa posição no tocante à implantação do registro eletrônico”, destacou o diretor. O presidente do IRIB, Sérgio Jacomino, afirmou que o “ONR não vai invadir as atribuições próprias do Judiciário – e nem poderia”. Lembrou, ainda, que o ONR não se destina à prática de atos próprios de registradores.

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O diretor do IRIB acrescentou, ainda, que “o Sistema de Registro de Imóveis eletrônico previsto na Recomendação CNJ 14/2014 não deixa nada a desejar em relação aos sistemas de outros países”. “Apesar de datar de 2012, temos a riqueza desses estudos que podem ser atualizados para entrar em perfeito funcionamento, atendendo as peculiaridades de todo o Brasil. Lembro que não apoiamos a centralização de dados, mas sim a universalização do acesso aos dados, que sempre ficarão sob a guarda do próprio oficial”, concluiu.

oficial do Registro de Imóveis de Tubarão, Santa Catarina. O Centro-Oeste elegeu Maria Aparecida Bianchin Pacheco, registradora de Poxoréu, Mato Grosso, e diretora de tecnologia da Anoreg/MT. O Nordeste será representado por Helena Borges, presidente da Anoreg/CE, e a região Norte elegeu Cleomar Carneiro de Moura, oficial do Registro de Imóveis em Belém, Pará. Flauzilino Araújo dos Santos (SP) foi eleito coordenador por unanimidade. As reuniões do Comitê Pró-SREI serão realizadas, periodicamente, por meio de conferências online.

Comitê Pró-SREI: aprovação unânime dos Estados presentes

Petição ao CNJ: é preciso dar andamento ao ONR

Após os esclarecimentos ficou decidido, com aprovação unânime, que cada região brasileira terá uma cadeira de representação no Comitê Pró-SREI, que foi considerado um embrião do próprio ONR, e os registradores se reuniram e elegeram os representantes.

O registrador imobiliário do Rio de Janeiro, Sérgio Ávila recomendou uma tarefa aos representantes eleitos. “Uma primeira ação que sugiro ao Comitê é congregar esforços, imediatamente, para que possamos elaborar uma petição subscrita por nossas entidades que coloque fim à situação [estacionária] do processo no CNJ. Acredito que isso seja totalmente possível. Trabalhar uma petição conjunta, em vez de cada associação peticionar; que fosse o mesmo texto, em consenso. Confio que esses cinco representantes possam chegar a esse resultado”.

O Sudeste será representado por Claudio Barroso Ribeiro, registrador de Nova Lima. Minas Gerais e o Sul terão como representante Sérgio Cupolilo,

Nataly Cruz, gestora de Processos e Projetos/ 5º RISP e Adriana Unger, engenheira mecatrônica responsável pela POC-SREI.

A sugestão foi aprovada por unanimidade por todos os presentes. “Fico muito feliz com essa proposta, pois é preciso acabar com essas controvérsias e caminhar”, afirmou Jacomino. A reunião foi encerrada com a apresentação do Projeto de Conceito (POC) do SREI, pela engenheira mecatrônica Adriana Unger, que atuou como líder da equipe de modelagem de processos de negócio do projeto (SREI) para o Conselho Nacional de Justiça e responsável pelo projeto da POC.

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Comitê Pró-SREI importante e trouxe decisões que vão sedimentar o rumo para o futuro. O Registro de Imóveis tem importância indiscutível e vem conquistando cada vez mais espaço por meio de novas atribuições, mas ainda falta caminhar para acompanhar a evolução do tempo e a tecnologia. Acredito que esse encontro está fazendo com que isso aconteça”. Francisco Ventura de Toledo, vice-presidente do IRIB.

Fernando Pereira do Nascimento (Belo Horizonte/MG)

Registradores de todo o Brasil apoiam a criação do Comitê Pró-SREI “Vejo esse encontro como um momento histórico. Já era tempo de os registradores se reunirem para deliberar sobre assuntos que são próprios e de interesse da categoria. Acredito que esse seja o caminho e tenho grande expectativa e esperança de que daqui em diante estaremos alinhados. Sugiro também um esforço adicional no sentido de trazer para essas discussões as associações e centrais que ainda não estão alinhadas com esse propósito”. Cleomar Carneiro de Moura, registrador de imóveis em Belém, Pará, e representante para o Nordeste no Comitê Pró-SREI. “A reunião contou com a adesão de representantes de quase todo o país. Eu avalio que a busca pelo consenso possível está chegando e esse é o maior objetivo de todos os registradores, temos que caminhar e encontrar soluções juntos. O debate foi

“A solução encontrada pelos registradores presentes foi a melhor possível. Uma prova de que comungamos com as mesmas ideias. A eleição do coordenador foi unânime, um fato inédito, e as soluções foram muito interessantes. Primeiro, pela representação de cada Estado e, segundo, pela representação por região no comitê executivo, que vai gerar um grupo pequeno e a possibilidade de instrumentalização de toda questão operacional do comitê, o que tende a ser um sucesso. Acredito que, se nós [os registradores] tomarmos as rédeas do Registro de Imóveis como devemos, temos tudo para dar certo”. Claudio Grecco, vice-presidente do IRIB para o Rio Grande do Sul e presidente o IRIRGS. “Essa reunião, uma iniciativa do IRIB e de seus representantes, tem importância muito grande porque reuniu registradores imobiliários do Brasil inteiro. Nós não temos mais como nos dividir, não temos mais como dividir energia, força, precisamos nos fortalecer, e nada melhor do que debater, divergir e conciliar para fortalecer a atividade registral imobiliária”. Bianca Castellar, 1º Registro de Imóveis de Joinville/SC, presidente do Colégio Registral Imobiliário de Santa Catarina e membro da Comissão do Pensamento Registral Imobiliário do IRIB. “Esse comitê tem representatividade regional muito grande. Todas as regiões foram representadas, todas as opiniões foram ouvidas, e os registradores – como um corpo – estão conseguindo entender

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que devemos cumprir a Lei nº 11.977 e que os Registros de Imóveis devem instituir o registro eletrônico. Esse comitê indica um futuro em que a atividade dos registradores tem papel fundamental e ativo dos próprios registradores como protagonistas do futuro do Registro de Imóveis”. Caleb Matheus Ribeiro de Miranda, pesquisador de Novas Tecnologias do IRIB e registrador de imóveis em Juquiá/SP.

Ou assumimos as rédeas agora, ou ficaremos de fora da revolução da nossa própria atividade

Carla Carvalhaes Vidal Lobato Carmo “A ideia dessas reuniões surgiu de um encontro com o Sérgio Jacomino num congresso no Estado da Paraíba. Naquele momento enfrentávamos um clima Bianca Castellar (Joinville/SC), Gabriel Fernando do Amaral (presidente Aripar), Cláudio Grecco (vice-presidente IRIB/RS), Sergio Cupolilo (Tubarão/SC), Luís Flavio Fidelis Gonçalves (Curitiba/PR).

muito tenso, com muita coisa por fazer sem conseguir realmente executar porque não havia coesão. Então, a grande importância deste encontro e da instituição do comitê é a abertura para o diálogo de forma que possamos colocar em prática ideias que estão amadurecendo. Estamos com essa pauta há 20 anos. O registro eletrônico é uma realidade, não temos mais como adiá-lo ou evitá-lo. Ou assumimos as rédeas agora, em um movimento coeso e harmônico para construir um caminho em que possamos fazer história, ou simplesmente ficaremos de fora da revolução da nossa própria atividade”. Carla Carvalhaes Vidal Lobato Carmo, oficial de Beberibe/CE. “O ONR e o SREI já passaram da hora de ser implantados. Temos uma dívida com a sociedade de acordo com os normativos legais que, desde 2014, exigem que a categoria se movimente para que o registro eletrônico seja uma realidade. Acho que a sociedade há muito tempo se acostumou a serviços que podem e devem ser prestados de maneira eletrônica e o Registro Imobiliário brasileiro ainda não o fez. É essencial que a gente se movimente e se mobilize para que essa realidade aconteça, ou seja, que o Registro de Imóveis continue sendo eficaz e eficiente e possa ser prestado à distância”. Christian Beurlen, registrador de imóveis em Pomerode/SC e membro do conselho deliberativo do IRIB. “Essa é uma iniciativa muito importante na medida em que se institui um foro adequado para a criação de regras próprias para o Registro de Imóveis. O comitê espelha o que seria um dos órgãos futuros do ONR e tenho certeza de que vai propiciar o estabelecimento de algumas balizas mestras para a construção do registro eletrônico no Brasil”. Daniel Lago, oficial de Taboão da Serra/SP e diretor de Assuntos Institucionais do IRIB.

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Comitê Pró-SREI “Essa iniciativa dá andamento à criação do ONR, que possibilitará a instituição do registro eletrônico, o que é uma forma de manter nossa atribuição”. Felipe Trucollo, registrador de Paço do Lumiar/MA. “O comitê vai dar um novo norte para a classe, que hoje precisa alinhar o pensamento e o entendimento com as associações e registradores e ter um único objetivo para regulamentar o ONR. Podemos dizer que esse é um marco e mostra o consenso e a força dos registradores nesse processo de padronização e transformação que estamos vivendo neste momento de transição do registro físico para o registro eletrônico. Também se abriu um canal de comunicação com as associações e centrais, e esse foi um primeiro passo para que possamos encontrar soluções que devem ser criadas pela própria classe”. Fernando Pereira do Nascimento, presidente do CORI/MG e registrador de imóveis de Belo Horizonte/MG. “O Comitê Pró-SREI representa a ligação entre todos os registradores de imóveis, de norte a sul do Brasil, para a implantação do registro eletrônico. Neste primeiro momento terá como foco o aprimoramento dos estudos e das especificações para implantação do registro eletrônico. Eu acredito que houve, hoje, um entendimento muito grande entre os registradores de todas as regiões do Brasil. Por isso foi possível criar esse comitê com representantes das cinco regiões brasileiras aqui presentes. Eu vejo esse como um grande passo para a modernização do Registro de Imóveis do Brasil e do próprio mercado imobiliário. Creio que firmamos um grande pacto nacional do Registro de Imóveis”. Flauzilino Araújo dos Santos, registrador de São Paulo/SP, diretor de Tecnologia da Informação do IRIB e coordenador Comitê Pró-SREI.

Júlio Nascimento (Angicos/RN)

Superar os desentendimentos é “premissa para que o SREI se torne realidade ”

Luís Flavio Fidelis Gonçalves

“O momento pelo qual passa o Registro de Imóveis exige posturas de vanguarda como a criação desse comitê. Acredito que estamos no caminho para que o Registro de Imóveis transforme em presente o futuro, que é o SREI, e transforme também os sonhos em realidade. Tenho grande expectativa de que ele resulte em benefícios não só para os registradores, mas para os usuários e o mercado, que anseiam pela continuidade de serviços de excelência”. Gabriel Fernando do Amaral, presidente da Aripar. “A instituição desse comitê é de suma importância para que possamos criar o registro eletrônico. Sem sombra de dúvida isso vem a calhar com o fortalecimento institucional e é uma resposta às neces-

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sidades dos usuários dos nossos serviços”. Helena Borges, presidente da Anoreg/CE. “Para mim, a criação desse comitê é o pontapé inicial para que o registro eletrônico saia do papel. E espero que essa não seja mais uma tentativa em vão, pois essa é uma necessidade urgente da sociedade como um todo”. Júlio Nascimento, oficial de Jardim dos Angicos/RN. “O comitê tem importância ímpar, pois tende a colocar em funcionamento o Registro de Imóveis eletrônico no Brasil e eu entendo que isso irá impactar diretamente na atividade registral. Superar os desentendimentos é uma premissa para que o projeto do SREI se torne realidade”. Luis Flavio Fidelis Gonçalves, vice-presidente da Aripar e registrador em Curitiba/PR. “Essa iniciativa foi bastante profícua, pois permitiu que as lideranças se congregassem em prol de um único objetivo, que é o registro eletrônico que vai Aurélio Joaquim da Silva (Esmeraldas/MG)

beneficiar a classe e também a sociedade brasileira”. Maria Aparecida Bianchin Pacheco, registradora de Poxoréu/MT, e diretora de tecnologia da Anoreg/MT. “Todos nós [registradores de imóveis brasileiros] estamos na mesma reta e precisamos cruzar a linha final da implantação do ONR e do SREI, que são leis. E leis a gente tem que cumprir”. Milton Sigrist, registrador de imóveis em Alvorada do Oeste/RO e presidente da Ariron. “Nós esperamos a implantação do SREI há 20 anos e a expectativa é que o trabalho realmente flua em parceria e que todos entendam qual é o real objetivo do ONR e desse comitê – a real implantação do registro eletrônico”. Mirly Rodrigues, oficial de Boa Vista/RR. “Esse foi o primeiro passo para a implantação do registro eletrônico e é preciso saber que divergências vão ocorrer, mas estamos no caminho certo para dirimi-las”. Rafael Ciccone, registrador de Cruzeiro do Sul/AC. “Nós percebemos que existe entre os registradores uma vontade extrema de que o SREI passe a funcionar. Esse comitê vem atender os anseios de muitos registradores que buscavam iniciar a fase de protótipos e testes do registro eletrônico. Os registradores de todas as regiões do Brasil estão representados no comitê e isso mostra um consenso que não havia antes e que abriu as portas para que os registradores possam conversar”. Rafael Gruber, oficial de São Caetano do Sul/SP. “A expectativa é de que todos os registradores brasileiros tenham um norte do que é e o que realmente significa, na prática, o Registro de Imóveis eletrônico.

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Comitê Pró-SREI Eu acredito que o comitê tenha essa grande meta de definir parâmetros práticos e tecnológicos do que deve ser esse formato do registro eletrônico, para que seja seguido pelos diversos agentes”. Roberto Lúcio Pereira, registrador de Recife/PE e presidente da Aripe.

Hoje temos medo do registro “eletrônico e eu sou um deles, mas

não temos como fugir, do contrário seremos deixados para trás Ademar Fioranelli

“Hoje reunimos, em torno do IRIB, entidades que representam registradores de imóveis de todo o Brasil para lançar a pedra fundamental do ONR, que será o grande impulsionador da nossa atividade, uma entidade composta pelos próprios registradores e que vai nos direcionar ao futuro”. Sergio Ávila, registrador do Rio de Janeiro/RJ e 1º secretário da Arirj. “A criação desse comitê é essencial porque ele vai pautar os próximos passos, que são importantíssimos para a modulação do registro eletrônico

no Brasil. Essa pauta vem de longo tempo, mas ficou em uma certa inércia e com essa iniciativa estamos demonstrando que as coisas vão começar a andar. Hoje tivemos um grupo muito coeso que mostrou haver sintonia entre os Estados. Tenho certeza de que isso vai representar uma evolução muito grande para o nosso sistema”. Sergio Cupolilo, registrador de Tubarão/SC e representante da região Sul no Comitê Pró-SREI. “A criação do comitê mostra o início de um diálogo para que possamos tirar nossas dúvidas e entender todo o processo para a real implantação do registro de imóveis eletrônico”. Thiago Estrela, presidente da ATC/MA. “Esse comitê trata do que pensamos ser o futuro, mas na realidade é o presente do Registro de Imóveis – o SREI – por isso é tão importante estar aqui. Temos que dar nossa contribuição e críticas para que o sistema funcione melhor”, Valdiram Cassimiro, registrador em Natividade/TO e presidente da Anoreg/TO. “Esse comitê é muito importante para criar as bases do que será o registro eletrônico e facilitar todo o processo de transição para o SREI”, George Takeda, registrador de imóveis de São Paulo/SP e tesoureiro-geral do IRIB. “Precisamos acompanhar a evolução tecnológica e nos adaptar à realidade atual. A tecnologia é de suma importância para a evolução do registro e acredito que será mais difícil do que a transição para o sistema de matrículas. Hoje temos muito medo do registro eletrônico e eu sou um deles, mas isso é uma evolução e não temos como fugir disso, precisamos enfrentar. O registro eletrônico precisa surgir, do contrário seremos deixados para trás”. Ademar Fioranelli, registrador de imóveis de São Paulo/SP e membro do Conselho de Ética do IRIB. Bianca Castellar (Joinville/SC)

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irib ONR:

DÚVIDAS ENVIADAS PELOS REGISTRADORES IMOBILIÁRIOS A LEI 13.465/2017, QUE INSTITUCIONALIZOU O SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO (SREI) E CRIOU O OPERADOR NACIONAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO (ONR), TROUXE A POSSIBILIDADE DE DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA REGISTRAL BRASILEIRO E AO MESMO TEMPO MUITAS DÚVIDAS PARA OS REGISTRADORES IMOBILIÁRIOS.

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perguntas e respostas O IRIB abriu a discussão a respeito do impacto de novas tecnologias no Registro de Imóveis e sobre o futuro da atividade registral em face do inevitável registro eletrônico (Vide Boletim do Irib em revista 358, setembro/2018). No que diz respeito ao ONR, as perguntas e respostas a seguir ilustram a preocupação de quem está na atividade registral e introduzem algumas questões tratadas mais demoradamente nesta edição.

DE ONDE NASCEU A IDEIA DO ONR – OPERADOR NACIONAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO? A ideia nasceu do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no bojo do Projeto SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico. Vale a pena consultar a documentação relativa à especificação do Registro de Imóveis eletrônico em https://folivm.wordpress.com.

QUEM VAI IMPLANTAR O SREI EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL? Os próprios serviços de registros públicos de que trata a Lei 6.015/1973 (art. 37, caput, da Lei 11.977/2009). Não os notários; não as centrais estaduais; não as Anoregs; não o Judiciário; não o Executivo, não empresas privadas. Esse é o entendimento da CNJ no PP 0005549-59.2016.2.00.0000, Sergipe, j. 4/10/2017, Dje 9/10/2017, rel. min. João Otávio de Noronha (http://bit.ly/2GUgqsc).

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irib O ONR VAI PRATICAR ATOS DE REGISTRO? VAI SUBTRAIR ATRIBUIÇÕES DE REGISTRADORES? Não. O estatuto social prevê expressamente que o órgão visa “cumprir o comando legal contido no art. 37, da Lei 11.977, de 2009, para instituição do sistema de registro eletrônico pelos cartórios de registro de imóveis, em todo o território nacional, de conformidade com as diretrizes fixadas pela Recomendação nº 141, de 2 de julho de 2014, baixada pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça” (inc. I do § 2º do art. 4º do seu estatuto social)2. Na documentação técnica acha-se especificada a construção do SREI e não há qualquer disposição prevendo ou sugerindo concentração de dados em uma central nacional. Para saber mais, acesse o tópico “Visão geral do SREI” em http://bit.ly/2KfK5tD.

QUEM VAI IMPLANTAR E OPERAR O SREI? O SREI “será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR” (art. 76 da Lei 13.465/2017).

DE QUEM É O ONR? O ONR é de todos os registradores imobiliários do Brasil. Todas as unidades de registro de imóveis (cartórios de Registro de Imóveis) “integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR”. (§ 5º do art. 76 da Lei 13.465/2017). O ONR é uma entidade criada por registradores, para registradores, gerida e administrada por registradores.

QUEM FISCALIZA O ONR? O Poder Judiciário, por meio do CNJ, que vai desempenhar a função de agente regulador (§ 4º do art. 76 da dita lei), sem prejuízo das competências próprias das corregedorias estaduais. É bom lembrar que todas as corregedorias gerais dos Estados foram ouvidas e terão assento no conselho do ONR (art. 40 do estatuto). Conheça a síntese da manifestação de cada corregedoria em https://circuloregistral.files.wordpress.com/2017/01/2018-02-16-onr-sumc3a1rio.pdf

O QUE É BARRAMENTO NACIONAL? O QUE É “MENSAGERIA”? A expressão barramento ocorre no estatuto para representar, apenas, a necessidade de requisitos de hadware e software para viabilizar a interconexão entre as várias unidades de RI e as próprias centrais estaduais já existentes. O barramento visa à interoperabilidade de sistemas interconectando as várias bases de dados. São protocolos e padrões de interoperatividade do sistema (art. 38 da Lei 11.977/2009). Já a mensageria é um mecanismo de troca de informações entre sistemas de modo seguro, o que vai ocorrer nas transações entre as unidades, centrais estaduais e o ONR.

A LEI 13.465/2017 É INCONSTITUCIONAL? Não. Embora o STF possa inclinar-se num ou noutro sentido, já que pode e tem decidido politicamente, todos os juristas, catedráticos de direito constitucional e direito público, ouvidos até aqui, não hesitam em confirmar a constitucionalidade

1

http://www.kollemata.com.br/recomendacao-cnj-14-2014-srei-registro-eletronico-registro-de-imoveis-eletronico.html

2

https://circuloregistral.files.wordpress.com/2017/01/2017-11-09-estatuto-onr-9-6-cnj.pdf

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perguntas e respostas das disposições dessa lei. Já expuseram sua opinião independente: o governo, as comissões de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a Casa Civil, o Ministério das Cidades, agora a própria AGU. Para conhecer a opinião dos especialistas, acesse https://circuloregistral.com. br/2018/03/23/onr-e-inconstitucional/.

brasileiro, o que não se conseguirá com meros ramais de prestação de serviços.

NÃO SOA ESTRANHO QUE UMA ENTIDADE PRIVADA IMPLANTE E FAÇA A GESTÃO DO SREI? INSISTA-SE: NÃO É INCONSTITUCIONAL?

É preciso deixar claro que o sistema registral brasileiro é mais do que a soma de suas centrais estaduais. O Provimento 47/20153 foi o que era possível, naquela altura, criar. Havia e ainda há inúmeras controvérsias originadas da má compreensão do ONR, o que se busca esclarecer aqui. Além disso, as centrais desempenharão um papel importante no interior do ONR, conforme se pode verificar no § 4º do art. 5º do estatuto social.

Como a própria CGJSP de São Paulo destacou, o modelo proposto para o ONR foi adotado no Estado de São Paulo, sem grandes dissensões, nos termos do item 332 das NSCGJSP. Se a iniciativa é inconstitucional para o ONR por qual razão não o seria também para ARISP, CORI´s, Anoregs, etc.? De fato, não é inconstitucional.

QUAL O PAPEL DAS CENTRAIS ESTADUAIS CRIADAS NOS ESTADOS COM BASE NO PROVIMENTO 47/2015?

POR QUE O IRIB? Por que não? Acaso haverá outra entidade de caráter nacional que congregue registradores de todo o país? As duas entidades nacionais de notários e registradores – IRIB e Anoreg-BR – manifestaram-se favoravelmente à criação do ONR. Além disso, o organismo, criado por lei, não se confunde nem com IRIB, nem com Anoreg.

POR QUE O IRIB LUTA COM TANTO EMPENHO PARA CONCRETIZAR ONR? Porque é sua missão institucional. Trata-se de buscar a modernização do sistema registral 3

http://kollemata.com.br/provimento-cnj-47-2015-registro-eletronicosrei-repositorios-eletronicos.html 31


irib ONR VINCULA REGISTROS DE IMÓVEIS DO PAÍS VISANDO À UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO Nesta entrevista (Cartórios com você n. 10, vol. 2) o presidente do IRIB, Sérgio Jacomino, abordou as principais características do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR, destacando sua finalidade, importância, os pontos fundamentais e o funcionamento do sistema. Em virtude da relevância do tema publicamos aqui as respostas completas.

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entrevista P – QUAL A FINALIDADE DO ESTATUTO DO OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO – ONR? SJ – O art. 4º do estatuto do ONR dispõe que ele tem por finalidade implementar e operar, em âmbito nacional, o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, na forma dos artigos 37 a 41, da Lei 11.977/2009, “mediante integração das unidades registrais e de suas bases de dados, sob acompanhamento, regulação normativa e fiscalização da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conforme previsto no § 4º do art. 76 da Lei nº 13.465, de 2017”. O caput do art. 37 da Lei 11.977 dispôs que os próprios registradores – não os notários, nem a administração pública, nem mesmo o mercado – receberam, diretamente da lei, o encargo de instituir o sistema de registro eletrônico no país. Tal comando vem confirmado da maneira mais clara e explícita no § 5º do art. 76 da Lei 13.465/2017: as unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal “integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR”. O ponto fundamental do estatuto é este: o ONR vincula todos os registradores imobiliários do país, sem distinções, integra-os no SREI. Está em nossas mãos o destino do Registro de Imóveis eletrônico do Brasil1.

P – QUAL A DIRETRIZ MAIS IMPORTANTE DO ONR? SJ – A diretriz que pode ser chamada de viga-mestra do sistema, impressa no articulado do estatuto social, é esta: “todas as unidades de registro de

imóveis dos Estados e do Distrito Federal integram o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) e estão vinculadas ao ONR, na forma do § 5º, do art. 76, da Lei nº 13.465, de 2017” (art. 8º). Essa definição institucional atende às diretrizes do próprio CNJ – Conselho Nacional de Justiça e foi sufragada pelo IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Coordenador Nacional das Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados do Registro de Imóveis, e pela ANOREG-BR – Associação de Notários e Registradores do Brasil, em notável conjunção de interesses e objetivos institucionais de notários e registradores brasileiros.

P – NA PRÁTICA, COMO O ONR VAI FUNCIONAR? SJ – Em primeiro lugar, é fundamental deixar claro que não se trata de um “órgão central”, concentrador de dados registrais. Vimos trabalhando, ao longo dos últimos 20 anos, na construção de um sistema de coordenação e de interoperabilidade entre as várias unidades, superando o paradigma tradicional da “atomização registral”, substituindo-o por um modelo de “molecularização”, em que as partes se coordenam numa relação de cooperação e interdependência sem, contudo, suprimir a singularidade de cada parte. Definitivamente, não é um organismo centralizador de dados, mas um organismo concebido para dar executividade e efetividade ao modelo de universalização de acesso e interação às unidades de Registro de Imóveis. O ONR se encarregará de instituir o SREI em todo o país, dando-lhe estrutura e consistência. Embora o Registro de Imóveis brasileiro seja uno, as funções e competências registrais são fracionadas e delegadas por comando constitucional. Cada

NE: O entendimento do Presidente do IRIB foi recentemente confirmado por acórdão do CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Reconhecendo o IRIB como “Coordenador Nacional das Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados do Registro de Imóveis”, concluindo que é “atribuição dos registradores a criação ou escolha da central, cujo funcionamento deve ser normatizado pela corregedoria local”. V. PP 0005549-59.2016.2.00.0000, Sergipe, j. 4/10/2017, Dje 9/10/2017, rel. min. João Otávio de Noronha. Acesso: http://bit.ly/2GUgqsc. 33

1


irib Solicitante Internet

Judiciário

Navegador Web

Navegador Web

Entidades conveniadas

Navegador Web

Sistema Específico

Serviços eletrônicos do SREI Atendimento eletrônico

Consolidações e estatísticas

Penhora on-line Ofício eletrônico Indisponibilidade de bens

Sistema de atendimento eletrônico compartilhado (SAEC)

sas instituições não pode se constituir em razão de submissão ou supressão da outra, atraindo funções que são próprias e muito específicas de cada qual.

P – COMO VAI SER A ADMINISTRAÇÃO DESSE ÓRGÃO CENTRAL?

SJ – Não é órgão central, mas uma central de serviços eletrônicos comBase de livros partilhados – SAEC, como eletrônicos nominado pela documenBase de tação técnica produzida títulos e no Projeto CNJ/LSITec (fidocumentos gura 1), que redundou na Base de dados Recomendação 14/2014, operacionais de (2/7)2. É preciso repisar a ideia de que o modelo proposto pelo ONR não é o de centralização de dados. Na ilustração se vê que o SC – Sistema do Cartório se mantém numa camada à parte do SAEC.

Interações eletrônicas Solicitante presencial

Atendente Oficial, escrevente

Cartório

Sistema do Cartório

Judiciário (correição)

FIGURA 1

registrador é responsável pela manutenção, proteção, conservação do acervo registral, composto de livros, fichas, papeis, dados, etc. Não se pense – como se alardeou de modo leviano – que o ONR visa concentrar todos os dados que hoje se acham sob a guarda e custódia de cada unidade registral. Por outro lado, não se trata de uma controladoria encarregada de um “cadastro imobiliário”. Registro é registro, cadastro é cadastro – “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. São duas instituições distintas e singulares que atuam de modo coordenado. Como temos afirmado, a singularidade de uma des2

Acesso: https://goo.gl/zXMGCj

34

Já na figura 2 vemos, em rasgos muito gerais, os modelos de organização do sistema registral como a experiência brasileira concebeu. No sistema atomizado, cada cartório é uma ilha, vive isolado e sem um canal eletrônico de intercomunicação e coordenação entre os vários nós do sistema. Assim se acham, ainda hoje, muitas unidades de registro de imóveis em todo o país. Já no modelo centralizado, vamos encontrar o


entrevista Para dar concretude e tornar realidade o que o próprio CNJ concebeu no Projeto SREI é absolutamente necessário dar vida ao ONR.

P – QUAL A EXPECTATIVA DO IRIB EM RELAÇÃO AO ONR?

FIGURA 2

exemplo mais impressivo que é o proposto pelo SINTER (Decreto Federal 8.764/2016), onde cada unidade registral estará obrigada a informar a atualização registral (situação Jurídica) ao cabo de cada ato praticado, formando um repositório centralizado e de caráter nacional sediado na Receita Federal (art. 5º dentre outros). Depois de receber críticas acérrimas do IRIB, o projeto já aponta para um curioso sistema de “descentralização controlada”. O que não deixa de ser paradoxal, pois uma descentralização que se executa em ambiente controlado pela RFB/SINTER é uma descentralização sem autonomia e controle, uma “descentralização centralizada”, como deixei registrado no Comunicado 5/2017 da Presidência (vide o modelo abaixo – figura 3)3.

SJ – A expectativa é acolher toda a categoria de registradores imobiliários num arco informacional de caráter interdependente, coordenado, projetando o sistema registral para além dos limites físicos das serventias, universalizando o acesso, prestando serviços online, interagindo no ambiente dos meios eletrônicos que é marca distintiva do atual estágio das sociedades contemporâneas. Disso dependem a administração pública, o mercado e a própria sociedade brasileira. FIGURA 3

Já o modelo molecularizado pretende formar uma grande malha que acolhe todas as unidades num grande sistema de coordenação interdependente, construindo infovias de comunicação e informação4. Não se constrói essa infraestrutura complexa sem um mapa do caminho. 3

Acesso à Carta do Presidente: https://goo.gl/9QR9Qi

4

Cfr. JACOMINO. Sérgio. O SREI - o Projeto Original do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o ONR. São Paulo: IRIB, 2017. Acesso: https://goo.gl/3jmoyT.

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ONR ONR: resposta à exigência constitucional de um eficiente sistema registral André Ramos Tavares Professor Titular da Faculdade de Direito da USP e Professor da PUC/SP. Foi Presidente do Conselho Consultivo da Presidência do CNJ.

Leitura constitucionalmente conforme do art. 76 da Lei 13.465/2017, em relação ao que ali vai implementado (o ONR) e naquilo que disso decorre, que é a prerrogativa de implementar e operacionalizar o SREI.

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CONSTITUCIONALIDADE 1. CONCRETIZAÇÃO NECESSÁRIA E URGENTE DE UM SISTEMA ELETRÔNICO DE REGISTRO PÚBLICO INTEGRADO E FUNCIONAL 1.1. Integração e funcionalidade nas atividades registrais como ferramenta do modelo constitucional de desenvolvimento socioeconômico O Operador Nacional de Registro Eletrônico de Imóveis que foi criado pela Medida Provisória n. 759/16, posteriormente convertida na Lei 13.465/2017, não deve ser considerado como instituto restrito a uma específica Política Nacional de Regularização Fundiária, que efetivamente se encontra em encaminhamento no País. Na verdade, com a sua criação, ambicionam-se avanços muito mais abrangentes, capazes de fazer nosso sistema atual transitar para uma informatização integrada de dados registrais dos Cartórios Extrajudiciais brasileiros. Bem por isso o assunto demanda a compreensão preliminar do que seria uma nova modelagem eletrônica nessa área sensível que são os registros públicos de uma sociedade. Os objetivos da Lei vão muito além de um re-

conhecido interesse geral de universalização do acesso aos dados pela via da rede mundial de computadores (Internet). Pretende-se, com uma nova modelagem que aqui será objeto de estudo, atuar para o desenvolvimento econômico e social com o incremento da eficiência na segurança jurídica e disponibilidade de tudo o que é constituído e realizado pela atividade de registros no País. Primeira nota a se destacar é que essa novel modelagem, em seus elementos normativos, encontra-se em plena sintonia com os objetivos fundamentais do Brasil. Ainda dentro de uma fina sintonia constitucional ressalto a busca pela otimização da interoperabilidade de informações tipicamente cartoriais1, em benefício não só da sociedade em geral, como também da atividade da Administração Pública (art. 3º, II, CB/88). Nesse sentido, essa modernização do sistema registral não pode ser vista de maneira apartada do modelo constitucional do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, direcionado pelo referido artigo 3º, além dos artigos 1º e 170 da CB. Essas diretivas transformativas2 devem guiar a atuação de todas as autoridades e entes privados envolvidos nas inovações institucionais em análise. O ex-Presidente do Banco Central do Peru, HERNANDO DE SOTO, aponta como uma das causas de subdesenvolvimento as deficiências no sistema de registro de imóveis que impedem que um potencial latente desses países seja aproveitado, gerando um subaproveitamento dos usos econômicos da

Assumo, aqui, esses elementos, em oposição aos meros sistemas de cadastros ou bancos de dados genéricos, que rotineiramente apenas replicam ou espelham informações de fontes seguras e certificadas, supostamente duplicando-as.

1

Nesse sentido já tive a oportunidade de afirmar que a “proposta transformativa [...] assume o sentido de instrumento de mudança da estrutura econômica de exploração ainda presente, e pobreza extrema de parte da sociedade, para níveis econômicos satisfatórios, pela transformação social”. TAVARES, André Ramos. Direito Econômico Diretivo: percurso das propostas transformadoras. São Paulo: 2014, p. 117.

2

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ONR propriedade3. Certamente há muitos interesses em jogo e seria uma visão ingênua acreditar que estamos apenas em um ponto de absorção “natural” da tecnologia. A superação de ineficiências registrais deve visar ao combate das falhas e ausências de aproveitamento total do potencial econômico da propriedade. O combate a esse déficit de aproveitamento econômico é um projeto complexo que não envolve apenas os cartórios de registro de imóveis, que são agentes particulares que executam um trabalho eficiente dentro dos limites que lhe são conferidos pelo Ordenamento Jurídico brasileiro. As deficiências exigem a revisão de um complexo sistema legal e judiciário que clama por eficiência, um adequado e completo mapeamento da propriedade e acesso dos mais pobres ao sistema registral com baixo custo e com reduzida burocracia. Uma completa integração sistêmica, facilitando-se a consulta aos registros em todo o país é parte do projeto a ser implementado pelo ONR. A referida integração sistêmica deverá ocorrer nos termos do Projeto da Associação do Laboratório

de Sistemas Integráveis Tecnológicos – LSI-TEC, indicado pelo CNJ na Recomendação n. 14/20144. Esses dois atores envolvidos no Projeto, a LSI-TEC e o CNJ, elaboraram um documento explicativo sobre a implementação do Sistema5. No referido documento fica consignado que a integração será implementada por meio do “Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado – SAEC”, sistema que apenas recepcionará o pedido e o encaminhará ao cartório responsável. Seu papel será “realizar a interação com os solicitantes por meio da internet”6. Ainda nos termos desse documento, as atividades internas dos cartórios serão realizadas pelos chamados “Sistemas do Cartório – SC” que são múltiplos e administrados pelos próprios registradores delegatários. Essa diferenciação entre sistemas é necessária e deve ser preservada para que se mantenha a autonomia dos cartórios ao mesmo tempo em que se promoverá a coordenação entre os registros em busca do “acesso universalizado”. A integração pode representar um imediato ganho econômico. Os sistemas de publicidade registral surgem a partir da experiência francesa da Lei

SOTO, Hernando de. The Mystery of Capital: why capitalism triumphs in the west and fails everywhere else. London: Black Swan, 2001, p. 160-167.

3

artigo 1º da Recomendação recomenda “às Corregedorias Gerais de Justiça que na regulamentação ou na autorização O de adoção de sistema de registro eletrônico por responsável por delegação de Registro de Imóveis, inclusive quando prestados com uso de centrais eletrônicas, sejam adotados os parâmetros e requisitos constantes do modelo de sistema digital para implantação de Sistemas de Registro Eletrônico – S-REI elaborado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos – LSI-TEC em cumprimento ao contrato CNJ nº 01/2011”.

4

CNJ/LSI TEC. SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário: Parte 1 - Introdução ao Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário. Disponível em <https://folivm.files.wordpress.com/2011/04/srei_introducao_v1-0-r-7.pdf>, acesso em 19.6.2018.

5

6

Op. Cit. p. 15.

7

esse respeito conferir JACOMINO, Sérgio. Registros de Documentos: Crônica de uma morte anunciada. Disponível A em https://cartorios.org/2013/12/, acesso em 20.06.2018. A Lei está disponível em <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ btv1b86147185>, acesso em 20.06.2018.

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CONSTITUCIONALIDADE 17.6.1771, de Luís XV7, precursor dos atuais sistemas de registros imobiliários. No entanto, o que se pretende com o atual movimento de integração e nacionalização dos sistemas registrais é a ampliação e facilitação do acesso dos sistemas, padronizando as informações, incrementando a segurança jurídica e possibilitando a consulta de registros em qualquer parte do país. De acordo com HERNANDO DE SOTO, países como Suíça, Alemanha e Japão iniciaram processos de integração e nacionalização de seus registros no século XIX e início do século XX8. A imediata segurança jurídica e facilidade de acesso tem um efeito econômico perceptível a curto prazo. De acordo com SOTO: “[a]s a result of integration, citizens in advanced nations can obtain descriptions of economic and social qualities of any available asset without having to see the asset itself. [...] Consequently, an asset`s potential has become easier to evaluate and exchange, enhancing the production of capital”9. Essa integração sistêmica, deve beneficiar o conjunto da população e facilitar a incorporação econômica e social da população mais necessitada e excluída, assim como realizar a capacidade produtiva da terra em geral.

As dificuldades dos menos favorecidos de acesso à propriedade imobiliária é um dos problemas mais sensíveis de economias periféricas. Um experimento conduzido por SOTO em Lima buscando fornecer um título de propriedade legítimo a moradores de baixa renda em habitações fora do sistema registral deparou-se com uma enorme dificuldade burocrática: “[t]o receive approval from only the municipality of Lima – just one of the eleven governmental agencies involved – took 728 bureaucratic steps”10. Nesse contexto, recordo que no Brasil, um recente incêndio em imóvel ocupado por movimento de trabalhadores sem-teto ocorrido em maio de 2018, chamou atenção dos altos custos de aluguel, déficit de moradia, subaproveitamento social de imóveis, diante da grande quantidade de imóveis não utilizados na maior metrópole do país11. Desse modo, aprimorar o sistema registral melhorando o acesso das informações, inclusive ao Poder Público, na esteira das inovações legislativas em comento, pode contribuir para um mais eficiente mapeamento dos imóveis que não cumprem sua função social, aprimorando a deficiente política es-

“In California just after the gold rush of 1849 there were some eight hundred separate property jurisdictions, each with its own records and individual regulations established by local consensus. [...] By enacting more than thirty-five preemption and mining statutes, Congress gradually managed to integrate into one system the informal property rules created by millions of immigrants and squatters.

8

“[...] Formal property registries began to appear in Germany, for example, in the twelfth century, but were not fully integrated until 1896, when thee Grundbuch system for recording land transactions began operating on a national scale. In Japan the national campaign to formalize the property of farmers began in the late nineteenth century and ended only in the late 1940s. Switzerland`s extraordinary efforts to bring together the disparate systems that protected property and transactions at the turn of twentieth century are still not well known, even to many Swiss”. (SOTO, Hernando de, op cit., p. 52-53, original não grifado). 9

SOTO, Hernando de, op cit., p. 53. SOTO, Hernando de, op cit., p. 202.

10

Cf. e.g. Anïs Fernandes. Gasto Excessivo com Aluguel Pressiona Déeficit Habitacional no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 5.mai.2018. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/gasto-excessivo-com-aluguelpressiona-deficit-habitacional-no-brasil.shtml acesso em 24.05.2018.

11

39


ONR tatal de notificações de imóveis ociosos12. Essa ociosidade de imóveis não pode ser considerada de maneira isolada, pois ela afeta também o início de novas e diversas atividades econômicas. Como alertou o Banco Mundial, a dificuldade de imóveis comerciais para início de novas empresas ainda é um severo entrave econômico nos países em desenvolvimento: “Commercial real estate was considered to have no productive value under central planning. In market economies, however, commercial real estate is a vast store of wealth, often larger than industrial plant and equipment. Real estate is also a critical factor in new business entry; start-ups need access to premises or, equally important (given the poor state of many existing buildings), access to vacant land and permits to construct new buildings. Both are hard to come by in many cities in transition economies; the result is a severe shortage of commercial space, which is blocking private sector development”13. O assunto, pois, interessa tanto aos menos favorecidos como também ao setor produtivo capitalista. Além disso, o acesso dos menos favorecidos aos direitos decorrentes da propriedade imobiliária oficial tem um efeito de inclusão socioeconômica por diversas razões, como o acesso a empréstimos com garantia. Ainda de acordo com SOTO: “[t]he lack of legal property thus explains why citizens in deve-

loping and former communists nations cannot make profitable contracts with strangers, cannot get credit, insurance or utilities services [...]”14. Parece-me crucial essa visão inicial amplificada do objeto da Lei sob comento, considerando as finalidades constitucionais da ordem econômica, pois, como se vê, as verdadeiras bases iniciais da discussão em torno do chamado ONR não foram erguidas com a Lei 13.465/2017. O que se discutirá nesta análise é um dos desdobramentos programados, pelo Brasil, para a atividade de registros públicos, desde os expressos parâmetros constitucionais até as determinações legislativas sedimentadas pela Lei 11.977/09 e suas concretizações efetivas.

1.2. O registro imobiliário na Era Informacional A sociedade contemporânea, que por muitos e autorizados pensadores já foi identificada como sendo a sociedade da informação, passou efetivamente a se organizar em um paradigma tecnológico baseado na informação. Como destaca FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, “um novo ‘modo de desenvolvimento’” da sociedade, cuja análise “se desdobra na identificação de uma nova estrutura social, marcada pela presença e o funcionamento de um sistema de redes interligadas”15 . Ainda nessa linha, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, observou que:

Sobre a queda do número de notificações pela falta de função social urbana dos imóveis em São Paulo: Mariana Zylberkan. 1.089 imóveis ociosos em SP ignoram alerta e ficam sujeitos a IPTU mais caro. Folha de São Paulo, São Paulo, 15.mai.2018. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/1098-imoveis-ociosos-em-sp-ignoramalerta-e-ficam-sujeitos-a-iptu-mais-caro.shtml> acesso em 24.05.2018.

12

WORLD BANK. World Development Report: 1996 from plan to market. New York: Oxford University Press, 1996, p. 60. Disponível em <http://documents.worldbank.org/curated/en/917191468155732199/pdf/158920REPLACEMENT0WDR01996. pdf>, acesso em 24.05.2018.

13

14

SOTO, Hernando de, op cit., p. 55. CARDOSO, Fernando Henrique. Prefácio. In: Manuel Castells. A sociedade em Rede: a era da informação, sociedade e cultura, v. I, 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. II

15

40


CONSTITUCIONALIDADE “(...) é preciso levar a sério as mudanças introduzidas em nosso padrão de sociabilidade em razão das transformações tecnológicas e econômicas que fazem com que a relação dos indivíduos e da própria sociedade com o processo de inovação técnica tenha sofrido alterações consideráveis”16. A tecnologia afeta nosso modo de vida, nossas relações sociais diárias. Seu impacto vai além da rapidez e facilidades que eventualmente agregam. MANUEL CASTELLS em conhecida obra sobre o tema adverte que o principal motor do desenvolvimento na atual sociedade é a informação, diante do fato de que “a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, processamento da informação e de comunicação de símbolos”17. A informação e o aprimoramento do processo informacional e geração de conhecimento passam a representar a principal forma de incremento da produtividade. Para CASTELLS no atual paradigma social: “[o] processamento da informação é focalizado na melhoria da tecnologia do processamento da informação como fonte de produtividade, em um círculo virtuoso de interação entre as fontes de conhecimentos tecnológicos e a aplicação da tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos [...]”18.

Nesse sentido, um sistema ágil de informações contribui para o incremento da produtividade nos setores da economia ligados ao mercado imobiliário19. Desse modo, a incorporação de ferramentas tecnológicas ao sistema de registro de imóveis, assume fundamental importância econômica na medida em que impacta diretamente diversos setores. Trata-se de uma “modernização” em uma das funções públicas do Estado, que resulta em um impacto considerável no desenvolvimento tecnológico, linha sensível do modelo constitucional de superação do subdesenvolvimento e da dependência econômica. Aproveito para lembrar que nos termos do artigo 218 da Constituição, na busca do desenvolvimento tecnológico o Estado “estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo”20. Essa articulação é sensível na atividade de registros públicos21 além de impactar em importantes atividades econômicas ligadas ao ramo imobiliário. Ademais, a agilidade nos procedimentos e desburocratização terá um efeito de distribuição isonômica da tecnologia, pois modernizará o acesso ao registro público em todo o país, mesmo para os agentes econômicos de menor porte22, que muitas

16

Idem

17

C ASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede: a era da informação, sociedade e cultura (trad. Roneide Venancio Majer), v. I, 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 35. Idem.

18 19

entro do horizonte desses setores, considerando somente a construção civil, constata-se uma relevante participação na D economia. De acordo com dados do IBGE, o setor da construção civil movimentava 5,2% da economia em 2017 (chegou a 7% em 2000) e empregava 8,48% da população economicamente ativa no ano de 2015 (Dados do IBGE compilados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, disponível em < http://www.cbicdados.com.br/menu/pib-e-investimento/ pib-brasil-e-construcao-civil>, acesso em 24.5.2018). A esse respeito, cf. TAVARES, André Ramos. Ciência e Tecnologia na Constituição. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 44, n175, jul/set. 2007.

20

21

A atividade registral é exercida por particulares, sob a delegação do Poder Público e fiscalização do Poder Judiciário.

22

Alinhando-se à determinação dos artigos 146, III, “d” e 179 da Constituição do Brasil. 41


ONR vezes são dotados de menor capital humano e tecnológico, sendo mais prejudicados com entraves burocráticos do que as grandes empresas23. Esse acesso democrático à tecnologia está engajado com o projeto de superação da condição periférica promovendo a difusão tecnológica equitativa, no sensível ponto do acesso à informação, superando o crônico problema de heterogeneidade tecnológica típica de países subdesenvolvidos24, nos quais presenciamos a assimetria informativa como um elemento derivado desse atraso. Referida heterogeneidade é sentida tanto entre diferentes empresas, de portes e setores distintos, quanto no aspecto regional, pois o nosso modelo de crescimento anterior à Constituição de 1988 se limitou à transformação de “algumas regiões em pólos de desenvolvimento e deixou outras em estagnação econômica”25. Por essas razões é que a Constituição do Brasil elegeu um modelo de desenvolvimento econômico e tecnológico que privilegia a “difusão e transferência de tecnologia” (art. 218, par. único) bem como o desenvolvimento regional (arts. 3º, III, 43, 159, I, “d”, 164, VII, 165, § 7º, 170, VIII, 174, § 1º e 218, § 2º). Por fim, não se pode olvidar que a atividade econômica no Brasil está inserida no comércio internacional, sendo que o País não pode limitar ainda mais a competitividade das empresas nacionais,

por simples relutância à incorporação de tecnologias que já são realidade mundial. Nesse sentido é que se faz tão necessária e urgente a incorporação tecnológica amplamente acessível e em caráter nacional como a proposta pelo sistema legal que ora se analisa. Assim, visando a incorporar a revolução tecnológica da internet no âmbito do acesso ao sistema registral, a Lei 11.977/09 prevê, nos artigos 37 a 41, a institucionalização do Sistema de Registro Eletrônico (SRE), que mencionei acima. Esse é o primeiro e ambicioso movimento para a modernização26 ou atualização27, se se preferir, dos serviços de registros públicos. Tendo sido idealizado como um sistema integralmente informatizado, o SRE tem por finalidade a informatização dos processos intestinos de registros alocados na serventia, além da disponibilização de “serviços de recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico” (§ único, art. 38, Lei 11.977/09). Uma dimensão dessa mudança é o também já criado – mas ainda não integralmente implementado – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), com a ambiciosa proposta de promover, dentre outros incrementos, a integração dos livros de registro, tanto em relação às informações que se encontram hoje em controles físicos quanto as que

A esse respeito, conferir BASTOS, Celso, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, v. 2, p. 86 e v. 7, p. 41.

23

Cf. FURTADO, Celso. Não à recessão e ao desemprego. São Paulo: Paz e terra, 1983. (Coleção Estudos Brasileiros), p. 83.

24 25

BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 88. Nesse sentido, cf. TAVARES, André Ramos. Facções Privadas e Política Econômica não Democrática na Ditadura Brasileira. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 9, n. 32, p 1047-1066, mai/ago. 2015. Não utilizo essa terminologia, aqui, em sentido por vezes adotado de maneira pejorativa ou demonstrativa de submissão a interesses economicistas.

26

27

Inserindo-o em um paradigma tecnológico já existente e incorporado em muitos outros âmbitos do Poder Público.

42


CONSTITUCIONALIDADE já estão em formato eletrônico28. Desde o momento legislativo inaugural mencionado, sob o gatilho (incentivador) de ações estatais de regularização fundiária no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, o Conselho Nacional de Justiça tem se empenhado na formulação do marco regulatório dos serviços de registro eletrônico29. Em atenção ao seu papel central, o CNJ tem se posicionado por conceder concretude a essa nova ordem das atividades registrais, atuando na regulação do tema. A partir da Resolução CNJ 110/10, que instituiu o Fórum de Assuntos Fundiários, passando pela Recomendação CNJ 14/14, de apresentação do modelo de sistema digital para a implantação do SREI30 e, mais recentemente, pelo Provimento 47/15 da Corregedoria Nacional do CNJ, que estabelece diretrizes gerais para o SREI, tem o CNJ demonstrado amadurecimento no modo como lida com a referida modernização dos processos dos Cartórios Extrajudiciais. Especificamente a respeito do novel organismo (ONR), temos sua criação, como observei, pela Lei 13.465/201731, em dispositivo inserido no Capítulo “Disposições Finais e Transitórias”, nos seguintes termos: “Art. 76. O Sistema de Registro Eletrônico de

Imóveis (SREI) será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR)”, este último a ser organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos (§ 2º). As unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR. (§ 5º). Caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do ONR e zelar pelo cumprimento de seu estatuto. Tem-se, como se observa, a criação de um organismo de âmbito nacional, responsável por implementar e operar o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI). Importante salientar que o aspecto nacional é central nos termos da missão constitucional de superação do subdesenvolvimento, considerando que a desigualdade regional também existe no aspecto da incorporação da tecnologia registral. A configuração jurídica do ONR é a de uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. Atualmente, o estatuto social do ONR está em análise perante a Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ – PP 0000665-

A Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/1973, dispõe o seguinte: “Art. 22. Os livros de registro, bem como as fichas que os substituam, somente sairão do respectivo cartório mediante autorização judicial”. Nos termos do artigo 16 da Lei 11.419/2006, existe a alternativa eletrônica para a geração e armazenamento dos livros: “Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico”. 29 O CNJ encontra fundamento na sua previsão competencial constitucional de instituição fiscalizadora dos serviços notariais e de registro (art. 103-B, § 4º, I e III, e art. 236, da CB/88) e no âmbito das suas atribuições institucionais de expedição de atos normativos e recomendações voltadas para o aperfeiçoamento desses serviços (cf. art. 8º, X, do Regimento Interno do CNJ) 28

A apresentação dos parâmetros e requisitos do modelo de sistema digital para implantação do SREI elaborado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos – LSI-TEC em parceria com o CNJ está disponível em BRASIL. CNJ/LSITEC. SREI: Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário: Parte 1: Introdução ao Sistema Eletrônico Imobiliário. <http://www.folivm.com.br/2011/04/srei_introducao_v1-0-r-7.pdf>, (acesso em 19.6.2017).

30

31

Resultante da conversão da MP 765/2016. 43


ONR 50.2017.2.00.0000). Esse órgão, na sequência dessa aprovação e acionamento operacional do ONR, deverá desempenhar a função de agente regulador, com poderes inclusive para conferir ao ONR outras atribuições. Em termos práticos, depois de implementado o seu objeto social, o ONR instituirá e operará um repositório eletrônico de dados (i) integrados (de todas as unidades de registro de imóveis) e (ii) interconectados (entre si e com os Poderes Políticos e Administração Pública). Com tal inovador expediente busca-se, é bom reforçar, um salto tecnológico na informatização dos procedimentos registrais e de gestão informacional das serventias, elevando-se, assim, a eficiência, padronização e a qualidade do serviço registral (e seu “produto”) em todo o Brasil. Se é certo que a iniciativa de otimizar o serviço registral e aprimorar a obtenção e gestão dos dados pelo ONR, por meio de ferramentas de tecnologia da informação, é inquestionavelmente louvável do ponto de vista do (tão almejado) incremento da qualidade e otimização do registro público de imóveis

no Brasil, é também necessário reconhecer que o uso da tecnologia não conduz automaticamente a um Direito mais aperfeiçoado (à Constituição, aos interesses da sociedade ou mesmo aos direitos fundamentais), nem tampouco conduz a uma aplicação aprimorada ou efetividade alargada do Direito em vigor. E, no extremo oposto, avanços e inovações tecnológicas jamais podem justificar a aprovação de leis ou novos marcos normativos que transgridam os lindes do Estado Constitucional de Direito. Trago essa advertência porque a criação do ONR vai além da mera institucionalização de um operador de cadastro, alojado em inofensivo sistema de acesso rápido e fácil de informações públicas. Contrariamente a isso, estão diretamente entroncados nesse passo tecnológico – e as menciono desde logo sem, ainda, adentrar no mérito – as funções (constitucionalmente estabelecidas) do Poder Judiciário nacional, além das questões de desenvolvimento já suscitadas anteriormente. A partir desse contexto-objeto, o eixo central da presente análise gravita em torno do específico regime constitucional que foi concebido e direcionado, de forma sui generis, aos registradores imobiliários, a envolver capacidades e espaços próprios (de competência) do Poder Judiciário e, de maneira especial, do Conselho Nacional de Justiça. Farei isso sem perder, contudo, o norte de que o objetivo final é uma análise direta sobre a legitimidade constitucional do ONR no âmbito jurídico brasileiro. Em sendo favorável a resposta, tenho por certo que servirá, juntamente com todas as ponderações, detalhamentos e esclarecimentos, como quadro-fonte para a Franz Post

44


CONSTITUCIONALIDADE futura estruturação e operacionalização do SREI nos modelos engendrados na referida Lei 13.465/2017. Bem por isso o equacionamento adequado da problemática não dispensa a ampliação do centro da perquirição para o marco constitucional do Poder Judiciário e dos Serviços de Registros Públicos que, no presente caso, deve ser lido no contexto da revolução informacional contemporânea, considerando as premissas constitucionais de incorporação tecnológica e superação do subdesenvolvimento. Disso resultará uma análise construída de maneira incremental, de forma que a estrutura expositiva trará (i) em um primeiro ato, uma leitura adequada sobre o perfil institucional do ONR e, (ii) em um segundo ato, considerando as especificidades jurídicas subjacentes a essa configuração ímpar de modernização da gestão de informações do Poder Público, a análise da compatibilização constitucional da sua atribuição legal de gestor do SREI. Como observação de ordem metodológica, não se pode perder a perspectiva de que nesta análise se estará tratando do tema “informação” e acesso. Como observou FUEYO LANERI, já em 1977, “procesar, conservar y recuperar información se hace tan difícil y complejo”32 que a tecnologia merece ser revisitada constantemente. Trata-se, para mim, de imposição que densifica o chamado princípio do acesso à informação (art. 5o, inc. XIV, da CB), porque em sua abertura semântica o acesso exige a adaptação e permanente atenção das autoridades, para que modelos públicos não entrem em colapso ou fiquem simplesmente estagnados e superados na realidade. Aliás, os princípios elencados como próprios da técnica ou instrumental que se destine a recolher

racionalmente informação, como é o caso do ONR, podem ser assim elencados, ainda em consonância com as lições do autor acima mencionado: fidelidade, integridade, objetividade, segurança e rapidez33. Esses “princípios” informativos do tratamento adequado da informação, no caso brasileiro, também se revelam como “princípios” que regem a própria atividade registral, consubstanciando ou densificando princípios tipicamente constitucionais. Não podemos nos manter, quanto aos registros imobiliários, no período que FUYEO LANERI34 denomina de “período experimental”, quer dizer, um período meramente intermediário, de passagem para um futuro melhor. No experimentalismo assistimos a vitória das propostas fragmentadas, precárias e, no caso brasileiro, com certo desdém dos princípios constitucionais, em um contexto que parece ser permitido pelas autoridades e até mesmo estimulado. Barrar a tecnologia ou ter reservas quanto ao uso de tecnologia nacionalmente integrada equivaleria, no caso concreto, a aprisionar o sistema registral imobiliário – e com ele toda a sociedade – em um passado que não se sustenta diante das demandas da sociedade contemporânea. Ademais, tenho por certo que a “tecnologia depende, hoje, em grande medida, do fator informação”35. Essa advertência explicita parte dos fundamentos que impõem um modelo como o do ONR, que atua a partir de dados convergentes e normalizados das unidades registrais existentes no país. Não há como realizar esse salto tecnológico da Lei 13.465/2017 sem a informação que está pressuposta na base de funcionamento do operador.

32

FUYEO LANERI, Fernando. Teoria y Práctica de la Información Jurídica. São Paulo: Jose Bushatsky, 1977, p. 10-11.

33

FUYEO LANERI, Fernando, op. cit. p. 27.

34

FUYEO LANERI, Fernando, op. cit.

35

FUYEO LANERI, Fernando, op. cit. p. 27. 45


ONR 2. A MODELAGEM DO ONR O art. 76 da Lei 13.465/2017, embora inserido em moldura normativa mais objetiva, concernente ao plano de Política Nacional de Regularização Fundiária, atinge, com a criação do ONR, um tema de atenção especial por parte da Constituição de 1988. E isso só confirma ainda mais a relevância do debate que se deve estabelecer aqui, de maneira ampla e sem reducionismos típicos de searas engajadas com soluções individualistas ou mercadológicas. Explico melhor essa amplitude eficacial do ONR. Ela existe devido à implantação de um Sistema de Registros de Imóveis Eletrônico (SREI), na forma como está preconizada nos artigos 37 a 41 da Lei 11.977/2009, uma formatação que irá aderir aos denominados serviços de registro36. Com tal perfil, o SREI, como assunto da alçada legislativa, está inserido no denominado Direito Notarial e de Registros, cuja autonomia pode ser apreendida pelo grau de atenção (inclusive constitucional) e pelo desenvolvimento doutrinário já alcançados. Conforme mais adiante consignarei, por ocasião de descrever o modelo constitucional de normatização e fiscalização judiciárias da atividade de registros públicos no Brasil, dúvida não haverá de que se apresenta, sob um regime jurídico diferenciado, uma modelagem compósita, situada entre

o regime de direito público e privado, cujas portas encontram-se entreabertas para ambas dimensões dessa vetusta dicotomia. É uma realidade jurídica que reconheço ser de fato intrincada. De um lado, do relevante papel desempenhado pela atividade de registros para a vida em uma sociedade ordenada, resulta ser ela essencial para certificar e publicitar a juridicidade dos atos volitivos das pessoas autorizadas aos atos em geral da vida37. Isso faz com que o tema demande, por conseguinte, uma indeclinável tutela estatal, o que acabou por ter sido estampado na Constituição de 1988. Por outro lado, a complexidade dessa discussão exsurge da e ganha corpo com a opção adotada pela Constituição de 1988, em enaltecer um caráter privado para a instituição registral no país, notadamente na sua atividade prestacional. Dentro desse contexto híbrido de conformação institucional dos serviços notariais e de registros, temos ainda a presença marcante do Poder Judiciário, inclusive na formulação normativa (limitada) e na atividade de fiscalização. Nesse sentido é que se confere à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a função de agente regulador do ONR e o zelo pelo cumprimento de seu Estatuto (art. 76, § 4º da Lei 13.465/2017). Temos, pois, que nessa modelagem, fica consubstanciada

É oportuno consignar, a propósito do registro eletrônico operado em cartórios (operações internas) o que dispôs a Lei 11.419, de 2006, embora trate especificamente da informatização do processo judicial. Ressalto especialmente o que determina seu art. 16: “Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico.”.

36

A respeito das funções dos notários em Portugal, que nesse ponto se assemelham às funções dos Oficiais de Notas e Registro no Brasil, CASTANHEIRA NEVES explica que cumpre ao notário: “não apenas conferir fé pública ou dar forma legal, nem redigir em termos legais e de acordo com a vontade das partes, mas sim proceder a inspeção do documento, a um exame de conformidade (ou não) com a lei para, em caso afirmativo, conferir-lhe de seguida a chancela do Estado” (CASTANHEIRA NEVES, Alfredo José. A privatização dos Cartórios Notariais. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 16, destaque no original).

37

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CONSTITUCIONALIDADE uma nítida prerrogativa de normatizar parcela da função própria (que no Brasil é constitucional) desempenhada pelos registros públicos. Com isso adere essa modelagem à preocupação de construir positivamente o intrincado equilíbrio entre o rateio constitucional de competências e o espaço delegado à atuação privada. Essa é a inquietação que me direciona, neste breve estudo, para uma leitura constitucionalmente conforme do art. 76 da Lei 13.465/2017, em relação ao que ali vai implementado (o ONR) e naquilo que disso decorre, que é a prerrogativa de implementar e operacionalizar o SREI. Problema nada simples, porque, nos termos que o vislumbro, a partir dele se exige uma análise estratificada da constitucionalidade. No primeiro momento, de resposta mais imediata, porém não menos importante para o encaminhamento deste estudo, verificarei se o teor regulado pelo art. 76 da Lei 13.465/2017 é mesmo de competência da União, e se alberga matéria autorizada para medidas provisórias. Em um segundo momento, voltar-me-ei para a legitimidade constitucional do ONR, tal como foi juridicamente conformado, e, em seguida, igual análise realizarei em relação às atribuições funcionais desse organismo. Esses últimos itens revelam-se como aspectos centrais do debate e, ao mesmo tempo, mais intrincados, por colocarem em evidência a característica privada do ONR e, sob tal regime, exaltarem a competência que lhe é conferida, bem como a implementação e a operacionalização do SREI, para o que merece o cuidado de confrontação com competências diretas do Poder Judiciário. Ainda que venha em bom tempo a informatização e, com ela, a agilidade do sistema de registros de imóveis no Brasil, em linha de equivalência, como 38

VIncent Van Gogh

já disse, com a eficiência constitucional dos serviços públicos proclamada no caput do art. 37 da CB/8838, não se podem ignorar as dúvidas prima facie razoáveis sobre a correção das previsões legais. Digo isso porque há implicações constitucionais que devem ser igualmente consideradas, mormente no que se refere ao desenho federativo do Poder Judiciário, à respectiva organização dos serviços de registros públicos e à estruturação de poderes estabelecidos pela Constituição de 1988 no que toca à competência para regular os serviços notariais e de registro no Brasil. O que está em jogo, nesse contexto, é a razoável suspeita de desvio do rumo pré-traçado pela Constituição, suspeita que recai sobre a prerrogativa exclusiva conferida ao ONR, uma entidade privada, para promover algum tipo de migração de um sistema tradicional de geração de informações de registro imobiliário, eminentemente físico ou (meramente)

Embora não se trate de um serviço público, mas sim de um serviço delegado constitucionalmente, aos particulares, nem por isso se revela inadequada a mesma preocupação com a eficiência. 47


ONR digitalizado, estabelecido pela Lei 6.015/73, para um sistema completamente eletrônico ou nato-digital. Só uma leitura açodada do modelo do ONR levaria a uma confirmação de estarmos diante de desvio; seria uma leitura alheia também à real competência do Poder Judiciário, nos respectivos espaços normativos em matéria de serviços de registros públicos. É por isso que a análise da conformação constitucional do ONR e de suas atribuições depende, em primeiro passo, de uma breve perquirição do modelo constitucional da atividade do registro de imóveis.

3. O PADRÃO CONSTITUCIONAL PARA A NORMATIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO JUDICIÁRIAS DO REGISTRO PÚBLICO O Direito Notarial e de Registros mereceu a atenção constitucional em diversas oportunidades, sendo conteúdo de muitas passagens da Constituição do Brasil. Destaco, aqui, o art. 5º, LXXVI, o art. 22, XXV e, especialmente, o art. 236: “Art. 5º (...) “LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da Lei: “a) o registro civil de nascimento; “b) a certidão de óbito” “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXV – registros públicos” “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

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“§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. “§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.” Como se observa, coube especificamente aos artigos 22, XXV, e 236, § 1º e § 2º, a tarefa de designar o ente federativo detentor da competência legislativa para disciplinar juridicamente os diversos aspectos das atividades de registro. A leitura inicial dessa composição normativa poderia sugerir o monopólio da competência plena da União na matéria, e não apenas geral, como está grafado. Alerte-se, de pronto, que essa conclusão raia o simplismo, contradiz os termos objetivos dessa normativa constitucional e nulifica outras normas, como aquelas que edificam a estrutura federativa (bem como a separação de poderes, conforme se verificará). É o que passo a analisar com a necessária verticalização que o estudo do tema está a demandar.

