Revista E - novembro/22

Page 1

Revista E | novembro de 2022 nº 05 | ano 29

José Saramago

As rotas que trouxeram o escritor ao Brasil

Expandir sentidos

A acessibilidade em museus como premissa

Mago de dois mundos

O legado do cenógrafo e diretor Gianni Ratto

Gilberto Gil

Aos 80 anos, músico celebra vida e obra

00332
direção MA RC I O M EI R E L L ES dramaturgia MONICA SANTANA

ESPETÁCULO

direção musical JOÃO MILET MEIRELLES direção de movimento CRISTINA CASTRO

BAIANA,

Foto: Tiago Lima
INSPIRADO NA CONJURAÇÃO
REVOLTA DOS ALFAIATES OU REVOLTA DOS
Sesc Vila Mariana DE 18/11 A 29/01. Quinta a sábado, 21h. Domingos, 18h. sescsp.org.br/umaleituradosbuzios UM DOS PRINCIPAIS LEVANTES
BÚZIOS,
PELA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, DE 1798.

Aponte a câmera do celular para o código QR acima e leia também a revista nas plataformas digitais

Capa: Obra Sem Título, do artista Sidney Amaral (1973-2017), que integra a exposição Viver até o fim o que me cabe! – Sidney Amaral: aproximação, sob a curadoria de Claudinei Roberto da Silva. Em cartaz até fevereiro de 2023, no Sesc Belenzinho.

Foto: João Liberato

Ação emancipadora

Promover o bem-estar dos trabalhadores do comércio, serviços e turismo, de seus familiares, bem como de toda a comunidade, está no cerne das ações do Sesc – Serviço Social do Comércio. Criado em 1946 numa iniciativa do empresariado do setor, realiza uma sólida e consistente ação sociocultural por meio de programações diversas nos campos da cultura, dos esportes, do lazer, do turismo, da saúde e da alimentação. Trata-se de uma iniciativa que contribui para a qualidade de vida e para o desenvolvimento de seu público frequentador, numa ação educativa permanente.

Está presente em todo o Brasil, com seus centros culturais e esportivos, construídos dentro de parâmetros de sustentabilidade e de acessibilidade, sendo locais para o descanso e o lazer, mas também para os aprendizados múltiplos, por meio de ações socioculturais. Sua extensa e plural programação cultural também proporciona o contato com novas e criativas expressões artísticas, em shows e espetáculos de teatro, dança e circo. Por meio dessas trocas, fortalece as relações interpessoais. Assim, ao dedicar recursos e esforços nesta ação emancipadora, o empresariado do setor reafirma seu compromisso pelo crescimento de toda a sociedade.

Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Museu como espelho

Mais do que locais de preservação de memórias, os museus são compreendidos, hoje, em sua dimensão múltipla, potente e diversa de representação do que nos constitui enquanto sociedade. Os museus são em sua essência, um lugar de encontro com a nossa singularidade e com a nossa diversidade. Sendo um espaço para todos e todas, eles têm assumido cada vez mais a acessibilidade como uma premissa, adaptando suas estruturas físicas, mas também suas ações político-pedagógicas, para receber os mais diversos públicos. É o que mostra a reportagem desta edição da Revista E

Outro destaque é a reportagem que aborda o processo de criação coletiva que resulta nos espetáculos Uma Leitura dos Búzios e amazonias: ver a mata que te vê, ambas com estreia neste mês.

Esta edição marca, também, o retorno da Revista E em sua versão impressa, com novo projeto gráfico e editorial. Criada em 1994, a publicação se propõe a realizar mediação cultural, promovendo a reflexão sobre temas diversos da atualidade, a cada mês, por meio de reportagens, entrevistas, artigos e produções literárias. Busca, desse modo, compreender o contemporâneo e fortalecer o vínculo do Sesc com seus públicos. Esperamos que gostem! Boa leitura!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO - SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 - Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

Efetivos: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Benedito Toso de Arruda, Célio Simões Cerri, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José Carlos Oliveira, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, Manuel Henrique Farias Ramos, Marco Antonio Melchior, Marcos Nóbrega, Milton Zamora, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva e Valterli Martinez

Suplentes: Aldo Minchillo, Alice Grant Marzano, Amilton Saraiva da Costa, Antonio Cozzi Júnior, Costabile Matarazzo Junior, Edgar Siqueira Veloso, Edison Severo Maltoni, Edson Akio Yamada, Laércio Aparecido Pereira Tobias, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vitor Fernandes e William Pedro Luz

REPRESENTANTES DO CONSELHO REGIONAL JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior e Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Francisco Wagner de La Tôrre e Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Adauto Fernando Perin, Adriana de Souza Francisco, Adriano Ladeira Vannucchi, Airá Fuentes Tacca, Ana Carolina Garcez de Castro, Ana Lúcia de la Vega, Ana Paula Feitosa, Andre Lerro Correa, André Luiz Santos Silva, Andrea de Oliveira Rodrigues, Barbara Cristina Roncati Guirado, Bruna Zarnoviec Daniel, Camila Freitas Curaçá, Claudia Cassia de Campos, Claudia Regina De Souza, Clovis Ribeiro de Carvalho, Corina de Assis Maria, Daniel Tonus, Danny Abensur, Diego Polezel Zebele, Eduardo Santana Freitas, Eloá de Paula Cipriano, Estevão Denis Silveira, Gabriela Carraro Dias, Gislene Lopes Oliveira, Gizele Comunello Dalmolin, Irene Vitoria Caldeira de Souza, Jade Stella Martins, Jailton Nascimento Carvalho, José Mauricio Rodrigues Lima, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Julio Cesar de Freitas Fernandes, Karla Priscila Vieira Carrero, Lidiane de Jesus, Ligia Helena Ferreira Zamaro, Luana Ligero Greve, Mariana Lins Prado, Marina Maria Magalhães, Marina Reis, Paco Sampaio, Paola Leda Brunelli, Priscila dos Santos Dias, Rafaela Ometto Berto, Regiane Gomes da Conceição, Rejane Pereira da Silva, Renan Cantuario Pereira, Renata Barros da Silva, Robson Luiz dos Santos, Romeu Marinho C. Ubeda, Roseane Silveira de Souza, Sergio Luis Venitt de Oliveira, Sidnei de Carvalho Martins, Stephany Tiveron Guerra, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thais Cristina Kruse, Thais Ferreira Rodrigues, Tommy Ferrari Della Pietra, Valéria Jenaite Taveiros, Vitor Penteado Franciscon, Viviane Machado Lemos

Coordenação Geral: Ivan Paulo Giannini Editora Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Ilustrações: Luyse Costa • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Cláudio Leite • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Luna D’Alama, Manuela Ferreira, Maria Júlia Lledó e Luciana Oncken • Coordenação Executiva: Marcos Ribeiro de Carvalho e Fernando Fialho • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Daniel Tonus, José Gonçalves Júnior e Renato Perez de Castro • Arte de Anúncios: Felipe Castro e Glauco Gotardi • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Ana Paula Fraay • Circulação e Distribuição: Jair Moreira

Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics MTB 37.488

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível no site: www.sescsp.org.br/revistae

Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Danilo Santos de Miranda Diretor do Sesc São Paulo

Pesquisadora do Instituto Albert Einstein, Lis Leão compartilha estudos que apontam a relação intrínseca entre acesso a áreas verdes e saúde Recursos multissensoriais potencializam fruição e ampliam acessibilidade de um público cada vez mais diverso em espaços expositivos

À frente da reconstrução do teatro italiano no pós-guerra, o cenógrafo e diretor Gianni Ratto também foi responsável pela renovação da identidade das artes cênicas brasileiras

No ano do centenário do Nobel de Literatura José Saramago, fica a pergunta: E se o escritor português tivesse imigrado para o Brasil?

dossiê entrevista artes visuais perfil gráfica teatro

O processo de criação coletiva de dois espetáculos que trabalham com o tema do meio ambiente, da desigualdade social e do racismo estrutural

p.54 p.11 p.16 p.24 p.34 p.40
SUMÁRIO
Darcy Ribeiro entre indígenas Urubu-Ka’apor/Fundação Darcy Ribeiro (Dossiê); Adriana Vichi (Artes Visuais); Croqui Gianni Ratto/Acervo Gianni Ratto (Gráfica)

Lei de Cotas Autoras abordam avanços e desafios

Cidinha da Silva

Gilberto Gil Músico reflete sobre vida e obra

Peça tradicional na arquitetura europeia e asiática, o azulejo assume sua vertente estética e artística em diferentes estampas e usos

almanaque

Lígia Zamaro

em pauta encontros
p.66 p.70 p.74 p.78 p.82
inéditos depoimento
P.S.
p.60
Estelle Valente (Encontros); Luyse Costa (Inéditos); Fulviusbsas/CC BY-SA 4.0/via Wikimedia Commons (Almanaque)
amazonias ver a mata que te vê [um manifesto poético] Espetáculo que nos convoca a ouvir as vozes que ecoam através das matas. Sesc Pinheiros De 25/11 a 12/02 Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h. sescsp.org.br/amazonias Coordenação artístico-pedagógica: MARIA THAÍS. Equipe de criação: Aelson Lima, Edlene Sousa, Jennifer Ramos, Kako Guirado, Marcelo Nakamura, Marcia Kambeba, Márcio Medina, Morris, Murilo de Paula, Naine Terena, Rubens Oliveira, Otávio Oscar, Patrícia Gondim, Rita Carelli, Silvana de Jesus, Tiça Camargo, Wagner Antônio, Willame Leite, Yghor Boy, Ubiratan Suruí.

O espetáculo Pinóquio, apresentado em setembro, no Sesc Ipiranga, comemorou os 21 anos da Cia. PeQuod Teatro de Animação. Uma adaptação fiel à fábula de Carlo Collodi, com arranjos do músico Tim Rescala e estética do circo.

9 | e em cena
André Voulgaris

Sons do Refúgio

Estreia Quarta, 16 de novembro I 21h Série em 10 episódios

O rompimento de barreiras de língua, raça, classe e nacionalidade por meio da música
sesctv.org.br/sonsdorefugio

DOSSIÊ

Pedacinho do Nordeste

Série de atividades celebra as tradições e a diversidade sociocultural da comunidade nordestina em Guarulhos

Estima-se que 400 mil nordestinos, entre imigrantes e seus descendentes, vivam em Guarulhos, o que torna a cidade a casa da segunda maior comunidade nordestina do estado, ficando atrás apenas da capital. Para homenagear os saberes e tradições dessa importante parcela da população, o Sesc promove, entre 12 e 27/11, a mostra Guarulhos: Território

Nordeste, que reúne uma série de atividades em celebração à pluralidade cultural expressa pela presença nordestina na cidade.

Segundo Fabiana Monteiro, supervisora de programação do Sesc Guarulhos, o projeto “promove o encontro entre práticas tradicionais e contemporâneas da cultura nordestina, com um olhar sensível, também, para a comunidade local”.

A programação é composta por diversas ações em múltiplas linguagens, como apresentações musicais de Mariana Aydar, Miltinho Edilberto, Marias Bonitas, Bando de Régia e Anastácia; espetáculo de dança com o Grupo Ares e outras apresentações de circo e teatro. Haverá ainda uma demonstração de xilogravura

em celebração à obra do artista pernambucano J. Borges, além de exibições de filmes e webséries e da realização de bate-papos.

Confira a programação completa: www.sescsp.org.br/guarulhos

“Guarulhos: Território Nordeste

local”

Fabiana Monteiro, supervisora de programação do Sesc Guarulhos

promove o encontro entre práticas tradicionais e contemporâneas da cultura nordestina, com um olhar sensível, também, para a comunidade
Mariana Aydar recebe convidados em show de forró, xote e baião. Autumn Sonnichsen (Mariana Aydar)
11 | e

DOSSIÊ

OUTRO BRASIL

Imaginar o país como uma utopia possível foi a razão de ser de Darcy Ribeiro (1922-1997), pensador que faria um século de vida neste ano. Para celebrar o legado do antropólogo, educador, ensaísta e político mineiro, o Sesc 24 de Maio abre, no dia 18/11, uma exposição que reúne instalação audiovisual, ensaios, obras literárias, fotografias e ilustrações. Com curadoria de Isa Grinspum Ferraz, a mostra Utopia Brasileira – Darcy Ribeiro 100 anos segue aberta até 25/6 de 2023, percorrendo a trajetória do pensador que estudou a formação do povo brasileiro, lutou em defesa de povos indígenas, participou da fundação do Parque Nacional do Xingu, entre outros feitos. Saiba mais: www.sescsp.org.br/24demaio

ROMPENDO ESTEREÓTIPOS

Dar visibilidade à reflexão sobre as ISTs e o HIV/ aids tem sido cada vez mais importante. Entre 25/11 e 4/12, o projeto Contato, que trata de ações relacionadas à saúde sexual e busca romper estigmas e promover discussões que permeiam a vida de pessoas que vivem com HIV, chega à quinta edição, com uma série de atividades gratuitas, como filmes, bate-papos, espetáculos e oficinas que compartilham informações sobre saúde, experiências de vida e ações de autocuidado. Contato tem o objetivo de despertar a criação de novos imaginários que possibilitem a quebra de preconceitos e contribuam para relações sociais mais saudáveis, respeitosas e humanas. Mais informações: www.sescsp.org.br/contato

Fundação Darcy Ribeiro (Darcy Ribeiro); Ale Catan (Contato) Espetáculo Brenda Lee e o Palácio das Princesas compõe a programação. Darcy Ribeiro com grafismos indígenas Kadiwéu.
e | 12

