Jacqueline

Page 1

ja cq ue li n e NATÁLIA LAGE//////////////// //////////////ARIETA CORRÊA

DANIEL COSTA////////////////FABRICIO LICURSI

texto e direção RAFAEL GOMES




mús ic a PARA OS SENTIDOS

Há uma certa aura em torno dos artistas que faz com que sejam vistos como pessoas dotadas de algo extraordinário. E, para reforçar tal hipótese, algumas figuras, quando se apresentam, catalisam um poder atrativo que se sobrepõe ao esforço empreendido na preparação que antecede esse resultado final. As imagens da violoncelista Jacqueline Du Pré em performance, por exemplo, se revestem de um lirismo que oculta sua saga trágica.

Inspirado nessa musicista britânica de renome, Rafael Gomes elaborou uma dramaturgia estruturada nos quatro movimentos do concerto mais emblemático da carreira de Du Pré para contar sua história na arte, passando pelas relações afetuosas e o crepúsculo prematuro na música. Trata-se de um espetáculo teatral cujos elementos cênicos são organizados musicalmente, como uma forma de homenagem, e até mesmo de expressão orgânica


da trama, configurando um autointitulado dramapoético-musical. Para o Sesc, em seu desígnio de promover as manifestações artísticas como fontes de experiências sensíveis capazes de promover a reflexão, a realização de Jacqueline é uma oportunidade trazer ao público uma construção estética que, em favor de uma aproximação do seu objeto, combina expressões artísticas distintas, criando um canal de fruição unificado entre o teatro e a música. SESC SÃO PAULO


ja

JACQUELINE DU PRÉ (1945–1987) FOI UMA VIOLONCELISTA BRITÂNICA QUE VIVEU ENTRE EXTREMOS. Demonstrou um avassalador talento ainda na infância, começando a tocar com cinco anos de idade. Desenvolveu seu dom durante a adolescência, impressionando os melhores professores e até mesmo largando o colégio para poder dedicar-se com exclusividade à prática do instrumento. E ao fazer sua estreia profissional, aos 16 anos, não demorou a se tornar uma estrela da música. Viveu anos de glória, alcançando fama incomum para uma solista de música erudita. O fascínio do público por ela foi potencializado por seu casamento com o pianista e maestro argentino Daniel Barenboim, também ele um prodígio das salas de concerto. Vivendo e tocando juntos, eles atraíam atenção não só das plateias, mas também da mídia em geral, ocupando na imprensa o posto de “casal mais famoso da música”. O brilho natural de Jacqueline, no entanto, ao mesmo tempo que iluminava sua trajetória, também criava sombras.

AO POTENCIALIZAR AQUILO QUE SEU GÊNIO NATURAL LHE ENTREGARA E TORNAR-SE UMA RELUZENTE VIRTUOSE, SUA ASCENSÃO FULMINANTE OFUSCOU EM DEFINITIVO A CARREIRA DE SUA IRMÃ. Esta, igualmente incentivada pela mãe de ambas –


cq

uma talentosa e diligente pianista e professora –, arriscou-se em diversos instrumentos até eleger a flauta como seu meio de expressão. Não tardou, no entanto, para que Hilary du Pré abandonasse a música e fosse viver no campo, criando uma vasta família de quatro filhos e organizando sua vida em torno da pequena agricultura e da criação de animais. Enquanto Jacqueline existia para ser um instrumento da arte, Hilary tornou-se um instrumento da natureza.

Jacqueline, após cerca de dez anos de uma carreira meteórica, foi abatida pela esclerose múltipla, uma doença degenerativa rara e incurável, que impediu que ela continuasse a tocar. Aos 28 anos, apartada do violoncelo, iniciou um duro período de convalescência, perdendo progressivamente todos os movimentos do corpo – incluídos aí a capacidade de falar – até morrer, aos 42.

Em contraste à sua história trágica, Jacqueline du Pré legou ao mundo uma série de registros de seu gênio artístico. Mas nenhuma interpretação ficou tão associada a ela quanto suas performances do Concerto Para Violoncelo em Mi Menor Opus 85, de Edward Elgar (1857 – 1934). Segundo os críticos, du Pré injetava vida, eletricidade e, ironicamente, até alegria em uma música essencialmente melancólica, composta no ocaso da vida do compositor, após a I Guerra Mundial – um contexto de desesperança e devastação, portanto.



Eu penso nesta frase que diz que o mundo da gente morre antes da gente. E penso que, às vezes, ele nasce antes da gente também. Penso no meu primeiro encontro com Jacqueline du Pré e com o concerto de Elgar, lá pelos idos de 1998. Em meu fascínio e muitos esbarrões com Natália Lage, à distância, enquanto ela crescia já sendo uma atriz e eu crescia sendo um espectador – até um encontro mais definitivo, há quatro anos, em um espetáculo chamado Edukators, no qual Jacqueline passava de raspão. Penso nas muitas vezes em que assisti a Arieta Corrêa no teatro, começando por este exato Sesc Consolação. Penso na minha timidez em abordar Fabricio Licursi, em uma cabine de luz, há pouco mais de dois anos, e nos seis espetáculos que já criamos juntos desde então. Penso no susto de ver Daniel Costa em cena, há pouco tempo, e pensar “caramba, quem é ele??”. Penso em como a música está presente, escancaradamente, desde o primeiro texto que escrevi para teatro, chamado justamente Música Para Cortar Os Pulsos. E como esteve


nos textos e encenações que vieram depois.

