DE Barbacena a Buenos Aires

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Marina Maria Lafayette de Andrada Ibrahim





Marina Maria Lafayette de Andrada Ibrahim

Belo Horizonte, 2020


© 2020 - Marina Maria Lafayette de Andrada Ibrahim

Este livro foi editado em comemoração dos 100 anos da autora.

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da autora.

Consultoria editorial e revisão: P. S. Lozar Projeto gráfico e diagramação: Sérgio Luz

Agradecimento especial a P. S. Lozar pelo cuidado na edição.


Aos “perritos porteños” Jaqueline, Bob, Fifi, Totó e aos brasileiros Jacky, Penélope (Primeira), Penélope (Segunda) e Penélope (Terceira), sinceros agradecimentos por me terem dado muita alegria. Claro que a maior gratidão é para com Deus, nosso Pai e Senhor, que os fez amorosos, inteligentes e muito lindinhos. Onde quer que vocês se encontrem, envio beijinhos saudosos.



Recordações dedicadas à memória do querido irmão Fafá (engenheiro Lafayette Francisco Bonifácio de Andrada, meu padrinho de batismo), por ter sido o primeiro a vislumbrar em mim uma possível escritora. — Caso a preguiça não tomar conta de você — dizia ele, sorrindo. Tal sucedeu no palacete de nossos pais na rua Voluntários da Pátria, 371, Botafogo, Rio de Janeiro. Naquela noite, 12 de maio de 1942, após o jantar, debruçada na mesa, escrevendo, veio-me a ideia de ser escritora... Hoje senti vontade de continuar com as minhas histórias; lembranças de tempos passados. O embaixador Amaral Gurgel, em seu livro Casos Idos e Vividos, descreve exatamente o que sinto: A velhice, ao menos para mim, tem o sabor de ser a juventude dos melhores pensamentos, pois, na calma dos dias sem ocupações obrigatórias, eles surgem, espontâneos e frescos, como regados pelo orvalho da saudade, águas descidas dos céus, não contaminadas pelas impurezas da Terra. E sente-se a gente feliz nesse recompor do passado, coisa assim parecida como uma arrumação da própria vida vivida.



1ª PARTE

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tudo aconteceu na chácara ou aprazível Vila de Nossa Senhora do Carmo, em Barbacena, na rua Padre Manoel Rodrigues da Costa, onde nasci.

O Sericicultor, jornal muito conceituado da terra, deu a seguinte

nota:

Ocorreu nesta cidade, em data de 15 do corrente, o nascimento de Marina, galante filhinha do Sr. Deputado José Bonifácio e sua Exma. consorte Sra. D. Corina Lafayette de Andrada. Ao distinto casal enviamos parabéns com sinceros votos pela felicidade perene da recém-nascida. (18 de abril de 1920, domingo).

O chalé onde vi por primeira vez a luz do dia fica no centro de um jardim sombreado por tuias, pinheiros-da-austrália, ciprestes, eucaliptos, coqueiros e outras árvores frondosas. Pelas grades de madeira da varanda subiam trepadeiras de jasmins e epomeias, intercaladas por gaiolas verdes com canarinhos belgas que cantavam alegremente. As gaiolinhas ainda existem, assim como as trepadeiras e as árvores copadas. Todos se espantavam por eu ser um “pé de vento”, estando mamãe, na ocasião do meu nascimento, com 42 anos e papai com 51 e eu ter, como referi, nascido em sítio acomodado, calmo! Como pude ser tão irrequieta, perguntavam uns aos outros.

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Nasci no quarto principal, que dava para a sala de visitas e que era o de meus pais. O aposento é grande, com duas janelonas. Pela da frente avistam-se alguns coqueiros, ciprestes e flores. Também a rua Padre Manoel Rodrigues da Costa é visível. Não havia muro, somente uma cerca viva separando a propriedade da rua de terra, que levantava poeira à passagem de um ou outro veículo. O inconfidente que deu nome à rua, amigo de Tiradentes, era primo de meu avô, conselheiro do império Lafayette Rodrigues Pereira, pai de mamãe. A propriedade fica situada no bairro do Sapé, e a rua é conhecida também pelo nome de Pau de Barbas. Assim se refere a ela o célebre poeta satírico barbacenense do século XIX, padre José Joaquim Correia de Almeida: Uma rua na alegre Barbacena Chama-se “Pau de Barbas”. E a origem deste nome É secular, gigante, excelso tronco De uma árvore crinita Que tem pendente a barba veneranda, Qual ancião maduro Curvado ao peso dos anos que passam. Resiste ao tempo Tão firme e quedo Como se fora duro rochedo.

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Sempre fui animada, gosto de saber e dar notícias. Em 1942, em abril, escrevi o seguinte para apresentar a Miss Kant, minha professora. Fazenda do Belém, 10 de abril de 1942. Chapter One: I have resolved today to distract myself by writing my memories. To begin with, I was born in the month of flowers in the 15th of April on a very beautiful night, in the small, poetic, historic and “most noble and loyal city” of Barbacena, situated in the state of Minas Gerais, one of the richest provinces of Brazil, South America. The house in which I first saw the light of the day was calledVilla de Nossa Senhora do Carmo. In the older times it was a hostelry and I heard say that my dearest grandfather Lafayette slept there one or two nights on his way to hisfarm “Dos Macacos”. (This Life of my one, Marina Maria, 1942).

Isto foi escrito na nossa fazenda do Belém. Era uma grande casa, com varanda do lado e trepadeira de jasmim; tal e qual a da nossa chácara ou Vila Nossa Senhora do Carmo, no Sapé, onde nasci, era agradável. Lugar pitoresco, tranquilo, com campos de pastagem, bosque de eucaliptos, pomar, jardim povoado por patos, marrecos, gansos, mutuns, preguiça, seriema, papagaio, arara, vaquinhas — duas: Memória e Roleta, cavalos Soberano e Marchador, muitos passarinhos, cachorros e gatos etc. Mas voltemos ao meu nascimento. Mamãe foi assistida pelo dr. Joaquim Dutra, médico, ex-prefeito de Barbacena. Grande amigo da família, todavia não prestou os cuidados que mamãe recebera em partos anteriores. Ficou todo o tempo na sala DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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falando com papai de assuntos políticos. Portanto, mamãe conta que foi de fato atendida pela Guilhermina. Quando o doutor entrou no aposento, relata ainda mamãe, a menina já havia tomado banho e estava vestidinha (eu). Não deu trabalho para aparecer neste mundo de Deus. No dia seguinte diversos parentes foram à chácara (ou vila, como queiram) conhecer a menina de olhos e cabelos pretos e tez muito clara. Ela era, graças a Deus, forte, esperta e nasceu de olhos abertos. Vovó Adelaide relatava à mamãe que o Solar dos Andradas (tradicional residência da família em Barbacena) recebeu telefonemas querendo notícias, e Antonietinha, filha do meu tio Antônio Carlos (Tonico), irmão mais velho de papai, recebia as visitas. Papai era deputado, nascido no Solar em 1873. Ótima pessoa, político dos melhores. Foi governador de Minas, senador e vice-presidente da Rapública. Para a esquerda, perto da matinha de eucaliptos da nossa chácara, ficava o estábulo com duas vaquinhas leiteiras, Memória e a filha Roleta, da raça jérsei. O leite que se tomava vinha das duas, nascidas na fazenda do Belém. A cocheira era habitada pelo Soberano, lindo manga-larga de meu irmão Filhinho, pelo Pampa de papai e pelo Relâmpago, que pertencia ao Fafá, todos nascidos na mesma fazenda do Belém, que era de propriedade de papai. Na cocheira, do tipo choça, era guardado o trole (veículo que anda nos trilhos de estada de ferro) que levava a família à missa de domingo na matriz da cidade, dedicada a Nossa Senhora da Piedade (obra de Mestre Alpoim, 1748). A charrete, também guardada ali, era toda pintada de verde, me lembro bem. Quando chegavam do Rio de Janeiro, meus primos Wandinha e Luizinho Lafayette Stockler iam brincar de subir e descer da 12

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charre fazíamos muitas artes, para desespero dos criados, cuja padroeira era Nossa Sra. da Piedade. Oh, festa! Brincávamos também de correr pela chácara, igualmente conhecida por “A propriedade do Dr. José Bonifácio”, no Pau de Barbas. O que conta a família daquela data de 15 de abril, quinta-feira, é o seguinte: Até a estação estava risonha, pois o mês era abril. A luz da lua iluminava o jardim; dar espaçoas florezinhas nos canteiros, debaixo do arvoredo, a claridade do luar prateava as tuias, eucaliptos, coqueiros, ciprestes e os fícus que já se iam tornando adultos. O perfume do jasmim, da dama-da-noite, do manacá invadia a varanda e as salas. (Depoimento do meu primo Lafayette Pereira).

Fui logo de saída mudando os hábitos da casa: — Ninguém jantou. Ninguém se lembrou sequer de comer. Todos ansiavam pela chegada do “baby”— disse-me mais tarde mamãe batendo com a mão no meu ombro. — O relógio de pé, com a data de 1810 gravada no alto da caixa, soava as 7 badaladas das 19:00 horas quando se ouviram os meus gritinhos anunciando a “chegada de Paris” como se dizia às crianças quando nascia alguma. Não vamos nos esquecer de que estas recordações são páginas avulsas do livrinho, primeiro volume de minha vida. Foram escolhidas a esmo, sem ordem cronológica, com o intuito de deixar como lembrança aos meus descendentes (que Deus vele por todos eles) da maneira como

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viveu sua vovó, bisavó, trisavó e assim por diante (espero que alguns deles apreciem este tipo de relato). Por coincidência, esse pensamento citado aqui era o mesmo de George Sand (pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin), a grande escritora francesa do século XIX e amada de Chopin. Ei-lo: J’entreprends, dans un age avancé, (1868), d’écrire l’histoire de ma jeunesse. Mon but n’est pas d’interesser à ma personne: Il est de conserver pour mes enfants et petits-enfants le souvenir de mon passé. (Manon — George Sand).

Quatro semanas após o meu nascimento chegamos ao Rio. Mamãe levou a babá Altina, que estava destinada, sem o sabermos, a ficar conosco por toda a vida, olhando por mim. O que ela fez muitíssimo bem, até falecer em 1934. Ela era africana. Da estação ferroviária Dom Pedro II, onde desembarcamos no Rio, à rua Marquês do Paraná nº 8, no Flamengo, não é muito longe. Quem nos levou a casa foi o primo Gilberto Moura Costa, jovem médico, distinto, gentil e bonito; sobrinho neto de vovó Adelaide, mãe de papai. A babá embrulhou-me no xale rosado, presente de tia Julieta (esposa do tio Tonico) em Juiz de Fora, onde havíamos interrompido a viagem por uma semana, devido a súbito mal-estar de mamãe. Foi então, chegando ao Rio, que tive o primeiro contato com a formosa capital de meu país. Estava com 4 meses, aliás fortes e sadios. É o que mamãe conta. Fafá dizia — este mano era o segundo filho de meus pais e seria meu padrinho de batismo — que eu adorava passear de carrinho pelas praias do Flamengo e Botafogo. Gostava de dormir no divã do escritório 14

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dos irmãos, que ficava no porão gradeado e arejado da nossa casa de dois andares. Luiz, meu quinto irmão, lembrava as palavras de mamãe: — Rapazes, vão estudar lá embaixo, na salinha de repouso. Não acordem a menina, que dorme tranquila. Veludo, fica quieto aí! — Este era o cachorro policial de Corininha, e tinha esse nome em lembrança do Veludo do livro de leitura de minha irmã, de dez anos. Paredes-meias conosco morava o Dr. Carneiro da Cunha, médico da amizade de papai. Eu o chamava de vovô. Um dia, aos três anos de idade, justamente na hora do almoço, com a família reunida, eu senti que a garganta me doía. Mamãe mandou-me com a babá à casa do Dr. Carneiro. Ele, sentado à mesa, chamou-me para perto, olhou a garganta e com o cabo da colher de sopa tocou em algo, dizendo: — Diga a D. Corina que não é nada. A menina vai ficar boa. De fato, chegando em casa tossi e expeli uma bolinha branca. Não senti mais dor, livrei-me dela de vez. Batizei-me, aos 4 meses, no dia 15 de agosto, na igreja do Largo do Machado. O capelão, ou melhor, o vigário, monsenhor Gonzaga1, celebrou a cerimônia. Os padrinhos escolhidos por mamãe foram meu irmão Fafá e a Caluca (Clara Lafayette Stockler), sobrinha dela. Uma flor de moça. Branca como o nome, olhos verdes e cabelos avermelhados, no dizer de tia Julieta “cabelos de Veneza”, pois quando a tia conheceu a interessante cidade só encontrou moças de cabelos cor de fogo.

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Vim conhecê-lo aos 18 anos quando ele visitou papai na embaixada do Brasil em Roma. Na época papai era embaixador junto à Santa Sé

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Terminado o batismo fomos ao convento das Servas do Santíssimo Sacramento, situado nas imediações. Papai quis apresentar-me à sua irmã freira Nieta (Antonieta), na religião Soeur Adelaide. Era a penúltima dos 15 filhos de vovó Adelaide. O nosso contato com ela e depois com tia Lolota (Carlota — Soeur Thérèse) limitou-se ao toquedos dedos através das grades: na época existia clausura rigorosa no Convento das Sacramentinas. Na manhã seguinte visitou mamãe e a mim a outra mana de papai, irmã de caridade, tia Cassinha (Constança), na religião Irmã Adelaide. Todas as três foram superioras; duas, fundadoras de conventos de suas Ordens. Uns amores de tias, lembradas ainda hoje com carinho. Por aí nota-se como era religiosa a família de papai. Chegando a época do Natal a família tomava o noturno para Barbacena. Naquele delicioso lugar, Vila de Nossa Senhora do Carmo, eu passava as horas debaixo dos arvoredos, dormindo ou brincando com o chocalho (contou-me Fafá), enquanto todos na chácara do Carmo se preparavam para festejar o nascimento do Menino Jesus e a chegada de Papai Noel. Antes de vovó Adelaide seguir para a sua fazenda da Borda do Campo2, fomos ao Solar dos Andradas para que ela notasse o meu desenvolvimento. Passei o dia todo acariciada por ela e pelas tias. Infelizmente vovó me viu pouco, porque foi para a Borda, onde faleceu de amebíase. Contava papai que vovó me colocou no colo, me beijou, me abençoou fazendo-me o sinal da cruz na testa enquanto eu dormia, atravessada na cama de tia Cisa. Vovó Adelaide era muito fina, foi muito 2

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Data de 1698. Foi estabelecida por Garcia Rodrigues Paes, filho do lendário bandeirante Fernão Dias Paes. Pertenceu ao inconfidente José Aires Gomes. Patrimônio histórico.

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bem educada, como aliás as moças da época. Seu pai, o comendador Feliciano Coelho Duarte, era homem de posses; sua mãe, D. Constança, recebeu da genitora, D. Maria Antônia Gomes de Lima, grande extensão de terras e muitos outros bens, igualmente herdados de seus antepassados, gente de tradição. Vovó e irmãs tiveram professoras, ou como usavam dizer, preceptoras. Seus irmãos eram o visconde de Lima Duarte, médico, e o advogado Feliciano Coelho Duarte. A história vem contada no livro Cantando no mesmo tom, de minha autoria, onde relato tudo com pormenores. Filhinho, meu irmão primogênito, de nome Antônio Carlos, como nosso vovô paterno, lembrava haver visto, no momento de colocarem o caixão de vovó Adelaide no túmulo, este bater no de seu pai, o comendador, o que fez abrir-se uma parte do ataúde dele, deixando a descoberto um osso e uma bota de couro à moda do império! Os funerais de vovó foram um acontecimento, vindo gente de arraiais e cidades vizinhas. Ela está na fazenda da Borda do Campo. Vovó é a quinta mulher de sua família, em linha direta, ali sepultada (Ana Maria, a filha Maria Ignacia, a neta Maria Antônia, a bisneta Constança e a trineta Adelaide Feliciana). Estávamos no Rio, mas meus pais retornaram a Minas mais cedo do que supunham, porque mamãe sofreu uma terrível cólica de fígado. Papai a levou para Caxambu, a conselho médico, ficando eu entregue a tia Cisa, na Gávea, na Villa Lafayette, chácara que tia Bertha, irmã de mamãe, recebeu do vovô Lafayette, seu pai. E mais, olhando por mim além da tia, a babá, a Cunca, ex-babá de meus irmãos, e também a Rosa, sobrinha de minha babá, cozinheira da família. Escusado será dizer que fui regiamente cuidada.

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Tenho dessa época postais que babá, cuidadosa, guardou para mim. Um é de Caxambu: À querida irmãzinha muitos beijinhos de Corininha.

O cartão traz o retrato do Hotel Palace, tirado pelo fotógrafo Renaud. O outro postal é da prima Célia, enteada da tia Cisa, esposa do dr. José Joaquim Monteiro de Andrade, neto do visconde de Uberaba. O cartão mostra uma menina sentada no tapete. A enteada, que era igualmente nossa prima, escreveu: À queridinha Marina, muitos beijos e carícias pelo dia de hoje, da prima que lhe deseja um venturoso futuro. Juiz de Fora — 17 de abril de 1923.

No envelope está: À gentil senhorita Marina Lafayette de Andrada — Vila de Nossa Senhora do Carmo. Barbacena.

O mesmo fez D. Inês Piacesi.Seu pseudônimo de jornalista era Dona Paula. Escreveu sempre no jornal Cidade de Barbacena; era proprietária do cinema Apolo. Deu-me os parabéns, num cartão mostrando rosas, e em uma delas escreveu: É Marina. D. Inês foi sempre minha amiga. Era muito inteligente e simpática. Nascera na Itália mas adorava a nossa cidade. Tenho outro cartão desta

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senhora, enviando-me uma caixa de bombons por ocasião de uma gripe que me levou ao leito no Solar, em Barbacena, com os seguintes dizeres (ortografia da época, como em algumas citações) À formosa pequena Embaixatriz — Marina — as lembranças affectuosasda amigaInês Piacesi”. 7 de Maio de 1939. Pequenina ainda, no Rio, fiz camaradagem com a Thereza do Rego Monteiro (hoje sra. Souza Leão Cavalcanti), que morava defronte da minha casa, só que a dela era na rua Marquês de Abranches. A nossa ficava na esquina desta com a Marquês de Paraná. Menina muito educada, morava com os pais e uma babá que ficou amiga da minha. Tiramos vários retratos juntas e o pai levou um para a revista Fon-Fon e outro para a Careta. Estamos uns amores. Wandinha, minha prima, aparece em um deles. Todos os dias saíamos para passear pelo bairro e pela praia de Botafogo, para brincar na areia. As babás apreciavam mais a praia do Flamengo por ter ali armado um guignol (teatro francês de marionetes). Todos os domingos havia função. Na esquina da Marquês de Abranches com a praia havia um botequim onde comprávamos balas com carinha de boneca, muito gostosas. Comprávamos também pacotes de outra que trazia garfinhos, facas, colheres misturados às balas.