DOSSIÊ

CULTURA NEGRA

Do 13 ao 20: (Re)Existência do Povo Negro, ação do Sesc São Paulo com foco na cultura negra, seus saberes, articulações e movimentos sociais, políticos e culturais, chega à quarta edição neste ano. Até dezembro, a série de programações, em alusão às efemérides de 13 de maio e 20 de novembro, é realizada pelas unidades do Sesc na capital, interior e litoral. O curso Para uma Educação Antirracista, no Sesc Campo Limpo, o curso Criação de Podcast de Narrativas Negras, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, e o Sarau Afrikanse, no Sesc Sorocaba, estão entre os destaques. Confira a programação: www.sescsp.org.br/do13ao20

MUNDIAL DE PLAYLISTS

Enquanto a bola rola na Copa do Mundo do Catar, o Sesc São Paulo entra em campo com uma disputa internacional: de 17/11 a 15/12, a segunda edição do Mundial de Playlists convida o público a eleger a melhor seleção musical do planeta. Cada país participante da Copa “joga” com um time de 12 faixas (11 “jogadores” mais um “técnico”), e é o público quem escolhe – por meio de votação online nas plataformas de streaming de música – a playlist vencedora em cada disputa musical. Em 2018, a primeira edição coroou a seleção brasileira como a melhor do mundo. Será que o bicampeonato vem aí? Dê o play e entre no jogo: www.mundialdeplaylists.sescsp.org.br

LIMA BARRETO: UM CRÍTICO ATUAL

Escritor esquecido por anos pela crítica oficial, Lima Barreto (1881-1922) tem tido a vida e a obra sendo, recentemente, estudadas por pesquisadores e artistas. Caracterizada pela crítica às estruturas desiguais do país, a obra do pensador nascido no Rio de Janeiro mergulha em temas como o preconceito racial e a difícil inserção da população negra na sociedade brasileira. Em comemoração ao centenário de sua morte, o Sesc Mogi das Cruzes realiza, de 15/11 a 9/12, o projeto 100 anos sem Lima Barreto, com palestras, oficinas, cursos e espetáculos que trazem à atualidade seu pensamento e crítica à permanência das mesmas estruturas desiguais e opressoras de 100 anos atrás. Saiba mais: www.sescsp.org.br/mogidascruzes

35 ANOS DO CURUMIM

Presente em 32 unidades do Sesc São Paulo, o Programa Curumim foi criado em agosto de 1987 e se tornou um marco nas ações de educação não formal da instituição. De lá para cá, atua com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento integral de crianças de 7 a 12 anos. Como parte das celebrações aos 35 anos de existência, o programa realiza, de 9 a 11/11, a Jornada Curumim – educar para a convivência e cidadania, encontro que reflete sobre a educação como prática transformadora, a partir das experiências socioeducativas do programa e de outras instituições convidadas. O evento, que conta com nomes como Moacir Gadotti, Bárbara Carine, Manuel Sarmento e Tião Rocha, levanta debates sobre o desenvolvimento integral, a educação cidadã, diálogos com território, a vivência de valores éticos e democráticos, entre outros temas. Inscrições até 4/11: www.inscricoes.sescsp.org.br

Divulgação (Sarau Afrikanse); Alexandre Nunis (Curumim) Programa atende crianças de 7 a 12 anos. Sarau Afrikanse.
13 | e

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses

PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO

Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse o site www.centralrelacionamento.sescsp.org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Sobre a Credencial Plena:

É gratuita

Tem validade de até dois anos

Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

Prioriza os acessos às atividades do Sesc

Oferece descontos nas atividades e serviços pagos

CREDENCIAMENTO

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS

Funcionários empregados e desempregados

Carteira profissional atualizada (impressa ou digital)

Documento de identidade

CPF

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo

No caso de desempregados, é considerado o prazo de 24 meses da baixa da carteira profissional, para fazer e utilizar a Credencial Plena.

Estagiários

Termo de compromisso ou carteira de trabalho, em que conste o número do CNPJ da empresa

Declaração de matrícula com situação acadêmica

Documento de identidade

CPF

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo

A validade da Credencial corresponde ao período de vigência do contrato de estágio, não ultrapassando dois anos, cessando o direito à renovação após a rescisão.

Temporários

Carteira profissional atualizada (impressa ou digital)

Documento de identidade

CPF

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo

Empregado com contrato suspenso temporariamente

Carteira profissional atualizada (impressa ou digital)

Termo de Acordo de Suspensão do Contrato de Trabalho

Documento de identidade

CPF

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo

Aposentados

É o empregado que se aposentou quando trabalhava com registro em carteira profissional, em empresa do comércio de bens, serviços e turismo.

Carteira profissional atualizada (impressa ou digital)

Carta de Concessão da aposentadoria ou Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)

Documento de identidade

CPF

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo

Titular falecido

O dependente cujo trabalhador, estagiário, temporário ou aposentado do comércio de bens, serviços e turismo é falecido, poderá requerer a Credencial Plena. Além dos documentos citados na lista de titular e dependentes, deverá apresentar também a certidão de óbito.

Dependentes

O titular (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo), pode incluir seus dependentes. Assim, a família também pode usar o Sesc!

Veja a lista abaixo de dependentes:

Filhos, enteados, irmãos, netos e tutelados (até 20 anos): ǯ Certidão de nascimento ou documento de identidade ǯ CPF ǯ

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo ǯ Para os netos e enteados, além desses documentos, apresentar também documento que comprove o parentesco com o titular. E para os tutelados, comprovante de tutela Filhos, enteados, irmãos e netos (entre 21 e 24 anos): ǯ Documento de identidade ǯ CPF ǯ Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo ǯ Comprovante de matrícula ou pagamento recente de mensalidade em ensino superior, profissionalizante, pósgraduação (lato sensu, stricto sensu ou residência médica), preparatório para o ensino superior ou educação de jovens e adultos (EJA)

Cônjuge: ǯ Documento de identidade ǯ CPF ǯ Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo ǯ Certidão de casamento civil ou religioso; declaração de união estável lavrada em cartório ou declaração de união estável de próprio punho, neste caso, a certidão deve mencionar os nomes do casal, os números dos documentos de identidade e assinatura de ambos, além disso, em caso de credenciamento presencial nas unidades, é indispensável a presença do casal no ato do credenciamento.

Pais e padrastos do titular: ǯ Documento de identidade ǯ CPF ǯ Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo ǯ Para os padrastos e madrastas, é necessário apresentar documento que comprove união com o pai ou mãe do titular

Avós: ǯ

Documento de identidade ǯ CPF ǯ

Foto 3x4 recente. Se preferir, tiramos sua foto na hora sem custo ǯ Documento que comprove o parentesco com o titular

ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ
ǯ

Acesse e saiba como fazer a sua Credencial Plena

Aposentados do comércio. Ela e o esposo utilizam o Turismo

do Sesc e o Centro

Com a Credencial, você e sua família terão acesso prioritário a todas as atividades do Sesc em todo o Brasil

Faça como a Noemi! Se você trabalha ou se aposentou na área de comércio de bens, serviços ou turismo, você tem direito à Credencial Plena do Sesc, gratuitamente.

www.sescsp.org.br/credencialplena

Noemi Carbone e Ademir Silva Xavier Social de Férias Sesc Bertioga. Foto: Lucas Kakuda

Natureza restauradora

Pesquisadora do Instituto Albert Einstein, Eliseth Leão destaca a importância do acesso a áreas verdes para manutenção da saúde

Arelação entre a natureza e as vantagens que ela proporciona à saúde não é uma excentricidade ou algo puramente empírico. Há evidências científicas que corroboram esses benefícios. O estudo pioneiro na área é de 1984, de autoria de Roger Ulrich, que acompanhou um grupo de pacientes entre 1972 e 1981. O pesquisador estadunidense apontou que pacientes internados em quartos com vista para a natureza se recuperaram mais rápido do que aqueles instalados em quartos voltados para um muro de tijolos. De lá para cá, novas pesquisas vêm sendo realizadas em todo o mundo.

Em São Paulo, no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, a pesquisadora Eliseth Leão vem desenvolvendo investigações sobre o tema. Ela está à frente do e-Natureza - Estudos Interdisciplinares sobre Conexão com a Natureza, Sáude e Bem-Estar. Uma de suas pesquisas estuda como imagens da natureza impactam a saúde de pessoas com câncer submetidas à quimioterapia. Vários pacientes relatam diminuição da fadiga, da ansiedade, de dores, entre outros sintomas, segundo a pesquisadora. Outros estudos têm focado nos benefícios do contato direto da natureza na promoção da saúde.

17 | e entrevista

Lis, como é conhecida, também é fotógrafa da natureza, formada em letras e enfermagem, especialista em saúde pública e em educação à distância, mestre em saúde do adulto e doutora em ciências pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado pela Universidade Marc Bloch, em Estrasburgo, França. Neste mês, ministra uma das aulas do curso de Gestão de Áreas Naturais Protegidas - Ciclo 3 - Saúde e Natureza, como parte da programação do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo. Lis conversou com a Revista E sobre a intrínseca relação entre o ser humano e a natureza.

O que deu origem a seu interesse, como pesquisadora, para investigar a interferência da natureza sobre a saúde humana? Considero-me muito ligada à natureza desde a infância. Acho que tudo começa nessa fase da vida. Tenho plena

consciência de que o fato de ter essa proximidade e de ter resgatado isso ao longo da minha vida, de diversas maneiras, tem a ver com uma infância feliz e com possibilidade de exposição à natureza. Nasci em São Paulo e fui criada em um ambiente urbano. Então, qual era a exposição à natureza? Primeiro, naquela época, a gente ainda podia brincar na rua, e a minha mãe e meu pai sempre me levaram muito a parques, em particular ao Parque [Estadual] da Água Branca, em São Paulo. Havia essa possibilidade de frequentar um lugar cheio de árvores e animais. A gente também ia muito à praia. Eu ficava imersa nesses ambientes. Depois, um pouco mais adulta, me interessei por fotografia de natureza e vida selvagem. Mas, eu já fotografava meio sem ter muita consciência do que eu fazia. De 2012 para cá, também trouxe isso, tanto para minha vida pessoal quanto para minha linha de pesquisa no hospital.

e | 18 entrevista

De que forma o contato com a natureza afeta a nossa saúde? Que resultados já foram observados? Esses mecanismos vêm sendo estudados, algumas teorias já estão postuladas e vão ser submetidas à prova, mas por enquanto, são teorias. Nesse âmbito, a teoria de Roger Ulrich, que ele chama de Teoria Psicofisiológica do Estresse, diz que se você estiver em contato com a natureza, você tem uma recuperação mais rápida. Do ponto de vista psíquico, você tem um resultado físico também nesse sentido. Temos uma outra teoria, que é de Kaplan e Kaplan [Rachel e Stephan], conhecida como Teoria da Restauração da Atenção, segundo a qual você tem alguns componentes da natureza com os quais você vai se relacionar e se sentir melhor. Quando você vai para um espaço onde há natureza, principalmente quando você vive num centro urbano, você se afasta dos problemas que estão relacionados a esse ambiente e isso já minimiza o estresse. Um outro componente dessa teoria é a fascinação. Exemplo: você se senta num banco de algum parque e vê um pássaro colorido passar por você. Impossível não se fascinar. Então, nesses lugares, você tem mais possibilidades de desencadear esse mecanismo, que é cerebral e que ativa sistemas de recompensa. Existiria também, segundo essa teoria, uma predisposição da sua interação com esse meio ambiente. Quando estamos fazendo uma caminhada, observando a natureza ao redor, muitas coisas vão chamando atenção, mas de uma forma não dirigida, ou seja, você não está intencionalmente olhando para algo em especial. Na realidade, o que você gera com essa atenção não dirigida

é uma redução da fadiga mental. Ao contrário de quando estamos no computador, por exemplo, em que nossa atenção é quase totalmente dirigida. Temos também a Teoria da Biophilia [de Edward O. Wilson], segundo a qual temos uma atração e um interesse instintivo pela conexão com o mundo natural, pelo fato de praticamente toda nossa história evolutiva como espécie ter se desenrolado, como qualquer outro animal, em meio à natureza.

E como a contemplação de fotografias da natureza e vida selvagem também exerce uma influência benéfica sobre a saúde? Tem gente que nem sabe ainda como se conectar com a natureza, essa é a verdade. E a nossa superexposição a telas também nos afasta do mundo natural. Portanto, a redução dessa exposição ao mundo natural é um fator de preocupação. Hoje as crianças precisam de uma tomada, precisam de uma conexão wi-fi para poder se divertir. A gente ainda não sabe o resultado disso lá na frente. Às vezes, as pessoas me perguntam o que eu acho da realidade imersiva. Para mim, tudo na vida tem seu lugar e hora. Agora, se você fala para mim que o paciente vai ficar internado seis semanas dentro de um quarto isolado para um transplante de medula, se eu puder oferecer a ele uma realidade imersiva, acho ótimo. Estou tirando esse paciente daquelas quatro paredes. Nós temos que pensar em quais situações imagens da natureza podem ser benéficas. Caso ofereça-se isso como uma constante na vida das pessoas, para que ela vai sair de casa e ir até um espaço verde? Ela acha que pode acessar a natureza sentada no sofá de casa, onde não há frio ou calor, nem bichos. Então, as imagens são um recurso a ser usado em uma situação na qual a natureza não está presente, em situações em que esse contato não é possível. Dentro do e-Natureza estamos indo a campo para verificar os impactos de áreas verdes em unidades naturais – sejam elas urbanas ou periurbanas – e em unidades de conservação. Isso porque a literatura conta que devemos ter diferentes experiências, com diferentes níveis de biodiversidade presentes, e nós não temos estudos no país com biomas brasileiros. Essa é uma preocupação do nosso grupo, de gerar esse conhecimento. Então, estudamos intervenções que possam aumentar a conexão com a natureza, avaliamos se o fato de ter essa conexão em maior grau reflete melhores resultados. Como o “banho de floresta”, algo que está muito na moda, que é o simples fato de estar exposto a áreas verdes. Outra questão é que, apesar desse benefício, nós ainda temos uma relação muito utilitária com a natureza. Ou seja, isso não tem sido suficiente para despertar comportamentos pró-ambientais.