3.1. S erviço de registros públicos e a competência legislativa nacional Nos termos do art. 22, XXV, da CB/88, compete à União legislar sobre registro público. De outra parte, o art. 236, § 1º, da mesma Constituição, delega igualmente à União a competência para: (i) regular as atividades notariais e de registro; (ii) disciplinar a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos e; (iii) definir a fiscalização dos atos concernentes ao serviço pelo Poder Judiciário.


CONSTITUCIONALIDADE Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 5.883, que questiona a Lei 13.465/2017, a Advocacia-Geral da União ressalta que o art. 76 da Lei 13.465/2017, acima mencionado, “encontra pleno amparo no inciso XXV do art. 22 da Constituição da República” (Parecer de 7.03.2018, Advogado da União RENATO DO REGO VALENÇA). Assim, ainda dentro de uma perspectiva meramente descritiva e necessariamente preliminar, tem-se que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário a fiscalização de seus atos, conforme definido em lei federal, que tem como âmbito de competência o de disciplinar as atividades dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos39. O dispositivo constitucional é, portanto, objeto de conformação normativa por leis federais. Tem-se a Lei 6.015/73, que disciplina os registros públicos, a Lei 8.935/94, que fixa a Lei Orgânica dos Notários e Registradores e, no mesmo âmbito temático, a Lei 10.169/00, que estabelece normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados

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pelos serviços notariais e de registros. A ausência de qualquer referência expressa e explícita aos demais entes federativos pode conduzir à (falaciosa) conclusão de que a matéria encontra-se reservada exclusivamente à União e definitivamente disciplinada. Tal ilação é retumbantemente equivocada e reverbera, por isso, para a inconstitucionalidade das eventuais práticas que pretendam conceder-lhe concreção normativa. A circunstância de a Constituição do Brasil reservar a matéria referente ao registro público à legislação federal não retira dos Estados a competência para organizar as suas próprias serventias, exatamente ao lhes ser conferida a prerrogativa de organizar as Justiças locais (art. 125, CB/88). É preciso realçar essa questão e devidamente contextualizá-la (i) na própria redação do art. 236, § 2º, da CB, e (ii) na inserção histórica do serviço notarial e de registros na estrutura do Poder Judiciário. Trata-se de intersecção dessa atividade aqui objeto de análise com o Poder Judiciário, que se mantém até os dias atuais e pode ser observada e constatada no art. 236, § 1º, da Constituição, o qual sujeita os

regulamentação e fiscalização do Poder Judiciário em relação aos prepostos dos oficiais de registro, previstas no A artigo 37 da Lei 8.935/94 encontra limites na autonomia dada pelo artigo 21 da mesma Lei, que garante ao titular da delegação a liberdade para “gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro [...] inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos[...]”.21 da mesma Lei, que garante ao titular da delegação a liberdade para “gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro [...] inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos[...]”. Nos embargos de Declaração nos Embargos de Declaração em Recurso Especial n. 961.205/GO, rel. Min. Eliana Calmon, j. 03.12.2009, no STF, manteve-se decisão do TJ/GO assim ementada: “Embora a permanência dos auxiliares admitidos nas serventias extrajudiciais esteja condicionada à conveniência do Judiciário [...], ainda assim permanece a prerrogativa do contratante em desconstruir o vínculo laboral, nos casos legais. Assim, não há que se falar na necessidade de prévio procedimento administrativo nestes casos, em que a remuneração do serviço sequer advém do erário, e que não envolve funcionário público – o que afasta, consequentemente, também a alegação de estabilidade”. Assim, qualquer regulamentação do Poder Judiciário nesse sentido encontra limites na autonomia gerencial dos titulares registrais. 49


ONR atos dos tabeliães, oficiais de registro e seus prepostos à fiscalização do Poder Judiciário40.

pela sujeição das atividades notariais e de registro à fiscalização do Poder Judiciário (...)”.41.

Tem-se, com efeito, uma engenharia constitucional a partir do art. 236 da CB/88, em que a atividade dos oficiais de registro é de delegação a particulares com a fiscalização pelo Poder Judiciário (em âmbito nacional e estadual) e legislada em larga medida pelo Congresso Nacional. O resultado é uma vinculação entre o particular e o Estado em um ambiente constitucional subsistente e tecnicamente delimitado de espaços de atuação inconfundíveis e não sobrepostos. É esse o item que verdadeiramente precisa ser analisado em face da modelagem praticada pelo art. 76 da Lei 13.465/2017.

Em complemento, explicito, ainda, na mesma obra, que: “[a] função notarial desempenha papel de verdadeira ‘polícia jurídica’ na medida em que visa a atribuir forma jurídica oficial à vontade das partes, bem como conformá-las ao direito. Nesse sentido, a atividade em apreço tradicionalmente se aproximou da função judicial, integrando, costumeiramente a função judiciária brasileira (...)

3.2. A configuração singular do perfil das atividades registrais em face do modelo judiciário Já tive oportunidade de destacar que a origem histórica do art. 236 da CB está em uma longa tradição no Direito brasileiro, o que parece não ter sido ignorado pela Lei 13.465/2017: “A previsão constante do art. 236, § 1º, in fine, da CB, revela uma longa tradição institucional do Estado brasileiro, retratada

“A Lei Federal 5.621, de 4 de fevereiro de 1970, por exemplo, representa de maneira precisa esta tradição histórica. Reconhecendo a proximidade de funções entre um órgão e outro, determinava como elemento integrante da organização judiciária os serviços auxiliares da justiça ‘inclusive Tabelionatos e ofícios de registros públicos’.” (cf. art. 6º, IV)42. Na longa história dos serviços de registro no Brasil houve um período em que se reuniam organicamente as funções “judiciais” e “extrajudiciais”, todas tendo sido inseridas na estrutura de serviços típicos do Poder Judiciário43. Após a Constituição de 1988, com o encerramento da chamada “oficialização”, ocorre a separação

Ilustrativamente, menciono a Lei federal n. 5.621, de 4 de novembro de 1970 (legislação responsável, à época, por estabelecer as diretrizes da organização da Justiça Estadual), que, reconhecendo a proximidade de funções entre um órgão e outro, determinava como elemento integrante da organização judiciária os serviços auxiliares da justiça, “inclusive Tabelionatos e ofícios de registros públicos” (cf. art. 6º, IV). Atualmente, nos temos do artigo 103-B, § 4º, III, da Constituição do Brasil, no texto incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004, as competências do Poder Judiciário nessa seara articulam-se entre o CNJ e as Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados, como se explicará adiante.

40

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Brasileiro Concretizado: hard cases e soluções juridicamente adequadas, São Paulo: Editora Método, 2011, v. 3, p. 456

41

TAVARES, ibidem, p. 269-270. No mesmo sentido, cf. TAVARES, André Ramos. Manual do Poder Judiciário Brasileiro, p. 206.

42 43

esse propósito, vale conferir a memória histórica presente na obra de 1970 de ÉDISON JOSUÉ CAMPOS DE OLIVEIRA A e WALTER GAMBARDELLA FAINA (OLIVEIRA, Édison Josué Campos de, FAINA, Walter Gambardella. Cartórios não Oficializados: regime jurídico, admissão e provento, direitos assegurados, sistema de previdência e saúde, legislação em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, especialmente p. 1-3).

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CONSTITUCIONALIDADE entre serviços judiciais e extrajudiciais, já que as serventias judiciais passaram a ser compostas exclusivamente por servidores públicos dentro da estrutura do Poder Judiciário44, passando os registradores (e também os notários) a prestarem serviços diretamente para a sociedade, sem a feição de atividade judiciária estrita (embora sob supervisão do mesmo Poder Judiciário), fazendo-o em caráter privado. Nesse sentido cito o voto do Min. MOREIRA ALVES, no RE 189.736/SP: “(...) já houve oportunidade desta Corte desvendar o exato significado do disposto no caput do art. 236 da Constituição Federal, quando proclamou que, em verdade, esse preceito teve o intento de tolher a oficialização dos cartórios de notas e registros em contraste com a estatização estabelecida para as serventias do foro judicial pelo art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” (RE nº 189.736-SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 27.09.96). Entretanto, como já enunciado, apesar da ruptura com a oficialização, retirando os notários e registradores da estrutura interna estrita do Poder Judiciário, a esse Poder permanecem as funções de fiscalização (supervisão) e normatização (orientação e estruturação) dessas atividades45. Isso ocorre tanto pelo laço

histórico entre o Poder Judiciário e a atividade notarial e registral, como, em termos pragmáticos, para aproveitamento da experiência institucional adquirida ao longo de anos de vinculação íntima entre essas duas entidades, uma estatal e outra, doravante, particular, que sempre apresentaram e permanecem exercendo funções aproximadas de garantia e realização da segurança jurídica a serviço da sociedade. Assim, o sistema constitucional atual realiza um inequívoco “enquadramento” dos cartórios de imóveis no complexo sistema de fiscalização dirigido às atividades de registro em geral. Essa fiscalização ocorre no âmbito das corregedorias dos tribunais estaduais46 e do próprio CNJ, que possui atribuições específicas para fiscalização dessas atividades delegadas, nos termos do art. 103-B, § 4º, III, da Constituição do Brasil, além de competência para desconstituir atos administrativos dos tribunais, o que habilita o CNJ, inclusive, a rever as delegações de serviços registrais outorgadas pelos tribunais de Justiça (cf. STF, MS 26.888/DF, Relator Min. LUIZ FUX, j. 05.08.2014). As denominadas “serventias extrajudiciais” devem obediência específica às normas próprias desses órgãos judiciários47, pela capacidade nor-

Esse novo modelo, porém, ainda não foi plenamente implantado, restando serventias judiciais operadas por particulares, como reminiscência de um regime anterior recentemente alterado, o que ocorre em alguns poucos cartórios do foro judicial nos estados do Paraná e do Piauí.

44

45

Conferir, a seguir, como se dá a divisão das funções entre o CNJ e as Corregedorias dos Tribunais de Justiça.

46

O art. 37, caput, da Lei n. 8.935/94 tem o seguinte teor: “Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.” (original não grifado).

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definição dos órgãos judiciários considerados habilitados a normatizar atualmente a atividade notarial e de A registros encontra-se delineada pelo artigo 103-B, § 4º, III, da Constituição do Brasil, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004. O referido inciso trata da competência fiscalizatória do Poder Judiciário, entretanto, como já exposto na referida ADC n. 12, essa fiscalização demanda um poder normativo. Além da indicação do CNJ, referido inciso reafirma a “competência disciplinar e correicional dos tribunais” em remissão aos Tribunais de Justiça dos Estados. Essa competência das corregedorias encontra-se disciplinada, e.g., no artigo 30, XIV da Lei 8.935. 51


ONR mativa que lhes foi explicitada constitucionalmente, e que é, ademais, inerente a seus poderes fiscalizatórios (especificamente em relação à capacidade normativa do CNJ cf. ADC n. 12, Relator Min CARLOS BRITTO, j. 20.08.2008). Essa escolha orgânica remonta ao desenvolvimento histórico do Poder Judiciário em suas funções de assegurar certeza jurídica, o que se relaciona, atualmente, com as atividades notariais e de registro, transmitindo “aos cidadãos aquela sinceridade indispensável para o equilíbrio social”48. Essa identificação histórica persistiu na designação do Poder Judiciário como estrutura orgânica49 competente. Insisto em aspecto que constitui, para mim, ponto de partida inarredável, pressuposto para uma análise técnica confiável do tema que se descortina com o art. 76 da Lei 13.465/2017: os registros de imóveis foram colocados sob a alçada judiciária, por força de determinação constitucional, o que denota a aproximação, em termos de perfil, que se espera do sistema registral, com o sistema judicial propriamente dito. A aproximação judiciária na Constituição deve-se não apenas ao seu sentido formal (sob coordenação e fiscalização do Poder Judiciário), mas também por aproximação de perfis ou, se se preferir, de modelos e protocolos de atuação e de segurança nos atos que prestam. Ademais, os serviços de registro imobiliário devem, o tanto quanto possível, seguir o modelo de unicidade do Poder Judiciário, que se considera nacional na prestação

jurisdicional e, em grande medida, nas atividades administrativas e gerenciais correspondentes. Portanto, trata-se de uma configuração, singular, das atividades registrais, inseridas sob a alçada mandatória do Poder Judiciário e de seus padrões institucionais, aflorando inicialmente em um âmbito especificamente fiscalizatório, mas constituindo uma configuração geral que vem imposta pela Constituição do Brasil. A “lógica” das atividades de registro, fiscalização e respectivo regramento não restou desconhecida pelo art. 76 da Lei 13.465/2017, que se conformou plenamente com a Constituição ao submeter o ONR aos desideratos do Poder Judiciário, respeitado em seu papel, posição e prioridade constitucionais no que toca estritamente aos serviços de registros públicos delegados. E assim não incorreu no erro de conferir a esse ente privado – sob o (aparentemente) despretensioso argumento de que apenas promove a modernização sem alterar as bases substanciais dos serviços de registros de imóveis – uma ampla e irrestrita discricionariedade no processo de implementação e operacionalização do SREI. São considerações que trago à luz para chegar ao presente momento em que se pode reconhecer que os cuidados do Poder Executivo com o modo como institucionalizou o ONR e sistematizou a sua atuação favorecem, sem dúvida, a preservação da plena constitucionalidade do art. 76 da Lei 13.465/2017.

João Mendes Neto, Prefácio dos editores, in: ALMEIDA JR João Mendes de. Órgãos da fé pública: São Paulo: Saraiva, 1963, p. V.

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49

“[...]o organismo do corpo social é o Estado, de sorte que todos os órgãos, quer emanados de eleição popular, quer a êle instrumentalmente ligados por nomeação ou provimento, pertencem ao mesmo mecanismo” (João Mendes Jr. apud João Mendes Neto, op cit, p. V, manteve-se a grafia original).

52


CONSTITUCIONALIDADE 4. PERFIL INSTITUCIONAL DO ONR 4.1. Criação de entidade de direito privado por lei para auxílio ao Poder Público Revestindo-se o ONR da forma de pessoa jurídica de cunho privado sem fins lucrativos, destinada à gestão do SREI, poder-se-ia inferir, em atenção ao que com ele se projeta, uma assombrosa50 privatização via pessoa jurídica de parte dos serviços públicos de registros de imóveis ou mesmo uma incabível centralização pela usurpação de competências constitucionais fracionadas entre diversas entidades em nível federativo. Essa concepção é equivocada, e basicamente por duas linhas de justificativas. A primeira ancora-se em razões ligadas ao especial perfil institucional do ONR, e a segunda recai nas razões acerca do adequado dimensionamento do propósito técnico e sentido jurídico do SREI. Não se pode perder de vista, em relação ao seu perfil institucional, que o ONR é criado por lei para estar sob a égide do poder de controle, fiscalização e mesmo intervenção, quando do desempenho de suas atribuições, pelo Poder Judiciário, via Conselho Nacional de Justiça. O exercício de sua atividade não ocorrerá a título privado, nem por impulso autonômico da vontade própria e conjuntural dessa nova entidade. Nesses termos e bem a propósito, o CNJ há de exercer sobre o ONR tanto uma função normativa, geral e específica (art. 76, § 4º da Lei 13.465/2017), como uma função fiscalizadora de suas atividades e de sua administração.

50

Isso confere ao ONR uma posição diferenciada no contexto brasileiro entre as pessoas jurídicas de direito privado, inserindo-se, contudo, em um regime amplamente referenciado pelo Poder Público. Apesar de aproximar-se da forma jurídica legítima de associação civil, dela diferencia-se essencialmente (i) por não ser constituída no âmbito privado, mas sim no Direito Público, ou seja, é constituída por uma Lei, (ii) por sofrer direta injunção estatal (inclusive na conformação do seu estatuto social), no que se poderia caracterizar como um inegável influxo do Direito Público, em grande medida por meio do CNJ, em face de um marco regulatório específico da atividade instrumental que opera. Esse modelo não encontra identidade nas associações civis de livre instituição por particulares, previsto no artigo 44, I e 53 e seguintes do Código Civil. Tanto é que a Lei 13.465/2017, em nenhum momento classifica o ONR como “associação”, preferindo a expressão “pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos” (art. 76, § 2º) afastando uma irrefletida identificação absoluta dessa entidade com as associações típicas do direito privado (e os problemas que daí poderiam, com razão, ser levantados). Essas fórmulas híbridas, que contemplam personalidade jurídica de direito privado e finalidades de direito público não são novidade na Administração Pública. São entidades amplamente reconhecidas no sistema jurídico nacional, ainda que o presente caso envolva as peculiaridades próprias do sistema registral, com regras constitucionais e agentes específicos como já se mencionou. À semelhança do que ocorre com o Escritório Central para Arrecadação e Distribuição – ECAD (art. 99 da Lei 9.610/98, com redação dada pela Lei

Digo “assombrosa” porque realizada por atribuição legal da atividade.

53


ONR 12.853/2013), a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI (Lei 11.080/2004), ambas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, o modelo organizacional da pessoa jurídica a ser criada para gestão do ONR, apesar da característica-base de direito privado, tem a criação exigida por lei e comporta finalidades impositivas de direito público, bem como reservas institucionais típicas desse mesmo regime. Essas entidades privadas submetem-se aos preceitos de Direito público, especialmente diante da incorporação das finalidades específicas das leis das quais se originaram. Convalidando opção legislativa semelhante à ora analisada, o Supremo Tribunal Federal admitiu, na ADI 1.864, j. 08.08.2007, a criação da PARANAEDUCAÇÃO, também constituída sob a genérica fórmula de pessoa jurídica sem fins lucrativos. A previsão de sua instituição se deu, nesse caso, por lei estadual. A entidade assumiu significativo papel no auxílio à educação no Estado do Paraná. No voto vencedor do Relator para o Acórdão, Ministro JOAQUIM BARBOSA, fica consignado que “o sistema administrativo brasileiro vem evoluindo para comportar novas entidades no seio da Administração Pública ou como suas auxiliares” e essa mudança, para o Ministro, “visa propiciar maior eficiência da gestão pública e maior participação da sociedade nos destinos do país, em todas as esferas públicas”. A mera configuração do ONR como “pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos” diz respeito apenas a uma fórmula de instituição e organização da pessoa jurídica. Esse modelo não desvirtua a atratividade de preceitos de direito público, não 51

deslegitima a entidade assim criada, não a arrasta para o campo da ilicitude nem a sentencia à inefetividade. É o que ocorre, mutatis mutandi, com o caso das sociedades de economia mista, constituídas, por força de lei, sob a fórmula societária comercial da S.A. (sociedade anônima), mas que mantêm a finalidade pública dada pelas respectivas Leis que autorizam a instituição de cada uma dessas sociedades. Portanto, interpretar a questão sob a luz de preceitos próprios das associações puramente privadas, como o invocar a previsão de livre associação contra a Lei, representa um desvirtuamento do real regime jurídico do ONR, tentando incluí-lo em setor e sob regras que não se lhe aplicam. Além disso, temos também nisso uma tentativa de desconectá-lo de suas características e finalidades públicas, dadas expressamente pela Lei que determina sua instituição. Caso se pretenda fazer uma discussão sobre o ONR nos termos em que foi ele positivado, e não em termos de lege ferenda, entendo que devemos abandonar os contornos tipicamente privatistas, precisamos realizar o esforço de não reduzir o Direito à moldura civilista, porque efetivamente a Lei em vigor não acolhe essa perspectiva51.

4.2. R espeito às atribuições constitucionais dos registradores As atividades notariais e de registros públicos têm funções aproximadas, sob a finalidade principal de preservar a segurança dos atos jurídicos em defesa da própria segurança jurídica e das relações em sociedade,

Não estou tratando, aqui, de situação que considero diversa, e que ocorria ao IRIB, preexistente à MP como associação, a impor uma leitura constitucionalmente conforme da regra do § 3º, do art. 54, da MP 759/16, de maneira a não torná-la uma norma compulsória ao IRIB, mas consensual, dentro da autonomia privada de que gozam as associações e entidades privadas em geral. É certo que a recusa ao alto mister legal, nesse caso, deve ser possível e, em ocorrendo, resultaria apenas na ineficácia da norma (não geraria sua invalidade).

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CONSTITUCIONALIDADE bem como da titularidade de direitos fundamentais a ser respeitada pelo Estado. Por essa razão, o artigo 236 da CB reúne essas atividades sob o mesmo regime jurídico, conformando todo um sistema próprio para seu desempenho satisfatório aos padrões constitucionais. Na Itália, o vocábulo notaio, historicamente, designa o oficial que exercia funções notariais, além de funções próprias de registro público. Desde então profissionais como notários e, igualmente, os atuais registradores de imóveis, atestam a veracidade de atos, além de estes desempenharem a função de guarda e custódia dos registros dos respectivos atos. Em estudo histórico abrangente com foco no século XVIII STEFANIA T. SALVI identifica as características essenciais dessas funções, o que demonstra a permanência de um núcleo do significado: “Nella secolare storia del ruolo giocato dal notaio all’interno dell’amministrazione della cosa pubblica, il momento di massimo splendore fu, com’è noto, quello comunale. Autorevoli studi hanno dimostrato come l’organizzazione cittadina trovasse nel notariato uno degli elementi de maggior forza per legittimare la sua esistenza: è proprio sul notaio, in quanto figura dotata di credibilità, che la struttura del Comune si è appoggiata nel suo iter formativo in continua evoluzione. [...] [...] “Nel XVIII secolo il notaio, la ‘persona alla quale è affidata la delicatissima funzione di attestare la ve-

rità dei fatti e dei rapporti giuridici in modo autentico’ [...] un fondamentale ruolo di mediazione sociale guidando i rapporti, talvolta complessi e difficilmente gestibili, tra cittadino e istituzioni. [...] “Il milanese Vincenzo D’Adda [...] definiva il notaio come ‘una persona destinata dalla pubblica autorità a ricevere, e custodire gli atti della volontà perfetta, o legittima de’ Cittadini a comodo di così pubblico, che privato”52. No Brasil, JOÃO MENDES NETO, em prefácio da obra de JOÃO MENDES DE ALMEIDA JUNIOR, denomina os oficiais notários e registradores como “órgãos da fé pública” constituídos pelo “Estado para assegurar e transmitir a verdade da existência de certos fatos e atos jurídicos”; esses órgãos “têm por função a ‘afirmativa geral’ e são incumbidos de lavrar certos atos e contratos, de atestar a identidade das pessoas, das letras e das assinaturas e firmas, de registrar títulos de direito, de conservar os respectivos formais, de autenticar atos processuais”53. Assim, a função exercida pelos notários e registradores direciona-se em ultima ratio a garantir a segurança jurídica, que “decorre diretamente do Estado Constitucional de Direito”54 ou mais especificamente proteger a confiança que os cidadãos desenvolvem nos atos dotados de fé pública. O significado basilar de serviços de registro é a atividade de assentamento de títulos, como forma de garantir a publicidade e autenticidade55, serviço que faz

52

S ALVI, Stefania T. , Tra privato e pubblico. Notai e professione notarile a Milano – secolo XVIII, Milão: Giuffrè Editore, 2012, p. 2-3, original não destacado.

53

João Mendes Neto, Prefácio dos editores, in: ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública: São Paulo: Saraiva, 1963, p. V.

54

TAVARES, André Ramos, Curso de Direito Constitucional, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 640. Na dicção do Ministro CELSO DE MELLO no voto proferido na ADI n. 1.378-5/ES, j. 31.11.1995, as atividades exercidas pelos registros públicos têm as seguintes características: “serventias extrajudiciais instituídas pelo poder público para o exercício de funções técnico-administrativas destinadas a ‘garantir a publicidade, autenticidade segurança e eficiência dos atos jurídicos’ (Lei n. 8.935/94, art. 1º)”.

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55


ONR despontar tanto o interesse público como o privado. Especificamente o registro público de imóveis, quando registra, por exemplo, a transmissão de direitos reais sobre imóveis, por ato entre vivos, tem uma função adicional de constituir o próprio direito, nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil. O Texto Original da Lei 6.015/73, a Lei de Registros Públicos, em seu art. 1º, repete a definição moldada historicamente, estabelecendo que “os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Também em consonância com a construção histórica do direito nacional elenca como uma das modalidades registrais o registro de imóveis. A conformação jurídica do ONR é de uma entidade que respeita os conceitos ora analisados, que definem o modelo de delegação dos registradores públicos no Brasil, modelo que privilegia com exclusividade os particulares. Por isso tenho como escolha

bem elaborada e de alto nível de compatibilização, pela Lei 13.465/2017, o conformar o ONR em seus comandos e direções internas por esses mesmos particulares-delegatários, o que faz com que sua missão (que é legalmente imposta) seja também plenamente coerente com o sistema, no sentido de viabilizar em maior (e necessária) amplitude a atividade especificamente reservada pela Constituição ao particular qualificado para tal por concurso público. A estruturação do ONR com perfil institucional específico, atribuindo-lhe a gestão do SREI, não contraria, no que toca a essa escolha política, a vontade constitucional e o interesse maior da sociedade. Digo mais, porque, na verdade, não restaria outra alternativa ao Poder Público, porque lhe é inarredável, por força constitucional, a delegação ao particular dos serviços de registros públicos. Por isso, e seguindo um pensamento rigoroso e a coerência nesse tema, a modelagem que envolva os próprios particulares exercentes desse serviço é uma imposição insuperável. Assim são os próprios registradores, e não qualquer autoridade ou outro particular, que devem implementar concretamente o SREI, considerando aqui o âmbito da competência registral dos delegatários dessa atividade, conforme já explanado. Nesse sentido, a Corregedoria Nacional do CNJ, entendeu o seguinte: “[a] criação das centrais de serviços eletrônicos compartilhados compete aos oficiais de registro de imóveis de cada unidade federativa. [...] “[N]ão é possível impor aos oficiais de registro de imóveis de Sergipe a adoção do atual sistema informatizado da corregedoria local – Portal IntegraBrasil – como a central de serviços eletrônicos compartilhados do estado, se a entidade representativa o recusou” (PP 0005549-59.2016.2.00.0000, Sergipe, j. 4/10/2017,

Anita Malfatti

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CONSTITUCIONALIDADE Dje 9/10/2017, Min. João Otávio de Noronha, Relator). Esse é o sentido adequado que se extrai da leitura da Lei 11.977/2009, cujo art. 37 dispõe que serão os próprios “serviços de registros públicos [...] que instituirão sistema de registro eletrônico”. A legislação federal não poderia retirar do setor privado concursado a operação do SREI, para entregá-lo, por exemplo, ao setor privado concorrencial (ao mercado). Não poderia nem mesmo atribuir a servidores públicos a tarefa de implementar e executar o ONR. Aliás, nem mesmo poderia fazê-lo imputando aos integrantes do Poder Judiciário (inclusive do CNJ) essa missão, como igualmente não pode quanto aos serviços concernentes aos registros públicos em geral. E observo que bem atendeu a essa condição constitucional o art. 76 da Lei 13.465/2017, ao preservar a delegação afetada constitucionalmente ao setor privado, nesse mesmo setor, quando da prestação do SREI, restringido ao Poder Público (reservadamente ao CNJ) o poder de fiscalização (para o zelo do cumprimento das regras estatutárias) e da função de estabelecer normas gerais56 do ONR (essa última atribuição será objeto de análise em tópico próprio mais adiante). A função de controle ocorre, é importante dizer, não para firmar um vínculo de subordinação hierárquica do setor privado ao Poder Público, mas propriamente para a supervisão e a vigilância do modo como é criado e se desempenha o ONR, inclusive como este exercitará o propósito de operacionalizar o SREI. O ponto de destaque em toda essa nova modelagem está na “lógica” constitucionalmente positivada, que todos conhecemos e reconhecemos, da atividade delegada a particulares dos registros públicos, ou seja, é respeitada a razão constitucional de serviços que sejam e permaneçam sendo prestados, geridos e organizados pelo setor privado, por delegação pública. 56

Diante dessa exigência própria do sistema de delegação da atividade de registro público é importante salientar que em termos práticos, o que se tem é o ONR apenas como um veículo de implementação e operação de um sistema cuja condução permanece diretamente com Oficiais de Registro. O vetor privado específico, constitucionalmente estabelecido, permanece respeitado. O que estou enfatizando é que só poderia ser constituído e administrado o ONR, porque exclusivamente existe para viabilizar atividades concernentes aos Registros Públicos (como mais adiante ficará mais claro), por quem previamente se submeteu ao concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade de Oficial de Registro Púbico ou nela está legitimamente investido. E essa condição está plenamente atendida porque será comandado necessariamente por Oficiais de Registro. Pensar um modelo diverso dessa dinâmica própria e bem estruturada pela Lei equivale a uma tentativa de minimizar o específico modelo privado constitucional. Seria fraude à Constituição, revestida do discurso de estarmos em terreno diverso, em face de uma operacionalização por pessoa jurídica, para fins nacionais, que ao fim e ao cabo apenas reduziria o perfil privado constitucionalmente estabelecido. Nesse ponto, não se pode perder de vista que o modo como se dá a transferência da titularidade do SREI ao ONR está condicionado exclusivamente ao juízo legislativo de conveniência e oportunidade, balizado, é claro, por parâmetros constitucionais, principalmente pelo art. 22, inciso XXV, combinado com os art. 37, inciso XXI, art. 62, § 3º e art. 236 da CB/88. O art. 76 da Lei 13.465/2017 é fruto da estrita liberdade de conformação do legislador nacional, considerando, ademais, que conseguiu manter íntegras as competências dos oficiais de registro, cujas

As corregedorias estaduais podem complementar as normas.

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ONR atribuições permanecem intocadas. Isso foi afirmado, inclusive, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.883, que discute a constitucionalidade da referida Lei, pela Advocacia-Geral da União (Parecer de 7.03.2018, Advogado da União RENATO DO REGO VALENÇA). O posicionamento da AGU ressalta exatamente a preservação da delegação constitucional muito própria dos notários e registradores, que aqui venho enfatizando à exaustão: “O art. 76 da Lei nº 13.465/2017, ao regulamentar o SREI, trata da cooperação, integração e sistematização externas no que tange aos registros realizados pelas serventias extrajudiciais. “Com isso, visualiza-se que o art. 76 da Lei nº 13.465/2017 foi editado em consonância com o inciso XXV do art. 22 da Constituição Federal, bem como que o SREI não tem o condão de substituir os serviços notariais e de registro desempenhados pelas serventias extrajudiciais[...]” Os cartórios continuam sendo responsáveis pelos registros de imóveis. O ONR, nos termos do artigo 76 caput da Lei 13.465/2017 passa a ser responsável pela implementação e operação do SREI, um sistema de intercâmbio de informações (Provimento n. 47/2015 do CNJ) que não envolve qualquer competência para efetuar registros imobiliários ou averbações, competências definidas no art. 167 da Lei 6.015/ 1973 e artigos 12 e 13 da Lei 8.935/1994, que permanecem exclusivas dos oficiais de registros de imóveis. A configuração normativa do ONR também não desvirtua a responsabilidade dos registradores pelos atos que lhe são próprios. Ainda na seara da restrita competência do ONR, não existe qualquer competência para fiscalizar a atividade típica dos registradores, ou interferir de qualquer forma nas competências registrais. As fun-

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ções de regulamentação e fiscalização devem ser exercidas pelo Poder Judiciário, por meio do CNJ e das corregedorias dos Estados, como se examinará adiante. Portanto, também nessa seara não se encontra nenhuma afronta ao modelo constitucional por parte do ONR. O ONR deverá implementar um modelo inovador de acesso, publicidade e organização de dados produzidos pelos serviços de registros de imóveis, com envergadura nacional, não interferindo nas atividades notariais e de registro, ainda exercidas nos mesmos moldes de autonomia e responsabilidade dos notários e registradores. Constituirá, com tal propósito, uma nova faceta do serviço de registro. Essa faceta inovadora apresenta inequívoco potencial de ampliar as bases da segurança jurídica (certeza e fé pública) e previsibilidade dos atos de registros públicos, além de promover o desenvolvimento nacional com a integração regional, acesso igualitário à tecnologia e competitividade internacional, retirando os entraves econômicos de um sistema que ainda não atingiu sua completa integração e funcionalidade, como assinalei inicialmente. Em assim sendo, há de se reconhecer, em relação a essa matéria, derradeira vocação constitucional para a sua veiculação por lei federal e, mais do que isso, como assinalei anteriormente, sua vocação inequívoca, no mérito, para alinhar-se ao modelo específico de incorporação de particulares na tarefa relacionada aos registros. Por fim, considerando que a competência do ONR é restrita à gestão do sistema do SREI, não sendo essa entidade responsável pelo lançamento dos dados registrais, que continuam sob a responsabilidade e guarda dos próprios particulares delegatários do serviço57, deve-se rechaçar o argumento de que o ONR administraria um registro paralelo, o que com-


CONSTITUCIONALIDADE prometeria a unicidade registral. Realmente, a unicidade registral é pressuposto inarredável de qualquer sistema que pretenda atuar no marco da segurança jurídica, como o nosso. O tipo do acesso aos dados do SREI não pode ser confundido com uma imaginária pluralidade de registros. Tampouco a mera referência a dados dos registros públicos pode assumir essa equivocada conotação. Os dados registrais sempre foram referidos ou retomados em outras esferas, que não a produtora dos dados, sem que isso pudesse ser entendido como duplicidade registral. Significativo nesse ponto é que a própria Carteira de Identidade Civil é um documento secundado por esse aparato dos registros civis de pessoas naturais, sendo dele inteiramente dependente. No Estado de São Paulo, por exemplo, o documento transcreve os dados da certidão de nascimento, referindo o número de folhas e o livro em que foi assentado o ato. Trata-se do reconhecimento de que a existência daquela pessoa natural, que se inicia no nascimento, só pode ser atestada pelo Registro Civil de pessoas naturais competente, com a segurança que confere a atuação própria desses Oficiais de registro. No caso referido, o registro e guarda das informações continuam sendo de responsabilidade dos delegatários da atividade de registro das pessoas naturais, mesmo que sejam citados por autoridades públicas, fazendo-se referência ao apontamento original e insubstituível dos registros públicos.

O mesmo ocorre quando os cadastros58 de imóveis para fins exclusivos de tributação (IPTU) e fiscalização municipal utilizam referências aos dados de registro de imóveis, citando, por exemplo, o número de matrícula, para aprimorar a identificação imobiliária. Essas meras referências não retiram quaisquer atribuições dos registros públicos, que continuam plenamente competentes e seus lançamentos para fins de segurança jurídica e transações imobiliárias são insubstituíveis. No sistema de que trata a Lei 13.465/2017, da mesma forma, não existe uma duplicidade registral, apenas o aprimoramento do intercâmbio de informações (Res. CNJ 47/2015), que permanece, sempre, caudatário dos registros imobiliários criados e administrados pelos próprios registradores, pessoas físicas titulares de delegação específica nos termos do artigo 236 da Constituição do Brasil. Superado, pois, o questionamento sobre a constitucionalidade do modo como se deu a institucionalização do ONR, resta agora saber se a atribuição que lhe foi deferida resultaria em usurpação das funções do Poder Judiciário. Para bem formatar essa análise é necessário, previamente, estabelecer o alcance constitucional dos serviços de registros imobiliários, como passo necessário para que as conclusões normativas alcançadas possam ser lançadas sobre o art. 76, § 4º, da Lei , especificamente no que tange à prerrogativa do Conselho Nacional de Justiça de assumir a função de agente regulador do ONR.

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Nesse sentido, cf., arts. 24 e 26 da Lei 6.015/1973 e artigo 46 da Lei 8.935/1994.

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á dois tipos de atividades diversas de lançamento de dados públicos, quais sejam: (i) os registros próprios da atividade descrita no H artigo 236 da Constituição do Brasil; (ii) outros cadastros, esses exercidos por órgãos públicos, com função eminentemente diversa e voltada a suas atividades próprias (ou seja, modelos instrumentais). Assim, os cadastros, que possibilitam o exercício de certas funções da Administração Pública, não substituem os Registros Públicos, que permanecem competentes originariamente e de maneira única (exclusiva) para os lançamentos e tutela dos dados considerados registrais.

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ONR 5. AS CORREGEDORIAS ESTADUAIS, O AGENTE REGULADOR DO ONR E O OPERADOR DO SREI: ATRIBUIÇÕES NÃO SOBREPOSTAS A essa altura da análise reputo ser um ponto sensível bem delimitar o campo das atribuições do ONR em relação ao CNJ, no que se refere à modelagem do SREI. E, nesse contexto, posso adiantar que, compreendidas com base nas conclusões até aqui alcançadas, não se revelam de maneira alguma em sobreposição funcional conflituosa. Em termos mais diretos, a se considerar o verdadeiro propósito e alcance do SREI, conclui-se que a instituição do ONR não subverte a histórica atuação privada dos registradores, nem subverte a histórica atuação das corregedorias estaduais de Justiça59. Ao estabelecer as diretrizes gerais do SREI, o art. 2º do já referido Provimento 47/15, ainda em vigor, não deixa dúvida de que estamos diante de um modo inovador e auxiliar de integração eletrônica de atos registrais: “Art. 2º. O sistema de registro eletrônico de imóveis deverá ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis de cada Estado e do Distrito Federal e dos Territórios, e compreende: “I – o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral;

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“II – a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; “III – a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; e “IV – a formação, nos cartórios competentes, de repositórios registrais eletrônicos para o acolhimento de dados e o armazenamento de documentos eletrônicos”. É de fácil percepção, ao se tomar essas atribuições, que o ONR não visa a sobrepor ou concorrer com as atribuições delegadas de gerenciamento administrativo e financeiro dos Cartórios, menos ainda a substituir as atividades registrais próprias dos Oficiais de Registros de Imóveis. Isso é assim porque o SREI constitui apenas uma plataforma de “serviços eletrônicos compartilhados” (art. 4º, Prov. 47/15)60 de atos registrais praticados no âmbito interno dos Cartórios. A imposição a estes últimos de atenção à integração padronizada – o que demanda naturalmente a conformação de certos protocolos técnicos – não diminui de maneira alguma a autonomia funcional dos Cartórios, apenas e tão-somente viabiliza o sistema eletrônico, uma chamada tecnológica, constitucional e social, como visto inicialmente, mas também um aspecto de importância ímpar para o apoio administrativo e funcional a esses próprios Cartórios e, sobretudo, para bem realizar o dever de prestar os serviços registrais. Por isso, com toda serenidade, posso concluir que o ONR nada mais é do que o realizador da

O artigo 37, caput, da Lei n. 8.935/94 tem o seguinte teor: “Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.” (original não grifado). Sobre o tema, conferir o que já foi exposto acerca da diferença entre os Sistemas de Cartório (SC) e o Sistema de Acesso Eletrônico Compartilhado (SAEC), como explicitado no documento elaborado pelo CNJ em conjunto com a LSI-TEC.

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CONSTITUCIONALIDADE implantação e gestão, por meio da normalização, dessa importante interoperabilidade em plataforma eletrônica e como tal é o responsável (e todas as suas unidades) por manter um sistema eletrônico integrado que, é bom reforçar, nada mais é do que o aprimoramento que se espera da função de registro de imóveis em tempos de “modernização” tecnológica. Como resultado o que se tem é apenas o incremento da delegação de uma função judicial – publicidade, autenticidade e constituição de direitos dos registros imobiliários – sem subverter a sua realidade institucional, em que, constitucionalmente, determina-se o caráter privado dos serviços registrais cuja execução é prerrogativa exclusiva dos ingressos na atividade de registro na forma preconizada pelo § 3º do art. 236 da CB/88. Essa é uma afirmativa que precisa ser melhor depurada para não deixar dúvida de que, apesar de o SREI depender para ser implementado e operacionalizado de uma vasta estrutura normativa, tanto de extraoperabilidade como de interoperabilidade, a atribuição legal promovida ao ONR, nesse contexto, não o transforma de maneira alguma em uma fonte de Direito. Com a atribuição de implementar e operar o SREI, o ONR constitui-se apenas no vetor de concretização desse repositório inteiramente eletrônico que permite o acesso a dados produzidos, mantidos e assegurados pelos serviços concernentes aos Registros de Imóveis. No entanto, a Lei 13.465/2017 silenciou a respeito de quem deve ser o responsável pela normalização da interoperabilidade desse novo ambiente eletrônico; nem o definiu, nem designou outra entidade. Passo a detalhar melhor esse aspecto. O SREI deverá promover o encadeamento eletrônico das informações fisicamente escrituradas dos Cartórios de Registros de Imóveis, em relação aos quais

nada muda, no sentido de serem mantidos – como não poderia deixar de ser – sob a gestão e a administração de seus respectivos Oficias de Registros. O que de fato precisa ser dito é que será necessário conformar o SREI com um padrão tecnológico próprio para a codificação eletrônica das informações geradas internamente nos Cartórios. Deverá ser dotado de um mecanismo de checagem e atualização de tal modo apurado que, por ele, seja possível e inevitável obter a plena segurança jurídica e a confiança em termos de oferecimento nacional da informação por acesso eletrônico. É preciso que o SREI disponibilize conteúdo exatamente correspondente ao que foi concretamente praticado nos Cartórios de Registro de Imóveis, ou seja, impõe-se a fidelidade de conteúdo. Em termos mais diretos, o resultado deve ser a prestação de serviços eletrônicos oferecidos aos usuários, cujas regras de implementação e operacionalização – e esse é um ponto para o qual chamo a atenção – restaram indefinidas pela legislação. A primeira dedução é que tal omissão significa, na verdade, a transferência dessa responsabilidade ao ONR, a fim de que este formate e estruture os serviços ofertados pelo SREI. No entanto, a questão não parece tão elementar quando se considera que a Lei 13.465/2017 conferiu ao Conselho Nacional de Justiça a “função de agente regulador do ONR” (art. 76, § 4º). Poder-se-ia, então, cogitar que, em consequência dessa função, haveria de se concentrar no CNJ a competência da criação da normatização de interoperabilidade do SREI, e ao ONR estritamente a sua execução. Essa é uma percepção que estaria ainda mais reforçada diante da determinação legal do dever de o Oficial de Registro “observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente” (inciso XIV do art. 30 da Lei 8.935/94). Coloco em evidência esse dilema de atribui-

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ONR ções sobrepostas prima facie entre o ONR e o Poder Judiciário, sinalizando para um problema que tende a ser cada vez mais relevante nesse momento em que vivemos, de gradual otimização eletrônica das funções judiciais. Refiro-me, em termos relacionados estritamente ao caso aqui analisado, às implicações da diferenciação conceitual entre as normas de direito formal do SREI e as normas técnicas da interoperabilidade do SREI. Superada essa questão, é de fácil percepção que, como já adiantei, inexistem atribuições sobrepostas, mas espaços juridicamente bem resolvidos entre o agente regulador e o operador do SREI. Explico esse importante ponto de maneira incremental.

5.1 Impossibilidade da estadualização do SREI O primeiro aspecto a ser considerado é o caráter nacional do SREI (§ 1º, art. 76 da Lei 13.465/2017). Já demonstrei que o regime constitucional da atividade notarial e de registros permite a sua fragmentação em unidades cartoriais entre os Estados-membros que estão sob a fiscalização de respectiva Justiça local. Condição que permitiria, transportando tal regra para o âmbito normativo da Lei 13.465/2017, deduzir a implícita (e imaginária) autorização de uma regionalização ou estadualização do SREI, descentralizando-o em tantas plataformas quantas fossem as autonomias estaduais. No entanto, essa opção resultaria em equívocos técnicos para o que se propõe ser o SREI, com reflexos na Ordem Jurídica. Isso porque, embora resultasse numa cobertura por todo o território brasileiro, resultaria em multiplicação de centrais com variados padrões normativos e de normalização variável. A consequência seria uma assimetria sistêmica que afetaria o verdadeiro propósito do SREI de 61

implementar um sistema de âmbito nacional (unicidade comunicacional) que possa apresentar aquelas características úteis mencionadas na primeira parte deste estudo. Assim, essa assimetria poderia impactar no acesso dos agentes econômicos a essa tecnologia atrelada ao sistema de registro, fundamental em certos setores econômicos. Semelhante disparidade poderia prejudicar o desenvolvimento econômico justamente dos Estados-membros menos adiantados no aspecto socioeconômico, aumentando a desigualdade regional que a Constituição do Brasil se propôs a combater, como se demonstrou acima. Mesmo considerando essas circunstâncias, alerto que para alcançar a “unidade comunicacional” pressupõe-se, em termos técnicos, a “molecularização” do SREI, na qual a integração dos Cartórios de Registros de Imóveis venha a ser total, resultando disso verdadeiramente um único serviço (unicidade comunicacional para quem acessa). Interessante observar que foi exatamente sob essa orientação que o CNJ apresentou o já referido modelo digital para implantação do SREI, todo articulado para que “a sociedade enxergue a serventia de registro de imóveis como sendo um serviço único, porém operado de forma distribuída pelos diversos cartórios”61. Demonstrando uma grande sintonia com esse modelo já aceito pelo CNJ, a Lei 13.465/2017 atribuiu a esse órgão, que se sabe ser de âmbito nacional, a função de agente regulador do ONR. Resulta disso, sem sombra de dúvida, a legítima opção legal de criar um repositório eletrônico realmente de dimensão nacional, logo sem a concorrência da Justiça local com o CNJ na função de agente regulador do ONR. É certo que a Lei 13.465/2017 fala em “unidades do serviço de registros de imóveis dos Estados e do Distrito Federal”. Mas não são bem unidades

CNJ, Parte 1 – Introdução ao Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário, p. 14.

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CONSTITUCIONALIDADE federadas, e sim propriamente núcleos operacionais, dispostos ao modo de uma descentralização sistêmica, já que não podem dissociar-se do SREI (§ 5º, art. 76). Tenho por certo, inclusive, que essas unidades deverão ficar vinculadas ao ONR, na forma de unidades delegadas dirigidas, por força do § 3º do art. 236 da CB/88, por Oficiais de Registro. Não há, com essa disposição, a usurpação do poder de fiscalização estadual dos Cartórios de Registros de Imóveis (art. 125 cc § 1º, art. 236, CB/88). Essa prerrogativa mantém-se em suas bases originais, apenas não atuará, ao menos no âmbito regulatório, na conformação de um serviço concernente aos Registros Públicos organizado e apresentado à sociedade em caráter nacional, como é o SREI. As disposições acerca de certa uniformidade nacional registral que envolvem o SREI e o ONR (que não dispõe de qualquer poder de fiscalização direta sobre os registradores), determinadas por Leis Nacionais, o que inclui a Lei 13.465/2017, estão validamente inseridas no papel constitucional da União de legislar sobre as atividades dos notários e registradores (art. 236, § 1º e 22, XXV). A Lei não retira das corregedorias estaduais qualquer competência fiscalizatória ou normativa própria do Judiciário Estadual no complexo sistema de controle das atividades registrais. O que já existe permanece como está, demonstrando-se, assim, a impossibilidade de se deduzir inconstitucionalidade nesse tema federativo. Por fim, a própria instituição do ONR em andamento, considerou uma atuação conjunta das corregedorias estaduais e do CNJ. No processo que tramita perante o CNJ (CNJ – PP 000066550.2017.2.00.0000) para aprovação do Estatuto do ONR, o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro JOÃO OTÁVIO NOGUEIRA, decidiu integrar o proces62

so com “a manifestação das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, a fim de apresentarem sugestões/aquiescência, conferindo maior legitimação ao ato constitutivo em apreço”, atendendo à necessidade de inclusão dos Tribunais Estaduais na temática. Essa solução encontrada responde de maneira adequada e constitucional aos desafios institucionais decorrentes da imposição legal de implementação do ONR, pois conjuga a participação das autoridades, de competência normativa e fiscalizatória do sistema registral, representadas pelas corregedorias dos Tribunais Estaduais e Distrital e pelo próprio CNJ62.

5.2 N ormatização vs. Normalização do SREI Remanesce, como último ponto, o de distinguir as atribuições do ONR das do CNJ. É uma análise que se deve fazer considerando a concreta realização do que está prescrito no caput do art. 76 da Lei 13.645/2017, tendo como referencial imediato e inarredável os fundamentos constitucionais acima alinhavados sobre o regime jurídico dos registros públicos. A se pensar dessa maneira, não há como concluir por um padrão normativo para o SREI em que não se considere, em termos conceituais, a correta dimensão jurídica da já referida distinção entre as normas de direito formal do SREI e as normas técnicas da interoperabilidade do SREI. A implementação de um sistema de codificação eletrônica de atos concernentes aos Registros Públicos de Imóveis (especialmente os de abertura de matrícula, de registro e averbação dos atos indicados no art. 167 da Lei n. 6.015/73), que promova a recepção

Cf. itens 3.2 e 5.1 acima.

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ONR de títulos e fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico, demanda uma dupla dimensão normativa. Uma para promover a interoperabilidade do sistema, e outra para adaptação eletrônica dos requisitos jurídico-formais implicados nos serviços a serem ofertados por meio do SREI (como, por exemplo, as regras dos requisitos formais de estruturação e integridade do Livro de controle e de registros em formato eletrônico, como também da certificação do software e fornecimento das informações, além da definição das regras dos serviços registrais eletrônicos a serem oferecidos aos usuários e o dimensionamento dos seus efeitos jurídicos). Ou seja, é necessário que se faça a correta conciliação entre uma específica linguagem jurídica com a correspondente linguagem tecnológico-operacional. Sobre esta última linguagem, realço-a por dimensionar nela exatamente a normalização do SREI, o que envolve “tanto os requisitos técnicos aplicáveis à operação dos sistemas de software quanto à forma de operação desse software”, cuja fundamentalidade está em “propiciar a operação segura do sistema, a interoperabilidade de dados e documentos e a longevidade dos documentos”63. Constitui-se, segundo os elementos da tecnologia, a concretização eficaz dos parâmetros jurídicos registrais. Não são, pois, normas de direito, mas pressupostos da interoperabilidade do SREI. Em termos conceituais são consideradas atividades típicas de normalização a imputação de “especificações que tenham como objetivo estabelecer critérios unificados, que permitam garantir o conteúdo de um documento”64. A normalização visa

a garantir a autenticidade e segurança das operações realizadas com documentos informáticos. Essa autenticidade e segurança, princípios da atividade, referem-se ao conteúdo, como já pude assinalar acima. Nesse sentido DAVARA RODRÍGUEZ assume que a segurança se proporciona “a respeito da originalidade do conteúdo, com a mesma fiabilidade – se não mais – de um documento público”65. Condicionante dessa dimensão normativa tecnológica está a indispensável linguagem jurídica, para repercutir justamente a expressão jurídico-formal dos atos e registros eletrônicos. Essa dimensão específica comporá, como tal, o já vasto direito formal registral, endereçado não só aos registradores, como também a todo universo de usuários/utentes (cidadãos e Administração Pública). Logo, nessa dimensão, o que se produz são justamente normas jurídicas (como, por exemplo, norma que definirá as regras do livro e registro eletrônicos). Essa condição é suficiente para reconhecer não haver delegação de sua produção de maneira que ficasse a cargo do ONR, dada a elementar falta de competência constitucional deste último. A criação das regras jurídicas do SREI está, por certo, no âmbito de competência do CNJ, o qual deverá atuar para disciplinar o assunto, concretizando o âmago do referido sistema registral eletrônico, que é propiciar interoperabilidade do tradicional sistema de registros de imóveis. Isso faz com que a modelagem proposta pelo art. 76 da Lei 13.645/2017 ou qualquer alteração ou aprofundamento que venha a ser promovido por lei não possa pelo CNJ ser alterado, suprimido ou ampliado. Não significa que sua atuação se resuma a repetir o texto legal. O CNJ tem a função precípua

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BRASIL. CNJ/LSITEC. SREI: Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário: Parte 1: Introdução ao Sistema Eletrônico Imobiliário. Disponível em <https://folivm.files.wordpress.com/2011/04/srei_introducao_v1-0-r-7.pdf> (acesso em 19.6.2017).

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DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Angel. Manual de Derecho Informático. Navarra: Aranzadi, 1997, p. 36.

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Idem.

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CONSTITUCIONALIDADE de minudenciar, em termos normativos, o texto da lei, de modo a torná-lo mais exequível e operativo, com a advertência de que essa complementação deverá manter o caráter geral conferido, também impositivamente, por norma nacional legislada, especialmente respeitando espaços próprios de nossa Federação.

“Com isso, vê-se, nitidamente, que as normas constitucionais que atribuem competência de fiscalização sobre atos de registros de imóveis ao Poder Judiciário (art. 236, § 1º), além da competência concorrencial e de controle administrativo do CNJ (art. 103-B, § 4º, III) não são violadas”

Com efeito, a prerrogativa constitucional do CNJ de ser agente regulador e fiscalizador dos serviços de registro (art. 103-B, § 4º, I e III, e art. 236, da CB/88), contém, dentre outras, a atribuição institucional de expedição de atos normativos e recomendações destinadas ao aperfeiçoamento desses serviços (art. 8º, X, do Regimento Interno do CNJ), o que significa a autorização para desenvolver, por competência secundária, o marco regulatório dos serviços de registro eletrônico. Nesse contexto, o CNJ tem poderes amplos para expedir “atos regulamentares” a respeito do ONR e do SREI, neste último caso tanto de normativa formal registral, como também de normalização do SREI (em linha com o que já tem feito, desde a Resolução 110/10, a Recomendação 14/14 e o Provimento 47/15). Não há previsão expressa quanto à possibilidade do instrumental “resolução”, mas esse se encontra na esfera indicada constitucionalmente, desde que circunscrito às competências próprias do CNJ.

Mas esse não é argumento suficiente para, por si só, refutar que o CNJ não atua para além de suas atribuições, ao retirar ou esvaziar as atribuições legalmente conferidas ao ONR. Nesse aspecto, volto novamente a atenção para o perigo de se aceitar uma atuação regulamentar do CNJ que confira um tratamento normativo para além da previsão legal e, de maneira mais impactante ainda, com efeito de desintegração do sistema constitucional.

Justamente em face da coerência da fiscalização pelo CNJ com a Constituição do Brasil, assim se pronunciou a AGU na referida ADI 5.883 (Parecer de 7.03.2018, Advogado da União RENATO DO REGO VALENÇA):

“Na realidade trata-se de uma orientação interpretativa que decorre da já propalada unidade (que remete à coerência), e que tem especial desenvolvimento no campo dos princípios constitucionais (em particular os direitos humanos consagrados)”66.

“[...] vê-se que a Lei nº 13.465/2017 previu, claramente, que o ONR será submetido à fiscalização, quando do desempenho de suas atribuições, pelo Poder Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça, o qual tanto exercerá a função de ‘agente regulador’ do ONR, quando zelará pelo cumprimento de seu estatuto.

Essa advertência é oportuna para concluir que a regra constitucional da delegação ao setor privado com a reserva da fiscalização ao Poder Judiciário dos serviços de registros públicos impede, nesse momento de incremento desses serviços, que o CNJ (ou qualquer outro órgão do Poder Judiciário) venha

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A autorização constitucional dada ao Conselho Nacional de Justiça não representa sinal verde para, com a sua atuação primária e secundária, atropelar a unidade constitucionalmente imposta. Em outras palavras, não se admitirá uma aplicação do art. 76 da Lei 13.465/2017 desapegada de sua consideração sistêmica com as regras e os princípios orientadores do modelo constitucional dos serviços de registros públicos brasileiro.

TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 190.

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ONR a (i) atuar de maneira invasiva na execução do SREI, retirando do ONR a autonomia na sua gestão operacional; (ii) ser exauriente na conformação das bases técnicas para a implementação desse sistema, como que além dos já recomendados “parâmetros e requisitos constantes do modelo de sistema digital” (Rec. 14/14) e das “diretrizes gerais” de conformação dos serviços eletrônicos (Prov. 47/15). Assim, embora seja de competência do agente regulador criar as normas jurídicas de caráter técnico relativas à implementação, formalização e fiscalização dos serviços de registros eletrônicos, há, também, barreiras constitucionais e legais que impedem o simples retirar do ONR o encargo de (i) efetivamente executar o oferecimento dos serviços eletrônicos e (ii), em complementação às bases regulamentares do CNJ, detalhar as matrizes técnicas do SREI (como a que especifica, por exemplo, a regra-base do backup dos dados, definindo o modo do suporte de execução desse controle), ou seja, a normalização específica de interoperabilidade do SREI. A se seguir essa linha de pensamento, a formatação da atuação do ONR estará realmente compatível com os standards contidos no art. 76 da Lei 12.465/2017 e em conformidade com a Constituição. Assim, desde que exercida sob esses limites, a atividade do CNJ não implicará em novas competências ou exorbitância da atividade que já lhe foi constitucionalmente outorgada, como bem concluiu, aliás, a AGU. Em termos finais e a título de reforço, no campo exclusivo do ONR, cabem, naturalmente, ao CNJ, as funções de fiscalizar o cumprimento das bases gerais e especiais de implementação e operacionalização do SREI, especialmente as finalísticas, para as quais são exigências aguardadas, dentre outras, a realização de auditoria e o envio de relatórios de atividades e balancete, tudo conforme previamente regulamentado.

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6. PLURALISMO DEMOCRÁTICO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA FORMAÇÃO DO ONR 6.1. P articipação de entidades particulares representativas do setor fora de formalidades seletivas ou licitatórias O texto da Medida Provisória n. 759/2016, convertida na Lei n. 13.465/2017, previa que a organização efetiva do ONR seria promovida pelo Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB, nos termos de seu artigo 54, § 3º: “Art. 54. [...] “§ 3º. Fica o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB autorizado a constituir o ONR e elaborar o seu estatuto, no prazo de centro e oitenta dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória, e submeter à aprovação por meio de ato da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça”. Entretanto, esse parágrafo foi vetado pela Presidência da República sob o argumento de “violação ao princípio da impessoalidade, entendido como faceta do princípio da igualdade, ao estabelecer atribuição para entidade privada constituir o ONR, em detrimento de outras”. Esse veto não foi derrubado pelo Congresso, mantendo-se a restrição na redação final da lei, que não conta com o aludido parágrafo emitido pela MP. Todavia, diferentemente do enunciado pela Presidência da República, não houve qualquer afronta à impessoalidade no artigo vetado. Ao invés de se impor uma cega concorrência


CONSTITUCIONALIDADE aberta, percebo um alinhamento constitucional na autorização da MP de constituição e na elaboração do Estatuto do ONR pelo Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB (§ 3º, art. 54, da MP 759/16, vetado pela Presidência), sendo este inegavelmente considerado a principal representação institucional e política dos Oficiais de Registros de Imóveis em âmbito nacional.

sim própria do campo da licitação (e, ainda assim, nos termos da Lei, quer dizer, nos termos da conformação legislativa), mas que pode simplesmente não ocorrer, situação em que o serviço público permanece retido e prestado diretamente pelo Estado.

“O IRIB é uma entidade sem fins lucrativos, com sede na cidade de São Paulo/SP e escritório de representação em Brasília/DF. O Instituto atua em todo o território nacional e entre os seus principais objetivos estão o estudo e pesquisa de procedimentos e normas jurídicas referentes ao Registro de Imóveis, e o assessoramento de autoridades públicas e órgãos governamentais, no que diz respeito aos temas da especialidade registral imobiliária”67.

“A constituição federal, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a Administração Pública Direta e Indireta [...] A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a Administração Pública [...]” (original não destacado).

Não há incidência, hipotética, do preceito da concorrência pública. Como já observei a respeito, o modelo constitucional híbrido da atividade notarial e de registro no Brasil impede que se reconheça nesse campo uma opção de pura privatização de serviços de suposta “natureza pública”. Essa eventual transferência do SREI ao setor privado estaria condicionada exclusivamente ao juízo legislativo de conveniência e oportunidade, o que tornaria possível a escolha legislativa do IRIB como entidade responsável pela constituição e organização inicial do ONR. Essa liberdade legislativa deve ser balizada pelos parâmetros do art. 22, inciso XXV, combinado com os art. 37, inciso XXI, art. 62, § 3º, e art. 236 da CB/88. É importante insistir nesse ponto, porque estamos diante de uma situação de implicação constitucional diversa daquela em que ocorre a transferência de um serviço público ao particular, esta 67

Tanto é que na já citada ADI 1.864, o voto do Ministro Joaquim Barbosa, redator do acórdão, deixa expresso o seguinte:

Entretanto, diante da superação da escolha do IRIB pela MP nos termos do veto executivo não revisto pelo Poder Legislativo, resta saber se a mera participação dessa ou de outas entidades representativas do setor nos procedimentos preparatórios para a organização do ONR não requer qualquer legitimação legislativa ou mesmo procedimento licitatório. É o que se examina a seguir.

6.2. A participação do IRIB e da ANOREG na organização do ONR A participação da sociedade civil nas decisões do Poder Público é uma linha constitucional que incorpora a busca pelo pluralismo político via participação de diversos setores da sociedade em decisões públicas. A Constituição contempla, além das fórmulas de representação popular por meio da eleição de mandatários e da participação direta nos referendos e plebiscitos, a integração da participação de repre-

RASIL. Sítio eletrônico oficial do IRIB. Institucional. Disponível em: <http://www.irib.org.br/institucional/quem-somos > (acesso em B 16.05.2018).

67


ONR sentantes da sociedade civil em diversos conselhos como, por exemplo, os Conselhos de Saúde (art. 77, § 3º da Constituição do Brasil) e o Conselho Consultivo e de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 79, parágrafo único da CB), dentre outros68. Essas fórmulas de participação estão ineridas em um movimento de “evolução do sistema democrático [...]” que “aponta atualmente segundo classificação de C. B. Macpherson, para a denominada democracia participativa”69. Assim, reconhecendo um “ ‘desvirtuamento institucional’ do Estado, a doutrina tem assinalado a insuficiência do mandato eletivo como legitimador das decisões politicamente adotadas pelos exercentes do cargos eletivos”70 , e desse modo, “a democracia só se implementará com a adoção de mecanismos de participação direta do povo nas decisões estatais, paralelamente aos institutos tradicionais, de representação política”71. Nesse sentido, não se coaduna com uma democracia ampla o reprimir a participação da sociedade civil, no exercício de seu legítimo papel de opinar e pressionar as autoridades competentes, por meio de sua manifestação durante o processo decisório. Tendo isso em vista, no âmbito da participação no CNJ, é importante ressaltar que qualquer interessado (art. 8º I, do Regimento Interno do CNJ) pode acionar o Conselho Nacional de Justiça, desde que a reclamação ou representação esteja relacionada às competências constitucionais do CNJ, definidas no 68

art. 103-B, § 4º e § 5º, da Constituição do Brasil. Essa prerrogativa de qualquer interessado abrange o chamado “Pedido de Providências” definido no artigo 98 do Regimento e que integra “propostas e sugestões tendentes à melhoria da eficiência e eficácia do Poder Judiciário bem como todo e qualquer expediente que não tenha classificação específica”. Tratando-se de um pedido amplo, que abrange inclusive sugestões, não há razão para obstar os legítimos interessados de deflagrarem o Pedido de Providências. Lembra-se que essa participação não é vinculante, cabendo às autoridades competentes acatarem ou não as sugestões das entidades representativas de setores da sociedade civil na questão. Portanto, mesmo que o veto Presidencial tenha retirado parte do texto que estabelecia previsões sobre a constituição e elaboração do Estatuto do ONR, o IRIB, utilizando-se das prerrogativas constitucionais e legais, propôs, em caráter de sugestão, às autoridades competentes, uma minuta de texto inicial do Estatuto do ONR, apresentado ao CNJ no já referido PP 0000665-50.2017.2.00.0000, Rel. Min JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, em iniciativa conjunta do IRIB e da ANOREG/BR – Associação dos Notários e Registradores do Brasil72. Atualmente, aguarda-se a avaliação das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados e Distrito Federal sobre o texto inicial apresentado. Assim, as próprias organizações sem fins lucrativos relacionadas às atividades notariais e de regis-

Isso para não falar do Conselho da República, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do MP.

69

T AVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 802.

70

Ibidem, p. 809.

71

Ibidem, p. 811.

72

ANOREG/BR – Associação dos Notários e Registradores do Brasil congrega “titulares de delegação e responsáveis pelo expediente A dos serviços notariais e de registro no Brasil” (Art. 2º do Estatuto da Associação disponível em <http://anoreg.org.br/images/arquivos/ revista/anoreg/pdf/ESTATUTO-AGE28032017.pdf>, acesso em 16.05.2018.). Trata-se, portanto, de entidade que representa os notários e registradores em âmbito nacional.

68


CONSTITUCIONALIDADE tro, o IRIB e a ANOREG/BR, em conjunto com as autoridades competentes para regulamentar e fiscalizar essas atividades, incumbiram-se de suprir a inexistência de previsão específica sobre a instituição do ONR, de forma a viabilizar sua existência. Diante do sistema constitucional de organização registral que prevê, no artigo 236, o exercício das atividades notariais e de registro pelos particulares delegatários, bem como sua fiscalização e normatização pelo Poder Judiciário, a solução adotada, que integra todos esses atores, configura-se como acertada. Ademais, a decisão do corregedor nacional de Justiça, Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, de integrar o processo (CNJ – PP 0000665-50.2017.2.00.0000) com “a manifestação das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, a fim de apresentarem sugestões/aquiescência, conferindo maior legitimação ao ato constitutivo em apreço” atende à necessidade de inclusão dos Tribunais Estaduais na temática, como já ressaltado anteriormente. Diante do quadro exposto, a solução participativa encontrada foi a melhor possível nos termos do modelo democrático constitucional, conjugando a participação das referidas entidades privadas sem fins lucrativos representativas do setor, com a das autoridades titulares das competências normativas e fiscalizatórias representadas pelas corregedorias dos Tribunais Estaduais e Distrital e o próprio CNJ.