A primeira missa a que assisti foi na igreja católica norte-americana de Our Lady of Mercy, situada na rua Senador Vergueiro. A babá gostava de ir, a bem dizer, de madrugada, pois a primeira missa celebrava-se às cinco horas. Ela me embrulhava bem e eu adorava ir. Parece que o templo era frequentado também por poloneses. Fiquei tão religiosa DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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com o correr do tempo que colocava um caixotinho ao lado da minha cama para guardar pequeninas imagens e estampas de santos. A babá retirava tudo à noite por receio de virar ninho de baratas, com o calor do Rio. No fim, mamãe entrou nisso, passou pito e eu larguei de improvisar oratórios. Em Barbacena eu, pequenina, não perdia a missa das 5 horas da manhã na igrejinha do Carmo, vizinha à nossa chácara. No Rio, papai tinha dois amigos que eu chamava de vovôs. Um era o deputado Simões Lopes; o outro, o ministro Pereira Lima. Eles me faziam festas quando me encontravam no portão de ferro de casa com a babá ou na sala de visitas, quando chegavam à noite para visitar papai. Gente fina e muito rica. Papai recebia amigos da Câmara. Pereira Lima residia numa ótima casa na rua Voluntários da Pátria. Ele era ministro e tinha uma filha chamada Maria Clementina, moça educadíssima, muito amiga de Antonieta, filha de tio Tonico. Foi infeliz no casamento com o sírio de São Paulo, Calfat, riquíssimo, tio, parece, de Ricardo Jafet, que foi presidente do Banco do Brasil. Essa moça nunca perdeu de vista a nossa família e muitos anos após recebi dela um cartão: Rio, 14.2.1959 Minha querida Marina, Com um carinhoso abraço venho agradecer todas as gentilezas que recebi da sua parte, quando estive aí. Fiquei encantada com a sua residência e a maneira fidalga como você recebe.

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Espero que você e o Mário me darão o grande prazer de virem jantar aqui em casa logo que cheguem ao Rio; você falou que viria em março. Guardei, mais uma vez, impressão agradabilíssima de Barbacena e você, certamente, contribuiu para isso. Peço apresentar os meus cordiais cumprimentos ao seu marido. Para os seus filhinhos, um beijinho. Creia-me sua muito amiga, Maria Clementina.

Meus pais compareceram ao seu casamento com o ricaço e disseram que foi muito lindo, mas depois ele “pintou” com a esposa. Papai recebeu de presente desse senhor a bela mesa síria de jogo que se acha hoje comigo. O deputado Pereira Lima acima referido era pai do dr. Luiz Simões Lopes, que ocupou alto cargo no governo de Getúlio Vargas. A esposa, Aimée, era muito bonita, mundialmente conhecida por sua elegância como Mrs. Rodman de Heeren, nome do segundo marido, um milionário americano. Papai presenciou o assassinato do deputado Souza Filho praticado por Simões Lopes. O amigo de papai matou em defesa do filho Idelfonso que tinha, na época, uns 21 anos. O fato sucedeu no recinto da Câmara dos Deputados quando ainda no Palácio Tiradentes, no Rio. Antes a Câmara estava localizada na Cadeia Velha, como era costume nas cidades antigas. O interessante é que quando papai foi eleito deputado a câmara funcionava lá. Ela foi instalada por seu avô conselheiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, irmão de José Bonifácio, o Patriarca da Independência; Martim Francisco foi deputado no segundo império; foi ministro, depois sucedeu ao meu avô materno Lafayette Rodrigues

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Pereira, que dá o nome à cidade de Conselheiro Lafaiete (grafia simplificada oficialmente). Em dezembro de 1822, por determinação do Ministro da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada, foi expedida ordem para preparar a casa, destinada aos trabalhos da Assemblea Geral Constituinte, cuja reunião seria a 3 de maio de 1823. O edificio que se achava desoccupado e melhores proporções offerecia, era o da Cadeia Velha. (Livro do Centenário da Câmara dos Deputados — 2º volume). (Ortografia da época).

Com meu terceiro irmão Zezé aconteceu o mesmo narrado acima: assistiu ao assassínio de um parlamentar, cometido pelo deputado Arnon de Mello (pai do ex-presidente Collor de Mello) no recinto do Senado. “... atravessara o coração de Gaver com uma bala. Quando cheguei, José Bonifácio e mais alguns procuravam erguer o corpo inanimado. Transpassando o tórax o projétil rompera ainda o couro do sofá”. (A Escalada — Afonso Arinos). Em 1924, chegando ao Rio, vindo de Barbacena, papai recebeu convite do presidente Artur Bernardes para representar o Brasil no Peru, no Centenário da Batalha de Ayacucho (essa batalha marcou a independência do país do império espanhol). Papai aceitou e seguiu como embaixador extraordinário para aquele país, levando o filho primogênito como secretário particular, e Caluca, sobrinha de mamãe, para assisti-la. Esteve também no Chile e na Argentina. De passagem pela Argentina papai me mandou este cartãozinho: 22

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Marina L. de Andrada Barbacena Vão todas brincar com a Marinoca. Um beijinho e mil carícias para a querida filhinha da mamãe e do papai. Buenos Aires, 28.2.1924.

O cartão mostra uma menina com a folhinha, dia 1º do ano, e duasoutras meninas olhando-a. Recordo-me bem de que certa manhã, entrando no quarto de mamãe e vendo-a deitada, perguntei, beijando-lhe a testa: — Mamãe, você vai ao Peru comer peru? Ela achou muita graça e disse sim. Foi a conta: saí pela casa repetindo alto: — Mamãe vai ao Peru comer peru! Mamãe vai ao Peru comer peru!contava apenas 4 anos de idade. Eliminar travessão Durante a curta temporada de meus pais no estrangeiro, eu e minha irmã Corininha ficamos na Gávea, na Villa Lafayette, chácara que tia Bertha, irmã de mamãe, recebeu do pai, vovô Lafayette. Ampla residência, muito prezada por todos nós. Lá aconteceu a bela recepção do casamento de meus pais, onde monarquistas e republicanos se irmanaram. (Do meu livro Cantando no mesmo tom). Na rua Marquês de São Vicente, 331, nós — Corininha, eu e a babá — dormíamos no quarto que foi de mamãe quando solteira e onde nasceram ela própria e o Fafá. Dali se ouvia o murmúrio do ribeirão de nome Rio da Rainha e da cachoeira, ambos dentro da propriedade. Eu gostei muito de lá ficar, porque rodava pelo jardim, pela mata

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perfumada. Floresta tropical maravilhosa. A tia Bertha escreveu uma carta a papai, onde diz: A Marinoca passa os dias correndo pelo jardim atrás das borboletas. A Niná sempre bonita, Tintim e Luiz muito fortes, Zezé tem feito ótimos exames. Fafá, bonito como sempre.

Uma tarde, logo após o almoço, Wandinha e eu, fugindo das amas, nos aproximamos do rio. Eu levava uma bengalinha e a Wandinha um bebê. Sem mais aquela o boneco caiu na água. Ouvindo o berreiro da Wandinha eu me deitei de bruços no chão, esticando o braço para pescar o boneco3, que já ia sendo levado pela correnteza. Perdi o equilíbrio e caí na água. Wandinha se agarrou a uma pedra e me puxou. Molhei-me da cabeça aos pés. A tia quando me viu mandou tirarem-me a roupa. Me enrolou num cobertor, fazendo-me deitar na cama da Wandinha, e mandou secar a roupa, primeiro sobre o fogão, depois a ferro quente. Os sapatinhos de verniz preto encolheram, pois a Jovelina, que era a cozinheira, os colocou na trempe do fogão de lenha. A babá teve de retornar a casa para buscar outro par. — Como é que eu vou tomar o bonde descalça? — perguntava eu a Wandinha. A chácara da tia Bertha era cheia de histórias. Cartas de membros da Casa Imperial do Brasil e muitas lembranças da família. Em O que mamãe me contou relato muito.

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O “bebê” da Wandinha continuou em forma; ficou entre almofadas de rendas e fitas por longos anos.

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Tio Alexandre Stockler4, marido da tia Bertha, era médico e de uma bondade extraordinária. Wandinha e o irmão Luiz só dormiam quando ele contava histórias de fadas, de gênios, de gigantes, etc. Pessoa excelente. Eu também gostava demais desse tio que me levava mamão e laranja serra-d’água quando vinha a casa almoçar. Cada mamão enorme, colhido na chácara. Tanto em casa da tia quanto no Solar de Barbacena, e mesmo na Vila de Nossa Senhora do Carmo, tinha-se por costume, quando se acendia a luz à tarde, dizer: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo” ou “boa noite”. Esse costume vinha de longe em nossa família e pelo jeito creio que era geral. Ao soar das campainhas, cada um reza curta oração, e o criado entra na sala com a lâmpada acesa para dizer “Felicíssima noite! (Goethe, Viajando pela Itália, 1786).

Ia esquecendo de dizer que a atuação de papai no Peru foi perfeita. Mamãe, por sua vez, fez bonito, pois sabia se expressar em diversos idiomas e levava vestidos na moda. Caluca com sua beleza tranquila e Filhinho sabendo francês, e sendo ambos educadíssimos, foram notados.

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Foi deputado, nascido na cidade de Campanha, MG, e lutou pela transferência da capital de Minas Gerais de Ouro Preto para Belo Horizonte. Há rua com o seu nome no bairro da Lagoinha, em BH. Domingo estive em Petrópolis, fui visitar o Luiz, que está contente, satisfeito no colégio. Fomos de automóvel por uma estrada péssima, medonha, está caindo aos pedaços, feita pelo Dolabella, um verdadeiro horror! Não fomos de trem porque precisávamos estar de volta ao Rio às 16:00 horas para assistir à inauguração do Pavilhão Alexandre Stockler, seguido de uma série de discursos elogiando muito o meu pai; até o Cônego Rezende falou. Recebemos na semana passada um jornal de Montevidéu – La Mañana – com um bonito artigo sobre os grandes homens do Brasil, muito bem escrito, cheio de poesias de outono. Assinado por Reys Netto. – Gávea, novembro de 1936. (Caluca escrevendo para a tia Corina, em Buenos Aires).

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No meu livro Cantando no mesmo tom relato minuciosamente a viagem. São muitos os casos contados por eles, mas de passagem direi que todos adoraram o Peru. Mamãe e Caluca valsaram com o general estadunidense Pershing, herói da Primeira Grande Guerra, no Palácio Torre Tagle, na festa que Augusto Leguía, presidente do Peru, ofereceu. Eu ia sempre à casa de tio Antônio Carlos de Andrada (tio Tonico), irmão mais velho de papai, que ficava na Senador Vergueiro, no mesmo quarteirão em que morávamos. A residência era de dois andares, no estilo da nossa. No jardim do tio havia um balanço de dois lugares, eu sentava do lado escrito Ilka e a Lulu (Luizinha), caçula do tio, do outro. A Lulu gostava de ser obedecida, quando eu não a atendia ela me beliscava, mas eu gostava imensamente dela. Lulu dizia: — Você e o Tintim5 são meus primos prediletos. O mesmo dizia nossa prima Martha Bueno de Andrada, paulista da capital. Luizinha ganhou do pai um presente muito bonito: um piano branco, laqueado, com duas lanternas que faziam minha admiração, pois acendiam. Ele ficava sobre o armário do corredor para evitar que a Vivi (Silvinha)6, sobrinha dela, mexesse, pois sendo ela pequenina poderia estragá-lo.

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Tintim, apelido de Martim Francisco, meu quarto irmão.

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Futura sogra do príncipe Dom Pedro de Alcântara, que casou com a sua encantadora filha, Sílvia Maria.

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A baronesa do RioPreto7, mãe de tia Julieta, esposa do meu tio Antônio Carlos, morava com a filha. Em seu quarto havia um relógio gigante que eu adorava, principalmente quando dava horas. A baronesa, chamada pelos netos de Vovó Mariquinhas, gostava muito de mim. Por isso, eu me sentindo um pouco sua neta, a chamava de Vovó Mariquinhas também. Foram muitas as vezes em que, brincando com a Lulu e a Vivi no jardim, escutávamos o som da harpa ou do piano da tia Julieta, que tocava músicas antigas. E como o fazia bem, dedilhando tanto um quanto o outro instrumento, com um rico repertório. E eu, que já gostava de música, ficava ouvindo. A Donana, cozinheira da tia, era sobrinha da minha babá. Seu marido, Deodoro, era funcionário da Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, então capital do país. Muito boa gente, mineiro de Barbacena. A filha do casal chamava-se Helena. Era nossa amiguinha, gostava de correr conosco, de subir na figueira e na laranjeira do fundo do quintal do tio. Infelizmente apanhou coqueluche e morreu em poucos dias. Como sentimos! A família não sabia como me contar para onde nossa amiguinha havia ido! — Onde está a Helena? O irmão da Helena, um pretinho muito esperto, dançava charleston, black-bottom, fox, que era uma beleza. Fabinho, Raulzinho Penido e Tintim lhe ensinaram e o menino fazia lembrar o bonequinho que mamãe me comprou na avenida Rio Branco quando da chegada de Josephine Baker, a célebre dançarina negra, que fez furor no Rio. Aprendi as danças que a Pérola Negra executava no Bataclan de Paris, elegante cabaré, e dançava tal e qual. 7

Filha de Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda, que foi regente e primeiro-ministro do Império.

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Fronteira à residência dos primos ficava a dos Penido Burnier, parentes nossos. A casa era parecida com a do tio Tonico até na cor rosada (a nossa era cinza). Lá moravam as primas Branca, Fifina e Totônia. As duas primeiras eram doentes da perna ou do pé; teriam caído, quando pequeninas, de uma mesa. Estavam sempre no quarto. Pelo menos é esta a lembrança que me ficou delas. Eram nossas amiguinhas; eu gostava bastante da Santinha e a Lulu da Totô, que não falava nem ouvia, mas era bonitinha. Todas muito claras e inteligentes. Estudaram e futuramente até trabalharam. Além da Totô, havia outras que não falavam nem escutavam: Maria e Olguinha; os irmãos João Bosco, padre jesuíta, assassinado por um policial no tempo da ditadura militar, e Vicente de Paulo Penido Burnier tampouco falavam e não ouviam. Isso certamente porque a mãe, Maria Cândida, casou com o sobrinho, Miguel, filho de sua irmã mais velha, Maria Antônia Penido Burnier (prima Totônia). Quando eu não obedecia à Totô ela puxava meus cabelos. Era brava, mas a Olguinha era mais. Lulu me defendia e levava algumas vezes beliscões das duas. Mesmo assim eu gostava de ir lá. Tinha medo era das tias. Quando eu as via descendo as escadas, puxava a babá para irmos embora. O barulhão das botinas apropriadas me aterrorizava. Mas elas ficavam mais nos quartos. Hoje, todas falam bem. E os sacerdotes da família fazem sermões versando temas polêmicos. Toda a família é muito inteligente e trabalhadora. São ótimos os Penido Burnier. Em casa, eu gostava de ficar à tardinha na janela da sala de jantar, debruçada, esperando a hora do papai ou da mamãe chegarem da cidade, de bonde. Só parava de repetir “Evém mamãe, evém papai” quando eles me acenavam da parada do bonde na esquina, junto ao nosso muro. As jabuticabeiras no canto do quintal davam sombra aos que esperavam a condução. 28

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Na outra esquina, defronte à nossa casa, ficava a residência dos parentes Andradas Dodsworth, de São Paulo, que fui conhecer melhor em Paris. Tintim, meu quarto irmão, apreciava muito os bailes do Fluminense e do grand-monde. Desde jovem acompanhava as primas Caluca (Clara), Menininha, cujo nome era Francisca (irmã de Caluca), Beata (Beatriz) e a Guita (Maria Emília) aos bailes. Do meu quarto eu as via descendo as escadas superbem-vestidas por volta das 11 horas da noite, pois as primas se aprontavam em nossa casa para as festas da alta-roda. E eu ficava de “atalaia”, como dizia papai. Certa vez num baile aconteceu algo extraordinário: Caluca valsava com um senhor quando este caiu morto em pleno salão. Levaram-no para sua casa e o baile continuou como se nada houvesse acontecido. Caluca levou tamanho susto que deixou a festa. Na volta dos bailes as primas sempre dormiam lá em casa. Fafá, que andava de “flirt” com a Menininha, arranhava a porta do aposento delas para parecer assombração. Elas se ajeitavam no quarto reservado sempre a Tia Cisa, quando vinha de Barbacena para estar conosco. A Cunca estendia os lençóis e as colchas por cima dos tapetes e elas dormiam bastante bien, diziam. Sonhando com a festa tão divertida e com os galanteios ouvidos. Beatriz Maria (Beata) era filha do tio Nhonhô, irmão de mamãe, e a Guita era Moura Costa, sobrinha neta de vovó Adelaide. O irmão da Guita, o médico Gilberto, muito gentil, ia buscá-la e Corininha para rodar de carro por Copacabana em noites de intenso calor. O carro dele era bonito e eu, falante e muito viva, corria para o Gilberto pedindo para me levar também. Não só ele levava como me colocava no assento da frente. Oh, delícia! Naquele tempo eu não tinha medo de vento, por isso

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muito apreciava a ventania que entrava pelas janelas abertas; o carro era uma baratinha. A Guita e minha irmã cantavam ou tentavam entoar a seguinte canção: A noite convida o apache Ó gigolette, ó gigolette

Não me recordo de mais... Gilberto casou pouco depois com uma sobrinha neta de vovó Adelaide. Nieta Penido, moça muito distinta e elegante, foi a escolhida. Enviuvando, ela casou com o médico e escritor Pedro Nava. O amigo de papai apelidado dr. Polar, porque costumava parar todas as tardes à porta da Confeitaria Polar para apreciar as moças, creio que era da família Monteiro de Barros, ligada aos Pereira Lima. Eu o chamava de vovô. Era galanteador. Corininha recebeu dele muitas caixas de bombons, e eu, bonecas de louça. Quando morreu deixou em testamento para papai uma rica châtelaine (corrente que se trazia à cintura com chaves e outros pequenos objetos) de ouro, cravejada de brilhantes e rubis. Foi roubada pelo mesmo ladrão que levou o cofre de ouro que Leguía, presidente do Peru, ofereceu a mamãe. Além de outras coisas de valor... Quem terá sido?! Nessa mesma época o poeta e escritor Brandão fez para mim uma poesia intitulada Marina, linda bonequinha. Perdeu-se na nossa mudança da Voluntários da Pátria, 450 para a mesma rua, 331. Mamãe lamentou, e eu, mais ainda, porque os versos eram delicados. Falavam 30

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dos meus olhos de jabuticaba e do meu sorriso brejeiro de criança feliz. Ô dó!!! Algumas vezes eu chegava com a babá Altina até a residência das primas de tia Julieta, as Azevedo, gente muito rica que tinha uma vila de casas unindo a então Avenida da Ligação (hoje Oswaldo Cruz) à Senador Vergueiro. Meu primo Dudé e Tintim andavam de “flirt” com a Branquinha8, herdeira de toda aquela fortuna; Luizinha (Lulu) de “cabelos revoltos”, como dizia tia Bertha, ia junto comigo. Branquinha tinha umas tias que nos ofereciam biscoitos e nos convidavam a sentar na varanda para saboreá-los. Lembro-me de que a residência delas era antiga e escura. E as senhoras, idosas, ar severo. Seriam assim? Mas os biscoitos eram deliciosos. Branquinha, bonita moça, casou com o futuro prefeito de Petrópolis, Márcio Mello Franco Alves, que apreciava, quando ainda não a conhecia, dançar com a Corininha em Caxambu. Houve duas temporadas de dança... Mas Corininha não sentia nada por ele: já notara o Paulo Maurity, futuro marido. Dudé e Tintim adoravam as festas dançantes da Branquinha. Corininha, de vez em quando, comparecia. Ganhei de meus pais um bebê de louça trazido do Peru, que se quebrou num domingo após a missa. Todos haviam saído para a igreja da Glória do largo do Machado e eu fiquei brincando com o boneco junto com a babá.