Temos procurado aproximar quem está na área ambiental de quem está na área da saúde
19 | e entrevista

Atualmente, quais as principais linhas de pesquisa do e-Natureza?

Nós nos baseamos em estudos interdisciplinares e reunimos profissionais de várias áreas, como gestores de áreas verdes, biólogos, médicos e enfermeiros. Reunimos essas pessoas para estudar a conexão entre natureza, saúde e bem-estar. Fizemos um ensaio clínico com pacientes em quimioterapia, que iremos publicar. Temos alguns estudos em andamento, como um levantamento com estudantes de enfermagem e medicina em São Paulo e na Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) de Botucatu, para ver qual o nível de engajamento dessa juventude, uma vez que são eles que irão, lá na frente, ter a possibilidade de oferecer a seus pacientes essa “prescrição de verde”. Precisamos preparar os estudantes para isso, à semelhança de países da Europa. Lá, a “prescrição verde”, que indica que as pessoas devem ir para a natureza, já é uma realidade. E temos atuado, também, na vertente da educação. Temos um estudo que vai traçar o perfil imunológico de idosos em contato com a natureza. Sabemos que só existem estudos nessa linha no Japão, e eles são voltados à biodiversidade local. No Brasil, estamos tentando traçar um perfil imunológico um pouco mais robusto para entender se, de fato, isso acontece aqui também. Além de compreender a qual ambiente a gente está se expondo, já que temos biomas diversos.

Como é essa pesquisa voltada para um público adulto e idoso?

Uma das nossas grandes áreas de estudo é o envelhecimento. Dentro dela, trabalho com o envelhecimento saudável. Como pesquisamos a promoção de saúde, tenho procurado abarcar o público 50+, para pegar uma faixa etária anterior. Estamos investigando questões referentes ao estresse, ao perfil imunológico, e se há algum preditor, até porque essas pessoas podem ter tido um nível de conexão diferente com a natureza. Estamos olhando o que vem primeiro: eu me sinto melhor porque me conecto mais com a natureza, ou eu me conecto porque me sinto melhor nesse ambiente?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social. Quando falamos de contato com a natureza, e pensamos numa cidade como São Paulo, sabemos o quão difícil é este acesso. Bairros periféricos muitas vezes são totalmente desprovidos de parques. Quais estratégias podem amenizar essa dificuldade de acesso? É preciso mudar essa realidade. Quando as pessoas querem se conectar com a natureza , elas não vão para uma unidade de conservação. Elas vão até a praça que está mais próxima ou para o parque mais próximo. Precisamos amplificar esse movimento, que começa a ser discutido, de que é preciso ampliar as políticas públicas para garantir equidade de acesso a esses espaços. Temos Paraisópolis, com pouquíssimas áreas verdes e acesso muito restrito, mas você pode criar possibilidades. E nós estamos com um programa muito legal por lá: Os cientistas do amanhã. Temos recebido, por três meses, 15 jovens que estão indo para o ensino médio e moram nessa comunidade. Eles passam semanalmente, segunda e terça-feira, com os cientistas do Einstein e entram em contato com o que a gente faz dentro dessa área de atuação, e assistem a palestras. Também vamos levá-los ao Parque Burle Marx para avistar pássaros com um biólogo.

Ou seja, esse trabalho de inclusão de uma grande parcela da população desprovida do acesso a áreas verdes precisa ser feito por várias frentes. Precisamos criar esse acesso, criar esse espaço, e é isso que estamos fazendo por meio de um programa de embaixadores, porque queremos que esses jovens levem essa preocupação para a escola e que isso se amplie. Para além das políticas públicas, cada um de nós, dentro da nossa área de atuação, pode criar estratégias. Outro projeto que estamos realizando, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Conservação da Natureza, é a coleta de dados em seis unidades naturais da cidade. Além disso, a própria pesquisa que realizamos é transformadora, mesmo antes de obtermos qualquer resultado, porque

Tem gente que nem sabe ainda como se conectar com a natureza
e | 20 entrevista

estamos visitando parques, recrutando pessoas, mostrando para elas o que está acontecendo com a saúde delas em termos de bem-estar, de vitalidade, de sofrimento psíquico quando em contato com esses espaços. Só de analisar essa situação você já cria um caminho de acesso. E assim vamos mobilizando a sociedade.

Como incentivar mais estudos com essa temática, até para dar base à adoção dessas práticas? Esse ainda é um cenário incipiente. Primeiro, porque nós estamos desenvolvendo as primeiras pesquisas no Brasil. Outros grupos estão começando a se mobilizar, mas o fato é que não temos esse corpo de conhecimento aqui. Sem esses dados do Brasil, por mais que a gente traga a literatura internacional, o poder público vai olhar e perguntar como isso vai funcionar no nosso país. Sempre vai haver um ceticismo, porque as pessoas precisam ter dados que sustentem a tomada de decisão e, precisamente, quando se fala do poder público, isso implica em investimentos. Temos nos aproximado do poder público de algumas maneiras. Hoje, temos uma relação mais estreita com o Ministério da Saúde, na Coordenação de Práticas Integrativas e Complementares. São 29 práticas adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E temos levado essa discussão de que as intervenções baseadas na natureza também devem integrar esse rol, mas, para isso, a gente precisa de mais pesquisas. Temos procurado aproximar quem está na área ambiental de quem está na área da saúde, e estamos tentando costurar isso à medida em que os estudos são encaminhados e chegam a mais pessoas.

21 | e entrevista
A gente tem que aprofundar essa consciência de que somos todos interdependentes

Sempre vai ter que haver tempo para a gente retornar,

retorno à natureza

A Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, promoveu um workshop, neste ano, sobre as experiências do Brasil e do Reino Unido em pesquisas que mostram a importância da relação do homem com a natureza do ponto de vista da saúde, e como isso também pode se reverter para um cuidado maior com a natureza. Cuidar da natureza e cuidar da saúde são sinônimos?

Com certeza: cuidar da natureza é cuidar da saúde. Primeiro, porque nós somos natureza, somos animais, mas nos esquecemos disso. Quando a gente fica nessa dicotomia de que "a natureza está lá e eu estou aqui", isso não vai dar um bom resultado. Mas, se fomentamos uma relação de interdependência, se fomentamos esse sentimento de pertencimento, temos um caminho: sentir-se parte para cuidar. Alguns estudos demonstram, também, que o fato de estar mais conectado com áreas verdes relacionase com um comportamento pró-ambiental.

Então, trazer para a prática essa relação com a natureza como um benefício para a saúde, e não somente um benefício para o planeta, pode aproximar mais as pessoas desse cuidado com a natureza?

Se olharmos a Pirâmide de Maslow [conceito da psicologia, criado pelo norte-americano Abraham Maslow, que organiza, de forma hierárquica, as necessidades humanas básicas], para a gente estar nesse nível de discutir como queremos

cuidar da natureza, precisamos ter outras questões resolvidas, porque há coisas mais urgentes para se preocupar até chegar nessa discussão mais ampla sobre o clima, por exemplo. As pessoas pensam que isso não tem nada a ver com elas. Ou seja, precisamos focar nesse sentimento de pertencimento. A gente tem que aprofundar essa consciência de que somos todos interdependentes, porque toda vez que a gente se sente separado do outro, qualquer que seja esse outro, seja a natureza, seja o ser humano que também integra a natureza, a gente tem comportamentos que não são bons, como o desrespeito e a violência.

Florence Nightingale, mãe da Teoria Ambientalista de 1859, abordava questões como a importância do ar fresco, da iluminação natural, dos banhos de Sol e do contato com os animais. Hoje, as crianças passam pouco tempo na natureza, em média duas horas por dia. Ainda há tempo de recuperar essa conexão? Nightingale era uma enfermeira inglesa visionária. Essa mulher falou de tudo e por muitos anos criou estatística dentro dos hospitais. Mas, ela viveu numa época em que os hospitais estavam imersos em áreas naturais. Assim, já havia os jardins terapêuticos. O que a gente faz hoje é usar esse conhecimento e alguns pressupostos da teoria de Nightingale para lembrar que a gente precisa olhar e desenhar melhor os espaços urbanos e os espaços de cuidado. Penso que é imperativo esse retorno à natureza, senão a gente não vai ter planeta. Se a gente for degradando e degradando, uma hora as coisas não vão dar certo para a nossa espécie.

e | 22 entrevista
aliás, penso que é imperativo esse

Filmes, bate-papos, espetáculos, oficinas e outras atividades trazem informações sobre saúde e experiências de vida, promovendo reflexões e a criação de novos imaginários, para desconstruir estigmas e preconceitos.

Programação GRATUITA sescsp.org.br/contato

25 DE
4
NOVEMBRO
DE DEZEMBRO

SENTIDOS expandir

e | 24

Para além de uma arquitetura acessível, recursos táteis, auditivos, visuais e outros dispositivos sensoriais ampliam a fruição em espaços expositivos

No Museu do Futebol, a reprodução tátil da tela Abaporu, de Tarsila do Amaral, é um dos recursos de acessibilidade na exposição temporária 22 em Campo, sobre as relações entre Modernismo e futebol.

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ FOTOS ADRIANA VICHI
25 | e
artes visuais

Imagine tocar o Sol de Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral, ou a ponta da espada de Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, na pintura Independência ou morte! (1888), de Pedro Américo. Experiências multissensoriais como essas, disponíveis em réplicas das obras no Museu do Futebol e no Museu do Ipiranga, respectivamente, estão cada vez mais presentes em exposições artísticas. Algumas dessas extrapolam o objetivo de ser uma reprodução da obra para tornaremse parte delas. Esse processo ganhou força nas últimas duas décadas, quando museus e outras instituições culturais passaram a ampliar possibilidades de fruição. Para isso, tecnologias estão sendo criadas e aprimoradas com o objetivo de tornar pinturas, esculturas e outras peças mais acessíveis a um público diverso.

“No Museu do Ipiranga, a acessibilidade era uma premissa dentro da lógica de que pretendíamos oferecer uma exposição que tivesse diferentes canais de relação com os visitantes. Ou seja, que eles pudessem estabelecer uma relação com o acervo a partir de diferentes maneiras. E aí, entram os materiais táteis, além de recursos como Libras e audiodescrição”, explica Denise Peixoto, educadora do museu especializado em história e cultura material.

Reaberta em setembro passado, a sede do Museu do Ipiranga ou, oficialmente, Museu Paulista, que integra a Universidade de São Paulo (USP), dispõe de mais de 370 ferramentas multissensoriais, como maquetes, dioramas, telas táteis, reproduções em diferentes materialidades – a exemplo de moedas em grande escala e com desenhos em alto-relevo, e miniaturas de monumentos em pedra, todos feitos por artesãos paulistas – e até mesmo recipientes com a proposta de estímulo olfativo. “Agora é usar, discutir, criticar, pensar: ‘Senão assim, como seria?’ E aí, talvez, escolher determinados objetos que a gente já fez de um jeito para fazer de outro jeito, e fazer mediações nesse sentido. Então, a gente vai aprimorando os recursos de acessibilidade num processo contínuo”, destaca a educadora.

DEFINIÇÃO AMPLIADA

Essencial para que obras de arte possam ser apreendidas não só pela visão, mas por outros sentidos, a implementação desses recursos parte, também, por uma compreensão mais ampla do que é acessibilidade em um museu ou espaço cultural.

A moeda de metal em grande escala é uma das ferramentas multissensoriais criadas para fruição de obras e peças do Museu do Ipiranga.

O que significa atender às necessidades de pessoas com diferentes tipos de deficiência, de letramentos, de idades, de vivências ou mesmo de marcadores de gênero, sociais ou territoriais. “A ideia é que a gente entenda que o museu está dialogando e propondo algo para um público que é diverso, porque a sociedade é diversa. E, se estamos dialogando nessa perspectiva, estamos atentos às soluções para oferecer ao nosso visitante uma experiência de relação com os conteúdos da exposição de uma maneira ainda mais abrangente. Inclusive porque a exposição é para todos”, defende Peixoto.

Em agosto passado, o Conselho Internacional de Museus (ICOM – International Council of Museums) aprovou uma nova definição que incorpora termos e conceitos relacionados a desafios contemporâneos. “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o patrimônio material e

e | 26

imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, fomentam a diversidade e a sustentabilidade”, segundo descrição disponível no site do conselho.

Na análise da museóloga Marília Bonas, membro do Comitê Executivo do ICOM Brasil, essa nova definição é estratégica porque traduz o papel dos museus no seu tempo, além de dar subsídio para as políticas públicas da área. Bonas também pondera: “a gente ainda está falando da acessibilidade numa perspectiva de ação, não só da estrutura, e isso tem uma tradução na ação dos museus – processos, projetos, programas – comprometidos também com o reconhecimento dos seus territórios, com o reconhecimento e o conhecimento dos seus públicos internos”. Ou seja, “o conceito de trabalhar em parceria e com a participação das comunidades também se vincula a esse compromisso dos museus, nessa perspectiva do direito à cultura, de garantia à diversidade de acesso”, acrescenta a museóloga.