7. CONCLUSÕES Todos os elementos que integram o regime constitucional do serviço de registro conformam um iter constitucional, cujo rigor foi respeitado pelo art. 76 da Lei 13.465/2017. A atividade notarial e de registros, nos termos da Constituição de 1988, submete-se a um regime jurídico híbrido, que há de ser enquadrado como

regime próprio, admitido e exigido constitucionalmente, no qual há a constante realização de normas oriundas do Direito Público e de normas decorrentes de um típico regime de Direito Privado. Esse regime jurídico híbrido regerá e, nessa medida, produzirá consequências específicas no movimento progressivo de oferecimento de serviços de registros públicos eletrônicos, e, logicamente, no modelo de atuação do Operador Nacional de Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico. A criação do ONR afeiçoa-se à ordem constitucional, e não constitui, pelas atribuições que lhes são conferidas, uma iniciativa que retira funções constitucionais do Poder Judiciário no campo específico da regulamentação e fiscalização das atividades notariais e de registros. Ademais, considerando o aproveitamento econômico pelos setores relacionados ao mercado imobiliário e a eficiência gerada pelo sistema registral, a medida legislativa em análise insere-se na linha constitucional de desenvolvimento socioeconômico e difusão tecnológica. Mais ainda, diante do caráter nacional do SREI, e seu papel na superação das desigualdades regionais, as medidas que implementam o ONR afinam-se com as linhas transformativas da constituição econômica. Revestindo-se da forma jurídica de pessoa jurídica de cunho privado que não se amolda à categoria de associação prevista no Código Civil, o ONR constitui uma entidade criada por Lei sob a égide do controle, fiscalização e mesmo intervenção, quando do desempenho de suas atribuições, pelo Poder Judiciário, via Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça. A sua institucionalização por Lei encontra total resguardo na Constituição, fundamentada na liberdade de conformação do legislador, a propósito, adequadamente exercida segundo os parâmetros constitucio-

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ONR nais do art. 22, inciso XXV, combinado com os art. 37, inciso XXI, art. 62, § 3º e art. 236, todos da CB/88. As competências dos registros imobiliários não são alteradas pela instituição do ONR que não tem qualquer atribuição de praticar atos de registros ou averbações imobiliárias, atividades que permanecem como exclusivas dos oficiais de registro de imóveis. O ONR tampouco dispõe de qualquer competência para fiscalizar ou normatizar a atividade registral. O SREI foi concebido para ser um repositório eletrônico, um serviço de intercâmbio de dados73, de estruturação e segurança de dados, entre outras atividades concernentes aos serviços de Registro Público de Imóveis de caráter nacional. Essa é a orientação normativa, mas também a melhor opção tecnológica e aquela que concretiza diversos princípios constitucionais em termos atuais. A criação de um sistema dessa ordem pressupõe, legal e tecnicamente, um serviço único de integração. Estudos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça orientaram a modelagem do SREI dessa forma. A prerrogativa constitucional reconhecida ao CNJ como ente fiscalizador dos serviços notariais e de registro (art. 103-B, § 4º, I e III, e art. 236, da CB/88) reserva-lhe, dentre outros, o poder de expedição de “Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos [...] destinados ao aperfeiçoamento destes serviços” (art. 8º, X, do Regimento Interno do CNJ), e, assim, autoriza que esse órgão desenvolva, secundariamente, o marco regulatório do SREI. Nesse contexto, tem poderes amplos, no âmbito da sua competência, para expedir “atos regulamentares”, de natureza de direito formal registral e sobre os requisitos formais

73

da atuação do ONR e da normalização do SREI. Contudo, essa atribuição não poderá ser de alcance exauriente, sob pena de promover uma integração inválida do comando constitucional de delegação qualificada ao setor privado dos serviços de registros públicos. Não poderá, em linha com a orientação nacional, desautorizar o ONR como operador do SREI, nem poderá incapacitá-lo para densificar as já existentes diretrizes das bases técnicas gerais de interoperabilidade.

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ue devem ser certificados na forma do art. 17, parágrafo único da Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/1973 e do artigo 38 da Lei Q 11.977/2009.

70


CONSTITUCIONALIDADE mação, sociedade e cultura, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, v. I. CASTANHEIRA NEVES, Alfredo José. A privatização dos Cartórios Notariais. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede: a era da informação, sociedade e cultura. Tradução: MAJER, Roneide Venancio 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, v. I. DAVARA RODRÍGUEZ, Miguel Angel. Manual de Derecho Informático. Navarra: Aranzadi, 1997. FERNANDES, Anïs. Gasto Excessivo com Aluguel Pressiona Déficit Habitacional no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 5.mai.2018. Disponível em <https:// www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/gasto-excessivo-com-aluguel-pressiona-deficit-habitacional-no-brasil.shtml>, acesso em 24.05.2018. FURTADO, Celso. Não à recessão e ao desemprego. São Paulo: Paz e terra, 1983. (Coleção Estudos Brasileiros). FUYEO LANERI, Fernando. Teoria y Práctica de la Información Jurídica. São Paulo: José Bushatsky, 1977. JACOMINO, Sérgio. Registros de Documentos: Crônica de uma morte anunciada. Disponível em https://cartorios.org/2013/12/, acesso em 20.06.2018. MENDES NETO, João. Prefácio dos editores. In: ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963. OLIVEIRA, Édison Josué Campos de, FAINA, Walter Gambardella. Cartórios não Oficializados: regime jurídico, admissão e provento, direitos assegurados, sistema de previdência e saúde, legislação em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970.

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SALVI, Stefania T. Tra privato e pubblico. Notai e professione notarile a Milano – secolo XVIII. Milão:

71


ONR Registro de imóveis eletrônico ONR: entre a eficiência e a segurança jurídica Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas Doutor em Direito pelo Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Foi Consultor Jurídico do Ministério das Cidades

A criação de métodos e mecanismos jurídicos que revitalizem e favoreçam o desempenho eficiente das funções registrais imobiliárias cumpre, logo, determinações expressas do constituinte de 1988, ao modular o Estado Democrático de Direito brasileiro. A isso se prestam as soluções tecnológicas juridicamente condensadas sob a forma do SREI e do ONR.

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1. Estado Democrático de Direito e dever de realização da segurança jurídica A edição do art. 76 da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, resultado da conversão da Medida Provisória nº 759/2016, lança novo sopro de modernização à atividade registral imobiliária no País. A demanda, contudo, nada tem de novidade. Desde a data de publicação da Lei nº 11.977/2009, seu art. 39 reclamava que os atos registrais, praticados a partir da vigência da Lei nº 6.015/1973, fossem inseridos em sistema de registro eletrônico. Para tanto previu o legislador prazo de até cinco anos.

É incontestável a importância desempenhada pela atividade registral lato sensu para fins de realização do princípio da segurança jurídica, em que fundado o Estado Democrático de Direito brasileiro (CF, art. 1º), a exigir efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, dotados, inclusive, de aplicabilidade imediata (CF, art. 5º, § 1º). Desde 1988, verifica-se no País um renovado sentido (material) do modelo de Estado de Direito. Está-se diante de construção jurídico-política que compatibiliza o modelo Rechtsstaat com exigências sociais, constitucionalmente postas, sem desprezar a exigência de respeito ao Direito Positivo2. Nessa perspectiva de difusão e fortalecimento dos direi-

Por certo estava-se diante de prazo não peremptório. Seu descumprimento, todavia, ensejou consequências jurídicas negativas que não se restringem aos oficiais de registro e usuários dos serviços registrais em tela. O caso, em verdade, é de perda para toda a sociedade brasileira. Dados do Banco Mundial concorrem para ratificar, objetivamente, a assertiva. Basta-se perceber, nesse sentido, que, segundo o Ranking Doing Business, elaborado para o ano de 2018, o Brasil ocupa a posição de nº 125, relativamente à eficiência no registro de propriedade, quando avaliados os sistemas e métodos existentes nos 213 países contemplados pelo estudo1. Ruas de Paris, 1924 | Óleo sobre tela | 45 x 56 cm | Di Cavalcanti 1

Disponível em: http://www.doingbusiness.org/Custom-Query

2

Entendimento contrário pode ser encontrado na obra de Ernst Forsthoff, segundo o qual a fórmula “Estado Democrático de Direito”, do modo como aqui utilizada, buscaria hipostasiar uma dimensão parcelar e historicamente situada da adjetivação liberal do Estado de Direito, relacionado à garantia absoluta da propriedade burguesa (Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, p. 197 e ss.).

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ONR tos e liberdades fundamentais, ao que se impõe, por exemplo, segurança jurídica na afirmação da garantia individual da propriedade (CF, art. 5º, XXII), exsurge a fórmula do Estado Democrático de Direito, contrária a excessos do Poder Público. Trata-se de modelo estatal “democrático”, na medida em que a citada exigência de respeito às normas postas revela-se ciosa da democracia política e, assim, não admite qualquer restrição de liberdade que não tenha sido concebida pelos representantes eleitos do povo, observando-se os procedimentos constitucionalmente previstos para tanto. Eis porque a ele se soma o qualificativo “de Direito”3. No contexto ora descortinado, de afirmação constitucional de direitos, destacam-se os registros públicos como ferramental técnico-administrativo institucionalmente habilitado a conferir veracidade, publicidade, autenticidade, segurança e correção jurídicas aos atos praticados por particulares (Lei nº 8.935/1994, art. 1º), robustecendo-lhes a eficácia, inclusive para fins probatórios em face do Estado (CF, art. 19, II; Lei nº 6.015/1973, art. 1º; CC/2002, arts. 215, 216 e 217). Nesse sentir, contribuem para a prevenção de litígios e, ademais, desempenham relevante função historiográfica, porquanto documentam o quotidiano do País4. Devem ser estimuladas, logo, as iniciativas do

Estado que concorram para otimizar o exercício da atividade registral lato sensu no País. Quando hígidas, estas se revertem em inequívocos ganhos de segurança jurídica para toda a coletividade, como é o caso da efetiva implementação de soluções tecnológicas na seara em comento, de há muito reclamada pelo legislador. Eis a premissa que deve balizar o exame da viabilidade jurídica da instituição, em lei federal, quer do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, inicialmente previsto no art. 54 da Medida Provisória nº 759/2016, em linha com comandos inadimplidos da Lei nº 11.977/2009, quer do ente que contribuirá, pragmaticamente, para sua implementação, o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR, objeto deste breve estudo. Ultrapassado in albis o referido prazo, originalmente previsto no art. 39 da Lei nº 11.977/2009, sem que fossem adotadas medidas institucionais concretas no sentido de informatizar a atividade registral brasileira, cumpria mesmo ao legislador federal tomar providências em benefício de seus representados, os integrantes do povo brasileiro (CF, art. 22, XXV, e art. 236, § 1º). Assim procedendo, atuou em consonância com o modelo de Estado em vigor no País, cioso da realização do princípio da segurança jurídica material, para o que concorre a atuação ins-

3

O modelo de “Estado Democrático de Direito” não foi formulado e instalado, apenas, na realidade alemã. No caso brasileiro, como bem se infere da lição de Heleno Taveira Torres, a Constituição Federal de 1988 antecipa o “democrático” ao “direito” na tipologia do Estado, o que confere primazia aos direitos dos indivíduos sobre qualquer forma ou estrutura jurídica, “cujas restrições somente poderão ser admitidas no limite necessário para satisfazer ao interesse geral, preservando o conteúdo essencial dos direitos e liberdades” (TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica – Metódica da segurança jurídica do Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: RT, 2011. p. 127). Sobre o conceito do modelo em referência e suas variações, confira-se: SAMPAIO, José Adércio Leite. O Estado Democrático de Direito. In: HORBACH, Carlos Bastide; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de; AMARAL JR., José Levi Mello do; LEAL, Roger Stiefelmann (coords.). Direito Constitucional, Estado de Direito e democracia. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 406-411.

4

C f. SANT’ANNA, Gilson Carlos. O atual regime jurídico dos serviços notariais e de registro. São Paulo, Revista de Direito Imobiliário, vol. 67, p. 70 – 82, Jul./Dez., 2009. O próprio vocábulo cartório confirma essa dimensão de historicidade. Sobre o tema, recomenda-se: JACOMINO, Sérgio. Vésperas do notariado brasileiro. Um passeio histórico às fontes medievais. São Paulo, Revista de Direito Imobiliário, vol. 53, p. 184 - 231, Jul./Dez., 2002.

74


titucional confiada aos registros imobiliários. A afirmação ganha força especialmente quando considerados os imperativos da regularização fundiária urbana presentes no Título II da aludida Lei nº 13.465/2017, em que topograficamente situados o SREI e o ONR. Trata-se de dois institutos jurídicos que desde o nascedouro revelam-se, pois, orientados à realização do direito à moradia digna (CF, art. 6º), precisamente em sua dimensão associada à segurança jurídica da propriedade imobiliária. Também este constitui objeto de atenção do Estado Democrático de Direito brasileiro que, ao lado de garantias individuais por restaurar e proteger, possui uma agenda de direitos sociais por implementar com eficiência. Nos termos acima, a intervenção legislativa positiva, aqui referenciada, justifica-se duplamente, à medida que tanto a garantia constitucional individual da inviolabilidade da propriedade (art. 5º, XXII), como a proteção do direito social à moradia digna em sua multidimensionalidade (art. 6º), sob a égide da Constituição de 1988, não constituem mera expectativa de direito dos brasileiros; diversamente, materializam-se e se expandem na condição de compromissos firmes a serem efetivamente concretizados pelo Estado. E, no todo complexo que envolve a tutela jurídica desses dois temas, concorrem, sobremaneira, os esforços dos registradores imobiliários cujas atividades deverão, o máximo quanto possível, ser dotadas de eficiência, porquanto orientadas à promoção de segurança jurídica. A criação de métodos e mecanismos jurídicos que revitalizem e favoreçam o desempenho eficiente

das funções registrais imobiliárias cumpre, logo, determinações expressas do constituinte de 1988, ao modular o Estado Democrático de Direito brasileiro. A isso se prestam as soluções tecnológicas juridicamente condensadas sob a forma do SREI e do ONR.

2. Mutações estruturais do Estado e eficiência administrativa: a viabilidade jurídica do ONR na praxis registral imobiliária brasileira Referida diretriz de eficiência na realização juridicamente segura das funções estatais, para fins de adimplemento concreto dos muitos deveres que incumbem ao Estado brasileiro, tem promovido, no curso do tempo, mutações estruturais e estruturantes no âmbito da Administração Pública. Dentre estas destaca-se verdadeira gama de novos arranjos institucionais, envolvendo o Poder Público, de um lado, e particulares, de outro.5 Trata-se de modelagens jurídico-institucionais que superam as formas clássicas de organização previstas quer na seara do direito público, quer na seara do direito privado. Referida privatização do exercício de funções públicas não-exclusivas do Estado, a fim de que sejam exercidas sob os influxos do direito privado, nos espaços em constitucionalmente admitidas6, deverão respeitar as balizas legalmente fixadas e se justificarão nos setores em que a ação direta do Estado se revele menos eficiente quando comparada àquela a cargo dos particulares. O caso é de trespasse de “atividades

5

esse sentido, afirma-se que os serviços públicos não mais são confiados com exclusividade ao Estado. E, como elemento unificador N dos vários aspectos que têm contemporaneamente assumido, bem destaca Gianna Elisa Berlingerio que todos eles se orientam à satisfação de exigências coletivas, mesmo que confiados a entes privados (BERLINGERIO, Gianna Elisa. Studi sul pubblico servizio. Milão: Giuffrè, 2003, p. 417).

6

No texto constitucional vigente podem ser claramente identificadas opções de descentralização administrativa, a exemplo da concessão ou permissão de serviços públicos (art. 175) e da delegação de funções tipicamente públicas, como deixa claro a opção do constituinte relativamente aos serviços notariais e registrais (art. 236, caput e § 3º).

75


ONR estatais de administração de interesses públicos” a entidades privadas, a partir de uma “empresa mista e partilhada”, como percebeu Pedro Gonçalves.7 O ONR afigura-se, precisamente, uma estrutura jurídica inserida nesse novo cenário de hibridismo e compartilhamento público-privado de funções que tradicionalmente encontravam-se confiadas, com exclusividade, ao Estado e seus agentes. Rigorosamente, não constitui um ente público. Por essa razão, não se amolda a qualquer uma das categorias organizativas do Estado, integrantes da Administração Direta (os entes federados, na forma do art. 41 do CC/2002) ou da Administração Indireta, previstas no Decreto-Lei nº 200/1967 (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas). Pelo contrário, expressamente previu o legislador federal, no § 2º do art. 76 da Lei nº 13.465/2017, que o ONR assume a forma de um ente privado, destituído de fins lucrativos. Nesse particular não deve causar espanto o fato de não se amoldar, igualmente, a qualquer uma das categorias classicamente previstas no art. 44 do CC/2002: associações; sociedades; fundações; organizações religiosas; partidos políticos; e empresas individuais de responsabilidade limitada. É que esse rol de pessoas jurídicas privadas não é exaustivo8, consoante reconhecido, de há muito, pelo Enunciado nº 144, cunhado no âmbito da III Jornada de

Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ocorrida em 2005. Com efeito, por força do art. 22, I e XXV, e do art. 236, § 1º, ambos da CF, não se pode perder de vista, no particular sob consideração, a ampla margem de liberdade conferida ao Parlamento nacional para dispor sobre a atividade registral no País, mediante a veiculação de normas por leis ordinárias, assim dotadas de hierarquia apta a promover alterações, adições ou revogações quer no Decreto-Lei nº 200/1967, quer no CC/2002. Nesse sentir, assenta-se que a atividade do legislador federal encontrará limites, apenas, no plano constitucional que, como visto, orienta-se à eficiência do Estado brasileiro. Isso fica claro, em termos gerais, já no caput do art. 37 da CF. O mencionado referencial de eficiência, especificamente, orientou o constituinte de 1988, ao traçar, de modo inovador, a modelagem jurídica dos serviços registrais no País. Isso porque, diversamente do ocorrido em experiências constitucionais pretéritas, esses serviços passaram a ser contemporaneamente exercidos em caráter privado e, assim, restaram afastados das estruturas do Poder Judiciário, onde tradicionalmente hospedados no organograma do Estado brasileiro. Não se deve confundir os serviços de registro imobiliário com serviços forenses em sentido próprio, entendidos como aqueles afetos às atividades da Justiça (CF, art. 24, IV, e art. 98, § 2º)9. Bem pre-

7

GONÇALVES, Pedro. Entidades Privadas com Poderes Públicos. Coimbra: Almedina, 2005, p. 139.

8

I lustrativamente, pode-se falar nos serviços sociais autônomos de primeiro tipo (Sistema S), igualmente concebidos pelo Estado brasileiro, sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, orientada, porém, ao exercício de funções de interesse coletivo. São eles: o Serviço Social do Comércio (SESC), previsto no Decreto-Lei nº 9.853/1946; o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), previsto no Decreto-Lei nº 8.621/1946; o Serviço Nacional da Indústria (SESI), previsto no Decreto-Lei nº 9.403/1946; o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), com regimento interno aprovado pelo Decreto nº 494/1962; o Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), ambos previstos pela Lei nº 8.706/1993; o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), previsto na Lei nº 8.315/1991; e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), previsto na Lei nº 8.029/1990. Cf. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CUNHA, Carlos Eduardo Bergamini. Serviços Sociais Autônomos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 263, p. 142, Mai./Ago., 2013.

9

Não é outra a orientação do STF, verbis: “as serventias da justiça não são serviços auxiliares dos Tribunais Judiciários.” (RE 42998, Rel. Min. Nelson Hungria, Primeira Turma, DJ 27/10/1960).

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viu, então, o legislador federal, quando da edição da Lei nº 8.935/1994, em linha com as prescrições do constituinte de 1988, que os primeiros seriam pautados por regime de direito privado, com liberdades gerenciais típicas da iniciativa privada, ademais de exercidos sob responsabilidade pessoal de seus delegatários (art. 22º), juridicamente reputados profissionais do Direito (art. 3º), e não funcionários públicos em sentido estrito.

nº 13.465/2017, não se voltar à fiscalização dos atos registrais propriamente ditos e, assim, não absorver qualquer parcela de competência originalmente confiada pelo constituinte de 1988, ao Poder Judiciário, também essa fiscalização fica a depender de intermediação legislativa. Poderia, assim, ser objeto de compartilhamento público-privado, mediante opção expressa e motivada do legislador da União, conforme autorizam o art. 22, XXV, e o art. 236, § 1º, ambos da CF.

Não pretendeu o constituinte de 1988, entretanto, promover o afastamento total entre os serviços de registro imobiliário e o Estado. Andou bem, considerando-se a importante parcela de realização do interesse público a eles confiada. Previu, destarte, que referida atividade, objeto de delegação estatal mediante concurso público (CF, art. 236, caput e § 3º), a uma, seria regulada pelo Poder Legislativo da União; a duas, seria objeto de fiscalização atenta pelo Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º).

O ONR constitui uma entidade privada de colaboração administrativa10. Isso fica claro a partir dos contornos legislativos de seus escopos institucionais: implementar e operar, em âmbito nacional, o SREI (art. 76, caput) e, assim, em âmbito privado, fornecer eficiência ao desempenho da atividade registral imobiliária no País, dinamizando, por exemplo, procedimento administrativo e os atos de registro decorrentes de medidas de regularização fundiária urbana que, por força de lei, deverão ser feitos preferencialmente por meio eletrônico (art. 76, § 1º). Isso sem prejuízo da informatização dos demais atos caros à dinâmica dos serviços de registro imobiliário brasileiros, previstos no art. 12 da Lei nº 8.935/1994; o que, inclusive, realiza a diretriz de há muito consignada no art. 39 da Lei nº 11.977/2009.

Do art. 76 da Lei nº 13.465/2017, exsurge verdadeira atuação conjunta, legislativamente determinada, entre a iniciativa privada – âmbito em que situado o ONR – e o Poder Judiciário, que continuará a examinar a atuação institucional desse ente. Não por outra razão, previu o legislador federal que caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador desse ente, bem assim zelar pelo cumprimento de seu estatuto (§ 4º). Nisso tem-se a densificação de opção constitucional expressa. E nenhum obstáculo jurídico a ela se impôs; tanto mais quando considerando que esse novo arranjo institucional público-privado se orienta a fornecer eficiência às atividades desempenhadas pelos registros imobiliários do País. No particular sob consideração, inclusive, importa perceber que apesar de o ONR, nos termos da Lei 10

À guisa de complementação do parágrafo precedente, cumpre-se observar que os oficiais de registro imobiliário são livres para organizar e executar os serviços que lhes competem, para o que, desde a edição do art. 41 da Lei nº 8.935/1994, encontram-se habilitados a adotar sistemas de computação, de microfilmagem, bem assim discos óticos e outros meios de reprodução de dados. Tanto mais quando essas soluções tecnológicas correspondam a processos que facilitem e racionalizem as buscas dos documentos (Lei nº 8.935/1994,

A expressão foi retirada da obra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 129).

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ONR art. 42) que têm por dever legal conservar (Lei nº 6.015/1973, arts. 22 a 27). Em âmbito público, paralelamente, o regular adimplemento dos escopos institucionais do ONR reverte-se, gratuitamente, em favor do Poder Judiciário, do Poder Executivo federal, do Ministério Público, dos entes públicos previstos nos regimentos de custas e emolumentos dos Estados e do Distrito Federal, e dos órgãos encarregados de investigações criminais, fiscalização tributária e recuperação de ativos (art. 76, § 6º). Para além disso, referido ente privado de colaboração permitirá o acesso, pela Administração Pública Federal, às informações do SREI por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter (art. 76, § 7º)11. Orienta-se, então, o ONR, tanto em perspectiva privatista como publicística, à otimização das atividades desempenhadas pelos serviços registrais imobiliários no País, seja em benefício de seus usuários, seja em benefício do Poder Público. Num ou noutro caso, referido ente, com existência garantida por força de lei, prestará colaboração técnica e, assim, proverá eficiência ao adimplemento dos compromissos do Estado Democrático de Direito brasileiro com a realização da segurança jurídica na preservação da propriedade imobiliária, bem assim na implementação do direito social à moradia digna. Está-se diante de entidade paraestatal, dotada de liberdades caras à iniciativa privada. Nesse particular, verifica-se que o legislador infraconstitu-

cional da União, ao editar o aludido art. 76 da Lei nº 13.465/2017, manteve-se em linha com o que havia disposto o constituinte de 1988, ao tratar do modo – igualmente privado – de gestão das atividades notariais e registrais no País. Na forma desse arranjo institucional, restaram conferidas, ao ONR, menos amarradas do que aquelas comumente impostas aos entes que formalmente integram as estruturas da Administração Pública (Direta ou Indireta). Organizado sob a forma de entidade de direito privado, apesar das funções que desempenha no interesse público, referido ente não se sujeita ao regime administrativo propriamente dito, marcado por prerrogativas e restrições. Goza, pois, ilustrativamente, de autonomia orçamentária e de liberdade de contratações sem as amarras típicas das licitações ou concursos públicos12. Tudo isso se reverte em eficiência no adimplemento de seus objetivos institucionais, legalmente fixados. Enquanto entidade paraestatal, posta ao lado do Estado, para executar cometimentos de interesse do próprio Estado, mas não privativos deste13, o ONR apresenta-se como mais um novo arranjo institucional de que se valerá, na contemporaneidade, o Estado Democrático de Direito brasileiro que lhe autorizou a criação e lhe confiou atividades de interesse público, sob o prisma da eficiência (CF, art. 37). Nisso há salutar colaboração público-privada, como bem reconheceu a Advocacia-Geral da União ao defender a constitucionalidade do citado art. 76 da Lei 13.465/2017, no bojo da Ação Dire-

11

Sobre a viabilidade do intercâmbio eletrônico de atos processuais e de registro como forma de efetivação dos direitos, da segurança jurídica e da Justiça, veja-se: SCHERER, Tiago. Função jurisdicional e atividade registral: da independência à mútua colaboração. São Paulo, Revista de Direito Imobiliário, vol. 72/2012, p. 379 - 420, Jan./Jun., 2012.

12

Sobre o tema, recomenda-se: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 63.

13

Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. A licitação nas entidades paraestatais. In: MEIRELLES, Hely Lopes. Estudos de Direito Público III. São Paulo: RT, 1981, p. 13.

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ta de Inconstitucionalidade nº 5.883, distribuída, em 23.01.2018, à relatoria do Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux. A partir deste hibridismo public-private, do public-private-mix14 que o caracteriza, o ONR deve ser tomado como “entidade intermediária”15 que, rigorosamente, nada tem de atípica à medida que, como visto, foi criada pelo Estado e se encontra expressamente prevista no ordenamento jurídico pátrio. O caso, isso sim, é de ruptura na tradição organizacional da Administração Pública brasileira. E a solução legislativa disruptiva, aqui examinada, legitima-se juridicamente quer em uma perspectiva formal, de processo legislativo, considerada a competência da União para dispor sobre direito registral (CF, art. 22, XXV) e o modo de exercício dos serviços de registro imobiliário no País (CF, art. 236, § 1º), inclusive com possibilidade de criação de novas pessoas de direito privado, tema propriamente afeto ao Direito Civil (art. 22, I); quer em uma perspectiva material, de atuação em grau de colaboração com o Estado, a estimular novos arranjos institucionais, orientados à eficiência no desempenho de atividades originalmente públicas, mas passíveis de trespasse ao setor privado (CF, art. 37, 236, caput e § 1º). A essa privatização de tarefas, tradicionalmente estatais, Pedro Gonçalves associa os resultados do processo de despublicatio, por que passam os Estados na contemporaneidade16.

3. SREI e ONR como alternativas tecnológicas de eficiência na realização da segurança jurídica. Síntese conclusiva. É constitucionalmente legítima a opção do legislador federal quanto ao compartilhamento em âmbito nacional, com o ONR, de tarefas tradicionalmente públicas, com vistas a fornecer eficiência ao desempenho das funções de segurança jurídica a cargo dos oficiais de registro imobiliário. Especificamente, está-se a tratar do compartilhamento de alternativas e soluções tecnológicas, juridicamente condensadas sob a forma do SREI, a ser integrado pelas unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal como forma de beneficiá-las indistintamente com os resultados do processo de modernização registral que o Estado brasileiro pretende implementar. Encarregado de implementar e operar o SREI, destaca-se que o ONR deverá se ocupar em fornecer eficiência às serventias destinadas ao registro imobiliário, relativamente ao acesso dos dados cartoriais de todo o País. Para tanto, não exercerá propriamente, em âmbito privado, poder regulamentar, mas poder de normalização técnica das atividades desempenhadas por essas serventias. E a extensão desses poderes, por razões de segurança jurídica, bem deverá ser delimitada quando da edição de seu estatuto pela Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça.

14

expressão foi tomada, por empréstimo, da obra de Pedro Gonçalves que a utiliza para designar a execução cooperada de tarefas A e responsabilidades públicas com tarefas e responsabilidades privadas. Cf. GONÇALVES, Pedro. Entidades Privadas com Poderes Públicos. Coimbra: Almedina, 2005, p. 161.

15

expressão foi retirada da obra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, A 2007, p. 205). Sobre o tema, confira-se, ademais: SOUTO, Marcos Juruena Villela. “Outras entidades públicas” e os serviços sociais autônomos. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro, nº 1, p. 142, Jan./Mar., 2006.

16

Cf. GONÇALVES, Pedro. Entidades Privadas com Poderes Públicos. Coimbra: Almedina, 2005, p. 152 e 153.

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ONR Bem compreendida, a colaboração técnica a cargo do ONR, a ser desenvolvida por meio do SREI, em benefício da classe dos registradores imobiliários, dos seus usuários e mesmo do Poder Público, propõe-se a alcançar os seguintes escopos: (i) fornecer diretrizes tecnológicas gerais para a informatização e modernização das unidades integrantes do SREI; (ii) universalizar, mediante ferramentas tecnológicas, o acesso aos dados do SREI, a partir de canal único para solicitação eletrônica dos serviços a cargo das unidades de todo o território nacional que o integram; (iii) padronizar as formas de registro e armazenamento eletrônico de dados, bem assim o manuseio, a manutenção e o intercâmbio destes em todas as unidades integrantes do SREI; (iv) formar banco de dados eletrônico seguro; e (v) fornecer dados estatísticos da atividade registral imobiliária brasileira17. Trata-se de soluções tecnológicas, veiculadas por meio de webservice, orientadas à eficiência da atividade registral brasileira, que se revelam igualmente consentâneas com os arts. 41 e 42 da Lei nº 8.935/1994, bem assim com o art. 17 da Lei nº 6.015/1973, com redação dada pela Lei nº 11.977/2009, que precisamente dispõe sobre o acesso online de informações constantes em registros públicos, observadas as medidas de controle e segurança indicadas nos arts. 37 e 38 da Lei nº 11.977/2009. Não prosperam dúvidas acerca do caráter cogente do produto da atividade de normalização técnica, acima referenciada. É que os comados tecnológicos oriundos do ONR deverão ser objeto de deliberação das serventias de registro imobiliário de todo o País, a partir dos mecanismos democratizados de representatividade previstos em seu estatuto. O modelo é de autorregulação-regulada (enforced self-regulation), ou seja, de comandos postos por 17

uma dada classe que a eles restará mesmo submetida, em restrição voluntária da liberdade privada de seus entes, ao que se soma estatalidade, porquanto os procedimentos para tanto previstos são postos pelo próprio Estado, ademais de fiscalizados por ele. No caso do ONR, em linha com a parametricidade constitucional de atribuição de competências, cumprirá ao Poder Judiciário o exame atento de sua atuação institucional. Não é outra a exegese quer do art. 236, § 1º, da CF, quer do art. 76, § 4º, da Lei nº 13.465/2017. Tudo a garantir equilíbrio entre a mencionada atividade setorial de autorregulação tecnológica e os mecanismos institucionais de controle da correção jurídica desta, que sempre deverá orientar-se à realização eficiente e juridicamente segura quer da garantia constitucional individual da inviolabilidade da propriedade (CF, art. 5º, XXII), quer do direito social à moradia digna em sua multidimensionalidade (CF, art. 6º). Em síntese, na condição de ente privado de colaboração estritamente técnica, inexiste espaço institucional para que o ONR se imponha como órgão centralizador da atividade registral brasileira. Nesse sentir, os atos a serem praticados pelos registradores imobiliários de todo o País, mediante remuneração (Lei nº 8.935/1994, art. 28), continuarão a ser aqueles previstos, com exclusividade, pelo legislador federal (Lei nº 8.935/1994, arts. 4º, 12, 30, I, e 46 e.g.). E a prática de todos eles permanecerá sob fiscalização rigorosa do Poder Judiciário. Entendimento diverso findaria mesmo por subverter a opção constitucionalmente consignada no § 1º do art. 236 da CF e, assim, careceria de validade jurídica. A implementação desses atos a partir das medidas a cargo do ONR, apenas, dispenderá menor tempo e custos de transação, eis que uniformizadas as

ssas informações de ordem técnica podem ser extraídas do estudo “SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário – Parte 1 – E Introdução ao Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário”, desenvolvido pelo LSITEC – LABORATÓRIO DE SISTEMAS INTEGRÁVEIS TECNOLÓGICO, associado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

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práticas e garantida melhor qualidade e interoperabilidade entre as unidades registrais vinculadas ao SREI. Tudo isso se reverte em ganhos legítimos de eficiência e segurança jurídica à dinâmica cartorial brasileira. Não havendo espaço para dúvidas acerca da existência do ONR no bojo do ordenamento jurídico em vigor, cumpre-se dar concretude ao § 4º do art. 76 da Lei nº 13.465/2017. Eventual omissão estatal nesse sentido, por mais uma vez, reverter-se-á em prejuízo para toda a sociedade. Basta relembrar os efeitos nocivos do ilegal descumprimento do art. 39 da Lei nº 11.977/2009 que ainda se fazem sentir duramente no País, em prejuízo ao adimplemento eficaz de compromissos constitucionais com a segurança jurídica, assumidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro.

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ONR A criação do ONR é legal? OPINIÃO JURÍDICA Dr. Celso Fernandes Campilongo Professor Titular de Direito da USP Livre Docente pela faculdade de Direito da PUC-SP OAB SP 61.405

O professor Celso Fernandes Campilongo responde questões essenciais sobre o Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico: a criação do SREI e do ONR é legal? A autorização prevista para que o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB constitua o ONR e elabore o seu estatuto é compatível com o direito brasileiro?

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LEGALIDADE

H

onra-nos o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB, por seu ilustre Presidente, Dr. Sérgio Jacomino, com a formulação da CONSULTA a seguir. Tramita perante o Congresso Nacional a Medida Provisória n.º 7591, de 22 de dezembro de 2016, que, dentre outros assuntos, dispõe sobre o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI e o Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR. O capítulo VII da Medida Provisória (DO SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO), no artigo 54, estabelece:

§ 5º As unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR.

Art. 54. O procedimento administrativo e os atos de registro decorrentes da Reurb serão feitos preferencialmente por meio eletrônico, na forma dos arts. 37 a 41 da Lei nº 11.977, de 2009.

§ 7º Ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça disporá sobre outras atribuições a serem exercidas pelo ONR.

§ 1º O Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR.

(i) A criação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI e do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR é legal?

§ 2º O ONR será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos.

(ii) A autorização prevista no parágrafo 3.º do artigo 54, para que o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil - IRIB constitua o ONR e elabore o seu estatuto é compatível com o direito brasileiro?

§ 3º Fica o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB autorizado a constituir o ONR e elaborar o seu estatuto, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória, e submeter à aprovação por meio de ato da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça. § 4º Caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do ONR e zelar pelo cumprimento de seu estatuto.

1

§ 6º Os serviços eletrônicos serão disponibilizados, sem ônus, ao Poder Judiciário, ao Poder Executivo federal, ao Ministério Público e aos entes públicos previstos nos regimentos de custas e emolumentos dos Estados e do Distrito Federal, e aos órgãos encarregados de investigações criminais, fiscalização tributária e recuperação de ativos.

Pergunta o Consulente:

Às duas indagações respondo com a seguinte OPINIÃO JURÍDICA.

I. Moldura de Referência Constitucional O ponto de partida da análise é o artigo 236 da Constituição Federal:

MP 759/2016 foi convertida na Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que consagrou o ONR como o órgão responsável por implementar A e ser o operador do SREI em âmbito nacional. [NE]

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ONR “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.” O texto é claro. O registro imobiliário – tanto quanto a atividade notarial – é serviço prestado (i) em caráter privado, (ii) por delegação (iii) de função pública. Bem fixadas essas três balizas constitucionais, descortina-se o panorama para a resposta à consulta do IRIB. Que significa dizer que serviços registrais são prestados em “caráter privado”? Evidentemente, por exclusão e contraste óbvio, o que se afirma é que esses serviços não podem ser prestados, à luz da Constituição vigente, em caráter público. Na mesma linha, “caráter privado” não se equipara a atividade econômica de titularidade privada e empresarial. Os serviços de registro imobiliário não são empresas. Consequentemente, não competem segundo os ditames da livre concorrência e nem se orientam pela lógica da livre iniciativa. Cabe aos particulares, nesses casos, desempenhar, em nome e por delegação do Estado, função de execução da lei, é dizer, função pública com inequívoca e inafastável natureza administrativa.

igualmente, é inconteste que os próprios órgãos do Estado, pessoas de direito público interno ou da administração indireta não podem desempenhar esses serviços. Eles estão serviços constitucionalmente reservados ao exercício em caráter privado. Não são serviços legislativos nem judiciais. Não são serviços públicos que demandem investidura ou oferta de utilidades materiais. Também não podem ser serviços objeto de livre acordo de vontades ou contrato. Ainda que executem a vontade da lei com relação ao registro de direitos muitas vezes disponíveis, registradores não podem exercer a delegação, isto é, a atividade-fim, à margem da legalidade ou como se pudessem dispor livremente de suas atividades e funções. Também não são ofícios que guardem afinidade com os chamados “serviços públicos econômicos”. Registradores prestam serviços em caráter privado, mas, claramente, no âmbito, nos limites e nas

Por mais intensa, controvertida e ideologizada que seja a discussão a respeito da superação da dicotomia público/privado, certo é que, no caso dos serviços registrais, essa polêmica perde parcela da intensidade. Resta bastante evidente que o titular dos serviços é o Estado. Mas, Lasar Segall

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LEGALIDADE condições determinadas legal e constitucionalmente. Registradores recepcionam privadamente – nos lindes e na forma da detalhada legislação que molda a delegação – poderes públicos de autoridade. O registro imobiliário implica o exercício privado de função pública como desdobramento subsidiário da organização administrativa. Mais: trata-se de serviço não apenas exercido em caráter privado, mas por “pessoa física” que tenha suplantado concurso público de provas e títulos e, portanto, esteja habilitada a oferecer, por delegação estatal, serviços de ordem jurídica ou formal. Delega-se ao privado ofício ou função jurídica. Todos esses elementos, como se verá adiante, são de fundamental relevância para que se compreenda a natureza jurídica e o estatuto legal do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR e do papel atribuído pela Medida Provisória ao Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB na constituição do ONR. Por enquanto, importante reter que os serviços registrais são prestados em caráter privado, por pessoas físicas concursadas e não podem ser prestados, executados ou geridos diretamente pelo Estado. Pode-se, então, enfrentar o segundo aspecto, igualmente essencial para a resposta aos quesitos da consulta: além de serviço prestado em caráter privado, registradores o exercem “por delegação”. Que tipo de delegação? Afaste-se, por completo, a inaplicável noção de “delegação” como outorga de competência de superior a inferior hierárquico ou a ideia de transferência transitória a particular de exercício

de direito à exploração de serviço público, ou, ainda, como a passagem ao particular de um serviço público ou como mero caso de descentralização por colaboração. Como bem pontuado pela doutrina2, a Constituição, no caput do artigo 236, promoveu substituição originária da Administração por entes particulares: pessoas físicas que exercem o serviço em caráter privado. A gestão dos serviços registrais está constitucionalmente reservada aos privados. A natureza “peculiar” dessa delegação do Poder Público deve ser aclarada. Cuida-se de “privatização de tarefa ou gestão, por meio da qual o Estado transfere a execução de uma determinada atividade ao setor privado, mantendo, contudo, a titularidade das tarefas e o dever de fiscalizar sua realização”3. Assim, registradores são “agentes públicos”, exercem “função pública”, tudo em nome do Estado, de quem recebem delegação sob as condições legais de (i) depositários de uma transferência direta da gestão do serviço ao setor privado, (ii) por meio da outorga das atividades por concurso, (iii) desempenharem ofício ou função de ordem jurídica e formal atrelada aos princípios do Direito Administrativo, (iv) remunerados não pelo Estado, mas com base em emolumentos fixados por lei e pagos pelo interessado no registro, (v) prestadores de serviços pautados pela independência com relação à estrutura orgânica do Estado,

2

Conforme, ilustrativamente, Marcelo Figueiredo, Análise da importância da atividade notarial na prevenção dos litígios e dos conflitos sociais. Revista de Direito Notarial, ano 2, n.º 2, 2010, pp. 11-124.

3

er Rodrigo Fernandes Lima Dalledone, Função Pública Notarial. Regime Jurídico e Fiscalização Judicial. Curitiba, Prismas, 2016, p. V 131. Ver, ainda, Carlos Alberto Molinaro, Flávio Pansieri e Ingo Wolfgang Sarlet, Comentários ao art. 236, in J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, coordenadores, Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva/ Almedina, 2013, pp.2158-2163.

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ONR (vi) sem subordinação hierárquica ao Poder delegante e (vii) fiscalizados pelo Poder Judiciário. Daí, para caracterizar a “peculiaridade” da delegação, a utilização de expressões como “delegação de poderes públicos”, “particulares em colaboração com a administração” e “delegação de ofício ou função pública”, mais condizentes com a espécie. O que impende guardar, para os efeitos da presente consulta, é que registradores são delegados de uma autoridade pública com responsabilidades, conhecimentos técnicos e formação jurídica que lhes permitam e lhes imponham oferecer serviços com autonomia administrativa (em que pese os severos

deveres e a estrita subordinação à lei), em colaboração com a administração e o máximo de qualidade que a relevância pública da certeza e da segurança jurídicas impõem. Abre-se espaço para o terceiro elemento constitutivo da dicção constitucional a respeito dos serviços notariais e registrais: a delegação de Poder Público. No caso, a delegação de “função pública”. Anote-se, primeiramente, que, entre o Poder Público delegante e o serviço de registro imobiliário delegado não pode haver identidade. A situação é muito diversa nas relações internas entre os órgãos integrantes da burocracia estatal. O Poder Público nada pode delegar ao servidor público. Aqui, não há delegação. O servidor público é a personificação do Estado, com ele se confunde e se identifica. Já na delegação dos serviços – rectius: funções – notariais e de registro, ao reverso, fica claro que o exercício privado das atividades do Poder Público só pode ser desempenhado por quem não seja servidor público. Trata-se da condição lógica e jurídica para a delegação. O Poder Público delega uma função administrativa. Não delega poderes normativos nem jurisdicio-

Georges Seurat | Landscape with Houses | 1881–82

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LEGALIDADE

Dito de forma singela e direta: a função administrativa delegada em caráter privado – apesar de submetida ao regime de Direito Público – deve, obrigatoriamente, ser prestada, gerida e organizada pelos particulares.

nais relacionados à atividade-fim. Cabe aos delegados do Poder Público promover os registros imobiliários de aquisições, transferências, onerações, benfeitorias, incorporações imobiliárias, divisões ou unificações da propriedade e demais atos passíveis de anotações nas matrículas imobiliárias Compete ao registrador, na forma das disposições legais que o vinculam, executar esses atos sob pena de ser obrigado a fazê-lo por determinação judicial. O registrador imobiliário não recebe nem mais nem menos do Poder Público do que a capacidade, o dever e o poder para promover o registro imobiliário, na forma da lei.

O Poder Público, em sentido amplo, no que respeita à atividade-fim dos serviços registrais, a toda evidência, não delega funções regulatórias, fiscalizatórias ou sancionadoras aos registradores imobiliários. Contudo, reconhece que, em razão do ditame constitucional da delegação ao particular, não cabe ao Poder Público imiscuir-se na gestão dos serviços delegados, ou seja, na administração da atividade-meio. Dito de forma singela e direta: a função administrativa delegada em caráter privado – apesar de submetida ao regime de Direito Público – deve, obrigatoriamente, ser prestada, gerida e organizada pelos particulares. Quando a Constituição determina que os serviços notariais e registrais sejam exercidos em caráter privado, isso é o mesmo que impor limites ao Poder Público. Esses limites dizem respeito quer às

4

relações subjetivas e internas aos ofícios, quer às relações organizacionais e externas às serventias extrajudiciais. Autonomia da vontade, liberdade de contratação, planejamento estratégico, programas de qualidade e conformidade, política de investimentos, capacitação de empregados, escolha de parceiros e formas de associação, por exemplo – temas tão corriqueiros para as atividades empresariais e privadas –, não são estranhos e muito menos vedados a notários e registradores.

As serventias extrajudiciais não sofrem nem se submetem às restrições orçamentárias da Administração Pública, não precisam licitar os serviços que contratam, escolhem livremente seus auxiliares, não firmam contratos administrativos, convivem perfeitamente com a liberdade de associação. Nas suas relações institucionais e organizacionais com outras entidades e pessoas jurídicas de direito privado, gozam de ampla margem de proteção legal de seus interesses privados. As limitações jurídicas desses delegados do Poder Público – repita-se – dizem respeito às atividades propriamente notarias e registrais, não aos modos de gestão das atividades internas ou à forma de administração do conjunto das relações entre as serventias ou do sistema nacional de serviços registrais. Na formulação sintética e precisa de Luís Paulo Aliende Ribeiro: “a função é pública, o exercício é privado.”4

Ver RIBEIRO, Luiz Paulo Aliende, CNB-SP e a Autorregulação da Atividade. Revista de Direito Notarial, ano 3, n.º 3, 2011, p.60.

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ONR Nada impede, porém, que, diante da magnitude do papel e do relevante interesse público nas funções jurídicas desempenhadas por notários e registradores, o legislador estabeleça, respeitado o caráter privado da delegação, formas de relacionamento, cooperação, integração, modernização e operacionalização de um sistema nacional de informações. Até aqui, interessa salientar, sempre tendo em vista o oferecimento dos fundamentos jurídicos das respostas a serem dadas aos quesitos apresentados, que o Poder Público delegado diz respeito à atividade-fim dos serviços registrais e notariais. Naquilo que diga respeito à função jurídica e formal de garantia da certeza, segurança e fé pública dos atos lavrados ou registrados, os delegados privados desses serviços estão atrelados ao princípio da mais estrita e rigorosa legalidade. Não é assim com relação ao modo de gestão interna dos serviços, nas relações externas entre as serventias ou na organização de serviços nacionais que instrumentalizem os mecanismos necessários ao cumprimento mais célere, integrado, moderno, transparente e eficiente dos serviços registrais ou notariais. As atividades-meio dos serviços registrais e notariais (organização econômica interna dos ofícios extrajudiciais e relações externas, cooperativas e sistêmicas do conjunto das serventias) não se confundem com as técnicas de gestão administrativa e jurídica das atividades-fim das delegações. As atividades-meio podem ser objeto de tratamento legislativo, regulatório e de fiscalização, mas sem os princípios do regime de Direito Público das atividades-fim. Pode-se destacar, a título de síntese do quadro de referências constitucionais relevantes para a resposta à consulta, que os serviços registrais: 1. são prestados em caráter privado e não podem ser executados ou geridos diretamente

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pelo Estado; somente podem ser desempenhados por agentes privados; 2. resultam de delegação que lhes garante poderes e deveres subordinados à lei, quanto à atividade-fim, e autonomia administrativa, meio; com relação à atividade; 3. a organização interna das atividades econômicas das serventias extrajudiciais, bem como as formas de cooperação, integração e sistematização externas das relações entre serventias, respeitado o caráter privado da delegação e a autonomia administrativa, podem ser objeto de tratamento legislativo, regulatório ou fiscalizatório.

II. Análise do artigo 54 da Medida Provisória nº 759/2016 O artigo 54 da Medida Provisória n.º 759/2016, (ver nota 1) para as finalidades que aqui devem ficar aclaradas, possui quatro aspectos muito relevantes: (i) institui o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico- SREI; (ii) estabelece que, no âmbito nacional, ele será implementado pelo Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico - ONR; (iii) autoriza o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil- IRIB a constituir o ONR e elaborar seu estatuto; e (iv) atribui ao Conselho Nacional de Justiça- CNJ a função de agente regulador do ONR. A questão fundamental a ser respondida, por certo, é saber se SREI, ONR, IRIB e CNJ não estariam subvertendo o espírito do artigo 236 da Constituição Federal e invadindo competências reservadas ao exercício privado da função pública registral e


LEGALIDADE ao papel de fiscalização dos atos dos registradores pelo Poder Judiciário. Por trás dessas dúvidas haveria premissa supostamente jurídica: dado não haver previsão expressa na Constituição e, até o momento, na legislação para esses órgãos e essas delegações de funções, haveria supedâneo constitucional para SREI, ONR, IRIB e para a função de agente regulador da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ?

Destaque-se, inicialmente, que eventual delegação de papéis ao IRIB, ao SREI e ao ONR não envolve nenhuma função pública inerente às serventias extrajudiciais delegadas em caráter privado, previstas no artigo 236 da Constituição Federal.

Anote-se, de pronto, que o tema da delegação de poderes públicos para entidades privadas é recorrente na literatura jurídica, política e econômica das últimas décadas.5 Trata-se, no caso específico aqui estudado, exatamente de situação na qual se dá a delegação constitucional e direta de uma função pública para o exercício privado. Subsidiariamente, nos termos da Medida Provisória n.º 759/2016, (ver nota 1) há delegação legal de poderes para entidade privada representativa dos registradores imobiliários (IRIB), atribuindo-se a ela autorização para constituir o ONR e elaborar seu estatuto. Esse órgão será responsável por implementar e operar o SREI. Tudo sob a regulação da Corregedoria Nacional do CNJ. Mas a pergunta sobre a constitucionalidade

e legalidade do modelo proposto é cabível. Assim como a resposta é simples. Na trilha da divisão constitucional entre atividade-fim (no caso, função registral) e atividade-meio (exercício, gestão e administração privada, interna e externa, dos serviços registrais), nada obsta a sistemática adotada pela Medida Provisória 756/2016, (ver nota 1).

Na doutrina luso-brasileira, cuidou exaustivamente da matéria Pedro António Pimenta da Costa Gonçalves, em obra de referência: “Numa divisão panorâmica e resumida das orientações que se detectam na doutrina sobre o tema da admissibilidade constitucional da delegação de poderes públicos em particulares, pode dizer-se que, com algumas excepções, o centro actual do debate reside menos na questão de saber se a delegação é constitucionalmente possível do que na definição do âmbito, na determinação dos limites e no estabelecimento das condições constitucionais da delegação.”6 Destaque-se, inicialmente, que eventual delegação de papéis ao IRIB, ao SREI e ao ONR não envolve nenhuma função pública inerente às serventias extrajudiciais delegadas em caráter privado, previstas no artigo 236 da Constituição Federal. As funções

5

er o trabalho percursor e exploratório editado por MAIER, Charles S. Changing Boundaries of the politics. Essays on the evolving V balance between the state and society, public and private in Europe. Cambridge, Cambridge University Press, 1987. Para uma abordagem histórica, ver NOCERA, Guglielmo. Il binomio pubblico-privato nella storia del diritto. Napoli, Edizione Scientifiche Italiane, 1989. Para o debate recente, ver CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Belo Horizonte, Fórum, 2009.

6

Cf. GONÇALVES, Pedro António Pimenta da Costa. Entidades Privadas com Poderes Públicos. O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas. Coimbra, Almedina, 2008, p. 932, itálicos no original.

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ONR dessas serventias não se confundem nem se sobrepõem ao SREI e ao ONR. As razões são inúmeras e seria desnecessário apresentar elenco completo de motivos. Basta dizer que nem SREI nem ONR desempenharão funções próprias e exclusivas de registradores e muito menos substituirão os serviços de qualquer serventia extrajudicial. Os âmbitos da autorização conferida pela MP ao IRIB e às funções do SREI e do ONR são muito diversos daqueles da atividade-fim dos registradores. Além disso, tendo em vista a dimensão nacional e sistêmica do trabalho de implantação do Serviço de Registro de Imóveis Eletrônico e de seu “Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico” (ONR), há que se salientar que, até hoje, apesar da evidente necessidade de criação de um sistema integrado e coerente de registro imobiliário, ele simplesmente não existe, muito menos um sistema nacional.7 Esse sistema está sendo tardiamente criado não para substituir ou concorrer com as serventias registrais existentes nos diversos Estados da Federação, mas para complementar, modernizar, informatizar e estabelecer – com imperdoável atraso, insista-se, e devastador prejuízo para a segurança jurídica, a expansão do mercado imobiliário e o crescimento da economia nacional – mecanismos de cooperação interna entre os ofícios imobiliários e cooperação externa dessas serventias extrajudiciais com autoridades governamentais e com o cidadão. Tudo isso é necessário e urgente para a boa e qualificada prestação dos relevantes serviços

oferecidos pelos registros imobiliários. Assim, os limites sistêmicos e nacionais do modelo são muito mais amplos e com marcantes diferenças de escopo, se comparados aos limites e finalidades das serventias registrais. Com a proverbial acuidade, Ricardo Dip ensina que o artigo 236 da Carta Magna trouxe “tipo aberto para ulterior complemento por escolha subconstitucional”8. Pode-se dizer que, para além da Lei de Registros Públicos, de 1973, e da Lei de Notários e Registradores, de 1994, ao lado de outros diplomas esparsos, a Medida Provisória n.º 759/2016 representa marco relevante na colmatação dos espaços subconstitucionais deixados pelo constituinte. Não há na MP nada que contrarie a Constituição. Por isso, ainda em linha com as lições de Ricardo Dip, pode-se imaginar tanto uma unidade jurídica dos registros, associada à atividade-fim das serventias e ao apego à estrita legalidade dos atos de registro e de sua fiscalização, quanto uma unidade apenas administrativa, voltada não à segurança jurídica (atividade-fim), “mas – nas palavras do Ilustre Desembargador paulista – a prover de informações a administração pública; é antes, portanto, um arquivo e não um registro em sentido próprio”9 , ou seja, uma atividade-meio. De tal sorte, as condições constitucionais da nova delegação levada a efeito pela Medida Provisória n.º 719/2016 (ver nota 1) estão circunscritas à formação de um sistema nacional de registro imobiliário, verdadeiro arquivo central de pesquisa e informação em forma de rede.

7

er, nesse sentido, SANTOS, Flauzilino Araújo dos. A publicidade imobiliária no registro eletrônico. Palestra proferida em 10 de dezembro V de 2016, mimeo, pp. 1-33, com destaque para a noção de que o registro imobiliário deve ser visto pela sociedade como serviço único, porém operado de forma descentralizada, especialmente pp. 14-17. Sobre o ato público informático, governo eletrônico e avanços tecnológicos no setor notarial, ver DELFINI, F.; GATTONI, C.; MENICHINO, C.; e outros. L’atto pubblicoinformático. Torino, UTET, 2011. Para uma visão panorâmica de outros aspectos, ver GONZALEZ, Fernando Méndez; DIP, Ricardo; JACOMINO, Sérgio. Registro Público de Imóveis Eletrônico. São Paulo, Quinta Editorial, 2012.

8

Ver DIP, Ricardo. Direito Administrativo Registral. São Paulo, Saraiva, 2010, p. 31.

9

Ver DIP, Ricardo, op. cit., p. 39.

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LEGALIDADE A obra de Ricardo Dip aqui citada é anterior à Medida Provisória. Porém, não é difícil imaginar que, não se confundindo com a atividade-fim dos registros imobiliários, nem com a perversa unidade jurídica de registros com finalidades distintas, SREI e ONR, com a disponibilização de um serviço nacional de registro imobiliário eletrônico, modernizarão e estabilizarão instituição que servirá como grande arquivo organizado de informações relevantes não apenas para as autoridades, mas, igualmente, para “amplo desfrute social”. Apenas sob essa roupagem legal a delegação é permitida. E essa é a forma adotada pela MP. A proposta da Medida Provisória n.º 759/2016 (ver nota 1) está em perfeita sintonia não apenas com os ditames constitucionais – âmbito, limites e condições constitucionais da delegação –, mas, também, com as políticas públicas de transparência, eficiência, combate à corrupção e modernização do Estado e da sociedade brasileira. O ONR deverá ser constituído unicamente pelo IRIB, nos termos da Medida Provisória. Terá a forma de instituição privada sem fins lucrativos – pessoa jurídica de natureza sui generis, que foge àquelas típicas do art. 44 do CC –, dadas as peculiaridades da função a ser exercida e suas incumbências legais, além das atribuições que lhe forem conferidas pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ. Convocar entidade de Direito Privado como o IRIB para, sob as vistas de qualificadíssimo regulador, a Corregedoria Nacional do CNJ, constituir o Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, representa grande avanço imediato e importante passo inicial de modernização não apenas de regulação do setor, mas, também, de futura autorregulação setorial.

III. Resposta aos quesitos (i) A criação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI e do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR é legal? Sim. Nada obsta, na ordem constitucional vigente, a formação de serviço nacional que sistematize, centralize, facilite e democratize o acesso às informações sobre registros de imóveis. O país carece de uma grande central com essas informações. Essa tarefa não se confunde nem se sobrepõe àquelas desempenhadas pelos ofícios de registro de imóveis. (ii) A autorização prevista no parágrafo 3.º do artigo 54, para que o Instituto de Registro de Imóveis do Brasil - IRIB constitua o ONR e elabore o seu estatuto é compatível com o direito brasileiro? Sim. A omissão constitucional quanto à forma de constituição do ONR não é impedimento para que entidade de Direito Privado legítima, tradicional e reconhecida, como o IRIB, receba autorização para constituí-lo. A própria Constituição reconhece aos registros a gestão “ad extra” ou indireta dos serviços, em caráter privado. O ONR terá a forma de instituição privada sem fins lucrativos: pessoa jurídica de natureza “sui generis”, que foge àquelas típicas do art. 44 do CC.

S. M. J. É a nossa opinião. São Paulo, 30 de janeiro de 2017. Celso Fernandes Campilongo OAB/SP 61.405

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ONR Natureza jurídica do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR Graciano Pinheiro de Siqueira

Especialista em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP

O autor defende que a natureza jurídica do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR é a de uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sui generis.

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NATUREZA JURÍDICA

N

o presente artigo, tratarei da natureza jurídica do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR, a ser constituído como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos. O assunto é importante na medida em que se está discutindo o estatuto da entidade, que irá implementar e operar o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, em todo o País, a teor do disposto no art. 76, da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Aludida regra, assim estabelece: “Art. 76. O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).

§ 2º O ONR será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos; § 3º (VETADO); § 4º Caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do ONR e zelar pelo cumprimento de seu estatuto; § 5º As unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR; § 6º Os serviços eletrônicos serão disponibili-

Costumes in Rio de Janeiro | aquarela | 1823 | Johann Moritz Rugendas

§ 1° O procedimento administrativo e os atos de

registro decorrentes da Reurb serão feitos preferencialmente por meio eletrônico, na forma dos artigos 37 a 41 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009;

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ONR zados, sem ônus, ao Poder Judiciário, ao Poder Executivo federal, ao Ministério Público, aos entes públicos previstos nos regimentos de custas e emolumentos dos Estados e do Distrito Federal, e aos órgãos encarregados de investigações criminais, fiscalização tributária e recuperação de ativos;

(...) o ONR será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cabendo à Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ exercer a função de agente regulador do mesmo...

§ 7º A administração pública federal acessará as informações do SREI por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), na forma de regulamento; e, § 8º (VETADO)”. Os parágrafos vetados estavam assim redigidos: “§ 3º Fica o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (Irib) autorizado a constituir o ONR, a elaborar o seu estatuto, no prazo de cento e oitenta dias, contado de 22 de dezembro de 2016, e a submetê-lo a aprovação por meio de ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.” “§ 8º Ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça disporá sobre outras atribuições a serem exercidas pelo ONR.” Para alicerçar minha compreensão a respeito do tema, convém lembrar que o art. 44 do Código Civil consagra o elenco das pessoas jurídicas de direito privado, tendo sido o comando alterado pela Lei n° 10.825, de 22 de dezembro de 2003, bem como pela Lei n° 12.441, de 11 de julho de 2011, in verbis: Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

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I- as associações; II- as sociedades; III- as fundações; IV- as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2004); V- os partidos políticos; (Incluído pela Lei n° 10.825, de 22.12.2003); e, VI- as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei n° 12.441, de

11.07.2011).

§ 1° São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. (Incluído pela Lei n° 10.825, de 22.12.2003) § 2° As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. (Incluído pela Lei n° 10.825, de 22.12.2003) § 3° Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. (Incluído pela Lei n° 10.825, de 22.12.2003). Referida Lei é a de nº 9.096, de 19.9.1995.

Relação das pessoas jurídicas de direito privado do Código Civil não é exaustiva Deve-se observar, outrossim, que há discussão doutrinária a respeito de ser taxativo (numerus clausus) ou meramente exemplificativo (numerus aper-


NATUREZA JURÍDICA tus) o rol das pessoas jurídicas de direito privado previsto no mencionado art. 44 do CC. Pessoalmente, coloco-me ao lado daqueles que, como eu, participaram da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em 2005, e que defenderam que essa lista não é fechada, aprovando enunciado doutrinário segundo o qual “a relação das pessoas jurídicas de direito privado, estabelecida no art. 44, incisos I a V, do Código Civil, não é exaustiva” (Enunciado n° 144). E não poderia ser diferente, pois o Código Civil de 2002 adota um sistema aberto, baseado em cláusulas gerais. Por isso, as relações previstas em lei, pelo menos a princípio, devem ser consideradas abertas, com rol exemplificativo e não com rol taxativo.

A tese abre a possibilidade de se reconhecer que existem outras espécies de pessoas jurídicas de direito privado que não estão relacionadas no citado artigo, sendo os serviços sociais autônomos, mais conhecidos como entidades do chamado “Sistema S” (Sesi, Senai, Sesc, etc...), um bom exemplo disso. No tocante à regra do art. 76, da Lei nº 13.465/2017, verifica-se que consta apenas que o Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos (§ 2º), cabendo à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercer a função de agente regulador do mesmo e zelar pelo cumprimento de seu estatuto (§ 4º).

Voyage pittoresque dans le Brésil | Johann Moritz Rugendas | 1835

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ONR Nota-se, contudo, não estar definida, no citado art. 76, a modalidade de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que deverá ser adotada pelo ONR.

É de se ressaltar, contudo, que a participação, compulsória ou não, de todos os senhores Oficiais de Registro de Imóveis deste País é fundamental para o sucesso do SREI...

Recorde-se que, da listagem contida no art. 44 do CC, supramencionado, consideram-se como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, as associações, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos, sendo que as duas últimas, a meu ver, nada mais são do que espécies de associações. Nesse sentido, o enunciado doutrinário também aprovado na aludida III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça com o seguinte texto: “Os partidos políticos, sindicatos e associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil” (Enunciado n° 142).

ONR: nem associação e nem fundação Em tese, com base no referido rol, o ONR deveria ser constituído como fundação ou associação. Esta última hipótese, entretanto, deve, desde logo, ser descartada, já que de associação, efetivamente, não se trata. A uma, pois, em que pese não esteja mais o IRIB, sozinho, autorizado a criar o ONR e elaborar seu ato constitutivo (como estava previsto no então § 3º, do art. 54, da Medida Provisória nº 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017), o que, é certo, já desvirtuaria o conceito de associação, que, segun-

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do o art. 53 do Código Civil, consiste numa reunião de pessoas que se organizem para fins não econômicos (leia-se sem fito de lucro), nem seja mais necessária a aprovação do mesmo pela Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça (conforme previsto, também, no citado § 3º, do art. 54, da MP nº 759/2016), continua esta com a função de ser agente regulador do ONR e zelar pelo cumprimento de seu estatuto (§ 4º, do art. 76, da Lei nº 13.465/2017), denotando uma certa ingerência na vida da entidade a ser constituída, em detrimento de nossa Constituição Federal, uma vez que é plena a liberdade de associação, independendo sua criação de autorização, vedada a intervenção estatal em seu funcionamento (incisos XVII e XVIII, do art. 5º, da CF).

Observe-se que, com o veto do § 8º, do art. 76, alhures referido, não mais caberá à Corregedoria Nacional do CNJ editar ato que disponha sobre outras atribuições a serem exercidas pelo ONR, o que também seria contrário à nossa Carta Magna. A duas, porque, ao dispor, o § 5º, do art. 76, da Lei nº 13.465/2017, que as unidades do serviço de registro de imóveis dos Estados e do Distrito Federal (que não têm personalidade jurídica) integram o SREI e ficam vinculadas ao ONR, está se obrigando, em verdade, que todos os Oficiais do Registro de Imóveis do País, indiretamente, sejam integrantes da entidade a ser criada (ONR), o que é frontalmente contrário ao estabelecido no inciso XX, do art. 5º, da Carta Cidadã, que assim dispõe: “XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. É de se ressaltar, contudo, que a participação,


NATUREZA JURÍDICA compulsória ou não, de todos os senhores Oficiais de Registro de Imóveis deste País é fundamental para o sucesso do SREI... Como fundação, que, diferentemente da associação, é uma reunião de patrimônios, penso também não ser viável a constituição do ONR, principalmente porque estará a fundação sujeita a uma dupla fiscalização – da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público –, através da Curadoria ou Provedoria de Fundações, com as dificuldades daí decorrentes.