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Em solteira, Branca Moreira Salles.

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Pouco depois, cansada de rodar com ele nos braços, coloquei-o encostado na cadeira de balanço de papai, lá na sala de jantar. Ele chega e senta-se, dando um embalo: lá se foi a cabeça do boneco. Chorei, esperneei. Papai prometeu dar outro, como de fato deu, mas não era bonito como o peruano.Nessa ocasião me deram para tomar óleo de rícino por haver comido muito chocolate. O Sassande, filho de tia Bertha, já ótimo médico, foi quem receitou e me deu. Enchi a boca com o remédio horrível, mas cuspi tudo em sua roupa. Levei de mamãe um beliscão que me fez ficar emburrada o resto do dia. Esse óleo e mais o de bacalhau da Noruega eram de fazer correr léguas... A viagem para Barbacena na época do verão sempre foi uma festa. Lá sucediam várias coisas, algumas guardei dans la mémoire. Um dos passarinhos de casa morreu. Então Wandinha, Aracy Acerbi, filha do jardineiro, e eu fizemos o enterro dele debaixo de um ipê- amarelo que ficava junto ao caramanchão onde mamãe e tia Bertha tinham por costume sentar à tardinha. Ao lado do caramanchão ficava uma gaiola de canarinhos. Eu adorava olhar os passarinhos. Tirei tantas casas de joão-de-barro que o Tintim me disse: — Você vai ficar preguiçosa. Tirar casas desse passarinho não dá bom resultado. Paramos logo com aquilo, eu e a Aracy. O pai dela, o jardineiro, colocou as casinhas nos galhos mais altos. Do outro lado da rua Padre Manoel, defronte à chácara, havia um cerrado bambuzal que as más línguas diziam ser assombrado.

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Certa madrugada de quarta-feira de cinzas Tintim e Luiz, voltando a pé do baile do Clube Barbacenense, ouviram, ao passarem por ali, tropel de cavalo manco, sinal da mula-sem-cabeça... Correram tanto em direção ao nosso portão que caíram numa vala, esfolando as pernas. Na hora do almoço contaram gaguejando o susto passado. Durante o dia era bem bom sentar naquele local com a babá Altina, a Aracy e a Wandinha, ouvindo os casos que a babá contava. Coisas da senzala! Só coisas boas. Mamãe lhe pedia para não falar em assuntos tristes e a babá, como fora feliz quando menina, tinha bonitos casos para relatar. Lá de casa ouviam-se os apitos dos trens que passavam pelos terrenos da Escola Agrícola. Eram o rápido, o misto, o expresso e os de carga. Durante a noite os noturnos do Rio e de Belo Horizonte apitavam várias vezes quando cruzavam a linha da Estrada de Ferro Oeste de Minas (depois Rede Mineira de Viação), que chegava até Barbacena. No alto, à direita de nossa propriedade, estava a igrejinha do Carmo, em estilo colonial. Dali se descortina belo panorama. O ar puro continua lá. A babá, passeando uma tarde comigo, chegou até essa igreja. Foi a primeira vez que entrei numa. Era ainda de colo, teria meus seis meses, contou. Ela tinha muita devoção a Nossa Senhora das Mercês, aliás se chamava Altina Maria das Mercês. Todos os anos vestia a imagem de Nossa Senhora das Mercedes, como dizia (à moda espanhola); comprava, com o dinheiro do ordenado, vestes para a santa em seu dia. A imagem era grande, tinha cabelos pretos longos, naturais, e olhos azuis de vidro.

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O capelão daquele templo, parece-me, se chamava Pe. Tobias. Residia perto do famoso bambuzal, onde hoje é o convento do Bom Pastor. Andava por lá o Pe. Sinfrônio, sacerdote inteligente, cujo sermão das Sete Palavras, na Semana Santa, era famoso. Prolongava-se por mais de sete horas! Certa manhã mamãe estava recostada no canapé da sala de jantar, lendo, quando o jardineiro Vitório Marteletto entrou correndo, de foice na mão, assustando-a terrivelmente. Era o quê?... Era uma jararaca debaixo do móvel! Matou-a com um golpe apenas. Ele a viu da varanda, onde se encontrava cuidando dos vasos de plantas. A nossa arara era engraçada. Quando o jardineiro lhe dava uma caneca de café, ela perguntava: — Tem água, tem? Se fosse sim a resposta ela derrubava a caneca com o bico. Imitava o papai chamando as duas vaquinhas: — Chô, Chô, Chô, Memória! Chô, Chô, Chô, Roleta! Não podia me ver correndo, gritava logo: — Cuidado, cuidado, cuidado... — imitando a mamãe. Uma noite um raio caiu bem em frente de casa. Virgem Santa! foi um horror. Eu brincava no quarto com a babá e a Aracy Acerbi, com cobertores fingindo de cabanas; nos enfiamos debaixo da cama na maior tremedeira. A casa ficou às escuras. Papai e mamãe me chamando. Na cozinha a Rosa, que lavava as vasilhas, levou um choque, caindo para trás. Do telefone saíram faíscas. Um horror, a tempestade rugindo lá fora. Felizmente a casa era coberta com telhas de Marseille, resistentes e bonitas. Quando serenou a tempestade, apareceu na sala de jantar, tendo entrado por uma das três portas da varanda, uma mariposa gigante. Nunca se tinha visto algo semelhante. Saímos todos correndo 34

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e o molecote de recado, o Venâncio, veio da cozinha de vassoura em punho para matá-la. Corininha tinha um brinquedo fantástico chamado landaupé. Era francês (espécie de patinete). Eu brigava para andar nele, mas ela tinha ciúmes como quê daquele esquisito brinquedo. Terminadas as férias de verão, voltávamos para o Rio. E a vida retomava seu curso normal. O Jacky, meu luluzinho branco, dado pela lavadeira Maria, sobrinha da babá, voltava conosco. Graças a Deus ele viveu 15 anos. Por essa época eu já frequentava o Coleginho de D. Alice Lopes, perto de casa, no Rio, na mesma Marquês do Paraná. Ela e a irmã eram boníssimas. Já recebiam as minhas primas Ilka e Luizinha, filhas de tio Tonico, como alunas. A babá tinha de me levar todas as tardes e lá permanecer, em caso contrário eu não ficava. Junto ia meu cãozinho Jacky, da Pomerânia, muito querido. Um dia a Lulu levou uma merenda muito gostosa. Não sei o que me deu que comi a metade sem a sua permissão. O que aconteceu foi eu levar umas palmadas da prima. Serviu-me de lição, esta é a verdade. Eu adorava quando a Tita Monteiro da Silva, outra prima, e as filhas Hermínia e Lili chegavam lá em casa para almoçar sem prévio aviso... Mamãe e papai tinham uma pena louca das três, muito necessitadas. A Tita possuía uma mala cheia de papéis; eu a escondia para que ela não fosse embora. Para obtê-la de volta ela tinha de me prometer vir de novo no dia seguinte. Elas eram bem aparentadas, família tradicional, mas “détraquées”.

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A Hermínia lia a sorte; já trazia um baralho na bolsa. Corininha e a Guita, outra prima (mais velha do que minha irmã) pediam para ela ler la buena dicha. Da Hermínia eu gostava, mas tinha cisma da Lili que, não falando, dava guinchos para chamar a atenção. Ficou assim de susto causado por um raio. Um dia, no Coleginho, a professora perguntou que bicho era aquele que estava no vidro do mostruário. A gurizada não soube responder, mas eu disse logo: — É a baratona voadora. Foi gargalhada geral. Lembro-me que até a babá caiu na risada. Devo explicar: a baratona era minha conhecida, porque era “prima” das que apareciam à noite no meu oratoriozinho, no caixote que eu inventei de botar ao lado de minha cama com os santinhos, como já contei; para desespero de mamãe e da babá, que toda noite tinha que leva-lo devido ao receio de o calor de forno do Rio de Janeiro atrair baratonas. Chegou o dia da minha primeira viagem ao estrangeiro. Papai, tio Tonico e vários primos, alguns fazendo parte de delegações enviadas à Europa, já prontos. Tomamos pois o transatlântico Lutetia rumo à França. O navio era muito bom; ia repleto de conhecidos. Os Penido — João e Raul, uns encantos de senhores — sobrinhos de vovó Adelaide, viajavam com as esposas. O primo Raul levava consigo alguns filhos. Tia Bertha ia com as filhas Caluca e Menininha. O primo Aloysio Penido, sobrinho de João 36

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e Raul, seguia também. Era filho de Feliciano e de Margarida, filha do ricaço barão de Vassouras. A minha babá Altina e a governanta de Luizinha, chamada D. Emília, mãe do cabeleireiro Emi da rua Gonçalves Dias, viajavam juntas. Essa babá de Luizinha ficou de cabelos brancos por causa das travessuras aprontadas pela minha prima e pela cadelinha que ela levava consigo, de nome Ninon. Eu e Lulu com a Ninon a tiracolo explorávamos o navio todo. D. Emília não aguentava nos acompanhar; além do mais, ela trazia na bolsa uma flanela para limpar o que a Ninon costumava deixar no convés... A prima e eu disparávamos pelas escadas — e as babás atrás de nós! Os pitos dados pela tia Julieta e pela mamãe não adiantavam, não tínhamos medo delas. A Cecéu, Maria do Céu, filha do diplomata Nemésio Dutra, tornou-se minha amiguinha, assim como a Sybil, neta do dono do jornal Correio da Manhã, Edmundo Bittencourt. Era filha do dr. Paulo de Azevedo, parente de Maria Hilda, minha cunhada. Nós tomávamos as refeições no salão das crianças, ouvindo um piano horrível, e para distrair as babás um francês da tripulação tocava e cantava. Briguei tanto para sair dali que fui parar no salão dos grandes. Viajava igualmente o vigário-geral do Rio, monsenhor Costa Rego, homem bonito e inteligente. As mocinhas da família apreciavam conversar com ele. Mas o sacerdote, bem que alegre e amigo das crianças, sabia se comportar. Rezava seu breviário andando de ponta a ponta do convés à noite, enquanto a música no salão de festa certamente chegava até ele. Foi ele que casou Corininha nove anos depois daquela viagem.

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Os golfinhos costumavam seguir o navio quando se aproximava de alguma costa; baleias, uma ou outra, inclusive tubarões apareciam. Os primeiros faziam a nossa alegria com as cambalhotas ao redor do Lutetia. As baleias jorravam água; era interessante! Os entretenimentos se sucediam para os grandes. As crianças tinham também uma variedade a escolher. O predileto era o Guignol, teatro de fantoches de Lyon, já meu conhecido da praia de Botafogo. A criançada e eu gritávamos a valer chamando os bonecos, as marionetes, pelos nomes que traziam. Era divertido. Lembro-me do Monsieur Saucisson. Les démêles des Guignols, père et fils, avec la maréchaussée sont l’object de grandes batailles à coups de bâtons qui rejouissent fort les jeunes spectateurs. (Les Marionnettes.. Henry de France. 1949, Paris).

Na passagem da Linha do Equador todos se fantasiaram. Houve batismo: um marinheiro vestido de Netuno, o deus dos oceanos, jogava dentro da piscina as pessoas que viajavam pela primeira vez. As crianças recebiam água na cabeça. Tudo isso pela manhã. Eu fui batizada com o mesmo nome de Marina, porque é derivado de mar. O Netuno, tentando me agarrar durante a festa, me fez atirar-me no colo de mamãe. Em Lisboa todos nós desembarcamos, dividindo-nos em grupos, de acordo com a inclinação, o interesse de cada um. Meus pais, Corininha, tio Tonico e tia Julieta, tia Bertha e as duas filhas e os filhos Dudé, Fabinho e mais Aloysio Penido foram visitar o embaixador Cardoso de Oliveira e família na legação do Brasil. Nem imaginávamos que futuramente meu pai seria embaixador do Brasil em Portugal!

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O tio Tonico seguia como delegado na Conferência Internacional de Comércio, mas já era presidente eleito de Minas Gerais (durante a República Velha, até 1930, o cargo de governador de estado tinha a denominação de presidente). Papai também era delegado na mesma conferência. Tiramos retratos no salão de festas da embaixada e eu tenho um. Depois fomos a Sintra e sobrou tempo para compras na rua Augusta. Antonieta e esposo, o médico Francisco Baptista de Oliveira, Ilka, Luizinha, eu e as duas babás fomos passear no Jardim da Estrela e percorremos algumas ruas num táxi velho cujo chauffeur disse adorar o Brasil. Esse povo todo coube num carro só! Lembra-me que o Francisco sentou-se na frente e a Antonieta com as babás no banco de trás. Nas cadeirinhas, Ilka, Luizinha e eu. Uma vez, durante a viagem, a cachorrinha Ninon ficou fechada no banheiro da cabine das primas; aprontou o maior berreiro. (O meu Jacky deixei no Rio entregue a Rosa, cozinheira, sobrinha da Altina). Em Lisboa a família comprou muitos souvenirs. Ia me esquecendo de dizer que papai comprou presentes em Las Palmas, nas ilhas Canárias, por onde passamos, para mamãe e Corininha, e eu ganhei uma pulseira de coral vermelho. Quem diria que meus pais, Corininha, Tintim, Luiz e eu residiríamos em Lisboa algum tempo depois?! No porto espanhol de Vigo (Galiza), descemos. O mesmo em La Coruña. Percorremos as duas cidades, compraram-se lembranças e eu recebi de mamãe, em Vigo, um leque com desenho de tourada. Voltando à passagem da Linha do Equador, faltou contar que mamãe arranjou uma fantasia, para a consagrada e tradicional festa, de DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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enfeites adquiridos no bazar de bordo. Lembrarei que no Lutetia reinava o maior entusiasmo. Os passageiros se divertiam com jogos, danças, declamações em vários idiomas. Nos conveses, jogos infantis disputados na maior algazarra. — Marina Maria sempre esperta, rápida, vencia as argentinas. Impressionante! — contava mamãe, pois eu era um pingo de gente. No instante em que os marinheiros entraram aos saltos no salão, rodeando o Netuno com seu tridente gigante em direção às crianças, foi um berreiro. Eu, conhecida por muito esperta, pulei no colo da mamãe, morrendo de medo, e ela se levantou com receio de que eu estragasse seu vestido de lantejoulas, muito lindo. Jamais esqueci essa viagem. Completei cinco anos, em 15 de abril, a bordo do Lutetia. Os companheiros de viagem me presentearam com mimos comprados no bazar do navio. Até bolo ganhei pelo aniversário. A Antonieta, minha prima e futura madrinha de crisma, me deu um avião de lona idêntico ao Demoiselle de Santos Dumont. Infelizmente, quando dei um impulso para fazê-lo voar, o brinquedo foi parar no Atlântico! Fiquei desapontada e não contei nada a ninguém. Quem viu foi a babá. Ganhei de mamãe um lindo anelzinho, de tia Julieta sabonetes e de tia Bertha uma travessa de tartaruga para os cabelos. Todos me regalaram. Ganhei o primeiro prêmio na “corrida das batatas” e recebi uma libra esterlina ―de ouro. Quem a entregou foi um neto do Kaiser alemão (imperador Guilherme II). O príncipe vinha da Argentina. Mamãe nunca se esqueceu: eu, pequena, recebendo o prêmio das mãos do príncipe. Ele gigante, eu um tiquinho de gente. Com aquele dinheiro comprei uma boneca de louça de cabelos longos, que a tia Bertha sem querer quebrou ao abrir o armário da minha cabine. Foi onde eu colocara o bebê. 40

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Avisei: — Cuidado com a porta, tia. Mas ela, não ouvindo direito, abriu-a bruscamente. Esperneei, briguei, porque a boneca caiu no chão, quebrando a cabeça. Só passou a minha raiva quando voltei ao Rio de Janeiro, isto é, quatro meses depois. Menininha arranjou um fã francês da família Petitjean, o que apavorou a tia Bertha. A viagem foi mais ou menos calma até chegarmos ao mar de Biscaia. Mas antes contarei alguma coisa da ilha da Madeira (descendemos de gente dessa ilha: capitão Manuel Netto Barreto9 nascido em Funchal, capital da ilha. São bisavós de Constança de Lima Duarte, avó de meu pai. Essa linha é do pai de Constança). Naquela pitoresca ilha mamãe e as primas compraram toalhas de mesa — lindas — dos vendedores que subiam a bordo oferecendo mercadorias. Fomos de lancha para conhecer o lugar, que era bonito e florido. Tomamos chá no restaurante de um hotel no alto de um morro. Tinha vista belíssima e apreciamos os navios chegando e saindo. Compraram lembranças feitas de vime, bonequinhas vestidas a caráter. Lembro-me de que descemos de algum lugar em cadeiras de vime manobradas por marinheiros. Papai, tio Tonico e mais os primos não foram nessa, dizendo serem eles mais prudentes do que as damas. Ficaram à parte. Perto, visitamos o Palácio Miramar10. 9

A esposa era Maria Alves, nascida na mesma ilha da Madeira, na mesma freguesia de São Pedro de Alcântara.