27 | e artes visuais
Na reprodução tátil de Independência ou morte!, no Museu do Ipiranga, o público é convidado a apreender novas camadas da pintura de Pedro Américo.

Na nova definição de museu, aprovada pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), os conceitos de acessibilidade e de inclusão foram incorporados. Ao lado, reprodução da obra Independência ou morte!, no Museu do Ipiranga.

Diretora técnica do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Futebol – instituições que também possuem diferentes recursos de acessibilidade, como experiências táteis customizadas por artistas, aplicativo que disponibiliza audioguias e abafadores de som para o público no espectro autista –, Bonas reforça que nos últimos 20 anos todos os museus do estado de São Paulo têm a acessibilidade como meta. “De material educativo e acessibilidade de conteúdos a estratégias de tecnologias, tudo isso vem sendo compartilhado entre museus e instituições culturais para públicos com novas necessidades”.

APROXIMAR MUNDOS

Reconhecida por criar o primeiro grande projeto de acessibilidade, a Pinacoteca do Estado de São Paulo se tornou referência para outras instituições. Seu Núcleo de Ação Educativa estruturou quatro programas educativos inclusivos que atuam com pessoas com deficiência física, neuromotora, intelectual ou sensorial; pessoas em situação de sofrimento psíquico; pessoas em situação de vulnerabilidade social; um público com 60 anos ou mais; e com a formação continuada das equipes do museu.

“Desenvolvemos a maior parte desses programas há duas décadas. Conseguimos experimentar, avaliar e rever os projetos e ações, o que nos oferece a possibilidade de um aprofundamento da prática. Aprendemos muito com as experiências de cada programa. Por exemplo: quando criamos o programa para o atendimento de idosos no

artes visuais

A IDEIA É QUE A GENTE ENTENDA QUE O MUSEU ESTÁ DIALOGANDO E PROPONDO ALGO PARA UM PÚBLICO QUE É DIVERSO, PORQUE A SOCIEDADE É DIVERSA

museu, em 2013, já tínhamos uma grande experiência com a abordagem multissensorial para a mediação em artes visuais, advinda do trabalho com pessoas com deficiência”, conta Gabriela Aidar, coordenadora dos programas educativos inclusivos da Pinacoteca.

Atualmente, a Pinacoteca conta com uma série de recursos multissensoriais, tais como maquetes táteis dos edifícios da instituição, relevos e maquetes tridimensionais de obras de arte, além de recursos sonoros e olfativos. “Com a pandemia, aprendemos a usar os recursos digitais, assim, desenvolvemos uma série de QR codes presentes nas salas da nova exposição de longa duração do museu, chamada Pinacoteca: Acervo, como um videoguia em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e audiodescrições de obras de arte.

29 | e

Ainda inauguramos a segunda versão da Galeria de Esculturas Brasileiras da Pinacoteca, com nove esculturas originais da coleção do museu disponíveis para apreciação tátil, e desenvolvemos alguns recursos digitais assíncronos durante a pandemia, como vídeo-visitas educativas para pessoas com deficiência intelectual, com 60 anos ou mais e para jovens em situação de vulnerabilidade social”, exemplifica Gabriela Aidar.

E NO FUTURO?

Para a educadora do Museu do Ipiranga Denise Peixoto, no museu do futuro mais pessoas de diferentes perfis farão parte da tomada de decisões. “Além disso, acho que as exposições podem avançar nesse diálogo entre acervo e proposições mais orgânicas que passem pela possibilidade do toque. Isso não é fácil, mas que essa questão já esteja enfronhada no processo curatorial. Ninguém mais vai discutir que precisamos ter esses recursos, mas ainda precisamos lidar com os nossos capacitismos.”

Reconhecida por criar o primeiro grande projeto de acessibilidade, a Pinacoteca do Estado de São Paulo conta com uma série de dispositivos, tais como maquetes táteis dos edifícios da instituição (acima), relevos e maquetes tridimensionais de obras de arte, além de recursos sonoros e olfativos.

A museóloga Marília Bonas também faz esse exercício de imaginação de como seriam os espaços expositivos no futuro. “Que o museu possa ser um lugar onde as pessoas se reconheçam nas suas diferenças, mas onde elas tenham o mesmo acesso. Um lugar que proporcione uma experiência incrível para pessoas de classes diferentes, com necessidades diferentes, ou seja, para um público diverso. Porque a grande potência de um museu é ser esse lugar de encontro de pessoas com qualidades muito diferentes”.

Christina
Rufatto
e | 30

para ver no sesc / artes visuais

VAMOS FRUIR!

Uma exposição é um local de encontro entre uma produção poética, científica, socioambiental ou histórica e a produção de sentidos articulada por públicos diversos. Partindo dessa definição, o Sesc São Paulo proporciona a diferentes visitantes, com seus respectivos saberes, condições e repertórios, a possibilidade da fruição artística. “Quando se planeja a acessibilidade em uma exposição, mais pessoas – entre elas as pessoas com deficiência – acessam oportunidades, desde a fruição das obras até uma dimensão ampliada de participação e

pertencimento social”, explica Lígia Helena Ferreira Zamaro, assistente técnica da Gerência de Educação para Acessibilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

Para isso, no Sesc, a oferta de recursos de acessibilidade acontece em simbiose com a atuação dos educadores dos projetos expositivos. “Uma exposição acessível beneficia todos os públicos pois, desta forma, suas diversidades corporais, etárias e sensoriais não são empecilhos para suas experiências e, sim, matérias-primas para que elas se realizem”, complementa Zamaro.

Confira as exposições, e seus respectivos recursos de acessibilidade, que estão em cartaz nas unidades do Sesc:

AVENIDA PAULISTA

A Magia do Manuscrito

São 180 manuscritos originais, grande parte deles do colecionador e curador da exposição, Pedro Corrêa do Lago, que possui um dos mais relevantes acervos do gênero no mundo, incluindo Michelangelo, Frida Khalo e Tiradentes. Terça a sexta, das 10h às 21h30; sábados, domingos e feriados: das 10h às 18h30. Até 15/01/2023. Recursos de acessibilidade:

Matheus José Maria Na exposição A Magia do Manuscrito, no Sesc Avenida Paulista, textos escritos a punho por Frida Khalo, Tiradentes e outros grandes personagens da história.
Mostras do Sesc São Paulo aproximam um público diverso de diferentes repertórios artísticos

artes visuais / para ver no sesc

POMPEIA

Flávio de Carvalho Experimental

Pinturas, manuscritos, desenhos e outras obras de um dos artistas mais complexos da vanguarda brasileira do século 20 compõem essa exposição com curadoria de Kiki Mazzucchelli e Pollyana Quintella. Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Até 23/01/2023.

Recursos de acessibilidade:

IPIRANGA

Outros Navios: Fotografias de Eustáquio Neves

Retrospectiva de quase 40 anos da trajetória do fotógrafo mineiro Eustáquio Neves, sob curadoria de Eder Chiodetto. Terça a sexta, das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 21h30. Domingos e feriados, das 10h às 18h30. Até 26/02/2023.

Recursos de acessibilidade:

PINHEIROS Desvairar 22

Com curadoria de Marta Mestre, Veronica Stigger e Eduardo Sterzi, a mostra reúne mais de 270 itens, entre fotos, objetos, filmes, músicas e documentos, até um sarcófago egípcio original, propondo novos olhares sobre a Semana de Arte Moderna. Terça a sábado, das 10h30 às 21h. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h. Até 15/01/2023

Recursos de acessibilidade:

Matheus José Maria
e | 32
Instalações audiovisuais compõem a exposição Rios DesCobertos – dos Jerivás aos Pinheiros, em cartaz no Sesc Santo Amaro.

SANTO AMARO

Rios DesCobertos – dos Jerivás aos Pinheiros

A partir de instalações audiovisuais, a exposição convida ao reconhecimento da memória afetiva do Rio Pinheiros por meio de sua história, seus afluentes e sua importância para São Paulo. Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábado, domingo e feriados, das 11h às 18h. Até 18/12/2022. Recursos de acessibilidade:

Quarta a domingo e feriados, das 10h às 16h30. Até 11/12/2022. Recursos de acessibilidade:

Ao longo da exposição, o visitante encontra QR codes para acesso ao conteúdo online para os recursos de áudio e imagem. Há também um carrinho de recursos táteis (disponível por intermédio dos educadores da exposição).

para ver no sesc / artes visuais

Legendas Acessibilidade

INTERLAGOS

Darwin, o original Conheça a vida e o legado do famoso naturalista, biólogo e geólogo inglês Charles Darwin (1809-1882), consagrado por suas contribuições sobre a origem e evolução das espécies na Terra.

SANTO ANDRÉ

Pasteur, o cientista Dedicada à vida e à obra do cientista francês Louis Pasteur (1822-1895), a exposição conta com vídeos, grafismos, animações, projeções, textos e desenhos. Terça a sexta, das 10h30 às 21h. Sábado, domingo e feriados, das 10h30 às 18h30. Até 16/10/2022. Recursos de acessibilidade:

Em estabelecimentos de uso coletivo, é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Equipes educativas ficam disponíveis para atendimento de pessoas com deficiência nos espaços expositivos do Sesc.

Cães-guia e cães de serviço acompanhantes de pessoas com deficiência são bemvindos aos espaços do Sesc.

Saiba mais: bit.ly/ exposicoes-acessiveis

Adriana Vichi
33 | e
Registros audiovisuais, entre outros itens da exposição Desvairar 22, no Sesc Pinheiros, propõem novos olhares sobre a Semana de Arte Moderna.

Moradas de um

SÁBIO

A relação profunda do português com o Brasil ganhou novos contornos com o passar do tempo. Desde que conheceu as terras brasileiras, em 1983, Saramago colecionou visitas e amizades por aqui. Tamanho afeto poderia ter representado um desvio de rota – algumas décadas antes do reconhecimento internacional, o romancista chegou a cogitar sair de Portugal para viver além-mar. A jornalista e escritora Pilar del Río, esposa do autor, rememora o episódio. "É verdade que ele amava tanto o Brasil que, em 1962, pensou em imigrar para o país. Mas, não foi possível. A princípio, não era universitário e não poderia vir, como lhe foi sugerido que viesse, para trabalhar em uma universidade. Como ele viria e de que maneira? O processo de imigração acabou não se concluindo. O que não significa que ele não estivesse sempre atento ao Brasil", revela Pilar [Leia mais em Herança adelante].

PAISAGENS DA MEMÓRIA

Em meio aos turistas que visitavam Salvador para a Festa de Iemanjá, em 1996, havia um escritor que, dois anos depois, se tornaria o primeiro e, até hoje, único autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. A identidade do viajante começava a ser mundialmente popularizada — por isso, foi possível a ele conhecer, sem alarde, ícones da capital baiana, como o Elevador Lacerda. No centenário Mercado Modelo, o visitante ficou impressionado com o artesanato popular, e observava, demorado e curioso, os mínimos detalhes das figuras de barro expostas nas lojas de artigos típicos. Perto do centro de compras, teve a chance de assistir a uma roda de capoeira e, uma vez mais, encantou-se com o que presenciou. O passeio foi, aos poucos, intercalando-se com o vai e vem da multidão que atravessava o centro histórico soteropolitano naquele 2 de fevereiro. Ali, em silencioso respeito a tudo o que acontecia à sua volta, estava José Saramago (1922-2010). E foi assim que o autor de Ensaio sobre a Cegueira (1995) se entrelaçou, um pouco mais, com a nação e o povo que tanto admirou, e que considerava, também, como seus.

Em carta ao escritor e diplomata Nataniel Costa (19241995), Saramago também confidenciou o desejo de mudança: “Estou a encarar francamente a hipótese de ir para o Brasil, à busca de vida melhor, não de melhor vida”. O jornalista Ricardo Viel, em artigo publicado na revista Palavra, detalhou as motivações do escritor: “Na mensagem escrita ao amigo (e patrão) Nataniel Costa, que vivia na França, José lista a falta de perspectiva, os problemas pessoais e a vida cheia de obrigações como os motivos que o fazem pensar em abandonar a ‘amargurada e infeliz’ terra onde vive. Portugal estava sob a ditadura de António de Oliveira Salazar (18891970) fazia décadas. Após ter escrito um romance aos 24 anos, Saramago havia abandonado vários projetos de livros e não voltara a publicar. Trabalhava numa editora, exercendo uma atividade maçante e burocrática que terminava por ser um peso, mais um. Não enxergava nem para o país, nem para si, um futuro melhor. Enquanto isso, o Brasil era visto como o lugar das oportunidades”, escreveu Ricardo Viel.

Cabem, então, algumas perguntas: Que vida esperava José Saramago caso ele tivesse concretizado a vontade de criar raízes brasileiras? Teria o escritor, por exemplo, conhecido o amor de Pilar – a leitora, revisora e tradutora primeira de sua obra, a quem dedicava seus livros, singelo e apaixonado, desde que a conhecera, em 14 de junho de 1986? Poderia Saramago – filho e neto de analfabetos – ter se notabilizado como o maior responsável pelo reconhecimento

Os caminhos que uniram o português José Saramago ao Brasil, país que amou como seu
Renato Parada 35 | e perfil

internacional da prosa em língua portuguesa? Obteria os prêmios Nobel e Camões de Literatura um José que não frequentou uma universidade – e que apenas pôde comprar seu primeiro livro aos 19 anos?

A ausência de respostas, contudo, não diminui o brilho, o vigor e a sensibilidade que nortearam a carreira e a trajetória pessoal do autor português, iniciada há um século na cidade de Azinhaga, à época um povoado formado por camponeses. A família se instalou em Lisboa quando Saramago tinha dois anos. Foi na capital portuguesa que, menino, aprendeu a amar as artes e a literatura de tanto frequentar as bibliotecas públicas da cidade, seu lazer. Adolescente, a origem pobre o impulsionaria a se formar numa escola técnica para, assim, garantir o primeiro emprego como serralheiro mecânico.