ONR: pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos Assim sendo, e, até pela forma ampla e ao mesmo tempo vaga com que o assunto é tratado na redação conferida ao citado art. 76, da Lei nº 13.465/2017, tenho para mim que a natureza jurídica do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR deva ser considerada como sendo a de uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sui generis, atípica, portanto, tal como ocorre com os serviços sociais autônomos, retro mencionados, com os quais guardará semelhança caso receba, compulsoriamente, no futuro, contribuições parafiscais. Em

Jean-Baptiste Debret | 1816

razão dos serviços que serão prestados pelo ONR (vide § 6° e § 7º, do art. 76, da Lei nº 13.465/2017), poderá ele ser considerado como uma verdadeira entidade paraestatal, eis que, embora não integre a administração pública, atuará paralelamente ao Estado na consecução de atividades de interesse público. Quanto ao órgão de registro para fins de aquisição da personalidade jurídica do ONR não paira nenhuma dúvida: por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, competente será o Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local em que situada a sua sede. O estatuto do ONR, por não ser este uma associação, deverá, a meu ver, observar, pelo menos, os requisitos contidos no art. 46, do Código Civil. Essas as minhas considerações a respeito da matéria.

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ONR Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis eletrônico e a atividade regulatória da Corregedoria Nacional de Justiça: uma nova realidade instituída pela 1 Lei nº 13.465 José Aurélio da Cruz – Desembargador Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça da Paraíba José Herbert Lisboa – Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça da Paraíba, com

atuação na área de registros públicos, especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Tomas-PR e Mestre em Direito pela Unisantos-SP

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CONSTITUCIONALIDADE Os autores entendem que a criação e implantação do Sistema Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) e do Operador Nacional de Registro (ONR), em respeito ao princípio da Supremacia do Interesse Público, possuem amparo constitucional. 1. Breve histórico O art. 37 da Lei nº 11.977/2009 instituiu o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico para os serviços de registros públicos disciplinados pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. A mencionada legislação, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e tratava da Regularização Fundiária Urbana, foi parcialmente revogada pela Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017 que, dentre outras matérias, passou a disciplinar novo regramento para a REURB2 de interesse social e de interesse específico. O parágrafo único do art. 38 da Lei nº 11.977/2009 estabeleceu que as serventias de registros deveriam disponibilizar a “recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico”, exigindo-se ainda a inserção dos

atos registrais pretéritos3 e futuros no sistema de registro eletrônico, no prazo de até 5 (cinco) anos a contar da publicação da referida Lei (art. 39). De seguinte, o Provimento nº 47, de 18.06.2015, da Corregedoria Nacional de Justiça, instituiu diretrizes gerais para o sistema legal de registro eletrônico de imóveis a ser implantado e integrado por todos os oficiais de registro de imóveis de cada Estado e do Distrito Federal, com o escopo precípuo de estatuir intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os registros de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral; estabelecer a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; fomentar a expedição de certidões em formato eletrônico4; e, por último, formar nas serventias extrajudiciais repositórios registrais eletrônicos para a recepção de dados e o “armazenamento de documentos eletrônicos”5.

1

perador nacional de registro. Estudo quanto à constitucionalidade e à legalidade de sua criação por meio da Medida Provisória nº O 759, de 22 de dezembro de 2016, convertida na Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Propositura sugerida pelo colégio permanente às corregedorias gerais da justiça dos estados e distrito federal, no 74° ENCOGE, ocorrido nos dias 27 e 28 de junho de 2017.

2

REURB – Regularização Fundiária Urbana.

3

Contados da Vigência da Lei dos Registros Públicos – Lei 6.015/1973. Lei dos Registros Públicos: “Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido. Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP.” (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009).

4

5

Art. 2º e incisos do Provimento mencionado.

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ONR O Ato Normativo da Corregedoria Nacional, objetivando a implementação e operabilidade do sistema, obrigou a criação de centrais de serviços eletrônicos compartilhados nos Estados e Distrito Federal pelos oficiais de registro, estipulando prazo de 360 dias para funcionamento das centrais a contar da publicação do Provimento (art. 9º). Segundo o Diretor de Tecnologia do IRIB, Flauzilino Araújo dos Santos (2017), mesmo expirado o prazo quinquenal previsto art. 39 da Lei nº 11.977/2009 e o lapso temporal do aludido Provimento, não se implantou ainda o sistema de registro eletrônico de imóveis, “tanto para informatizar os procedimentos registrais internos e de gestão das serventias, quanto para promover a interconexão de todas as unidades de registro de imóveis do país com o Poder Judiciário, a Administração Pública e os usuários privados”6. A Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, cuidou, dentre outros relevantes assuntos, do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico e criação do ONR. A Lei de Conversão da citada MP (Lei nº 13.465/2017), por sua vez, manteve a iniciativa original reafirmando que o Operador Nacional de Registro será organizado como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sendo a Corregedoria Nacional de Justiça o seu órgão regulador (parágrafos 2º e 4º do art. 76). A discussão atual, todavia, é sobre a constitucionalidade e legalidade da criação desse órgão de caráter nacional que tem por finalidade implementar e operar o SREI – Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico, diante do regramento constitucional previsto no art. 236 da CF/88, segundo o qual a fiscali-

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zação dos serviços extrajudiciais de notas e registros é de atribuição dos Estados-membros, por meio do Poder Judiciário Estadual, inexistindo previsão constitucional para uma ordenação de “âmbito nacional” das atividades registrais.

2. Da natureza constitucional dos Serviços Extrajudiciais, o caráter nacional da atividade registral e a constituição do ONR O art. 236 Constituição Federal de 1988 instituiu serviços notariais e registrais como sendo uma função pública delegada de natureza sui generis, exercida por pessoa física e em caráter privado, cujo ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos. Em que pese o exercício em caráter privado, a Carta Magna não se afastou do conceito tradicional de funções delegadas do poder público, em atenção aos princípios da subordinação hierárquica existente entre o Poder Estatal e o delegatário, pessoa física que exerce o serviço de notas ou de registro. A lei nº 8.935/1994, regulamentadora do citado dispositivo constitucional, prescreve que “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art. 2º). Nessa perspectiva, o legislador constituinte e o infraconstitucional transferiram para o particular as atribuições que, em linha de princípio, caberiam ao Estado, ente delegado do ofício público decorrente da própria natureza da atividade desempenhada.

esumo da Proposta de Constituição do Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico. Disponível em: <https://www.portaldori.com. R br/2017/03/14/onr-operador-nacional-do-registro-de-imoveis-eletronico/>. Acesso em 30 de maio de 2017. Artigo produzido em 2017.

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CONSTITUCIONALIDADE Em 2005, o Supremo Tribunal Federal na ADI 3151/ MT, de que foi Relator o Min. Carlos Ayres Brito, pacificou a questão da natureza jurídica da delegação:

Inobstante os Estados e o Distrito Federal sejam os entes competentes para organizar esses serviços extrajudiciais, lei federal pode implementar e criar o Sistema Nacional de Registro de Imóveis, com o objetivo de otimizar a utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação...

a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como

antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito (…)7 .

A previsão constitucional dos serviços de registro já traduz o “âmbito nacional” da atividade desempenhada pelo delegatário. A criação mediante lei do SREI8 decorre da interpretação teleológica do art. 236 e seus incisos, da Constituição Federal de 1988. Inobstante os Estados e o Distrito Federal sejam os entes competentes para organizar esses serviços extrajudiciais, lei federal pode implementar e criar o

Julgado em 8 de junho de 2005. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363325>. Acesso em 20 de junho de 2017.

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Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico.

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ONR Sistema Nacional de Registro de Imóveis, com o objetivo de otimizar a utilização de Tecnologia de Informação e Comunicação, uniformizando procedimentos registrais internos e de gestão, com a criação de padrões técnicos a propiciar a interconexão das serventias na protocolização eletrônica de títulos e no acesso às certidões e informações cartoriais. Essa salutar intervenção de poder de orientação, instrutório e de ordem já é exercida no âmbito dos Tribu-

nais Regionais e Estaduais pela Corregedoria do CNJ. Não há que se falar em quebra da independência jurídica e funcional do registrador, o qual continuará exercendo a sua delegação pública com autonomia de gestão9 , inclusive mantida a sua função qualificadora do título a ser levado a registro. Com o surgimento do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda nº 45/2004, órgão interno de

Palácio do Governo de São Paulo | Jean-Baptiste Debret | 1827

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Lei 8.935/95: “Art. 41. Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução”.

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CONSTITUCIONALIDADE controle administrativo, financeiro e disciplinar dos tribunais e juízes situados hierarquicamente abaixo do Supremo Tribunal Federal, a estrutura do Poder Judiciário passou a ter caráter nacional, com um regime orgânico unitário.10

... cai no vazio qualquer argumento de insurgência em torno da criação do ONR, a ser regulado e fiscalizado pelo CNJ por meio da Corregedoria Nacional, segundo o disposto no art. 76 e incisos, da Lei 13.465.

Em razão disso, e considerando, sobretudo, que os cartórios de registro integram os “serviços auxiliares” do próprio corpo do Poder Judiciário, cai no vazio qualquer argumento de insurgência em torno da criação do ONR, a ser regulado e fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Corregedoria Nacional, segundo o disposto no art. 76 e seus incisos, da Lei 13.465/2017.11

O poder fiscalizador do Judiciário permanecerá incólume, desta feita, mediante acompanhamento e supervisão da Corregedoria Nacional de Justiça. Se este órgão superior regula e disciplina os órgãos do Judiciário dos Estados e do Distrito Federal na esfera administrativa, parece ser irrefutável a sua legitimidade constitucional para nortear o ONR instituído por lei.12 Não se trata de “corpo estranho” à atividade registral. Muito pelo contrário, a sua organização está

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legalmente autorizada. O veto presidencial aos parágrafos 3º e 8º do art. 76 da Lei nº 13.465/2017 (advinda do Projeto de Lei de Conversão nº 12), todavia, deixou em aberto a quem compete constituir o ONR e elaborar o correspondente estatuto. É possível que, por força desse veto, surja a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça estabelecer o disciplinamento e o alcance da atividade regulatória da Corregedoria Nacional, mediante ato normativo.

Nas razões do veto, a Presidência da República asseverou: Os dispositivos apresentam inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da separação dos poderes, ao alterar a organização administrativa e competências de órgão do Poder Judiciário; há também violação ao princípio da impessoalidade, entendido como faceta do princípio da igualdade, ao estabelecer atribuição para entidade privada constituir o ONR, em detrimento de outras.13 Nessa perspectiva, a Corregedoria Nacional de Justiça, mesmo sendo órgão regulador, não poderá dispor sobre outras atribuições a serem exercidas

Posição adotada pelo STF no julgamento da ADI 3.367-1/DF, Relator Min. César Peluzo, publicado em 22.09.2006. rt. 76. O Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI será implementado e operado, em âmbito nacional, pelo Operador Nacional do A Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR. (…) § 6º. Os serviços eletrônicos serão disponibilizados, sem ônus, ao Poder Judiciário, ao Poder Executivo federal, ao Ministério Público e aos entes públicos previstos nos regimentos de custas e emolumentos dos Estados e do Distrito Federal, e aos órgãos encarregados de investigações criminais, fiscalização tributária e recuperação de ativos. Em que pese a lei de conversão ter vetado o § 3º da Medida Provisória nº 759/2016, entende-se que persiste o dever de submissão do estatuto do ONR à aprovação da Corregedoria Nacional, diante da sua função de agente regulador.

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Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Msg/VEP-232.htm>. Acesso em 17 de julho de 2017.

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ONR pelo Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico. Relevante também é o fato de que a sua constituição não caberá apenas a uma entidade privada.14 Haverá a participação de outras entidades, inclusive representativas da categoria.

(...) ‘nada obsta, na ordem constitucional vigente, a formação de serviço nacional que sistematize, centralize, facilite e democratize o acesso às informações sobre registros de imóveis’...

Longe de ser uma área “interdita”, o serviço registral compõe a complexa estrutura do Poder Judiciário (art. 96, I, alínea “b”, CF/88) e, nos termos da minuta do Estatuto do ONR15 que tramita na Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Pedido de Providências nº 0000665-50.2017.2.00.0000, o Conselho Consultivo “será composto por um representante da Corregedoria Nacional de Justiça e um representante de cada uma das Corregedorias Gerais dos Estados e do Distrito Federal” (art. 24), numa evidente demonstração de que os poderes normativos em torno dos serviços registrais permanecerão sob a regulação dos órgãos do Judiciário.

Cuida-se, então, de uma espécie de “regulação estatal” a ser exercida pela Corregedoria Nacional de Justiça em face do Operador Nacional de Registro. Philip Gil França (2017, p. 118), discorrendo sobre o Poder

Disciplinar estatal, aponta: “A atividade regulatória, lato sensu, nada mais é do que um conjunto de sofisticadas ações voltadas à orientação, determinação, fomento, fiscalização e correição de planos destinados à delimitação da atuação de um sujeito, ou grupo de sujeitos”. 16

Para França, o agente regulador atua respaldado com a força do Poder de Polícia estatal, estabelecendo limitações externas e internas no desempenho constitucional dos serviços públicos exercidos pelo particular ou pela própria Administração. “Constitui a sobreposição proporcional da vontade do particular pela legítima vontade do Estado, com o fim de proteção e desenvolvimento do bem comum”, conclui o autor (ibidem). De acordo com Celso Fernandes Campilongo (2017, p. 12), a criação do ONR é legal, porquanto “nada obsta, na ordem constitucional vigente, a formação de serviço nacional que sistematize, centralize, facilite e democratize o acesso às informações sobre registros de imóveis”, sendo certo que “essa tarefa não se confunde nem se sobrepõe àquelas desempenhadas pelos oficiais de registros de imóveis”17.

A redação do Projeto de Lei de Conversão autorizava o “Instituto de Registro de Imóveis do Brasil - IRIB” a constituir o ONR e elaborar com exclusividade o seu estatuto.

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presentada pelo IRIB, por força do então vigente § 3º, art. 54 da MP 759/2016. Provavelmente sofrerá alterações e ajustes, haja A vista que a lei nº 13.465/2017 franqueou, com o veto ao § 3º do art.76, a participação de outras entidades privadas na constituição e elaboração do estatuto.

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FRANÇA, Philip Gil. Ato administrativo e Interesse Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

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pinião Jurídica apresentada mediante Consulta formal feita pelo IRIB ao Professor Celso Fernandes Campilongo, Titular da O Faculdade de Direito da USP e Livre-docente pela faculdade de Direito da PUC-SP. Extraída do Pedido de Providências PJE TJPB n.º 0000092-95.2017.815.1001.

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CONSTITUCIONALIDADE Em conformidade com a minuta do Estatuto (art. 5º) sob análise na Corregedoria Nacional18, ao ONR caberá, dentre outras atribuições, implantar e coordenar o sistema nacional de registro de imóveis eletrônico; estabelecer padrões de transparência, segurança e interoperabilidade no funcionamento desse sistema; supervisionar a operação das centrais estaduais de serviços eletrônicos compartilhados, exigidos pelo Provimento nº 47/2015 da Corregedoria Nacional de Justiça; criar cadastro nacional de Regularização Fundiária Urbana, para fins estatísticos e de acompanhamento; disseminar padrões tecnológicos que viabilizem o intercâmbio eletrônico de dados e portabilidade de sistemas entre os oficialatos de registro, promovendo a interligação de todas as serventias do País, mediante barramento de dados, ou seja, através de linha de comunicação eletrônica entre os serviços registrais de imóveis em todo o território nacional.

3. Considerações finais Vê-se que o Operador Nacional de Registro não desempenhará atividades próprias e exclusivas de registradores, não sendo órgão substituto de cartório de registro imobiliário, muito menos exercerá a atividade-fim dos respectivos delegatários. A finalidade é propiciar a interconexão das unidades de registro, buscando a eliminação ou diminuição das assimetrias na prestação desse serviço público delegado. Entende-se que o ONR não suprimirá o exercício da delegação cartorária

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e nem assumirá as atribuições locais das centrais dos serviços eletrônicos compartilhados, já funcionando em diversos Estados. A proposta de conferir ao ONR a atribuição de baixar “instruções técnicas” para a operabilidade do funcionamento uniforme do Sistema não retira o poder de edição de normas técnicas pelo Judiciário (art. 37, Lei 8.935/1994), sendo certo que os oficiais de registro continuarão como protagonistas da delegação constitucional, sem perder o controle dos atos e serviços registrais da serventia. O Operador Nacional de Registro será constituído como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com características distintas das pessoas jurídicas mencionadas no art. 44 do Código Civil19, mais se assemelhando aos serviços sociais autônomos20. O Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico foi criado com a edição da Lei nº 11.977/2009, não sendo razoável somente agora se ventilar a ilegalidade desse valioso instrumento de “governança corporativa” que tem como visão institucional aumentar a eficiência tecnológica dos serviços cartorários, com redução de custos e prazos, para garantir a segurança da informação e melhorar a acessibilidade dos serviços pelos cidadãos em geral, contribuindo, inclusive, com órgãos de investigação criminal e de fiscalização tributária, além de cooperar com o Estado Brasileiro e entidades privadas no sentido de concretizar uma Governança Fundiária Nacional e de

PP 0000665-50.2017.2.00.0000

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rt. 44. “São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; A V - os partidos políticos. VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.” O Enunciado nº 144 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e do STJ, firmou que “a relação das pessoas jurídicas de Direito Privado, constante do art. 44, incisos I a V, do Código Civil, não é exaustiva.”

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Essa é a posição do Professor Graciano Pinheiro Siqueira, especialista em Direito Comercial pela USP. Consultor Jurídico do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil. Parecer extraído do Pedido de Providências PJE TJPB nº 0000092-95.2017.815.1001.

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ONR aperfeiçoar o ambiente de negócios e financiamentos imobiliários.

Vê-se que o Operador Nacional de Registro não desempenhará atividades próprias e exclusivas de registradores, não sendo órgão substituto de cartório de registro imobiliário, muito menos exercerá a atividade-fim dos respectivos delegatários.

Por tais considerações, à guisa de conclusão sumária, entende-se que a criação e implantação do Sistema Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico (SREI) e do Operador Nacional de Registro (ONR), em respeito ao princípio da Supremacia do Interesse Público, possuem amparo constitucional pela interpretação teleológica a ser dada ao comando do § 4º do art. 103-B21 e art. 236 da CF/1988.

Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 20 de junho de 2017. . Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e ur-

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bana, sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2017/lei/L13465.htm>. Acesso em 17 de julho de 2017. . Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm>. Acesso em: 20

de junho de 2017. . Lei n° 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nºs 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória nº 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (...)

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CONSTITUCIONALIDADE

Grande Di | Di Cavalcanti | 1816

htm>. Acesso em: 20 de junho de 2017. . Lei nº 6.015, de 31 dezembro de 1973. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2017. . Medida Provisória nº 756, de 22 de dezembro de 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/ mpv759.htm>. Acesso em: 20 de junho de 2017. . Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em: 20 de junho de 2017. . Projeto de Lei de Conversão n° 12, 2017 (proveniente da MP 759/2016). Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/

prop_mostrarintegra;jsessionid=CC93F438D67C4D2B2BBD34CA73D1C8DD.proposicoesWebExterno2?codteor=1553435&filename=TramitacaoPLV+12/2017+MPV75916+%3D%3E+MPV+759/2016>. Acesso em 20 de junho de 2017. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Opinião Jurídica ofertada em Consulta pelo IRIB. Pedido de Providências PJE TJPB nº 0000092-95.2017.815.1001 e PP/CNJ 000665-50.2017.200.000. FRANÇA, Philip Gil. Ato administrativo e Interesse Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Opinião Legal ofertada a pedido do IRIB. Processo PJETJPB nº 0000092-95.2017.815.1001.

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SREI e a importância da regulação em âmbito nacional Antônio Carlos Alves Braga Júnior

Juiz Substituto em Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Convidado a proferir a palestra magna do 36º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis realizado pelo IRIB em São Paulo (26 e 27/10/2017), o doutor Antônio Carlos Alves Braga Júnior falou do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) e da importância da regulação em âmbito nacional. E apresentou o Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico (ONR) como um ambiente de integração, o “regente da orquestra” cuja função é trabalhar para os registradores imobiliários. Esclareceu, ainda, que o ONR é construído pelos registradores para atuar em favor deles mesmos.

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SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

V

amos falar sobre a recente história da Lei de Regularização Fundiária e abordar o registro eletrônico de imóveis, que está intimamente relacionado a essa questão.

O Ministério das Cidades editou a Portaria nº 326, de 18 de julho de 2016, assinada pelo ministro Bruno Araújo, instituindo o Grupo de Trabalho Rumos da Política Nacional de Regularização Fundiária (GTRPNRF), com a finalidade de debater propostas de alteração do marco legal de regularização fundiária e definir diretrizes e metas para a Política Nacional de Regularização Fundiária. Esse grupo tinha dezesseis integrantes, entre os quais o doutor Flauzilino Araújo do Santos, o doutor Marcelo Berthe e eu, além de outros integrantes das mais variadas áreas e localidades do Brasil, para executar essa tarefa gigantesca. O prazo era de sessenta dias para concluir os trabalhos e apresentar uma proposta de medida provisória que desembocou na Medida Provisória 759, depois convertida na Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

Num primeiro momento reunimos tudo o que havia de legislação relativa a regularização fundiária no Brasil e o que era preciso para modernizar. O maior problema é a existência de 30 milhões de habitações irregulares. É algo como 100 milhões de pessoas, metade do Brasil. A maior parte desses imóveis é impossível de regularizar com as ferramentas jurídicas disponíveis. O sistema jurídico é robusto, clássico, confiável, mas não atende a uma realidade premente. As situações são as mais variadas, incluindo os morros na cidade do Rio de Janeiro. Em 2011, o desembargador Marcelo Berthe e eu sobrevoamos de helicóptero a cidade de São José do Rio Preto. Sobrevoamos 108 bairros derivados de 108 empreendimentos imobiliários irregulares. Imóveis muito bem delimitados, em formatos regulares, murados, construções de alto padrão, verdadeiros bairros em uma das mais ricas cidades do Brasil. O município quis muito regularizar esses 108 empreendimentos, mas não detinha as ferramentas necessárias para isso. Esse era o cenário que tínhamos. Inúmeras obras, empreendimentos habitacionais recém-entregues do Programa Minha Casa, Minha Vida, edifícios construídos, documentos entregues aos titulares dos programas de habitação, porém, tudo sem registro e sem possibilidade de registro. A impossibilidade de registro se deve às mais variadas situações. Podia, eventualmente, haver ali uma ocupação consolidada há muito tempo. O poder federal removeu as pessoas, construiu os empreendimentos, financiou e pagou. A população foi realocada em sua moradia, recebeu os documentos do governo federal relativos a essas unidades. Mas nada tinha registro. E não era possível registrar. No registro aquilo era titularidade privada. E não havia desapropriação. Nessas situações, o Estado sempre se questiona: como desapropriar

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algo e pagar indenização para alguém que já perdeu a propriedade por usucapião? A área está tomada há décadas. Isso é incorrer em improbidade administrativa. Ou seja, a área é privada, tem uma destinação pública, porém não é possível ingressar no registro. Como fazer? O desembargador Marcelo Berthe e eu discutíamos como fazer para modernizar o sistema. Eu me surpreendo seguidamente com a visão, a inteligência e a argúcia dele para conceber e compreender situações. Ele traz soluções de maneira muito corajosa e inovadora. Foi isso que ele trouxe para a reunião, ou seja, não importa se a área é pública ou privada. Sendo uma situação consolidada, assim reconhecida de maneira objetiva, com mecanismos seguros, o poder público fica autorizado a promover a regularização. Nós procuramos vários colegas especialistas do direito civil para conferir se aquela iniciativa era sustentável. No entanto, se não fizermos algo ousado, ficaremos com os 30 milhões de imóveis aguardando para sempre a regularização. Imaginem o não-impacto econômico de 30 milhões de habitações irregulares sem condições de transferência, de negociação formal. E quando se negocia, a transação é feita na mais absoluta informalidade, sem nenhuma garantia de direitos dos herdeiros. Imaginem a subtração de efeito econômico que isso tem. Quantas posições saltaríamos na lista dos países mais ricos do mundo? Quantas posições subiríamos, se essa enormidade de imóveis pudesse ser incluída na economia formal? Foi a partir desse cenário que se abriu um novo espaço para a discussão do tema. Com muito custo, e superando todo o trânsito político que envolve essa questão, o grupo conseguiu alcançar a Medida Provisória 759, de 22 de dezembro de 2016.

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SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis: necessidade de regulação em âmbito nacional O SREI é um tema que foi resgatado. Já havia sido tratado na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispôs sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida. Por que o registro eletrônico foi tratado novamente, agora em lei de regularização fundiária? O que o registro eletrônico tem a ver com isso? Tudo a ver. Se não tivéssemos levado o tema à regulamentação, outra regularização viria porque o tema estava fervilhante. O incremento da regularização fundiária depende da criação de mecanismos de controle e fiscalização que permitirão saber quais municípios estão de fato implementando a regularização, se os Estados estão apoiando seus municípios, ou se é a iniciativa privada que está à frente da regularização. A criação desse mecanismo de controle está a cargo do Poder Executivo. Todas essas questões foram discutidas em âmbito federal porque o problema é nacional. Mais uma vez nos deparamos com a possibilidade indesejável de ver a atividade extrajudicial sendo gerida no âmbito do Poder Executivo. Quando surgiu esse questionamento dissemos que nenhuma figura deveria ser criada no âmbito do Poder Executivo porque já havia solução para esse problema desde 2009, que é o Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico. O SREI está em fase de implantação. Algumas partes estão sendo aplicadas, mas ainda há um longo trabalho. A questão toda está na necessidade de regulação em âmbito nacional. Nós estamos falando de governo federal, de recursos federais, de uma Medida Provisória. Mais uma vez nos vimos diante de um vácuo que é a ausência de integração dos Registros de Imóveis


SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

em âmbito nacional. O ferramental aplicado não avançou o suficiente. Faltou ousadia para fazer aquilo que os tabeliães de notas e os registradores civis já fazem desde 2012, e os cartórios de Protesto e de Títulos e Documentos estão constituindo, que são as estruturas nacionais integradas. O Registro de Imóveis está ficando para trás. Há quase uma década discutimos o tema da necessidade de uma integração nacional.

ONR é o órgão integrador das centrais estaduais

Não, nem se quisesse poderia fazer isso. O ONR vai servir de camada de integração. Na pirâmide normativa ocupam o primeiro plano a Constituição Federal e legislações federais, seguidas das legislações estadual e municipal, a que todos estamos sujeitos. Logo abaixo está posicionada a estrutura administrativa, ou seja, as normas administrativas, decisões, resoluções e provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça. Em seguida, as normas administrativas dos Estados, às quais estamos sujeitos, Corregedorias Gerais e provimentos. Abaixo disso é que estão as normas operacionais. Ou seja, é abaixo dessas três camadas que se operará o SREI no Brasil.

Faltou ousadia para fazer aquilo que os tabeliães de notas e os registradores civis já fazem desde 2012, e os cartórios de Protesto e de Títulos e Documentos estão constituindo, que são as estruturas nacionais integradas.

O serviço extrajudicial precisa se posicionar e ocupar o seu espaço no plano nacional. Para isso precisamos de uma estrutura nacional de integração que é o ONR, Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico.

É o extrajudicial que precisa se posicionar no plano nacional. Essa iniciativa não pode partir do Poder Executivo. É o registro imobiliário que tem que fazer a sua estruturação nacional, impor sua presença no plano nacional. O diálogo necessário tem que ser feito com o Poder Judiciário, não com o Executivo. Por que o Registro de Imóveis não pode povoar uma base nacional a exemplo do que vem sendo feito pelas demais especialidades desde 2012? Talvez até uma estrutura mais robusta, uma pessoa jurídica com essa finalidade? O ONR vai substituir a atividade registral? Não, de maneira nenhuma. Vai suprimir as centrais estaduais? De maneira nenhuma. Vai reduzir ou eliminar a atividade administrativa das Corregedorias Gerais?

O ONR não substitui e nem suprime nenhuma dessas camadas legislativas. Jamais algum provimento da Corregedoria ou do CNJ seria capaz de prover normas operacionais com a agilidade necessária. Para isso é preciso uma atividade permanente para definição de protocolos, modelos, sintaxes, regras que jamais uma Corregedoria Geral poderia operacionalizar. O serviço extrajudicial não pode esperar sempre que as demandas sejam transformadas em provimentos. Toda mudança legislativa afeta de alguma maneira o sistema. Não se pode esperar um provimento da Corregedoria a cada alteração. Precisamos de agilidade. Precisamos de dinamismo. Portanto, o ONR é o órgão integrador das centrais estaduais. O ONR não faz registro. O ONR é o regente da orquestra. O regente não toca nenhum ins-

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Com o mesmo regente e a mesma partitura, a sinfonia será executada magistralmente. É isso que esperamos para o Registro de Imóveis, que ocupe sua posição no cenário nacional.

trumento na orquestra, a não ser situações excepcionais, como Daniel Barenboim que toca piano e rege a orquestra ao mesmo tempo. Ele é o regente, ele é que dá a marcha, ele dá o andamento, a entrada, a intensidade. Ele faz o ajuste para que o conjunto dos músicos execute aquela peça de maneira impecável. Todos na orquestra sabem tocar, todos conhecem a partitura, sabem executar a música, mas não terão nunca uma noção plena do conjunto. Por que os regentes são tão valorizados no mundo? Porque é a presença deles que dá autoria à orquestra. Esse é o papel do ONR, a sua função é trabalhar para os registradores. O ONR é construído pelos registradores para atuar em favor deles mesmos.

Portanto, poder contar com essa fonte única provedora de normalização técnica, instruções e orientações vai facilitar demais. Hoje o escrivão do cartório judicial já não tem mais a série de problemas que o preocupava. A guarda do processo, a conservação, não são mais problemas graças a uma estrutura macro governada, pelo tribunal, que elimina várias tarefas nesse processo. Imaginem os senhores estarem aliviados de uma série de atividades.

Teoricamente é possível haver uma integração nacional dos Registros de Imóveis sem o auxílio desse regente integrador. Na prática isso jamais ocorrerá. O que o registrador vai atender primeiro? A sua demanda local, a demanda da central estadual ou a demanda das demais centrais espalhadas pelo Brasil? Que tempo terá o registrador para alinhar a sua atividade a uma orientação que abranja as centrais de outros Estados? E as centrais estaduais, que recursos terão para fazer os devidos alinhamentos?

Em termos de investimento financeiro, imaginem se o tribunal disponibilizasse um orçamento anual de Tecnologia da Informação (TI) para os 2.500 magistrados da ativa no Estado de São Paulo. Imaginemos uma verba de 400 mil reais por ano para cada magistrado investir em TI, possibilitando a integração com outras varas, câmaras, com o STJ, STF. Considerando o salto recente dado pela Justiça do Estado de São Paulo em termos de informatização, o que seria possível fazer a partir desse formato de gestão descentralizada?

O Judiciário sempre esteve no fim da fila em tecnologia. Mudamos de posição radicalmente e hoje somos condutores. Hoje se discute inteligência artificial no Judiciário. O processo digital é um fato. É obvio que ainda há grande desalinhamento no Brasil, mas temos 100% de varas digitais no Estado de São Paulo. Desde o início de 2016, todos os processos

Da maneira pulverizada como foi feito, eu calculo um décimo do que foi feito. Tivemos uma situação semelhante anteriormente a 2012, quando aconteceu a unificação de sistemas no Tribunal. Tínhamos doze sistemas informáticos de primeiro grau absolutamente isolados, que não conversavam entre si. A conversa se dava através do pa-

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que ingressam na Justiça paulista são digitais.

ONR: um ambiente de integração, o provedor de instruções, o regente da orquestra


SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

pel, o que havia era o acompanhamento do sistema eletrônico. Havia doze sistemas em primeiro grau e cinco sistemas em segundo grau. A Emenda 45 possibilitou a unificação dos Tribunais de Alçada com os Tribunais de Justiça, porém cada um deles manteve o seu sistema. O Tribunal de Alçada Criminal manteve seu sistema e tornou-se seção criminal. O 1º Tribunal de Alçada manteve seu sistema e tornou-se DP2. O

2º Tribunal de Alçada também continuou operando com seu sistema após ter se tornado DP3. O Tribunal de Justiça manteve os seus vários sistemas, enfim, ninguém mexia em nada. Hoje, todas as unidades judiciárias do Estado de São Paulo estão integradas em um único sistema. Imaginem o que isso representa de alívio para a atividade judiciária. Imaginem o salto tecnológico que sofremos. Isso é o que vislumbramos para o ONR. Que

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seja um ambiente de integração, provedor de instruções, o regente da orquestra. Queremos que todos se virem para o ONR, seja de forma direta ou por intermédio de sua central estadual. Do contrário, o que vejo é uma montanha com várias pessoas em volta, em diferentes níveis, tentando escavar um túnel para encontrar-se no meio. Há uma chance de isso dar certo e bilhões de chances de dar errado.

Nós estamos vendo a tentativa de intervenção pelo Poder Executivo, que vê a questão imobiliária como um problema relevante e tenta, a todo custo, interferir para criar mecanismos de controle e de automação dessa tarefa.

Com o mesmo regente e a mesma partitura, a sinfonia será executada magistralmente. É isso que esperamos para o Registro de Imóveis, que ocupe sua posição no cenário nacional.

Riscos e ameaças à atividade registral imobiliária No que diz respeito aos possíveis riscos, o que poderá ocorrer se os Registros de Imóveis não promoverem a integração plena dos seus sistemas no plano nacional? O comando normativo existe desde 2009 e nada foi feito até hoje. Essa situação pode continuar por mais cinco anos, dez anos, e nada ser resolvido a esse respeito. A implantação do ONR é apenas o começo, ou melhor, algo aquém do começo, uma entidade coordenadora de instruções e orientações. Tudo mais ainda está por construir. É claro que nós temos um modelo1, o SREI. En1

Hoje, o Registro de Imóveis se encontra no patamar da mera troca de documentos e dados entre os Registros de Imóveis por meio das centrais atuais. É isso que queremos ou a escrituração eletrônica e a integração plena que é para onde o Registro Civil está caminhando? Não é de hoje que o Registro Civil experimenta essas novas tecnologias. Já está testando o livro eletrônico. E faz tempo.

Qual o nível de automação, de tecnologia digital, de integração, de transformação digital que pretendemos para o serviço extrajudicial? Essas respostas cabem ao serviço extrajudicial, não ao Judiciário ou ao governo federal. É o Registro de Imóveis que deve se incumbir de fazer um projeto, estabelecer os objetivos e os recursos necessários para almejar esse resultado. Determinar a infraestrutura e as ferramentas que garantirão a segurança da informação, além dos prazos para a execução do projeto. Esse projeto ainda não existe, tudo terá que ser construído. E a única forma possível é por meio de um órgão órgão coordenador. Quando eu vejo a trajetória pela qual passou o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2011, com apenas 2% de varas digitais; quando vejo a revolução, o tsunami que aconteceu dentro do tribunal durante esse período; nesse momento eu vejo o quanto é

NE: A especificação está feita. Para consultá-la v. https://goo.gl/vNncaK

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tretanto, para torná-lo realidade não basta chamar uma empresa de software para começar a construir. Precisamos de um projeto. Precisamos determinar o objetivo, a implantação, o nível em que será implantado o SREI.


SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

grande a tarefa do serviço extrajudicial.

narem facultativos por lei?

Eu pergunto se existe alguma possibilidade de as coisas continuarem do jeito que estão. O registrador de grande porte que está em uma capital ou uma grande cidade com muito movimento imobiliário talvez não tenha muito com o que se preocupar porque vai continuar tendo meios e recursos para sustentar a sua atividade, enfrentar crises, oscilações e as ameaças de interferência no serviço. Nós estamos vendo a presente tentativa de intervenção pelo Poder Executivo, que sempre vê a questão imobiliária como um problema relevante e tenta, a todo custo, interferir nesse cenário para criar mecanismos de controle e de automação dessa tarefa. E isso é imediato. Basta o governo federal pensar em um programa, o Executivo imediatamente pensa na criação de um sistema. Isso é intuitivo. Se os registradores ainda não têm respostas, eles terão.

3 – Uma terceira ameaça é a possibilidade de os atos se tornarem gratuitos. Isso nos é familiar. Já vimos isso acontecer.

Já o registrador de médio e pequeno porte – 90% a 97% das serventias no Brasil – tem com que se preocupar. Nesse caso específico não estamos mais falando de riscos, mas de situações concretas, com vários exemplos. 1- A atividade de delegação é constitucional e dificilmente haverá uma emenda constitucional para alterar essa disposição na Constituição. No entanto, há um grande risco em se permitir que alguém mais faça aquilo que é de competência exclusiva dos registradores. Ou seja, é perfeitamente possível que algumas de suas atividades e atribuições possam ser desempenhadas por terceiros, podendo ser o governo federal, estadual ou mesmo uma entidade privada, como vemos atualmente. 2 – Outro risco é o serviço extrajudicial se tornar facultativo. Hoje o serviço é obrigatório, mas, e se alguns aspectos da atividade se tor-

Se essas três possibilidades ou qualquer uma delas ganhar volume, a atividade registral estará em risco. Talvez um registrador de grande porte não chegue a sofrer com isso, mas o registrador de médio e pequeno porte sofrerá sério comprometimento financeiro. Como fazer frente a isso, ingressar na nova economia e ocupar esse espaço?

Como ingressar na transformação digital sem abrir mão da segurança? Eu participei de um evento do Gartner Group, uma consultoria mundial de tecnologia que orienta empresas e governos na tomada de decisões na área tecnológica. O Tribunal de São Paulo é um cliente do Gartner. Discutimos uma série de questões que envolvem grandes decisões nessa área, se migraremos para cloud computing; se a nuvem privada que utilizamos é de fato o caminho; se é o caso de construirmos outro datacenter; se utilizaremos a inteligência artificial e por onde começar; em que momento devemos partir – e não se – para a cyber segurança. Até pouco tempo atrás o governo não era alvo de ataques cibernéticos e não nos preocupávamos com isso. Hoje, o governo, o Tribunal de Justiça, órgãos públicos, todos são alvos de ataques cibernéticos. Não podemos abrir mão da segurança com inteligência artificial, precisamos nos antecipar ao atacante e descobrir como ele pensa. Precisamos de um sistema inteligente que monitore tudo o que acontece

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na rede e possa detectar o primeiro sinal que foge ao padrão. É preciso saber de onde vem o ataque, se é em todo o Estado ou em uma só comarca, se em algumas varas, ou numa única vara de modo concentrado. É preciso detectar o quanto antes para que possamos agir também rapidamente. Se for o caso, isolar aquela comarca como ocorreu quando o WannaCry atacou mais de cem países. Nesse caso nos saímos muito bem, perdemos somente 1500 máquinas porque nossa equipe estava atenta aos sinais, aos chamados que informavam problemas de todo tipo: computador bloqueado, mensagem esquisita, etc. O espalhamento era lateral, o usuário recebia um e-mail e clicava numa espécie de “clique aqui e baixe o documento”. Em seguida, o script tomava conta da máquina e automaticamente começava a

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atacar as máquinas ao lado. Somente no prédio onde instalada a Seção de Direito Privado, 600 máquinas foram tomadas enquanto no restante do Estado muita gente nem soube do ocorrido. E isso foi detectado como uma mudança de padrão, algo que não era para acontecer naquele horário e naquele dia. A inteligência artificial vai detectar os mínimos abalos sísmicos e avisar sobre os riscos iminentes. Se for o caso, tira o sistema do ar até saber exatamente o que acontece. Vamos precisar recorrer à inteligência artificial. Não podemos correr o risco de o serviço ser inviabilizado por dias. É atordoante o tema da transformação digital. Muita coisa está acontecendo. O maior estresse do nosso CIO – Chief Information Officer é o grande nú-


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mero de opções em ferramentas e soluções tecnológicas. Ele tem que escolher um caminho, não pode errar nessa decisão e, se errar, consertar rapidamente. É muita informação. Atualmente existe a base instalada mundial de tecnologia. A difusão da tecnologia depende da conexão entre os computadores. Em 1997 se dava o início da internet no Brasil e poucos eram os computadores interligados. Hoje são 3,7 bilhões de usuários conectados à internet e 50% desse acesso é feito por computação móvel, por celulares. São 3,7 bilhões de usuários conectados em uma mesma rede, o que é muito difícil, porque é preciso passar cabo submarino, ligar todos os continentes, fazer a rede de superfície e a malha final, que é a antena ligada ao nosso celular que nos conecta com o mundo. Isso tudo é muito trabalhoso e requer muito investimento. É a parte material da coisa, a distribuição de computadores, de meios de acesso.

A essência do Registro de Imóveis é a qualificação do título, que exige conhecimento jurídico, interpretação, compreensão, raciocínio e lógica Dois estudantes em qualquer garagem de qualquer lugar do mundo podem criar uma aplicação e jogar na rede. Em quinze dias, com um custo muito baixo, obterão 50 milhões de usuários no mundo. Essa é a nova economia. Esse cenário é absolutamente diferente de tudo que já existiu. Milhões de ideias surgem todos os dias, mas apenas algumas são grandes ideias. Essa grande ideia se dissemina rapidamente e em pouco tempo poderá estar em uso no mundo inteiro em substituição às atividades tradicionais. Não é desejável, entretanto, que haja substituição da essência de determinadas atividades. A essên-

Milhões de ideias surgem todos os dias, mas apenas algumas são grandes ideias. Essa grande ideia se dissemina rapidamente e em pouco tempo poderá estar em uso no mundo inteiro em substituição às atividades tradicionais.

cia da atividade dos Registros de Imóveis é a qualificação do título. É uma atividade intelectual, suprema, que exige conhecimento jurídico, interpretação, compreensão, raciocínio e lógica. É uma atividade que todos os dias se coloca diante de situações novas, muitas sem respostas ainda, ou, ao contrário, com várias respostas, tudo a demandar um trabalho humano extremamente especializado e delicado.

Há sistemas de automação de decisões padronizadas no Judiciário, mas é óbvio que ninguém quer que seu processo seja objeto de uma decisão padronizada e automatizada. Esse é o elemento que não pode e não deverá ser substituído. O que não é uma atividade essencial pode e deverá se beneficiar da mudança tecnológica. No Judiciário estamos caminhando para a automação da decisão judicial. Algumas atividades não decisórias estão sendo suprimidas, o que não significa dizer a diminuição da equipe responsável pela análise do processo. A decisão judicial ainda demanda um juiz e uma equipe de analistas do processo até a decisão final. A ideia é permitir ao magistrado produzir um número maior de decisões conforme exige a demanda. Ainda não usamos a inteligência artificial, mas um código de automação. Toda hora ocorre a atualização do sistema para inclusão de um novo módulo

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de automação. Isso já é realidade. O próximo passo é fazer a automação do processo por meio da inteligência artificial. Estamos testando um assistente digital que tem por finalidade a classificação dos processos. O sistema lê todo o processo. Foi usado como exemplo um processo criminal relativamente a um furto qualificado, envolvendo três autores. Em grau de recurso, o processo foi lido pelo sistema de inteligência, que detectou, na leitura das peças, a ação de furto e abuso de menor. Ficamos espantados. Em nenhum momento se cogitou o abuso sexual de menor naquela ação. O processo

foi denunciado como furto, julgado como furto, recorrido como furto. Não havia inquérito, ninguém esperava encontrar no meio de um depoimento de furto a informação de que o réu no processo de furto abusava das duas filhas, de 4 e 6 anos. O sistema de inteligência detectou o abuso não porque entende de processos, mas porque o sistema entende de padrões. O sistema apresenta as palavras mais relevantes. Nesse caso específico, o sistema revelou ao ser humano que havia outra palavra para análise, abuso.

Transformação digital e a nova economia: a maior dificuldade é pensar de maneira diferente É diante dessa realidade que nos colocamos. Detalhe: aplicação de inovação tecnológica não significa transformação digital. Você pode comprar tudo o que há de mais moderno em tecnologia, mas isso não significa que você ingressou na nova economia, na transformação digital. Para isso acontecer é preciso que haja uma mudança no funcionamento do modelo administrativo. E essa é uma das nossas maiores dificuldades, pensar de maneira diferente. Um exemplo é a cooperativa de táxi e o Uber. A cooperativa de táxi é tradicional. Tem aplicativo, tem tecnologia, tem rede, pode dar nota, mas é uma cooperativa de táxi. Como transformar a cooperativa em um modelo Uber? Mudando totalmente o seu conceito administrativo. Na essência, não houve nenhuma mudança, é um automóvel com um motorista fazendo transporte de pessoas. O serviço é o mesmo. A entrega é mais ou menos a mesma. O modo de fazer, entretanto, mudou radicalmente. O tradicional é varrido pela mudança de conceitos. A Airbnb varre o sistema tradicional. Hoje,

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SREI E A IMPORTÂNCIA DA REGULAÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

pelo celular, é possível comprar passagens, hospedagens, passeios, fazer todo o serviço de uma agência de viagens. O serviço é o mesmo, o que mudou é a maneira de realizá-lo. É na mudança do modelo administrativo que precisamos pensar seriamente. O Judiciário tem muita tecnologia, mas pouco mudou o seu modelo administrativo.

Precisamos propiciar um ambiente favorável ao crescimento do Brasil, um ambiente favorável aos negócios. Empreender no Brasil é caro, é burocrático, é desorganizado, é imprevisível, as leis mudam a toda hora.

Retomo o ponto inicial para dizer que estamos vivendo uma crise que não vai durar para sempre. Nenhuma crise dura para sempre. Assim como nenhum período de bonança dura para sempre. O Brasil vai voltar a crescer, vai crescer muito. É um país grande e o nosso potencial é gigantesco. Precisamos propiciar um ambiente favorável ao crescimento do Brasil, um ambiente favorável aos negócios. Empreender no Brasil é caro, é burocrático, é desorganizado, é imprevisível, as leis mudam a toda hora. Se o empreendedor recebe um incentivo fiscal para começar a desenvolver sua atividade, basta começar a ganhar dinheiro para imediatamente sofrer tributação. Isso acontece o tempo todo, sabemos disso. É difícil empreender no Brasil. Nesse evento do Gartner houve a apresentação incrível de uma marca de roupa absolutamente revolucionária do Rio de Janeiro. Um jovem inflamou a plateia de 400 pessoas explicando como fazer negócios no Brasil. Ele dizia: “Nós não podemos mais depender desses caras” (do governo). “Não podemos depender deles para fazer as coisas, eles não vão nos ajudar. O Brasil tem que depender do empreendedorismo, da atividade privada. Ser criativo, saber se reinventar em cima desse cenário desfavorável e passar a depender

cada vez menos desse modelo tradicional de política que custa a se modificar”.

Integração nacional para ocupar posição na economia digital

Os registradores estão exatamente entre o Estado e a atividade privada. Os senhores são empreendedores, são gestores privados, exercem atividade privada. E mais. Exercem atividade privada sobre o patrimônio, os bens, a riqueza nacional. Imóvel é o lastro da atividade econômica, o suporte da atividade econômica. O giro do dinheiro, que hoje é só escritural, não tem mais lastro-ouro, precisa estar amarrado em alguma coisa, precisa estar garantido em alguma coisa. O imóvel é a contraprestação desse dinheiro que, afinal, é apenas um número dentro de um sistema.

Assim sendo, quanto à dúvida “será que eu preciso fazer alguma coisa? Quanto eu serei afetado por essa transformação? Isso é custoso? Isso exige investimento, exige trabalho, energia? Será que não é melhor eu cuidar somente do meu canto aqui e ponto?”, creio que os senhores têm enorme responsabilidade e potencial para fazer o Brasil recuperar posições na lista dos países mais ricos do mundo. Nós já estivemos em sexto lugar nesse quesito. O que representa, para os senhores, estarem integrados nacionalmente, ocupando uma posição no cenário nacional e na economia digital, fazendo a transformação digital e tornando-se responsáveis por um degrau dessa subida do país na lista dos países mais ricos do mundo?

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A Política Pública de Habitação do Governo do Estado de São Paulo Rodrigo Garcia

Secretário de Estado da Habitação

Resumo das ações da política de habitação do Estado de São Paulo, incluindo a área de regularização fundiária. O que se fez na área da habitação apesar das dificuldades econômicas que o Brasil e o Estado passam.

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A POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

O

Estado de São Paulo é o único no Brasil a destinar 1% do que arrecada em ICMS para a área da habitação. Essa iniciativa decorre de uma lei criada na década de 1980, durante a gestão de Orestes Quércia, que foi declarada inconstitucional anos depois. Mesmo após a declaração de inconstitucionalidade, em 2002, o governador Geraldo Alckmin manteve o compromisso político de investir 1% da arrecadação na área da habitação. Isso fez com que o Estado de São Paulo se tornasse protagonista, o condutor das grandes experiências de política habitacional de interesse social no Brasil. A partir daí constituiu-se a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU, a grande executora da política pública de habitação. Esse 1% arrecadado em ICMS era destinado à CDHU, que construía casas e promovia a regularização fundiária no Estado de São Paulo. Em 2009, surgiu o Programa Minha Casa, Minha Vida, iniciativa bem estruturada do governo federal que foi inspirada nas ações realizadas no Estado de São Paulo. Em meados de 2011 e 2012 começamos a perceber algumas dificuldades de execução do programa federal no Estado de São Paulo. O programa não avançava a faixa 1, aquela que atende a população com renda mensal de até 1.600 reais. Essa dificuldade se devia aos altos preços dos terrenos no Estado e, consequentemente, ao custo da obra. O valor pago pelo Minha Casa, Minha Vida baseava-se no tamanho das cidades, mas nós sempre pon-

derávamos que a região metropolitana de São Paulo tinha um custo mais alto do que, por exemplo, a região metropolitana de Recife ou de Manaus. Dado o âmbito nacional do programa, o governo federal não podia fazer a diferenciação de custos para São Paulo. Foi então que o governador Alckmin criou o Programa Casa Paulista, que investe recursos no Programa Minha Casa, Minha Vida, a fundo perdido para que o programa possa continuar a construir em São Paulo. Essa política e essa ação foi tão acertada que, hoje, 93% das contratações no Estado são da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, graças à iniciativa do governo, que aplicou dinheiro nas obras, algo em torno de 30%. Para que a Caixa Econômica Federal pudesse fechar a conta dos empreendimentos, o governo custeava de 10 a 25 mil reais por unidade construída. Daí surgiu o Programa Casa Paulista. E junto com essa iniciativa de fomento, de apoio ao Minha Casa, Minha Vida, começamos a pensar na primeira parceria público-privada de habitação de interesse social

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no Brasil. Há cinco anos havia apenas a secretaria e a CDHU. Hoje, nós temos a Casa Paulista como iniciativa de fomento na área de parcerias público-privadas; o programa Cidade Legal, que é o programa de regularização fundiária do Estado de São Paulo; o Graprohab, o órgão de licenciamento de loteamentos e condomínios em todo o Estado de São Paulo; um colegiado presidido pela Habitação, envolvendo todos os órgãos técnicos; e o nosso controle social representado pelo Conselho Estadual de Habitação.

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Estado de SP tem mais moradias inadequadas do que déficit habitacional Entre 2011 e 2012 fizemos levantamentos, cruzamos vários indicadores e chegamos a um déficit habitacional, no Estado, de cerca de um milhão e cem mil unidades habitacionais. O que chama mais atenção no déficit do Estado é justamente a inadequação das moradias. Mais


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complexo do que construir casa nova para quem precisa e quem não tem é reformar e adequar as já existentes. Nós temos três vezes mais moradias inadequadas no Estado do que o déficit. Isso tem muitas justificativas e eu vou explicar apenas uma delas. Quando olhamos a desarrumação urbana das grandes cidades do Brasil, principalmente na região metropolitana de São Paulo, podemos voltar no tempo e lembrar que o Brasil foi um dos poucos países – senão o único do mundo – que teve sua população aumentada três vezes num período de cinquenta anos. Em 1950, o Brasil tinha cinquenta milhões de habitantes, e nos anos 2000 já éramos mais de duzentos milhões de habitantes. Somado ao êxodo rural as grandes cidades do país passaram a atrair muita gente e isso originou a desarrumação urbana que vivemos.

ba, Ribeirão Preto) 1%. Basicamente, 80% do déficit se concentra nas seis regiões metropolitanas de São Paulo. A CDHU construiu mais de 550 mil unidades em todo o Estado de São Paulo e hoje tem 23 mil unidades em obras, quase 20 mil novas casas e 3400 urbanizações. A maioria dessas urbanizações está na região metropolitana, em Guarulhos, Bairro dos Pimentas, Santo André, Cubatão (Programa Serra do Mar), Heliópolis e Paraisópolis, e outras em pequenas cidades do interior.

São Paulo tem hoje três milhões de habitações em comunidades. Isso mostra que o desafio da inadequação é muito maior do que o desafio do déficit de habitação. Em regra, é mais caro urbanizar do que construir casas novas.

São Paulo tem hoje três milhões de habitações em comunidades. Isso mostra que o desafio da inadequação é muito maior do que o desafio do déficit de habitação. Em regra, é mais caro urbanizar do que construir casas novas. A maior parte desse déficit se concentra na região metropolitana de São Paulo, sendo 60% de déficit e 63% de propriedade inadequada. A região metropolitana de Campinas concentra 7% do déficit; a Baixada Santista 6%; e a região metropolitana do Vale do Paraíba (São José dos Campos, Soroca-

Hoje a CDHU atua basicamente em municípios com menos de 50 mil habitantes, locais onde os programas federais não chegam em razão do baixo valor que torna inviável a execução da faixa 1 do Programa Minha Casa, Minha Vida. A CDHU é a única empresa pública que chega a essas cidades. Entregamos 22 mil unidades em 2015, e mais 23 mil têm a entrega prevista até o final de 2019.

Nós ficamos três anos pagando a conta das obras contratadas. Não iniciamos obras novas nesse período de três anos em virtude da crise. Apesar disso vamos bater o recorde de entregas de moradia nesse mandato do governador Geraldo Alckmin. Nada novo sendo feito, mas todas as obras em andamento. Agora que o Estado readquiriu capacidade de contratação estamos contratando mais de 2,5 bilhões de reais em obras novas nas mais variadas regiões, em praticamente duzentos municípios.

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Graprohab e uma perspectiva para a saída da crise Todo condomínio e loteamento aprovado no Estado de São Paulo, no Pontal do Paranapanema ou no Vale do Paraíba, em Rio Preto e Santos passa pelo Graprohab. É por meio do Graprohab que verificamos o lado para o qual o Estado está crescendo, de acordo com as aprovações. Hoje podemos contar com o Graprohab eletrônico, através do qual as loteadoras podem solicitar o seu licenciamento. Essa iniciativa é uma clara de-

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monstração de inovação e transparência, além de proporcionar maior agilidade às aprovações. Nós tivemos o ápice de aprovações de 2013 a 2014, mas despencamos em 2017, voltando praticamente dez anos no tempo. Isso significa menos registros, o que vocês todos estão sentindo nos últimos dois anos. Houve, entretanto, uma leve recuperação. No último trimestre houve um aumento na demanda de aprovação do Graprohab, o que finalmente nos deixa um pouco mais animados com a perspectiva de saída da crise.


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Programa de regularização fundiária: fazer em 1 ano o que foi feito em dez Nós temos convênios com 508 municípios. Os municípios pequenos dependem do Programa Cidade Legal, para promover a regularização, e do ITESP em alguns casos. Nesse período de dez anos conseguimos regularizar cerca de 195 mil unidades no Estado de São Paulo.

quais mais de 30 mil entregues até março. Percebam que estamos entregando tudo aquilo que contratamos nesse período de quatro anos.

A meta é realizar de 170 a 180 mil registros nos próximos doze meses. Neste momento estamos concluindo e entregando a legitimação fundiária para alguns municípios, de forma que estamos bastante otimistas...

A nova lei nos anima. Devemos lançar uma grande meta agora em novembro. A ideia é que façamos no próximo ano o que fizemos nesses dez. A meta é realizar de 170 a 180 mil registros nos próximos doze meses. Neste momento estamos concluindo e entregando a legitimação fundiária para alguns municípios, de forma que estamos bastante otimistas em relação à regularização fundiária para Habitação de Interesse Social (HIS).

Parceria públicoprivada ajuda a revitalizar centro urbano de SP Essa é a grande inovação que o Sérgio Jacomino teve oportunidade de acompanhar. Trata-se da primeira parceria público-privada de habitação no Brasil.

Normalmente o que rege a contratação de obras no serviço público é a Lei de Licitações (Lei nº 8.666). Ou seja, você faz um projeto, coloca-o em licitação, contrata, e, ao longo do tempo vai desembolsando orçamento público. Quando a obra fica pronta o pagamento já foi praticamente todo realizado.

Programa Casa Paulista: 72 mil casas e apartamentos entregues em 3 anos; 46 mil em andamento

No caso da habitação, a comercialização é feita com a população de baixa renda e sempre com grande subsídio. Em média, o governo subsidia 80% dos imóveis da CDHU. A pessoa paga 20% do preço da moradia e o restante é custeado por todos nós contribuintes.

Esse programa já atendeu 151 municípios e é voltado a grandes cidades. As cidades menores fazem parte do Programa Habitacional Rural, o PNHR, que também depende de dinheiro do Estado de São Paulo. Nós entregamos 72 mil casas e apartamentos nesses três anos, 46 mil estão em andamento, dos

Para que a parceria público-privada (PPP) possa ser caracterizada, o governo precisa custear não só a obra, mas também os serviços. Daí a ideia de incluir dois serviços no contrato de PPP, que é o serviço de manutenção predial, ou seja, os prédios construídos via parceria público-privada são mantidos pelo

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concessionário durante vinte anos – pintura externa, manutenção de áreas comuns, apoio ao condomínio. Hoje o Estado e a União têm vários trabalhos que chamamos de “pós-ocupação”, de apoio às famílias carentes para viverem em condomínio. Isso agora será feito pela concessionária que ganhou a licitação completa da PPP. Por isso entendemos ser uma inovação. Ninguém havia feito isso no país ainda. A primeira parceria que fizemos na capital de São Paulo teve dois objetivos: a oferta de habitação para a baixa renda e a revitalização do centro de São Paulo. A metodologia da PPP é diferenciada de uma obra pública tradicional, que é paga à vista e o recebimento é a prazo, ou seja, quando a obra fica pronta

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o orçamento público já foi desembolsado. Na PPP a lógica é invertida. O parceiro privado é o responsável pelo pagamento da obra. Quando a obra termina, o parceiro entrega para o Estado, que começa a pagar. Desse modo, mesmo na crise o governo consegue fazer contratações via parceria público-privada. E como o parceiro só recebe o pagamento depois de finalizada, a rapidez na entrega é impressionante. Isso tem gerado um novo paradigma das obras de habitação no Estado e no Brasil. O objetivo dessa primeira PPP foi ofertar moradia e repovoar o centro de São Paulo. Nós entendemos que a revitalização do centro urbano já foi feita no que diz respeito à área cultural. Os senhores e as senhoras conhecem os equipamentos culturais do centro, a Sala


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São Paulo, a Pinacoteca, o Teatro Municipal. O Estado investe muito em cultura no centro da cidade. Além disso, também há um grande esforço para a oferta de empregos na região central. A maioria dos órgãos públicos funciona no centro da cidade, incluindo a Secretaria da Habitação e a Defensoria Pública. Percebemos, no entanto, que o centro fica vazio à noite e a falta de moradia contribui para a não revitalização da região. Fizemos vários esforços com os cortiços, com a retrofit, mas a PPP veio para somar esse esforço. O centro da cidade concentra somente 3% das moradias, daí porque vemos esses grandes deslocamentos de pessoas que vivem na periferia e trabalham no centro. A linha do Metrô e da CPTM da Zona Leste é a que mais transporta no mundo, mais até do

que linha chinesa. São 2,5 milhões de habitantes da Zona Leste que vêm trabalhar no Centro e voltam à tarde para suas moradias. É praticamente um Uruguai que vem de manhã e volta à tarde. Sabemos que tempo é qualidade de vida. Quanto mais próximo o trabalho da moradia mais tempo as pessoas terão para ficar com as suas famílias.

PPP – novo instrumento de política habitacional do Estado A parceria público-privada tem duração de vinte anos. O governo paga a parcela de subsídio habitacional porque quando o apartamento é co-

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mercializado a pessoa paga o que pode e a diferença é custeada pelo subsídio, paga a contraprestação na área dos serviços que eu citei e também na área de infraestrutura. Nós contratamos 3.400 unidades no centro da cidade de São Paulo. Estabelecemos uma grande intervenção urbana no perímetro da Sala São Paulo e Estação da Luz. Já entregamos os primeiros prédios da Rua das Noivas. Os prédios estão prontos e estamos terminando a seleção das famílias que vão habitá-los. O complexo Júlio Prestes é considerado a maior obra desse contrato. Nós começamos uma grande intervenção urbana num terreno situado nessa região da Sala São Paulo, da Praça Júlio Prestes, na região conhecida como Cracolândia. São oito edifícios, 1.200 apartamentos, um condomínio aberto com rua comercial, com fachadas ativas, que são os comércios instalados no térreo, e com um novo equipamento cultural que é a Escola de Música Tom Jobim. Nós acreditamos que essa grande intervenção vai mudar a realidade dessa região da cidade.

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A Rua Santa Ifigênia agora vai continuar permeando o terreno. Então, do ponto de vista urbanístico é um projeto bastante integrado com a cidade. É importante dizer que não se trata de um projeto. Não é uma ideia, mas uma obra em execução. Estamos entregando os edifícios realizados pela PPP com dez meses de obra em média, prazo muito diferente das obras públicas tradicionais, que levam cerca de 24 meses. Estamos muito animados com a PPP de Habitação em São Paulo, esse mais novo instrumento de política habitacional do Estado cuja experiência está sendo levada para o restante do Brasil.

2ª PPP – mais do que um conjunto habitacional, uma nova cidade com 13 mil apartamentos, áreas comerciais e industriais A iniciativa é tão boa que estamos fazendo a segunda parceria, já está pronto o segundo projeto. São 13 mil apartamentos, quase uma nova cidade na re-


A POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

gião metropolitana de São Paulo. Não se trata de um conjunto habitacional grande, mas uma nova cidade com avenidas, ruas, áreas comerciais, áreas industriais, etc. É a PPP da Nova Cidade Albor. O Estado tem uma fazenda nessa região. Se nada for feito, aquela área poderá sofrer cada vez mais degradação ou ser invadida. Daí porque resolvemos fazer um planejamento urbano para a ocupação dessa fazenda por meio da PPP. Já fizemos o edital e vamos republicá-lo com algumas mudanças.

Nessas construções vamos usar o direito de laje, instrumento previsto na nova lei, e o direito real de uso perpétuo, também conhecido do direito brasileiro. Ambos são instrumentos fundamentais para viabilizar o financiamento.

3ª PPP – habitação sobre os trilhos da cidade de São Paulo: uso do direito de laje A terceira PPP é outra grande inovação. Nós chamamos de Lote 2 da Cidade. Vamos construir apartamentos em cima dos trilhos da cidade de São Paulo. Isso é muito comum no mundo. É o caso da Penn Station, em Nova Iorque, de Paris, de Amsterdam, enfim, em várias cidades do mundo é muito comum o aproveitamento do espaço aéreo das estações e dos trilhos para a construção de apartamentos. Estamos iniciando a PPP de habitação nos trilhos por três grandes estações da cidade: Brás, Bresser e Belém. Serão construídas sete mil unidades nessas três estações que ficam na Zona Leste da cidade. Nessas construções vamos usar o direito de laje, que é um instrumento previsto na nova lei, e o direito real de uso perpétuo, que também é conhecido do direito brasileiro. Ambos são instrumentos fundamen-

tais para viabilizar o financiamento dos empreendimentos na cidade de São Paulo.

Em São Paulo, alguns shoppings foram construídos em estações do Metrô. Essas construções não deixam de ser obras públicas. Trata-se de uma concessão. Depois de vinte ou trinta anos, o shopping é considerado do Metrô. E como fica o direito de propriedade do mutuário das unidades habitacionais, uma vez que o solo é público? Pensando nisso é que surgiu o direito real de uso perpétuo. Estamos finalizando essa questão jurídica. Foram dois anos debruçados nesse tema e agora reunimos todas as condições para avançar as obras sobre as estações de Metrô, por meio das PPPs.

Esse é um resumo do esforço do governo de São Paulo na área da habitação. Apesar da crise econômica, muita coisa tem sido feita. O governo está realizando obras em praticamente 250 cidades do Estado. E estamos vendo agora o caminho virtuoso que a nova lei de regularização abre para que avancemos rapidamente na regularização fundiária. Eu entrego casas, faço sorteios, entrego títulos e vejo a emoção das pessoas quando recebem a escritura porque elas sabem que aquele título registrado vai proporcionar segurança jurídica, tranquilidade a elas e às suas famílias. A legitimação fundiária foi utilizada pela primeira vez, em São Paulo, no município de Guarujá. Há quinze dias entregamos mais de 400 títulos às famílias que vivem há anos naquele local. O testemunho delas é o que nos motiva. E a parceria com os registros é fundamental para continuarmos a avançar.

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SINTER – riscos e benefícios Sérgio Jacomino Presidente do IRIB

Para o presidente do IRIB, embora o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) represente a administrativização do Registro de Imóveis brasileiro é preciso conhecer os argumentos respeitáveis que sustentam essa solução.