10 Onde a bonita imperatriz Elisabeth da Áustria (Sissi) se refugiava quando estava doente. Apreciamos a vista do palácio e arredores. Ali eu encontrei um cachorrão lindo que tentou ficar meu amigo, mas babá, assustada, o mandou embora discretamente.

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Quando passamos pelas ilhas Canárias, todos tivemos medo porque o navio jogou demais. Muita gente foi se deitar e as crianças se acalmaram, permanecendo nas cabines. Mamãe e a tia Julieta foram as primeiras a se recolher; o mar agitado ordenava que assim se fizesse. Antonieta, filha de tio Tonico, que esperava Maguy, por sorte não sentiu nada. Como já contei, o Lutetia parou em Las Palmas, na ilha de Tenerife. Um ou outro passageiro desceu a terra, papai foi um deles. Lépido, contente, lá voltou ele a bordo com cartões postais comprados no quiosque do porto. Eu guardei um álbum pequeno da ilha da Madeira e de Tenerife. Creio que a família não gostou lá muito dessa ilha, lugar de nascimento do nosso padre José de Anchieta: acharam-na com ar de vulcão... Como eu ia dizendo, no mar de Biscaia a Corrente do Golfo fez o navio balançar até. Mas o pior foi na volta. Contarei quando chegar a hora. Descemos em Cherbourg, porto francês importante na Mancha. Sua história é cheia de guerras. Quando lá estivemos a cidade ainda não tinha sido destruída pelos alemães (1940). Dormimos num hotel perto do cais. Parece que se chamava Hôtel de France. Durante a noite ouviam-se as sirenes das embarcações.No dia seguinte tomamos o trem para Paris. Comboio de luxo, o que não nos impedia de enjoar; talvez por termos passado treze dias em mar encapelado. Mas papai, bom marujo, nada sentiu. Notei o ruído que faziam as rodas do trem, principalmente quando este atravessava os trilhos de outras ferrovias. Trepidava um horror. Mamãe e minha irmã Corininha, de 15 anos, enjoadas, e eu outro tanto, pelo balanço do vagão. Assim desse jeito entramos na belíssima Paris.

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Não conhecíamos trens com compartimentos fechados, tipo cabine, de assento de ambos os lados. Foi a conta. Luizinha e eu mais a Ninon entrávamos e saíamos sem parar, logo que o enjoo nos libertava. Minha babá e D. Emília penavam — além de nós ainda tinham de olhar a Ninon querendo fazer algo antes de o trem chegar ao destino. Na Station du Nord, parece-me, desembarcamos, e depois de despedir-nos dos parentes e amigos e cuidar da bagagem tomamos nosso rumo. Chegando ao hotel onde íamos ficar, olhando ao redor percebemos tudo muito estragado, malcuidado, mas como a hora era tardia e papai chegava à França pela primeira vez, achou por bem nos hospedarmos ali mesmo, pelo menos até o dia seguinte. O informante que nos indicara o estabelecimento devia ter andado por lá no século anterior! Mamãe ficou tão assustada com o aspecto de meu quarto, que me fez ir dormir com ela, no mesmo leito, com receio de que algum “apache” me raptasse durante a madrugada descendo pela chaminé da lareira (não seria Papai Noel disfarçado?). Por essa altura ela já havia mudado até de quarto. Trocou com a babá, que passou a ocupar a cama de dossel, sobre um estrado, lembrando camas de teatro. Esse aposento seria o de meus pais. Era o segundo quarto, em uma noite, que meus pais trocavam. Não contente com tudo isso, mamãe me fez deitar em cima da sua robe de chambre para eu não ter contato com os lençóis encardidos do hotel. Depois se acomodou no sofá, muito desbotado. No aposento vizinho estavam tia Bertha, Caluca, e mais adiante Corininha com a Menininha. Todas assustadas com a pouca limpeza. Ninguém dormiu em paz, só a babá Altina, que se espalhou na cama teatral, contou ela. Mas devo dizer que espiar a babá nesse leito me fez pensar nas histórias de fadas... DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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Na manhã seguinte papai saiu à procura do hotel dos primos Penido, o Vernet, na Rue de Chaillot, 81, no final da avenida onde estávamos. Papai teve de discutir com o gerente do hotel para sairmos de lá. Falou que tinha encontrado pulga e percevejo. Para falar o nome desses bichos ele recorreu ao dicionário. O homem, em estado de choque, dizia: Monsieur, pas de scandale!

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2ª PARTE

F

indo o serviço de papai como embaixador, deixamos Portugal, muito saudosos, rumo ao Brasil pelo Massilia, histórico transatlântico francês11. Que, aliás, foi o que nos levara à terra lusitana. Dez dias depois, chegamos a Santos. Papai contratou um táxi para percorrer a cidade natal de seu genitor e ancestrais. Visitamos novamente o Panteão dos Andradas, a velha Matriz, demos um giro pelo centro, etc., e nos dirigimos à casa da prima Marina Andrada, em São Vicente. Passamos o portão de entrada no instante em que Wanda chegava para visitar a irmã. Esta, que nos recebeu, era viúva do engenheiro Procópio de Carvalho, que estudou na faculdade em Liège, Bélgica. Wanda era casada com um primo, Durval Andrada. Elas eram jovens e bonitas. A filha única de Marina, Maria Gabriela, não se encontrava na residência. Conheci-a muitos anos após. Era bonita, elegante, inteligente. Casou com um oficial americano durante a Segunda Grande Guerra. Foi morar nos Estados Unidos. Divorciou-se e já é falecida. Mais tarde eu soube do conhecimento de mamãe com a Marina, em Barbacena, no Solar dos Andradas, quando a prima chegou de São Paulo para visitar sua tia, mãe de papai, Adelaide Duarte de Andrada, viúva do tio de Wanda, Antônio Carlos, irmão de seu pai José Bonifácio, cognominado O Moço12. Na despedida na estação de trem de Barbacena, quando mamãe e Marina se abraçavam no momento de a prima tomar o rápido, mamãe lhe disse:

11 O conde d’Eu, esposo da princesa imperial Dona Isabel, a Redentora da Raça Negra, faleceu nesse navio, em sua cabine, ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1922. 12 Ilustre político do Segundo Reinado, conselheiro do império.

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— Se eu tiver outra menina darei o nome de Marina em sua homenagem. Doze anos depois eu nasci (bonita como ela não fiquei, mas inteligente, creio que sim...). Deixando a simpática residência da prima Marina, o táxi nos levou ao porto onde estava ancorado o nosso Massilia, todo iluminado, mostrando os passageiros nos conveses a apreciar o intenso movimento no cais. Ao largo de Ubatuba, avistando a praia e a vegetação tropical, o navio singrando vagarosamente, houve ensejo para se notar a beleza da paisagem. Só se ouviam exclamações, em idiomas diferentes, de admiração. Se bem fosse garota, eu sabia apreciar a natureza. Também estava maravilhada com a praia e a mata. Lembro-me ainda daquela tarde do mês de outubro, todos debruçados no convés, admirando o que a natureza exibia. Papai sentia o sangue paulista, bem próximo dele, vibrar! Os apitos, as sirenes das embarcações rodeando o Massilia... Era emocionante! Iluminada no mastro principal junto à bandeira da França — bleu, blanc, rouge — via-se a brasileira. E como de praxe quando um embaixador estava a bordo, o pavilhão era içado ao lado da bandeira correspondente à nacionalidade do navio. Na barra, no Rio de Janeiro, entraram no navio, saltando das lanchas da polícia e da Saúde Pública, meus irmãos, os primos Lafayette, Moura Costa e Penido, para nos saudar como era de uso fazerem quando nós chegávamos do exterior. Dessa vez havia uma novidade: o noivo de Corininha, engenheiro Paulo Cordovil Maurity. Minha irmã aceitou o pedido de casamento do Paulo feito pela carta enviada a papai, então embaixador do Brasil em Portugal. O pai de Paulo era o Almirante Joaquim Antônio Cordovil Maurity, herói da Guerra do Paraguai. Foi quem tomou a fortaleza de Humaitá, quando dirigiu o monitor encouraçado Alagoas para dar passagem aos soldados brasileiros. 46

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No cais Mauá estava gente do Itamaraty, o tio Tonico e demais autoridades. Muitos amigos também esperando-nos para as boas-vindas. Na semana seguinte à nossa chegada ao Rio fomos a Minas Gerais. O vagão especial ligado ao trem estava lotado de políticos que seguiam para Belo Horizonte. Papai, ansioso por rever suas irmãs e sua terra natal. Ele e mamãe me levaram consigo, ficando Corininha no Rio por estar noiva, entregue a Filhinho, meu irmão primogênito, e à esposa Maria Hilda, hospedada no “bangalô” de Copacabana, rua Miguel Lemos, 97, que a minha cunhada recebera de presente dos pais ao se casar em 1927. O dr. Henrique de Oliveira Diniz, na ocasião do casamento da filha Maria Hilda, creio, era diretor do Banco do Brasil, tendo sido prefeito de Barbacena, senador e secretário das Finanças do estado de Minas Gerais. Médico distinto e caridoso. Sua mãe era irmã da esposa do presidente de Minas e futuro presidente da República, Afonso Pena, e da do visconde de Carandahy, antigo alcaide de Barbacena. Corininha adorou permanecer no Rio, onde nascera, aliás, como mamãe. Eu, encantada em viajar de trem, minha condução predileta, e além do mais Barbacena era meu “torrão” natal e de papai. Não sendo tímida, eu conversava com todos no vagão. Mamãe me contou que apreciou ver-me sentada, pernas cruzadas, atenta à fala dos passageiros. O vagão saltando, balançando, fazendo-me ir de encontro aos “coronéis”. Na estação Mantiqueira entraram duas bandas de música, uma de São João del-Rei e outra de Barbacena. Dali para a frente tocaram revezando-se e sem parar, para aumentar o incômodo de mamãe, que nunca foi amiga de muito barulho. Nem de fumaça. Mas aguentou firme a banda e a fumaceira que saía da locomotiva13.

13 E já sofrera com o barulho do túnel da Mantiqueira, entre as estações de Rodeio e Mendes, famoso por seu comprimento e fumaça densa. Foi inaugurado pelo imperador D. Pedro II, o grande monarca brasileiro.

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Zezé meu irmão, que já retornara a Barbacena, vindo do Rio de Janeiro aonde fora receber-nos no navio acompanhado por muitos “coronéis” embarcou naquela estação. Ele herdou de papai a veia política acentuada. Papai, que deixara de ser deputado federal havia três anos, se emocionou, se entusiasmou revendo aquele mundo fantástico tão conhecido seu, mais divertido, mais movimentado do que o mundo diplomático. Estava feliz sendo homenageado por antigos correligionários. Gentis como sempre, curiosos, querendo saber se papai estava apreciando a nova vida de embaixador, como era Portugal, etc. Ele poderia falar como o escritor Pierre Loti: Je suis enveloppé de souvenirs. No grupo que rodeava mamãe encontrava-se uma moça com a professora Inês Piacesi, de nome Maria Augusta Amado Henriques (a Guguta) que se tornou grande amiga nossa. O pai, amicíssimo de Zezé, era farmacêutico muito competente; achava-se presente com D. Celita, mãe da Guguta, neta do barão de Santa Mafalda, primo do barão de Pouso Alegre, avô paterno de mamãe (era primo do padre inconfidente Manuel Rodrigues da Costa). O simpático grupo de senhoras serviu docinhos em bandejas enfeitadas de papel crepom colorido. Todos entramos na Estação Mantiqueira, sítio histórico. No tempo da Inconfidência Mineira, a famosa Quadrilha da Mantiqueira, chefiada por um espanhol, assassinava para roubar os passageiros das diligências do Rio e de Minas. Tiradentes fez um levantamento da região para descobrir os lugares de valhacouto dos bandidos e traçou um plano para combatê-los, acabando com o desassossego dos viajantes. No arraial de Sítio, hoje cidade de Antônio Carlos14, assim chamada em homenagem ao meu tio Antônio Carlos, ex-presidente de Minas, o rápido parou, entrando novo grupo de pessoas, de todas as classes 14 Aqui morreu o grande poeta simbolista brasileiro Cruz e Souza, o Cisne Negro.

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sociais. Papai reviu de novo gente que havia votado nele para vereador e deputado, e se entusiasmou ao ouvi-los dizer que votariam “no seu filho Zezinho” quando precisasse de sufrágios para eleger-se deputado. Foi aí que ouvimos uma das senhoras perguntar à mamãe: — Por que sua menina fala assim enrolado? Mamãe respondeu: — Pergunte à Marina. Eu disse num sotaque português ainda mais forte: — Porque acho bonito. E a conversa ficou por aí. A chegada a Barbacena foi uma apoteose. Papai desceu do vagão, seguindo a pé no meio daquela multidão amiga até o Solar dos Andradas, na Praça dos Andradas, nº 7, no centro da cidade. Foguetes e outros artefatos pirotécnicos espocavam alegremente quando mamãe e eu encontramos, já na escada de madeira da entrada, as tias, irmãs de papai. Elas já o haviam recebido porque mamãe e eu nos atrasamos devido à quantidade de gente na frente do carro de praça onde nos colocaram. As tias Cisa e Zezé15, cercadas pelas amigas Freitas, filhas do tabelião de notas, não sabiam como fazer para nos agradar. Meus pais eram alvo de todas as atenções, mas eu também recebia carícias. O Solar estava festivo. Notava-se a alegria de papai em seu lar, entre as paredes que o viram nascer 52 anos antes. Não relato a conversa entre papai e os chefes políticos da região, pois não participei de coisa alguma, nem sequer ouvi. Só direi que à noite, durante o comício na frente do Solar, papai tomou melhor conhecimento da situação política de Zezé, que comunicou o rompimento de

15 Cisa (Narcisa) e Zezé (Maria José), irmãs de papai.

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relações com o concunhado Bias Fortes. Papai ouvia tudo, lembrando a amizade que unira seu pai ao velho Chrispim Jacques Bias Fortes, pai do concunhado de Zezé. Depois o povo (gente em penca), bem debaixo das seis sacadas, pediu para o embaixador falar. Papai então discursou da sacada histórica, pois dali haviam falado, entre outros, os revolucionários de 1842, como Theophilo Ottoni, o Cônego Marinho, Joaquim Camilo de Brito. Papai, emocionado com a atitude do filho de 30 anos, beijou-lhe a testa como a dizer estar de acordo. Foi uma ovação! A partir daí, papai evitava falar em Bias Fortes. Mudava logo de conversa. Achava tudo uma terrível desavença, mas não aconselhou o filho a mudar de atitude. Papai era grande liberal. Na época eu não entendia direito esse tipo de briga entre concunhados amigos. Mais tarde, sim. Cheguei à conclusão de que o despeito, a traição, a intriga, a inveja de conhecidos e correligionários de ambas as partes desencadearam a “guerra” cujas sequelas duram ainda hoje... Ó Jesus! Barbacena, para mim e outros, descaracterizou-se completamente. Os atores da inimizade política e familiar tomaram o nome de “biístas” de um lado e “bonifacistas” do outro. Ficamos em Barbacena três semanas. Lembrarei que assisti a missa na capela da nossa fazenda da Borda do Campo e rezei pelas almas dos antepassados que estão sepultados ali. Papai e eu fomos também às terras da Batalha, do Confisco e da Estiva, propriedades que ele herdou. Ele trouxe diversos presentes para suas irmãs e para os agregados das fazendas. Ofereceu cortes de seda às irmãs Cisa e Zezé, que os doaram aos agregados, já que fizeram pouco antes votos de pobreza e humildade. Recordo, durante os almoços, papai, sentado à mesa, tendo de ambos os lados gente a cochichar em seus ouvidos, contando suas vidas, seus desencontros, tal e qual ele vira suceder a seu pai, e dentro em

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pouco, seu coração previa, veria suceder a seu filho Zezé. A cena lembrava pecadores em confessionário buscando indulgências e soluções. De pé entre eles, diz a Senhora de Chastenay em suas ‘Memórias’, Marat ouvia e conversava com muita naturalidade, ou então, sentado em uma das poltronas de veludo vermelho com frisos dourados que mobiliavam toda a casa, escutava à direita e à esquerda, mais ou menos como um confessor, os assuntos que lhe vinham comunicar e recebia, com risco de os perder, os requerimentos que lhe entregavam. (Barras, le “roi” de la République — Jacques Vivent). Estivemos na Vila de Nossa Senhora do Carmo, situada no Sapé, residência de papai, onde Zezé meu irmão, sua mulher Vera e Filhinho moravam. Infelizmente o menino deles, Tammizinho (Simão Gustavo), tendo contraído infecção incontrolável, se achava em estado gravíssimo. Eu entrei no quarto do menino, que era o meu ex-quarto, e o vi no colo de Vera muito abatido. Tammizinho abriu os olhos quando Zezé falou: “É vovô, vovó e tia Marina”. Ao seu lado, junto à cama onde se achava Vera, o outro filho, Andradinha (Bonifácio José, hoje deputado federal) olhava a cena muito sério. Chegando ao Solar papai disse a mamãe: — Corina, só um milagre salvará nosso netinho. Estou preocupado com os pais. Voltamos ao Rio de Janeiro no noturno velho, de madeira, o único que então existia no país, mas que sempre me fez contente; adorava viajar. Sumamente preocupados viajavam meus pais, com o pensamento no netinho doente e na terrível desavença política que já dividia a cidade. Foi daí, repito, que surgiram as duas facções rivais, biístas e bonifacistas, que entraram na história de Minas, como já relatado acima.