OLHARES REMOTOS

Adulto, trabalhou como funcionário público, tradutor, jornalista, editor, crítico literário e comentarista político. O primeiro romance, Terra do Pecado (1947), foi seguido de um hiato interrompido apenas em 1966, com a publicação de Os Poemas Possíveis. Com o romance Levantado do Chão (1980), inaugurou o estilo narrativo único que o consagrou: a escrita corrida, quase sem pontuações e ritmada por longos períodos. As décadas seguintes foram de intensa e consistente produção.

Publicou, entre outros títulos, A Jangada de Pedra (1986), História do Cerco de Lisboa (1989), Todos os Nomes (1997), A Caverna (2000) e Ensaio sobre a Lucidez (2004).

Trabalhos amplamente enaltecidos pela crítica e que congregaram leitores fiéis na comunidade de países de língua portuguesa – em especial no Brasil. Tal popularidade não significa, contudo, que o autor esteja distante do hermetismo, conforme explica a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Salma Ferraz. “Alguns de seus livros, como O Memorial do Convento (1982) e O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), exigem um aparato cultural intertextual, pois não são obras fáceis de adentrar – elas requerem um leitor ruminante, na definição do escritor Machado de Assis (1939-1908). Ou seja, essas obras demandam um leitor que tenha todo um preparo para entrar no mundo saramaguiano”, analisa a docente, que indica As Intermitências da Morte (2005) como porta de entrada para o universo do autor.

SOB O SOL PERENE

Aquelas que seriam algumas das mudanças mais impactantes no caminho do escritor estavam por vir com a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991). Por causa da obra, José Saramago enfrentou fortes protestos da igreja e de políticos católicos de Portugal, que o acusaram de blasfêmia. As resistências foram além, e culminaram com a censura do governo português, que vetou sua

Memorial do Convento (1982)

Também estes navios que vês no rio, houve um tempo em que não tiveram velas, e outro tempo foi o da invenção dos remos, outro o do leme, e, assim como o homem, bicho da terra, se faz marinheiro por necessidade, por necessidade se fará voador.
e | 36
perfil

HERANÇA ADELANTE

Presidenta da Fundação José Saramago e viúva do escritor, Pilar del Río ressalta o espírito do tempo no legado saramaguiano

Foi um livro, mais especificamente, Memorial do Convento (1982), que aproximou a jornalista espanhola Pilar del Río do escritor português José Saramago. Provocada pela obra que o alçou internacionalmente, Pilar foi ao encontro do autor em 1986. A partir daí, permaneceram lado a lado, compartilhando vida, projetos, amizades e A Casa de Lanzarote. Além de tradutora da obra do literato para o castelhano, Pilar é presidenta da Fundação José Saramago, criada em 2007 para compartilhar as palavras e o pensamento crítico do autor, além de “contribuir para o processo de humanização de que um mundo em permanente processo de desumanização necessita”, descreve a página oficial da instituição, sediada em Lisboa.

De passagem por São Paulo, em agosto passado, Pilar esteve no Sesc Pinheiros para o evento Saramago – 100 anos, do qual também participaram o diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, e o editor e escritor Luiz Schwarcz, fundador da Companhia das Letras, editora responsável pela publicação dos títulos do prêmio Nobel de Literatura. Na ocasião, falou à Revista E sobre a celebração ao centenário do escritor e a atualidade de seus livros.

Páginas brasilianas

Vejo a influência do Brasil na obra de Saramago. Não tanto por causa das amizades [com escritores e outros artistas do país], porque elas foram

posteriores. No caso de Jorge Amado, por exemplo, essa amizade se deu quando Saramago já tinha uma obra consolidada. Isso não significa, no entanto, que ele não tenha lido tudo de Jorge Amado. Ele era um leitor voraz da literatura brasileira. Alguns livros, inclusive, nasceram no Brasil, como Todos os Nomes (1997) e A Caverna (2000). Ou seja, esse país era uma presença permanente em sua vida e, várias vezes, ele atravessou o oceano para celebrar seu aniversário em São Paulo, com amigos.

Espírito do tempo

Eu não diria que a obra de Saramago é atemporal, pelo contrário, diria que é temporal. Como podemos dizer que não é atualíssima a obra Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas (2014), se ela se situa em uma fábrica de armas? Agora mesmo, estamos formulando questões sobre Ensaio sobre a Cegueira, por exemplo. Na pandemia, muitas pessoas – e

eu também – voltaram a ler essa obra, entre outras, e pensaram: “Quão pouco aprendemos”.

Literatura e cidadania

Saramago não separava literatura de cidadania. Para ele, estética e ética estão juntas, assim como literatura e cidadania. Penso que, para entendermos a obra de Saramago, é preciso sermos cidadãos conscientes.

Centenário

No dia 16 de novembro [quando Saramago faria 100 anos], escolas de Portugal, do Brasil [e de outros países da Europa e da América Latina] irão realizar, simultaneamente, a leitura de textos de Saramago, a exemplo do conto A Maior Flor do Mundo. Ele costumava dizer que ler é bom para a saúde do corpo e do espírito e, também, para se conhecer. Pensamos que os jovens não vão ficar o tempo todo atrás das telas, mas atrás de livros, porque a leitura proporciona prazer.

Adriana Vichi 37 | e perfil

participação no Prêmio Literário Europeu de 1992. Como justificativa para a proibição, o então subsecretário de Estado da Cultura, António de Sousa Lara, afirmou que a literatura de Saramago contrariava o "patrimônio religioso português". O incidente aborreceu o autor de forma irreparável, levando-o a se mudar definitivamente para Lanzarote, no arquipélago das Ilhas Canárias, na Espanha.

A nova vida no território insular, cercado por paisagens vulcânicas e parte da costa da África ocidental, é a essência dos Cadernos de Lanzarote, um conjunto de cinco diários lançados pelo escritor entre 1993 e 1998. No mesmo ano em que publicou o último volume, uma nova guinada o aguardava. Era manhã de 8 de outubro e, sempre ao lado de Pilar, Saramago encerrava sua participação na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. Preparava-se para retornar a Lanzarote quando, na cidade de Estocolmo, a Real Academia Sueca anunciou seu nome como o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura. No comunicado, a instituição atribuiu ao autor uma obra de valor fundamental, “cujas parábolas, respaldadas por imaginação, piedade e ironia, nos permitem apreender de forma contínua uma realidade ilusória”.

TANTO MAR

A notícia foi festejada por leitores e pelo mercado editorial, como se a vitória fosse brasileira – e era.

A comemoração foi ainda mais emocionante, para um grupo de amigos brasileiros do laureado: o cantor e compositor Chico Buarque, o fotógrafo Sebastião Salgado e os escritores Lygia Fagundes Telles (19182022) e Jorge Amado (1912-2001). Doente e sem poder enxergar, o baiano ditou uma última carta felicitando o companheiro tão logo soube da novidade – a missiva foi escrita com a ajuda da filha, Paloma Amado. Saramago afirmava que o autor de Mar Morto (1936) era o verdadeiro merecedor da honraria. Amado, por sua vez, torcia pelo triunfo do colega de ofício, com quem compartilhava visões de mundo e com quem se correspondeu com frequência entre 1992 e 1997.

Foi a convite de Jorge e Zélia Gattai (1916-2008), ainda, que Saramago visitou Salvador para conhecer a celebração à Rainha do Mar. Testemunha do encontro, o fotógrafo Xando Pereira realizou um registro peculiar do português: em uma cena que comprova como o escritor se permitia, com ternura, imiscuir-se na atmosfera cultural do país que tanto prezava. “A certa altura, os amigos se reuniram na residência do cantor Caetano Veloso, perto da praia. Todos vestem branco, como pede a tradição. Flores são distribuídas e percebo que Saramago caminha em direção ao mar, segurando um ramalhete também. Então, fiz o clique e lancei a pergunta: O senhor vai jogá-las para Iemanjá?”, relata o fotógrafo. Por um momento, o escritor se detém e responde, com simpatia: “Não! Eu sou ateu…”.

É uma tentativa de nos perguntarmos o que e quem somos. E para que? Provavelmente não existe uma resposta e, se existisse, seguramente não seria eu a pessoa capaz de oferecê-la. No fundo, o que o livro quis expressar é muito simples: se somos assim, que cada um se pergunte porquê
e | 38 perfil
Ensaio sobre a Cegueira (1995)

PALAVRAS QUE TRANSCENDEM

Para além da herança literária, José Saramago permanece eternizado pelas reflexões que proporcionava, também, como um intelectual de alcance universal, que não se furtava em aproximarse dos leitores. “Ele sempre teve um modo de enxergar [a vida] muito equilibrado, adequado e comprometido com a humanização do mundo. Sobretudo com as ideias que fazem com que a gente possa construir um mundo melhor. Esse é o grande legado de Saramago – o de alguém que denunciou quando era necessário, que apontou caminhos quando era necessário e que reflete tudo isso de maneira brilhante na sua literatura”, afirmou o diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, durante

homenagem ao centenário do autor português, realizada em 15 de agosto, no Sesc Pinheiros.

Entre 1997 e 2008, Saramago esteve seis vezes nas unidades do Sesc São Paulo, em programações em parceria com a editora Companhia das Letras. Oportunidades nas quais o público pôde ouvi-lo discorrer sobre a própria obra, revelando os caminhos que o conduziram em seus processos de escrita. “Eu não ando a brincar com a morte, a ideia apresentou-se. É um livro extremamente divertido, em que o leitor sorrirá muitas vezes. Algumas vezes, pode acontecer de soltar uma gargalhada. É um livro sobre a morte e, portanto, também um livro sobre a vida”,

declarou em 2005, no lançamento de As Intermitências da Morte

Em novembro de 2008, o escritor faria um balanço da sua trajetória até então, por ocasião da publicação de A Viagem do Elefante. E, diante do público do Sesc Pinheiros, declarou-se à esposa Pilar del Río, seu alicerce. “Fui tendo aquilo que a vida, por razões que eu desconheço, foi pensando que era hora. Por exemplo, em 1986, quando eu conheci a Pilar, foi porque a vida disse: ‘Bom, o rapaz tem 63 anos, vamos fazer aparecer esta mulher, senão depois torna-se demasiado tarde’. A Pilar me apareceu e eu lembro de ter escrito uma coisa que eu posso repetir aqui, com meus 86 anos: Se eu tivesse morrido antes de conhecer a Pilar, tinha morrido muito mais velho do que aquilo que sou hoje”.

Homenagem celebrou os 100 anos do autor que possui passagens memoráveis pelo Sesc São Paulo
Isabel D´Elia
para ver no sesc / perfil
39 | e

gráfica

MAGO DE DOIS MUNDOS

e | 40
Gianni Ratto / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão

Erio Piccagliani / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão

Cenografia e figurinos de Gianni Ratto para o balé Marsia, de Luigi Dallapiccola, apresentado no Teatro alla Scala, Milão (1951): de um lado um desenho do cenário, do outro, o projeto concretizado.

Cenógrafo e diretor Gianni Ratto ajudou na reconstrução do teatro italiano no pósguerra e na renovação da identidade do teatro brasileiro

41 | e gráfica

Um homem comprometido com as artes cênicas, atuante nos dois lados do Atlântico e capaz de se reinventar no trabalho, tanto pela criatividade quanto pela associação com outros talentos. Assim foi Gianni Ratto (19162005), cenógrafo, diretor, ator, iluminador, figurinista e escritor italiano que, em 1954, aportou no Brasil e por aqui ficou até o fim da vida. Nascido na cidade litorânea de Gênova, filho de pianista, desertou das tropas de Benito Mussolini na Segunda Guerra Mundial e migrou para o norte, rumo a Milão. Lá, fundou o Piccolo Teatro, onde fez fama idealizando cenários grandiosos em um palco estreito, e então foi convidado pelo Teatro alla Scalla para ocupar o cargo de vice-diretor técnico. Em óperas, trabalhou com ícones como a soprano grecoamericana Maria Callas (1923-1977) e, em balés, com o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971).

“A visão da cenografia e do espetáculo é condensada em uma coisa única. Quando um espetáculo é realmente unitário, a gente não se lembra se tem cenografia, se tem figurino”, resumiu Ratto no documentário A Mochila do Mascate (2005), dirigido por Gabriela Greeb e com roteiro, argumento e produção executiva de Antonia Ratto, filha do artista.

Em busca de novos desafios e oportunidades na direção teatral, Ratto desembarcou no Brasil a convite dos atores Maria Della Costa (1926-2015) e Sandro Polloni (1921-1995). Ao lado de Fernanda Montenegro, Fernando Torres (1927-2008), Ítalo Rossi (19312011) e Sérgio Britto (1923-2011) fundou o Teatro dos Sete, no Rio de Janeiro. “Gianni foi fundamental

para a reconstrução do teatro italiano no pós-guerra e pela renovação do teatro brasileiro. Tinha bases da arquitetura, dividia o espaço cênico de maneira incrível, sabia materializar verdadeiros prodígios. Aqui, encontrou um grupo de atores sedentos e um ambiente que esperava alguém como ele”, destaca a historiadora da arte, crítica e curadora Elisa Byington, que junto a Antonia Ratto organizou o livro O Teatro de Gianni Ratto – Mago dos Prodígios (Edições Sesc São Paulo, 2022) [Leia mais em Bravo, Ratto!]