SINTER – marcos conceituais SINTER – onde nasceu? Quando nasceu? Em que se inspirou? Quais foram as referências buscadas para iniciar os seus trabalhos? Qual sua matriz? O SINTER nasceu em 2013. Dele tive conhecimento quando fui procurado pessoalmente pelo seu

primeiro gerente nacional e evangelizador, Luís Orlando Rotelli Rezende, da Receita Federal. Ele havia lido alguns textos meus espalhados pela internet e resolveu compartilhar suas ideias e idealizações comigo. À guisa de justificar a iniciativa, Luís Orlando reproduziu algumas tantas ideias críticas por mim veiculadas num antigo artigo sobre o Registro de Imóveis eletrônico1. A simpatia e o entusiasmo de Luís Orlando eram de fato contagiantes. Ele propug-

Projeto Rede de Gestão Integrada de Informações Territoriais. Anexo II – justificativas. Brasília: RFB, 18.4.2013, pp. 11-13. Acesso: http://bit.ly/2R6AZG1. O artigo sobre o qual se debruçou é o seguinte: JACOMINO. S. A microfilmagem, a informática e os serviços notariais e registrais brasileiros. São Paulo: ANOREG-SP, 1996. Acesso: http://bit.ly/2EDtBeP.

1

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SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

nava o que seria chamado então de “Projeto Rede de Gestão Integrada de Informações Territoriais”. Desde o início, seja na exposição dos técnicos da Receita Federal, seja ainda em relação à iconografia que sempre guardou e ilustrou as apresentações do grupo do SINTER, recorrentemente se fez referência a ferramentas de gestão territorial. Esse é o ponto fulcral. Muito se falou, e iterativamente, em cadastro técnico multifinalitário. O escopo do projeto denunciava seus claros objetivos: “Propor ao Governo Federal o desenvolvimento de Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais, com banco de dados de gestão do território nacional em uma concepção multifinalitária, que se constituirá no inventário oficial e sistemático do território nacional, desenvolvido

com tecnologia de banco de dados apropriada para Sistemas de Informações Geográficas (SIG), integrando as informações jurídicas de imóveis, constantes dos registros eletrônicos provenientes dos serviços de registros públicos, com as informações físicas, cadastrais, fiscais e fundiárias relativas a imóveis urbanos e rurais”2. A expressão “inventário oficial e sistemático do território nacional”, ocorrente no texto, remete-nos imediatamente ao contexto das discussões sobre cadastro. Na verdade, trata-se de uma paráfrase da definição de cadastro que nos dá a própria FIG (Federação Internacional de Geômetras): “inventário público de dados metodicamente organizados concernentes a parcelas territoriais, dentro de um certo país ou distrito, baseado no levantamento dos seus limites”3.

2

Cfr. Projeto Rede de Gestão Integrada de Informações Territoriais – Proposição de Projeto. Brasília: RFB, 18/4/2013, p. 7. Acesso: http://bit.ly/2UT2Atw.

3

fr. CARNEIRO. Andréa Flávia Tenório. Cadastro Imobiliário e Registro de Imóveis – A Lei 10.267/2001 e Decreto C 4.449/2002 – Atos Normativos do INCRA. Porto Alegre: safE, 2003, p. 23. 131


SISTEMA NEORREGISTRAL E NOTARIAL eletrônico. Assim estava redigida a epígrafe da minuta de decreto regulamentador: “[R] egulamenta o Sistema de Registro Eletrônico e institui o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – SINTER”4. Possivelmente cedendo às inúmeras críticas que lhe foram endereçadas, a coordenação do SINTER limitaria o escopo do projeto como se pode ler na epígrafe do Decreto 8.764/2016, mais tarde baixado pelo Executivo Federal, que aludirá unicamente à regulamentação do disposto no art. 41 da Lei nº 11.977/2009. Estreitou-se a iniciativa original, limitando-a a intercâmbios eletrônicos com o Registro de Imóveis. Todavia, os objetivos fundantes eram muito mais ambiciosos. Vejamos seus objetivos específicos de “normatização”:

Os técnicos estavam, à partida, aludindo a um simples sistema de cadastro técnico multifinalitário, mas veremos que as ambições eram, todavia, muito maiores e o próprio sistema de Registro de Imóveis eletrônico, antevisto na Lei 11.977/2009, serviria de ponto de partida e seria assimilado pelo Projeto SINTER, alocado como mera camada no modelo proposto. O que se pretendeu com o SINTER, àquela altura, se acha registrado no documento publicado em 18 de abril de 2013, ao qual já aludi anteriormente. Entre os objetivos específicos estava a “normatização” do sistema de registro de imóveis eletrônico. O SINTER avocou para si a atribuição e a competência legal para criar e regulamentar, em todo o território nacional, o Sistema de Registro de Imóveis 4

“Propor a regulamentação dos arts. 37 a 41 e art. 45 da Lei 11.977, de 2009, conforme Minuta do Decreto constante do Anexo I desta proposição, objetivando: • Implementar o Sistema de Registro Eletrônico de acordo com os padrões de interoperabilidade do governo eletrônico (e-Ping) e os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas (ICP-Brasil) para transmissão e recepção de títulos, documentos e certidões eletrônicas; • Criar o serviço de recepção dos Documentos Interoperáveis de Registro Eletrônico (DIRE); • Criar um Repositório Nacional para armazenar todo o acervo registral do país; • Criar o Código Nacional do Imóvel, identificador unívoco para cada imóvel do país;

Cfr. Projeto Rede de Gestão Integrada de Informações Territoriais – Proposição de Projeto – Anexo I Proposta de Minuta do Decreto de Regulamentação do Sistema de Registro Eletrônico. Brasília: RFB, 18/4/2013. Acesso http://bit.ly/2stJ0a6.

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SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

• Estabelecer procedimentos de cópia de segurança dos documentos eletrônicos, efetivando o direito à propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição Federal mesmo em uma situação de completa destruição dos dados de uma serventia por qualquer motivo;

atribuições que, salvo melhor juízo, estão cometidas, pela Constituição Federal e pela legislação de regência, ao Poder Judiciário.

• Criar um Sistema de Informações Geográficas (SIG) que integrará as informações jurídicas constantes do Repositório Nacional com os dados cadastrais de imóveis urbanos e rurais”.

Eis o cerne da discussão: competência regulamentar e execução do Registro de Imóveis Eletrônico brasileiro.

Entre os primórdios das discussões, em 2013, e o advento do Decreto Federal n. 8.764, em 2016, muita água rolou sob a ponte. Muitas idas e vindas, mudanças no projeto original, apoio institucional do IRIB, recolha das críticas que dirigíamos ao Projeto. Tudo isso acabou repercutindo na disputa eleitoral no IRIB que trouxe para a arena política o tema do SINTER. Um dossiê com todos os melhores lances pode ser consultado no site Círculo Registral5. Depois de esgotadas as discussões no âmbito do IRIB e da RFB, o assunto foi encaminhado à Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça, inaugurando o Pedido de Providências n. 000565096.2016.2.00.0000. A Secretaria da Receita Federal, com base no § 1º do art. 6º do Decreto Federal n. 8.764/2016, provocaria a Egrégia Corregedoria Nacional no sentido de que fossem indicados “representantes dos serviços de registros públicos” para o fim de colaborar na redação do Manual Operacional do Sistema de Gestão de Informações Territoriais do SINTER. Há razões bastantes e suficientes pelas quais sempre entendemos que o conjunto regulamentar, representado pelo Decreto 8.764/2016 (e pelo seu correspondente Manual Operacional), extravasava os limites do poder regulamentar e avançava sobre 5

A quem compete regulamentar o SREI?

O eixo de toda a discussão gira em torno do conjunto normativo representado pelos artigos 37 a 41 da Lei 11.977/2009 – especialmente os dispositivos que tratam da regulamentação da lei (arts. 37, 40 e 41). Os sentidos que podem ser extraídos do núcleo do articulado são desenvolvidos a seguir. A Constituição Federal cometeu ao Poder Judiciário, no âmbito de suas competências e atribuições, o poder de baixar atos regulamentares para disciplina dos serviços notariais e registrais brasileiros. Concretamente, o poder de fiscalização e normatização, a cargo do Poder Judiciário, vem consagrado no § 1º do art. 236 da CF; nos incs. I, II e III do § 4º do art. 103-B da EC 45/2004; no art. 3º da Lei 6.015/1973; art. 4º cc. inc. XIV do art. 30 da Lei 8.935/1994. No âmbito regulamentar do próprio CNJ, confiram-se os incisos III e V do art. 4º do Regimento Interno. Em destaque: inciso X do art. 8º do Regimento, que prevê a competência do Corregedor Nacional de Justiça de “expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro”. O “regulamento”, referido na Lei 11.977/2009, é atribuição própria do Poder Judiciário, como consectário lógico da fiscalização da atividade extrajudicial.

Cfr. www.circuloregistral.com.br/sinter.

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À míngua de expressa previsão legal no quadrante normativo apontado, foi incluído o § 4º no art. 76 da Lei 13.465/2017, que previu que a Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça exercerá a “função de agente regulador do ONR”. Como se não bastasse o fato de o Poder Executivo Federal ter ultrapassado as bordas regulamentares de sua competência normativa, ainda delegou para a Secretaria da Receita Federal, que é um órgão de segundo escalão de Governo Federal (formalmente subordinado ao Ministério da Fazenda), a elaboração do chamado “Manual Operacional”, conforme art. 4º, II, do Decreto 8.764/2016, in verbis: Art. 4º O Sinter será administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a qual compete: ... II - elaborar, manter e publicar o Manual Operacional, observado o disposto nas resoluções emitidas pelos comitês temáticos de que trata o art. 6º; À altura da publicação do Decreto 8.754/2016 a E. Corregedoria Nacional de Justiça já havia publicado a Recomendação Corregedoria Nacional nº 14, de 2/7/2014, que orientou a adoção de Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis para cartórios. Com efeito, após três anos de árduos estudos, com visitas do CNJ a países onde se adotou o Registro de Imóveis eletrônico (Inglaterra, Portugal, Espanha, Alemanha) foi disponibilizada a es-

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pecificação técnica para criação e implantação, nos cartórios, do Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário (SREI). A Recomendação Corregedoria Nacional nº 14/2014 foi publicada para que as corregedorias dos tribunais dos estados pudessem adotar os mesmos parâmetros e requisitos constantes do modelo especificado, caso regulamentassem ou autorizassem a adoção do sistema de Registro de Imóveis eletrônico nos estados da Federação. O modelo de sistema digital foi elaborado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos (LSI-TEC), em cumprimento a contrato firmado em 2011 com o CNJ. No referido estudo constam requisitos de segurança, assinatura digital, funcionalidades e modelo de dados que devem ser seguidos pelos desenvolvedores e fornecedores do software de SREI. O documento ainda fornece o passo a passo para certificação do programa, com o objetivo de verificar a conformidade do software em relação ao atendimento dos requisitos preestabelecidos. Posteriormente, a E. Corregedoria Nacional editou o Provimento nº 47, de 18/6/2015, que estabeleceu “diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de imóveis”: A CORREGEDORA NACIONAL DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais: CONSIDERANDO a necessidade de facilitar o intercâmbio de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a ad-

SISTEMA SINTER - ESFINGE NEORREGISTRAL


SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

ministração pública e o público em geral, para eficácia e celeridade da prestação jurisdicional e do serviço público; CONSIDERANDO que compete ao Poder Judiciário regulamentar o registro público eletrônico de imóveis previsto nos arts. 37 a 41 da Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009; CONSIDERANDO que compete à Corregedoria Nacional de Justiça estabelecer diretrizes gerais para a implantação do registro de imóveis eletrônico em todo o território nacional, expedindo atos normativos e recomendações destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços de registro (inc. X do art. 8º do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça); ..................... Art. 7º. Os repositórios registrais eletrônicos receberão os dados relativos a todos os atos de registro e aos títulos e documentos que lhes serviram de base. Parágrafo único. Para a criação, atualização, manutenção e guarda permanente dos repositórios registrais eletrônicos deverão ser observados: I – a especificação técnica do modelo de sistema digital para implantação de sistemas de registro de imóveis eletrônico, segundo a Recomendação n. 14, de 2 de julho de 2014, da Corregedoria Nacional de Justiça; II – as Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes de 2010, baixadas pelo Conselho Nacional de Arquivos – Conarq; e III – os atos normativos baixados pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios.

Livros eletrônicos de Registro de Imóveis na Receita Federal Causa espécie que, depois da edição de respeitáveis Atos Administrativos pelo Corregedor Nacional da Justiça, usando de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais, venha um setor administrativo do Poder Executivo Federal normatizar a criação de livros eletrônicos e a forma de escrituração eletrônica dos atos próprios dos cartórios de registro de imóveis – e isso por meio de um ato interno denominado “Manual Operacional”. Os denominados “repositórios registrais eletrônicos” (art. 7º do Provimento CN-CNJ 47/2015), nada mais são do que coleções de dados que, pelo Decreto, serão estruturadas e consolidadas no âmago da própria Receita Federal ou de entidades estaduais. São os “documentos nato digitais estruturados” que identificam “a situação jurídica do imóvel, do título ou do documento registrado, na forma estabelecida pelo Manual Operacional [da Receita Federal]” (art. 5º c.c. com art. 8º do Decreto 8.74/2015). Criou-se, na prática, um livro eletrônico no âmbito da Secretaria da Receita Federal, contrariando o disposto nos artigos 16 e 18 da Lei Federal 11.419/2006, que atribuem essa competência ao Poder Judiciário. Verbis: Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico. Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências. O pressuposto lógico do artigo 41 da Lei 11.977/2009 é a preexistência do Registro Eletrôni-

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tas em regulamento. Regulamentado pelo Poder Judiciário, não será, contudo, a administração pública federal, nem mesmo a administração judiciária, que fará a gestão e a manutenção do sistema de registro eletrônico.

co perfeitamente estruturado e em funcionamento. O Registro de Imóveis Eletrônico – SREI já se acha criado e em fase de implementação em todo o território nacional por força do Provimento do CNJ 47, de 18/06/2015. Esse ato normativo do Poder Judiciário previu, com muita antecedência, que o intercâmbio de informações entre a administração pública e os registradores se daria por intermédio de “centrais de serviços eletrônicos compartilhados que se criarão em cada um dos Estados e no Distrito Federal”. Portanto, a criação do SINTER representa, claramente, um oneroso bis in idem regulamentar, já que busca criar um sistema concorrente, redundante, emparelhado com o criado por ato regulamentar do CNJ.

Regulamentação, implementação e execução do Registro Eletrônico O art. 37 da Lei 11.977/2009 cometeu aos próprios órgãos registrais a responsabilidade de instituir o registro eletrônico, nos prazos e condições previs-

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O Registro de Imóveis eletrônico é fundamentalmente um portal de acesso aberto às diversas unidades de Registro de Imóveis espalhadas por todo o território nacional. O sistema registral acha-se aberto à administração pública federal e ao Poder Judiciário para prestar informações relativas à situação jurídica dos bens imóveis. Disponibilizar o acesso à informação registral não é o mesmo que assenhorar-se dela. O Decreto subverte o sentido da norma e cria um verdadeiro núcleo informativo, de cariz jurídico pessoal e patrimonial, no coração do Poder Executivo, sem a correspondente delegação legal-constitucional.

Livros registrais e a proteção de dados Aos órgãos registrais compete zelar pelos dados de caráter pessoal e patrimonial dos cidadãos entranhados nas inscrições que são rogadas, voluntariamente, pelos próprios interessados. Os Oficiais do Registro são os guardiões dos livros de registro, responsáveis por sua vigilância, custódia e guarda. Devem fazê-lo em caráter permanente, respondendo pela sua ordem e conservação (art. 24 da LRP), zelando e conservando seus livros de registro, mantendo preservados as “fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação” que deverão permanecer indefinida-


SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

mente sob sua guarda e responsabilidade, zelando pela sua ordem, segurança e conservação (art. 46 da Lei 8.935/1994).

SINTER e suas implicações no Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) Como vimos, o SINTER foi criado pelo Decreto 8.764/2016 com o objetivo de regulamentar “o disposto no art. 41 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009”, em flagrante invasão das atribuições do Poder Judiciário, relativamente a exclusividade para normatização da atividade extrajudicial. Dispõe referido artigo: “Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento” (todos os grifos são nossos).

Novo quadro legal – nova exegese O Decreto do SINTER foi abalado pelo advento da Lei 13.465/2017. Cingimo-nos a alguns exemplos destacados. A Lei 13.465/2017, em seu artigo 101, incluiu o art. 235-A na Lei 6.015/1973 e instituiu o Código Nacional de Matrícula (CNM) atribuindo expressamente à Corregedoria Nacional de Justiça poderes para regulamentar as características e a forma de implementação do CNM, dispondo: Art. 235-A. Fica instituído o Código Nacional de Matrícula (CNM) que corresponde à numeração única de matrículas imobiliárias em âmbito nacional.

§ 1º O CNM referente a matrícula encerrada ou cancelada não poderá ser reutilizado. § 2º Ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça regulamentará as características e a forma de implementação do CNM. Todavia, em plena vigência da Lei nº 13.465/2017, o Manual Operacional do SINTER disciplinou essa matéria, ignorando os destaques que o IRIB fez nas reuniões temáticas, fazendo valer, contra a própria lei federal, as disposições regulamentares (cfr. § 1º do art. 8º do Decreto 8.764/2016). Além disso, o mesmo Decreto 8.764/2016 regulamentou o “acesso dos órgãos e das entidades da administração pública federal às centrais de serviços eletrônicos compartilhados de registradores para operações de consulta, visualização eletrônica de matrículas e de títulos”, vinculando o modo de requisição de informações e de respostas “exclusivamente por meio de interface do Sinter, que será responsável pela habilitação, pela identificação e pelo controle de acesso de seus usuários” (art. 7º do Decreto do SINTER). Tal disposição fere frontalmente os parágrafos 6º e 7º do art. 76 da Lei 13.465/2017, que aponta para o SREI do CNJ, fonte de dados destinados a pesquisas.. Não parece razoável que o próprio Poder Judiciário deva se cadastrar no SINTER para acesso a dados que a ele mesmo compete regulamentar e fiscalizar.

SINTER como repositório dos dados dos Registros de Imóveis do Brasil? O art. 37 da Lei 11.977/2009 disciplinou a instituição do sistema de registro de imóveis eletrônico, vinculando-o à iniciativa dos próprios delegatários, verbis: “os serviços de registros públicos de que

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trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico”. No mesmíssimo sentido é a redação do art. 41 da dita lei: “a partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus [rectius: dos cartórios] bancos de dados, conforme regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.097, de 2015).

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Finalmente, a Lei 13.465/2017 instituiu o Registro de Imóveis eletrônico (SREI) e o ONR, organismo registral que o vai impulsionar e operacionalizar o Registro de Imóveis eletrônico, vinculando todos os registradores de imóveis do país (§ 5º). Os parágrafos 6º e 7º do art. 76 da Lei 13.465/2017 rezam: § 6º Os serviços eletrônicos serão disponibilizados, sem ônus, ao Poder Judiciário, ao Poder Executivo federal, ao Ministério Público, aos entes públicos previstos nos regimentos de custas e emolumentos dos Estados e do Distrito Federal, e aos órgãos encarregados de investigações


SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

HIERARQUIA DO SREI - SISTEMA DE REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO QUADRO LEGAL

CNJ1

1. CN-CNJ. Agente Regulador do ONR (§ 4º do art. 76 da Lei 13.465/2017) 2. ONR. implementará operará o SREI (art. 76 da Lei 13.465/2017). As unidades de RI ficam vinculadas ao ONR (§ 5º do art. 76 da Lei 13.465/2017)

ONR2 Unidades de RI integradas SREI vinculadas ONR (§ 6º do art. 76)

3. SREI - Sistema de Registro de Imóveis eletrônico (art. 37 da Lei 11.977/2009). As unidades de RI integram o SREI (§ 5º do art. 76 da Lei 13.465/2017)

SREI3

4. PODER JUDICIÁRIO - Acessa o SREI (§ 6º do art. 76 da Lei 13.465/2017) PODER JUDICIÁRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO

AUTORIDADES POLICIAIS

AUTORIDADES FISCAIS

(4)

(5)

(6)

(7)

5. MINISTÉRIO PÚBLICO - Acessa o SREI (§ 6º do art. 76 da Lei 13.465/2017) 6. AUTORIDADES POLICIAIS - Acessam o SREI (§ 6º do art. 76 da Lei 13.465/2017) 7. AUTORIDADES TRIBUTÁRIAS - Acessam o SREI (§ 6º do art. 76 da Lei 13.465/2017)

SINTER

8. SINTER - Acessa o SREI (§ 7º do art. 76 da Lei 13.465/2017)

(8) ADMINISTRAÇÃO PUBLICA FEDERAL

(9)

criminais, fiscalização tributária e recuperação de ativos. § 7º A administração pública federal acessará as informações do SREI por meio do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), na forma de regulamento. A síntese que se pode extrair do conjunto legal é a seguinte: a) SREI é criação do próprio CNJ que zelará pela sua concreta e efetiva implantação e operacionalização, fiscalizando-o e regulamentando-o

9. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL - Acessa o SREI (§ 7º do art. 76 da Lei 13.465/2017)

na condição de “agente regulador” (§ 4º). b) O Registro de Imóveis eletrônico (SREI), ao qual todas as unidades estão integradas, é a fonte das informações registrais, à qual o SINTER deve acessar. c) Acessar as informações do SREI (art. 41 da Lei 11.977/2009 e epígrafe do Decreto 8.764/2016) não é o mesmo que criar, a latere do sistema Registral brasileiro, um Registro de Imóveis eletrônico sediado na administração fazendária, tal e qual configurado na documentação técnica

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apresentada à Egrégia Corregedoria Nacional de Justiça. d) A disponibilização de serviços eletrônicos (§ 6º) não pode significar o mesmo que a entrega compulsória de todos os dados para o órgão fazendário, como previsto no dito “Manual Operacional”.

SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis é um projeto do CNJ O LSI-TEC foi contratado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no bojo do contrato 1/2011, firmado em 31/1/2011 (Processo 340.048, p. 548 e ss. [SEI_11436_2017]), cujos trabalhos resultaram na especificação e detalhamento em documentação técnica do SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis. Ressalte-se que o objeto do contrato foi a “especificação de modelo de sistema digital, com vista à implantação de sistemas de registro eletrônico destinados aos cartórios de registro de imóveis no Brasil” (cláusula 1ª do dito contrato). Toda a documentação técnica foi entregue e aprovada pelo CNJ e veiculada às Corregedorias estaduais por meio da Recomendação 14, de 2/7/20146. Todavia, o SREI não se implantou por falta de infraestrutura tecnológica do próprio Sistema Registral brasileiro, integrado, em boa margem, por pequenas serventias espalhadas por todo o território nacional. Além disso, o sistema ainda padece com o fenômeno de assimetria regulamentar dos Estados e por falta de interoperabilidade, descumprindo a regra inscrita

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no art. 38 da Lei 11.977/2009, mesmo porque essa lei não explicitou a forma como os registradores de imóveis se organizariam. Por essa justíssima razão, a MP 759/2016, posteriormente convertida na Lei 13.465/2017 (art. 76 e seguintes) supriu a lacuna da lei anterior, ao criar o ONR – OPERADOR NACIONAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS ELETRÔNICO. Esse organismo foi concebido para dar concretude ao projeto do próprio CNJ e superar os embaraços identificados de entropia estrutural e assimetria regulatória, com a definição, por lei, do agente-regulador do ONR que não é outro senão a Egrégia Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça. Como já mencionado, o advento da Lei 13.465/2017 introduziu novos elementos no contexto da regulamentação do SREI e no próprio SINTER – SISTEMA NACIONAL DE GESTÃO DE INFORMAÇÕES TERRITORIAIS.

Da legitimidade para firmar as conclusões no Comitê Registral e Notarial Os representantes da especialidade de Registro de Imóveis, indicados pela ANOREG/BR e pelo IRIB não foram os que sufragaram as conclusões do Comitê Registral e Notarial da Receita Federal. Aliás, os legítimos representantes dos registradores imobiliários brasileiros manifestaram-se contrariamente às conclusões. Note-se: não o fizeram por considerar o Projeto SINTER inoportuno ou indesejável, mas

. íntegra aqui: http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=2035 A documentação técnica que a embasa pode V ser consultada aqui: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61887-corregedoria-recomenda-adocao-de-sistema-de-registroeletronico-de-imoveis

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SINTER – RISCOS E BENEFÍCIOS

Serviços Notariais

SINTER

Centrais Estaduais de Registro de Imóveis

Centrais Estaduais de Registro de Títulos e Documentos

simplesmente para que fosse alcançada a sua maior efetividade e para compatibilizá-lo com os marcos legais e regulamentares já estabelecidos no âmbito do Poder Judiciário. Em suma, para que o SINTER pudesse desenvolver-se em consonância com o projeto SREI do CNJ e em parceria com os próprios registradores, angariando apoio e estímulo à iniciativa. A regulamentação do Sistema de Registro de Imóveis eletrônico (SREI) deve se dar pelo Poder Judiciário, único competente para regulamentar os

serviços registrais brasileiros, ex vi do § 1º do art. 236 e incisos I e III do § 4º do art. 103-B da CF/1988, c.c. arts. 37 e 38 da Lei 8.935/1994, c.c. § 4º do art. 76 da Lei 13.465/2017 e finalmente inc. X do art. 8º do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça. A base para a regulamentação deve conciliar os projetos SINTER e SREI, respeitando as especificidades e peculiaridades de cada instituição, atuando, assim, de modo coordenado e harmônico e para que se cumpra estritamente a lei.

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Procedimento de regularização fundiária no Município Renato Góes

Consultor do Programa Cidade Legal em Regularização Fundiária. Membro do Grupo de Trabalho “Rumos da Política Nacional de Regularização Fundiária” do Ministério das Cidades. Membro da Comissão de Mobilidade Urbana e Urbanismo do IASP

Dizer que 50% dos domicílios urbanos são irregulares é dizer que são imóveis que não geram riqueza na mesma proporção que a outra metade. São imóveis cujos ativos imobiliários não são passíveis de financiamento, de garantias, daí porque o problema não se resume à moradia, mas abrange o próprio enriquecimento da população.

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PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

G

ostaria de dizer que trabalhamos em prol da regularização fundiária no Estado de São Paulo e no Brasil. Gosto da matéria, é um grande desafio para o gestor público brasileiro, advogados, bacharéis em direito e demais profissionais da área. Mais de 50% dos domicílios urbanos no Brasil apresentam algum tipo de irregularidade fundiária, o que impacta não somente a habitação, mas todo o desenvolvimento econômico do país. Dizer que 50% dos domicílios urbanos são irregulares é dizer que são imóveis que não geram riqueza na mesma proporção que a outra metade. São imóveis cujos ativos imobiliários não são passíveis de financiamento, de garantias, daí porque o problema não se resume à moradia, mas abrange o próprio enriquecimento da população. E população que não se enriquece é igual a país pobre. O tema a mim dedicado é o procedimento administrativo da Reurb. Nos termos da Lei 13.465/2017, Reurb é a regularização fundiária urbana.

Distribuição de competências na regularização fundiária urbana Para falar de processo administrativo de regularização devemos começar pela distribuição de competências no âmbito da Reurb. Quem faz o que dentro de um processo de regularização fundiária? Requerer – quem pode requerer a regularização fundiária nos termos da nova legislação federal? A meu ver é o novo estatuto fundiário brasileiro, tamanha a sua amplitude e inovação em conceitos do direito civil, urbanístico e da regularização fundiária urbana e rural. Houve uma ampliação no rol de legitimados, respeitando-se o rol da Lei 11.977/2009, mas acres-

cendo outros entes com capacidade para requerer a regularização fundiária, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o próprio loteador ou o incorporador faltoso. Embora não houvesse expressa previsão na legislação anterior, esses entes já detinham essa prerrogativa em razão das atividades que desenvolvem. Mas a lei tornou mais clara essa possibilidade. Portanto, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os loteadores e incorporadores estão capacitados a provocar o início da regularização fundiária. Instaurar – A lei diz expressamente que, uma vez requerida, compete ao Município instaurar essa regularização fundiária. Na verdade, não se trata de uma inovação legislativa. A Carta Constitucional dispõe claramente que caberá ao Município “ordenar o seu território”. Processar – Depreende-se desse conceito constitucional que compete ao Município, uma vez provocado, instaurar a regularização fundiária bem como processá-la. Todo o procedimento administrativo de regularização fundiária urbana é praticado pelo ente federativo Município. Ele recebe o requerimento, analisa, aprova ou não aprova, e processa todo o andamento até a sua conclusão final. Classificar – O Município deixa de ser um órgão preponderante na questão da regularização fundiária. Há duas modalidades de regularização: a Reurb-S (Reurb de Interesse Social), ou a Reurb-E (Reurb de Interesse Específico). O Município pode fazer essa classificação no bojo do seu processo de regularização, e outros órgãos também. Se o agente promotor da regularização for o Estado, competirá a ele classificar a modalidade de regularização fundiária que está sendo promovida, se social ou específica.

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O mesmo raciocínio se dá com relação à União. Se a União provocar a regularização fundiária, por exemplo, de um empreendimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, ou de qualquer outro, uma vez integrante do rol de legitimados, deverá apontar ao Município a modalidade de regularização fundiária que está sendo implementada.

A competência dos Municípios em aprovar a regularização fundiária na seara ambiental já estava prevista na Lei 11.977 de 2009. A Lei 13.465/2017 não alterou a competência do Estado em aprovar ou não a regularização fundiária, apenas repetiu a competência prevista na lei anterior.

Aprovar – No que se refere à aprovação da regularização fundiária também há uma separação de atividades. Em regra, compete ao Município fazer a aprovação de toda e qualquer regularização fundiária nas duas vertentes, tanto urbanística quanto ambiental. A competência dos Municípios em aprovar a regularização fundiária na seara ambiental não é uma inovação da Lei 13.465, já estava prevista na Lei 11.977 de 2009. A Lei 13.465/2017 não alterou a competência do Estado em aprovar ou não a regularização fundiária, apenas repetiu a competência prevista na lei anterior. A aprovação urbanística sempre será uma atribuição municipal. Contudo, no que diz respeito à aprovação ambiental discutiu-se muito a atuação do Município no licenciamento ambiental da regularização fundiária. A Lei 13.465 dispôs expressamente que o Município detém competência para aprovar todo e qualquer tipo de regularização em área ambiental. Isso quer dizer que o Município tem competência para aprovar a regularização fundiária em áreas de proteção permanente, em áreas de mananciais, em áreas de

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unidade de conservação de uso sustentável. Mas não significa que o Estado perdeu a sua competência de legislar sobre questões ambientais, uma vez que a competência do Estado em legislar sobre o meio ambiente e o uso do solo deriva da Constituição da República (art. 24). Também não quer dizer que as leis estaduais que regem a regularização fundiária em áreas de proteção de mananciais, os requisitos criados pelo Estado de São Paulo para esses casos, perderam sua validade. Não se trata disso. A Lei 13.465 determina que o Estado pode legislar desde que observe a competência municipal de aprovação da regularização fundiária. Portanto, o Estado permanece com a sua competência legislativa, mas quem aprova é o Município.

Entretanto, a lei dispôs que, se o Município não possuir um órgão ambiental capacitado para aprovar a regularização fundiária, o Estado terá a competência material para aprovar a regularização. Portanto, o Município é o órgão principal e o Estado é o órgão secundário no que diz respeito à competência material de aprovação.

Reurb: fases do procedimento administrativo municipal Feita a divisão de competências – como funciona, quem atua, qual o órgão e em qual momento – passemos ao tema principal da palestra: o procedimento administrativo municipal de regularização fundiária.


PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

Requerimento – Por meio de requerimento, o Município deve deferir ou indeferir de forma fundamentada a regularização. A lei é clara ao determinar que o Município deve indeferir o requerimento de forma fundamentada, caso entenda que determinado núcleo não pode ser objeto de regularização. Ou seja, o Município não pode simplesmente manifestar a sua negativa, mas deve apontar os caminhos para a superação do entrave. O Município deve indeferir o pedido até que os entraves sejam superados e os requisitos da legislação sejam atendidos, para que o interessado consiga prosseguir com a regularização fundiária almejada.

Prazos – A lei concedeu prazo de 180 dias para análise do requerimento pelo Município. Trata-se de um prazo muito longo para análise de um requerimento. Esse deveria ser o prazo para a conclusão do processo administrativo de regularização fundiária municipal ou estadual e até registral. Não é concebível que extrapolemos seis meses para finalizar a regularização fundiária, considerando a dinâmica dos bairros irregulares. Quem mora lá hoje, amanhã pode não morar mais. Aquele lote que foi medido hoje, amanhã pode não existir mais, pode estar subdividido ou unificado. Considerando a situação das grandes cidades, a situação das lajes que

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nascem dos núcleos urbanos informais precários, como as favelas, imagine a modificação construtiva que pode ocorrer em seis meses. Entendo que a lei pecou ao estipular um prazo tão longo para a análise de um requerimento. Mas o exercício que tenho feito com os municípios do Estado de São Paulo conveniados ao Programa Cidade Legal é no sentido de adotarmos esse prazo para a finalização do processo de regularização fundiária. Esse é um desafio que lanço não apenas aos municípios. Eu assumo esse compromisso com o Programa Cidade Legal do Estado de São Paulo. O Município precisa fazer rápido porque o Estado o fará e cobrará uma solução rápida dos colegas oficiais de Registro de Imóveis. Busca registral – Uma grande novidade da legislação federal foi trazer para a seara administrativa municipal a busca registral e a notificação dos titulares tabulares e confrontantes identificados nessa busca. A partir da vigência da Lei 13.465 compete ao Município fazer buscas, com o auxílio dos registradores de imóveis, para identificar os imóveis envolvidos na regularização fundiária, incluindo os imóveis confinantes. Feitas as buscas, o Município notificará os titulares. A lei detalha o teor da notificação. É uma notificação simplificada, não será mais preciso encaminhar, ao notificado, cópias de plantas, cópias de memoriais descritivos e tantos outros documentos. O que se encaminha é um mero comunicado informando sobre a regularização fundiária do bairro, que o imóvel em questão foi identificado como atingido pela regularização e que o interessado poderá conhecer ou impugnar o processo se fazendo presente ao Município. Esse é o teor

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de uma notificação simplificada da Reurb nos termos da Lei 13.465. É nesse momento que se faz uma publicação de edital. Apesar de a lei não ter deixado claro, essa notificação de edital é obrigatória para toda e qualquer situação de regularização fundiária. A lei menciona que nessa fase de notificação o Município notificará


PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

os titulares imobiliários, os confinantes e todos os eventuais terceiros interessados. E a forma de notificar terceiros interessados desconhecidos se dá por edital.

A lei menciona que nessa fase de notificação o Município notificará os titulares imobiliários, os confinantes e eventuais terceiros interessados. E a forma de notificar terceiros interessados desconhecidos se dá por edital.

A lei criou várias fases para a conciliação. Facultou ao Município, por exemplo, a criação de câmaras conciliatórias para os casos em que houver impugnações; dispôs sobre a possibilidade do estabelecimento de convênios entre o poder municipal e o Judiciário para permitir o uso dos centros jurídicos de conciliação (Cejusc); dispôs também sobre a arbitragem. A lei buscou superar todos os obstáculos na seara administrativa.

Sendo assim, o Município buscará as matrículas nos cartórios da atual situação, ou da circunscrição anterior, para tentar localizar a base tabular daquele núcleo. Abro parêntesis para dizer que a lei pecou nesse ponto. Trata-se de uma atividade complicada para a grande maioria dos municípios. Os próprios registradores de imóveis deveriam ter ficado incumbidos dessa tarefa. Afinal, eles são os profissionais capacitados e competentes para proceder à análise de matrícula e transcrições. Não obstante, agora essa tarefa é de competência municipal. O Município faz a notificação e publica um edital dando total transparência àquele processo de regularização fundiária.

Nesse sentido, também identificamos a demarcação urbanística, instrumento regrado pela Lei 11.977/2009 e revogado pela nova legislação. Basta observarmos que o tema não veio tratado na Medida Provisória 759. Entretanto, por discussões políticas e necessidade de consenso no Congresso Nacional, a demarcação urbanística voltou a ser tratada no PL convertido na Lei 13.465/2017.

Ao estudar a lei verificamos que a conciliação e o debate são essenciais na regularização fundiária. Não há outra maneira de se fazer regularização fundiária se não for por meio do diálogo. E esse diálogo não deve se dar somente entre poderes municipal, estadual, federal, Ministério Público, Defensoria Pública, registradores de imóveis, tabeliães, etc., mas também, e principalmente, com a população, com os donos dos imóveis atingidos. Essas pessoas, ao final da regularização, perderão seus imóveis, nascerão novas matrículas em nome dos ocupantes da regularização fundiária. O Município terá que agir com cautela ao notificar essas pessoas, buscando a identificação daquelas efetivamente prejudicadas com a regularização fundiária.

A demarcação é facultativa e competirá ao Município decidir por sua necessidade. O projeto de regularização fundiária que será encaminhado ao Registro de Imóveis já detém o processamento de uma demarcação simplificada. Quando trabalhávamos na elaboração da Medida Provisória, no grupo de trabalho do Ministério das Cidades, entendemos que o ideal era que tudo fosse contido e encaminhado uma única vez ao Registro de Imóveis, e não em várias fases. Superada a fase de encaminhamento da demarcação far-se-á o encaminhamento do projeto de regularização, o registro de legitimação de posse, depois uma conversão da posse em propriedade. Antes trabalhávamos com quatro fases dentro do Registro de Imóveis. A ideia foi unificar os procedimentos em uma única fase.

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Não obstante, a demarcação urbanística continua à disposição do Município. Plano de regularização – A lei não veio desburocratizar, não veio para simplificar. A lei veio para resolver um problema fundiário urbano brasileiro. Não podemos afastar direitos e resolver de maneira simplista as questões urbanísticas, ambientais, jurídicas e sociais. Precisamos enfrentar a questão, foi-se o tempo que regularização fundiária era mera planta, um carimbo, memorial descritivo e registro.

Regularização fundiária é muito mais do que isso. É conhecer os problemas de um bairro. É enfrentar e trazer soluções urbanísticas, ambientais e sociais para aquele bairro. É prever solução para tudo isso. E isso tudo se dá dentro do processo administrativo, por meio da elaboração de um plano de regularização que contará com a realização de estudos, projetos, reuniões com os órgãos públicos, cadastros sociais, assembleias para discussão do plano com a população, que, mais do que engajada, precisa ser efetivamente parceira da regularização fundiária. O novo estatuto fundiário brasileiro regrou dois outros institutos, a arrecadação dos imóveis abandonados e o consórcio imobiliário. No procedimento administrativo de regularização, quando do levantamento da situação do bairro objeto da regularização, o Município pode arrecadar imóveis abandonados seguindo o rito da legislação. Pode também fazer o consórcio imobiliário previsto no Estatuto das Cidades, que é o chamamento do loteador para criação de um bairro novo, de novas unidades habitacionais com adequação de necessidades urbanísticas. Muitas regularizações fundiárias demandam a remoção de pessoas das áreas de risco. Havendo áreas livres dentro da gleba é possível que haja a composição por consórcio imobiliário e o nascimento de novas unidades imobiliárias para a realocação das pessoas. Decisão – A fase de decisão se dá com a publicidade. CRF – Certidão de Regularização Fundiária.

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PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

Projeto de regularização fundiária: Município pode acrescentar os requisitos necessários O projeto de regularização fundiária traz dez elementos, o que demonstra como é delicada a responsabilidade dos gestores públicos. Lepac e planta de sobreposição – Levantamento planialtimétrico cadastral georreferenciado. Isso está na lei. Todos os procedimentos administrativos iniciados após 11 de julho de 2017 necessitam de georreferenciamento, ou seja, da localização espacial do bairro. O município, por meio da planta de sobreposição, vai demonstrar para o Registro de Imóveis que identificou x matrículas, x transcrições, que foram sobrepostas ao polígono do núcleo urbano informal. A demarcação urbanística está presente em todo e qualquer projeto de regularização. Por isso, a meu sentir, a desnecessidade de tratá-la como instituto autônomo e prévio. Estudo preliminar e proposta de soluções – Abrange todas as questões e intervenções necessárias ao bairro. É o momento de conhecer o morador, a sua situação socioeconômica, quantas crianças e idosos residem no imóvel, se enfrentam algum problema de cunho social. É também o momento de verificar as questões ambientais do entorno, se há coleta de esgoto, se há necessidade ou possibilidade de fazer uma adequação do sistema viário com a criação de novas ruas e unidades imobiliárias. É na elaboração do plano de regularização fundiária que se deve estudar e propor soluções. Não basta constatar, por exemplo, a existência de problema na coleta de esgoto. É preciso identificar o problema e encontrar a solução.  Memoriais descritivos – Também trabalharemos com memoriais descritivos que são essenciais

para o registro.

A lei veio para resolver um problema fundiário urbano brasileiro. Não podemos afastar direitos e resolver de maneira simplista as questões urbanísticas, ambientais, jurídicas e sociais.

Estudo técnico ambiental e de riscos, se necessário – É inverídica a crítica de que a legislação desrespeita o meio ambiente, primando apenas pela titulação. A complexidade do projeto de regularização fundiária demonstra que regularizar não é somente titular, é muito mais do que isso. É, de fato, estudar e resolver problemas. Cronograma físico de implantação de obras e serviços e eventuais compensações – A legislação anterior não trazia essa obrigatoriedade. Agora nenhuma regularização fundiária é realizada sem antes se estudar o problema, propor soluções e estipular prazo para essas soluções. É óbvio que esses prazos não serão os mesmos exigidos pelo órgão de licenciamento do Estado, o Graprohab, Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo, onde existe a figura de um loteador, de um grupo econômico que reúne condições de realizar uma terraplanagem em uma semana, de instalar uma rede de esgoto em seis meses, instalar sistema de iluminação, etc. O cronograma respeita a realidade orçamentária do ente público promotor da regularização fundiária. Termo de compromisso – Não adianta promover um estudo, apontar soluções, colocar prazos sem que haja alguém responsável pelo cumprimento dessas medidas. A legislação dispôs que todo e qualquer projeto deve ser acompanhado do termo de compromisso para se descobrir o responsável pelo pagamento da urbanização.

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Projeto urbanístico – O plano urbanístico traz mais nove itens. De acordo com a lei, todos esses 19 itens chegarão ao Registro de Imóveis porque todos compõem o projeto de regularização fundiária a ser encaminhado ao Registro. A qualificação registral para fins de regularização fundiária se tornou mais complicada porque agora o prazo para a qualificação será de quinze dias, conforme previsto na lei.

Para dar mais segurança ao Registro de Imóveis (...) sugerimos que isso constasse da lei federal. E assim está. O projeto urbanístico pode conter um quadro comparando frações e lotes, para que o registrador possa abrir as respectivas matrículas diretamente em nome dos titulares de frações ideais registradas.

A conformação do parcelamento do solo, as unidades imobiliárias existentes ou projetadas e seu detalhamento – A planta vai indicar quadras, lotes, áreas públicas, passeio público, bem como as unidades imobiliárias existentes ou projetadas. É o consórcio imobiliário, não precisamos nos conformar com aqueles lotes ou dimensões. Se necessário, os lotes poderão ser adequados, divididos, unificados, parcelados, etc. A lei fala do detalhamento das unidades imobiliárias, referindo-se aos conjuntos habitacionais ou condomínios edilícios objetos da regularização fundiária. Nessa situação há necessidade de se detalhar a construção existente sobre o lote. Frações ideais vinculadas à unidade regularizada – É o procedimento de especialização de fração criado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo na gestão do Doutor José Renato Nalini (Provimento nº 18, de 2012). Esse procedimento visava transformar frações ideais registradas

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em lotes especificados dentro da regularização fundiária. Num primeiro momento verificamos que a provocação do próprio titular da fração ideal não era suficiente. Editou-se outro provimento em que foi sugerido que o próprio município pudesse fazer essa especialização diretamente na planta ou mediante ofício encaminhado ao oficial do cartório, assumindo a responsabilidade por aquela vinculação.

Para dar mais segurança ao Registro de Imóveis e também ao gestor público sugerimos que isso constasse da lei federal. E assim está. O projeto urbanístico pode conter um quadro comparando frações e lotes, para que o registrador possa abrir as respectivas matrículas diretamente em nome dos titulares de frações ideais registradas. Eventuais áreas usucapidas – Outra demanda que solicitamos e foi acatada: a necessidade de se fazer constar dentro do projeto de regularização fundiária as áreas eventualmente usucapidas. Travamos debates intensos com alguns municípios e até com registradores de imóveis que entendiam que o imóvel não precisaria estar contido na planta de regularização fundiária, considerando a existência de uma matrícula individualizada para um mandado de usucapião. Eu defendia que deveria estar porque a usucapião não é forma de regularização fundiária nos termos plenos da legislação de 2009. A usucapião é forma de regularização dominial, é uma maneira de colocar um imóvel no nome de uma pessoa. A usucapião não faz nascer o imóvel


PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

dentro de um bairro, não faz nascer o sistema viário pelo qual a pessoa tem acesso ao imóvel usucapido, não faz nascer seus confrontantes, e nem atende a todas as questões urbanísticas do bairro. Por isso todo imóvel, ainda que usucapido, deve estar contido na planta de regularização. Medidas de adequação de desconformidades, mobilidade, acessibilidade, infraestrutura, realocação de edificações, obras de infraestrutura e outros requisitos municipais – Observa-se várias vezes essa finalização: “outros elementos exigidos pelo Município”, “outros requisitos municipais”. A Lei 13.465 traz normas gerais que podem e até devem ser complementadas pelos municípios, a depender da sua realidade local. Jamais poderia o legislador federal, no âmbito de sua competência normativa, limitar a atuação de um ente federativo municipal na adequação do seu território urbanístico. Daí porque possibilitou ao Município acrescentar os requisitos que julgar necessários.

abastecimento de água potável, coletivos ou individuais e sistema de coleta e tratamento de esgoto, coletivo ou individual. A regularização fundiária era inviável em muitos bairros, principalmente nas favelas das grandes cidades, porque não havia um projeto de redes coletoras de esgotos. Nos termos da legislação anterior era preciso desmanchar metade do bairro para que fosse possível implementar uma rede coletora de esgotos. Edifício São Vito

Compete ao município verificar a necessidade de infraestrutura Sugerimos a expressão “essencial” para diferenciar da expressão básica que estava na Lei 6.766, de 1979, o primeiro marco legal de ordenação de solo urbano da regularização fundiária. A legislação não dispôs sobre rede de esgoto nem rede de abastecimento de água. Dispôs, sim, sobre sistemas de

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A questão ambiental precisa ser enfrentada, mas não da maneira tradicional. Podemos falar em fossas sépticas, fossas sépticas coletivas e tantos outros sistemas que hoje a engenharia disponibiliza no mercado.

De acordo com a Lei 13.465, a regularização fundiária só será aprovada com titulação. Os Registros de Imóveis receberão uma listagem com a identificação dos ocupantes e a forma de titulação.

Rede de energia elétrica, soluções de drenagem e outros requisitos municipais: compete ao município verificar a necessidade de outras exigências de infraestrutura.

Conclusão da Reurb: não existe aprovação de regularização fundiária sem titulação Indicação das intervenções – A conclusão da Reurb traz a indicação das intervenções, se constatada sua necessidade. Não se faz mais regularização fundiária sem que se enfrente as questões urbanísticas ambientais e sociais. Aprovação do projeto e responsabilização pela implantação da infraestrutura essencial, dos equipamentos públicos e das medidas de mitigação e compensação urbanística e ambiental. Regularização não é mais um mero carimbo. Regularização é um documento complexo e extenso que enfrenta os problemas da sociedade urbana brasileira. Identificação e titulação dos ocupantes – não existe mais aprovação de regularização fundiária sem titulação. Um dos maiores gargalos da legislação anterior é que o processo era feito em fases. Primeiro se encaminhava o projeto ao cartório e só depois a população era cadastrada. Esse foi um dos

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elementos que convenceram o ministro das Cidades, Bruno Araújo, a provocar a adequação legislativa. No cadastro estadual de regularização fundiária da Arisp constam 1.500 bairros registrados no Estado de São Paulo; 230 mil matrículas abertas derivadas da regularização fundiária e apenas 18 mil tituladas.

Apesar de todo o investimento realizado em regularização fundiária pelo Estado de São Paulo (mais de 200 milhões de reais) e pelos municípios, esses imóveis continuam na informalidade. Por essa razão, de acordo com a Lei 13.465, a regularização fundiária só será aprovada com titulação. Salvo raras exceções, os Registros de Imóveis receberão uma listagem com a identificação dos ocupantes e a forma de titulação. A partir daí, nascerá a CRF – Certidão de Regularização Fundiária.

Certidão de Regularização Fundiária: título para ingresso no Registro de Imóveis É o ato administrativo de aprovação do processo de regularização fundiária. É esse título que ingressará no Registro de Imóveis, não mais um projeto, uma listagem e dezenas de documentos. Incluindo a CRF, 90% dos institutos tratados na nova legislação nasceram das várias discussões realizadas em São Paulo, na Rua Tabatinguera, 140, com registradores e vários outros profissionais do direito de São Paulo e de outros estados.


PROCEDIMENTO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO

Inicialmente, conforme sugestão do desembargador Marcelo Berthe, CRF seria a sigla para Carta de Regularização Fundiária, nos moldes de uma carta de formal de partilha. Não obstante, entendeu-se por bem substituir a expressão Carta por Certidão, Certidão de Regularização Fundiária, que é o documento final de aprovação, o qual será encaminhado ao Registro. Todos os dezenove itens que relacionei de forma muito rápida e perfunctória integrarão a CRF – imaginem o calhamaço de documentos encaminhados aos oficiais de Registro de Imóveis para qualificação a ser feita, no máximo, em quinze dias. Esse documento também conterá o projeto de regularização e o termo de compromisso assinado por

aqueles que assumirão a responsabilidade pela instalação ou adequação da infraestrutura. Constará também a listagem de ocupantes quando a titulação se der por legitimação fundiária, forma de aquisição originária da propriedade. A lei reúne os temas amplamente debatidos em centenas de reuniões, audiências públicas e diálogos realizados no período de julho de 2016 a julho de 2017, buscando a criação de uma lei que não tem o escopo de desburocratizar, porque em vários pontos não desburocratiza, e nem o escopo de simplificar, porque em vários pontos não simplifica, mas veio para superar de maneira mais eficaz, justa e correta o problema fundiário brasileiro.

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Procedimento De registro da regularização fundiária de acordo com a Lei nº 13.465/2017 Paola de Castro Ribeiro Macedo Registradora de Imóveis em Taubaté (SP)

A palestrante examinou o tema da Regularização Fundiária sob os seguintes aspectos: evolução legislativa; principais alterações da Lei 13.465/2017; procedimento no Registro de Imóveis; qualificação registral; registro de contratos e especialização de fração ideal.

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36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS

A regularização fundiária é o melhor caminho para atingir o direito à moradia segura, formal e regularizada. Além de ser um direito humano reconhecido internacionalmente, é também um direito fundamental social (art. 6º, CF), que deve pautar as políticas públicas, a fim de reduzir as desigualdades sociais tão evidentes em nosso país. O Registro de Imóveis é fundamental nesse processo, devendo haver uma completa e perfeita integração entre registradores e poder público, para que o objetivo maior da regularização fundiária seja alcançado.

Regularização Fundiária antes da Lei nº 11.977/2009: instrumentos desconexos Antes do advento da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, as formas de produzir títulos

de propriedade para ocupantes de áreas irregulares eram morosas, custosas e geralmente ineficientes. Para os adquirentes de lotes em loteamentos clandestinos ou irregulares (áreas particulares), o principal instrumento para regularizar sua propriedade era ingressar com ação de usucapião. A ação de usucapião não é exatamente uma forma de regularização por não tratar o assunto de maneira multidisciplinar com o prestígio das questões urbanísticas e ambientais. A ação de usucapião é apenas uma solução individual do problema, restringindo-se a titulação somente para imóveis particulares. Para as ocupações em áreas públicas, onde a ação de usucapião é incabível por vedação constitucional1, há outros mecanismos de regularização, como: (i) a concessão de uso especial para fins de moradia (Medida Provisória 2.220/2001); (ii) concessão de direito 1

Art. 191, parágrafo único da Constituição Federal.

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real de uso (Lei nº 11.481/2007 e Lei nº 11.952/2009); (iii) legitimação de posse de terras devolutas (Lei nº 6.383/1976); e (iv) titulação de posse, nos imóveis em que houve desapropriação de interesse social para fins de regularização (Lei nº 9.785/1999).

A Lei 11.977/2009 criou um aparato jurídico novo, com uma série de ferramentas, visando facilitar e acelerar a regularização dos loteamentos, sendo um verdadeiro divisor de águas.

Entretanto, a maior parte desses mecanismos em áreas públicas não garante aos seus ocupantes o status de proprietários, dando, no máximo, o reconhecimento de um direito real de uso. Ademais, trazem requisitos restritos e muitas vezes transitórios, não beneficiando uma gama significativa da população. Esses instrumentos desconexos não traziam uma normativa densa ou uma lei que pudesse abranger todas as questões de maneira sistemática. Eram apenas normas que possibilitavam algum tipo de providência, mas que não resolviam completamente o problema.

Lei nº 11.977/2009: titulação dos ocupantes não acompanhou os avanços na Regularização Fundiária A Lei nº 11.977/2009, alterada pela Lei nº 12.424/2011, criou um aparato jurídico novo, com uma série de ferramentas com vistas a facilitar e acelerar a regularização dos loteamentos, sendo um verdadeiro divisor de águas. Com base em tal texto legal, foram editados provimentos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e das Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados. O regime jurídico trazido por essa legislação permitiu um grande avanço em matéria de regularização

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do solo urbano. Somente no Estado de São Paulo, até outubro de 2017, de acordo com estatísticas da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), 2.409 loteamentos foram regularizados, 216.383 unidades foram regularizadas, mas apenas 30.913 imóveis foram efetivamente titulados.

Isso significa que avançamos muito nos últimos anos em termos de regularização fundiária, mas não em titulação. Quase 220 mil unidades que estavam à margem do sistema registral foram matriculadas no Registro de Imóveis, mas houve pouca titulação. Portanto, o problema está muito mais ligado à titulação do que propriamente à regularização fundiária. Em 23 de dezembro de 2016, foi publicada a Medida Provisória nº 759, de 22.12.2016 que, além de trazer alterações pontuais em matéria de regularização de imóveis rurais, modificando artigos de leis já vigentes, revogou por completo o Capítulo III da Lei nº 11.977/2009, e o Capítulo XII da Lei nº 6.015/1973, que tratavam de regularização fundiária urbana. A longa e açodada medida provisória trouxe redações truncadas, artigos contraditórios e retrocedeu em muitos aspectos em relação à legislação anterior, tendo sido alvo de muitas críticas por urbanistas e estudiosos da matéria. Até que, em julho de 2017, foi promulgada a Lei nº 13.465, com profundas alterações em relação ao regime jurídico da Lei nº 11.977/2009 e também em relação à Medida Provisória nº 759/2016, trazendo uma nova roupagem para a regularização fundiária urbana. Além disso, foi editado, em 15 de março de 2018, o Decreto nº 9.310/2018, com normas gerais


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

e procedimentos aplicáveis à regularização fundiária urbana2.

Lei nº 13.465/2017: maior preocupação com a melhora das condições urbanísticas e ambientais do núcleo urbano informal e com a titulação dos seus ocupantes Atualmente, a regularização fundiária urbana, chamada de Reurb, pode ser definida como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes (art. 9º, da Lei nº 13.465/2017). A Lei nº 13.465/2017 deixa clara, ainda, a possibilidade de regularização fundiária urbana de imóveis utilizados para moradia, ainda que localizados em zonas rurais, bem como imóveis com finalidade comercial a depender do interesse público. O novo sistema jurídico demonstra maior preocupação com a melhora das condições urbanísticas e ambientais dos núcleos informais e, também, com a efetiva titulação dos seus ocupantes e foi trazido com promessas de uma desburocratização para o setor imobiliário. A nova legislação parece ter sido fruto de uma política pública direcionada a coibir a regularização fundiária realizada apenas na dimensão jurídica, sem se preocupar com as reais condições de habitabilidade de um determinado núcleo informal.

Nessa medida, a Lei nº 13.465/2017 é muito mais rígida em termos de conteúdos mínimos relacionados ao projeto de regularização (arts. 35 e 36) do que era a Lei nº 11.977/2009 (art. 51). A começar por exigir que o imóvel seja descrito em levantamento planialtimétrico, com georreferenciamento, demonstrando as unidades, as construções, o sistema viário, as áreas públicas, os acidentes geográficos e demais elementos do núcleo informal. Para alguns municípios a exigência de descrição georreferenciada poderá significar redução na rapidez de produção dos documentos devido ao rigor técnico, rigor esse que não é exigido nem para os registros de loteamento. É imprescindível que esses municípios possam contar com o programa Cidade Legal. Hoje, para registrar um loteamento urbano novo não é preciso georreferenciar. Assim, a lei colocou a regulariza-

As informações sobre o Decreto nº 9.310/2018 – editado após a data do evento – foram acrescentadas pela palestrante, que atualizou o texto para máximo aproveitamento do leitor. (NE) 2

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ção em novo patamar, embora isso possa ser negativo para a celeridade do procedimento. Além disso, o projeto de regularização deve ser embasado em um estudo preliminar das desconformidades e das situações jurídicas, urbanísticas e ambientais da área, além de proposta de soluções para tais questões, acompanhado de um cronograma de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas e ambientais e, ainda, o termo de compromisso a ser assinado pelos respectivos responsáveis públicos ou privados a cumprirem os termos do cronograma (art. 35, Lei 13.465/2017 e art. 30, Decreto 9.310/2018) Verifica-se que a orientação é realizar a regularização de forma cuidadosa e coordenada, analisando-se todos os aspectos que envolvem o núcleo informal. O objetivo explícito na lei é identificar os locais a

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serem regularizados, organizá-los, assegurar a prestação de serviços públicos a seus ocupantes de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior (art. 2º, I, Lei 13.465/2017 e Decreto 9.310/2018). Pretende-se com isso transmitir clara mensagem de que uma regularização fundiária não se faz apenas com a elaboração de planta, memorial descritivo e auto de aprovação. É preciso efetivamente planejar e executar políticas públicas inclusivas e direcionadas à melhora da condição de vida da população local. Somente dessa forma se poderá resgatar a dignidade da pessoa humana que vive em situação de irregularidade urbana. Além disso, na nova sistemática transferiu para o Município a competência para o procedimento administrativo de regularização fundiária, ficando


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

para o Registro de Imóveis apenas os atos registrais.

Assim, verifica-se que não houve uma simplificação da regularização fundiária, mas uma maior preocupação com a efetiva tutela dos detentores de direitos sobre as áreas regularizadas, o que trará maior segurança ao procedimento, mas talvez menor rapidez em sua implementação.

Se o Município for diligente e ativo terá condições de realizar todo o procedimento, encaminhando ao registrador um título perfeito e acabado. A ideia é que o Município encaminhe ao registrador o título pronto para registro. Se a municipalidade não tiver estrutura adequada para realizar a regularização, o procedimento poderá sofrer atrasos. Por esse motivo, a importância no papel de catalisador do registrador, colocando-se à disposição da Municipalidade para auxiliar na viabilização da regularização.

Procedimento de regularização ficou mais complexo com necessidade de mais providências

impugnação no prazo de 30 dias.

Na Lei nº 11.977/2009 deveriam ser notificados o proprietário e os confrontantes da área, em caso de demarcação urbanística (art. 57, § 1º), que somente era obrigatória para áreas não matriculadas. Para locais descritos em matrícula a demarcação urbanística era facultativa, sendo certo que as notificações eram dispensadas, exceto nos casos em que o registrador entendesse haver uma expansão do parcelamento para além da matrícula (item 285.1, Cap. XX, das NSCGJSP). A desnecessidade de notificação pessoal de todos os proprietários e confrontantes tornava o procedimento mais célere e com menos providências a serem tomadas. Além disso, o prazo para impugnação era de 15 dias (art. 57, § 1º), tendo sido ampliado na nova lei para 30 dias.

No novo procedimento de Reurb deverá o Município requerer, junto ao Registro de Imóveis, de maneira formal, a realização de buscas e a expedição de certidões para verificar as matrículas e transcrições atingidas pela regularização e, também, de seus confrontantes (art. 31).

Há quem possa indagar a respeito da possibilidade de se regularizar o imóvel sem conhecimento dos proprietários. Porém, no modelo anterior, fazia-se a regularização, com a manutenção da titularidade da área. Somente haveria troca de titularidade nos casos de legitimação de posse, com sua conversão em propriedade, ou registro dos contratos subsequentes de venda do imóvel

O Município também recebeu a incumbência legal de notificar todos os titulares de domínio, responsáveis pela implantação do núcleo urbano informal, confrontantes e terceiros interessados (art. 31, § 1º), além de outros titulares de direitos reais sobre o imóvel objeto da Reurb e seus confrontantes (art. 28, II), para, se quiserem, apresentarem

Imagine-se, no caso de uma matrícula com registros de frações ideais, o correto será notificar todos aqueles que figuram como detentores de frações ideais. Há casos, porém, de matrículas com centenas de registros de frações ideais, em que todos deverão ser notificados, o que levará a uma incontestável morosidade no procedimento.

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Assim, verifica-se que não houve uma simplificação da regularização fundiária, mas uma maior preocupação com a efetiva tutela dos detentores de direitos sobre as áreas regularizadas, o que trará maior segurança ao procedimento, mas talvez menor rapidez em sua implementação.

Resolução de conflitos resultantes de impugnações Para a solução extrajudicial de conflitos, poderá o Município criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito da administração local, ou celebrar convênio com os Tribunais de Justiça Estaduais, para utilizar os Cen-

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tros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), ou ainda utilizar câmaras de mediação credenciadas (art. 27, Decreto nº 9.310/18). Vale destacar, nesse assunto, a possibilidade de realização da mediação ou conciliação perante o Registrador de Imóveis, nos termos no Provimento nº 67/2018 do Conselho Nacional de Justiça. Aliás, no sistema anterior, a Lei nº 11.977/2009 previa que o Oficial de Registro de Imóveis era responsável por promover tentativa de acordo entre o impugnante e o poder público (art. 57, § 9º). Ninguém melhor do que o registrador para mediar uma autocomposição de conflitos, uma vez que ele é dotado de independência funcional, imparcialidade e conhecimento técnico jurídico necessário para guiar as partes pelo caminho da melhor composição de interesses.


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Incentivo à titulação dos ocupantes A titulação dos ocupantes é muito valorizada na nova legislação, tanto que aparece no conceito de regularização fundiária e em três de seus objetivos primordiais (arts. 9º e 10, I, II e III, Lei nº 13.465/2017). Nota-se que as formas de titulação dos ocupantes foram ampliadas e fortalecidas com a criação de novos direitos reais, como a legitimação fundiária e o direito real de laje. Houve uma clara intenção do legislador em facilitar a outorga de títulos de propriedade (e não apenas de posse) aos ocupantes dos núcleos urbanos, tornando-os parte do sistema formal imobiliário. Promover a regularização fundiária sem realizar a titulação dos ocupantes frustra todo o esforço anterior em efetivamente melhorar o núcleo urbano informal. Fazer a regularização e não titular o ocupante é como nadar para morrer na praia. Não se atinge o interesse público apenas fazendo a regularização do solo. Atualmente, está previsto que a Certidão de Regularização Fundiária – CRF contemplará a listagem dos ocupantes com seus respectivos direitos reais envolvidos, para que a titulação não ficasse aguardando um segun-

do momento, como ocorria no sistema anterior. A questão é saber se a regularização pode ser realizada sem a titulação, a critério do Município. É preciso deixar claro que não é esse o espírito da nova lei, que traz a lista de ocupantes como parte integrante da CRF. Porém, pode haver situações em que o Município ainda não tenha realizado o levantamento completo dos titulares e queira deixar a titulação para um segundo momento, de acordo com o interesse público. Nesse caso, não cabe ao registrador recusar o registro da regularização que, para o Município, atenderá melhor aos interesses da comunidade. Findo o procedimento administrativo perante o Município, a CRF é emitida, juntamente com o projeto de regularização e a lista de ocupantes com seus respectivos direitos. Tudo isso forma o título hábil a ingressar no Registro de Imóveis.

Certidão de Regularização Fundiária – CRF A Certidão de Regularização Fundiária deverá refletir um resumo de todo o procedimento de regularização, com as providências tomadas pela Municipalidade, a fim de garantir que os requisitos legais foram efetivamente atingidos, contendo, pelo menos, as seguintes informações: 1) Nome do núcleo urbano e matrículas e transcrições atingidas; 2) Localização da área; 3) Modalidade da Regularização; 4) Responsabilidade das obras e serviços do cronograma; 5) Indicação numérica de cada unidade regularizada;

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6) Listagem com nome dos ocupantes, estado civil, profissão, CPF, RG e filiação. (Observação: a LRP prevê a exigência de filiação apenas na falta do RG. É um excesso que acaba dificultando o preenchimento do documento). 7) Informações sobre aprovação urbanística e ambiental; 8) Declaração se há área de APP, risco, uso sustentável, manancial, etc. (é fundamental que o registrador se certifique de que a questão foi tratada adequadamente). 9) Declaração de realização de notificações e editais, conforme determinado na lei. O grande facilitador da regularização fundiária na Lei nº 13.465/2017 é a concentração, em um único documento, das informações relativas ao procedimento administrativo municipal. O registrador não receberá mais um calhamaço de documentos, mas uma CRF extratada, simplificada, um resumo do que foi feito no procedimento administrativo. A mesma coisa acontece com as notificações. O registrador não precisa das cópias das notificações feitas pelo Município, mas apenas de uma lista contendo quem foi notificado, o resultado da notificação e se houve impugnação. Essa simplificação de procedimentos pode acelerar a qualificação registral tornando o procedimento mais enxuto e eficiente.