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Prêcher I’union quand on s’égorge C’est crier dans le desert. (La Petite Fadette, George Sand, 1831). Mais tarde, quando morávamos em Lisboa e esse mal-estar já dominava a cidade de Barbacena, meus irmãos não escreviam para os pais contando a “coisa” para não os alarmar. Certamente estes pensavam que sua nora Vera, excelente e querida da família, estaria preocupada com sua gente, e seu esposo guerreando na politica. Eu compareci à recepção oferecida a meus pais no Clube Barbacena. Fui levada pela Guguta. O salão estava repleto de gente da melhor sociedade. Disso me lembro, e também dos doces... Acompanhado do Zezé papai visitou lugarejos onde tivera expressiva votação para vereador e deputado, revendo com imenso prazer fazendeiros importantes, e alguns compadres ainda indecisos quanto ao rumo político a seguir naquele momento. De volta ao Rio de Janeiro, chegamos na hora prevista. Na gare estavam os filhos, isto é, meus irmãos, contentes em nos ver. Deixamos a estação D. Pedro II em direção à nossa agradável casa na Voluntários da Pátria, Botafogo. No carro de Filhinho papai se perguntando ainda como foi o menino de Zezé contrair a doença. Na semana seguinte fui com Wandinha, minha prima Stockler, ao cinema Floresta, localizado perto do Jardim Botânico, para ver Myrna Loy e Ramón Novarro em Noite de Amor, cuja canção ainda sei tocar no piano (hoje toco mais órgão). A Jovelina, criada antiga de tia Bertha, avó de Wandinha, nos pajeou. Depois fomos para a chácara da tia no “Taioba”, reboque de bonde16, ouvindo a batucada do samba O teu cabelo não nega, mulata, etc.

16 Carregava frutas, verduras e muitos garotos que pegavam carona.

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Temporada boa foi aquela! Também estive em Copacabana no apartamento da Rosita, filha do embaixador Carvalho e Silva, que conheci em Lisboa. Ela, bonitinha e amável, me mostrou livros em francês. A mãe, D. Regina, senhora bonita, era irmã da embaixatriz Luiz Guimarães (D. Lavínia). Tomamos chá com D. Regina e mais outras senhoras..apreciando a belíssima vista do mar. Estive com meus pais no lindo Copacabana Palace Hotel, no chá servido na varanda ao lado da piscina, que o simpático embaixador Ramón José Cárcano, da Argentina, oferecia a meus pais, a tio Antônio Carlos e a tia Julieta (ex-presidente de Minas e esposa); suas duas netas Stella e Anita estavam presentes. Simpáticas, elegantes e simples. A primeira casou na família de Lord Dudley e a outra na de Lord Astor. Matrimônios contraídos quando o pai Ángelo Cárcano era embaixador em Londres. Tio Tonico conheceu a família em Buenos Aires, quando foi hóspede de papai na embaixada do Brasil (1936). O embaixador Ramón Cárcano, avô das ladies, já era conhecido de papai. Gente fina, elegante, os Cárcano17. El dr. Ramón Carcano le seguió en el uso de la palabra. Su discurso fué breve y el sintetizó magnificamente la obra de confraternidad que realizan el Vice-Presidente del Brasil y su Hermano, el Embajador en Buenos Aires, para terminar, después de referir-se al reconocimiento que se deve al Instituto, con estas palavras que pronunció, señalando el corazón: ‘Para los Andradas, todo’. (La Nación, 9 de mayo de 1936).

17 Vovô Lafayette, pai de mamãe, conheceu o pai de Ramón em Santiago, Chile, quando ambos eram embaixadores extraordinários durante a Guerra del Chaco.

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Logo que cheguei ao Rio com minha prima Luizinha fui à sua aula de dança, na avenida Rio Branco. Dei notícia a respeito à priminha de Lisboa, a Mila. Mila ou Maria Emília era neta do barão Aguiar de Andrada, de São Paulo, pelo lado materno, e do barão de Alto Mearim pelo lado do pai. Todas as quintas-feiras vou à aula de dança da Luizinha, que está dançando muito bem. A Victoria e a Wanda estão crescidas e bonitinhas. Querida Miloca, vou terminar. A carta está grande demais. Lembranças e mil beijos da priminha muito sua amiga. Marina Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1933. Luizinha, muito fina, enviou no dia 13 de novembro de 1933 uma cartinha pedindo a mamãe que comprasse um par de sapatos de balé pois ela, como relatei, aprendia e muito bem dança clássica com a primeira bailarina do Teatro Municipal, a russa Maria Olenewa. Enquanto eu frequentava com minhas priminhas Lafayette — Maryse, Victorinha e Wanda — cinemas e confeitarias (Alvear e Americana), mamãe, Corininha, tia Bertha, tia Julieta e demais amigas iam à famosa Confeitaria Colombo e às casas de moda. A vida era uma festa naquela época. Papai, às voltas com instruções do governo e do Itamaraty, com despedidas de parentes e amigos, pois estávamos de partida para Buenos Aires; ele foi nomeado embaixador do Brasil na Argentina. Todos contentes, com saúde, graças a Deus.

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3ª PARTE

E

mbora a Argentina fosse vista um tanto como rival (história lá da Guerra do Paraguai), os jornalistas iam atrás de papai colhendo suas palavras — como seria a atuação do novo representante do Brasil, etc. No meio deles havia um temido: era Assis Chateaubriand18. Morava na rua Capitão Salomão, em Botafogo, perto da nossa casa na Voluntários da Pátria. Em casa, muita conversa interessante, telefonemas de amigos, visitas, etc. Estive no convento de Notre Dame de Serades, onde estudei o primário, visitando a superiora e minha professora Soeur Adelaide. Revi antigas colegas cujos santinhos de primeira comunhão recebi; recordação daquele dia tão bonito de que eu teria participado em companhia de todas, mas não pude comungar, devido a um acidente de carro. Fui festejada por elas e ainda tenho os santinhos que me ofereceram. Assim íamos na expectativa da mudança de país. Mamãe preocupada com encontrar governante para mim e levá-la para a Argentina, já tudo ajeitado a fim de seguirmos para lá.

18 Chegou a ser embaixador em Londres.

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Rio, 7 (Estado de Minas) — Pelo telephone — As relações diplomaticas entre o Brasil e a Argentina, que são sempre alimentadas por uma cordialidade fraternal, vão ter agora novos intérpretes e representantes officiaes nesta capital e em Buenos Aires, com a designação de novos embaixadores dos dois paízes. Assim, já nosso governo pediu e obteve ‘agrément’ daquele paíz amigo para o Sr. José Bonifacio, que hoje mesmo foi considerado ‘persona grata’ e será deste modo o successor do Sr. Assis Brasil no posto que durante longos annos foi exercido pelo Sr. Rodrigues Alves. O Sr. Mora y Araujo, figura de grande relevo no corpo diplomatico aqui accreditado e na sociedade carioca, em cujo seio sempre foi justamente considerado um elemento de accentuado prestigio, vae deixar-nos, já tendo sido attendido o pedido de ‘agrément’ para o Sr. Ramón J. Cárcano, que virá em seu logar (ortografia original). Afinal mamãe, por indicação de tia Julieta, contratou Mademoiselle Marie Neumann (pronúncia Nóiman), suíça, para ser minha institutrice (preceptora). Era irmã de Mademoiselle Gaby, institutrice de Luizinha, a caçula da tia Julieta e do tio Tonico19. Antes da viagem para Buenos Aires eu tive contato com ela por telefone. Na verdade não fui lá muito com Mademoiselle, que me disse seríamos muito amigas e que me contaria muitas coisas da Europa, tudo em francês. O engraçado foi que a Idalina Mendes, minha governanta, já servante de mamãe não a apreciou, e entretanto durante a viagem do Rio a Buenos Aires as duas compartilharam a mesma cabine. Enquanto eu ia com a Caluca, minha prima e madrinha de batismo, papai e mamãe iam juntos. Idalina contou que quando Mademoiselle chegava à cabine de noite, ela fingia dormir para

19 Antônio Carlos, ex-presidente de Minas Gerais,senador e deputado, vice-presidente da República. Já mencionado.

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não ouvir o português mal falado... Com o correr do tempo tornaram-se amigas.viúva O dia do nosso embarque (ou “bota-fora”, como se usa dizer) chegou. Felizmente a choradeira da mamãe e do Tintim não passou do limite, como fizeram quando fomos para Portugal. Quem chorou bastante foi minha irmã, mas mamãe prometeu retornar ao Rio para o seu casamento. Eu derramava lágrimas silenciosas pensando na minha babá e no meu Jacky, cachorrinho que estava comigo desde os meus cinco anos de idade, presente da lavadeira de casa, que era sobrinha da minha babá Altina. Enquanto a sirene e os apitos do Conte Grande e demais embarcações soaram desejando, como era de praxe, “boa viagem”, as lágrimas desciam. A viagem correu calma, um mar de rosas. O transatlântico, mais luxuoso do que o Massilia, do que o Almanzora e do que o Lutetia (já meus conhecidos) tinha um salão veneziano com sacadas riquíssimas, que faziam o meu encanto pensando em Romeu e em Julieta. Eu lá, e o Romeu em baixo. Já conhecia a história, pois lia livros de mamãe e de tia Bertha, porque as duas viviam trocando livros, aliás, em diversos idiomas. Devo lembrar que esses heróis eram de Verona, e se bem que o autor fosse inglês, algumas de suas peças se passam na Itália. Durante a viagem, muitas festas programadas pelos argentinos, com aquele aparato já conhecido e do agrado geral. Gostaria de me referir a uns milionários que levavam em viagens uma vaca e um bezerro para dar leite, pois os ricaços tinham horror ao leite condensado. Os animais viajavam bem tratados, no porão, com um peão argentino cuidando deles. Nós estávamos distribuídos em três cabines de luxo, porque, graças a Deus, sempre viajamos bem. Caluca e eu em uma cabine com banheiro, conjugada à de meus pais, que dava

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para a de Mlle. Marie Neumann e Idalina. Naturalmente as demais eram com banheiros privativos também. Durante o percurso, curto, de quatro dias, ouvimos música variada. A criadagem era educada e os oficiais, belíssimos (opinião comentada entre nós). Viajavam na 3ª classe uns napolitanos que à noite, após o jantar, entretinham os demais passageiros, bailando a tarantella e cantando muito bem músicas do seu país. Descemos em Montevidéu e lá rodamos pela cidade, que era pequena e tinha flores viçosas em suas praças; chamava atenção. Chegamos à capital Argentina de noite. Buenos Aires, 14 — U. P. Chegou a Buenos Aires o Embaixador do Brasil. A bordo do “Conte Grande” chegou a esta capital ontem à noite o novo Embaixador do Brasil, Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, etc. etc. (Diário da Noite, 15 de outubro de 1933).

Da minha parte, no meu Diário nº 1, anotei o que segue: Às 8 da noite o navio atracou na ‘dársena’ norte. Confesso: a princípio não apreciei a cidade nem a embaixada. Achei tudo muito triste, cinzento, apesar da iluminação do prédio e das flores nas jarras. Será que gostarei daqui? Os secretários ofereceram a mamãe lindas flores e a mim uma caixinha de bombons. Caluca conhecia Buenos Aires, portanto estava ansiosa por rever as belezas da capital portenha. Mademoiselle achou logo semelhança com Paris. Sentiu que a cidade era “chic”. Gente de boa educação.

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Na semana seguinte à da chegada a Buenos Aires, papai entregou ao presidente Agustín Justo as credenciais, que eram parecidas com as que apresentara em Portugal. Dois pelotões de soldados foram buscá-lo para levar à Casa Rosada, ou seja, o palácio do governo. Os jornais deram notícias detalhadas, mas escolhi este aqui: NOTICIAS GRÁFICAS — BUENOS AIRES, 26 oct. 1933 — Tal como estaba anunciado esta mañana, se realizó la entrega de las credenciales del nuevo embajador del Brasil em nuestro país, señor José Bonifácio de Andrada e Silva. A la hora anunciada, llegó a la Casa del Gobierno em la carroza de gala el diplomático extranjero acompañado del introductor de embajadores, doctor Anaya. Em la terraza que da a la Calle Rivadavia se encontraban formados los batallones del 2 de infantería com banda y bandera, para rendir los honores correspondientes. Una vez em el interior de la Casa del Gobierno el embajador brasileño se dirigió al Salón Blanco de la Presidencia, donde fue saludado por el primer mandatario y el ministro de Relaciones Exteriores, realizándose, a continuación, la ceremonia de la entrega de credenciales.

Quanto a mim, copio do meu Diário o seguinte: Quando papai entregou as credenciais eu estava no carro de D. Manuela, defronte à Casa Rosada, para ver os soldados, o pelotão esperando por papai. Nisso ele sai e entra na caleça de Estado. Uma das senhoras brasileiras, casada com o Dr. Kramer, que se encontrava na calçada, vendo papai muito elegante, aplaudiu-o, e chegando à janela do nosso carro diz para D. Manuela: “Que peixão, Manuela!”. Sabendo no instante que eu era filha do embaixador, se acanhou, mas eu logo respondi: “Muito obrigada por achar papai bonito!”. DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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Daí para o futuro D. Elvira Kramer ficou nossa amiga, tendo oferecido um chá a mamãe, a D. Manuela Baptista Gonçalves, esposa do Dr. Protásio Gonçalves, primeiro-secretário da embaixada, a sua filha Dicita e a mim, em seu simpático apartamento. A colônia brasileira era toda amiga de meus pais; gente distinta que aparecia nos dias 7 de setembro e 15 de novembro nas recepções que a embaixada oferecia. Meus pais deram belíssimas recepções e no último ano, após o jantar, um baile. Falarei disso mais adiante. Assistíamos à missa de domingo em San Nicolau de Bari, na avenida Santa Fé20. Era elegante e ouvida com respeito. Num domingo recebi lá um santinho que guardei para enviá-lo à Wandinha21, o que nunca fiz. Tinha a dedicatória: À querida Wandinha, com muitos beijos da priminha Marina. Buenos Aires, 20/7/1934.

Após a cerimônia religiosa papai mandava o chauffeur da embaixada, o Sánchez, espanhol da Catalunha, rodar conosco pelos jardins de Palermo. Voltávamos para almoçar e, às seis, cinema: Sessão Vermont. Passada uma semana da nossa chegada a Buenos Aires comecei com as aulas. Malas de cabine, tipo armário, e chapeleiras desfeitas, roupas nos devidos lugares em armários gigantes em altura, largura e 20 O papa Francisco foi arcebispo nesta paróquia, parece-me. 21 Wandinha Lafayette Stockler. Foi casada com Archibald MacIntyre, neto, por parte de mãe, de Afonso Augusto Moreira Pena, presidente de Minas Gerais e do Brasil (ela faleceu em 2013).

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comprimento, me dediquei ao estudo. O português ficaria a cargo da Caluca; alemão, francês, inglês e religião, com a Mlle. Por intermédio de D. Manuela, esposa do 1º secretário da embaixada, futuro embaixador Dr. Protásio Baptista Gonçalves, casal muito simpático, gaúcho ele, argentina ela, foi contratada a professora de piano D. Elena Pujol. O instrumento era sonoro e bonito. A sala de música, no estilo Luís XVI, me encantava porque eu já sabia, e muito, a história desse infeliz rei e de Maria Antonieta. Sobre um console da sala ficava o busto — defronte ao espelho — da decapitada “reine de France”. Logo de início gostei do piano. Imaginei-me uma petite-marquise. D. Elena, delicada, sabia escolher pequenas peças musicais. Uma tinha o nome de À toute vitesse. Outras eram de Mozart, Schubert e Schumann. Havia ainda exercícios de Czernye Clementi. Eu estava recordando as composições estudadas em Lisboa. E havia as novas também. Exercícios não eram do meu agrado, nem as escalas ao piano. Mas fazia. Continuei amiga de D. Elena; de Roma enviei-lhe um cartão de Boas Festas. Ela me respondeu com um bonito, onde escreveu: A Marina de Andrada e Silva, muy agradecida a su gentil saludo de Navidad y Año Nuevo, retribuyendo y haciendo votos para que el año sea para ti y tu familia de mucha felicidad. Elena Pujol. 1938-1939.

D. Elena contava vidas de compositores. Era ótimo. Tomei conhecimento de que Mozart tocava desde muito pequeno, e aos 6 anos compôs um minueto que executou no palácio imperial de Schönbrunn, em Viena, diante da imperatriz Maria Tereza da Áustria, mãe da rainha Maria Antonieta (esta tinha a mesma idade do músico infantil), e bisavó da nossa primeira imperatriz, D. Leopoldina. DE BARBACENA A BUENOS AIRES

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Caluca era um anjo de bondade, além de bonita; ensinava-me gramática portuguesa, história do Brasil e geografia. Ciências e literatura francesa ficaram a cargo da Mlle. Neumann. Oh! Matérias cacetes essas de ciências e matemática! Muito piores do que aritmética! Se bem fossem da mesma família... Na manhã reservada a essas matérias eu fugia a sete léguas, indo parar no chalezinho no fundo do jardim da embaixada! Graças a Deus já estava gostando de Mademoiselle. Ela me dava pena porque sobre a escrivaninha do seu quarto ficava o retrato do noivo, falecido na retomada do Forte de Verdun, na Primeira Grande Guerra (1914-1918). Mlle.me pediu que levasse, todo dia 10 de cada mês, flores para colocar na jarra diante da foto. Vi que era moço bonito, vestia a farda do Exército Imperial da Alemanha. O camarada soldado que assistiu à sua morte no campo de batalha escreveu para Mlle. relatando que ele, ao morrer em seus braços, dissera em alemão “Für Marie” (Para Maria). Daí o amigo interpretou que ele oferecia sua morte heroica à noiva na Baviera. A batalha foi terrível. Eu tenho o livro de Louis Madelin, Verdun, relatando tudo. Íamos muito ao parque Costanera, nas margens do Rio da Prata, andar nos carrinhos. Aos domingos, cinema. Muito bom e superelegante. Fiquei logo amiga da Dicita (Maria Edy), filha do 1º secretário da embaixada Dr. Protásio Baptista Gonçalves, futuro embaixador, e de D. Manuela. Com ela eu tentava falar espanhol, ou castellano, como dizem os argentinos. Era uma garota da minha idade, muito simpática, de quem sou grande amiga ainda hoje. Papai me aconselhava a ler jornais, revistas e ficar atenta às legendas dos filmes para me familiarizar com a língua do país. Decorei uma propaganda do medicamento Tisal que a Rádio Belgrano transmitia: Un Tisal em el pecho, Remedio hecho.