Inclusive, a primeira peça em que Fernanda Montenegro atuou como protagonista foi A Moratória (1955), com direção do italiano. “Ratto nos deu essa consciência cultural, educacional do teatro. No meu caso, ele pegou uma massa bruta, predisposta para o palco, e não me domesticou, pelo contrário: abriu a minha vida, abriu o conceito que eu tinha sobre fazer teatro. Nós fomos a primeira turma que ele pegou no frescor de se posicionar e se confirmar como diretor”, disse Fernanda Montenegro no documentário A Mochila do Mascate (2015).

Em 2017, para comemorar o centenário de nascimento do artista, o Sesc Consolação realizou a exposição Gianni Ratto – 100 anos, com curadoria de Elisa e Antonia. “Meu pai dizia que era um artesão do teatro, não gostava de ser chamado de artista. Valorizava a autenticidade das coisas simples, nunca quis se colocar no lugar de mestre, apesar de tê-lo sido para muitos. Foi uma figura íntegra e, fundamentalmente, humanista. Alguém que quis contribuir para a construção de uma identidade teatral verdadeiramente brasileira”, sintetiza Antonia.

Croquis para os figurinos do balé Pulcinella, de Igor Stravinsky, apresentado no Teatro alla Scala, Milão (1950).

e | 42 gráfica
Gianni Ratto / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão Desenho da cenografia para o espetáculo Carrosel Napolitano, de Ettore Giannini, apresentado no Teatro della Pergola, Florença (1950). Gianni Ratto/Acervo Gianni Ratto Cena do espetáculo A Coroação de Popeia, de Claudio Monteverdi, apresentado no Teatro alla Scala, Milão (1953). Abaixo, croqui final de Gianni Ratto para a cenografia desta peça.
e | 46
Foto Erio Piccagliani / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão / Croqui Gianni Ratto / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão

Croqui de cenografia para o espetáculo Piaf – A Vida de uma Estrela Abaixo, o diretor Flávio Rangel e a atriz Bibi Ferreira na estrutura já montada para o palco do Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro (1983).

Ratto /
Fotógrafo
/
gráfica
Estudo Gianni
Acervo Gianni Ratto
não identificado
Acervo Gianni Ratto

Cena do espetáculo teatral Ralé, de Máximo Gorki, apresentado no Piccolo Teatro di Milano, Milão (1947). Foto Claudio Emmer / Arquivo Piccolo Teatro de Milão Croqui Gianni Ratto / Arquivo Piccolo Teatro de Milão

Croqui da cenografia para o espetáculo Ralé, de Máximo Gorki, apresentado no Piccolo Teatro di Milano, Milão (1947).

49 | e gráfica

Croqui da cenografia para La Traviata, de Giuseppe Verdi, apresentada no Teatro alla Scala, Milão (1947).

Gianni Ratto / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão

Croqui da cenografia para a ópera O Rapto do Serralho, de Wolfgang Amadeus Mozart, apresentado no Teatro alla Scala, Milão (1952).

e | 52 gráfica

para ver no sesc / gráfica

BRAVO, RATTO!

Edição bilíngue inclui desenhos e fotografias de cena ao documentar o legado de Gianni Ratto

Lançamento das Edições Sesc São Paulo, O Teatro de Gianni Ratto – Mago dos Prodígios (2022) delineia a biografia do cenógrafo e diretor genovês e documenta, com seus desenhos e fotografias de cena, o extenso trabalho que ele realizou em teatros da Itália e do Brasil. A obra reúne cópias de croquis que compõem acervos de teatros como Piccolo, alla Scala, Opera di Roma e Maggio Musicale Fiorentino, além de estudos e processos feitos no Brasil, em décadas mais recentes, que pertencem ao Instituto Gianni Ratto ou a acervos de outros artistas.

“O livro dá uma ideia abrangente da totalidade de sua obra, que atravessa dois continentes e seis décadas. Somente na Itália, em menos de dez anos, meu pai fez mais de 120 espetáculos. Incluímos espetáculos históricos, mas também outros dos quais tínhamos mais registros, que explicitam bem seu processo de trabalho. Buscamos recriar, para o leitor, o universo de cada espetáculo”, explica Antonia Ratto, que também é a designer e responsável pelo projeto gráfico do livro. “Acredito que essa obra, ao preservar a memória de uma parte do nosso teatro, contribui para um cenário maior de valorização da memória como condição fundamental para a construção do nosso futuro”, ressalta.

Quem escreve a orelha é o ator, diretor e autor Marcos Caruso: “Lendo este livro, emociono-me com as encenações ao ar livre em Florença e Veneza, com o mestre da luz transformando ‘escadas e janelas em casebres, tribunal e catedral’, manuseando o ‘pincel ao ritmo das óperas’(...) Mas minha emoção torna-se maior quando, neste livro, leio o que vi: um homem honrar uma das suas mais assertivas afirmações: ‘O segredo da vida é o encontro de gerações’”.

EDIÇÕES SESC SÃO PAULO

O Teatro de Gianni Ratto – Mago dos Prodígios (Edições Sesc São Paulo, 2022) Organização: Antonia Ratto e Elisa Byington Apoio: Instituto Gianni Ratto

53 | e
Gianni Ratto / Arquivo Histórico Teatro alla Scala de Milão

construção

COLETIVA

Após meses de seleção, ensaios e atividades formativas, como vivências, oficinas e workshops, estreiam, em novembro, dois espetáculos inéditos idealizados pelo Sesc São Paulo: Uma Leitura dos Búzios, no Sesc Vila Mariana, e amazonias: ver a mata que te vê, no Sesc Pinheiros. Com temporada prevista até o início de 2023, esses projetos são coletivos, processuais, têm elencos com perfis diversos, além de enredos com temáticas ambientais e históricas que descortinam os modos de habitar o Brasil hoje.

“amazonias traz discussões abrangentes e urgentes, como mudanças climáticas, a ameaça aos povos originários e crescimento das populações urbanas. A floresta não é só um recurso natural, mas um lugar de vida, do sagrado”, explica Sergio Luis Venitt de Oliveira, assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo. Já Uma

Leitura dos Búzios se inspira na Conjuração Baiana (1798-1799), uma das muitas rebeliões pela independência do Brasil durante o período colonial, a exemplo da Inconfidência Mineira (1792-1789).

TODOS OS BÚZIOS

Também chamado de Revolta dos Alfaiates ou dos Búzios, o levante ocorrido em Salvador se inspirou nos ideais da Revolução Francesa (1789-1799) e da Independência do Haiti (1791-1804). “Envolveu as classes proprietárias, médias e a população subalternizada, incluindo muitos escravizados e alforriados [com reivindicações diversas, que iam desde o descontentamento com a alta carga de impostos cobrada pela Coroa portuguesa até a falta de liberdade comercial, a escravização e a mudança da capital para o Rio de Janeiro em 1763]. Nesse

musical, propomos uma leitura, ou seja, uma versão atual dos Búzios. Vamos tocar em questões como as desigualdades sociais, o racismo e o apagamento histórico do povo negro”, destaca Oliveira.

A Conjuração Baiana ficou mais conhecida como Revolta dos Búzios, porque seus integrantes levavam um búzio de Angola na corrente do relógio de bolso, para se reconhecerem. “Além de propormos uma leitura desse evento histórico, os búzios, no candomblé e na umbanda, fazem a leitura do nosso destino, dos caminhos futuros – daí o duplo sentido do título. Blocos afro de Salvador, como Ilê Aiyê e Olodum, apropriaram-se desse acontecimento como uma bandeira de rebeldia, de ancestralidade e de necessidade de criação de referências negras na história do Brasil”, conta o diretor artístico Márcio Meirelles.

Projetos processuais resultam na criação de dois espetáculos que propõem revisões sobre narrativas oficiais da história do país
e | 54 teatro

A equipe técnica do núcleo de criação do espetáculo Uma Leitura dos Búzios é composta por Alysson Bruno (percussão e direção musical), Cristina Castro (direção coreográfica), Eliseu Correa (dança e coreografia), Gustavo Melo Cerqueira (coordenação de pesquisa), João Milet Meirelles (composição e direção musical), Roberta Estrela D’Alva (oficinas de corpo e voz) e Tainara Cerqueira (dança afro e coreografia).

A seleção para a composição do elenco foi aberta em julho, no portal do Sesc São Paulo, e 547 estudantes e profissionais do teatro participaram, enviando vídeos com uma minibiografia e um relato sobre experiências e expectativas. Desse total, 128 foram escolhidos e divididos em quatro grupos para participar de uma oficina realizada a partir do início de agosto.

Para o coro geral do espetáculo, ficaram 17 inscritos, que formam um grupo heterogêneo ao lado dos dez artistas e três músicos convidados. A rotina de ensaios

levou quase três meses, de terça a sábado, sete horas diárias, incluindo práticas de voz, movimentos, gestos, danças, percussões e expressões corporais. “São pessoas diversas, inclusive no sentido etário: pessoas de 20 a mais de 60 anos. Resolvemos fazer a montagem em São Paulo para nacionalizar essa luta numa cidade construída essencialmente por nordestinos”, enfatiza Meirelles, dramaturgo do Teatro Vila Velha, criador do Bando de Teatro Olodum e autor da Trilogia do Pelô (1991-1994), que inspirou o filme Ó Paí, Ó (2007), protagonizado pelo ator Lázaro Ramos.

Segundo o diretor, que também é cenógrafo, figurinista e foi secretário de Cultura da Bahia entre 2007 e 2010, a Revolta dos Búzios é um dos movimentos de resistência fundadores da nação brasileira, e será abordada no espetáculo sob os pontos de vista político, econômico e social. “Toda essa história serve de base para falarmos do país agora, sobre desigualdade e liberdade. Recortamos fragmentos desse período que é muito complexo. As mulheres participantes, por exemplo, não aparecem nos registros, foram invisibilizadas. Por isso, o texto tem autoria de Mônica Santana e é contado por quatro narradoras, a partir do olhar delas”, destaca.

MANIFESTO CÊNICO

Além de ser um processo artístico e criativo, como Uma Leitura dos Búzios, o espetáculo amazonias: ver a mata que te vê foi concebido como um projeto pedagógico e social, com um olhar voltado para jovens diversos em pensamentos, atuações e territórios onde vivem. O trabalho, que tem direção de Maria Thaís, pesquisadora do Museu Paulista (Museu do Ipiranga) e professora aposentada do

55 | e teatro
Isabel Almeida/Alma Preta Jornalismo

TODA ESSA HISTÓRIA SERVE DE BASE PARA FALARMOS DO PAÍS AGORA, SOBRE DESIGUALDADE E LIBERDADE

Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), discute como as transformações ambientais do planeta atingem a população brasileira e como elas resvalam para as questões da sociabilidade. Mostra, ainda, como os desafios dos indígenas hoje não são apenas amazônicos, visto que há povos residentes em todo o país, incluindo localidades de São Paulo, como o Pico do Jaraguá, Parelheiros e o litoral sul.

“Chamo o espetáculo de manifesto cênico e falamos em amazonias, no plural, porque não podemos nos referir à floresta e ao bioma como uma coisa única, como se fosse um estado. Esses ecossistemas atravessam oito países [Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana e Suriname] e um território ultramarino [Guiana Francesa]. Precisamos desconstruir a idealização que fazemos da região e da mata, pois é isso que contribui para a exploração e a destruição. Nessa natureza, coabitam povos diversos e culturas milenares, saberes e fazeres tradicionais e urbanos”, ressalta Maria Thaís.

A seleção para essa ação formativa e artística teve início em abril, com um chamamento

no portal e nas redes sociais do Sesc São Paulo. Dos cerca de 200 inscritos, foram selecionados 40 – dos quais 35 permanecem no grupo, que também concentra artistas da região amazônica. Entre eles, há ainda três indígenas paulistanos. Ensaios e atividades complementares são realizados desde maio, de terça a sábado, sete horas por dia. Todos são acompanhados por uma equipe de consultores. “Nosso processo é circular, pois permite que enxerguemos uns aos outros. Estamos construindo uma encenação coletivamente”, explica a diretora.

O projeto, cujo subtítulo é: ver a mata que te vê, levanta questionamentos como: “Será que o Sudeste se pergunta como a floresta nos vê? E daqui? O que a gente vê?”; “Conseguimos enxergar as forças, potências, culturas e a contínua invasão?”. “Nessa rede de palavras e de cantos e danças – rap, funk, carimbó, poesia e tambores amazônicos –, estamos construindo um imaginário e lidando com o que esses jovens são. Porque a Amazônia, assim como eles, também é periférica, e tão violenta quanto o que vemos na cidade de São Paulo. Ao estabelecermos paralelos entre eles e nós, ao

Adriana
Vichi
e | 56 teatro

NOSSO PROCESSO É CIRCULAR, POIS PERMITE QUE ENXERGUEMOS UNS AOS

OUTROS.

ESTAMOS CONSTRUINDO UMA ENCENAÇÃO COLETIVAMENTE

sermos aliados nessas lutas, e servirmos de microfone para tantos povos, vislumbramos possibilidades de olhar para o passado e para o futuro”, defende a diretora.

LUGAR DE ENCONTRO

Segundo Oliveira, embora abordem temas distintos, os dois projetos priorizam, em seus processos criativos, a diversidade de culturas, de gêneros, etnias, corpos, origens e experiências. “São processos bem diferentes entre si, mas há aproximações nas criações e nos ambientes cênicos. Em um laboratório teatral, as hierarquias se relativizam e todos podem trocar e contribuir para que essa expressividade seja um acontecimento poético e democrático. Isso porque a poesia não surge do nada: é fruto de muito trabalho, leituras e construção de sonoridades”, analisa. Ele destaca ainda a tradição, no Brasil, de grupos teatrais colaborativos e horizontalizados, a exemplo do Teatro Oficina, Teatro da Vertigem, Os Satyros, Parlapatões, Clowns de Shakespeare, Grupo Tapa e Galpão, entre outros. “O teatro é um lugar da coletividade, que agrega várias pessoas em torno de uma criação artística”, complementa.