E como desagua aqui, num espetáculo que chamamos de peçaconcerto, tal a força da válvula musical que o move. Penso nessa trilogia de mulheres massacradas. Não foi planejada, mas aconteceu – às vezes o mundo da gente existe antes da gente. Blanche Dubois, em Um Bonde Chamado Desejo. Joana (essa mulher sem sobrenome), em Gota d’Água. E agora Jacqueline. Penso naquela frase que diz que o que a vida quer da gente é coragem. E penso na Natureza (essa a qual poderíamos atribuir uma letra maiúscula) concedendo dádivas e operando sistemas que não raro soam milagrosos, mas também cultivando em seu seio a semente de todos os cataclismos – aquilo que chamamos de tragédia, na natureza, é só o cotidiano. Penso muito em Angelica Liddell, em Anton Tchekhov, em Virginia Woolf e em

Wajdi Mouawad. Eles estão em cada curva deste texto. Penso em William Turner, um feiticeiro do sublime, capaz sempre de gerar assombro – e, assim, impulsionar as tempestades de qualquer criação. Penso em André Cortez e Wagner Antônio, os homens que são todos os instrumentos de uma orquestra; nas parcerias plenas e concretas como partituras de Fause Haten, Selma Morente e Celia Forte (e toda equipe da Morente Forte); na criação de Renata Melo, que faz a alma dançar; no olhar de Laura Del Rey, que compõe sinfonias; e na prontidão, cuidado e inteligência de Marco Barreto, sem o qual a música desafinaria. Não acredito em destino (penso naquela frase que diz que o destino é aquilo que sai de você e enfrenta o mundo). E constatando a ancestralidade de todas as coisas (as universais e as particulares, principalmente as particulares), apenas


chegamos ao óbvio: tudo já existia antes de nós e vai continuar existindo depois. O mundo da gente não está pronto esperando a gente chegar – é preciso mover as placas tectônicas. Penso, portanto, que pensar não é mesmo o suficiente. Por isso Jacqueline precisava tocar. E por isso também nós estamos aqui, fazendo essa peça. _ Rafael Gomes, novembro de 2016 PS: Em uma chave bastante pessoal, dedico esta dramaturgia à memória de Ieda Maria Hell Olivé Montero Esteves, que quis ser violonista e tocar em concertos, mas foi mãe de cinco filhos. E que deu a seu neto a música – e tudo o que veio depois.


Inspirando-se em e refletindo sobre a trajetória de Jacqueline du Pré, esta não é uma peça biográfica. Mais do que contar didaticamente a história de uma vida ou elucidar fatos e conflitos, esta dramaturgia propõe um exercício de linguagem: o exercício de se associar à música. Em diferentes registros e propondo rasgos de elucubração e digressão acerca da dita “história real”, esta é uma peça para ser tocada por quatro atores e uma orquestra. O texto do espetáculo foi composto sobre e em diálogo com esta obra que é o grande cavalo de batalha de Jacqueline du Pré, o Concerto Para Violoncelo em Mi Menor Opus 85, de Edward Elgar. Seus quatro movimentos embasam e pautam o espetáculo, em sua arquitetura dramatúrgica e em sua realização cênica. Desse modo, Jacqueline conversa, sim, com os rastros de uma vida, mas seu diálogo maior e mais intenso é com a partitura de uma música.


PARTE 1

Prólogo O Maestro e a Irmã Alma Lápide 1º Movimento: Adagio – Moderato O primeiro e o último concertos 2º Movimento: Lento – Allegro molto Duas irmãs 3º Movimento – Adagio Álbum de amores As irmãs se separam Interlúdio: Sonata nº 3 em Lá Maior para Violoncelo e Piano, Opus 69: I. – Allegro ma non tanto (de Ludwig van Beethoven)

Dois instrumentos 4º Movimento: Allegro – Moderato – Allegro, ma Non tropo – Poco più lento - Adagio O mundo e a casa


PARTE 2

1º Movimento: Adagio – Moderato O mundo em casa 2º Movimento: Lento – Allegro molto Jantar 3º Movimento – Adagio Hospital Movimento interrompido 4º Movimento: Allegro – Moderato – Allegro, ma Non tropo – Poco più lento - Adagio Cataclismo A gente vai ficar para sempre juntas