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A criada de quarto da embaixada, nascida na Espanha, chamada Amelia, tornou-se minha amiguinha e de Idalina. Contava casos; entre eles que ouvira Rachel Miller cantar La Violetera e o célebre Caruso em Roma (meus pais também os ouviram). Quando fui ao Rio para o nascimento de Zezinho, filho da Corininha, Amelia me enviou este cartão, meio em poartuguês, meio em espanhol: Distinguida Niña Marina: A Jaquelina22 tem muita saudade da señorita. Ella diz que é muito bem cuidada, está mui gorda e muito feliz. Eu encomiendo a minha niña não esquecer de rezar a Santa Terezinha para el viaje a Roma. Lembranças e saudades da criada Amelia. Buenos Aires, 18 de diciembre, 1934.

Tendo papai entregado as credenciais e na forma convencional, com grande aparato, como já referi, foi fácil se entrosar com o governo. O embaixador precedente, ex-deputado Joaquim Francisco de Assis Brasil, revolucionário de 1930 como papai, era gaúcho, forte e inteligente, dizia papai. Saiu de sua estância no Rio Grande do Sul para estar em Buenos Aires com o amigo José Bonifácio a fim de lhe dar as boas-vindas. Entre outros assuntos, contou que perdera uma filha. A moça de 35 anos, Cecília, morreu quando cavalgava num dia de tempestade, atingida por um raio, junto com o cavalo que adorava. Isso aconteceu na propriedade rural de Assis Brasil, onde ele construiu o magnífico Castelo de Pedras Altas, em estilo medieval, hoje ponto turístico. 22 Cachorrinha vira-lata que encontrei no Parque de Palermo e levei para a embaixada. Fifi, Totó e Bob seus filhotes. Seu marido era o Pufy, pequinês, do embaixador Rodrigues Alves, ilustre diplomata, filho do presidente do Brasil, de mesmo nome.. Uns amores, ”los perritos”.

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O interessante é que, na embaixada, eu escolhi, sem o saber, para ser meu quarto, o mesmo de Cecília. Sua mãe, a embaixatriz Assis Brasil, era filha do fidalgo português conde de São Mamede, do conhecimento de meus pais. Mamãe pensou matricular-me no colégio Sacré Coeur de Jésus, que ficava na vizinhança da embaixada. Eu protestei: excelente, sem dúvida, mas rigoroso. Queria eu lá rigor?! Mamãe argumentou: — Como é que você vai se arranjar contando nos dedos? Respondi: — Minha matemática é sábia. E assim me mantenho ainda hoje... O idioma francês ia de vento em popa, o alemão e o inglês também. (Quando eu falava em alemão com a institutrice, dirigia-me a ela como Fräulein Neumann (pronúcia Fróilain, correspondente ao francês Mademoiselle). Sabia recitar o Sonnet pour Hélène, de Pierre de Ronsard, e também Canções de gesta, entre elas La Chanson de Roland. Coisas bonitas em francês medieval. Lembro-me da divisa dos Rohan: Roy ne puiz, Duc ne degne, Rohan je suis! Também do que Ronsard dizia para Hélène: Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle, assise auprès du feu, dévidant et filant, direz, chantant mes vers, en vous emerveillant: “Ronsard me célébrait du temps que j’étais belle”. 64

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Mlle. Neumann dava aula sentada na escrivaninha do seu quarto; a porta da sacada ficava aberta e eu me sentava de costas para ela. Creio que foi daí que tomei medo a vento encanado: meus ouvidos sentem logo e dão zumbido. Às quintas-feiras Mlle. e eu íamos para o parque, o célebre Palermo23. Lá chegando sentávamos no pátio andaluz e a aula começava. Era de Literatura Francesa. Adorava! Ainda sei a poesia abaixo: PETITE MÈRE ! La nuit lorsque je sommeille, Qui vient se pencher sur moi ? Qui sourit quand je m’éveille ? Petite mère, c’est toi! Qui gronde d’une voix tendre, Si tendre que l’on me voit Repentant rien qu’à l’entendre? Petite mère, c’est toi! La nuit lorsque je sommeille, Qui vient se pencher sur moi ? Qui sourit quand je m’éveille ? Petite mère, c’est toi! Qui pour nous est douce et bonne? Aux pauvres ayant faim et froid, Qui m’apprend comment on donne? Petite mère, c’est toi!

23 Embora bonito e tranquilo, Mlle.Neumann morria de medo por causa do rapto acontecido ali de um jovem da alta sociedade, pouco antes da nossa chegada a Buenos Aires.

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Quand viendra la vieillesse, À mon tour veillant sur toi, Qui te rendra ta tendresse? Petite mère, c’est moi! (Sophie Huet)

Mlle. Neumann me ensinou a tocar no piano e cantar uma canção que ela apresentou e dançou quando completou 16 anos, em seu Cantão de Neuchâtel, na Suíça. Ainda sei cantá-la. Eis a letra: De plaisir mon âme est ravie, À moi les roses du printemps, À moi le bonheur de la vie, À moi les roses — j’ai seize ans! Je vois tout en rose, La douce chose Je vois tout en rose! Je vois toute en rose, La douce chose!

A minha estreia na “ópera lírica”, como então se dizia, foi aos 13 anos, logo que cheguei a Buenos Aires. Mamãe encantada, maravilhada com Lily Pons, a maior soprano lírica do mundo no desempenho de Madame Butterfly, de Puccini, providenciou a minha ida com Mlle. Neumann à matinê de domingo. O Teatro Colón é muito rico e naquela tarde estava repleto de brilho e elegância (aliás, como sempre). Os que assistiam ao espetáculo saíam fascinados com a artista francesa.

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Confesso que fui desanimada, preferindo o cinema. Mas devo dizer que a partir daquela tarde não perdia oportunidade de assistir a óperas e balés. Meus prospectos de teatros que o digam! Quando Lily Pons apareceu, eu nem me mexia, parecia uma estátua na poltrona. Ao se acenderem as luzes, Mlle. me disse: — Marina, vous êtes toute bouche! Num dos intervalos, passeava com Mlle. Pelo foyer quando dei de frente com Renata24. No final de 1933 voltamos ao Rio de Janeiro para o casamento de Corininha, marcado para o dia 12 de dezembro, aniversário de Tintim que, muito engraçado, dizia que não ganharia presentes devido à data coincidir com o casamento da irmã. A cerimônia deveria ser na casa da noiva, rua Voluntários da Pátria, 450, Botafogo, a pedido da mãe25 do noivo, por estar enferma. Residência grande, de dois andares, com uma escada de madeira com 33 degraus, e três salões, um de jantar, um de festas e um menor que servia de escritório, todos dando para a escadaria. Corininha nos esperava ansiosa, em casa de Filhinho26. Embarcamos no Flandria, navio holandês, pequeno e limpíssimo. O capitão se encantou por Mlle. Marie Neumann. Com ela, ele falava alemão. Nos levou, ela e a mim, para tomar chá em seu camarote, onde

24 Filha do barão von Thermann, embaixador da Alemanha. Garota como eu, espigada, falando francês comigo e alemão com Mademoiselle. 25 Lucia Bret, nascida em Paris. 26 Nosso irmão; tinha o nome do avô paterno, Antônio Carlos, que chamava de padrinho por ele o ter batizado.

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nos mostrou, além da fotografia da rainha Guilhermina da Holanda, a foto da esposa, que nos pareceu muito simpática, lembrando Brigitte Helm, artista alemã da UFA (Universum Film Aktien Gesellschaft). A fotografia estava sobre a cômoda e ele ma mostrou, dizendo: — Esta é minha artista predileta. A seu convite tomávamos refeições em sua mesa; eram servidas frutas muito gostosas que ele dizia serem brasileiras. Viajava conosco o bispo D. Inocêncio Lopes. Conversando comigo temas religiosos, ofereceu-me um santinho de São José, com a bandeirinha da Argentina do lado. Atrás está escrito: São José, modello dos humildes, ama muito aos simples de coração. Com votos e bençãos, D. Inocencio Lopes. Bispo Prelado de Sta Engracia, Piauhy — Brasil. 10 de dezembro de 1933.

Fazia boa companhia a meus pais. Era sacerdote educado e culto. A conversa tinha lugar na hora do chá, no salão, ao som de músicas suaves tocadas pela orquestra de bordo. Durante essas audições, meus pais tornaram-se amigos do casal peruano Miró Quezada. Tiraram retratos no convés. Como relatei, Corininha, ficando no Rio, providenciava o enxoval e os preparativos para o casamento, auxiliada por Maria Hilda, nossa cunhada, cabendo a meus pais o acerto das contas. Dessa vez o navio não ancorou em Montevidéu, ficando ao largo. Nós não desembarcamos. As filhas do embaixador do Peru em Buenos Aires, Sarita e Alicia Barreda y Laos, iam ficar na cidade. Quando 68

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desceram para a água na lancha, uma das amigas que continuaria a viagem gritou: — Mira, Sarita, tu suegro! E apontou papai, que sorriu. Tintim andava de flerte em Buenos Aires com ela. Sarita acenou para nós, mamãe e eu retribuímos. Todas risonhas, e lá se foi a lancha em direção ao cais. Poucas horas depois o Flandria seguia para o Rio de Janeiro, deixando o Uruguai debaixo de temporal. Lembro-me bem. Atracamos na capital brasileira às 10 horas de uma manhã de sol. Os irmãos e primos dessa vez não vieram na lancha da polícia nem na da Saúde Pública para nos encontrar. A família no cais, barulhenta, dando as boas-vindas. Mamãe trazia coisas lindas para Corininha, que saltou ao seu pescoço de alegria, só em saber. No dia do casamento o trânsito da rua foi desviado, tal a afluência de automóveis chegando para a cerimônia, marcada para as quatro horas, a pedido da mãe do noivo, Paulo Maurity. A noiva foi vestida pela Mlle. Marie Camille, e a cabeleireira de que a família gostava, e que já nos penteava havia anos, foi a Iritis, da rua Gonçalves Dias27. O bifê, da famosa Confeitaria Colombo. O gâteau de noces, ou bolo de núpcias, representava dois pombinhos se beijando. Tudo muito bem servido e saboroso, do nosso gosto — meu e de minhas primas Wandinha (Stockler), Victorinha e Maryse (Lafayette) e Luizinha (Andrada). Todas nós sentadas no alpendre, apreciando o ambiente. Eu, principalmente, em sorrisos para o primo Decinho Penido do Amaral, namoradinho de 27 Fui dama de Corininha na última hora. Ela acabava de se vestir quando lembrou que não convidara dama para levar as alianças. Então me convidou ali mesmo no quarto. Desci a escadaria adiante dela e de papai, que a conduzia, até o altar armado no salão. A bandejinha de prata das alianças serviu depois para o meu casamento e ainda a conservo.

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infância que se casou com outra e foi muito feliz (interessante: ele foi colega do meu marido, Mário Ibrahim, na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, da Praia Vermelha, RJ). Monsenhor Costa Rego28 celebrou as bodas. Seus sermões bonitos lotavam a velha catedral. A alta sociedade prestigiava esse prelado por ele ser culto e educado, inteligente e elegante. O Cônego Marinho que, parece, ocupou seu lugar na Candelária, também enchia o templo quando pronunciava algum sermão importante. Como se sabe, nossa família apreciava os clérigos, distinguindo-os muito. O cônego também compareceu às núpcias. Mas embora a recepção, com a noiva muito bonita, e eu de dama levando as alianças, estivesse brilhante, muitas flores, quarteto de violinos nos deixando encantados, políticos, diplomatas, gente da sociedade, teve uma nota triste: Vera e Zezinho (meu terceiro irmão) não compareceram por causa do falecimento do neto Tammzinho. Fato que sucedeu quando estávamos a bordo. Somente papai deu um pulo rápido a Barbacena para visitar o filho e retornou ao Rio. A cerimônia civil foi movimentada. Na hora de assinar, Corininha teve um tremendo acesso de tosse, assustando os presentes. Tintim providenciou um copo de água com o remédio que foi buscar no quarto dela. Serenada a tosse ela explicou que estava de coqueluche, certamente apanhada dos sobrinhos, pois estivera hospedada em casa de Filhinho com a pequena turma enferma. Eu devo ter contraído a moléstia porque, voltando a Buenos Aires, caí doente. Bem mais tarde, quando os noivos deixaram a casa, uma chuva de arroz foi atirada por nós na capota do automóvel Packard que os levaria ao Hotel Glória; no dia seguinte tomaram o noturno para São Paulo, onde se hospedaram no Hotel Esplanada. 28 Ilustre sacerdote e vigário-geral do Rio de Janeiro, velho amigo da família.

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Entre os padrinhos de Corininha estavam tio Tonico e tia Julieta no religioso, e no civil Filhinho e Maria Hilda. O tio, na época, era presidente da Assembleia Constituinte, e seu prestígio, muito grande. A roda de políticos parecia muito animada em torno dele, sentado, lembro-me bem, entre as duas sacadas da sala de jantar. Papai, contente, em palestra com alguns amigos, antigos colegas da Faculdade de Direito de São Paulo (as famosas Arcadas do Largo de São Francisco) que, recebendo convite, compareceram. Corininha, com suas colegas do Sacré Coeur de Jésus, as Murray, uma delas parenta da escritora Mary del Priore. Ilka, recém-casada com Lahyr Tostes, ricaço de Juiz de Fora, compareceu com o esposo. Casal elegante. Minha irmã recebeu muitos presentes, enchendo os quartos dos manos Tintim, Luiz, o meu, o de meus pais (também o quarto de vestir da mamãe, ainda chamado de boudoir pela família). O Jacky nesse dia foi preso no galinheiro e fez uma farra: corria atrás das galinhas tentando pegá-las. Felizmente o barulhão aprontado não foi ouvido dentro de casa, por causa da animação dos presentes e do conjunto de violinos que estava tocando. O casamento da prima, filha do tio Tonico, fora no mês anterior. Papai recebeu o convite do irmão, pelo telefone, para as bodas. Padre Natuzzi também comunicou o casamento29. No Rio passeei a valer, assisti a lindos filmes e lanchei na Confeitaria Americana. Viemos a Minas, e em Juiz de Fora, tia Julieta e mamãe passearam pela cidade, visitando parentes. Eram muito amigas as duas concunhadas; as famílias já se davam desde o Segundo Reinado. O marquês de Olinda, avô da tia, quando era presidente do conselho de D. Pedro II, nomeara o pai da mamãe, vovô Lafayette Rodrigues Pereira, como 29 Notável jesuíta, amigo nosso.

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presidente do Ceará e depois do Maranhão. Tal sucedeu em 1864, quando o futuro genitor da mamãe contava 30 anos de idade.Lembrando ainda de Juiz de Fora: aquele riquíssimo leito dos tios, herança do marquês, que me matava de medo ao vê-lo no Rio de Janeiro. Do lado de papai há cartas30 da Marquesa de Olinda escrevendo para sua amiga D. Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada — na época em Barbacena — avó paterna de papai, filha de José Bonifácio de Andrada, Patriarca da Independência. Retornamos ao Rio, onde permanecemos por poucos dias para embarcar no Arlanza, da Mala Real Inglesa. Iríamos, com o correr do tempo, viajar em seus irmãos, ou seja, Alcantara, Alvila Star e Asturias, já tendo viajado em outro, o Almanzora. Todos ótimos, mas de grande movimento, bailando muito sobre as ondas. Um horror... Uma menção ao Arlanza, associada a um inimigo político de minha família. Refiro-me ao presidente de São Paulo, Júlio Prestes, causador da Revolução de 30. Ei-la: Dr. Julio Prestes a interrompu son séjour à Paris pour aller passer quelques jours à Londres. Il a quitté Paris le 20 Juillet et s’est embarqué pour Rio sur le paquebot “Arlanza” où il a rencontré le Roi Alphonse XIII qui rentrait em Espagne. (Les Annales du Foyer Brésilien — Paris, 7 septembre, 1930).

Os quatro dias de viagem transcorreram muito bem; divertimentos seguidos. Era um turbilhão. As amizades travadas em viagem “ficam 30 Encontram-se na fazenda da Borda do Campo.

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por aí, ficam à margem da vida”, diziam meus pais. Muito tempo depois compreendi ser muito verdadeira a observação. Embora a viagem corresse bem, o navio balançava bastante. No domingo eu quis assistir à missa na capela do navio e chamei a Idalina para ir comigo, porque Mlle. Marie se encontrava palestrando em alemão com mamãe, esta ainda acomodada em seu beliche. Papai havia descido para a capela armada no porão, como acontecia em navios de bandeiras alemã, holandesa e inglesa, nações protestantes. Nos transatlânticos católicos a missa era no salão nobre. Idalina e eu, depois de muitos solavancos pelos corredores e escadas de ferro, ao balanço do navio, completamente “mareadas”, enjoadas, chegamos ao lugar desejado. A missa já tinha começado e era celebrada em inglês. Papai, contrito, ajoelhado lá na frente. Nisso o Arlanza dá novo salto. Foi a conta: Idalina “deitou cargas” atrás de uma cadeira! Quando vi aquilo fiz o mesmo atrás de outra. Santo Deus! Papai imediatamente fez sinal para que saíssemos, o que fizemos logo. Voltamos à cabine, malíssimas, “lançando” pelas escadas, e corredores. Tudo feito às escondidas dos marinheiros. Papai foi me ver, mas notando que eu gemia, nada falou; certamente queria reprovar o que fizemos já que recomendara, antes de sair para a missa, que eu não fosse, porque o mar estava agitado. Mamãe se achava no beliche dela, defronte ao meu. Na outra cabine, Idalina passando mal e Mlle. olhando (soube disso depois). Tintim nem falava, deitado em sua cabine. Papai, que não sentia nada, andava pelo deque. Com tudo isso, com mar agitado ou de rosas, viajar era bom. A noite, com o céu estrelado, luar e mar calmo, era um sonho de beleza! Então paramos em Montevidéu, capital que continuava atrasada, diziam meus pais. Aí comprei Caras y Caretas, revista argentina muito boa. Aliás, foi Tintim quem ma ofereceu, já que viajava outra vez conosco. Lá encontramos novamente o já citado Frei Inocêncio Lopes, prelado

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de Santa Engrácia, no Piauí, que a pedido escreveu no meu Diárioo seguinte: A Marina L. de Andrada e Silva, lembranças da viagem, com uma bênção. Porto de Montevideo, 29/12/1934.