57 | e teatro

teatro / para ver no sesc

Ensaio do espetáculo amazonias: ver a mata que te vê, em cartaz a partir de 25/11, no Sesc Pinheiros.

PROCESSOS CRIATIVOS

Montagens amazonias: ver a mata que te vê e Uma Leitura dos Búzios estreiam nos palcos do Sesc São Paulo neste mês

A fim de desestruturar a teoria do brasileiro cordial, levantar questões de raça e de classe varridas para debaixo do tapete social e dar visibilidade a figuras históricas que participaram de processos coletivos de independência do Brasil, o Sesc Vila Mariana apresenta, entre 18/11 e 29/01 de 2023, o musical Uma Leitura dos Búzios, com direção artística de Márcio Meirelles. Já a montagem amazonias: ver a mata que te vê, dirigida por Maria Thaís, estreia no Sesc Pinheiros dia 25/11, com temporada até 12/02 de 2023.

“Os dois espetáculos dialogam com a missão do Sesc São Paulo que, ao longo de sua história, tem sido um profícuo ambiente de processos criativos em artes cênicas. Muitas são as iniciativas e os laboratórios de incentivo à criação e à formação de artistas e pessoas, constituindo-

se como espaços de construção da democracia e de uma sociabilidade ética e responsável”, destaca Rosana Cunha, gerente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

VILA MARIANA

Uma Leitura dos Búzios De 18/11/2022 a 29/01/2023

Rua Pelotas, 141 – Vila Mariana, São Paulo (SP) www.sescsp.org.br/vilamariana

PINHEIROS

amazonias: ver a mata que te vê De 25/11 a 12/02/2023

Rua Pais Leme, 195 –Pinheiros, São Paulo (SP) www.sescsp.org.br/pinheiros

e | 58
Adriana Vichi

Manifestações culturais e diálogos sobre a condição social da população negra. Palestras, cursos, oficinas, vivências e apresentações em linguagens como música, cinema, teatro, saúde e alimentação, dança e literatura. ATÉ 30 DE NOVEMBRO DE 2022 Em todas as unidades. S E S C S P. O R G . B R

/ D O 1 3 A O 2 0

cotas LEI DE

Estava prevista para este ano a revisão da lei que determina a reserva de 50% de vagas em instituições de ensino fede rais para candidatos negros, indígenas, estudantes de escola pública e pessoas com deficiência e de baixa renda. Ou seja, grupos historicamente excluídos desses espaços. Criada em agosto de 2012, a Lei de Cotas prevê uma revisão a cada dez anos, com o objetivo de avaliar resulta dos e sugerir mudanças. Como foi adiada, especu lações e receios ganham discussões. “Na prática, o efeito das ações afirmativas foi o de mudar a foto grafia do ensino superior no Brasil. Ela permitiu que mais integrantes da população negra e indíge na acessem o ensino superior. Em 2018, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos – 50,3% – ultrapassou, pela primeira vez, o de alunos bran

cos nas instituições de ensino públicas brasileiras”, destaca Allyne Andrade, doutora e mestre em di reito e autora do livro Direitos e Políticas Públicas Quilombolas (D’Plácido, 2020). Mesmo assim, “há quem esteja aproveitando o momento para propor a descontinuação das cotas para alguns segmentos”, alerta Regimeire Oliveira Maciel, mestra e doutora em ciências sociais e professora de políticas públi cas e economia política. Maciel dá como exemplo o Projeto de Lei 4.125/2021, “que pretende revogar os artigos da lei que preveem a reserva de vagas para pessoas pretas, pardas e indígenas e pessoas com deficiência”. A fim de refletir sobre esse panorama, neste Em Pauta, Andrade e Maciel, que participa ram do bate-papo Lei de Cotas: Balanços e Perspecti vas, em janeiro deste ano, pelo projeto Sesc Ideias, traçam reflexões do que está por vir.

em
61
pauta

Dez anos da Lei de Cotas

A Lei 12.711/2012, mais conhecida como Lei de Cotas, completa uma década. Ela começou a ser implemen tada em 2013, e estabelece a reserva de 50% de vagas em instituições de ensino federais para candidatos negros, indígenas, estudantes de escola pública e pessoas com deficiência e de baixa renda, isto é, inte grantes de grupos historicamente excluídos desses espaços. Como funciona? O mecanismo é complexo.

As vagas reservadas às cotas são subdivididas. Den tro desse percentual, metade das vagas é destinada a estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capi ta, o que equivale hoje ao valor de R$ 1.818. A outra metade é concedida para estudantes de escolas pú blicas com renda familiar superior a esse valor. Em ambos os casos, também é levado em conta um per centual mínimo correspondente à soma de pretos e pardos (negros) e indígenas no estado. Para concor rer às vagas reservadas, pretos, pardos e indígenas precisam apresentar uma autodeclaração e, em algu mas instituições, passar por uma comissão de avalia ção. No caso de pessoas com deficiência, é solicitada a apresentação de autodeclaração e laudo médico.

As cotas são a modalidade de um gênero mais abrangente denominado ações afirmativas, que “são políticas focais que alocam recursos em be nefício de pessoas pertencentes a grupos discri minados e vitimados pela exclusão sócioeconômi ca no passado ou no presente”, como define João Feres Júnior, coordenador do GEMAA - Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, no livro Ação Afirmativa: Conceito, História e Debates (EdUERJ, 2018). Segundo o autor, “trata-se de me didas que têm como objetivo combater discrimi nações étnicas, raciais, religiosas, de gênero, de classe ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educa

ção, saúde, emprego, bens materiais, redes de pro teção social e/ou no reconhecimento cultural.”

EM OUTROS PAÍSES

As ações afirmativas não são exclusividade do Bra sil. A Índia foi pioneira na implementação das polí ticas afirmativas ao adotá-las como parte da legis lação, em 1950, como reparação da exclusão social resultante do sistema de castas. Nos Estados Uni dos, foram implementadas na década de 1960 para promoção da equidade racial. Desde então, as ações afirmativas são adotadas em diversos países.

O tema é uma pauta histórica do Movimentos Ne gros Brasileiros. O assunto foi levado por esse mo vimento como reivindicação na Marcha Zumbi dos Palmares, que levou ativistas de todo país para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no ano de 1995. Mas já era uma reivindicação desses movi mentos pelo menos desde a década de 1970.

Apesar de a lei federal ser de 2012, as cotas começaram a ser adotadas em 2003, majoritariamente em univer sidades estaduais, por meio de resoluções internas ou leis estaduais. As instituições pioneiras foram a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Uni versidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Estadual da Bahia (UNEB), em 2003. A primeira universidade federal a adotar uma política de cotas foi a Universidade de Brasília (UnB), em 2004. Hoje, as ações afirmativas existem em quase 90% das universidades estaduais do país.

O principal papel da lei federal foi uniformizar as regras para ações afirmativas nas instituições fede rais de todo o país e garantir reservas efetivas de va gas nas instituições. Quando da sua implementação, somente duas universidades federais no país não contavam com nenhuma modalidade de inclusão, mas havia políticas bastante tímidas e ineficientes.

As cotas nas universidades foram alvos de muita polê mica e muitos ataques na mídia, todos focados nas va gas reservadas para negros. Sua constitucionalidade também foi questionada. O partido Democratas impe

em pauta 62

trou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fun damental (ADPF 186), que foi julgada improcedente em 2012 e, portanto, foi reconhecido que as cotas eram compatíveis com a Constituição Federal de 1988.

MUDANÇA NA FOTOGRAFIA

Na prática, o efeito das ações afirmativas foi o de mudar a fotografia do ensino superior no Brasil. Elas permitiram que mais integrantes da popula ção negra e indígena acessem o ensino superior. Em 2018, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos — 50,3% — ultrapassou, pela primeira vez, o de alunos brancos nas instituições de ensino pú blico brasileiras. Vale lembrar que os negros são 56% da população brasileira.

Embora ainda haja muito o que fazer no que tange à inserção no ensino superior, em especial, em rela ção a políticas de permanência e formação de novos pesquisadores e docentes, a inclusão promovida nesses 10 anos é concreta. Para além da mudança da fotografia, há um movimento na própria forma de construir o saber nesses espaços. Novos corpos trazem outras visões de mundo, experiências e sa beres para o cenário acadêmico, permitindo a cons trução de um ambiente mais plural e um saber mais bem conectado à realidade do Brasil.

REVISÃO ATUAL

A lei federal estabelece que no prazo de 10 anos de veria ser realizada uma revisão da implementação da política de reserva de vagas em todo o país. Ape sar de prevista a revisão, ela não foi regulamentada, não há regras que digam como ela deveria ocorrer, e esse processo ainda não foi iniciado. Há duas po sições jurídicas sobre a não revisão: uma acredita

que a lei perderá a eficácia caso não haja revisão; e outra (defendida por mim e pela maioria dos ju ristas), de que a lei continuará a viger até que seja revogada, independentemente da revisão.

Atualmente, tramitam vários projetos sobre o tema. Alguns propõem a ampliação do prazo para a revi são nacional ou a transformação da Lei de Cotas em política permanente no país. Os demais projetos defendem a exclusão apenas do critério étnico-ra cial para o acesso ao ensino. As cotas raciais e a inclusão de pessoas negras e indígenas em espaços antes quase exclusivos de pessoas brancas foram as ações que mais incomodaram os que se opõem à iniciativa. Não é à toa que os projetos contrários se concentram apenas nesse aspecto, mesmo com a constitucionalidade decretada e o comprovado su cesso da política.

E o nome desse incômodo é racismo. A ironia é que foram os movimentos negros que defende ram cotas como política pública, não só para si, mas para todos os grupos historicamente excluí dos. É preciso ampla mobilização para que o país não retroceda e que se garanta a permanência do sistema e a produção de dados e análises para garantir a contínua inclusão e as fotos coloridas.

Allyne Andrade é advogada, formada em direi to pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integra a primeira geração de estudan tes de ações afirmativas. Doutora e mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP), ob teve o LL.M – Master of Laws na área de Teoria Crítica Racial da UCLA School of Law. Professora do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa em São Paulo, é autora do livro Direitos e Políticas Públi cas Quilombolas (D’Plácido, 2020) e integrante do Movimento de Mulheres Negras no Brasil.

em pauta 63
Para além da mudança da fotografia, há um movimento na própria forma de construir o saber nesses espaços

em pauta 64

Lei de Cotas: balanços e perspectivas

Os anos 2000 anunciaram um novo tempo no que diz respeito à chamada questão racial brasileira. É a partir daí que vimos surgir um conjunto de medi das que sintetizou a luta de décadas por igualdade racial no país. Essa mobilização é resultado de mui tos passos dados pelo movimento negro brasileiro em diferentes épocas, mas sobretudo a partir da Constituição de 1988.

Ao incorporar elementos da pauta racial, como a criminalização do racismo e o reconhecimento das terras quilombolas, esse ativismo consolidou a de núncia do racismo como elemento organizador da vida social brasileira. E, em 1995, a Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida aju dou a ampliar a reivindicação por políticas públi cas de combate à desigualdade racial ao exigir do governo federal a construção de políticas públicas específicas para a população negra.

POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA

É nesse cenário que surge um dos principais me canismos de combate ao racismo nas últimas déca das: as políticas de ação afirmativa. A sua principal modalidade, as cotas raciais, tornou-se realidade a partir do começo dos anos 2000, quando se tem as primeiras experiências de reserva de vagas em en tidades públicas: os casos das instituições estaduais do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). A partir desse período, diversas uni versidades passaram a adotar políticas similares e, em 2012, foi aprovada a chamada Lei de Cotas (Lei

12.711/2012), que estabeleceu que 50% das matrícu las de institutos e universidades federais devem ser destinadas a estudantes de escolas públicas.

De acordo com o Grupo de Estudos Multidiscipli nares da Ação Afirmativa (GEMAA), em 2018 todas as instituições universitárias federais já contavam com cotas em cumprimento a essa legislação. Com isso, tem-se registrado um aumento considerável da presença de pessoas negras no ensino superior. Em 2018, por exemplo, as instituições públicas con tavam com 50,3% de matrículas de pessoas pretas e pardas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geo grafia e Estatística (IBGE).

Esses dados indicam, assim, que as cotas iniciam a consolidação de um projeto de democratização do ensino superior brasileiro e, consequentemente, permitem também o desmonte de estruturas racis tas enraizadas nesse nível de ensino, pois há déca das o ativismo antirracista chamava atenção para o fato de as instituições públicas permanecerem um corpo discente incompatível com a realidade sóciorracial brasileira.

EM DISCUSSÃO

As cotas no acesso aos cursos de graduação nas instituições de ensino superior também inspira ram importantes mudanças em outros campos. Por exemplo, as demandas e debates associados a es sas políticas que orientaram o estabelecimento de reserva de vagas nos concursos públicos federais,

REGIMEIRE OLIVEIRA MACIEL
As cotas no acesso aos cursos de graduação nas instituições de ensino superior também inspiraram importantes mudanças em outros campos

Em 2018, por exemplo, as instituições públicas contavam com 50,3% de matrículas de pessoas pretas e pardas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

por meio da Lei 12.990/2014, e também nos cursos de pós-graduação. Neste último caso, por mais que não se tenha uma legislação nacional, até 2021, se gundo o Observatório de Ações Afirmativas na Pós -Graduação (OBAAP), 54,3% dos programas de pós -graduação de universidades públicas adotaram políticas de ação afirmativa no acesso.