Projeto de Regularização Fundiária (art. 35) O projeto de regularização fundiária, de acordo com a nova legislação, deve ser apresentado por um dos legitimados à Municipalidade para dar seguimento ao processo administrativo e será composto de: 1. Levantamento planialtimétrico e cadastral

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com georreferenciamento; 2. Planta do perímetro do núcleo urbano informal; 3. Estudo preliminar urbanístico e ambiental. (Não é necessário que o registrador conheça os detalhes dos estudos, mas somente as suas conclusões). 4. Projeto urbanístico indicando as áreas usucapidas, medidas de adequação para corrigir desconformidades, mobilidade, acessibilidade e obras de infraestrutura. Muito importante essa análise da descrição da área usucapida, inserindo-a corretamente no projeto. O grande problema é o lapso temporal entre a realização do estudo e o efetivo registro, período em que outras ações de usucapião podem surgir. 5. Memoriais descritivos; 6. Proposta de soluções para questões ambientais, urbanísticas e de reassentamento dos ocupantes; 7. Estudo técnico para situação de risco; 8. Estudo técnico ambiental; 9. Cronograma físico de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas, ambientais; e 10. Termo de compromisso a ser assinado pelos responsáveis, públicos ou privados, pelo cumprimento do cronograma físico de serviço. Nesse ponto, atenção especial para a importância da correta classificação da Reurb. Na Reurb-S, todos os custos da regularização, inclusive obras de infraestrutura, são de responsabilidade da Municipalidade. Já na Reurb-E tais custos devem ser arcados pelos interessados e beneficiados pela regularização, com direito de regresso ao parcelador irregular.


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Fluxograma no Registro de Imóveis Prenotação

Prazo para conclusão do procedimento: 60 +60 dias

Buscas e Qualificação Registral 15 dias

Anotação

CRF Apta

Registro de Iteurd, Abertura de matrículas e registro dos titulos aquisitivos

Tipos de imóveis que podem ser regularizados • Áreas públicas ou particulares. Não há necessidade de desafetação de áreas públicas (art. 71); • Área em zona urbana ou rural com destinação urbana. Pode-se utilizar todo o aparato urbano para o imóvel que está em área rural. Se em zona rural, área deve ser inferior à fração mínima de parcelamento (art. 11, I). • Uso residencial ou misto (comercial) – art. 13, § 4º. •  Parcelamento clandestino, irregular ou no qual não foi realizada a titulação (art. 11, II). É possível utilizar a nova lei, em termos de titulação, para regularizações feitas sob a égide da legislação anterior. • Loteamento, desmembramento, condomínio ou conjunto habitacional; • Em área de APP, Unidade de Conservação, Proteção de Mananciais, Margem de Reserva-

CRF IrregularNota de Exigência

tório (art. 11, § 2º), com estudos técnicos com melhora ambiental. Área de Risco (eliminação ou administração do risco) – art. 39. •  Regularização por etapas, abrangendo o núcleo de forma total ou parcial (art. 36, § 2º). Muito útil em casos de extensas áreas, dificultando regularizá-las por inteiro de uma só vez. Questão interessante é saber se é possível regularizar lote a lote. Embora não haja vedação legal, não parece haver interesse público na regularização lote a lote.

Procedimento no Registro de Imóveis A Certidão de Regularização Fundiária, acompanhada dos documentos pertinentes, ingressará no Registro de Imóveis, onde será prenotada e autuada. Serão efetuadas novas buscas para confirmar as matrículas ou transcrições atingidas e respectivos confrontantes. Em seguida, será feita a qualificação registral de toda a documentação. Se a CRF estiver irregular, faltando algum requisito,

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será emitida a nota de exigência. Se estiver apta, a Reurb será registrada com abertura de matrículas para as unidades e o consequente registro da titulação dos ocupantes. A lei determina o prazo de 60 dias para a conclusão do procedimento, prorrogável uma única vez por mais 60 dias.

Qualificação registral Mesmo com a transferência para o Município de grande parte das atribuições que antes eram do Registro de Imóveis, a qualificação registral dos documentos que envolvem uma regularização fundiária não deixou de ser tarefa complexa, tendo em vista o seu caráter multidisciplinar. Ao qualificar a CRF, o registrador, atento a seu dever funcional de zelar pela segurança e higidez dos registros públicos, deverá observar se: (i) as matrículas e transcrições indicadas na CRF da área regularizada e seus confrontantes estão corretas; (ii) todos os titulares de direitos reais sobre a área regularizada e seus confrontantes foram notificados; (iii) há notícia da publicação de edital; (iv) o Município outorgou licenciamento urbanístico e ambiental; (v) há declaração da realização dos estudos técnicos referidos nos arts. 35 e 36, Lei nº 13.465/2017; (vi) há áreas usucapidas dentro do projeto de regularização; (vii) todas as eventuais impugnações foram resolvidas; (viii) os estudos de melhoria da condição anterior em áreas ambientalmente sensíveis foram realizados; (ix) existem ações judiciais versando sobre a titularidade do imóvel objeto da regularização que possam interferir no registro; e (x) há correspondência entre plantas aprovadas e memoriais descritivos.

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Situações tabulares possíveis Com relação à base tabular do imóvel objeto da regularização, podem ocorrer as seguintes situações: 1- Registro da área não localizado. Na Lei nº 11.977/2009, na ausência de matrícula ou transcrição, utilizava-se a demarcação urbanística para criar a base registral. Agora, a demarcação urbanística é um procedimento facultativo e a lei dispõe que o oficial simplesmente abrirá matrícula com a descrição do perímetro e nela efetuará o registro (art. 51, § único). Mas é preciso se certificar de que de fato não existe base registral, eliminando o risco de duplicação de matrículas. 2- Descrição da matrícula não coincide exatamente com o projeto, mas há razoável certeza de que se esgotou. A lei dispõe que se averbará a nova descrição na matrícula existente, independentemente de procedimento de retificação (art. 46). Isso é uma retificação de área, embora a lei diga que não. Não será feito o procedimento de retificação de área, mas o ato é equivalente porque se dá uma nova descrição à área. 3- Área da CRF inferior à da matrícula. Nesse caso, averba-se o destaque na matrícula de origem, abrindo outra para a Reurb (art. 46, § 3º). De acordo com a lei, não há necessidade de apuração de remanescente, que poderá ser feita posteriormente pelo proprietário. 4 - Dúvida quanto à extensão da gleba matriculada, por conta de precariedade. Averba-se o destaque, com abertura de nova matrícula (art. 46, § 1º). 5 - Área a ser regularizada englobar duas ou mais matrículas. Averba-se o encerramento das matrículas atingidas, com abertura de matrícula nova (art. 44, § 2º).


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Demandas judiciais e gravames As áreas públicas que sejam objeto de ação judicial sobre a sua titularidade, poderão ser objeto de Reurb, desde que celebrado acordo judicial ou extrajudicial homologado pelo Juiz (art. 16, § 1º). Por isso, é importante a certidão do distribuidor ou uma declaração da municipalidade.

Os gravames e indisponibilidades serão transportados para as matrículas abertas, salvo registro concomitante de legitimação fundiária. Nesse caso, somente gravames relacionados ao beneficiário serão transportados.

As áreas objeto de demandas judiciais que versem sobre direitos reais de garantia ou constrições judiciais, bloqueios e indisponibilidades poderão ser objeto de Reurb, salvo se a decisão for específica para impedir o registro do projeto (art. 74). Os gravames e indisponibilidades deverão ser transportados para as matrículas abertas, salvo registro concomitante de legitimação fundiária. Nesse caso, somente gravames relacionados ao beneficiário serão transportados (art. 23, § 2º e § 3º). Na legitimação de posse, somente após a conversão é possível cancelar os gravames (art. 26, § 2º).

Atos a serem praticados no Registro de Imóveis 1. ATO DE REGISTRO da regularização fundiária em matrícula existente ou aberta para esse fim (art. 44, § 1º, I e art. 51). Se for um parcelamento do solo, loteamento ou desmembramento, esse ato terá a mesma função do ato de registro do loteamento ou desmembramento. No caso de condomínio, produzirá efeito de instituição e especificação (art. 48). A lei diz que o registro de convenção de condomínio é facultativo (art. 48).

2. ATO DE AVERBAÇÃO – Se a descrição da área regularizada não coincidir com a matrícula, averbar a nova descrição antes do registro da Reurb. 3. ATO DE AVERBAÇÃO – Caso necessário, averbam-se os destaques nas matrículas atingidas.

4. ABERTURA DE MATRÍCULA (art. 44, § 1º, II) para as unidades e áreas públicas, exceto se houver frações ideais registradas e não especializadas na CRF (art. 45). 5. ATO DE REGISTRO dos direitos reais nas matrículas abertas para as unidades, conforme lista de ocupantes constante da CRF. 6. ATO DE AVERBAÇÃO – Os gravames das matrículas de origem serão transportados para as matrículas das unidades, salvo se houver legitimação fundiária (art. 23, § 3º). A lei dispõe que não serão transportados nesse caso porque a aquisição é originária. Só haverá o transporte se o gravame se referir ao próprio beneficiário. Isso não acontece na legitimação de posse, que só é considerada aquisição originária quando se converte em propriedade. Portanto, nas legitimações de posse há que se trazer os gravames, cancelando-os mais adiante, quando da conversão em propriedade. O registrador deverá verificar, no dia em que efetuado o registro, a existência de eventual ação de usucapião registrada que não conste do projeto. Se houver, faz-se uma averbação na matrícula de origem dizendo que aquele lote já foi usucapido com informações recíprocas na ficha auxiliar.

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Providências após o registro Após todos esses atos de registro ou averbação, se o imóvel for rural com destinação urbana, o registrador informará o Incra, o Ministério do Meio Ambiente e a Receita Federal, para cancelamento dos CCIR e CAR (art. 44, § 7º). O registrador também precisa informar o sistema SIGEF do registro, para imóveis rurais georreferenciados. Tendo em vista que a lei exige o georreferenciamento, toda vez que se tratar de imóvel rural o SIGEF precisa ser informado. Também deve o registrador informar a DOI para o registro das titulações, quando for o caso, e tam-

bém a base de dados da Arisp (Central Registradores), que é a base estatística para que todos possam conhecer o número de regularizações realizadas.

Reurb inominada (art. 69) Importante ressaltar que os núcleos urbanos informais implantados antes de 19 de dezembro de 1979 e integrados à cidade poderão ser regularizados, de forma simples e célere, mediante a apresentação de requerimento do interessado diretamente ao Registro de Imóveis, acompanhado de: (i) planta da área a ser regularizada, com descrição do perímetro total, lotes, quadras, áreas públicas, logradouros (sem necessidade de georreferenciamento); (ii) Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), sendo dispensada se o responsável for servidor público; (iii) documento expedido pelo Município atestando que o parcelamento é anterior a 1979 e está integrado à cidade (art. 69, da Lei nº 13.465/2017). Nesse caso, não há necessidade de projeto de regularização, estudos técnicos, CRF, licenças, aprovações, alvarás, notificações, podendo também sua regularização ser realizada por trechos ou etapas (art. 87, Decreto nº 9.310/2018).

Titulação dos ocupantes Ao analisar a legislação anterior, percebia-se claramente a existência de duas grandes fases na regularização fundiária: a primeira fase era a regularização

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PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

do parcelamento do solo ou a constituição de um condomínio edilício, e a segunda fase a titulação dos ocupantes. O novo sistema tentou condensar as duas fases em um só documento, a Certidão de Regularização Fundiária, que, além de aprovar a regularização, também irá conferir direitos reais aos beneficiários da Reurb. Assim, atualmente, podemos identificar as seguintes vertentes de titulação com vocação para trazer propriedade a seus ocupantes: (i) legitimação fundiária, para imóveis públicos e particulares (arts. 23/24); (ii) legitimação da posse, com sua conversão em propriedade, para imóveis particulares (arts. 25/27); (iii) registro dos contratos particulares devidamente quitados (art. 26, parágrafo 6º, e art. 41, ambos da Lei nº 6.766/1979 e art. 52, parágrafo único, Lei nº 13.465/2017); e (iv) especialização de frações ideais registradas na matrícula de origem da área, onde há posse sobre um determinado lote ou unidade autônoma (art. 45).

Registro de contratos particulares com a respectiva quitação (art. 52, parágrafo único) No âmbito da Reurb, aqueles que tiverem em seu poder contratos particulares de compromisso de venda e compra, de cessão, promessa de cessão, pré-contratos, reserva de lotes, proposta de compra, ou qualquer outro documento do qual constem a manifestação de vontade das partes, a indicação da fração ideal, lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar poderão obter o registro de propriedade. Os chamados contratos de gaveta terão acesso ao Registro de Imóveis se apresentados com a pro-

va de quitação do preço ou certidão do Distribuidor (imóvel e adquirente), emitida após cinco anos do vencimento da última prestação, a Certidão da Municipalidade, sob sua exclusiva responsabilidade, que identifique o lote e/ou anuência dos confrontantes, e o ITBI (art. 52, parágrafo único). Na qualificação de tais contratos, o Oficial de Registro deve cotejar o ordenamento jurídico registral em consonância com as normas de flexibilização para o alcance do registro. O objetivo maior é a obtenção do registro da propriedade sem vulnerar a segurança jurídica, da qual o Registro de Imóveis é guardião. As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo trazem uma normativa de qualificação dos contratos, abrandando uma série de requisitos. 1- Especialidade objetiva – não há necessidade de exata correlação na descrição, é preciso apenas saber o lote (item 314). 2- Verificar se a alienação se refere ao lote inteiro ou a uma parte dele – Se a alienação se referir à parte, o registrador solicitará desdobro. 3- Continuidade também mitigada – Derivando a titularidade atual de uma sucessão de transferências informais, realizar um único registro (último contrato) fazendo menção às alienações intermediárias (item 309.9). 4- Cópia simples das transmissões intermediárias e certidão do distribuidor (item 311). 5- Ausência de formal de partilha e certidão de casamento com averbação da separação e divórcio – A falta de formal de partilha ou da certidão de casamento com averbação da separação e divórcio, decorridos mais de dois anos (item 316, I), não é impeditivo do registro. 6- Ausência de reconhecimento de firma,

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decorridos mais de 10 anos (item 316, II).

Especialização de fração ideal (art. 45)

Segundo a Lei nº 13.465/2017, a Municipalidade deverá indicar, sob sua exclusiva responsabilidade, as unidades imobiliárias correspondentes às frações ideais registradas, simplificando o procedimento de especialização (art. 45).

A legislação que trata do parcelamento do solo impõe diversas exigências ao empreendedor. Com o objetivo de burlar tais regras, os parceladores irregulares criaram ao longo dos anos, artifícios para disfarçar os loteamentos e assim obter registros, mesmo estando em desconformidade com a lei. O principal artifício utilizado foi a alienação de fração ideal de terreno, com ou sem localização, criando um condomínio civil entre todos os adquirentes dos lotes. Em realidade, no local, havia um aglomerado de habitações com localizações internas, espaços livres, ruas, ao passo que, juridicamente, eram todos detentores de um percentual sobre a área inteira.

Durantes vários anos, essa alienação do imóvel em partes era aceita e registrada na matrícula das glebas. Entretanto, tal subterfúgio foi percebido pelos oficiais de Registro de Imóveis, Ministério Público e Municipalidades, chegando ao Poder Judiciário, que passou a vedar o registro das operações tendentes a fraudar as leis de parcelamento do solo. Por essas razões, existem muitas matrículas com algumas centenas de alienações de pequenas frações ideais, praticamente bloqueadas para o trânsito imobiliário, pois são consideradas matrículas oriundas de parcelamento irregular. Nesses casos não há necessidade de trazer

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para registro as escrituras de aquisição ou pleitear junto à Municipalidade um título de legitimação fundiária ou de posse, pois já existe registro de aquisição da matrícula da gleba original do parcelamento. Após a regularização fundiária do parcelamento do solo ou do condomínio edilício, será suficiente a mera especialização da fração ideal de terreno com atribuição de um lote ou uma unidade autônoma.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, na vanguarda em matéria de regularização, editou a Subseção III, das Normas de Serviço (itens 320 a 323), inteiramente dedicada a esse tema, com os documentos que devem ser apresentados ao Oficial de Registro de Imóveis para especialização da fração em parcelamento do solo e em condomínio edilício. Segundo a Lei nº 13.465/2017, a Municipalidade deverá indicar, sob sua exclusiva responsabilidade, as unidades imobiliárias correspondentes às frações ideais registradas, simplificando o procedimento de especialização (art. 45). A especialização poderá ocorrer diretamente na CRF ou em documento apartado. Se a indicação ocorrer junto com a CRF, as matrículas deverão ser abertas e os atos de especialização praticados nas matrículas das respectivas unidades; do contrário, ficará aguardando o requerimento do interessado. A questão central a ser analisada é saber qual o ato a ser praticado para especializar a fração ideal. A fim de verificar o ato registral juridicamente correto a ser praticado, necessário analisar a natu-


PROCEDIMENTO DE REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Análise dos Contratos Último Contrato

Transferências Informais

Cópia Simples

Original e firma reconhecida

Notificação subscritores e Certidão do Distribuidor

Certidão do Distribuidor Adquirente

reza da especialização da fração ideal. A existência da fração ideal pressupõe a formação de um condomínio voluntário, regulado pelos arts. 1314 a 1326 do Código Civil. Assim, o que se chama de especialização da fração ideal nada mais é do que a extinção do condomínio por meio da divisão da coisa comum (art. 1320, CC). Como se aplicam à divisão do condomínio as regras de partilha de herança (art. 1321, CC), o ato correto a ser praticado é o registro da atribuição de um determinado lote ou unidade autônoma à fração ideal registrada na matrícula-matriz.

respectivo lote receberá um ato de registro com tal especialização. Esse registro terá o condão de determinar que aquele lote agora pertence ao detentor da fração ideal registrada sob determinado número da matrícula de origem. A partir desse momento, aquele adquirente deixa de ser um condômino na área total e passa a ser proprietário de um imóvel único e determinado, acabando, de uma vez por todas, com as irregularidades do passado.

Ao registrar a regularização, as matrículas dos lotes/unidades devem ser abertas, tendo como proprietários todos os que figuram na matrícula de origem. Ao especializar a fração ideal, a matrícula do

Os processos administrativos de regularização fundiária iniciados perante os órgãos públicos até 12.07.2017 podem seguir a Lei 11.977/2009 ou a Lei 13.465/2017, a critério do ente público (art. 75).

Regras de transição (art. 75)

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Legitimação fundiária e legitimação de posse Flauzilino Araújo dos Santos

Diretor de Tecnologia da Informação do IRIB

Surgiu a ideia de incluir no ordenamento jurídico brasileiro uma nova forma de aquisição originária da propriedade imobiliária, a chamada legitimação fundiária. (...) Qual o fato jurídico capaz de gerar a legitimação fundiária? Diferentemente da legitimação de posse, na legitimação fundiária não estamos nos referindo à posse continuada, mas olhando unicamente para a existência de um núcleo urbano consolidado.

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36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS

A

convite do Ministro Bruno Araújo tive a honra de compor o grupo de trabalho do Ministério das Cidades, constituído pela Portaria nº 326, de 18 de julho de 2016, juntamente com os desembargadores Marcelo Martins Berthe e Antônio Carlos Alves Braga Júnior, os doutores Renato Góes, Lair Krahenbuhl, Bastian Philip Reyedon, professor da Unicamp e consultor do Banco Mundial em matéria de governança fundiária, bem como de pessoas de outras unidades da Federação. Esse grupo de trabalho tinha como principal objetivo o debate de propostas de alteração e fixação de diretrizes e metas para uma política nacional de regularização fundiária. De julho a dezembro de 2016, houve um esforço para o desenvolvimento de uma proposta que acabou redundando na MP 759, embora o seu texto tenha sofrido profundas modificações na Casa Civil.

Todavia, no curso do processo legislativo para conversão da medida provisória em lei, tivemos a oportunidade de conversar com o relator adjunto Romero Jucá e com outros componentes diretivos da comissão que analisou a MP 759 e as 760 emendas que foram oferecidas durante o processo legislativo, de sorte que foi possível recuperar algumas propostas inicialmente apresentadas no Ministério das Cidades.

O combate aos conflitos de terras e a modernização do Registro de Imóveis O convite para compor esse grupo de trabalho no Ministério das Cidades resultou de duas experiencias no âmbito da regularização fundiária. A primeira no âmbito do Fórum Fundiário do CNJ, programa desenvolvido na gestão do ministro Gilmar Mendes, que tinha como meta o combate à violência urbana e rural e à grilagem de terras.

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Para a realização desse desiderato o Ministério do Desenvolvimento Agrário destinou ao CNJ, encarregado da aplicação desses recursos, uma verba de R$ 10 milhões.

Esse t ra b a l h o foi coordenado pelo então Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ, Marcelo Martins Berthe, e teve a participação do desembargador Antônio Carlos Alves Braga Júnior. Na oportunidade, em 2009, entendeu-se que o combate aos conflitos de terras decorrentes de disputas pela posse da terra, e mesmo à grilagem – naquela época o foco era a Amazônia – passava pela modernização do Registro de Imóveis brasileiro. E por sua vez, a modernização do Registro de Imóveis passava pelo provimento dos cartórios vagos por concurso público de provas e títulos – daí a edição dos Provimentos 80 e 81 do CNJ –, pela capacitação dos oficiais e seus prepostos na digitalização dos livros registrais, pela edição de normas de serviço para orientação de oficiais, prepostos, juízes corregedores e usuários dos serviços registrais, e pela implantação do registro eletrônico.

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Os estudos desenvolvidos pelo Grupo Executivo de Apoio às Atividades Registrais e Notariais (GC-9), formado pelas corregedorias dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, resultaram, dentre outros benefícios na proposta de um código de normas de serviços único para esses estados, e também para o Estado do Piauí, onde há uma região de conflitos agrários conhecida como Matopiba, grande fronteira agrícola nacional da atualidade; na expedição de quarenta oficiais, que visitaram vinte cartórios de Registro de Imóveis no Estado do Pará para compartilharem durante uma semana de experiências e troca de conhecimentos com os colegas da região; na especificação técnica para o desenvolvimento do Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, publicada posteriormente pela Corregedoria Nacional de Justiça sob a rubrica Recomendação 14/2014. Todas as sugestões de normas para os nove Estados da Amazônia Legal, e também para o Estado do Piauí, e as especificações para a implantação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico trataram de maneira criteriosa a questão da regularização fundiária. É nesse ponto


LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

que entra a abordagem sobre o registro eletrônico na Medida Provisória 759 e a consequente criação do ONR. De julho a dezembro de 2016, a meta era que fossem abertas 1 milhão de matrículas no ano de 2017. Algumas situações, entretanto, precisam ser analisadas, como, por exemplo, uma iniciativa do governo do Estado do Rio de Janeiro de criação de um cartório paralelo, projeto que está a cargo do ITERJ – Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro, para aplicação dos novos instrumentos da regularização fundiária contemplados na Lei 13.465/2017. Precisamos entender o porquê disso. Por que lá no passado, por meio do decreto sem número de 2008, quando o presidente Lula criou uma comissão de notáveis para estudar o Registro de

Imóveis brasileiro, essa comissão, depois de muitas audiências públicas, decidiu que seria melhor para o Brasil um sistema de concessão em vez de um sistema de delegação? Daí porque a medida provisória estabeleceu os parâmetros para a implantação do registro eletrônico, uma vez que a Lei 11.977/2009 não disse como os oficiais de registro se organizariam para implantar o registro eletrônico.

Como superar a fragilidade da titulação do ocupante A segunda experiência exitosa foi a contribuição oferecida pela ARISP à CGJSP, em 2012, que resultou na edição do Provimento CG 18, de 21 de junho

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de 2012, primeiro provimento após a edição da Lei 11.977/2009 a tratar do tema.

mil unidades que foram regularizadas apenas 20 mil foram tituladas em nome dos ocupantes.

O provimento CG 18 tornou-se uma norma paradigmática porque várias corregedorias editaram provimentos tendo como parâmetros as regras estabelecidas no provimento de São Paulo, atendidas, obviamente, as suas peculiaridades locais.

Parece que não há nenhuma dificuldade em constatar que tínhamos uma legislação de certa forma potente para regularização fundiária da gleba, que era a Lei 11.977 e o Provimento da CGJ. Mas havia um gargalo real que se apresentava como obstáculo na titulação dos ocupantes.

Apesar de o Provimento CG 18 ter flexibilizado vários aspectos da regularização fundiária, das 200

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Mesmo com toda a flexibilidade garantida pelo


LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

provimento aos registradores na qualificação do título para formação da cadeia dominial – registro apenas da última cessão de direitos, contratos sem firmas reconhecidas, cópias não autenticadas, cessões feitas por herdeiros sem inventário e partilha com a possibilidade, ainda, do registro da legitimação de posse, concessão especial de uso para fins de moradia –, com toda a boa vontade jurídica visando ao ingresso do título na serventia, conseguimos registrar apenas as minguadas 20 mil unidades.

O clímax da regularização do ponto de vista urbanístico é a entrega do título registrado ao ocupante. Se apenas 10% dos lotes regularizados foram titulados, quando o objetivo final da regularização era a titulação dos ocupantes, alguma coisa estava errada naquela equação. A questão enfrentada pelo grupo de trabalho do Ministério das Cidades foi como superar a fragilidade da titulação do ocupante? A legislação positiva não dava o suporte adequado. Estávamos alcançando apenas aproximadamente o ideal da regularização fundiária, mas os destinatários tinham a expectativa de uma solução cabal com o registro do imóvel em seu nome. A população de baixa renda quer regularizar as suas propriedades, pagar os tributos e impostos municipais, mas não só isso. Como os demais cidadãos, também querem comprar e vender com a garantia de que aquele imóvel lhe pertence. A realidade comprova que as pessoas não gostam desse negócio de usucapião especial coletiva de imóvel urbano prevista no Estatuto da Cidade. Há uma lição lapidar do professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “A Ciência Jurídica coloca problemas para ensinar. Isto a diferencia de outras formas de abordagem do fenômeno jurídico, como a Sociologia, a Psicologia, a História, a Antropologia etc., que colocam problemas e constituem modelos cuja intenção é muito mais explicativa. Enquanto o cientista do direito se sente vinculado, na colocação dos problemas, a uma proposta de solução, possível e viável, os demais podem inclusive suspender o seu juízo, colocando questões para deixá-las em aberto”. Pareceu-nos muito claro que a titulação dos ocupantes era uma questão que não podia ficar em aberto para ser oportunamente resolvida pelos métodos ordinários de aquisição da propriedade imóvel. Inicialmente, pensamos em um instituto do

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Não há risco ao cumprimento das garantias essenciais de tutela dos direitos e interesses eventualmente afetados, tendo em vista o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

direito espanhol chamado Reanudación del tracto sucesivo interrumpido, que busca ajustar o registro à realidade jurídica extrarregistral e que foi objeto de reforma no ano de 2015, tornando-se um procedimento notarial e registral. Mas concluímos por sua inaplicabilidade porque remanesciam questões ligadas ao tempo da posse, à imprescritibilidade de bens públicos, ao recolhimento de impostos, à desafetação de áreas públicas etc., o que inviabilizaria o procedimento.

Legitimação fundiária dos ocupantes Surgiu, então, a ideia de incluir no ordenamento jurídico brasileiro uma nova forma de aquisição originária da propriedade imobiliária, a chamada legitimação fundiária. Evidentemente, por decorrer a aquisição de um fato jurídico, o que se analisa é o cumprimento dos requisitos legais para sua obtenção sem necessidade da autonomia privada. Não haverá, portanto, que se perquirir de continuidade e especialidade, de se mencionar recolhimento de impostos, exigências de retificação de área, traslado de eventuais ônus ou gravames para a nova matrícula. Todos sabemos que na aquisição originária a análise do registrador limita-se às formalidades do título que confere a aquisição da propriedade. Mas qual é o fato jurídico capaz de gerar a legitimação fundiária? Diferentemente da legitimação de posse, na legitimação fundiária não estamos nos referindo à posse continuada, mas olhando unicamente para a existência de um núcleo urbano consolidado.

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A Lei 13.465/2017, em seu artigo 11, define núcleo urbano consolidado como aquele de difícil reversão considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município. E a própria lei também de-

fine claramente: Art. 23. A legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com designação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016. São compreensíveis as críticas e a perplexidade de alguns comentaristas a respeito da legitimação fundiária e de outros novos institutos que foram tratados na Lei 13.465, como é o loteamento de acesso controlado, condomínio de lotes, direito de laje e outros. Entendo quando dizem que a legitimação é uma instituição de problemática complexa a partir do momento em que se contempla a possibilidade de alteração da titularidade dominial publicada no Registro de Imóveis sem consentimento dos afetados ou intervenção judicial. Realmente. Tudo se resolve em um procedimento administrativo desenvolvido pelo poder público e pelo Registro de Imóveis. E ainda que sejam rigorosos, sabidamente encontram-se apenas na esfera administrativa. Faço aqui algumas refutações a essas críticas.


LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

A primeira é que o procedimento que permitirá a legitimação fundiária dos ocupantes somente pode ser aplicado à regularização fundiária de um núcleo urbano informal consolidado até 22 de dezembro. A segunda refutação é que nesses procedimentos preponderam elementos de natureza administrativa e, por isso, não colocam em risco o cumprimento das garantias essenciais de tutela dos direitos e interesses eventualmente afetados, tendo em vista

o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXV da CF). A terceira contestação é que qualquer outra discordância, por mais autorizada que seja a voz do opositor, tem que estar harmonizada e compatibilizada com o direito à moradia digna, que constitui um direito fundamental social e humano reconhecido internacionalmente em diversos documentos e amparado pela Constituição da República. Nesse sentido, há na

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De fato é hora e já tardia de sacudir o mofo; de rever conceitos e hábitos, mesmo que consolidados durante décadas, porém já obsoletos, porque não respondem as nossas atuais indagações...

Constituição um capítulo sobre política urbana que privilegia a função social da cidade e da propriedade, determinando que a política de desenvolvimento tenha por objetivo o pleno desenvolvimento das ações sociais e a garantia do bem-estar dos habitantes (art. 182), corroborando para o que já consta elencado no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º (inc. XXIII). O próprio Estatuto da Cidade, que se destina a regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, também subordina a propriedade ao cumprimento de sua função social, expressamente o direito à moradia adequada (art. 2º).

Por último, como refutação ao pessimismo dos comentaristas, eu gostaria de expressar um pensamento referido em um trabalho que realizei em 1998 a respeito do registro da penhora de bem imóvel: “De fato é hora e já tardia de sacudir o mofo; de rever conceitos e hábitos, mesmo que consolidados durante décadas através das gerações mais antigas, porém já obsoletos, porque não respondem as nossas atuais indagações, não obstante tenham sido importantes em dado momento histórico e adaptá-los às necessidades e aos costumes do tempo presente”. Gostaria de concluir pontuando quatro situações específicas: a primeira diz respeito à decisão do Poder Público, prevista no artigo 40, que deverá não apenas indicar os ocupantes beneficiários da legitimação fundiária ou legitimação de posse, mas declarar os seus respectivos direitos reais. O inciso III do artigo 40 é muito explícito nesse sentido. E se isso não ocorrer, a simples juntada da lista não vai substituir o expresso pronunciamento da autoridade competente.

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Diz o caput do artigo 40: Art. 40. O pronunciamento da autoridade competente que decidir o processamento administrativo da Reurb deverá: III – identificar e declarar os ocupantes de cada unidade imobiliária com destinação urbana regularizada, e os respectivos direitos reais.

A meu ver, a simples juntada da listagem com a indicação dos ocupantes não serve. Penso que haverá de ter na decisão da autoridade competente uma declaração expressa nesse sentido. Um segundo ponto a mencionar diz respeito ao alcance da expressão “ato único”, contida no caput do artigo 17 e inciso VI do artigo 41. Diz o artigo 17: Art. 17. Na Reurb-S promovida sobre bem público, o registro do projeto de regularização fundiária e a constituição de direito real em nome dos beneficiários poderão ser feitos em ato único, a critério do ente público promovente. A leitura desse dispositivo tem que ser feita em conjunto com o ordenamento jurídico nacional e com as técnicas de estruturação registral. Também o artigo 41 da Lei 13.465, que trata da CRF, dispõe em seu inciso VI: VI - a listagem com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro, bem como o estado civil, a profissão, o número de inscrição no cadastro das pessoas físicas do Ministério da Fazenda e do registro geral da cédula de identidade e a filiação.


LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

Entendida dentro da técnica da escrituração registral, a expressão “ato único” consiste na prática de ato próprio para cada ato jurídico. Mesmo sendo o registro de caráter declarativo, porque se trata do registro de aquisição originária, refere-se a uma única prenotação que será feita no Livro 1 (Protocolo) e que servirá para todos os atos relacionados com a regularização fundiária. O terceiro ponto diz respeito à qualificação do beneficiário. A parte final do inciso VI do artigo 41 diz que deverá conter, além do nome completo, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda e do Registro Geral da cédula de identidade e a filiação. Penso igualmente que a leitura desse dispositivo, com as conexões CPF, RG e filiação, deve ser lida conforme a Lei de Registros Públicos. Não seria crível fazer mais exigências no procedimento da regularização fundiária, que tem como fundamento a simplificação, que na própria qualificação que se exige da parte em qualquer outro título. Pelo contrário. Em se tratando de qualificação decorrente de listagem integrante de Certidão de Regularização Fundiária (CRF) bastará a indicação do nome civil completo, do CPF, e do estado de fato (quando o estado civil não representar a realidade), indicando-se o vínculo entre os colegitimados, quando houver, para que não haja pressuposição de que as partes integrantes do registro adquiriram exclusivamente. Na grande maioria dos núcleos existem pessoas que não possuem todos os seus documentos pessoais e que não regularizaram ou atualizaram o seu estado civil. Sendo assim, uma forma de viabilizar a titulação é permitir a indicação no ato do registro de maneira simplificada, postergando para momento

futuro, por ocasião da venda do imóvel, perquirições outras a respeito de estado civil, regime de bens etc. Há vários precedentes a respeito da mitigação da especialidade subjetiva desde que seja possível assegurar a identificação do titular do direito. Por fim, faço uma pergunta: pode ser registrado título de legitimação fundiária em regularização que tramitou no regime anterior à Lei 13.465? Sim. Desde que haja adequação ao regime estabelecido pela nova lei, promovendo-se as devidas notificações e também com o devido pronunciamento da autoridade competente, para declarar os ocupantes beneficiários do novo direito real. Não cumprido esse pressuposto, o município não pode emitir o título e nem o oficial pode registrar o título de regularização fundiária. O procedimento administrativo para possibilitar a emissão da legitimação fundiária foi pensado de forma diferente do procedimento administrativo que permite a simples regularização. Quando pensamos na organização do ONR, pensamos na criação de um processo eletrônico que pudesse ser utilizado pelo poder público municipal, pelo Estado (quando for o caso), por outros requerentes e pelos próprios oficiais de Registro de Imóveis. O cartório poderia fazer um download da finalização para posterior arquivamento em seu arquivo eletrônico. Isso não apenas para o processo de regularização fundiária, mas também para loteamentos, incorporações, condomínios edilícios, bens de família etc. Não é crível que o Poder Judiciário ofereça o processo eletrônico e nós, registradores, obriguemos o cidadão a folhear o calhamaço de documentos no cartório.

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Direito real de laje Ivan Jacopetti do Lago

Registrador de Imóveis em Paraguaçu Paulista (SP) e Diretor de Relações Internacionais do IRIB

O direito de laje não é inédito nem novo, já aparece no direito romano clássico, como mostra o palestrante. Se o pavimento superior de um edifício tivesse acesso independente pela via pública, ele poderia ser objeto de propriedade de pessoa diversa do proprietário do terreno. Apesar disso, não há até hoje doutrina consolidada a respeito. Faltam decisões, normas e jurisprudência sobre o direito de laje.

O

mais interessante do direito de laje é sua natureza jurídica. O que é exatamente o direito de laje? Essa é a pergunta que vou tentar responder. Vamos discutir seu regime jurídico, lembrando que sua regulamentação não é muito extensa, portanto nossas reflexões serão iniciais em razão da falta de estudos e jurisprudência sobre o direito de laje. O tema traz duas questões centrais, uma fática

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e outra jurídica. A questão fática diz respeito à sobreposição física de unidades imobiliárias na posse de pessoas distintas. São unidades que estão inseridas em um mesmo terreno, mas que se sobrepõem. A sobreposição de unidades envolvendo pessoas distintas – como o possuidor do terreno e o possuidor do primeiro andar – demanda tratamento jurídico distinto. Mas isso sob a perspectiva da


DIREITO REAL DE LAJE

Desenho de uma Ínsula Romana, habitação típica da Roma Antiga. Somente aristocratas residiam em casas. O povo comum morava em Ínsulas.

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regularização, isto é, na situação de uma construção em imóvel alheio que se pretenda regularizar com vistas à titulação do ocupante, seja do primeiro andar ou do subsolo, como prevê a lei. A maneira como o instituto foi inserido no Código Civil amplia o direito de laje para além das situações de regularização. É perfeitamente possível a instituição de um regime jurídico especial que permita a construção futura da laje. Isso é o que torna o instituto bastante diferente e específico. A questão jurídica torna a situação fática um problema. Trata-se de uma regra antiquíssima do direito civil – superficies solo cedit e a acessoriedade das unidades imobiliárias em relação ao terreno. Isso quer dizer que as unidades imobiliárias acedem ao solo e se tornam acessórias do terreno. Tudo o que for incorporado ao terreno, seja no térreo, no subsolo, no primeiro, segundo ou terceiro andar, acederá ao próprio terreno, portanto será de propriedade do dono do imóvel. Os colegas que eventualmente tenham estudado na USP, no final dos anos 1990, têm familiaridade com essa regra porque leram uma monografia do professor titular, Eduardo Marchi, no primeiro semestre de Direito Romano, que trata exatamente da propriedade horizontal no direito romano e a possibilidade de aquisição de uma unidade imobiliária por pessoa distinta do proprietário do solo.

Direito de laje aparece no direito romano apesar da regra do superficies solo cedit A regra do superficies solo cedit não tem uma origem específica ou precisa no tempo. É uma regra que existe desde sempre no direito romano. Nas Institutas de Gaio, essa regra aparece como algo que decorre da própria razão.

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Diz ele: Institutas de Gaio, 2, 73: “Praeterea id, quod in solo nostro ab aliquo aedificatum est, quamuis ille suo nomine aedificauerit, iure naturali nostrum fit, quia superficies solo cedit” (Ademais, se outra pessoa edifica em nosso solo, ainda que em seu próprio nome, o prédio nos pertence por direito natural, pois a superfície acede ao solo). Conforme Gaio, aquilo que se constrói em nosso terreno é nosso. Não há discussão. Mas será que é tão óbvio assim? Ficaremos para sempre amarrados à regra do superficies solo cedit? Não podemos pensar numa situação na qual unidades imobiliárias que estão no ar tenham independência jurídica em relação ao tratamento do solo? Percebam que por conta da adoção do fólio real no Registro de Imóveis é muito natural que os imóveis correspondam a uma porção do solo. Para nós é absolutamente excepcional qualquer situação em que a matrícula ou titularidade esteja desvinculada do solo. Como o Professor Marchi deixa claro em sua monografia, mesmo no direito romano, em algumas circunstâncias já houve a superação dessa regra básica do superficies solo cedit. Ainda há, no entanto, alguns romanistas que entendem nunca ter havido essa superação, outros para quem essa superação ocorre desde os mais antigos tempos, outros só em tempos mais recentes. Ainda não se chegou a uma conclusão definitiva sobre essa discussão, que continua sendo muito debatida. Parece que já no direito romano clássico, que corresponde ao começo do Império (século II d.C.), segundo a doutrina de Labeão e de Nerácio, se o pavimento superior de um edifício tivesse acesso independente pela via pública, ele poderia ser objeto de propriedade de pessoa diversa do proprietário do terreno e não haveria compropriedade das escadas. Ou seja, uma pessoa seria proprietária do térreo e do ter-


DIREITO REAL DE LAJE

reno, e outra seria proprietária do pavimento superior.

Ficaremos para sempre amarrados à regra do superficies solo cedit? Não podemos pensar numa situação na qual unidades imobiliárias que estão no ar tenham independência jurídica em relação ao tratamento do solo?

O Digesto de Justiniano trata de uma situação em que havia duas casas térreas – uma vizinha da outra – construídas pelo mesmo proprietário, uma delas com acesso ao teto de ambas as casas onde existia um terraço. O proprietário vendeu uma das casas, manteve a outra, e estabeleceu que o terraço localizado sobre as duas casas continuaria sendo de sua propriedade. Ele teria propriedade de algo que se encontrava também sobre uma casa vizinha de titularidade diversa. Se não se trata de direito de laje, eu não sei o que é. Isso mostra o quão difícil é a criação de um instituto absolutamente novo, pois no direito romano já havia algo semelhante ao direito de laje. Bastava que o acesso à via pública fosse independente para se considerar a propriedade do imóvel de pessoa diversa. Na verdade, a questão é um pouco mais complexa relativamente aos conceitos sobre a propriedade no direito romano. Havia uma mistura do direito civil com o direito honorário que era dos pretores, o que acabou sendo modificado no decorrer do tempo. O fato é que essa situação não deixa de ser um precedente. Os romanistas também admitem que houve um reconhecimento amplo da figura da propriedade horizontal no final do chamado período do Direito Romano Justinianeu.

A propriedade horizontal é a propriedade de um pavimento independentemente da propriedade do solo. É algo que hoje confundimos com a ideia de condomínio edilício. Em geral, quando se ouve falar

em propriedade horizontal em Portugal estão querendo falar de condomínio edilício.

A rigor, a propriedade horizontal tinha características próprias que consistiam exatamente na propriedade de um pavimento independentemente da propriedade do solo. No Direito Romano Justinianeu se vislumbrava inúmeras passagens nos textos da época em que se atribuíam responsabilidades diferentes aos proprietários de cada pavimento. Na hipótese de responsabilização dos proprietários do prédio – e acreditem, em Roma Imperial havia prédios com até dez andares, onde fica a atual Piazza Navona –, o proprietário de cada pavimento era responsabilizado de maneira diferente, em um claro reconhecimento à propriedade individual.

Alguns outros humanistas vislumbram a origem da cisão entre solo e superfície em situação distinta da propriedade horizontal nas concessões que se faziam de terrenos públicos, o Ager Publicus, para fins de construção. Admitia-se que o poder público concedesse, como uma espécie de superfície, o uso de um terreno de sua propriedade para fins de construção. A pessoa poderia construir e adquirir a propriedade da construção, não obstante a propriedade do terreno continuasse sendo pública. Trata-se de uma ideia mais clássica do direito de superfície.

Dissociação entre solo e construção Tradicionalmente, o Código Civil de 2002 reconhecia duas maneiras de se dissociar a propriedade do solo da propriedade exclusiva de uma certa cons-

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trução. A primeira dissociação que se fazia entre solo e construção é o direito real de superfície. É um instituto introduzido pelo Código Civil de 2002 que tem a finalidade de dissociar a propriedade da construção e a propriedade do solo. A outra modalidade, reservados alguns temperamentos por não se tratar de cisão plena, é o condomínio edilício no qual há uma propriedade exclusiva das unidades autônomas que são pavimentos, não obstante se exija a participação ideal nas partes comuns entre as quais o terreno de base. Portanto, não há uma dissociação plena como há na superfície. A Lei 13.465 introduziu uma nova modalidade de dissociação entre o solo e a construção, na qual vai se atribuir a propriedade exclusiva de uma construção a uma pessoa que não é proprietária do solo e à qual não se atribui nem mesmo uma fração ideal nas partes comuns. De fato, o titular da laje, o lajeário, vai ter a propriedade exclusiva da sua construção, mas não a titularidade do solo. Tal como na superfície haverá uma dissociação entre a titularidade do solo e a titularidade da construção. O direito de laje possui características próprias que o distinguem do direito de superfície e do condomínio edilício, especialmente porque não implica atribuição de participação nem nas partes comuns nem no solo.

Direito comparado: institutos análogos ao direito de laje No direito comparado existem alguns institutos análogos ao direito de laje, mas não idênticos. Isso quer dizer que não se pode fazer uma identidade entre esses institutos e o nosso direito de laje. São,

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entretanto, institutos que guardam alguma semelhança, por isso é interessante conhecê-los. O primeiro deles está previsto no Código Civil português, no artigo 1.526, e é conhecido como superfície de sobrelevação, uma modalidade do direito de superfície. Diz o artigo: “direito de construir sobre edifício alheio. O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título, e às limitações impostas da constituição da propriedade horizontal, levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condômino das partes referidas no artigo 1421”. Note-se que ainda não existe a construção que irá ocupar a laje. Estamos falando de um direito de construir adquirido por uma pessoa. Uma vez construindo, a pessoa adquire a titularidade do pavimento, de acordo com as regras da propriedade horizontal. Segundo o Código Civil português, essa situação da superfície de sobrelevação implica a instituição de um regime de condomínio edilício, se ainda não havia, ou, se havia, uma modificação de modo a abranger o direito sobre o novo pavimento. Não obstante esteja incluída no título de direito de superfície, a superfície de sobrelevação remete às regras da constituição de propriedade horizontal do condomínio edilício, e o titular, uma vez concluída a construção, passa a ser considerado condômino das partes comuns. Ele terá a titularidade exclusiva na construção que realizou e uma participação nas partes comuns, como o terreno, as paredes externas e todas aquelas áreas comuns que já conhecemos dos edifícios. Para a doutrina, se eu tenho uma construção detida por um superficiário, uma situação na qual


DIREITO REAL DE LAJE

A Lei 13.465 introduziu nova modalidade de dissociação entre solo e construção, atribuindo a propriedade exclusiva da construção a uma pessoa que não é proprietária do solo e à qual não se atribui fração ideal nas partes comuns.

a propriedade do solo e da construção já não se confundem, houve uma dissociação entre a construção e o solo. O superficiário pode constituir esse direito de sobrelevação em favor de um terceiro. Imagine a situação de um terreno que pertence a João onde se institui a superfície em favor de José, que constrói um prédio térreo e institui em favor de Manoel, conforme dispõe o Código Civil português. A única restrição da doutrina é saber exatamente os limites e as faculdades do direito de superfície concedido.

Se o direito de superfície estabelece a possibilidade de sobrelevação dos pavimentos, quantas mais subconcessões por via de superfície de sobrelevação ele poderia fazer? Entendo possível a dissociação da construção do solo pelo direito de superfície seguida da instituição, pelo superficiário, do direito de laje sobre os pavimentos acima ou abaixo da sua construção.

Regulamento Hipotecário espanhol Na Espanha, há outro instituto análogo, mas também não idêntico, conhecido como Derecho de Vuelo, ou Direito de Voo, previsto no Regulamento Hipotecário, artigo 16, 2. Apenas uma observação. Na Espanha, não vigora o numerus clausus de direitos reais, isto é, o rol dos direitos reais é aberto, o que possibilita às partes, respeitados alguns critérios, criar novos direitos reais não previstos pela lei. Por essa razão, tal instituto não está previsto no Código Civil espanhol e nem mesmo na lei hipotecária, mas num decreto

amplamente reconhecido. A ideia é essencialmente a mesma, o direito de elevar um ou mais pavimentos sobre um edifício, ou sob o solo, com o fim de realizar construções. O direito de construir sobre construção alheia – ou sob construção alheia – implica a atribuição da propriedade exclusiva sobre essa construção.

Tal como no Código Civil português, no “derecho de vuelo” da Espanha se estabelece que essa situação implica atribuição de cotas de participação nas partes comuns e no terreno, como também responsabilidade nas despesas comuns etc. O artigo 16, 2 do Regulamento Hipotecário também menciona a necessidade de se estabelecer normas que rejam a convivência em comum, como ocorre no condomínio edilício. Há necessariamente a vinculação do novo pavimento a cotas das partes comuns, além da previsão quando da constituição de normas de convivência entre os condôminos. O instituto é conhecido como “derecho real de vuelo”, “derecho de mayor elevación” ou “de edificación en subsuelo”. O ponto mais interessante é a polêmica existente no direito espanhol, desde 1960, quanto à natureza jurídica desse direito. A doutrina mais tradicional e que ainda hoje tem muita força é a de Roca Sastre e Guajardo-Fajardo, segundo a qual há duas fases nesse direito: uma primeira fase, na qual existe um direito provisório de construção sobre imóvel alheio; e uma segunda fase, na qual há propriedade do novo pavimento, em união

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orgânica com uma participação nas partes comuns. Ou seja, numa primeira etapa o titular do derecho de vuelo tem simplesmente o direito de construir, e uma vez construído, passa a ter a propriedade daquilo em união orgânica com uma participação nas partes comuns. Ele passa a ser um condômino numa modalidade de condomínio edilício. Outro autor espanhol chamado La Rica tem opinião diversa. Para ele, tem-se um direito real potencial voltado à aquisição de uma coisa futura. Até que se construa aquilo que vai se incorporar ao subsolo ou ao espaço aéreo, o direito do titular do derecho de vuelo é meramente potencial. Somente após a construção adquire a propriedade. Para Ventura-Traveset o que se tem é apenas mais uma modalidade de direito de superfície cuja efetivação depende da construção. Até que haja a construção, tudo o que se tem é o ar. Um outro autor chamado Fuentes Lojo diz que é direito de superfície, nem mais e nem menos. Camy Sanchez Cañete diz que é um direito que tem a aparência de direito real sobre coisa alheia, mas que em seu conteúdo contém a transformação da propriedade em propriedade horizontal. Quer dizer, parece ser um direito sobre algo que pertence a outra pessoa, mas na verdade é uma propriedade existente no espaço aéreo ou no subsolo que acaba se convertendo quando da construção em propriedade horizontal. Trata-se de um regime de condomínio edilício. Por último, um autor que tratou disso recentemente e tem uma posição bastante interessante a respeito é Soto Bisquert, que é notário. Para ele, o que se tem é a transmissão do espaço aéreo suscetível de aproveitamento que existe sobre um imóvel, ou no subsolo, atribuindo a seu titular os meios necessários para sua utilização.

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Outras questões polêmicas na Espanha 1- Somente imóveis urbanos podem se sujeitar ao direito de laje? A conclusão é que somente imóveis urbanos podem estar sujeitos a esse regime porque os imóveis rurais estão sujeitos a outro instituto, o direito de superfície. Ou seja, para destacar uma floresta ou uma plantação não se pode usar o derecho de vuelo, mas o direito de superfície. Isso tudo é óbvio para nós, no entanto, gerou polêmica na Espanha por conta da forma como o direito de laje foi redigido na Lei Hipotecária e no Decreto, dando margem a considerar eventual aplicabilidade desse instituto também aos imóveis rurais.

2 - A construção-base precisa estar construída? Será possível instituir um derecho de vuelo mesmo sem a construção-base? De maneira geral, os autores entendem pela possibilidade de instituição do direito, se já estiver construída ou em construção, entretanto, ainda há grande polêmica quando a construção está apenas em projeto. O problema está naquilo que se entende como construção iniciada, se de fato a obra se iniciou ou se ainda está no papel. Se não houver nenhum projeto, por óbvio não se constituirá o derecho de vuelo.

3 - Há um prazo ou não para que se realize a construção desse novo pavimento? Considerando-se a existência da construção-base e a instituição do derecho de vuelo, o titular desse direito teria um prazo para construir um novo pavimento, ou ele poderia ficar perpetuamente sem construir, afinal é um direito dele?


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Bem, o primeiro ponto é que as partes podem fixar esse prazo. No próprio instituto constitutivo as partes poderiam estabelecer o prazo para a construção sob pena de decadência do direito. Do contrário, obviamente não se admite um direito dessa natureza, um direito à construção perpétua. A doutrina entende que o prazo máximo, quando não estabelecido pelas partes, é o previsto pela legislação espanhola para a prescrição dos direitos reais. Eu não me apressaria em fazer uma equiparação com a nossa usucapião por conta das suas características que o tornam um pouco diferente das usucapiões que ocorrem no exterior. É propriamente uma prescrição extintiva do direito real.

4 - É possível a constituição desse direito sobre o teto de edifício já submetido a um regime de condomínio edilício? Segundo a doutrina, sim, devendo-se observar que ainda que o teto pertença exclusivamente a um proprietário, o espaço aéreo acima é bem comum. Se, pelas regras da instituição, o teto tiver sido atribuído a um proprietário específico, ele necessariamente deverá participar da instituição. Os demais condôminos também não ficam de fora, participam necessariamente. Em qualquer situação é absolutamente imprescindível a participação do titular do teto quando a propriedade for atribuída exclusivamente a um particular.

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5 - É possível a constituição do derecho de vuelo sobre coisa própria, em favor de si mesmo? Como dono do terreno eu posso constituir para mim mesmo um direito de voo sobre a minha própria construção. A reserva desse direito é admitida de maneira expressa, tal como é para nós a reserva de usufruto. Há situações que geram mais polêmicas. Por exemplo, uma situação em que não há uma transmissão, o proprietário decide constituir em seu próprio favor um direito de voo. Alguns doutrinadores entendem que é preciso que haja uma transmissão porque não pode haver esse conflito na mesma pessoa; outros entendem que, não havendo proibição expressa, o proprietário pode sim constituir ou alienar esse direito de laje quando bem quiser.

6 - Na constituição, basta a indicação genérica do direito de construir, ou se exige a indicação minuciosa da hipotética construção? Essa última questão já foi objeto de discussão na Espanha e diz respeito à própria especialização desse direito. Essa questão chegou à Direção Geral de Registros e Notariados, que é o órgão que julga os recursos contra as dúvidas dos registradores na Espanha, e a DGRN tem exigido alguma precisão, reputando inoperante a cláusula “poderá construir segundo os regulamentos e posturas municipais”.

Polêmica no Brasil: natureza jurídica do direito de laje Por se tratar de um instituto muito novo sobre o qual ainda não se firmou doutrina, a natureza jurídica do direito de laje também é polêmica no Brasil.

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Francisco Eduardo Loureiro diz que o direito de laje é uma nova modalidade de propriedade. O titular da laje tem a propriedade da laje da construção, e isso nada tem a ver com a superfície. Victor Kümpel diz que é um direito real sobre coisa própria, limitada externamente por uma série de deveres. Ele não usa a expressão propriedade, mas direito real sobre coisa própria, que é o direito de laje. Para Frederico Henrique Viegas de Lima, trata-se de um direito de superfície na modalidade sobre-elevação, tal como no Código Civil português. Para ele, há possibilidade de se construir acima de uma construção feita anteriormente por outra pessoa. Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Paulo Afonso Cavichioli Carmona e Fernanda Loures de Oliveira entendem que é um direito real sobre coisa própria, tal como Victor Kümpel, que incide sobre todo o espaço que se expande a partir da laje ou do piso da construção-base, de modo sobreposto ou sotoposto. Essa opinião é semelhante àquela do Soto Bisquert, isto é, tem-se a propriedade daquilo que está acima ou abaixo da construção-base. E Marcello Rennó de Siqueira Antunes e Fábio Pinheiro Gazzi entendem que é o direito real sobre coisa alheia que onera o imóvel-base e cria possibilidades de superposição de novas unidades imobiliárias autônomas sem que haja condomínio. Se há um direito real sobre a construção-base, há, então, uma oneração da construção-base. Por outro lado, e ao mesmo tempo, essa oneração permite a superposição de novos pavimentos sem que haja um regime de condomínio edilício instituído. Parece-me que o direito de laje é um direito real que, mediante o afastamento da regra da acessão, une de maneira indissolúvel a oneração de uma construção-base com a propriedade exclusiva de seu espaço aéreo, ou subsolo, em altura e


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profundidade úteis ao seu exercício, bem como das construções que neles se fizerem. Afastamento da regra da acessão – Tal como na superfície, tem-se uma suspensão da vigência da regra do superficies solo cedit. A unidade que resulta da instituição do direito de laje se dissocia da propriedade da construção-base e do solo. Em geral, o proprietário do solo é proprietário também da construção-base, mas não necessariamente, porque pode-se ter a instituição da superfície sobre a construção-base pelo que o proprietário da construção-base será um e o proprietário do solo será outro, e, nesse caso, quem institui a laje é o proprietário da construção-base, o superficiário. Observe-se que não há atribuição de fração ideal do terreno. Ao contrário do condomínio edilício, em que existe alguma ligação por meio da atribuição de fração ideal, nesse caso específico, existe

uma desvinculação plena entre a propriedade da unidade e o solo. A nova unidade – e sua matrícula – não têm qualquer lastro no solo porque no condomínio edilício a matrícula vai ter uma amarração à fração ideal e na superfície não se abre uma nova matrícula. Uma matrícula sem lastro no solo é algo realmente novo no nosso sistema. União de maneira indissolúvel – da mesma forma que acontece no condomínio edilício, em que há uma união indissolúvel entre partes comuns e partes privativas, na laje há uma união indissolúvel entre direitos sobre a construção-base e a propriedade do espaço aéreo, subsolo e construções nele realizadas. Oneração da construção-base – de maneira semelhante ao que ocorre em uma servidão predial, impõe ao proprietário da construção-base – seja ele quem for – algumas obrigações. Ou seja, tem-se uma união entre a propriedade de laje dis-

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sociada do solo e uma servidão sobre a construção-base. O direito de laje é um compactado das regras sorvidas de outros institutos.

Parece-me que o direito de laje é um direito real que, mediante o afastamento da regra da acessão, une de maneira indissolúvel a oneração da construçãobase com a propriedade exclusiva de seu espaço aéreo, ou subsolo...

São obrigações impostas ao construtor-base: Participar nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício; respeitar o direito de preferência do titular da laje em caso de alienação; observar as restrições próprias dos condomínios edilícios porque embora não se trate de condomínio edilício as regras de convivência aplicam-se, subsidiariamente, às regras do condomínio edilício; tolerar a construção do novo pavimento. Seja quem for o proprietário da construção-base estará obrigado a respeitar todas as restrições que acompanham o imóvel.

Faculdades de usar, fruir, dispor e limitações ao proprietário da laje Uma questão bastante interessante e que já foi objeto de muita polêmica, o espaço aéreo é coisa suscetível de apropriação? É de fato uma coisa? Se sim, é suscetível de apropriação? Esse tema já foi amplamente discutido na Alemanha do século XIX. Werenberg e Jhering, na Alemanha e, mais recentemente, Oliveira Ascensão, em Portugal, entenderam que não se trata de coisa suscetível de apropriação uma vez que o ar é coisa pública, comum, portanto, pertencente a todos. Por outro lado, para Windscheid, Dernburg e Menezes Cordeiro, o espaço aéreo é coisa suscetível de apropriação porque não se está apropriando o ar,

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mas uma posição no espaço. A posição no espaço não é algo físico, mas é bastante visível e se encaixa perfeitamente no conceito de coisa, de apropriação e, portanto, de alienação.

O Código Civil brasileiro dispõe que o espaço aéreo e o subsolo são partes integrantes da propriedade do solo. Por serem partes integrantes, em princípio serão tratados em bloco, isto é, nas situações em que se permite a dissociação serão tratados como coisa autônoma suscetível de apropriação.

O Código Civil de 2002 limita a propriedade dessas partes integrantes à altura e profundidade úteis ao seu exercício. Não há mais aquela regra no direito romano que vai do céu até o inferno. Dentro dos limites atribuídos pelo Código, o titular pode ceder a outro, que também receberá as mesmas limitações. Como ninguém transfere mais direitos do que possui, essas restrições acompanham aquilo que se transmite com o direito de laje. Por outro lado, ele pode transmitir menos, pode estabelecer que a laje é sobre um pavimento, pelo que continuaria com a propriedade do espaço aéreo. Sendo propriedade exclusiva, o titular da laje detém as faculdades de usar, fruir, dispor e reaver a coisa. Por outro lado, tal como ocorre com o proprietário da construção-base, a propriedade do titular da laje também se submeterá a uma série de limitações, tais como: 1- Não prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local;


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2- Participar das despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam todo o edifício. (A lei cuida de não referir “partes comuns”, mas “partes que sirvam todo o edifício”). 3- Respeitar, em caso de alienação da laje, o direito de preferência do titular da construção-base. Ou seja, no direito de laje também se impõe a observância ao direito de preferência, o proprietário da construção-base tem preferência na aquisição. 4- Construir em acordo com o disposto no título e somente ceder a superfície de sua construção se expressamente autorizado pelo titular da construção-base e das demais lajes. Ou seja, admite-se na lei – e isso não havia na Medida Provisória – a possibilidade de o proprietário ceder sua laje ao próximo, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base. Portanto, ele adquire a propriedade exclusiva do espaço aéreo ou do subsolo bem como das construções que ali se fizerem.

Dissociação do superficies solo cedit: a cessão não acede ao solo, mas à laje A laje não se confunde com a construção do novo pavimento. Na verdade, a laje é o que permite essa construção, que acaba sendo uma acessão da laje. A laje cria uma espécie de novo substrato para os direitos. Da mesma maneira que o solo é o grande substrato para direitos reais imobiliários – e tradicionalmente é único – temos agora a possibilidade de um novo substrato, um novo lugar para plantar direitos, que é a laje. Desse modo, as construções que ali se fizerem serão acessões da laje e, por essa razão, o direito existe mesmo antes da construção do novo pavimento.

O direito de laje é o direito de incorporar as acessões quando elas forem sendo construídas. Há uma dissociação do superficies solo cedit, isto é, a cessão não acede mais ao solo, mas sim à laje. O titular da laje, portanto, o proprietário do espaço aéreo ou do subsolo, vai receber a propriedade dessas novas construções por acessão, uma vez que houve a dissociação em relação ao solo. No entanto, de acordo com o que dispõe a lei, a prévia existência da construção-base é imprescindível. A lei diz claramente “o proprietário da construção-base pode ceder”, não se refere a quem esteja construindo ou planejando. Portanto, a construção-base é inafastável para que se institua esse direito.

Requisitos para a instituição do direito de laje A lei não trata desse ponto e ainda estamos tateando sobre o tema. Requisitos subjetivos: a capacidade civil e a legitimação. Quem tem legitimidade para instituir o direito real de laje? O proprietário da construção-base, que, como regra, é o proprietário também do solo. Mas pode não ser, pois, se houver dissociação por conta de uma superfície, quem vai ter legitimidade para instituir a laje é o superficiário e não o proprietário do solo. Por outro lado, se a construção-base estiver submetida a condomínio ordinário ou edilício, todos os condôminos têm que participar da instituição. Se um deles não concordar, não há instituição de laje.

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Poder público pode instituir laje sobre seus bens? O artigo 1.510, parágrafo 1º, do Código Civil prevê expressamente a possibilidade de constituição de laje sobre bens públicos. Portanto, o poder público tem sim legitimidade para instituir o direito de laje sobre suas construções-base. Requisitos objetivos: o objeto do direito de laje é o espaço aéreo ou o subsolo, as acessões incorporadas ou que já existirem e a construção-base, sendo que, quanto ao espaço aéreo, subsolo e acessões, o titular detém a propriedade, e quanto à construção-base tem, na verdade, um direito semelhante ao de um credor de servidão. O direito de laje não é uma servidão, mas um direito real próprio que onera a construção-base. O solo não é objeto de direito de laje. O que se onera é a construção-base, que, conforme a lei, pode estar situada em terreno público ou privado.

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Forma: tratando-se de direito real sobre imóvel aplica-se o artigo 108 do Código Civil, segundo o qual a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta salários mínimos. Admite-se também mediante testamento, caso em que o título será o formal de partilha; portanto, é perfeitamente possível que um pai deixe a construção-base para um filho e a laje para outro. O título poderá restringir o alcance da instituição (por exemplo, estipulando o número de pavimentos); é desejável que assim seja. Ele pode estabelecer o número de pavimentos, os metros quadrados a serem construídos, etc. E, ainda, deverá o título estabelecer o modo pelo qual serão partilhadas as despesas relativas às partes que servem a todo o edifício. Isso é requisito do título. Se não houver essa previsão, parece-me que seja o caso de devolução por impossibilidade da constituição.


DIREITO REAL DE LAJE

O negócio jurídico causal pode ser gratuito ou oneroso, ou seja, a laje pode ser doada, vendida ou permutada, e admite-se, além de contrato típico, contratos atípicos que impliquem atribuição.

O registro: instituição da laje e abertura de nova matrícula

O direito de laje será registrado na nova matrícula conforme o que dispõe o artigo 167 da Lei 6.015/73, compra e venda, doação. Se houver construção de um novo pavimento, esta deverá ser averbada na nova matrícula.