Jacqueline Du Pré é aqui o ponto de partida para perguntas que continuam ecoando dentro de nós. Nossa ponte para entender uma sensibilidade que transbordou os nervos e não coube no corpo. O olho da criança num corpo que já

não é mais da criança. A perversão e o egoísmo da tristeza e o desejo genuíno da resposta a ela, de algum tipo de certeza que faça a alma parar em pé. Sua irmã, seu duplo complementar, finca as estacas de seu território particular, assenta na terra e faz casa, chão, filhos. Dois lados do feminino potencializados em suas diferenças e sofrendo esses atritos, mas ao mesmo tempo misturados pelo afeto, pelo amor. Amor que por vezes machuca, mas redime e transforma. A dificuldade de percebê-lo que, invariavelmente, se converte em algum tipo de enfermidade. A música, a arte, que permanece para além do artista, nos fazendo pensar e sentir até quando ele não está mais. E por fim, o mistério, a suposta ordem por trás de tudo, que nos mostra em nossa maravilha e finitude. O limite da nossa humanidade, do quanto viver é impreciso e necessário. /// Nesse percurso agradeço A Jacqueline du Pré, vó Persinha, Cauê, Marta e Horácio, Alexandre e Giulia, Glenda e Jack, meu cello. Maria Siman, Selma e Célia e Renata. Ari, amiga talentosa, Dani, Fabri, que time incrível! Ao Pablo desde o início e ao Rafael tão amoroso e inteligente, que soube nos conduzir até aqui acendendo todas as luzes. A Deus.


_ Natรกlia Lage, novembro de 2016


A COMPANHIA

A Empório de Teatro Sortido foi criada em 2010 por Rafael Gomes e Vinicius Calderoni, como um coletivo de autores-encenadores. O eixo central da companhia é a produção de dramaturgia própria e a recriação de importantes textos clássicos e contemporâneos, trabalhando com elencos diversos e parceiros constantes.


OUTROS ESPETÁCULOS /// Música Para Cortar Os Pulsos (2010), de Rafael Gomes/ direção do autor * Prêmio APCA 2010 - Melhor Peça Jovem * Prêmio FITA 2011 - Melhor Espetáculo e Melhor Direção

/// Cambaio [a Seco] (2012), de Adriana Falcão, João Falcão, Chico Buarque e Edu Lobo/ direção de Rafael Gomes /// O Convidado Surpresa (2014), a partir do romance de Grégoire Bouillier/ dramaturgia e direção de Rafael Gomes /// Gotas D’Água Sobre Pedras Escaldantes (2014), de Rainer W. Fassbinder/ direção de Rafael Gomes /// Não Nem Nada (2014), de Vinicius Calderoni/ direção do autor/ co-direção de Rafael Gomes /// Ãrrã (2015), de Vinicius Calderoni/ direção do autor * Prêmio Shell - Melhor Autor

/// Um Bonde Chamado Desejo (2015), de Tennessee Williams/ direção de Rafael Gomes * Prêmio Shell SP - Melhor Direção, Atriz (Maria Luísa Mendonça) e Cenário (André Cortez) * Prêmios APCA, Arte Qualidade e Aplauso Brasil de Melhor Atriz

/// Os Arqueólogos (2016), de Vinicius Calderoni/ direção Rafael Gomes www.emporiodeteatrosortido.com.br f /emporiodeteatrosortido


texto e direção Rafael Gomes elenco Natália Lage, Arieta Corrêa, Daniel Costa e Fabricio Licursi cenário André Cortez iluminação Wagner Antônio figurino Fause Haten direção de movimento Renata Melo desenho de som Miguel Caldas projeto gráfico e fotografias Laura Del Rey assessoria de imprensa Daniela Bustos, Beth Gallo e Thais Peres Morente Forte Comunicações assistente de direção Marco Barreto estagiário de direção Thomas Carvalho assistente de cenografia Carmem Guerra execução dos cenários Jorge e Denis Produções Cenográficas execução dos figurinos A Fábrica do Dr. F assistência de iluminação e operação Douglas de Amorim técnico de áudio Anderson Franco assistente de fotografia Marcela Katzin tratamento de imagens Bráulio Araujo e Laura Del Rey maquiagem e cabelo (fotos) Janne Brandão camareira Verônica Moraes maquinista Renan Silvério assistente de produção Barbara Santos produção executiva Egberto Simões e Katia Placiano direção de produção Selma Morente e Célia Forte produção Morente Forte Produções Teatrais idealização Natália Lage e Rafael Gomes um espetáculo Empório de Teatro Sortido

t


fic ha té cni ca agradecimento especial Pablo Sanábio

agradecimentos Antunes Filho Breno Licursi Cristiane Paoli Quito Daniel Passi Daniel Ribeiro Fernando Alves Pinto Gael Corrêa Veronese Jarbas Homem de Mello José Calderoni Júlio Machado Lu Favoreto Luiz Felipe Licursi (in memorian) Marcelo Szpektor Pedro Santos Regina Calderoni Ricardo Frayha Thereza Menezes Vinicius Calderoni.


//// 2-18/dez 2016 //// //// 6-29/jan 2017 //// Sesc Consolação

Rua Dr. Vila Nova, 245 01222-020 São Paulo - SP TEL.: 11 3234 3000 /sescconsolacao

sescsp.org.br/consolacao


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.