Meus pais gostavam de ouvi-lo relatar suas missões entre os índios e eu também puxava assunto, ora no convés ora no salão, ouvindo lindas músicas em surdina; ele também apreciava ouvi-las enquanto saboreávamos o chá. Lembrando 1934: papai e mamãe ofereceram, logo que chegamos, um bonito almoço, elegante e florido, em petit comité, ao cel. Urquiza, de família histórica e muito rica. Sua filha Eloísa, encantadora, compareceu. Foram também convidados o dr. Ricardo Aldao e senhora, González Durham e senhora. Gente de primeiríssima categoria. Aliás, como era a alta sociedade argentina. Eu presenciei a ornamentação da mesa e dos salões e a chegada desses elegantes; vi do salão de cima, que tinha um vitreau (tipo claraboia) belíssimo, em companhia de Mlle. Marie. Mamãe usava um belo vestido azul-turquesa, de griffe parisiense. As corbeilles recebidas dos convidados enfeitavam a entrada e o alto da escadaria de mármore do primeiro salão. O cel. Urquiza tornou-se grande amigo de papai. Descendia dos primeiros Urquizas que vieram para a Argentina na época colonial. Nisso, chegou o 32º Congresso Eucarístico Internacional, de 1934, que foi em Buenos Aires, de grande repercussão, pois o delegado papal

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era o santo cardeal Pacelli, de saudosíssima lembrança31.Na noite anterior à sua chegada, a senhora que ia hospedá-lo, D. Adelia María Harilaos de Olmos, convidou nossa família para ver a forma como ela iria receber Sua Eminência. O palácio da futura marquesa pontifícia era riquíssimo. Percorremos todo ele, com a proprietária contando a cada passo a história dos objetos, dos móveis, de sua família. A cama de dossel onde o cardeal dormiria tinha um cobre-leito bordado a fios de ouro, trabalho apreciado sobremaneira por todos. Depois soubemos por D. Adelia María. que se tornou grande amiga dos meus pais, que Pacelli pediu um leito de campanha e lençóis comuns para dormir. Sem que ninguém pudesse imaginar, Pacelli seria o sumo pontífice. Meu pai pediu-lhe a bênção apostólica para mim e Mário no dia do nosso casamento, bênção que chegou do Vaticano por telegrama endereçado à igreja de São João Batista, matriz da Lagoa, e que foi lido após a cerimônia pelo vigário padre Saraiva, no altar, perante os convidados. O telegrama foi expedido pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Montini, futuro papa Paulo VI32. Voltando ao congresso, distintos prelados chegaram para o evento. Entre esses me lembro do nosso cardeal Leme, e do cardeal Cerejeira, de Portugal. Veio também o antigo vigário de Barbacena, monsenhor Lopes de Araújo, que havia batizado Luiz meu irmão, e a quem meus pais muito apreciavam. Recebendo convite de papai para se alojar conosco, assim o fez, nos dando imensa alegria.

31 Que veio a ser o papa Pio XII. 32 7 out. 1950 01, 4 Carta RADIO Fs 466 Città del Vaticano 33 6 0888 V gut. LTF Igreja São João Baptista da Lagoa Botafogo Rio de Janeiro. Sua Santidade concede todo coração esposos Mario Ibrahim Silva Marina Andrada implorada Bênção Apostólica Celestial novo lar Cristão. Tedlpk K5 – Montini Substituto. (Dos lados está escrito Via Radiobrás – Companhia Radiotelegráfica Brasileira – Avenida Rio Branco, 480-243 – Telefone 23-2177 – Rio).

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O sacerdote era inteligente e divertido. Os almoços eram animados, com ele falando em inglês comigo e Mlle. para treinar, dizia. Saía cada história engraçada... O sr. vigário, como sempre o chamamos, gostava de ler no jornal argentino La Prensa as histórias de Pafúncio e Marocas, e também as de Popeye e Olívia Palito. Ele ria a valer. Papai o levara ao elegante Jockey Clube do Rio no dia do clássico Grande Prêmio Brasil. O retrato que tiraram saiu no jornal Clarín de Buenos Aires. Voltamos depois ao Rio de Janeiro no Almanzora, navio inglês que eu já conhecia por haver viajado nele aos cinco anos de idade. Foi divertidíssimo! A família falando inglês com os criados e eu entendendo tudo. Tia Gasparina desse idioma não dava notícia. Do francês sim, pois ficou dois anos interna no famoso Sacré Coeur de Paris, em Montmartre, quando o pai, o brioso conselheiro Gaspar da Silveira Martins, estava exilado por ocasião da queda do império e onde ela teve por contemporâneos uma infanta da Espanha e uma princesa de Orléans (Eulália, a espanhola, e Louise, a francesa, futura sogra de D. Pedro Gastão, o príncipe de Petrópolis). As tias distraíram mamãe do enjoo. Pouco depois de retornarmos mais uma vez a Buenos Aires, a família de Filhinho com Maria Hilda e garotos: José, Henrique e Doutorzinho (Antônio Carlos), de 3 anos33, mais a babá africana, chegaram pelo transatlântico alemão Cap Arcona. Foi ótimo para todos. Passearam bastante. Visitaram Luján, perto da capital, para rezar aos pés da Imagem

33 José, depois deputado federal pelo Rio de Janeiro, Henrique, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral e Doutorzinho – Antônio Carlos, diplomata (embaixador).

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Milagrosa de Nossa Senhora, muito venerada na Argentina. Gostaram de lá, assim como nós, que já conhecíamos34. Passearam de lancha pelo rio Tigre (a Argentina também tem, não só a Mesopotâmia!) onde tiraram retratos. Meus pais ofereceram um bonito jantar a Filhinho e a Maria Hilda, com o comparecimento de todos os secretários da embaixada e do consulado. Maria Hilda, como sempre, voltou animada da Argentina, contando das festas, da elegância, de toda a aristocrática roda da diplomacia. Quinta-feira ella irá commigo a Nictheroy comprar fogos para as crianças festejarem S. Pedro. Vamos preparar aquí na Gavea, em casa, grande festa, como a tia sabe. (Carta de Caluca a mamãe, 22 de junho de 1935).

Certa vez, quando mamãe entrou no quarto dos meninos para dar-lhes boa-noite, o Ico (Henrique), seu afilhado, vendo-a contra a luz, ou melhor, banhada pela claridade do corredor, ela toda de lamê dourado, pois ia a importante banquete oferecido aos médicos35, ele, levantando-se para abraçá-la, exclamou: — Viva a vovó douradinha! Daí passou a chamá-la assim. Devo dizer que até hoje Ico nunca deixou de me telefonar, falando na avó Corina, cumprimentando-me

34 A escritora María Raquel Adler enviou a papai (já embaixador em Roma) o poema de sua autoria, com dedicatória: “A Don José Bonifacio de Andrada e Silva, dedico este Canto de Nuestra Señora de Luján, patrona nuestra, con una homenaje de admiración”. Buenos Aires, 31 de agosto de 1938. 35 Há uma bela fotografia desse jantar, ou melhor, banquete oferecido aos médicos renomados da Argentina e do Brasil.

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pela mãe que tive. Um encanto, o Ico. Diz ele que mamãe naquela noite fez-lhe lembrar uma fada. Todas as manhãs o Sánchez, chauffeur espanhol da embaixada, levava os meninos para andar nos pôneis do Jardim de Palermo. Engraçado foi o que sucedeu a mamãe certo dia. Ela tinha por costume fazer a sesta com o quarto às escuras. Nesse dia já se achava cochilando quando sentiu um vulto se movendo no degrau de sua cama (que era de dossel e estrado). Ela olhou e, nada vendo, voltou-se para o outro lado pensando ser o cachorrinho Bob. O vulto também passou para o lado oposto. Ela então puxou o cordel de veludo da campainha, chamando a Idalina. Quando esta chegou, mamãe disse: — Tire o Bob de debaixo da cama. A Idalina puxa algo, e quem sai? O Ico! Foi risada geral porque o menino, de 4 anos, estava enrolado no renard argenté (casaco de pele de raposa prateada) que apanhou da poltrona. A propósito de Idalina, me lembro de que, quando ela se preparava para a ida conosco para Portugal, papai lhe pediu: — Você tem de me entregar sua certidão de nascimento para eu providenciar seu passaporte, caso contrário você não pode viajar para Portugal. Tenho de apresentar seu nome completo, filiação e onde nasceu. Compreendeu, Idalina? Ao que ela respondeu: — Sim, senhor embaixador compreendi, mas não fui registrada. Não sei que idade tenho, nem ase nasci em Bicas ou em Rochedo. Papai, olhando-a fixamente, falou: — Você deve ter 40 anos (isso foi em 1931). Nasceu em Barbacena no dia 25 de maio de 1890 e ponto final.

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Foi tão engraçado que até eu, com 10 anos, comecei a rir. Sempre que me lembrava dessa conversa, indagava: — Papai, por que você escolheu a data nacional da Argentina? Ele respondia, rindo: — Nem eu sei. Escolhi por acaso! Premonição de que pouco tempo depois ele seria o embaixador do Brasil naquele país? Tintim, brincalhão (de todos os meus irmãos era o predileto da Idalina), dizia em Buenos Aires: — Seu aniversário, Idalina, é importante. Escute as salvas de canhão! Ela ria. Voltamos ao Rio pelo Alcantara, outro navio inglês; permanecemos um mês. Era Carnaval. A cidade estava animadíssima. Dias alegres e noites quentes. Eu me deitava à noite, apoiando as pernas no parapeito da janela, atravessada no leito, me abanando de leque, e ouvindo a noite toda marchas e sambas do botequim da esquina. Aprendi vários. Lá vai esta: Lourinha, lourinha Dos olhos claros de cristal Desta vez em vez da moreninha Tu és a rainha do meu Carnaval.

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Retornamos a Buenos Aires levando outra vez a Caluca. A viagem pelo Almanzora correu bem. Era a terceira nesse navio; a primeira fiz aos 5 anos, da França ao Brasil36. Pouco depois da chegada, atacou-me a coqueluche que eu contraíra dos sobrinhos, como narrei anteriormente. O médico chamado por indicação de D. Manuela era de origem italiana, muito amável. Me prendeu no leito por um mês. Felizmente, com a graça de Deus, a tosse foi aplacando até acabar de todo. No meu caderninho escrevi o seguinte, num daqueles dias, ainda no quarto que dava para a sacada da frente do prédio: I’m taking syrup (from Binelli) and some sweets. Mother don’t be sad! I am better today. I awake at 10 o’clock. It was a wonderful story that my mother told me, from a French girl of the eighteenth century. Now I’m sitting on a stool at the veranda of my bedroom. I ask to Idalina this: — Have you heard the sweet melody in my radio? — Yes, I have, but I prefer “carioca”, she said. It is a samba. 11 o’clock, Buenos Aires, 30/3/1934.

Pouco depois eu seguiria o programa de estudo proposto por Mlle. Marie Neumann, mas, lógico, só as matérias preferidas... pouco de Matemática, pouco de Ciências, embora já fossem essas resumidíssimas. Caluca ensinava Português, História, e eu adorava saber dos casos, principalmente das matas, dos índios, dos animais seus amigos. Até então eu não sabia que descendo da princesa índia Bartira. Creio que já era o sangue paulista quatrocentão falando, se interessando por sua 36 Viajava o príncipe Ludwig Ferdinand von Hohenzollern, da Prússia, filho do Kaiser. Ia à Argentina a negócios. Foi quem me entregou a libra esterlina de ouro por eu ter tirado o primeiro lugar nos jogos infantis do navio.

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origem, da famosa nativa, e seu pai, o poderoso chefe Tibiriçá. Vinha do meu lado materno, de Pindamonhangaba. Minha bisavó Chica nasceu lá, daí a história de índio... Às vezes, depois do jantar, eu sentava no quarto de Caluca para ouvi-la contar lindas histórias do Reno, que ela dizia em alemão, tal e qual a institutrice. Idalina em uma poltrona, atenta às palavras de minha querida prima e madrinha de batismo. Eu, recostada no pé da cama e Caluca na cabeceira. O quarto em penumbra. Ô coisa boa! Eu, prestando atenção, entendendo alguma coisa. A princípio não gostei lá muito da capital “porteña”. Suas casas cinzentas e seu idioma semelhante ao nosso faziam-me estranhar. Mas fui me apaixonando por Buenos Aires e isso ainda perdura, e lamento os reveses por que está passando o país que foi, sem dúvida, o mais aristocrático da América Latina. Mamãe, atenta à minha cultura, pediu à Mlle. que me levasse ao Teatro Colón para o Concierto de Obras Sudamericanas. Roberto Burle Marx, músico irmão do famoso paisagista, regia, e João de Souza Lima tocava piano (ambos paulistas). Mlle. Neumann surgiu tal e qual uma baronesa alemã de meus livros de M. Delly. Disse-lhe isso, ao que ela respondeu: — Vous êtes très gentille, ma petite Marina. Eu já estava me afeiçoando a Mlle. e até arrisquei, quando papai foi nomeado por Getúlio Vargas embaixador na Santa Sé (Vaticano), convidá-la a ir conosco. Ela não aceitou porque abrira no Rio, em Ipanema, com a irmã, Mlle. Gaby, ex-institutrice de Ilka e Luizinha (minhas primas), uma escola de línguas francesa e inglesa. Lá tomei chá quando retornei da Itália e gostei muito. Fui apresentada à mãe, que não andava bem, e ao irmão Charles, também meio enfermo. Era gente educada que sabia se portar. Em Buenos Aires, na companhia de Mlle., assisti a

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outros espetáculos no famoso e magnífico Teatro Colón (os programas que guardo confirmam). No jardim da nossa embaixada em Buenos Aires havia uma árvore frondosa; costumávamos, Mlle. e eu, tomar chá sentadas em cadeirinhas, à mesinha portátil que o Evaristo, criado espanhol, levava, dispondo o necessário para “el té”, o que lembrava os livros de M. Delly, de Max du Venzit, e o que mamãe me contava da sua chácara da Gávea, no Rio, em companhia de Fanny Mendel (sua institutrice, alemã, aparentada a uma duquesa da Baviera37). Pouco depois de haver chegado à República do Prata, papai recebeu do embaixador Pedro Leão Velloso, irmão de D. Flavita, casada com o primo Martim Francisco Bueno de Andrada (renomado psiquiatra paulista) a carta vinda da China, onde Velloso servia como embaixador: Caro Embaixador José Bonifácio. Tive a imensa satisfação de ver Vossa Excelência aceitar esse novo posto, o de maior responsabilidade entre todos, continuando assim a honrar a nossa carreira com o seu ilustre nome, prestígio político e luminoso espírito. O velho amigo Pedro Leão Velloso Pekin, 12 de maio de 1934

O pai do embaixador Leão Velloso era grande amigo do meu avô Lafayette, ambos senadores e conselheiros do império. Fiéis monarquistas.

37 Depois de Fanny, mamãe teve as seguintes professoras institutrices: Mlle. Mendelssohn Blomberg, Fräulein Frida Reichberg e Mme. Schamel.

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Na mesma ocasião, 1934, chegou a Buenos Aires o ilustre médico Aloysio de Castro, filho do notável professor Francisco de Castro, que atendeu mamãe quando nasceu Fafá.Jantou conosco na embaixada e entregou a papai o seu livro Canto do Senhor, que eu li e achei lindíssimo, com a seguinte dedicatória: Ao illustre amigo José Bonifacio de Andrada e Silva, com velha amizade tem a honra de offerecer Aloysio de Castro. B. Aires, 19.4.38

Já tive oportunidade de mencionar a chegada das tias Bertha e Gasparina a Buenos Aires; neste momento lembrei-me de outros fatos relacionados com a sua estada. Não seguindo eu rigorosamente ordem cronológica, peço que prestem atenção somente ao conteúdo das histórias. Repito que a temporada das tias foi divertida. Pela manhã, depois da aula com Mlle. Marie eu me sentava na cama da tia Bertha; quando não, seguíamos para o parque Palermo. A tia sabia casos ótimos, velhos e novos. Quando eu contava os meus tinha que gritar porque ela já ouvia mal, mas sempre animada, querendo saber tudo. Era muito engraçada! Até para dormir tia Bertha usava pulseiras antigas de ouro. Passeei com ela e tia Gasparina pela cidade. No Palermo tirei retrato com as tias, papai e o primo Lafayette39, filho de tia Gasparina, que era filha do já mencionado conselheiro Gaspar da Silveira Martins, amigo do imperador D. Pedro II. Nos divertíamos tanto que o mal de mer que mamãe sentia sumiu durante uma nossa nova viagem ao Rio de Janeiro em companhia delas. Tia Bertha, escutando pouquíssimo, como já disse,

38 Enquanto esperava por meus pais, que se vestiam para o jantar, o médico tocou no piano o noturno opus 9, nº 2, de Chopin. Tocava com sentimento, fazendo papai e eu pararmos na entrada do salão para não interromper. 39 Em 2000 Lafayettinho enviou-me a fotografia.