É pressuposto a averbação da construção-base. Estando averbada na matrícula a construção-base e mediante apresentação do título, que deverá ser acompanhado de certificação pela municipalidade, expedida nos termos das posturas previstas em legislação local quanto à segurança da construção dos novos pavimentos – a lei não trata dos elementos técnicos, isto é, do que seja necessário à comprovação dessa segurança – averba-se na matrícula do terreno e nas lajes anteriores, se houver, a instituição da laje e abertura de nova matrícula, identificando-se a construção a que se refere; afinal, o que está sendo onerado é a construção-base, não o terreno. Pela natureza do direito – a instituição de um novo direito real de laje –, o ato a ser praticado deveria ser o de registro. Entretanto, a lei fala em averbação, o que leva à seguinte conclusão: essa averbação e a respectiva abertura da matrícula – ainda em nome do titular da construção-base – criam como que um “regime jurídico intermediário” destinado a receber o direito do novo titular. Essa averbação não visa ainda a instituição do direito, mas possibilita a instituição do direito na matrícula que será aberta. A laje será constituída efetivamente com o registro na nova matrícula da instituição, gratuita ou onerosa, nos termos do título que ingressar no Registro de Imóveis.

O direito de laje será registrado na nova matrícula conforme o que dispõe o artigo 167 da Lei 6.015/73, compra e venda, doação. Se houver construção de um novo pavimento, esta deverá ser averbada na nova matrícula.

Respeitado o direito de preferência do titular da construção-base, a laje poderá ser transmitida livremente por seu titular, por transmissão inter vivos ou causa mortis. Todas as transmissões serão registradas na matrícula da laje.

Extinção do direito de laje Ainda lançando mão de analogias, o direito de laje pode ser extinto por distrato mediante renúncia unilateral do titular da laje e por implemento de termo ou condição, se houver. Também será causa para a extinção do direito se o titular da laje der essa utilização diversa da pactuada (analogia com o artigo 1374 do Código Civil). Por exemplo, o titular tem um terraço e resolve fazer mais uma construção violando a instituição, portanto, poderá ter seu direito extinto. E também pela ruína da construção-base, salvo se a laje foi instituída no subsolo, ou se a construção-base NÃO for reconstruída no prazo de cinco anos (art. 1.510-E, II do Código Civil). Ora, isso não faz sentido. O direito é extinto se houver a ruína, salvo se a construção FOR reconstruída no prazo de cinco anos. Não faz sentido ser reconstruída no prazo de cinco anos e eu não readquirir o direito, e não ser reconstruída e eu readquirir. Parece que o “não” está mal-empregado na redação do dispositivo.

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Condomínio urbano simples Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas

Advogado. Ex-Consultor Jurídico do Ministério de Estado das Cidades (2016 a 2017)

O palestrante abordou as inovações trazidas pela Lei 13.465/2017, em especial o condomínio urbano simples e o condomínio de lotes. Falou também da importância de se trazer a regularização fundiária para o âmbito extrajudicial de forma a obter mais eficiência na aplicação das normas e afastar a burocracia judiciária. E destacou: “O Registro de Imóveis tem enorme importância para o procedimento e para que todo o esforço legislativo alcance os seus objetivos”.

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CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES

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tema que tratarei é o condomínio urbano simples, mas preferi estendê-lo um pouco mais porque a nova lei não trata apenas da figura nova de condomínio, abarca também o condomínio de lotes. Procurarei tratar das duas coisas de forma muito panorâmica. Antes, porém, gostaria de contextualizar o surgimento desses institutos. E na condição de ex-consultor jurídico do Ministério das Cidades, sempre gosto de relembrar que até o final da gestão na qual fiz parte (junho de 2018) os grandes esforços da política nacional de habitação no país se centravam na correção do déficit de moradias.

O déficit habitacional quantitativo era majoritariamente alcançado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Mas a questão da moradia digna no país (art. 6º da Constituição) ultrapassa essa questão puramente quantitativa. O direito à realização do direito social à moradia é mais do que o número de casas, é também a qualidade dessas casas. Uma Medida Provisória que antecedeu à MP 759, a MP 751/2016, criou uma política de subsídios que hoje está em curso, o programa Cartão Reforma que buscava alcançar esse déficit de qualidade, o déficit habitacional quantitativo.

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E para fechar o tripé da política habitacional brasileira faltava conferir segurança jurídica à moradia, daí todo o esforço para simplificar os procedimentos jurídicos e conferir segurança à moradia, o que se faz rigorosamente com regularização fundiária. Nesse contexto de reelaboração jurídica de um modelo - porque ninguém pode imaginar que a regularização fundiária surgiu em 2017, pois já estava expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, na Lei 11.977/2009 - o nosso trabalho foi verificar onde o modelo de 2009 não estava suficientemente adequado, a fim de alcançarmos a otimização do procedimento. A presença do IRIB foi fundamental neste processo, principalmente pelos amigos que fiz e os quais gostaria de saudar como o Presidente Sérgio Jacomino, Doutor Renato Góes, Doutor Flauzilino, Doutora Inês Prado, representando a Procuradoria do Estado de São Paulo.

Inovações trazidas pela Lei 13.465/2017 É importante destacar que a Lei 13.465 traz realmente institutos novos, como os que foram expostos pelos palestrantes que me antecederam, as novas formas aquisitivas e direito de propriedade – legitimação de posse e a legislação fundiária – e o direito de laje. Para além desse direito real, também foram criadas as figuras do condomínio urbano simples, do condomínio de lotes e do loteamento de acesso controlado. Também aprimoramos o procedimento de arrecadação de imóveis urbanos abandonados e trouxemos a regularização fundiária para o âmbito extrajudicial. É evidente que as portas do Judiciário permanecem abertas a todos, mas esse grande espírito de otimização, que trouxe eficiência à aplicação dessas normas, afastou da burocracia judiciária o tratamento desse tema. Certamente o IRIB contribuiu em larga medida para uma simplificação do procedimento cartorial de ultimação da regularização fundiária, o que se dá no momento do seu registro. É muito importante destacar que essa é uma lei autoaplicável. Não podemos pensar que todos os municípios brasileiros são iguais a São Paulo, e bem sabemos a morosidade de muitos parlamentos municipais, especialmente de pequenas cidades, em incorporar aprimoramentos legislativos ou modelos legislativos novos. Assim sendo, esses municípios podem valer-se de todos os dispositivos da lei, bastando para isso o reconhecimento da lei por um ato do Poder

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CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES

Executivo municipal, algo bem mais fácil do que enfrentar a burocracia dos parlamentos brasileiros. Antes de tratar propriamente dos institutos que me foram confiados, é muito importante destacar que eles estão inseridos no novo contexto de regularização fundiária. Não se trata de uma política simples de entrega de títulos. Se pretendeu muito mais do que isso com esse modelo. Regularização fundiária, seja nos moldes da MP 759 ou nos moldes da Lei 13.465, vai muito além de uma política de titulação. Compreende medidas urbanísticas, medidas ambientais, medidas sociais, eventualmente medidas corretivas ou de administração de riscos ambientais. Isso traduz um grande esforço do legislador federal em reurbanizar o Brasil. É exatamente isso que traduz a sigla Reurb, que vem condensar esse esforço de reurbanização. Essa simplificação vem desde o início, pois, se antes havia dúvidas sobre o que era núcleo urbano informal passível de regularização fundiária, essa dúvida hoje se desfaz porque assim será reconhecido por ato do Poder Executivo, e não mais a partir de rigorismos jurídicos como se dá pelo artigo 31 do CTN, ao exigir presença de meio-fio para que a área seja reputada urbana. Quantas e quantas prefeituras de cidades pequenas no país não têm meio-fio na frente de sua rua? Apenas por isso a área não vai ser tida por urbana e todos esses institutos não serão aplicáveis? Agora a área é reputada urbana a partir de sua finalidade. Trata-se de um conceito funcional que permite ao gestor municipal ou ao Executivo municipal reputar determinada área como urbana e aplicar todos os institutos trazidos pela nova lei. Mais do que isso, buscou-se dirimir dúvidas passadas acerca de quem seriam os beneficiários da gratuidade ou de um regime mais facilitado da regularização fundiária de interesse social.

É bem verdade que a dicotomia regularização fundiária de interesse social e regularização fundiária de interesse específico já existe no ordenamento jurídico brasileiro desde 2009. E nesse esforço de simplificação pautou-se a distinção em um simples critério de renda. Assim sendo, os instrumentos voltados à regularização fundiária de interesse social poderão ser aplicados às populações de baixa renda ou àquelas localidades ocupadas preponderantemente por população de baixa renda. Nos demais casos, serão aplicados os instrumentos de regularização fundiária de interesse específico que impõe aos seus beneficiários os ônus dessa regularização, desde a implementação das medidas urbanísticas, sociais e ambientais, correção de riscos que eventualmente se fizerem necessárias, até os custos com registro.

Direito Civil brasileiro curva-se à realidade e cria o direito real de laje Quando da edição da MP 759, no final de dezembro de 2016, o meu telefone não parava de tocar. Eu ainda estava no governo e muita gente dizia que o Direito Civil já experimentara dias mais nobres. Na verdade, acho que chegou o momento de o Direito Civil brasileiro se curvar à realidade, porque laje é algo que existe em qualquer cidade brasileira. Tratar o tema da laje com outro nome, talvez como sobrelevação ou direito superficiário especial, poderia até ser uma alternativa, mas era interessante que o instituto de fato tivesse aderência junto à população de baixa renda que, na minha esperança, vai fazer valer a inserção desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Não conseguiria imaginar uma pessoa de baixa renda alienando fiduciariamente o seu direito de sobrelevação, mas alienaria a laje para pagar a faculdade do filho. Por essa razão levamos à Casa Civil um termo simplificado que traduz de fato

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uma grande revolução no direito civil brasileiro por desvencilhar o direito de propriedade de uma titularidade sobre fração de solo natural.

Regularização fundiária (...) vai muito além de uma política de titulação. Compreende medidas urbanísticas, medidas ambientais, medidas sociais, eventualmente medidas corretivas ou de administração de riscos ambientais.

Agora você pode ser proprietário ou deter um direito real sobre coisa própria assemelhado ao direito de propriedade sobre o solo artificial, o que gera realmente uma gama de consequências jurídicas a serem desvendadas, a exemplo da própria cobrança de IPTU sobre a laje, porque é solo urbano novo a ser tributado conforme a legislação em vigor.

Nesse contexto de regularização fundiária, se o direito real de laje podia resolver um problema de solidariedade ou sobreposição de moradias numa perspectiva vertical, o condomínio edilício simples vem tentar resolver essa questão de solidariedade de moradias numa perspectiva horizontal. É o típico puxadinho. Antes de falar dessa nova figura, seja do condomínio de lotes, seja do condomínio urbano simples, é interessante tratar alguns pontos relativos ao condomínio lato sensu. Um condomínio é instituído sempre que duas ou mais pessoas detêm uma mesma coisa. No condomínio geral (art. 1.314 CC), essas duas ou mais pessoas que titularizam a mesma coisa são detentores de uma fração ideal. Essa fração ideal, por ser mensurável economicamente, é passível de alienação a terceiros. O que bem caracteriza a figura do condomínio é que, em caso de alienação (art. 504), a preferência deve ser dada ao outro condômino, ou aos demais

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condôminos. Isso ocorre graças a uma tradição do direito romano de preservação da unidade da propriedade. Os romanos sempre imaginaram que a cotitularidade dava azo à discórdia, uma vez que cada pessoa tem ali o seu projeto individual de vida, não necessariamente conjugando seus interesses com os demais que ali estão. Em razão disso, toda a tradição civilista de matriz romana tende a preservar a unidade da propriedade.

É interessante notar a tendência que temos em reproduzir alguns conceitos. Esse ranço é tão presente na nossa mente que trouxemos um direito de preferência para a laje. O alienante da laje também tem que dar direito de preferência ao titular da construção-base nos casos em que haja mais de uma elevação, conforme dispõe a nova lei. Para além do condomínio geral também existe a figura do condomínio edilício que veio como uma ferramenta jurídica para compor um arranjo construtivo que a modernidade permitiu no sentido de dissociar algumas unidades autônomas de uso privativo, inseridas num contexto em que ali também existem áreas de uso comum e também uma fração de solo. É uma construção jurídica que se perfaz por meio do registro de sua convenção de instituição. Por regra não intransponível, podendo ser disposta de maneira diversa na convenção, a proporção dessas áreas comuns ou da fração do solo fica a depender, como critério de proporcionalidade, daquela unidade de uso privativo. Ultrapassados esses esclarecimentos gerais


CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES

sobre condomínios, é necessário dizer que a lei contemplou duas outras figuras que embora não previstas no ordenamento jurídico brasileiro estavam amplamente visíveis na realidade urbana do país: o condomínio de lotes e o condomínio urbano simples.

Condomínio de lotes: o lote faz parte de um conjunto maior O condomínio de lotes é o típico loteamento fechado. Brasília ilustra bem essa situação. Diversos loteamentos foram criados sem que as vias públicas, como, por exemplo, as praças, fossem transferidas à titularidade do município. Fechou-se a área com uma portaria em total desrespeito à lei do loteamento. Parece-me que agora existe uma solução para esses casos. Se o lote era uma unidade autônoma no loteamento padrão, no condomínio de lotes o lote faz parte de um conjunto maior, o condomínio.

áreas comuns de titularidade privada, o condomínio fará jus a recursos para sua manutenção. Mas será que um loteamento já existente pode se tornar um condomínio de lotes? Eu não vejo nenhum obstáculo jurídico a isso, basta o município alienar ou transmitir as ruas e praças de sua titularidade aos titulares dos lotes. Não há encaixe perfeito entre o loteamento com uma divisão de áreas públicas e privadas e o condomínio de lotes que é exclusivamente privado. Há esse obstáculo aí à criatividade quando alguém tentar fazer isso.

Condomínio urbano simples: útil para fins de regularização fundiária O condomínio urbano simples foi criado como uma ferramenta de regularização fundiária. Não é mais apenas uma ferramenta de regularização fun-

No condomínio de lotes deixa de haver a discussão relativa a passagem das áreas comuns à propriedade do município. Essas áreas também serão titularizadas em regime de direito privado pelo titular do lote em alguma fração, a exemplo do que acontecia no condomínio edilício lato sensu. Essa solução vem acomodar outra situação muito interessante. O STJ tem uma série de precedentes no sentido de que não é compulsório o pagamento a associações de moradores de loteamentos para manutenção das áreas comuns, pois as áreas são de titularidade do poder público. Com a instituição do condomínio de lotes essa realidade muda por completo, não há mais que se falar em associação de moradores. Trata-se propriamente de um condomínio instituído. Sendo as

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diária, mas de grande valia para fins de regularização fundiária. É o típico caso em que no mesmo imóvel há mais de uma construção ou cômodos. É o caso do pai que tem uma filha recém-casada e doa a ela, por qualquer meio informal, o direito de construir o seu puxadinho no terreno. Faço aqui um mea-culpa. A norma foi mal escrita porque fala na concomitância de construções ou cômodos sobre o mesmo imóvel. Isso me fez refletir: será que os quartos de uma mesma casa podem dar causa à instituição de um condomínio urbano simples? Não. Creio que a grande questão é a individualização funcional das unidades horizontais sobre um mesmo imóvel. Nesse sentido Carlos Elias, um consultor do Senado, nos auxiliou nessa fase de conversão. Ele tem um texto que põe como critério de individualização desses cômodos o fato de eles terem acesso in-

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dependente. Sendo assim, parece-me que esse acesso independente é fundamental para que se institua a figura jurídica do condomínio urbano simples. O condomínio urbano simples é muito parecido com o condomínio edilício. Acho até que deveria ter ido para o Código Civil, tal como fizemos com o condomínio de lotes. Não faz muito sentido mantê-lo apartado porque é uma espécie simplificada de um condomínio edilício, uma vez que não precisa de registro de sua convenção. No caso da regularização fundiária de interesse social, o registro pode ser feito na matrícula do imóvel por mera notícia, a requerimento do interessado, com dispensa do “habite-se”, certidão negativa de tributos e contribuições previdenciárias, bastando a indicação da área construída e do número das unidades que vão figurar sobre o mesmo imóvel.


CONDOMÍNIO URBANO SIMPLES

Na matrícula do imóvel em que for registrada a instituição do condomínio é importante que fique caracterizada a parte do terreno – a lei assim o diz – ocupada pelas edificações, as partes de utilização exclusiva das pessoas que ali convivem e as áreas que constituem passagem, seja para as unidades, seja para as vias públicas.

No Estado de São Paulo devem ser entregues 150 mil títulos até o final de 2018. Isso só é possível porque há um modelo jurídico mais operacional, mais eficiente, e que será aplicado pelos registradores cedo ou tarde.

Por razões urbanísticas obvias é indispensável que todas as unidades regularizadas tenham acesso a uma via pública, sob pena de se dar oportunidade a uma grande favelização no país, justamente o oposto do espírito que motiva a regularização fundiária urbana.

Cada uma dessas unidades autônomas reconhecidas quando da instituição do condomínio urbano simples deve ter a sua matrícula. Nesse ponto, faço também um mea-culpa. Tal como foi feito para o direito de laje, essas unidades deveriam ter nas suas matrículas novas uma averbação recíproca à matrícula do imóvel-mãe. Isso faltou. Talvez a práxis cartorial possa acomodar esse silêncio legislativo. Da mesma forma que a laje deve fazer referência à matrícula da construção-base, imagino que para melhor controle registral, a matrícula das unidades autônomas de um condomínio urbano simples deve fazer referência à matrícula do imóvel que deu origem ao condomínio. Outra simplificação é que, uma vez instituído o condomínio edilício simples, as áreas de uso comum vão ser indicadas na matrícula por percentual conforme o que consta na lei. Trata-se de uma situação jurídica propter rem. Sempre que o titular de uma unidade autônoma do condomínio urbano simples

for alienar, estará alienando a sua área privativa e as demais frações do imóvel que deram causa ao condomínio.

É fundamental destacar a importância para o país de se discutir o tema à luz das novas ferramentas. Não existe nenhum estudo oficial no Brasil que aponte o número de pessoas que habitam em imóveis com algum nível de irregularidade fundiária. Mas, a partir de uma série de dados que foram condensados enquanto eu estava no Ministério das Cidades, chegou-se à conclusão de que cerca de 100 milhões de pessoas vivem nessas condições. Embora muito extravagante, vou demonstrar que esse número é bem factível.

Para que os senhores tenham ideia, só em 2013 foram apresentados ao Ministério das Cidades cerca de 1400 pedidos de auxílio em regularização fundiária, o que totalizava auxílio a mais de 8 milhões de pessoas. Em 2016, durante a minha gestão, os pedidos alcançavam mais de 3 milhões de pessoas. Em dois cortes temporais, considerando as demandas dirigidas apenas ao Ministério das Cidades, já são mais de 10 milhões de pessoas circunscritas em imóveis com algum nível de irregularidade. Em conversa com alguns amigos do Ministério das Cidades a respeito da perspectiva em torno da regularização fundiária urbana pós Lei 13.465, o que recebi foi uma mensagem de esperança. No Estado de São Paulo devem ser entregues 150 mil títulos até o final de 2018. Isso só é possível porque há um modelo jurídico mais operacional, mais eficiente, e que será aplicado pelos registradores cedo ou tarde.

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Direito Civil contemporâneo e os novos direitos reais A função social do Registro de Imóveis na regularização fundiária Francisco Eduardo Loureiro

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

A função do registrador nessa parafernália de novos direitos reais criados pela Lei 13.465/17 é abrir a cabeça para novos conceitos e entender que a proposta legislativa de regularização de propriedade não se funda em tudo aquilo que estava previsto no Código Civil. Ela exige uma nova mentalidade dos registradores e dos juízes. O registro precisa ser visto de forma inclusiva. Eu diria que do mesmo jeito que julgamos in dubio pro reo, no direito penal, devemos compreender o estatuto in dubio pro registro. Se criarmos muitos obstáculos formais estaremos esvaziando o texto legislativo e impedindo a concretização das novas figuras previstas na lei. De nada adianta a lei possibilitar múltiplos direitos, se não conseguimos convertê-los em situações concretas de propriedade e de regularidade de direitos reais. 202


DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS

P

ara tratarmos a regularização fundiária e esses novos direitos reais ainda obscuros, que devem ingressar no Registro de Imóveis, precisamos analisar o sistema de direitos reais dos últimos 200 ou 300 anos. A criação de novos direitos a cada mês ou a cada ano é, na verdade, a fragmentação dos direitos reais. E de algum modo isso provoca surpresa e um certo espanto naqueles que militam na área do registro de imóveis e do direito civil. Isso acontece porque viemos de um sistema de direito reais, anterior ao Código Civil francês de 1804, totalmente fracionado. Lembro que no Direito medieval francês e no Direito medieval continental europeu nós tínhamos centenas de diretos reais sobre coisas alheias. Tratava-se de um sistema de propriedade dividida que fazia com que a propriedade nua permanecesse sob o controle de determinadas classes sociais, basicamente da nobreza e da igreja. Salvo engano, havia mais de 200 direitos reais diferentes que gravavam a propriedade imóvel no sistema medieval francês. Isso provocou o enfraquecimento da propriedade imobiliária na medida em que a substância permaneceu nas mãos de certas classes sociais, mas o proveito da propriedade

se dividiu entre centenas de pessoas com direitos diferentes sobre a mesma coisa. Esse sistema de propriedade dividida acabou se mostrando antinômico, contraditório ao sistema capitalista dos séculos XVIII e XIX. Por isso, quando do primeiro grande código do mundo ocidental – o Código Civil francês de 1804 –, entendeu-se pela necessidade de modificação do sistema de direitos reais do Direito medieval, optando-se por abolir aquelas centenas de direitos reais espalhados e criando o sistema de numerus clausus que até hoje vigora. Sendo assim, criou-se um sistema de grande prestígio, absolutamente seguro de criação e de conteúdo de direitos reais, que contribuiu para tornar o direito de propriedade mais fortalecido. Portanto, esse sistema ao qual estamos acostumados, com 213 anos de vigência, é um sistema de propriedade concentrada, monolítica, e o sistema de direitos reais sobre coisas alheias que gravam o direito maior de propriedade do qual advém todos os demais. Lembrando que os direitos reais sobre coisa alheia são parcelas do direito de propriedade que o dono entrega a terceiros, um sistema controlado

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DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS

pela lei e pelo conteúdo de cada um dos direitos reais individualmente considerados. Na nossa visão, o sistema da propriedade concentrada, da propriedade única, passou a ser o único existente. Até meados do século XX, trabalhamos com grandes códigos que concentravam toda a matéria de direito privado. Esse era o sistema do Código Civil de 1916. Mas, a partir da metade do século XX, passamos a viver a era dos estatutos, que fez com que pedaços inteiros do direito privado fossem destacados do Código Civil e colocados em leis especiais.

Multiplicidade de regimes jurídicos que conversam mal entre si O primeiro destaque sofrido no Código Civil foi a CLT. A CLT converteu a prestação de serviço do Código Civil no contrato de trabalho com regras próprias, com um estatuto especial. Daí para frente vieram a Lei do Inquilinato, Estatuto do Consumidor, Estatuto do Deficiente, Estatuto da Criança e do Adolescente, e outros tantos, criando-se uma multiplicidade de regimes jurídicos que muitas vezes conversam mal entre si. Isso fez com que um italiano genial chamado Natalino Irti falasse que vivemos na época da descodificação. Houve a época da codificação com a criação de grandes estatutos, que concentravam o direito privado, e agora vivemos a época da descodificação com o fracionamento do direito privado em múltiplos regimes jurídicos que nem sempre se entendem e que exigem do operador do direito – juízes, registradores – uma leitura sistemática não mais de um diploma, mas de vários diplomas jurídicos que os possibilitem verificar o regime jurídico final que se deve retirar de cada um deles. Isso causa perplexidade e certa rejeição dos

operadores de direito, especialmente os registradores para quem segurança é um fator fundamental. É natural que não se queira trabalhar com um sistema inseguro. Mas como isso se reflete no sistema de direitos reais? Sabemos que os direitos reais previstos no Código Civil são somente aqueles previstos em lei. Vigora ainda no nosso regime jurídico o princípio do numerus clausus, positivado no artigo 1.225 do Código Civil, que diz que são direitos reais aqueles assim previstos em lei. Há diversos direitos reais previstos em leis especiais. A propriedade fiduciária sobre bens imóveis, mesmo sobre recebíveis, sobre direitos creditórios, está prevista em estatutos específicos, portanto, fora do Código Civil, e não há nenhuma dúvida de que é um direito real. Pois bem, a primeira pergunta que surge hoje é: o princípio do numerus clausus ainda é um princípio adequado ao sistema jurídico contemporâneo e à era da decodificação que vivemos neste século XXI, ou devemos abandonar de vez o sistema do numerus clausus e assumir que direitos reais são todas as situações jurídicas que devem ganhar publicidade, o conhecimento de terceiros? Há hoje um muro entre direitos pessoais e direitos reais? Em termos didáticos sempre foi muito confortável trabalhar com um muro divisório entre direitos pessoais, direitos de crédito e direitos reais, dizendo que os direitos pessoais produzem efeitos inter partes. Nós adoramos dizer o que não é verdade, dizer que o contrato faz lei entre as partes. O contrato não faz lei nenhuma, o contrato é uma regra jurídica negocial, não é uma regra abstrata. No Código Civil de Napoleão havia essa regra, mas depois de quase trinta anos entendeu-se que não havia o menor cabimento dizer que o contrato é

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lei, porque contrato não é lei. Mas o contrato produz efeitos inter partes enquanto os direitos reais têm como marca fundamental o seu efeito erga omnes, a sua eficácia geral. Essa é a grande diferença entre direitos pessoais e direitos reais. Esse muro divisório e muito confortável para efeitos didáticos está sendo colocado em dúvida por uma razão simples. Temos cada vez mais direitos pessoais que produzem efeitos para além das partes.

Hoje todos os contratos têm sua função social. Isso faz com que terceiros sejam obrigados a não interferir em relações contratuais alheias sob pena de responder por perdas e danos. Chamamos isso de teoria do terceiro cúmplice.

Relações jurídicas que não são direitos reais, mas produzem efeitos erga omnes Inúmeras relações jurídicas que definitivamente não são direitos reais, mas que produzem efeitos erga omnes, têm ingresso no Registro de Imóveis. Exemplos disso são as cláusulas de indisponibilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade (arts. 1.848, 1.911 CC), as indisponibilidades ou mesmo os contratos de locação que, levados ao Registro de Imóveis (art. 8º da Lei 8.245/91), têm eficácia contra terceiros. Não há dúvida de que não existe nenhum direito ou réu nesse tipo de situação. Por isso temos hoje cada vez mais situações tipicamente de créditos que produzem efeitos em face de terceiros. É o caso das obrigações reais que são a categoria dos direitos e das obrigações em que a lei, por escolha exclusiva do legislador, permite que essas obrigações gerem efeitos contra terceiros. O exemplo mais claro de uma obrigação real é

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sem dúvida nenhuma a cláusula de vigência em hipótese de alienação, inserida no contrato de locação residencial, nos termos do artigo 8º da Lei do Inquilinato. É claramente uma cláusula negocial que surte efeitos perante terceiros por uma questão de conveniência jurídica.

O adquirente do imóvel que possui uma cláusula de vigência levada ao Registro de Imóveis, embora não seja parte do contrato de locação, acaba sendo jungido, vinculado a um contrato de locação, se sub-roga na posição do alienante locador. Em um sistema tipicamente contratual parece absurdo que alguém se sujeite aos efeitos de um contrato do qual não participou ou não consentiu, mas é típico do sistema de obrigações reais.

Outra categoria de obrigações que surte efeitos contra terceiros são as obrigações propter rem. As obrigações propter rem têm origem na titularidade de um direito real. Nós as chamamos de obrigações ambulatórias porque a sua titularidade muda de acordo com a titularidade do direito real. O caso exemplar de obrigações propter rem são aquelas anexadas à titularidade de um direito real sobre coisa alheia, como por exemplo, o usufrutuário, que tem o dever de conservar a coisa (Art. 1805 CC) e contribuir com dois terços das despesas originárias. O titular do direito real de usufruto será obrigado a contribuir com as despesas de conservação da coisa. As obrigações propter rem que surtem efeitos contra terceiros volta e meia causam confusão con-


DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS

ceitual. Adoramos dizer que as despesas de condomínio edilício têm natureza propter rem. Está na doutrina, está na jurisprudência do TJ, do STJ etc. As despesas de condomínio são mais do que propter rem, isso porque o adquirente da unidade autônoma responde pelas despesas condominiais antes mesmo da aquisição. Isso é mais do que uma obrigação propter rem. Isso é o que os portugueses chamam de uma obrigação real, um ônus real. De qualquer modo nós temos muitas situações jurídicas em que direitos de crédito vão gerar efeitos contra terceiros.

Cai o muro entre direito real e pessoal Hoje todos os contratos têm sua função social. Isso faz com que terceiros sejam obrigados a não interferir em relações contratuais alheias sob pena de responder por perdas e danos. Chamamos isso de teoria do terceiro cúmplice. A teoria do terceiro cúmplice é a situação em que o terceiro que não é parte do contrato interfere no contrato alheio. Ele estimula o inadimplemento e responde pelas perdas e danos do inadimplemento alheio. É um caso típico em que um contrato normal pode sim gerar efeitos contra terceiros. Recentemente julguei um caso de duas distribuidoras de combustíveis em que uma estimulava um revendedor de gasolina ligado a uma determinada bandeira a vender combustíveis a um posto de bandeira alheia. A determinada bandeira ajuizou ação indenizatória não contra o dono do posto, que estava insolvente, mas contra a concorrente por estar estimulando o contratante a descumprir o contrato com ela. O terceiro dizia “eu não sou parte do contrato, se não sou parte do contrato, não estou obrigado a nada.

E se não estou obrigado a nada, vendo gasolina para quem eu quero”. Essa era a lide colocada em juízo. Eu não tive dúvida nenhuma em julgar procedente a ação. Mandei a distribuidora concorrente indenizar aquela determinada bandeira pelo prejuízo que o revendedor causou a ela. Argumentei à terceira distribuidora “você não é parte do contrato, portanto, você é res inter alios acta a essa relação negocial. Mas você tem o dever geral de não interferir nas relações negociais alheias, de não estimular inadimplemento sob pena de responder por perdas e danos. Isso é o que chamo de efeitos ultra partes de um contrato em atenção ao princípio da função social do contrato. Há outros casos muito interessantes. O STJ julgou há pouco tempo um caso em que uma mulher traiu o marido durante muitos anos, teve filhos com o terceiro e não contou para o marido. Evidentemente, o marido registrou os filhos em nome dele. Depois de alguns anos descobriu não só a traição como também que dos quatro filhos que tiveram, três não eram dele, mas sim filhos do amante da esposa. Ele ajuizou uma ação indenizatória contra a esposa e contra o amante pedindo os danos morais. Ele ganhou contra a esposa e perdeu contra o amante. Nesse julgamento estranho o STJ condenou a esposa, não por ter praticado adultério, mas por ter omitido que os filhos não eram dele. E não condenou o amante com o argumento de que o amante não tem dever de fidelidade. A crítica que eu faço a esse acordão é que o amante não tem o dever de fidelidade, mas tem o dever de respeitar as relações matrimoniais alheias no efeito ultra partes que tem o casamento, porque muda o estado da pessoa. O que eu quero dizer é que essa fronteira entre direitos reais e pessoais está em grande parte

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destruída pelos inúmeros contratos existentes com efeitos ultra partes. O muro que havia entre direitos reais e direitos pessoais já não é tão claro. É preciso lembrar que a segunda diferença entre direitos reais e pessoais é a sequela, o direito que tem o titular de um direito real de perseguir a coisa em poder de quem quer que ela se encontre e que é derivado da oponibilidade geral do direito real. No Código de Processo Civil sabemos que as obrigações, a princípio, devem ser cumpridas in natura. Há execuções e obrigações de fazer em que a satisfação preferencial do credor não é por perdas e danos. É por pregar a coisa, inclusive em certas situações em poder de terceiro, desde que o terceiro tenha ciência da relação negocial alheia. Percebe-se que o muro entre direito real e pessoal está nitidamente caindo.

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Cai o conceito monolítico de propriedade A partir da segunda metade do século XX, tivemos uma grande complexidade das situações jurídicas em geral no ordenamento. Isso fez com que o conceito monolítico de propriedade – o direito de usar, fruir, dispor e reivindicar coisa em poder de quem a detém injustamente (art. 1.228), defendido na Itália por um autor chamado Ludovico Barassi – acabasse caindo no final da década de 1950 e início da década de 1960, quando Salvatore Pugliatti disse que o conceito monolítico de propriedade não comporta mais as variações de propriedade que existem hoje. A propriedade não cabe mais nesse conceito estrito do artigo 1.228, que se reproduz com maior ou menor precisão em todos os códigos ocidentais.


DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS

Segundo Pugliatti não há uma propriedade hoje, mas muitas que estão abrigadas num conceito insuficiente a definir todas elas. Ele trabalhou com a propriedade estática e dinâmica, a propriedade como direito patrimonial e não apenas a propriedade imóvel. Ele diz que a propriedade sofreu uma grande mudança, deixou de ser aquela propriedade estática – da pessoa que compra um imóvel e registra em seu nome – e passou a ser uma propriedade dinâmica. Houve uma mobilização do direito de propriedade e hoje as grandes corporações não têm mais propriedade de imóvel registrada em nome delas, mas cotas, ações, holdings. Essa mobilização da propriedade imobiliária fez com que o valor econômico da propriedade fosse transferido do imóvel para o controle da sociedade. O que vale hoje é ter o controle das grandes sociedades. A mobilização da propriedade imóvel e a multiplicidade de situações que surgiram em torno dos bens imóveis demandaram diferentes regulações jurídicas. Pugliatti parece ter inteira razão. As figuras criadas após a reforma do Código Civil e na Lei de regulação e propriedade fundiária não cabem mais na definição do artigo 1.228 do Código Civil. Isso fez com que Pugliatti propusesse o conceito “as propriedades”, em que não se tem mais um direito de propriedade, mas múltiplos direitos de propriedade. E cada regime jurídico de propriedade pode ter regras substancialmente diferentes entre si. O conceito do Pugliatti foi trazido ao Brasil por Orlando Gomes na década de 1970. Para Orlando Gomes, ou a propriedade cresceu tanto que não cabe mais no conceito que conhecemos, ou devemos abolir o conceito de propriedade que conhecemos e criar conceitos diferentes entre si. Portanto, ele propôs os múltiplos regimes proprietários. Isso é fundamental para compreender as figuras estranhas que apare-

ceram no novo estatuto. Se trabalharmos com a visão tradicional de propriedade do artigo 1.228 do Código Civil, certamente apresentaremos muita resistência e dificuldade em aceitar os novos institutos.

Lei 13.465/17 quebra dogmas jurídicos A primeira coisa que me chamou a atenção na Lei 13.465/17 foi o seu tamanho, a multiplicidade de dispositivos que tratam não somente de regularização de propriedade fundiária, mas também de outros assuntos. A inserção de diferentes assuntos em uma mesma proposta legislativa é prática bastante comum no Brasil que em nada contribui para a interpretação das normas jurídicas. Por exemplo, não há nenhuma relação entre regularização fundiária e as alterações da Lei 9.514/17, como a retomada da propriedade fiduciária. As reformas são boas e as alterações bem-vindas, mas em uma lei apartada e autônoma. O mesmo eu diria em relação ao condomínio de lotes. Não deveria estar tratado nessa lei, mas talvez em um capítulo específico do Código Civil, com regras pontuais e detalhadas sobre o seu significado e os seus requisitos urbanísticos. Portanto, não me parece adequado que um estatuto com o objetivo específico de regularizar a propriedade fundiária, já bastante complexo por si, insira matérias novas e estranhas, dificultando o trabalho do operador do direito. Quando li cada um dos institutos trazidos na nova lei – a figura da legitimação fundiária, legitimação da posse, conversão da legitimação de posse em usucapião, direito real de laje, condomínio de lotes, condomínio urbano simples – eu pensei: “quanta coisa nova junta e quão complexa é a criação de cada uma dessas figuras”. Mas isso tem uma explicação.

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DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS.

Em comparação com a medida provisória, a lei melhorou 200%, embora cause perplexidade na medida em que quebra dogmas jurídicos ao trazer expressões com as quais não estamos habituados.

Há uma dificuldade imensa em criar normas jurídicas precisas quando se quer dar regulação jurídica a uma situação tipicamente de fato. Os direitos reais tradicionais como conhecemos – usufruto, servidão, superfície, hipoteca, propriedade fiduciária –, são muito fáceis de trabalhar porque criam regras jurídicas. A titularidade de uma situação jurídica confere efeitos predeterminados. Nós, do Direito processual, chamamos isso de jus possidendi, isto é, a posse, o uso da coisa como consequência de uma relação jurídica de direito pessoal ou material preexistente. Lidamos bem com isso. A nossa perplexidade surge quando a situação é oposta, quando uma situação tipicamente de fato tem que merecer uma qualificação jurídica. O legislador tem dificuldade em enquadrar situações típicas de fato. É o caso da posse.

Nós temos imensa dificuldade em saber com precisão o que é posse. A união estável também. O Código Civil é uma norma aberta, tenho que julgar caso a caso, saber se aquela união é pública, o que é uma união pública? Dois anos e um mês? Um ano e sete meses? O que o Código quer dizer “com o propósito de constituir família”? A união é puramente subjetiva? Ou seja, a regulação de situações tipicamente fáticas gera imensa dificuldade ao legislador e ao intérprete. No estatuto da regularização esse problema também ocorre. Há situações consolidadas, núcleos urbanísticos desorganizados, favelas, comunidades, cortiços, as mais variadas situações consolidadas para as quais temos que criar regras jurídicas. É muito difícil criar uma norma jurídica precisa que defina

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qual é a situação fática e como ela vai ser resolvida. Sou o primeiro a reconhecer que não é uma tarefa fácil. Quem participou da redação da lei certamente enfrentou essa tarefa e procurou fazê-la da melhor forma possível.

No entanto, em comparação com a medida provisória, a lei melhorou 200%, embora cause perplexidade na medida em que quebra dogmas jurídicos ao trazer expressões com as quais não estamos habituados. A usucapião sobre bem público não é admitida no nosso ordenamento jurídico. Para contornar essa impossibilidade constitucional criou-se uma nova forma originária de aquisição da propriedade semelhante à usucapião, que transfere a propriedade de um imóvel ao seu ocupante ainda que o bem seja público. Ao acenar para essa possibilidade, o legislador cria uma dificuldade jurídica e conceitual com a qual teremos que trabalhar. Ainda vamos demorar alguns anos para assimilar o novo estatuto. Eu fiz uma pesquisa doutrinária e vi que ainda há poucos artigos escritos sobre a lei. Demorará um tempo para que tenhamos uma construção a respeito dos institutos criados pela nova lei. Mas a doutrina construirá primeiro, seguida da jurisprudência. Espero que a Corregedoria Geral da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça tenham sabedoria suficiente para regular os temas abordados de forma incipiente na lei. Que façam isso com prudência e sabedoria. Na Corregedoria nós temos a tendência de querer regulamentar situações jurídicas, gostamos


DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO E OS NOVOS DIREITOS REAIS

de legislar. A Corregedoria precisa fazer normas e orientar os registradores, mas com muito cuidado e após muita reflexão, para evitar que normas muito restritivas ou ampliativas desfigurem a ideia do legislador e a função social dos novos institutos. Enquanto isso não ocorre, a lei está em vigor e os registros devem ser feitos. Se houver alguma dúvida fundada sobre a aplicação da lei, os corregedores permanentes estarão aí para ajudá-los, muito embora eles também estejam no escuro dada a falta de doutrinária e jurisprudência sobre essa matéria.

a cabeça para novos conceitos e entender que a proposta legislativa de regularização de propriedade não se funda em tudo aquilo que estava previsto no Código Civil. Ela exige uma nova mentalidade dos registradores e dos juízes. O registro precisa ser visto de forma inclusiva. Eu diria que do mesmo jeito que julgamos in dubio pro reo, no direito penal, devemos compreender o estatuto in dubio pro registro. Se criarmos muitos obstáculos formais estaremos esvaziando o texto legislativo e impedindo a concretização das novas figuras previstas na lei. De nada adianta a lei possibilitar múltiplos direitos, se não conseguimos convertê-los em situações concretas de propriedade e de regularidade de direitos reais.

A função do registrador nessa parafernália de novos direitos reais criados pela Lei 13.465 é entender que a proposta legislativa de regularização de propriedade não se funda em tudo aquilo que estava previsto no CC.

No Estado de São Paulo, o que me conforta é a atuação bastante técnica e efetiva da Corregedoria e do Conselho Superior da Magistratura. Os acórdãos do Conselho têm bons fundamentos conceituais e as normas editadas pela Corregedoria também são de boa qualidade.

Temos que esperar os acórdãos do Conselho para ver como vão lidar com o direito real de laje, com o novo condomínio de lotes etc. Até lá, parece-me que o registrador não pode se furtar ao registro com a alegação de ainda não saber como proceder porque a certeza deriva da lei. A parte tem um direito subjetivo ao registro desde que esse direito se encaixe na situação jurídica prevista na lei especial. Essa não é uma explicação razoável. O registrador deve dizer de forma técnica e objetiva por que não registra.

Portanto, a nova lei exigirá uma nova mentalidade do registrador, exigirá uma postura pró-registro e não pró-recusa. As dúvidas dos registradores devem ser objetivas e concretas. Se for o caso, deixe o corregedor permanente decidir até que se tenha uma decisão da Corregedoria Geral e da Corregedoria Permanente a respeito. Sem dúvida nenhuma os juízes também terão de assumir nova mentalidade, precisarão ter uma visão proativa para acolher as novas situações jurídicas.

A função do registrador nessa parafernália de novos direitos reais criados pela Lei 13.465/17 é abrir

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Condomínio de lotes Melhim Namen Chalhub Advogado, membro do Instituto de Advogados Brasileiros, consultor e parecerista em Direito Privado

O condomínio de lotes é uma prática que já vem sendo adotada há alguns anos no Brasil, seja sob forma de condomínio ou sob a forma de loteamento fechado. O condomínio de lotes veio a lume com a Lei 13.465/2017 e com alterações promovidas no Código Civil, com a criação do artigo 1358-A, e na Lei 6.766/1979, com a inclusão do § 7º do art. 2º e § 4º do art. 4º.

Propriedade condominial

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ara falarmos do condomínio de lotes precisamos antes abordar a propriedade condominial. São duas as propriedades condominiais: o condomínio geral (arts. 1.334 e segs.) e o condomínio edilício, que na verdade é um condomínio por unidades autônomas e está tipificado no art. 1.331 e segs. e artigo 8º da Lei 4.591/1964. A despeito do regime jurídico do condomínio por unidades autônomas ter sido transferido para o Código Civil, esse dispositivo ainda permanece em vigor, se refere ao condomínio de casas.

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CONDOMÍNIO DE LOTES

A caracterização clássica do condomínio por unidades autônomas é a articulação entre o coletivo e o individual, a propriedade comum sobre coisas que tenham serventia para toda a comunidade que viverá ou que utilizará o conjunto imobiliário, e as unidades autônomas que são propriedades privativas de cada titular de lote do terreno. Essa ideia foi introduzida no direito positivo pelo Decreto-lei 271, de 1967. Naquela ocasião cogitava-se alterar a Lei do loteamento – o DL 58/1937 –, mas enquanto não vinha essa reformulação o Decreto-lei 271/1967 permitiu a aplicação do regime condominial previsto na Lei 4.591 aos loteamentos. Permitiu não somente a aplicação do regime condominial, mas também da forma de implantação, equiparando o empreendedor ou o loteador ao incorporador imobiliário. Obviamente foram feitas algumas adaptações, tendo em vista que no condomínio de lotes o incorporador tem responsabilidade apenas sobre as obras de infraestrutura. A partir do Decreto-lei 271, alguns municípios regulamentaram a divisão de gleba urbana sob forma de condomínio, caracterizando os lotes como unidades autônomas e as vias de circulação e outras partes como coisa comum, de propriedade privada dos titulares dos lotes. Ou seja, já naquela época se disseminava a anomalia dos loteamentos fechados e muitos projetos de lei vieram a ser apresentados na Câmara e no Senado. Os projetos de lei 3057/2000 e 20/2007 propuseram a regulamentação geral do parcelamento do solo urbano, admitindo o condomínio de lotes, porém, com a estranhíssima denominação “condomínio urbanístico”. Felizmente, evoluiu-se para se atribuir a essa figura o nome adequado. Na I Jornada de Direito Civil, realizada logo após a promulgação do Código Civil, foi aprovado o Enun-

ciado 89, que dizia: “O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. Embora com uma redação imperfeita, buscou-se consagrar na doutrina o conceito de condomínio aos loteamentos. Naquela ocasião procurou-se adequar a forma de divisão da gleba urbana ao conceito legal do condomínio por unidades autônomas, pois não é o fato de as unidades se sobreporem umas às outras em pavimentos que caracteriza o condomínio, mas sim a divisão de uma propriedade em quinhões e a atribuição de propriedade de natureza privada a cada um dos titulares. Apresentamos um anteprojeto no Instituto de Advogados Brasileiros na mesma linha do PL 271/1967, mas com algumas outras estipulações que se propugnava. O anteprojeto foi acolhido no Senado pelo senador Crivella, que o apresentou com algumas modificações. O Ministério Público propôs uma Ação Civil Pública no STF contra determinadas disposições do plano diretor do Distrito Federal que conjugava normas do loteamento com normas da Lei 4.591, para permitir a implantação de condomínios de lotes no Distrito Federal. Foi aprovada, então, uma tese com repercussão geral (RE 607.940-DF) em que se reconheceu a constitucionalidade das normas que mesclam atributos do condomínio edilício previstos na Lei 4.591/1964 e do loteamento conceituado na Lei 6.766/1979. A partir daí, intensificou-se a busca pela regulamentação, o que veio a ocorrer com a Lei 13.465/2017, que incluiu um artigo no capítulo específico do condomínio edilício, dispondo, no art. 1.358-A, que “pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condômi-

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nos”, exatamente projetando para a divisão de gleba o conceito do art. 1.331 e seguintes do Código Civil. Prevê-se, no § 1º do art. 1.358-A, que “a fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição” porque, de fato, o condomínio de lotes apresenta uma variedade muito grande de situações concretas práticas que comportam a possibilidade mais ampla das partes decidirem a melhor forma de atribuir fração ideal para as unidades autônomas do condomínio de lotes. Prevê o § 2º do art. 1.358-A: “Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste capítulo, respeitada a legislação urbanística”. E o § 3º do 1358-A: “Para fins da incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor”. Percebe-se, no Código Civil, uma mescla da atividade da incorporação e do loteamento. São as duas coisas ao mesmo tempo. O memorial de incorporação pode gerar certa preocupação por parte dos registros, mas é a prática que vai orientar a situação fática específica de cada caso concreto. Portanto, aplica-se toda a norma de loteamento com as adequações necessárias, e também a norma da incorporação imobiliária.

Alterações na Lei 6.766/1979 O § 7º foi acrescentado ao artigo 2º da Lei 6.766, que estabelece a divisão do loteamento de modo geral, para esclarecer que o lote poderá ser constituído sob a forma de um imóvel autônomo ou de uma unidade autônoma que integre o conjunto

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imobiliário de lotes de terreno. O § 4º do artigo 4º estabeleceu uma norma da maior importância ao prever a possibilidade de serem instituídas limitações administrativas e direitos reais sobre coisa alheia em benefício do poder público ou da população em geral e da proteção da paisagem urbana, tais como servidões de passagem, fluxos, restrições e a construção de muros. Trata-se de uma norma aberta e caberá a cada município estabelecer os seus requisitos e as suas limitações.

Requisitos gerais e específicos para a implantação do condomínio de lotes Os requisitos gerais para a implantação do condomínio de lotes são aqueles da preservação ambiental e das funções sociais da cidade previstos na Constituição. Os requisitos urbanísticos serão definidos na legislação municipal. Os requisitos específicos para implantação são aqueles previstos na Lei de Incorporação (arts. 28 e segs) e da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, e legislação municipal especial. Quando se volta os olhos para a decisão do STF que entende que essa concepção do condomínio de lotes do município deve constar do plano diretor, uma questão fica em aberto: devem constar do plano diretor apenas os requisitos gerais para a implantação de lotes e terreno? Uma lei ordinária municipal estabeleceria os requisitos específicos de implantação, tamanho de lote, vias de circulação, limitações etc. Creio que basta o estabelecimento do zoneamento para a implantação dos lotes dos condomínios, ficando sua regulamentação para leis ordinárias do município.


CONDOMÍNIO DE LOTES

Loteamento com acesso controlado

periores. Agora associações de moradores passam a ter legitimidade para efetuar a cobrança.

A Lei 13.465 também dispõe sobre o loteamento com acesso controlado. Define, no § 8º do artigo 2º: “Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1º deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.”

O art. 36-A prevê: “As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis.”

A lei parece resolver um problema sério, a constitucionalidade da cobrança de cotas de contribuição para a manutenção e conservação, que vem sendo objeto de prolongada controvérsia nos tribunais su-

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Usucapião extrajudicial Luiz Gustavo Montemor Registrador de Imóveis em Mongaguá (SP)

50% dos pedidos de usucapião em São Paulo decorrem de contratos de compromisso de compra e venda; 90% dos pedidos de usucapião não são conflituosos. Isso significa que há inúmeras situações que podem ser resolvidas no âmbito extrajudicial.

A

usucapião extrajudicial revela mais uma faceta do fenômeno da desjudicialização, que tem como lastro iniciativas de sucesso como a Lei 10.931/2004, que trata da retificação administrativa, a Lei 11.441/2007, que trata das separações, divórcios e partilhas extrajudiciais e, mais remotamente, o Decreto-lei 70/1966, que permite a execução extrajudicial das hipotecas do SFH. E ainda, a Lei 9.514/1997 no que tange aos procedimentos de consolidação da propriedade junto ao oficial registrador. A usucapião extrajudicial será aquilo que nós quisermos que ela seja. Será uma ferramenta fadada ao fracasso ou um poderoso instrumento de regularização fundiária. De modo geral, a doutrina entende que a usucapião extrajudicial é permitida a todas as formas de

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usucapião do bem imóvel, a usucapião extraordinária e com prazo reduzido, ordinária e tabular, usucapião coletiva, familiar, esta a depender de um pronunciamento judicial para que possa ser feita extrajudicialmente, e constitucional, pro moradia e pro labore. A primeira experiência da usucapião administrativa ocorreu no bojo da Lei 11.977/2009, pois, de certa forma, a usucapião é uma das formas de regularização fundiária. A Lei 13.465/2017 traz uma pequena diferença de redação no que tange à conversão automática da legitimação de posse em título de propriedade, uma vez atendidas as condições do artigo 183 da CF ou as condições da usucapião da lei civil. A dúvida é a seguinte: decorridos cinco anos do registro da legitimação, o oficial deverá fazer o registro automaticamente?


USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Segundo Marcelo Mello, a usucapião do art. 216-A, na sua redação originária, é um procedimento fadado ao fracasso por se aproximar de um negócio jurídico anômalo, (uma espécie de contrato) ao exigir-se a anuência expressa do titular do imóvel. Ora, em um procedimento de usucapião não se exige anuência expressa do proprietário. Se assim fosse, lavrar-se-ia a competente escritura pública no Tabelionato de Notas. Essa visão ocorria justamente porque a lei trazia o silêncio interpretado como discordância, rompendo com uma tradição do nosso ordenamento jurídico. Por essa razão, digo que as alterações trazidas pela Lei 13.465/2017 revelam que a usucapião extrajudicial tem tudo para ser um sucesso. Está nas nossas mãos. Exige do oficial registrador, e também do notário, um conhecimento mais aprofundado do instituto da posse e da usucapião. Devemos ter na ponta da língua os conceitos de posse justa, posse de boa-fé, posse ad interdicta e ad usucapionem, etc. Apresento, a seguir, alguns números colhidos de entrevistas concedidas pela doutora Tânia Mara Ahualli e doutor Marcelo Berthe para a TV Registradores:

a) 50% dos pedidos de usucapião em São Paulo decorrem de contratos de compromisso de compra e venda; b) 90% dos pedidos de usucapião não são conflituosos. Isso quer dizer que há inúmeras situações que podem ser resolvidas no âmbito extrajudicial. O oficial precisa analisar se não há possibilidade de conversão do compromisso em propriedade (art. 26, § 6º, da Lei 6.766/1979). Essa conversão tem sido muito efetiva. É uma das formas de regularização fundiária mais fáceis de se fazer, pois não demanda maiores providências. Esse assunto foi amplamente discutido em um encontro realizado em Atibaia, logo em seguida a uma decisão do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que o artigo 26, § 6º não se aplica somente aos parcelamentos populares introduzidos pela Lei 9.785/1999, mas também a qualquer tipo de parcelamento do solo. Por óbvio, é preciso que a venda inicial tenha partido do loteador para que o interessado, uma vez municiado do contrato e da prova da quitação, possa requerer a conversão em propriedade em cartório. Numa situação como essa, o oficial pode se ver

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instado a dar início a um procedimento de usucapião. Há inúmeros casos de loteamentos antigos em que a figura do loteador não é encontrada e o caminho natural acaba sendo a via da usucapião. Entretanto, o oficial precisa ter em mente que há um procedimento muito mais célere do que a usucapião, qual seja a conversão do compromisso em propriedade. Esse combo legislativo veio corrigir um vício formal que existia no processo legislativo que redundou no artigo 216-A da Lei 6.015/1973. O que houve foi uma alteração significativa do projeto originário junto ao Senado Federal, sem que o projeto retornasse à casa iniciadora, submetido à sanção presidencial. Também houve um vício material, pois, a interpretação do silêncio como discordância rompe com a tradição do nosso ordenamento. Esse é um ponto central da lei que permitirá que as usucapiões extrajudiciais sejam processadas. Não pretendo tratar aqui de direito material, mas de todo o rito estabelecido no artigo 216. No entanto, selecionei alguns pontos que julgo relevantes.

Usucapião coletiva Na usucapião coletiva (plúrima ou multitudinária), a Lei 13.465/2017 deu nova redação ao artigo 10 do Estatuto da Cidade, incorporando o conceito de núcleos urbanos informais (art.11, II, da Lei 13.465/17) sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250 m². Para esse tipo de usucapião admite-se que exista comércio, conforme precedente da 1ª VRP (usucapião coletiva de Paraisópolis – 1ª VRP). Também chama a atenção a gratuidade, mesmo para a usucapião especial urbana prevista no Estatuto da Cidade. Como efetuar um registro gratuito de um pedido extrajudicial de usucapião?

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Pensemos numa situação em que o pedido tenha sido instruído mediante ata notarial. Em São Paulo, uma ata notarial não sai por menos de R$ 400. Nesse sentido, o registro será gratuito?

Usucapião pro moradia Outra questão envolve a discussão em torno da área de 250 m². Para efeitos de usucapião, o que prevalece, a área do terreno, o terreno e a acessão, ou somente a área da construção? Para o doutor Francisco Loureiro, deve-se levar em conta a área. Por outro lado, é de conhecimento de todos que não se admite usucapião de bens fora do comércio (ex.: bens públicos – Súmula 340 STF). Há, no entanto, uma discussão quanto às terras devolutas por serem consideradas bens dominicais. A jurisprudência dominante não admite a usucapião de bens públicos, inclusive os bens dominicais. No entanto, há quem admita por não estar afetado à destinação pública. Alguns admitem usucapião de bens de sociedade de economia mista, que está atrelada a um regime de pessoa jurídica de direito privado. Por fim, parte da doutrina admite usucapião de bens gravados com cláusula de inalienabilidade e ainda de bem de família.

Procedimento comum junto ao RI Dispõe o art. 216-A caput: Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório de Registro de Imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015).


USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

O que se extrai dessa disposição é o trecho a requerimento do interessado representado por advogado. Segue-se o mesmo padrão de uma petição inicial feita em juízo. Da mesma forma como o advogado apresenta uma petição inicial no Judiciário, com causa de pedir, narração e justificativa dos fatos, ele fará no serviço extrajudicial. A diferença é que não precisamos nos prender a um modelo rígido e preparar minutas para requerimento de usucapião extrajudicial. O interessado tem a total liberdade de fazer o requerimento como bem lhe aprouver. A dúvida que surge é quanto à necessidade de

reconhecimento da firma. A minuta do CNJ e o doutor Leonardo Brandelli defendem a necessidade do reconhecimento. Já a Arisp, numa cartilha de sugestões para qualificação registral, entende que não é necessário. Eu compactuo do mesmo entendimento. Basta pensarmos na seguinte situação: o advogado comparece ao cartório com um requerimento semelhante a uma petição inicial, acompanhado de uma procuração ad judicia, que não precisa ter firma reconhecida. Sendo assim, por que a necessidade de reconhecimento da firma na usucapião extrajudicial?

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Não podemos ignorar, entretanto, que estamos sujeitos às regras do artigo 221 da LRP, que exige o reconhecimento de firma para acesso ao registro de documentos particulares.

O interessado na usucapião extrajudicial São interessados: a) possuidor; b) aquele que tem interesse jurídico, como o credor ou adquirente do possuidor; c) o prescribente que “perdeu a posse”, nos casos em que o requerente não está na posse da coisa no momento do pedido da usucapião por ter sido o imóvel objeto de esbulho. Nesse sentido, a Súmula 263 do STF exige que o possuidor seja citado pessoalmente na usucapião. Flávio Tartuce admite a participação da Defensoria Pública nos procedimentos de usucapião administrativa. Nesse caso, temos um contraponto a fazer no que diz respeito à gratuidade. Nós sabemos que a Defensoria Pública atua em favor de pessoas hipossuficientes. Como agiremos em face de um pedido de usucapião extrajudicial feito por um defensor público por meio de uma ata notarial, também elaborada de forma gratuita? Outro ponto para discussão diz respeito ao disposto no art. 1º da minuta do CNJ, que admite a usucapião independentemente de o imóvel possuir origem tabular. Se levarmos em conta a redação do artigo 216-A, II, conjugado com o § 2º, tudo leva a crer ser impossível o processamento de uma usucapião extrajudicial de imóvel sem origem tabular. A lei fala claramente (art. 216-A, II, c.c § 2º) em matrícula. Levada a redação ao pé da letra, não pode-

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remos processar usucapião de imóvel com origem em transcrição. Mas não parece ser este o sentido da lei. Somente a análise do caso concreto revelará se o oficial vai ter condições de processar uma usucapião nesses termos.

Requisitos da usucapião extrajudicial Ata Notarial – É o primeiro documento, previsto no inciso I do art. 216-A, que será apresentado ao oficial registrador. A minha opinião sobre o assunto baseia-se na melhor doutrina dos doutores Henrique Mello e Leonardo Brandelli. No Estado de São Paulo a ata notarial é a ata de presença, modelo standard, que autentica os fatos captados pelos sentidos, conquanto não lhe falte a visão, conforme observação do desembargador Ricardo Dip. O Provimento CG 58/2015 trata da diligência ao local e oitiva de testemunhas. Muitos questionam se a ata notarial poderia ser lavrada por tabelião diverso do local do imóvel usucapiendo. Penso que não. A ata principal deve ser do local do imóvel usucapiendo. O parecer que deu origem ao provimento é claro ao dizer que deve o tabelião realizar visitas ao imóvel, entrevistar vizinhos, testemunhas etc. Ora, só quem pode fazer isso é o tabelião do local do imóvel usucapiendo. Por mais que a ata notarial da usucapião extrajudicial possa ser instruída com atas complementares, para fins de formar a convicção do oficial registrador, a ata principal deve ser do município onde localizado o imóvel. O Enunciado 31 da Carta de Tiradentes, produzida por membros do Judiciário e Ministério Público do Estado de Minas Gerais, também caminha nesse sentido.


USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Três pedidos de usucapião administrativa já foram pedidos em nossa serventia, em Mongaguá. Dois deles foram deferidos. O problema principal do pedido indeferido foi justamente porque a ata notarial foi lavrada por tabelião de município diverso. O procedimento foi indeferido de plano por não preenchimento dos requisitos necessários.

Ambos, planta e memorial, devem ser assinados pelos titulares de direitos inscritos (registrados ou averbados) na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes. A grande alteração foi a alternância.

Ricardo Dip faz uma crítica com relação ao inciso I (LRP, 216-A) quando diz que o tabelião deve atestar o tempo de posse. Tabelião só pode atestar o tempo pretérito se o fato foi presenciado por ele. Segundo o desembargador Dip, é uma impropriedade do texto de lei.

Nesse sentido, o doutor Henrique Mello defende que o tabelião, ao produzir uma ata notarial, se aproxima do perito das ações de usucapião, uma vez que atesta, a partir de evidências, o tempo de posse de modo indireto. Segundo ele, para fins de usucapião extrajudicial, a ata notarial é a de presença e de notoriedade que permite ao tabelião emitir juízo de valor.

Planta e memorial descritivo O disposto no inciso II deve ser lido em conjunto com o § 2º. Essa foi a grande alteração introduzida pela Lei 13.465/17. Ambos, planta e memorial, devem ser assinados pelos titulares de direitos inscritos (registrados ou averbados) na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes. A grande alteração foi justamente a alternância.

Prevê o § 2º que sem assinatura de qualquer dos titulares de direitos inscritos na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com AR, para manifestar consentimento expresso em quinze dias (em São Paulo, quinze dias corridos em razão do Prov. CG 19/2017), interpretado o silêncio como concordância.

Num descuido do legislador, o § 2º não previu a possibilidade de notificação pelo oficial registrador de Títulos e Documentos. Valho-me das lições do colega Henrique Mello que sustenta a ideia da falsa alternância porque não se pode deixar a critério do requerente quem deve ser notificado ou quem deve anuir na planta. Ambos devem ser notificados, da mesma forma como ocorre nos processos judiciais de usucapião, conforme art. 246, § 3º, que prevê a citação pessoal dos confinantes, e o art. 259, I, que prevê a publicação dos editais. Há, portanto, uma falsa alternância criada pelo legislador, porque a grande alteração promovida no inciso II e § 2º refere-se tão somente à presunção do silêncio como concordância para o processamento da usucapião extrajudicial. E por que não fazer uma aplicação analógica do art. 213 § 10 da Lei 6.015/73, no que tange à retificação administrativa, quando entende como confinante o ocupante? Será que precisamos ficar presos à letra da lei? Imaginemos a possibilidade de usucapião de um imóvel sem origem tabular, embora a lei dispo-

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nha sobre a necessidade de identificação do confinante tabular. Chegaríamos ao absurdo de entender que o imóvel usucapiendo não necessita do registro, mas sim o imóvel confinante? Não poderíamos avançar a interpretação no sentido de admitir o confinante como mero ocupante, como fazemos diariamente nas retificações de área?

Como contraponto, apresento a Ordem de Serviço 01/2016 da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo que relaciona as pessoas que devem ser intimadas no processo de usucapião. São intimados titulares de domínio, confrontantes tabulares, confrontantes de fato, antecessores na posse (acessio possessionis) e eventuais ocupantes. Caso estes já tenham apresentado declaração de anuência com firma reconhecida será dispensada a citação. No entanto, na usucapião extrajudicial, veremos que essa citação nunca estará dispensada, em razão da garantia ao contraditório e ampla defesa.

decidir e deve enfrentar os casos do dia a dia com prudência e razoabilidade. Foi o que fiz. Deferi a usucapião porque a pessoa tinha um contrato quitado assinado pelo titular do imóvel que desapareceu no mundo. Baseado nesse rol de documentos que o CNJ pretende regulamentar, não tive dúvida em deferir a usucapião.

Do mesmo modo que no processo judicial são citados os confrontantes, os possuidores diretos do imóvel, no procedimento extrajudicial, ainda que apresentado documento de aquisição a non domino, as notificações não poderão ser dispensadas.

O CNJ pretende regulamentar (art. 6º da minuta) o rol de documentos que presumiria outorgado o consentimento do titular do imóvel. Pautei-me na minuta do CNJ para deferir uma usucapião lastreada em título antigo que foi processada antes mesmo da edição da Lei 13.465. Os senhores poderão pensar que fui maluco em fazer uma usucapião baseada em uma minuta de resolução/provimento que ainda está em consulta pública e será regulamentada. No entanto, o oficial registrador é um ser pensante que tem autonomia e independência jurídica para

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Henrique Mello defende que não devemos confundir dispensa da anuência com a dispensa da notificação. Podemos presumir a anuência, mas não dispensar a notificação, justamente uma forma de garantia ao contraditório e à ampla defesa. Do mesmo modo que no processo judicial são citados os confrontantes, os possuidores diretos do imóvel, no procedimento extrajudicial, ainda que seja apresentado um documento que revele uma aquisição a non domino, as notificações não poderão ser dispensadas.

Quanto aos editais, embora interprete-se o silêncio como concordância, eles devem ser publicados. O § 13 refere-se aos editais para os legitimados certos não encontrados ou em local incerto e não sabido, em sintonia com art. 259, I, do NCPC, que prevê a publicação de editais nas ações de usucapião. São publicados dois editais em jornal de grande circulação, por duas vezes, pelo prazo de quinze dias, interpretado o silêncio como concordância. No procedimento extrajudicial, teremos três


USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

editais: um para os legitimados incertos previstos no § 4º e dois para os legitimados certos nos casos em que não haja anuência expressa no processamento da usucapião extrajudicial.

pião produz os efeitos da coisa julgada formal, mesmo porque se o requerente possuidor preencher o tempo, poderá renovar o pedido no judicial ou, se preferir, no extrajudicial.

O § 14 diz que a CGJ poderá autorizar o edital em meio eletrônico, o que trará dinamismo ao procedimento extrajudicial.

Outra situação é atinente à improcedência em razão do pedido recair sobre bem público. Poderá o requerente renovar o pedido na via judicial? O pedido, as partes e a causa de pedir são os mesmos. Desse modo, o pedido jamais poderá ser processado na via extrajudicial. Numa situação como essa, o oficial precisa saber se houve a propositura anterior de uma ação de usucapião e quais foram os motivos que levaram à improcedência e extinção do processo. Se estivermos sob o manto da coisa julgada material, o pedido de usucapião extrajudicial é indeferido de plano.