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falando com elas durante a viagem, com o movimento do navio saía cada quiproquó supercômico! Certa vez a tia Gasparina disse: — E eu que ia perdendo esta viagem com a Bertha, tão engraçada! À mesa todos eram alegres. Após a refeição íamos ao cinema. Durante a manhã elas sentavam à beira da piscina, e eu com Mlle. íamos à biblioteca da embaixada olhar os livros ou as revistas inglesas com belos retratos da Casa Real, do rei Jorge V. Pouco depois da chegada ao Rio mamãe recebia esta carta de papai: Buenos Aires, 1/12/1934 Querida Corina As saudades são inúmeras, a casa fica silenciosa e triste, e mesmo quando estou na chancelaria sinto o ambiente vazio. A mulherzinha faz uma falta extraordinária. E a Marinoca também, a ler os jornais, a tocar a vitrola, o piano, a mover o rádio, a falar em cinema, deixou grande vácuo (...). Desejo que tenham feito viagem feliz, sem enjoo e sem mar bravio, com bons companheiros e bem atenciosos. Tenho saído com o Monsenhor, a quem por duas vezes levei ao Jardim Zoológico, em belas manhãs. E as duas, como viajaram? Diga a Marina para escrever. José Bonifácio

E eu recebi uma da antiga funcionária da embaixada, Margarida Chabassus:

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Querida Marina: Com um forte abraço, muito me alegraram as suas saudades, e o meu desejo é que aproveite o mais possível a sua estada aí. Recomendações a mamãe. Carinhos, Margarida. Buenos Aires, 23 de fevereiro de 1934

Desejo mencionar algo do ano de 1930, lembrado neste instante. A nossa cozinheira no Rio de Janeiro era de Barbacena, como não podia deixar de ser, e se chamava Maria Bárbara. Já estava em nossa casa desde 1925. O vendeiro da esquina da rua Voluntários da Pátria com a Capitão Salomão, no Rio, se apaixonou por ela (pretinha; ele, português), nascendo dessa união um menino cujo nome era Jorge, escolhido por mim lembrando Jorge V, que então reinava na Inglaterra. Logo que me levantei do leito, convalescendo de grave acidente de automóvel, com fratura da perna esquerda, batizei-o junto com papai. Em uma carta que chegou ao Rio por avião, vinda de Buenos Aires, papai me pedia que desse certa quantia ao nosso afilhadinho Jorge. Buenos Aires, 15/12/1934 Minha querida Marina, Recebi a cartinha com alegria, mas desejo que Marinoca escreva por todos os aviões. Você abençoe por mim o Jorge e diga a mamãe para dar a ele, em meu nome, dez mil réis para comprar alguma coisa de Natal. Lembranças a todos os nossos. E sua Babá como vai? Escreva. Saudades, beijinhos e a bênção do Papai.

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Imediatamente mamãe entregou à boa Maria Barbosa os 10 mil réis para o filho. O menino cresceu com uma tia lá em Barbacena e papai o colocou depois na escola de Sítio (hoje cidade de Antônio Carlos). Terminados os estudos o rapaz casou e sumiu. Menciono-o porque foi o primeiro afilhado que tive, aos 10 anos de idade. Maria Barbosa faleceu do coração no Hospital Miguel Couto, no instante em que minha priminha Wandinha Lafayette Stockler e eu a visitávamos levando conosco a minha babá. Foi muito triste. Choramos que não foi vida! Tal sucedeu em uma das minhas vindas de Buenos Aires para o Rio. Chegando outra vez a Buenos Aires pelo Alcantara da Blue Star Line , dei andamento às lições com Mademoiselle. Sem gostar muito, principiei com Biologia e continuei com Ciências. Tinha, além disso, de contar-lhe a vida — naturalmente resumidíssima — dos gregos Arquimedes, Aristóteles e Platão. Do primeiro que, estando ele na banheira, descobriu um fenômeno de física e saiu sem roupa, exclamando eureka! (achei!). Ainda hoje, quando se descobre algo importante, costuma-se dizer“eureka!”. Mamãe e Tintim conheceram Siracusa, na Sicília, terra de Arquimedes. Dos dois últimos eu gostava e achava-os formidáveis, principalmente na Filosofia. Matéria que tentava entender! 40

Com o passar dos anos continuei lendo algo desses fabulosos gênios da Antiguidade. Da Astronomia adoro o céu, as estrelas, a lua. Só! Física e Psicologia eram matérias fora do meu entendimento e do meu gosto. Mas Einstein e Freud me interessavam. Tio Chico e Tia Odette viajaram no Cap Arcona com Einstein para Buenos Aires e o tio tirou um retrato com esse titã no convés do navio. Tenho a foto. Mais tarde, em Roma, li e apreciei Pitágoras, Galileu, Kepler, Newton, Koch e Darwin. O último “sem o macaco”! Não me aprofundava em suas teorias porque sentia que era romântica, de espírito leve, amando música, literatura — até a 40 Ainda tenho o papel de carta, o envelope e o postal usados no navio, com uma florzinha e o escrito “Alcantara”, e com minha letra: “Em viagem – 4/10/1935”.

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indiana e a grega — geografia, leituras diárias; os citados colossos não me cativavam muito. Achava-os assombrosos, admirava-os, mas só. Sempre estudei em casa. Seguia vários cursos, orientada por minhas professoras, formadas em faculdades de seus países de origem. Adorei e sinto-me realizada. Que Deus as abençoe porque souberam me entender. (“All is well when ends well”, diria papai lendo isto). Tenho muitos conhecidos formados que não sabem nem a metade do que aprendi dos meus estudos prediletos. Conversando com meus queridos amigos, estes me fazem vê-los como se usassem viseiras. Olham só para a frente, não notam nada fora do seu trabalho, fora do seu dia a dia. Mas gosto deles e delas, são todos uns encantos! Acho que eles pensam o mesmo de mim: “Marina é um encanto, mas não sabe nada”. Lembrai Victor Hugo: “Je ne suis rien, je le sais, mais je compose mon rien avec um petit morceau...”. Certa manhã em Buenos Aires a Idalina me entregou na mesa do café uma cartinha chegada naquele instante do Rio de Janeiro. Era da minha prima e amiga Maria Gabriela, filha de Tia Totônia, irmã de papai, companheirinha de brinquedos na Borda do Campo. A cartinha veio do Rio de Janeiro. Rio, 3/4/1934 Marina, querida priminha e amiga Viva Jesus! Com vivas saudades escrevo-te esta para enviar-te um affectuoso beijinho e conversar um pouquinho contigo. Que tens feito nessa bella capital? Tens passeado muito? Como vaes de estudo? Eu matriculei-me no Instituto Nacional de Musica e pretendo, se Deus quizer, ser boa pianista.

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Estou muito contente porque Tia Cassinha está como Superiora do Collegio Immaculada Conceição. Peço a benção a Titio Dedé e a Titia Corina, abraçando-os com affecto assim como a Tintim. A ti, de todo coração, Gabriella.

Papai continuava seu trabalho fecundo de intercâmbio entre os dois países. Por essa época veio à embaixada um poeta de nome Fernando Jáuregui, para oferecer a papai seu livro Para Nosotros Dos: Al Señor José Bonifacio de Andrada y Silva, distinguidísimo representante de esa pátria grande y fuerte llamada Brasil, com el saludo de la intelectualidad argentina, la cual vee en Señor Embajador al hombre que eleva en su corazón, cual es inextinguible, estas palabras que son las mismas que llevamos nosotros en el nuestro. Hermanos hoy, mañana y siempre. Fernando Jáuregui 1933 Nombre del libro: “Para Nosotros Dos”. Buenos Aires. Editado em Talleres Gráficos Argentinos. L. J. Rosso 1932

Chegaram, para o Embaixador Don José Bonifacio, cadernetas de sócio honorário do Automóvel Clube Argentino, de nº 75 (6 de abril de 1934) e de Sócio Honorário do Mar del Plata Golf Club (Entrada Especial) assinadas pelo seu presidente A. del L. Dorego (supergrã-fino). Clubes elegantíssimos.

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E mamãe recebia convites para recepções. Ema Heer de Ancezar saluda cariñosamente a la simpática Embajadora del Brasil y se complace em invitar-La a tomar té el lunes 5 de Julio a las 5 ½ horas. Buenos Aires, 193441.

Mamãe também muito colaborou com os laços de amizade dos brasileiros com os hermanos mercê de sua esmerada educação, cultura e elevada origem de família. O cartão a seguir é de uma das grandes damas da alta sociedade argentina, ultrafechada, que não se abria para qualquer señora, fosse do país ou estrangeira. Embajadora Corina de Andrada y Silva. Concepción Unzue de Casares recibirá el sábado 2, a las 21 y 30 horas, en Villa Casares. Diciembre de 1934 — Avenida Manuel Aguirre, 2518

Por essa época meus pais estavam perfeitamente entrosados no grand-monde social, oficial e cultural. Tinham amizades. No dia 3 de maio de 1934 mamãe recebeu de D. Rosita Sáenz Peña de Saavedra Lamas, da cidade de Córdoba, um cartão bonito, mostrando um terraço dando para um bosque, com estes dizeres:

41 “Os poucos espécimes dessa gloriosa raça extinta, que ainda erram pelas ruas de Buenos Aires, parecem não compreender nada do que se passou de então para cá.” (A Alma do Tempo – Afonso Arinos).

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Deste sitio tan bonito y tranquilo Le envio um cariñoso saludo, deseando que el Embajador estea completamente bien. Su amiga, Rosa S. P. de Saavedra Lamas. Córdoba, 3 de mayo de 1934.

Ela era esposa do ministro do exterior, Carlos Saavedra Lamas, futuro detentor do Prêmio Nobel da Paz. Era um casal finíssimo, e até eu, garota, gostava de ser cumprimentada por eles. D. Rosita era filha do grande presidente da República, Roque Sáenz Peña. Os embaixadores da Itália simpatizaram logo com meus pais. Por diversas vezes jantaram com eles, ora na embaixada brasileira, ora na italiana. Ficou comigo de lembrança o cartão: Lunedì, 19 Novembre 1934 Ambasciata di S. M. Il Re di Italia Buenos Aires L’Ambasciatore d’Italia e Donna Elfrida Arlotta ringraziano vivamente L.L.E.E. l’Ambasciadore del Brasile e la Signora de Andrada e Silva per il cortese invito a pranzare da Loro, Lunedì 26 Novembre alle ore 21. Invito che accettano col più gran piacere.

Mais tarde, na Itália, se reencontraram, o que deu a ambos os casais muita alegria. Tirei de um livro de papai (Annales — 20 Janvier 1929) de Paul Morand, o grande escritor, o que segue:

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Quand on tant voyage, quand on aompare des races, quand on a vu que le blanc parle, que le jaune sourit et que le negre rit, et qu’on revient chez soi, on est tout chargé de philosophie!

Modéstia à parte, eu era tão aplicada que me surpreende! Entendia tudo o que lia. O ano de 1935 teve muitos acontecimentos. Em junho (7, às 16h) fui a uma elegante quermesse no Plaza Hotel em benefício das crianças da Academía de Santa Teresita. Para se ter ideia das patronesses, darei os nomes das que se relacionavam com mamãe e que lá compareceram, algumas levando as filhas: Josefina Alzaga, Carmen Alvear, María Teresa Bengollia, Carmen Pueyredón, María Elena Villegas, Magdalena Vivot. Eu estava com a mamãe e Dicita. Durante el té ouvi duas lindas valsas cujos nomes anotei: Rose Maud e Aceleración. Nunca mais as ouvi. Rosita Lafayette42, hoje viúva do primo paulista de papai, Tomás Herculano Lopes, uniu-se a mim e a Dicita. Chegava trazendo dois gentis caballeros de tradicionais famílias, Jorge Mihanovich Guerrero, dono da frota de navios que circulava no rio de la Plata, e Carlos Guesada Zapiola. Na outra semana o jornal El Hogar trouxe a foto dos três no hipódromo. Eu, animada, junto a um Zapiola amigo dos anteriores, me diverti “às pampas”43.

42 Seu pai era o embaixador do Brasil, Lafayette de Carvalho e Silva. Servia no Paraguai. Depois ela foi ser atriz de TV, com sucesso. 43 Penso relatar em outra ocasião meus encontros com diplomatas estrangeiros. Há momentos divertidos entre uma garota vivaz e senhores sisudos, como sucedeu comigo e o barão von Thermann, embaixador alemão, amigo de Adolf Hitler. Eu contando um caso em seu idioma e ele a dizer Sehr gut, sehr gut! (Muito bem, muito bem!), certamente por delicadeza. Foi no Hipódromo de San Isidro, em Buenos Aires, quando meu pai era embaixador na capital portenha. Espantado com a minha desenvoltura usando palavras no idioma do barão, papai me sussurrava: – Pare com isso, menina!

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Nesse mesmo mês de junho, no dia 24, morreu num desastre de aviação, em viagem à Colômbia, o jamais olvidado cantor Carlos Gardel, ídolo dos argentinos. O país parou. Os funerais foram impressionantes, o povo desolado despedindo-se do seu grande artista. Que saudades ainda sinto da Argentina de 80 anos passados! Aí chegou a prima Conceição Jardim, que nos fez boa companhia com sua inteligência. Sabia muitas histórias da família de vovó Adelaide, aliás tia avó dela. Com ela assistimos à importante inauguração da Avenida 9 de Julio. Tenho até meu retrato com Conceição, Dicita e Maryse, minha bonita e querida priminha, que veio do Rio conosco para conhecer Buenos Aires a convite de mamãe, que era sua tia. Prendemos a Maryse em nossa companhia por cinco anos! A prima tinha terminado o Sacré Coeur de Marie e estava com 18 anos. Foi ótimo, ótimo. No dia da inauguração, com toda a elegância dos homens e mulheres, vimos o governo reunido em palanques bem decorados, música, desfile de batalhões vistosos etc. Compramos flores que eram vendidas nas esquinas. Quem não conhece a belíssima Avenida 9 de Julio com o grande obelisco? Um dia reuni na embaixada, na varandinha, depois da aula de inglês, a Yvonne, filha do adido militar da nossa embaixada, coronel Alkinder Pires Ferreira, e a Dicita, para saborearmos o té bem encorpado que a Coca fazia. Yvonne cantava e tocava guitarra; e eu, que já havia iniciado aulas com a professora Maud Metcalfa44 desse divino instrumento, arranhei um pouco. Durante o chá Yvonne, tocando sua guitarra, nos embalava com o fox Cachoeira, música do filme Desfile de

44 Ela deu concerto no Teatro Lassalle. Muito bom.

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Cantinflas. Tenho retrato nosso no terraço de trás da embaixada, muito animadas e risonhas. A letra é esta, que foi cantada pela Yvonne Pires Ferreira e oferecida a mim: Li nos olhos teus O grande anseio de um beijo E nos olhos meus Nasceu o sol do desejo. E num amor que viveu Meu coração Era todo teu. E depois partiste Deixando-me na dor. Eu fiquei tão triste Sem amor. E nos meus olhos De criança Cachoeira de esperança A lágrima rolou Por ti. À Marina, com um grande abraço da Yvonne. Buenos Aires, 1935.

Romântico este canto, muito nos comoveu! Entretanto, ninguém h9avia perdido seu amor! Sabem por quê? Porque não existia nenhum... (apenas flertes). Fui com papai e Tintim levar a bordo do Almanzora o aviador brasileiro Ângelo Mendes de Moraes, que seguiu para o Brasil com a esposa e a filha — ela regulava comigo em idade. Tiraram retratos e eu apareço

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junto à menina na frente de papai. Nota-se o Tintim atrás. A foto saiu no jornal La Prensa. Antes fui ver papai depositar flores, acompanhado do dr. Protásio, conselheiro da embaixada, e do Tintim, no Mausoléu dos Heróis, no requintado cemitério da Recoleta. Sempre elegante, distinto, se inclinando....

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GALERIA DE FOTOS


O embaixador José Bonifácio no coche oficial, acompanhado pelo general Juan Pistarini, dirige-se à Casa Rosada, palácio do governo, para apresentar as credenciais diplomáticas

Argentinos saúdam o novo embaixador do Brasil

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Ouvindo o Hino Nacional da Argentina. O embaixador José Bonifácio é o 2º à esquerda; na primeira fila o presidente Agustín Justo, o vice Julio Roca e ministros

Embaixador José Bonifácio diante da embaixada do Brasil

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Jantar na embaixada com o corpo diplomático. Anfitriões: embaixador José Bonifácio (4º a partir da direita) e embaixatriz Corina Lafayette de Andrada (5ª a partir da direita)

Mar del Plata: Marina (4ª) com amigas

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Embaixada: doação da imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, ao Colégio San Salvador (1935)

Buenos Aires: Parque Palermo. Marina com amigas (Roberta Macedo Soares (primeira à esquerda, Marina 4ª)

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Em Cรณrdoba com Maryse Lafayette

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Marina com o pai

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De pé: José Bonifácio Lafayette de Andrada Ibrahim (filho) e Maria de Fátima Lafayette de Andrada Ibrahim (filha). Sentados: Marina Lafayette de Andrada Ibrahim e Martim Francisco Lafayette de Andrada Ibrahim (filho).

Da esquerda para direita: Simone (nora), Liliane (neta), José (filho), Giancarlo e Luciana (netos). Sentados: Marina, Matheus (neto), Victória e Francisco (bisnetos).

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Comemoração dos 99 anos. Da esquerda para direita: Matheus (neto), Francisco e Victória (bisnetos), Lúcia Helena (nora), Martim (filho), Gabriela (neta), Marina, José e Fatinha (filhos), Simone (nora) Liliane e Luciana (netas) .

Da esquerda para direita: Martim e Gabriela (netos). Sentados: Marina e Luciana (neta).

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Marina Maria Lafayette de Andrada Ibrahim nasceu em Barbacena em 15 de abril de 1920. Descende de duas famílias que são História do Brasil: pelo pai, dos Andradas, de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, e pela mãe, dos Rodrigues Pereira, representados pelo avô Lafayette, conselheiro do Império. Teve a infância feliz dividida entre a cidade natal e o Rio de Janeiro, pela necessidade do pai, deputado federal José Bonifácio, neto do Patriarca, de estar sempre presente na então capital da República. Quando Marina tinha onze anos ele foi nomeado embaixador do Brasil em Portugal, transferindo-se com a família para Lisboa. Teve depois a embaixada do Brasil na Argentina confiada à sua competência, e mais tarde assumiu a representação diplomática na Santa Sé, em Roma. Desempenhou também outras missões oficiais no exterior. Essa diversidade de povos com que Marina conviveu, acrescida de viagens de recreio, propiciou-lhe uma visão ampla, enriquecendo a sua cultura e conhecimento do mundo. O período portenho é narrado neste livro pelo estilo vivaz da Autora; ela conta também fatos que marcaram, passeios, conhecimento com pessoas interessantes, cenas familiares.


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