Certidões forenses (inciso III) – deve ser apresentado ao oficial registral certidão forense do local do imóvel usucapiendo e do domicílio do requerente, imaginando-se que seja o possuidor. A doutrina é pacífica no sentido da apresentação de certidões cíveis e da Justiça Federal. O prazo é vintenário, conforme critério adotado pela 1ª VRP. O CNJ pretende regulamentar a exibição das certidões forenses pelo usucapiente e cônjuge, pelo requerido e cônjuge e todos os demais possuidores e cônjuges, em caso de acessio possessionis. Para Leonardo Brandelli e Henrique Mello, admite-se certidão positiva, desde que não influencie no pedido. Mas como fica a Lei 13.097/2015 que exige a concentração na matrícula de averbações premonitórias, de registros de citações e ações reais ou qualquer outra que possa influir no imóvel objeto da usucapião?

Justo título ou outros documentos (inciso IV) – A menção ao justo título refere-se apenas ao pedido de usucapião ordinária, o que não impede o processamento de outros tipos de usucapião, incluindo a extraordinária. Devem ser apresentados documentos que demonstrem a origem, a continuidade e a natureza da posse.

Parece-me que a lei da concentração não vingou nesse ponto. O legislador, não prestigiando o princípio da concentração, prevê a apresentação das certidões forenses.

Extraí um excerto de um artigo jurídico que entende que bastam os três primeiros e os três últimos IPTUs para fazer prova à usucapião. É também permitido qualquer outro elemento que forme a convicção do oficial, como taxa de água e luz, correspondências, fatura do cartão de crédito, fotos antigas, recibos relacionados a obras no imóvel, etc.

Outro ponto para reflexão é se a ação de usucapião julgada improcedente impede o pedido na via extrajudicial. Entendo que deve ser feita uma análise dos efeitos da coisa julgada formal e material, que se refere aos elementos da ação, partes, pedidos e causa de pedir. Uma improcedência em razão do requerente não ter preenchido o tempo para usuca-

Justificação administrativa – O § 15 introduzido pela Lei 13.465/2017 traz uma disposição interessante que diz respeito à justificação administrativa, que vem justamente contemplar situações em que não foram apresentados justo título ou outros documentos que possam instruir o pedido de usucapião extrajudicial.

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Essa justificação é muito conhecida dos registradores civis porque possui a mesma natureza da justificação de óbito em caso de pessoas desaparecidas em naufrágios, inundações, catástrofes (artigo 88 LRP).

plina própria e está inserido na parte de produção de provas (NCPC). Apesar disso, não se confunde com a produção antecipada de prova que é produzida no processo em face do risco de perecimento (presença do fumus boni iuris e periculum in mora).

Essa justificação consiste em documentar a existência de um fato ou relação jurídica. Benedito Silvério destaca que a prova desse acontecimento pode ser documental ou testemunhal, esta última a mais comum.

Na justificação a prova é produzida unilateralmente para ser utilizada posteriormente. No processo extrajudicial, a prova é produzida para formar a convicção do oficial que, na sequência, terá que se manifestar sobre a prova que está sendo produzida perante ele, o que traz outra discussão. O procedimento extrajudicial pode ser considerado uma justificação em si, uma vez que é instruído com ata no-

Embora inserida no capítulo relativo às medidas cautelares, a doutrina nunca reconheceu a natureza cautelar da justificativa, tanto que não há mais disci-

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USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

tarial, planta, memorial e outros documentos com o objetivo de formar a convicção do oficial assim como ocorre no Judiciário? A Lei 13.465/2017 parece ter ressuscitado a “audiência de justificação de posse” do CPC/1973 (artigo 942, I), revogado pela reforma processual de 1994 (Lei 8.951/1994), passando a usucapião do rito especial para o rito ordinário. Atualmente perdura a justificação de posse apenas para a usucapião especial rural, prevista na Lei 6.969/1981. Para reflexão trago o § 15 que alude à serventia extrajudicial. Mas quem é a serventia extrajudicial? Tabelião de Notas ou Registro de Imóveis? Já há alguns artigos científicos produzidos após a edição da Lei 13.465/2017 que sustentam que a justificação é feita no Tabelião de Notas, a exemplo do Código do Notariado português (arts. 89º a 91º). O procedimento seria instruído com uma ata notarial e uma escritura de justificação, o que, a meu ver, tornaria o procedimento extremamente oneroso.

extrajudicial de usucapião impede o acesso ao fólio real de títulos contraditórios? Segundo os doutores Loureiro e Brandelli, sim. O doutor Henrique Mello defende uma posição intermediária, sugere a adoção da regra lusitana de averbar a prenotação da usucapião. A cartilha de sugestões da Arisp diz que o pedido extrajudicial de usucapião não impede o acesso ao fólio real de títulos contraditórios, salvo outro pedido de usucapião, e entende que não é algo com o que o registrador deva se preocupar.

Ricardo Dip alerta para o risco de se produzir uma prenotação fraudatória, por exemplo, para impedir uma inscrição de penhora. Ele entende que toda certidão expedida deve trazer a notícia do pedido extrajudicial de usucapião...

Há, no entanto, quem defenda que a prova é feita no RI, que é o juiz extrajudicial. Nesse caso, a prova deve ser produzida perante o agente delegado que irá proferir a decisão de mérito do pedido extrajudicial. Alguns defendem que a ata de justificação poderia substituir a ata notarial. É algo a se pensar. Prenotação e autuação do pedido (§ 1º): prorrogação da prenotação até acolhimento ou rejeição do pedido. Esta é outra questão polêmica: pedido

Ou seja, temos posições antagônicas a respeito.

Ricardo Dip alerta para o risco de se produzir uma prenotação fraudatória, por exemplo, uma prenotação para impedir uma inscrição de penhora. Ele entende que toda certidão expedida deve trazer a notícia do pedido extrajudicial de usucapião em respeito ao princípio da publicidade. E a provocação que ele faz é em relação ao condicionamento da eficácia da prenotação. Afinal, como conjugar o princípio da legalidade com o princípio do trato consecutivo?

Ainda segundo Dip, no princípio da legalidade não é todo pedido que merecerá processamento, pois, uma vez feita a qualificação inaugural abreviada, a desqualificação pode ocorrer de plano de modo a evitar a prenotação fraudatória. Mas, como o oficial vai negar o registro de um título que preenche a continuidade? A lei não traz uma solução a respeito.

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Como o oficial deve proceder, se o titular do imóvel objeto de um pedido de usucapião prenotar um título de compra e venda a um terceiro? A prenotação fica suspensa? Há trancamento do registro? Há reserva de prioridade? Com relação ao imóvel rural, admite-se a prenotação sem georreferenciamento, mas a certificação deve ser apresentada antes do registro. O oficial deverá processar o pedido e só depois da decisão de mérito, acolhendo o pedido da usucapião extrajudicial, é que será apresentado o georreferenciamento.

Qualificação definitiva – O segundo passo é a análise do conjunto probatório. O oficial é o juiz extrajudicial da usucapião. Para Flávio Tartuce, o oficial atua como juiz de fato e de direito nos pedidos administrativos de usucapião. Ele deve formar a convicção que se trata de posse ad usucapionem (animus domini, prazo, posse qualificada quando o caso, justo título e boa-fé, se for o caso, etc.). Havendo vícios formais, por exemplo, a ausência da ata notarial, ou vícios materiais, por exemplo, se o oficial não formou sua convicção, deverá haver o indeferimento por nota devolutiva fundamentada da qual cabe suscitação de dúvida, conforme prevê o § 7º, do art. 216-A.

Havendo vícios formais, como a ausência da ata notarial, ou vícios materiais, por exemplo, se o oficial não formou sua convicção, deverá haver o indeferimento por nota devolutiva fundamentada da qual cabe suscitação de dúvida...

Análise formal dos documentos – Após a prenotação passa-se para a análise formal dos documentos, o que Vitor Kumpel chama de qualificação preliminar, que é verificar se o requerimento é adequado, se foi apresentada procuração ad judicia, ART, planta, memorial, documentos que instruem o pedido, certidões forenses, e se estão preenchidos os requisitos da especialidade subjetiva e objetiva.

O CNJ pretende regulamentar todas as notificações por meio eletrônico na pessoa do advogado. Por outro lado, também pretende regulamentar a questão da inércia ou omissão do usucapiente nas notificações ou atendimento das exigências por mais de 30 dias, sob pena de arquivamento do pedido. Isso equivaleria a um indeferimento da sentença sem resolução de mérito? Creio que sim. Entretanto, o CNJ entende que o pedido rejeitado poderá ser renovado com novo procedimento, nova prenotação e nova autuação.

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Toda decisão do oficial deve ser fundamentada com base em seu livre convencimento.

O item 9, do Capítulo XX, das NSCGJ, diz que os oficiais gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. Portanto, pode o oficial acolher ou rejeitar o pedido com uma decisão fundamentada. Ciência aos entes públicos – Após análise formal e material passa-se à ciência aos entes públicos (União, Estado, Distrito Federal e Município), que deverão se manifestar em quinze dias sobre o pedido (corridos, conforme Provimento CG 19/2017). A ciência se dá pessoalmente, pelo correio com AR ou por meio do RTD (§ 3º).


USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Não se exige concordância expressa ou tácita. O silêncio é interpretado como concordância desde a lei originária. Editais – O § 4º prevê o edital para legitimados incertos. Diferentemente dos editais do § 13, destinados aos legitimados certos, o edital é publicado uma única vez em jornal de grande circulação para que terceiros interessados se manifestem em quinze dias corridos. O silêncio é interpretado como concordância desde a lei originária. Na usucapião judicial a previsão de edital está contida no art. 259, I, NCPC. Da fase final (§ 6º) – Transcorrido o prazo de quinze dias da publicação do edital para os legitimados incertos (§ 4º) e sem pendência de diligências (§ 5º), procede-se ao registro da aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. O CNJ pretende regulamentar (art. 10, minuta) que, transcorridos os prazos para ciência dos entes públicos, dos legitimados certos e dos incertos, sem pendência de diligências e sem impugnação, o oficial emitirá nota fundamentada de deferimento e registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. Já o art. 10, § 3º (minuta) diz que se o imóvel usucapiendo encontrar-se matriculado e o pedido referir-se à totalidade do bem, o registro será feito na própria matrícula existente. Ainda sobre as pretensões de regulamentação pelo CNJ, no caso de imóvel rural (art.10 § 1º, I, II e III e § 2º), o registro da usucapião depende de: a) prova de inscrição no CAR; b) CCIR mais recente; c) certificação do Incra relativa à área georreferenciada (conforme áreas e prazos previstos na Lei 10.267/2001 e decretos).

Suscitação de dúvida – Quanto à suscitação de dúvida, chamo a atenção para o § 7º, que diz que é lícito ao interessado requerer que se declare a dúvida, em qualquer caso, ou seja, para toda e qualquer exigência formulada no curso do procedimento e não apenas em caso de rejeição do pedido. Quanto à impugnação (§ 10), poderá ser apresentada por: a) legitimados certos; b) legitimados incertos; c) entes públicos. A lei dispõe que o oficial deve remeter os autos ao juízo competente da comarca de situação do imóvel (Vara Cível ou VRP), para que a ação seja adequada ao procedimento comum. No entanto, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no item 418, do Cap. XX, NSCGJ, criou a possibilidade de tentativa de conciliação. Nesse sentido, sugiro outra reflexão. Impõe-se uma evolução legislativa para contornar a impugnação na usucapião a exemplo do que ocorre com a retificação administrativa. Rafael Gruber e Hildebrando Moraes, oficiais do 1º e 2º Registros de Imóveis de São Caetano (SP), numa iniciativa louvável, editaram, com o juízo corregedor permanente, um provimento local que tratava especificamente disso. Infelizmente, o provimento perdurou por cerca de trinta dias e foi revogado pela Corregedoria Geral de Justiça. Mas um ponto fundamental levantado foi justamente a questão da impugnação. Afinal, toda impugnação deve ser encaminhada ao juízo? Não seria o caso de seguir o exemplo do que se faz nas retificações, diferenciando-se a impugnação infundada daquela que é fundamentada?

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Regularização fundiária nos terrenos de marinha Bianca Castellar de Faria Registradora de Imóveis em Joinville (SC) e membro da Comissão do Pensamento Registral Imobiliário

R

egularização fundiária em terrenos de marinha e seus acrescidos é um tema polêmico porque tratado por diplomas legais variados e conflitantes, como a Lei 9.636/1998, o Decreto-lei 9.660/1946, a Constituição Federal, a Lei 11.481/2007 e a Lei 13.465/2017. Ao fazer esse alerta no início da exposição, a palestrante disse também que apesar da dificuldade de se chegar a uma conclusão em tal cenário, a proposta é conhecer melhor as questões envolvendo os terrenos de marinha.

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36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS

Origem dos terrenos de marinha

Critérios de demarcação

Os terrenos de marinha têm origem no período imperial. Em 1678, uma Ordem Régia já tratava as terras de marinha como imóveis públicos.

Em 1832, por meio de Instrução Normativa do Ministério da Fazenda, estabeleceu-se como critério o entendimento de que os 33 metros seriam contados da linha preamar média do ano de 1831.

Em 1710, outra Ordem Régia dispunha no sentido de que essas áreas eram necessárias à defesa da terra. Em 1818, surge a medição não em 33 metros, mas como 15 braças craveiras. Cada braça equivale a 2,20 metros. Esse número multiplicado por 15 é igual a 33 metros. Existe uma especulação sobre o porquê dos 33 metros. Há fontes que entendem se tratar da distância necessária para uma bala de canhão atingir o nosso território em eventual ataque que pudesse vir pelo mar; outras que sustentam que os 33 metros correspondem à distância necessária para que um pelotão de pelo menos nove soldados conseguisse percorrer a orla. O fato é que essa metragem vem sendo mantida desde 1818 como forma de defesa do território nacional.

Interessante notar que a partir de 1832, os terrenos de marinha passaram a ter uma função arrecadatória. Foi nesse período que se estipulou o pagamento de taxa de ocupação cujos valores seriam incluídos no orçamento de 1833. Em interessante artigo publicado na RDI nº 59/2015, “Demarcação de terrenos de Marinha e seus acrescidos”, de autoria de Obéde Pereira de Lima e Jürgen Philips, os autores entendem que a linha preamar média de 1831 é uma linha presumida, isso porque, à época, o governo não possuía ferramentas adequadas para a medição da preamar média de uma costa que ultrapassa 7300 quilômetros. O que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) utiliza como critério é, na verdade, uma presunção do que seria a linha preamar média.

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TERRENOS DA MARINHA E ACRESCIDOS

LTM TERRENO TERRENO DE DE MARINHA MARINHA

TERRENOS TERRENO ALODIAIS

ACRÉSCIDO DE MARINHA O Decreto-lei 4.120 de 1942, alterou a linha de demarcação inicial para linha preamar máxima e fixou o ano de 1942 como base de referência.

das pela linha premar máxima de 1942, o que acabou dificultando a localização e a extensão corretas do terreno de marinha.

Mas houve, de 1942 a 1946, um grande debate a respeito da constitucionalidade dessa alteração legislativa por meio de decreto. Isso culminou na arguição de inconstitucionalidade do Decreto 4.120, em razão da tomada de propriedade privada, uma vez que a linha preamar máxima seria superior, em relação ao seu limite, em comparação com a linha preamar média.

Objetivos do terreno de marinha

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do dispositivo e o Decreto-lei 9.760/1946 retomou a medição pela linha preamar média. Entretanto, a partir dessa decisão, houve uma convalidação de todas as demarcações ocorri-

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Verificamos que o terreno de marinha teve como objetivo inicial a segurança nacional que, posteriormente, passou a fins arrecadatórios. Hoje a União justifica que a existência desse instituto ainda é necessária à preservação ambiental. É um instituto antigo, polêmico e muito criticado por toda a doutrina e jurisprudência. É objeto de quatro propostas de Emenda Constitucional que visam à extinção do instituto de terreno de marinha

LPM


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

e seus acrescidos: PEC 39-A/2011, PEC 16/2015, PEC 27/2015, PEC 30/2015. Nem é uma receita significativa que justifique toda essa problemática. São Paulo é o Estado que gera maior arrecadação à SPU, seguido de Rio de Janeiro, Pernambuco e Santa Catarina. Tive a curiosidade de pesquisar o orçamento da SPU para entender por que a SPU gastar 620 milhões por ano. A finalidade não poderia ser somente arrecadatória. E de fato. Em 2016, a SPU teve uma dotação orçamentária em torno de 60 milhões de reais, quase 10% do que arrecada, mas somente 700 mil reais foram aplicados na fiscalização dos terrenos. Isso é o mesmo que dizer que não há fiscalização do que é ou deixa de ser terreno de marinha, ou o que está ou não demarcado no país.

Legislação vigente A Constituição Federal, em seu artigo 20, incs. IV e VII, dispõe: São bens da União: IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (redação da EC 46/2005). VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos; O Decreto-lei 9.760/1946, art. 2º, traz o conceito de terrenos de marinha e de seus acrescidos, como sendo aqueles medidos a 33 metros da posição da linha preamar média de 1.831. E o parágrafo único, quando haverá necessidade de medição.

Será considerado terreno de marinha, com necessidade de medição dos 33 metros, sempre que houver uma diferença de cinco centímetros da oscilação da maré, ou oscilação de lagos e rios. O art. 3º dispõe que são terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagos, em seguimento aos terrenos de marinha. Os aterros, muito comuns em cidades litorâneas, são classificados como acrescidos de marinha e pertencem à União Federal. Logo após o término da faixa do terreno de marinha ficam os terrenos alodiais. Os terrenos alodiais pertencem ao particular, que detém a propriedade plena sobre o bem. O § 3º, do artigo 49, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) dispõe que a

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A discussão tomou um volume tão grande que culminou com a alteração do Decreto-lei 2.398/1987, com a inclusão do artigo 6-A pela Lei 13.240, que dispensou taxa de ocupação, foro e laudêmio em terrenos de marinha e seus acrescidos, inscritos em regime de ocupação quando localizados em ilhas oceânicas ou costeiras que contenham sedes de município desde a data da publicação da Emenda Constitucional 46.

enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos situados na faixa de segurança. Ou seja, mesmo que haja remissão do foro ou alienação dos terrenos de marinha a um particular, nessa faixa de segurança não poderá haver outro instituto que não o da enfiteuse. Também é importante refletirmos sobre o inciso IV, art. 20, da Constituição, que foi alterado pela Emenda Constitucional n. 46, de 2005, que excluiu as sedes de município do rol de bens da União. Inúmeras são as ilhas oceânicas e costeiras sedes de municípios, entre elas estão três capitais: a Ilha de Santa Catarina, Ilha de Vitória e a Ilha de São Luís do Maranhão. Após a alteração do inciso IV, a titularidade dos bens localizados nas ilhas sedes de município passou a ser questionada. Afinal, quem são os titulares dessas áreas, os municípios, os estados ou a União Federal? Há ou não um terreno de marinha nessas ilhas sedes de município?

232

Portanto, após a EC 46 não houve mais cobrança de taxas de ocupação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, justamente por conta da dúvida relativa à titularidade dos bens localizados nessas ilhas. O STF se manifestou a esse respeito por meio de uma ação movida pelo Ministério Público do Espírito Santo e publicou, em 3/8/2017, o RE 636.199-ES, no sentido de que os incisos IV e VII (art. 20, CF) devem ser interpretados sistematicamente. Ou seja, um não exclui o outro. O acórdão do STF ainda menciona: antes da Emenda Constitucional nº 46/2005, todos os imóveis situados nas ilhas costeiras que não pertencessem, por outro título, a Estado, Município ou particular, eram propriedade da União. Promulgada a aludida emenda, deixa de constituir título hábil a ensejar o domínio da União o simples fato de que situada determinada área em ilha costeira, se nela estiver sediado Município, não mais se presumindo a propriedade da União sobre tais terras, que passa a depender da existência de outro título que a legitime.


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

Ocupação versus aforamento É importante diferenciar os institutos da ocupação e do aforamento, tendo em vista que a legislação da Reurb dará tratamento diferenciado a esse respeito. A ocupação está prevista no artigo 127 do Decreto-lei 9.760/19 46, enquanto o aforamento está previsto no artigo 99 do mesmo diploma. A ocupação é um direito precário e resolúvel a qualquer tempo. Ou seja, a União poderá retomar o imóvel a qualquer momento, sem que seja preciso pagar qualquer valor ao ocupante a título de indenização. No aforamento e na enfiteuse há um direito real, uma garantia maior. A ocupação é mera detenção, mas o aforamento gera um domínio útil ao enfiteuta. Quanto ao aspecto fiscal, até 2005, a taxa de ocupação variava entre 2% e 5%, dependendo de alguns requisitos da ocupação. Hoje é unificada em 2%. No foro é de 0,6%. Nesse sentido, o que é mais interessante para a União, manter o ocupante em regime de ocupação ou deferir o título de enfiteuse e passar de 2% a 0,6%?

Santa Catarina, por exemplo, orienta-se a averbação. Há estados em que o ato a ser praticado é o de registro, e há outros que não têm disposição nenhuma sobre o assunto. Portanto, o registrador de imóveis deve atentar ao que dispõe as normativas do seu estado sobre o tema, para verificar se a opção terá ou não entrada no fólio real.

A diferença de porcentagem é bastante criticada porque as solicitações para obtenção de ingresso por enfiteuse demoram mais de dez anos no Estado de Santa Catarina. Além disso, muitos alegam a finalidade arrecadatória das taxas diferenciadas, que seriam o motivo da grande demora no reconhecimento dos aforamentos.

Regularização fundiária em terrenos de marinha e seus acrescidos

No que diz respeito à transferência dos direitos, no aforamento há o registro da cessão de direitos na matrícula do imóvel. Na ocupação, os Estados da Federação dão diferentes tratamentos à questão. Em

Duas legislações tratam o tema de forma abrangente, a primeira é a Lei 11.481/2007 e a outra, mais recente, é a Lei 13.465/2017. O problema é que ambos os diplomas legais alteram diversas leis e decretos-leis, de forma que não há uma fonte única de consulta. É preciso consultar toda a legislação alterada por essas leis.

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Alterações trazidas pela Lei 11.481/2007 Lei nº 11.481/2007

Legislação alterada Tema

Arts. 1º e 2º

Lei 9.636/1998

• Competência da SPU para identificar, de marcar, cadastrar, registrar, fiscalizar e promover a regularização das ocupações.

• Ocupações até 27.04.2006

• Concessão de Direito Real de Uso para terrenos de marinha (art. 18, § 1º) sem licitação

• Dispensa de licitação (bens imóveis residenciais, Reurb-S, imóveis comerciais até 250 m²)

• Cessão gratuita para famílias carentes

• Preferência na venda

• Doação por ato do Poder Executivo

•  Concessão de Uso Especial para fins de moradia

Art. 3º

Lei 8.666/1993

• Dispensa de licitação

Arts. 5º e 6º

DL 9.760/1946

•  Demarcação: Prazo de 60 dias para interessados

• Demarcação de terrenos para regularização fundiária de interesse social

Art. 7º

DL 271

• Concessão de uso onerosa ou gratuita

Art. 9º

DL 2.398/1987

• Alteração de DOITU

Art. 12

Lei 6.015/1973

• Inclusão do art. 290-A, concedendo gratuidade:

•  Primeiro registro de direito real RF de interesse social

• Primeira averbação de construção até 70 m2 – RF de interesse social • Registro e averbação independem de comprovação de tributos

• Até 5 SM

• Programa de interesse social

Art. 13

---------------- Podem ser objeto de garantia real, aceito pelos agentes SFH:

• Concessão de uso especial para fins de moradia

• Concessão de direito de uso

• Direito de superfície

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

Alterações trazidas pela Lei 13.465/2017 Lei nº 13.465/2017

Legislação alterada Tema

Art. 77

MP 2.220/2001

• Concessão de uso especial para fins de moradia (arts. 1º e 2º)

• Concessão de autorização de uso (art. 9º)

Arts. 83 a 90

• Procedimentos de Avaliação e Alienação de Imóveis da União

-------------------

• Reurb-E – venda (Ocupação)

• Regulamentação pela SPU em 12 meses

• Pessoas físicas de baixa renda isentas– doação

• Reurb-S – concessão de direito real de uso

Art. 91

• Critérios de avaliação do terreno e da terra nua

DL 2.398/1987

• Repasse de 20% da arrecadação aos Municípios e ao DF

• DOITU (regulamentação até 31.12.2020)

Art. 92

• Alienação de imóveis funcionais

Lei 13.240/2015

• Portaria do Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação

• Proposta de Manifestação de Aquisição

Art. 93

• Autorização de uso sustentável

Lei 9.636/1998

• Critérios de avaliação do terreno e da terra nua

• Remição do foro

• Exceções das remições (Art. 16-A, § 6º, I e II)

• Portaria: Lista de áreas sujeitas à alienação

• Exceção aos terrenos de marinha alienados (Art. 16-C)

• Alienação de imóveis funcionais

Art. 95

DL 1.876/1981

• Critérios para inscrição no CadÚnico

Art. 96

DL 9.760/1946

• Identificação dos terrenos de marinha e seus acrescidos pela SPU até 31.12.2025

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Entre os requisitos do CadÚnico estão a renda familiar inferior a cinco salários mínimos e que o beneficiário não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Uma vez inscrito, o beneficiário terá direito a uma série de benefícios, incluindo isenção de taxas.

Concessão de uso especial para fins de moradia

A MP 2.220/2001 passou a contemplar o instituto da concessão de uso especial para fins de moradia. Anteriormente, os 5 anos de posse ininterrupta e sem oposição eram contados até 30.06.2001, prazo agora estendido para 22.12.2016.

A Medida Provisória 2.220/2001 passou a contemplar o instituto da concessão de uso especial para fins de moradia. Anteriormente, os cinco anos de posse ininterrupta e sem oposição eram contados até 30 de junho de 2.001. Agora esse prazo foi estendido para até 22 de dezembro de 2016. Todos os outros requisitos foram mantidos. São eles: imóvel com até 250 metros quadrados; imóvel público com características urbanas; e o beneficiário não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. No que diz respeito ao título apto a ingressar no Registro de Imóveis, dispõe o art. 6º que o título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. Ainda em relação à concessão de uso especial para fins de moradia, a Lei 9.636/1998 prevê que os terrenos de marinha e acrescidos podem ser objeto de concessão de uso especial para fins de moradia desde que preenchidos os requisitos da MP 2.220 citados acima.

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A maior novidade é que a concessão de uso especial para fins de moradia, a concessão de direito real de uso e o direito de superfície podem ser objeto de garantia real, assegurada sua aceitação pelos agentes financeiros no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, conforme dispõe o art. 13 da Lei 11.481/2007. Apesar disso, nos questionamos, em caso de hasta pública do bem, quais direitos serão adquiridos pelo arrematante?

Acredito que não poderá superar o limite daquilo que foi concedido. Se o beneficiário tinha a concessão de direito real para fins de moradia, será este o direito arrematado em hasta pública.

Alienação de imóveis em regime de ocupação O § 2º, do art. 15, da Lei 9.636/1998 prevê a possibilidade de alienação dos bens em regime de ocupação e garante o direito de preferência ao ocupante nas mesmas condições oferecidas no processo licitatório. No âmbito da Reurb, o ocupante tem não apenas o direito de preferência como também o direito de realizar a compra e venda direta, sem necessidade de licitação. Essa alienação está prevista no artigo 84 da Lei 13.465/2017 e é um avanço em relação ao que estava previsto na Lei 11.481/2007. No que diz respeito a Reurb de interesse específico há alguns requisitos que tornam a alienação possível:


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

1- Imóvel ocupado até 22 de dezembro de 2016;

requisitos:

2- Regularmente inscrito na SPU;

1- Pessoas físicas de baixa renda;

3- Taxa de ocupação em dia;

2- Renda familiar de até 5 salários mínimos;

4- Pode haver a aquisição de até dois imóveis, um residencial e um não residencial;

3- Não serem proprietários de outro imóvel urbano-rural;

5- Alienação fiduciária até a quitação integral (caráter resolúvel);

4-Utilização para fins de moradia até 22.12.2016.

6- Renda familiar entre 5 e 10 salários mínimos, podendo ser pago à vista ou em até 240 parcelas – sinal de 5%; 7- Renda familiar superior a 10 salários mínimos, podendo ser pago à vista ou em até 120 parcelas – sinal de 10%; 8- Regulamentação em até 12 meses pela SPU.

Critérios de avaliação 1- A avaliação para fins de alienação onerosa será realizada pela SPU ou pela Caixa Econômica Federal; 2- O preço mínimo será o valor de mercado; 3- Para o caso da Reurb-E são excluídas as benfeitorias realizadas pelo ocupante; 4- Remição do aforamento ou venda do domínio pleno, a avaliação pode ser feita por região, com base em pesquisa de mercado.

Transferência gratuita da propriedade Eu estava em dúvida se o termo correto a utilizar era doação ou transferência gratuita. Achei mais sábio manter a expressão da lei. O artigo 86 da Lei 13.465/2017 fala em transferência gratuita da propriedade e prevê os seguintes

5- As pessoas físicas devem ser isentas do pagamento de taxas de ocupação ou aforamento; 6- Haverá a expedição de CAT – Certidão de Autorização de Transferência (SPU); 7- Requerimento direto ao Registro de Imóveis do registro de transferência gratuita; 8- Isenção de emolumentos. 9 – Necessidade de regulamentação pela SPU.

Procedimento para concessão do direito real de uso gratuito ou do domínio pleno De acordo com o que prevê o artigo 86 da Lei 13.465/2017, basta o beneficiário solicitar à SPU a expedição da CAT Reurb-S, título hábil ao ingresso no Registro de Imóveis; após a qualificação positiva, o cartório registra a concessão de direito real de uso, ou a transferência de propriedade, e notifica a SPU em até 30 dias, informando o número da matrícula e o número do Registro Imobiliário Patrimonial – RIP. A lei também dá a direção de como proceder no caso de não haver matrícula aberta no Registro de Imóveis. O artigo 88 prevê o requerimento de abertura de matrícula da SPU. O registro vai analisar planta e memorial e o ato de discriminação administrativa, e, no prazo máximo de 30 dias, abrirá a matrícula ou emitirá nota de exigência. O engraçado é que na

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nota de exigência, com prazo de 30 dias, o registro de imóveis vai estabelecer um prazo para que a SPU supra as pendências existentes. Nós não sabemos o prazo que cada registrador determina, mas sabemos que esse prazo não será atendido. Temos, então, uma dúvida e uma certeza.

Autorização para transferências aos Estados, Municípios e DF A União pode optar por transferir os direitos diretamente aos entes federados – Estados, Municípios e Distrito Federal –, e deixar que estes promovam e impulsionem a Reurb. Em Joinville isso já acontece. A União cede ao município seus direitos e o município promove a regularização fundiária. Não há nenhum caso em que a União requereu para depois o município concluir o processo de regularização.

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A novidade trazida pela Lei 13.465/2017, incluída pela Lei 9.636/1998, é a autorização de uso sustentável. Trata-se de um ato administrativo excepcional, transitório, precário, de competência da SPU, que traz o reconhecimento de ocupação para populações tradicionais com o objetivo de iniciar um processo de regularização fundiária e o uso sustentável dos recursos naturais necessários à subsistência da comunidade. Eu imagino que deve se tratar de uma vila de pescadores ou uma comunidade de pescadores. Inicialmente, eles teriam o direito de ocupação reconhecido e, posteriormente, iniciariam o procedimento de regularização fundiária.

Exceções à alienação de terrenos de marinha A Lei 13.240/2015, art. 8º, § 1º dispõe que os terrenos de marinha e acrescidos alienados na for-


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NOS TERRENOS DE MARINHA

ma desta lei não incluirão as áreas de preservação permanente ou áreas em que seja vedado o parcelamento do solo.

Exceções à possibilidade de remição do foro Outra exceção são as faixas de fronteira e de segurança. A faixa de fronteira (150 quilômetros do limite territorial), e a faixa de segurança que, a partir da Lei 13.465/2017, passa a ser 30 metros a partir do final da praia. (art. 16-A, § 7º)

Procedimento de regularização fundiária de imóveis da União O município é quem realiza o processo de regularização. Art. 30. Compete aos Municípios nos quais estejam situados os núcleos urbanos informais a serem regularizados: I - classificar, caso a caso, as modalidades da Reurb; II - processar, analisar e aprovar os projetos de regularização fundiária; e III - emitir a CRF. § 1º Na Reurb requerida pela União ou pelos Estados, a classificação prevista no inciso I do caput deste artigo será de responsabilidade do ente federativo instaurador. A União pode ser a requerente, assim como os estados. Duas questões controvertidas:

1- A quem cumpre fiscalizar se o imóvel está inserido em área de marinha, embora nada conste na matrícula? Na nossa comarca são muito comuns os imóveis a beira-rio, rio com oscilação superior a cinco centímetros no ano, que são classificados como terrenos de marinha, mas a matrícula não traz nenhuma informação ou registro de enfiteuse, aforamento ou de que se trate de terreno de marinha. O registrador deve ou não tratar o terreno como da União quando ele não tem elementos suficientes que lhe possibilitem se certificar a esse respeito? Ele deve exigir a CAT, o recolhimento do laudêmio e verificar se os requisitos da Lei 13.465/2017 e Lei 11.481/2007 estão preenchidos? Cada Estado dará tratamento diferente a essa questão. Em Santa Catarina, a orientação desde 2008 é no sentido de que se a matrícula não trouxer informação expressa de que se trata de terreno da União, terreno de marinha, nós não podemos exigir CAT, laudêmio. Temos que tratar como bem particular e não como bem público.

Outra questão interessante é se a cessão da ocupação pode ser levada ao fólio real, e, em caso positivo, por meio de registro ou averbação? Há cerca de dois anos a Corregedoria Geral de Justiça consultou o IRIB a respeito da necessidade de as transferências de ocupação constarem da matrícula e se seriam objeto de registro ou de averbação. O IRIB se posicionou no sentido da importância de se prestigiar o princípio da concentração e o disposto no artigo 246 da Lei 6.015/1973, procedendo à publicidade dessa transferência. Entretanto, por não se tratar de um direito real, o ato deveria ser feito por meio de averbação.

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O papel do Conselho Nacional de Justiça na regularização fundiária Marcio Evangelista Juiz Auxiliar da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça

O palestrante falou sobre a gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da qual participaria até o encerramento, em agosto de 2018, e sobre a entrega de projetos como a minuta de provimento da usucapião, depois de ouvidas todas as partes envolvidas, incluindo o IRIB e a Anoreg. Lembrou a importância de haver um regulamento nacional sobre o tema para uniformizar os procedimentos em todo o país.

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36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS

O Poder Judiciário do século XXI Tanto o Conselho Nacional de Justiça quanto os notários e registadores estão envolvidos com o Poder Judiciário do século XXI. A partir da Constituição Federal de 1988 houve grande abertura no acesso à Justiça. Inúmeras legislações foram publicadas no intuito de que a população pudesse pleitear o seu direito ao Poder Judiciário. No entanto, as portas abertas pelo Poder Judiciário foram insuficientes. Juizado Especial Cível, Juizado Especial Criminal, Centros Judiciários de Resolução de Conflitos, tudo isso é insuficiente. Enganamo-nos quando pensamos que abrindo novas portas os conflitos se resolveriam. Muita gente não procurava o Poder Judiciário porque entendia ser um poder estranho à população. Somente a partir da Constituição de 1988, a população passou a confiar mais na Justiça. Temos hoje noventa milhões de processos em andamento no Brasil. Durante os cinco anos em que estive à frente da Vara de Violência Doméstica vi crescer o

número de processos estrondosamente. Nesse período, passamos de 60 processos/mês para 420/processos mês. Isso quer dizer que não existia violência doméstica antes? A violência sempre ocorreu, mas ficava debaixo do tapete. O que houve foi um aumento da confiança da população no Poder Judiciário. É isso que acontece hoje no Poder Judiciário: abrem-se portas e cada vez mais demandas surgem. A população quer segurança e quer pleitear os seus direitos. Por essa razão precisamos repensar o Poder Judiciário. O Poder Judiciário arcaico, pensado nos séculos XVIII, XIX e XX, não atende mais às demandas. É necessário que a Corregedoria Nacional de Justiça execute o seu papel maior, qual seja a execução de políticas públicas, o que somente se dará com a abertura de outras portas. As tradicionais portas abertas pelo Poder Judiciário não resolveram o problema. Temos que inovar. Precisamos pensar em medidas outras que atendam eficazmente à população, como medidas pré-processuais, negociação, aconselhação e mediação. E aí os serviços extrajudiciais fazem a diferença.

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Essas medidas pré-processuais, de negociação, aconselhamento e mediação representam uma nova porta, e uma nova porta que está em cada esquina. Temos um notário e um registrador em cada esquina do nosso grande país.

A Lei 13.465 é um exemplo de que temos de olhar para o futuro. Vivemos atualmente uma crise no que diz respeito ao direito à moradia no Brasil. E para romper com a crise nada melhor do que romper paradigmas e trazer novas soluções.

Nas viagens de inspeção que faço pelo Brasil pude verificar a existência de fóruns em muitos lugares, mas sem juiz. O país tem hoje um déficit de seis mil juízes. São seis mil localidades em que há juízes cumulando, ou não há juízes. Mas há um notário ou um registrador que vai poder mediar, aconselhar, ainda que não exista juiz naquela localidade.

Em um evento recente em Brasília, o Ministro João Otávio de Noronha falou sobre a nova visão que temos dos delegatários. Utilizando o termo “foram sacudidas as poeiras”, ele ressaltou a capacidade técnica e profissional dos delegados que após a Constituição de 1988 ingressam na atividade por meio de rigoroso concurso público. Essa é a linha mestra da gestão relativa aos serviços extrajudiciais. Os registradores e notários são assessores jurídicos das partes que orientam com base em princípios e regras do Direito. A população confia no serviço. Fiz, recentemente, uma pesquisa a respeito do estigma que ainda existe em relação aos notários e registradores no sentido de que são burocratas, de que há uma transferência de renda da população pobre para os ricos etc. Uma pesquisa no Google revela isso, infelizmente. Por treze anos fui juiz corregedor local no TJDF.

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Desde 2008, trabalho fazendo inspeções e há um ano estou no CNJ. Quem trabalha diariamente com essa atividade sabe o bom serviço que é realizado pelos cartórios. Sabemos das pessoas capacitadas que estão à frente das serventias, mas a população não.

Digo na presença de três presidentes que precisamos mudar essa visão da população sobre o serviço. É impressionante – para não dizer engraçado – verificar que o serviço é criticado ao mesmo tempo em que a primeira preocupação de quem adquire um imóvel é saber se a firma está reconhecida e se a escritura foi registrada.

É fundamental rompermos esses paradigmas. Precisamos elaborar um projeto com todas as entidades representativas dos serviços para promover a mudança da imagem que se faz dos notários e registradores que existem pelo Brasil. Tivemos muitas inovações legislativas nesse sentido. A Lei 13.465/2017 é um exemplo de que temos de olhar longe, para o futuro. Vivemos atualmente uma crise no que diz respeito ao direito à moradia no Brasil. E para romper com a crise nada melhor do que romper paradigmas e trazer novas soluções.

Soluções de sucesso que passam por notários e registradores Referi há pouco que existem fóruns sem juízes, mas nesses locais há um notário e um registrador. Essa foi a ideia do apostilamento. Em todo o Brasil


O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

estão sendo feitos os apostilamentos. Foi na capilaridade dos serviços extrajudiciais que o Ministério das Relações Exteriores pensou quando chamou o Poder Judiciário para delegar o apostilamento aos cartórios. - A alteração no Registo Civil foi uma das inovações em que se visou o rompimento de paradigmas. Antes, a alteração do nome da pessoa era impensável, hoje é uma realidade plena. - A união estável é também um exemplo de procedimento que foi muito facilitado e pode ser feito por qualquer meio pelos cartórios. - O protesto de dívida ativa é outra inovação. O presidente do IEPTB falava quanto foi recuperado para os cofres públicos em termos de protesto da dívida pública. Em 2013, enquanto juiz corregedor no Distrito Federal fiz a redação do provimento geral da Corregedoria, incluindo o protesto da dívida ativa. De lá para cá, já recuperamos muito. No entanto, há uma resistência muito grande por parte do Distrito Federal, que editou uma lei proibindo o protesto de dívida ativa. Por sorte o Ministério Público entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em que foi declarado um vício de iniciativa e hoje o protesto continua valendo. Portanto, essa é uma medida alternativa ao Poder Judiciário. Hoje existem cerca de 390 mil ações

de execução fiscal “em andamento” no Distrito Federal. Entre aspas porque somente duas juízas não conseguem julgar 390 mil casos. Com isso os processos acabam parados. Daí a importância do Protesto. Inventário, partilha, separação e divórcio foi outra medida inovadora. Em 10 anos foram praticados 1,5 milhão de atos nos tabelionatos, atos que antes eram distribuídos para as varas de família e afogavam o Poder Judiciário. Esses 1,5 milhão de atos representaram uma economia de 3,5 bilhões para os cofres públicos. Cada processo custa no mínimo R$ 2.500 por instância, levando-se em conta o gasto em tempo, papel, cargos e salários. - O apostilamento é outro exemplo bem-sucedido. Antes, a população arcava com um custo altíssimo e a legalização de documentos levava de seis a sete meses. Hoje, a legalização do documento é feita e entregue no mesmo dia pelos cartórios. Em um ano foram realizados 1,1 milhão de atos de apostilamento. Essas são soluções de sucesso implantadas nos serviços de Notas e no Registro Civil. E o Registro de Imóveis, o que pode fazer? A usucapião extrajudicial é permitida há algum tempo. Por que ainda não há difusão desse instituto

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O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

como houve com o apostilamento e com o inventário, a partilha e divórcio? O estudo inicial elaborado pela ministra Nancy Andrighi, então Corregedora Nacional de Justiça, colocou a questão em audiência pública e recebeu inúmeras sugestões e críticas. Mais de 700 e-mails e documentos enviados à Corregedoria Nacional de Justiça, incluindo sugestões dos Tribunais de Justiça e associações de classe, foram compilados e resultou na minuta que hoje está nas mãos dos senhores. Essa minuta foi remetida ao IRIB para as últimas sugestões. Com essa minuta relativa à usucapião extrajudicial, a Corregedoria Nacional de Justiça espera lograr mais um exemplo de sucesso, agora no RI. O registrador imobiliário precisa também pensar no incremento do registro eletrônico. Já contamos com as diretrizes gerais (Provimento 47), agora o que precisamos é avançar para possibilitar a regularização fundiária. Segundo dados divulgados pelo jornal espanhol El País (06/2017) há 11 milhões de propriedades sem títulos nas comunidades do Brasil; 50% dos imóveis na informalidade; e 30 milhões de imóveis passíveis de regularização fundiária.

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Tudo isso demonstra que o Brasil está realmente ferindo a sua Constituição, na medida em que não consegue garantir o direito fundamental à moradia e nem a função da propriedade.

Reação estatal Nos últimos seis meses o Brasil foi objeto de pesquisa realizada por uma entidade não governamental internacional que vai avaliar se o Brasil está de fato inserido no mundo digital. Para isso, o CNJ e vários órgãos do governo foram entrevistados. Infelizmente, a nossa nota será péssima porque o papel e o carimbo ainda estão muito presentes no pensamento da população em geral.

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Para reverter esse quadro o governo reagiu por meio da edição de legislações, como a lei da regularização fundiária urbana, que visam à desburocratização dos processos e ao acesso à moradia como segurança jurídica. O Reurb, por exemplo, veio garantir a segurança jurídica do uso do solo a quem de fato o ocupa, adequando-o urbanisticamente. A ideia é muito bonita, mas são problemas que devem ser enfrentados com medidas jurídicas que observem rigorosamente os fatores urbanísticos, ambientais e sociais. Mais uma vez rompendo paradigmas, a Lei 13.465/2017 trouxe inúmeras inovações conceitu-


O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

ais ao dispor sobre o assentamento informal e o núcleo urbano informal que são, na verdade, coisas que já conhecíamos, mas que agora têm sua aplicação disciplinada em um texto de lei.

ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico

Como será feito o ONR? Eu disse aos presidentes do IRIB e da Anoreg: ‘Vamos fazer da melhor forma possível’. O que não podemos é combater, falar que não vai sair, que é inconstitucional, enquanto o STF nada disse a respeito.

A lei trouxe também o Operador Nacional do Registro de Imóveis Eletrônico. Ocorreu com o ONR o mesmo que houve com o CNJ. Quando da criação do Conselho Nacional de Justiça, os tribunais estaduais ficaram até o último minuto lutando contra a ideia. Hoje, a menor representatividade no CNJ é dos tribunais estaduais. No que diz respeito ao ONR, entendo que ao invés de tentarmos combater a iniciativa, que já é vigente no país porque está prevista em lei, devemos trabalhar com o que temos para que o ONR possa ser uma ferramenta que possibilite a implementação de todos os direitos previstos na Lei 13.465/2017. Enquanto o STF não disser que o ONR é inconstitucional vamos trabalhar com o que temos. O Conselho Nacional de Justiça é um órgão de administração e a Constituição diz que a Corregedoria Nacional é o braço executivo. Ora, se assim é, então temos que executar, a lei está aí. Como será feito o ONR? Eu disse aos presidentes do IRIB e da Anoreg: “Vamos fazer da melhor forma possível”. O que não podemos é combater, falar que não vai sair, falar que é inconstitucional, enquanto o STF nada disse a respeito.

A ideia central é que o Conselho Nacional de Justiça vai continuar com a sua função normativa, de controle e fiscalização das atividades. Muito se falou a respeito da intenção de se transmitir ao ONR o direito do registrador concedido pela Lei 8.935/1994, que o registrador perderia suas matrículas, o repositório de dados. Nada disso.

Hoje, não há como pensarmos em base de dados escondida. Não há razão para que haja uma base de dados inacessível, não compartilhada. O blockchain é imprescindível para redução das incertezas. Maior será a segurança quanto mais informações forem cruzadas. A ideia do ONR é ser uma base de dados. Se as centrais estaduais vão trabalhar junto com o ONR, ou se o ONR será uma via de mão única, somente um estudo vai dizer. Mas a ideia é que o ONR seja um repositório de dados que estabelecerá as normas técnicas de interoperabilidade, de software e linguagem. O direito de registrar continuará sendo do registrador. O responsável pela qualificação dos títulos continuará sendo o registrador. Portanto, temos que repensar a estratégia de combate utilizada contra uma lei que está vigente.

FNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social Todas as ferramentas de regularização atualmente existentes são onerosas. O ministro Marco Aurélio sempre diz: “não existe caridade com o chapéu alheio, alguém sempre vai pagar a conta”. Nesse aspecto, a lei criou o FNHIS – Fundo Na-

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cional de Habitação de Interesse Social, que será o responsável pelo pagamento dessa conta. E os registradores receberão com base nesse fundo. A ideia é que um dia todos os imóveis do Brasil possam estar regularizados e registrados.

CNM – Código Nacional de Matrícula Isso já é um primeiro passo rumo à implantação do registro eletrônico em todo o Brasil. O Código Nacional de Matrícula foi idealizado a partir de um estudo realizado em 2010 e que contou com participação do IRIB e do CNJ. O CNM é uma realidade prevista em lei e que também precisa ser implementada. Não acredito que encontraremos tantos problemas.

Amplo leque de atuação do registrador imobiliário O registrador imobiliário terá seu leque de atuação bastante ampliado. O Distrito Federal foi um dos primeiros a publicar a minuta sobre a usucapião, mas, volto a dizer, desconheço usucapião extrajudicial feita no DF. Conversei com alguns notários, entre eles a doutora Jussara do Colégio Notarial, que disse ter lavrado uma única ata que recebeu vinte exigências. Isso mostra que a usucapião extrajudicial ainda não é uma realidade. A regularização fundiária também é um novo front que os registradores terão que abrir: a regularização fundiária urbana, a regularização fundiária na Amazônia Legal sobre terras indígenas. Os registradores também vão abrir novas portas com a conciliação e mediação nas próprias serventias. Os serviços desempenhados pelos cartó-

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rios serão fiscalizados pelo CNJ, seja em termos de capacitação, estatística ou satisfação do serviço. As corregedorias locais terão que avaliar o serviço de conciliação e mediação realizado pelos cartórios. Essa nova porta aberta ao registrador é de suma importância porque vai esvaziar sobremaneira as demandas atualmente existentes no Poder Judiciário. Mas o grande desafio – que venho enfrentando nas inspeções que realizo – é a tecnologia. O ONR e o SREI não serão efetivamente implementados sem que antes se faça investimentos em segurança e tecnologia. É preciso que haja uma governança de TI. O ONR vem para tratar as questões de forma equânime e uniforme em todo o Brasil. A ideia é priorizar a integração nacional e o atendimento eletrônico. Ainda não se trata de dados oficiais, mas há inúmeros e-mails da população insatisfeita com o atendimento eletrônico. A grande reclamação é a disparidade de valores entre as centrais estaduais. É interessante que as centrais estaduais se reúnam. É inaceitável que o mesmo serviço seja R$ 10 no balcão e R$ 20 na central eletrônica. Ora, como é possível o atendimento eletrônico custar mais caro que o serviço no balcão, se não há gastos com papel, com tinta de impressora e nem com funcionário? As centrais estaduais precisam se reunir e repensar o critério de cobrança do serviço eletrônico. Além disso, os registradores e as associações precisam investir no parque tecnológico. Há que se fazer investimento nas redes de comunicação, no treinamento e na capacitação dos funcionários. Ainda este ano eu chamarei todos os juízes corregedores do serviço extrajudicial e desembargadores corregedores para uma reunião a ser realizada com o corregedor nacional no Distrito Federal, para a implementação de uma meta nacional. Salvo engano será a primeira meta nacional relativa a cartórios, qual seja,


O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

investimento em tecnologia.

É preciso que haja uma governança de TI. O ONR vem para tratar as questões de forma equânime e uniforme em todo o Brasil. A ideia é priorizar a integração nacional e o atendimento eletrônico.

Não adianta pensarmos em evolução se não investirmos nisso. E mais. O Operador Nacional e o SREI somente vão ter eficiência, segurança e captação de segurança da população, quando estiverem amarrados de ponta a ponta. A certidão tem quer ser realmente verídica. Não dá para aceitar uma certidão D+5, D+10, porque o backup é feito de quinze em quinze dias. Se está no sistema eletrônico defasada há quinze dias, então a certidão não vale nada. A certidão tem que ter prazo máximo D+1. Eu sou contra porque acho que tem que ser zero. Portanto, realmente há um grande problema nisso. Recentemente fomos acordados com o terceiro ataque internacional de hackers. Pensemos. Se esses hackers conseguem invadir um aeroporto, conseguem invadir um sistema como é a Adobe Flash Player e mudar o sistema e colocar um push para todos dizendo “vocês precisam atualizar o seu Adobe”, imaginem o que podem fazer com os cartórios. Precisamos investir nessa segurança. O mundo está aí, é eletrônico, temos que sair do papel.

O estudo que fiz será apresentado aos corregedores e só depois apresentaremos às associações, tratará de regras mínimas que deverão ser observadas nos cartórios. São regras mínimas de software, de hardware de segurança e de tecnologia. Além disso, os cartórios também terão que investir em segurança predial. Agora, nas inspeções, estamos levando engenheiros eletrônicos, engenheiros civis e de segurança predial. Eu entrei num cartório sem rota de fuga. Eu não conseguia sair, era um verdadeiro labirinto. E não estou falando de uma serventia do interior, mas da capital, com um rendimento que poucos cartórios

hoje têm. Ora, como é possível o titular não investir na segurança do cartório?

O estudo que fizemos contempla todas as realidades, fizemos uma precificação para que aquele registrador civil do interior do país tenha condições de arcar com o investimento. Ainda assim, esse investimento será oneroso. Por isso, pedi às associações que invistam altruisticamente nos registradores e notários deficitários. Não adianta o sistema ser perfeito nas capitais e deficitário e frágil no interior.

Esse é o grande desafio do Registro de Imóveis. O Registro de Imóveis tem que ser eletrônico, mas seguro. Vislumbramos para um futuro próximo delegar mais atividades para desafogar o Poder Judiciário. Eu estive com o Advogado Geral da União numa tentativa de levar os processos da União para mediação e conciliação com os cartórios. A proposta foi bem aceita. Precisamos de serviços extrajudiciais eficientes, não onerosos e céleres. No Distrito Federal, a grande discussão envolvendo os emolumentos era a real necessidade de correção da tabela, que é de 1961. De lá para cá, só o que fizemos foi atualizar a tabela. Portanto, decidimos fazer uma nova tabela. Mas a discussão sempre esteve em torno dos valores. E uma coisa que pondero a todos é que o serviço caro impedirá a população de utilizar. Um grande problema do registro imobiliário é esse. A pessoa faz a escritura pública ou particular e guarda na gaveta, não registra porque é oneroso. Precisamos de uma tabela mais flexível; que não onere a parte e nem torne deficitária a serventia.

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Regularização fundiária em áreas ambientalmente sensíveis Marcelo Martins Berthe Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Em reiteradas oportunidades identificamos quais eram exatamente os gargalos que travavam o processo de regularização fundiária cuja agilidade era essencial para trazer para a formalidade milhões de famílias, milhões de brasileiros, praticamente a metade da população brasileira. Não estamos falando de uma coisa qualquer. É um problema que atinge metade da população do Brasil.

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36º ENCONTRO REGIONAL DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS

O

s registros fazem parte da minha vida. Por uma questão ou outra, coisas do destino talvez, venho participando de inúmeras modificações e fases da atividade notarial e registral. O meu trabalho junto aos registros teve início na Vara de Registros Públicos, passou por corregedorias locais, como a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, e agora continua na Corregedoria Nacional de Justiça, que me levou ao grupo de trabalho que resultou na Lei 13.465/2017. Estou aqui para falar um pouco sobre a lei e a regularização fundiária em áreas ambientalmente sensíveis. Atualmente sou desembargador com assento na 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo. No trabalho da elaboração e do pensamento central da lei foi preciso me ater ao sentimento haurido, ao longo de todos esses anos, relativo à preocupação com o direito à moradia e a regularização de milhões de unidades que se encontram na informalidade no Brasil. Trabalhando no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na coordenação do Fórum de Assuntos Fundiários, viajei o país inteiro fa-

zendo inspeções e participei de eventos em que o tema da regularização fundiária foi muito discutido.

Solução para os entraves do processo de regularização O que norteou a formação do grupo de trabalho foi, primeiramente, identificar os pontos nevrálgicos a partir dos quais haveríamos de encontrar solução para os entraves do processo de regularização. Os problemas eram muitos, até mesmo tributários. De nada adiantava autorizar a regularização do imóvel, se o adquirente não tinha condições financeiras para levar o título a registro e arcar com o ITBI. E a União não poderia legislar sobre a isenção de impostos, matéria de competência dos municípios. Vários pontos complexos nos levaram a pensar no Instituto da Legitimação Fundiária, nome que nasceu no grupo de trabalho com a intenção de ser um novo título de aquisição do domínio, uma forma de aquisição originária que evitaria uma série de entraves antes corriqueiros. Era o caso, por exemplo, das áreas públicas e particulares. Como estremar umas das outras, se a ocupação se dá

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O município, independentemente do estabelecimento de convênio com outros órgãos, e dispondo de profissionais, poderá processar, aprovar e gerar o título aquisitivo da regularização fundiária.

indistintamente sobre ambas? Como regularizar uma ocupação ou um loteamento irregular, se no local projetado para a praça está, na verdade, a rua ou mesmo os lotes? Tudo isso levaria à necessidade de retificações de registro e inúmeras outras providências que retardariam ou impossibilitariam a regularização. Por isso entendemos que o melhor seria abrir a matrícula-mãe da área maior, de forma originária, e dali fazer nascer as matrículas de cada uma das unidades identificadas e descritas como de fato estão no solo. Outro entrave era a questão ambiental que se traduz no licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental era e poderia continuar sendo um entrave seríssimo à regularização fundiária.

Peço licença para abrir um parêntese e fazer uma reflexão que permita compreender o raciocínio que nos levou à solução encontrada. Partimos do pressuposto incontestável de que estamos tratando da regularização fundiária de núcleos consolidados, de áreas efetivamente ocupadas que, uma vez submetidas a processo convencional, dificilmente obteriam a licença ambiental. Cito o exemplo de um caso julgado na Câmara Ambiental, um córrego urbano canalizado por cima do qual passava uma via pública e cuja margem era tomada por prédios construídos há mais de décadas. O Ministério Público, que propôs a ação, entendia que o córrego não deveria ter sido canalizado porque as margens onde foram construídos os prédios e a avenida feriam a área de preservação permanente, e solicitou a demolição de todos os prédios e da via pública de modo que o córrego voltasse a ficar a céu aberto, bem como a re-

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composição de toda a vegetação local tal como era na época do descobrimento do Brasil. As ações foram julgadas improcedentes porque, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, embora houvesse lei favorável ao entendimento do MP, naquele caso concreto eram totalmente inviáveis.

O administrador público está adstrito à legalidade. Ao lhe ser solicitado o licenciamento ambiental daquela área, o seu entendimento será de que ali é uma Área de Preservação Permanente – APP, que foi violada e que, portanto, não poderá ser licenciada tal como está. A solução para tudo isso seria outra vez a quebra de um paradigma. Não se trata de mitigar a importância do direito ambiental, isso soaria até estranho uma vez que sou membro da 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente. Mas isso também não quer dizer que eu esteja lá a proteger de olhos fechados o meio ambiente sem perceber o que ocorre à minha volta. O nosso propósito foi resolver o problema do licenciamento ambiental abrindo aos órgãos ambientais uma nova oportunidade de atuação à luz da legislação. Embora não tenha sido utilizado o termo na lei, o que não impede a doutrina de desenvolvê-lo mais tarde, pensamos na criação de um licenciamento por declaração, um processo inverso em que o interessado declara ao órgão responsável a sua pretensão de regularizar. Por sua vez, o órgão responsável continuará exercendo seu poder legal de fiscalização, oposição e interferência. Essa iniciativa é interessante porque o órgão ambiental, ainda que tenha condições de aprovar técnicas, às vezes não consegue dar vazão à quantidade de pedidos de licença em tempo oportuno.


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS AMBIENTALMENTE SENSÍVEIS

A ideia, então, é pensar em um título de aquisição de área já consolidada. Afinal, não se pode falar em adquirir por regularização fundiária um imóvel que será objetivo de futura ocupação ou de futuro loteamento clandestino ou irregular. Estamos falando em regularizar o passado que se estruturou muitas vezes por concurso do próprio poder público que, lamentavelmente, não tomou as medidas necessárias de fiscalização e que também não faria o licenciamento em tempo oportuno. Portanto, o poder público teria que superar dois problemas: a falta de condições materiais para expedir licenças em tempo oportuno e os entraves legais que se imporiam à situação concreta. Por conta disso é que criamos o licenciamento por declaração. A pessoa apresenta o projeto de regularização ao município, que tem a competência para processar a regularização fundiária. O agente promotor deve apresentar, dentre vários outros itens, um projeto que aponte os problemas ambientais eventualmente existentes. Esse projeto precisa estar acompanhado de um laudo fornecido por engenheiro (ART) que atestará não haver nada a ser feito, o que não quer dizer que órgãos responsáveis pela fiscali-

zação não possam contrariar o que está disposto no laudo. O importante é que o processo caminhe independentemente de outras manifestações. É óbvio que em se tratando de áreas absolutamente consolidadas não há mais nada a fazer em matéria ambiental. O licenciamento ambiental é uma medida necessária somente nos casos em que há intervenção em uma área ambientalmente protegida não afetada pela ocupação. O município, independentemente do estabelecimento de convênio com outros órgãos, e dispondo de profissionais, poderá processar, aprovar e gerar o título aquisitivo da regularização fundiária.

Superar entraves sem deixar de lado a preocupação com o meio ambiente É claro que existem diferentes áreas de proteção ambiental. A lei que trata das áreas de conservação institui dois tipos de áreas: área de conservação de uso sustentável cuja regularização fundiária já era permitida com base no Código Florestal; e área de conservação de proteção integral, em que a regularização fundiária nunca foi permitida.

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As áreas de conservação integral, como parques nacionais, áreas de especial interesse para a vida silvestre, são áreas legalmente instituídas sem nenhuma possibilidade de regularização. As áreas de preservação permanente poderão ser regularizadas, nos limites e na forma da lei. Aquele

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que apresentar o seu laudo com anotação de responsabilidade técnica deverá observar as regras dos artigos 64 e 65 do Código Florestal, com as redações da Lei 13.465/2017, estabelecendo a forma como a regularização se dará nos casos de Reurb-S e da Reurb-E. Havendo oposição, a solução ocorrerá na via judicial,


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS AMBIENTALMENTE SENSÍVEIS

ou, respeitadas as limitações que a matéria de direito ambiental impõe, por meio das câmaras de conciliação. A intenção é superar os entraves sem deixar de lado a preocupação com o meio ambiente. Uma coisa é permitir a construção em áreas de preservação permanente sem licença ambiental, outra é regularizar uma construção consolidada há trinta anos em uma área onde já não há mais nada a ser protegido, conforme atestado pelo responsável técnico. É claro que o técnico nem sempre atestará desse modo. Ele poderá, por exemplo, informar no laudo as medidas que devem ser adotadas para a manutenção do meio ambiente. A questão ambiental é um ponto bastante sensível da lei por conta dos seus direitos intergeracionais. A questão ambiental abrange o direito das futuras gerações, então é um direito muito importante. Há outros direitos tão importantes quanto o direito ambiental, como é o direito à dignidade da pessoa humana. Não se pode pensar no direito ambiental de forma biocentrista, excluindo o homem. O homem integra todos os meios da natureza, ele é parte da natureza. Não podemos pensar na proteção da flora e da fauna e deixar o homem sem moradia. O direito ambiental tem seus limites. Portanto, reafirmo, o direito ambiental é sim um dos direitos mais relevantes. Quem cuida de assuntos jurídicos tem que fazer um esforço enorme para se despir de ideologias. A ideologia aci-

ma das normas jurídicas acaba distorcendo a aplicação do direito. Se assim fosse, pensaríamos tudo com os olhos do meio ambiente e nada seria possível. É preciso interpretar o direito como uma malha jurídica que se equilibra e não pode falhar, do contrário, encontraremos sempre soluções injustas.

Um grande avanço em áreas cruciais para a regularização fundiária A nova lei certamente tem defeitos. No processo legislativo há leis que podemos dizer satisfatórias, outras que precisam ser aprimoradas, mas o fato é que houve um grande avanço em todas as áreas cruciais para a regularização fundiária. Tive a oportunidade de ver uma matrícula de Reurb-S, com 208 unidades matriculadas de um bairro no município de Andradina, que aguardava há 40 anos por uma solução. Os novos instrumentos facilitaram a vida daquelas pessoas e assim será daqui para frente. Essa é a ideia que norteou todo o trabalho. Em cada ponto pensamos numa solução minimamente aceitável. Temos tendência ao comodismo. A criação de formas diferentes de aquisição da propriedade pública ou privada, a criação de outros direitos como, por exemplo, o direito de laje, e outras entidades, como o ONR, causa certo receio no início. O que se busca é a efetividade. No caso da regularização, que as pessoas possam ter seu bem regularizado, e no caso do ONR, que a instituição registral possa dar a resposta necessária a essas questões sem perder os princípios sólidos do registro imobiliário brasileiro, um dos melhores do mundo. O ONR fortalece e muito a instituição e é fundamental que a entidade se estruture para suprir as necessidades do registro sob pena de que outros – porque a economia assim vai exigir – se organizem em seu lugar.

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próxima edição O Boletim do IRIB em revista nº 360 vai trazer a íntegra das palestras proferidas no XLIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, realizado no Hotel Four Points by Sheraton, em Curitiba (PR), de 30 de maio a 3 de junho de 2017. Cada painel foi desenvolvido por vários especialistas que focalizaram os diferentes aspectos e especificidades dos temas.

PERSPECTIVAS E DESAFIOS DO REGISTRO ELETRÔNICO. ONR Marcelo Martins Berthe Antônio Carlos Alves Braga Júnior Flauzilino Araújo dos Santos Luís Paulo Aliende Ribeiro CONDOMÍNIO EDILÍCIO Jéverson Luís Bottega Renato Martins Silva Marc Stalder Roberto Lúcio Pereira NEGÓCIOS FIDUCIÁRIOS Mauro Antônio Rocha José Antônio Cetraro Maria do Carmo de Rezende Campos Couto PROCEDIMENTO DE INTIMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA Paola de Castro Ribeiro Macedo José Luiz Germano Flaviano Galhardo CONSTRIÇÕES JUDICIAIS: INEFICÁCIA, NULIDADE E ANULABILIDADE DE ATOS EM FACE DA LEI 13.097/2015 Daniel Lago Rodrigues

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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA – REFLEXÕES SOBRE AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS Sílvio Eduardo Marques Figueiredo Rodrigo Numeriano Dantas Renato Góes Gustavo Faria Pereira João Pedro Lamana Paiva USUCAPIÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho Paulo Roberto Gaiger Ferreira Francisco José Barbosa Nobre José Carlos de Freitas IMÓVEIS RURAIS Christian Beurlen Alda Lúcia Soares Paes de Souza Ivan Jacopetti do Lago Bruno Berti Filho APOSTILAMENTO DE HAIA Márcio Evangelista Ferreira da Silva


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