É a partir desse contexto que a Lei de Cotas tem sido rediscutida neste ano. A própria lei prevê esse processo. No entanto, há sinalizações de diferentes ordens. Há, por exemplo, quem esteja aproveitan do o momento para propor a descontinuação das cotas para alguns segmentos, como pode ser visto no Projeto de Lei 4.125/2021, que pretende revogar os artigos da lei que atualmente preveem a reserva de vagas para pessoas pretas, pardas e indígenas e pessoas com deficiência. No entanto, há também uma ampla mobilização para a manutenção da Lei de Cotas na sua totalidade. Esse é o caso do Projeto de Lei 5384/2020, que aguarda discussão em plenário e prevê a alteração da Lei nº 12.711/2012, tornando per manente a reserva de vagas nas instituições federais de ensino superior e ensino técnico de nível médio.

Cabe destacar que o debate pela manutenção dessa política, tal qual ocorreu no começo dos anos 2000, conta com a intensa participação do ativismo ne gro, exemplificado aqui pela atuação da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN) e a Coalização Negra por Direitos. São esses sujeitos que têm sustentado a compreensão de que não se pode descontinuar uma política que tem respondi do tão fortemente ao racismo brasileiro.

Nesse sentido, a sociedade brasileira mais ampla também precisa assumir uma postura de defe sa dessas políticas. Elas não significam apenas a possibilidade de se ter um ensino superior mais condizente com a diversidade entre nós existen te, mas também têm se constituído como umas das poucas medidas capazes de questionar as bases de uma das mais importantes instituições brasi leiras – as universidades públicas – mantidas, até o início dos anos 2000, quase intocadas do ponto de vista das discriminações estruturais que nos constituem. Se quisermos continuar condenando e enfrentando tais discriminações, uma saída é seguir percorrendo o caminho aberto pelas ações afirmativas via políticas de cotas.

Regimeire Oliveira Maciel é graduada em ciências sociais pela Universidade Federal do Ma ranhão (UFMA), mestra e doutora em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora de políticas pú blicas e do Programa de Pós-graduação em Eco nomia Política Mundial da UFABC (Universida de Federal do ABC) e coordenadora do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros (NEAB), da mesma instituição.

65
em pauta

escavar

MEMÓRIAS

Diretora, dramaturga e atriz portuguesa, Joana Craveiro traz, pela primeira vez ao Brasil, espetáculo sobre feridas do passado

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Em tempos de profundas desigualdades sociais e econômicas, de intolerância e preconceitos, o teatro voltase a investigar, com sua lente de aumento, o passado de colonização para elaboração de possíveis futuros. Nesse processo de revisão histórica, grupos cênicos da América Latina, Portugal e Espanha apresentaram-se no MIRADA - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, realizado no Sesc Santos, em setembro passado. Na abertura do evento, o grupo português Teatro do Vestido tocou nas feridas do país europeu, desde suas raízes coloniais até o apagamento das narrativas de perseguidos e mortos na ditadura (1926-1974) e na Revolução dos Cravos (1974-1975). Em Viagem a Portugal – Última paragem ou o que nós andámos para aqui chegar, atores dispõem de documentos e imagens – grande parte, originais –para rememorar injustiças, dores e lutas por direitos. Para falar sobre o processo criativo desse grupo que acumula 15 anos de itinerância, a diretora artística e fundadora do coletivo, Joana Craveiro, também atriz, dramaturga e performer, participou de uma conversa com a Revista E, mediada pelo jornalista e crítico de teatro Valmir Santos.

VIAGEM A PORTUGAL

Acho que já estávamos com uma premonição de alguma coisa, não imaginávamos que fosse uma pandemia, mas o espetáculo tem um certo tom quase apocalíptico, porque falamos do fim de uma série de utopias que tem a ver com a nossa própria história [Viagem a Portugal estreou em 2019, mas teve suas apresentações canceladas pela pandemia]. O espetáculo, mesmo aqui em nosso país, problematiza a questão da identidade nacional, a história portuguesa, a história do fascismo, da ditadura, mas também a história de Portugal inserida na Europa, na União Europeia, portanto inserida numa série de políticas europeias que, na verdade, são também políticas de exclusão dos imigrantes. Esse

pequeno país na esquina de um continente velho, com uma história profundamente triste de guerra, de belicismo, de espírito de conquista, de colonização, de colonialismo. Acho que com o nosso espetáculo podemos humildemente dizer que estamos nessa escavação da nossa história. Queremos estar na linha da frente, questionar todas essas coisas sobre o nosso país e sua relação com outros países, como o Brasil.

CHEGAR AONDE?

A primeira cena do espetáculo [Viagem a Portugal], em que os personagens estão a manusear legos, foi a primeira improvisação que a gente fez. O texto surgiu aí. Seria possível construir um mundo

Apresentado no MIRADA, o espetáculo português tem no título uma homenagem ao livro Viagem a Portugal (1981), de José Saramago, no qual o escritor faz a pergunta: "Afinal, que viajar é este?". Ao lado, a diretora artística do Teatro do Vestido, Joana Craveiro.

Matheus José Maria (Viagem a Portugal); Estelle Valente (Joana Craveiro)
67 | e encontros

O PÚBLICO NÃO PRECISA PENSAR COMO NÓS PENSAMOS, ATÉ PORQUE NÓS NÃO ESTAMOS A DIZER COMO NÓS PENSAMOS, ESTAMOS A DIZER QUE ESTÁ TUDO POR CONSTRUIR

novo do zero? Esta espécie de utopia de construção do mundo com aquelas peças de lego…

E a figura dos viajantes continua durante todo o espetáculo a me ajudar, como dramaturga, a manter uma certa linearidade numa história que não tem linearidade. Porque o fato histórico não é linear e depende muito da forma como é contado. Eu, que ouço centenas de pessoas todos os anos, porque trabalho muito com entrevistas e recolhimento da memória, do testemunho, da história oral, sei que cada um tem a sua versão, e isso me interessa. Esse, então, é um espetáculo bastante crítico e hermético, num certo sentido – a gente até fez um guia de leitura –, porque ele não quer se aprofundar em nenhum dos temas. Ele quer essas camadas sobre camadas. Uma geração que olha com distância para o seu lugar, o seu país, e aquilo que recebe como uma promessa. Tanto que, no fim, dizemos: “A gente vai conseguir, mãe, não te preocupes”. E a mãe diz: “Poupa, filha. Poupa e tem juízo”, que é uma coisa muito portuguesa. E a gente também questiona:

“Chegar lá? Chegar aonde, mãe?”

A mãe como representante dessa geração que nos dizia: “Se tu estudares, tu vais conseguir”.

E a gente pergunta: “É sério, mãe? Vamos mesmo conseguir?”.

PAPEL E ORALIDADE

Para mim, o documento é fascinante e eu o entendo de uma forma bem abrangente. Eu entendo mais a ideia de arquivo vivo, do qual faz parte também um conjunto de oralidades e de gestos. E depois, dentro desse arquivo, existe o documento físico escrito ou impresso, que é realmente uma parte muito importante da minha pesquisa e da minha linguagem cênica. Acho que o arquivo pode se tornar repertório através da sua teatralização, da sua utilização na performance. Acredito numa relação orgânica com esses materiais que, na verdade, estão impugnados dessa memória. Portanto, há uma incorporação no próprio papel. Então, o Teatro do Vestido tem muitos originais: objetos e documentos. E a memória

da resistência antifascista e da revolução é uma memória que tem muito papel: o papel dos comunicados, dos panfletos pelos quais pessoas arriscaram sua vida nas tipografias clandestinas. A minha relação com o documento é muito orgânica. Nós passamos horas no Teatro do Vestido a manusear, a aprender a manusear e a encontrar a emoção do manuseamento do documento. São documentos que adquiri ou que eram da minha família, ou mesmo fotografias que são das famílias dos atores ou de pessoas que nos confiam seus espólios. O documento, para mim, tem esse lado emocional, sou muito apegada e quero preservar esses objetos. Nós temos um projeto de arquivo em Lisboa, com a Câmara Municipal, que vai se chamar Arquivo Vivo do Teatro do Vestido, onde a gente vai pôr tudo isso para as pessoas poderem tocar.

PROCESSO ABERTO

O Teatro do Vestido sempre pôs o processo [de criação do espetáculo] em cena. Isso faz parte do nosso questionamento, desse lado de brincar com o que é verdade teatral, com o que é verdade em cena, quem é que está em cena a falar. Por exemplo, a gente não trabalha a ideia de personagens. Nós partimos sempre da gente, somos nós ali e muitas vezes dizemos o nosso nome, como em Viagem a Portugal Não temos porque esconder quem somos, porque, na verdade, o ator do Teatro do Vestido é um ator implicado. Nós todos, juntos, investigamos a história e há uma apropriação dos temas. Não me interessa um papagaio que diz o texto decorado, algo que, é claro, tem o seu mérito e é fantástico.

e | 68 encontros

Em Viagem a Portugal, três intérpretes são encarregados diretamente da narrativa e um quarto cuida da manipulação de documentos e vídeos em tempo real, fazendo desses arquivos um dispositivo cênico.

Mas, por exemplo, agora, nesta criação que estamos a fazer sobre um estudante que foi assassinado pela polícia política em 1972, em Lisboa, a gente passou dias a ver documentários, a debater, a ver outros materiais, a ler livros em voz alta. Tudo isso para que todos [do grupo] saibam e se apropriem da história. Temos que nos apropriar para conseguir falar sobre essas coisas, e elas precisam estar gravadas e incorporadas ao arquivo e ao fato histórico. Acho que me interessa muito mais falar sobre esse processo.

JOGO DE CENA

Temos uma relação de profunda cumplicidade com esta entidade chamada público. Ele é um viajante em todos os nossos trabalhos. Também acho que sou bastante exigente com o espectador, porque faço espetáculos muito longos, como Um Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas [apresentado no festival MIRADA, em 2018], de seis horas, somente eu em cena. Eu confio muito no espectador, até mais do que em mim. Eu confio e o respeito. Ele, que vai desejar fazer aquela viagem comigo e com a nossa equipe. Normalmente, quando não estou em cena, sempre faço uma introdução ao público. Dou as boasvindas e agradeço por terem saído de suas casas para vir fazer essa viagem conosco, porque acredito nessa relação de humildade do

criador perante o seu público, sem o qual ele não faz nada. Gosto dessa ideia do espectador emancipado, para quem eu não tenho que dizer tudo, nem ser didática. Gosto mais de deixar perguntas em aberto do que dar respostas. O público não precisa pensar como nós pensamos, até porque nós não estamos a dizer como nós pensamos, estamos a dizer que está tudo por construir.

CONTAR UMA HISTÓRIA

Eu acho que a força do contar nunca vai desaparecer. A força da presença de uma pessoa perante outra contando uma história nunca vai desaparecer, porque essa força é ilimitável, né? O teatro é milenar. E ninguém vai conseguir fazer desaparecer a força desse ato teatral que Peter Brook [(1925-2022) diretor de teatro inglês mundialmente reconhecido] descreve como uma pessoa que observa a outra e que cruza um espaço. Isso não vai desaparecer enquanto houver esta possibilidade de ser humano, essa possibilidade do ato de contar e

de recontar. Por mais claro que seja o fato de que o teatro se transformou, que foi premiado por todas estas linguagens do pós-dramático, da não linearidade, das novas tecnologias, por tudo isso. Porque, afinal, o que nos comove, realmente, no teatro é a força do contar. Quando eu faço O museu vivo (...), estou a conversar com o público, a contar histórias, e isso foi transformador. Essa experiência de estar em frente ao público só com a força das histórias me provou que, mesmo que não tivesse o dispositivo cênico que tenho – o documento -, essa é uma relação mágica.

Ouça, em formato de podcast, a conversa com Joana Craveiro. A convidada esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 23 de setembro de 2022. A mediação é do jornalista e crítico Valmir Santos, fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena

Matheus José Maria 69 | e encontros

O BABÁ NO MERCADO

POR CIDINHA DA SILVA ILUSTRAÇÕES LUYSE COSTA

Ele caminhava pelo mercado como se o chão fosse de flores, paramentado, de turbante na cabeça, roupa de brocados e rendas, pano da costa, anéis e bengala, que eu nunca soube se era para ajudá-lo a caminhar ou signo de autoridade de quem bate no chão chamando os ancestrais por onde passa.

O Babá se dirigiu a uma barraca de peixes. Eu o avistei da loja de queijos. Finalizei minha compra e fui até ele.

Bandagira Babá, muito bom dia! Mukuiu!

Mukuiu Nzambi, minha filha! Que Oxum lhe dê saúde!

Asé ó, Babá! Vim aqui lhe cumprimentar e tomar sua benção.

Eu lhe vi ali na barraca de queijos. O dia está ensolarado, bom para vir ao mercado.

Sim, senhor.

E como você está, minha filha? Como estão os trabalhos? Vi que lançou livro novo.

Sim, senhor, Babá, lancei. Está tudo bem, obrigada. Em movimento. E o senhor, como está?

Eu estou como orixá manda, não é minha filha?

Com Iaô recolhido. Casa de candomblé, você sabe como é, aquela luta de sempre.

Imagino, Babá. Imagino.

71 | e inéditos

Você precisa aparecer lá em casa. Vai ter barco de Xangô no mês que vem. Vou recolher logo quatro e vão sair no dia dele, com uma fogueira grande no terreiro. Eles voltam para a camarinha, que é o lugar deles, mas a gente vai festejar no tempo.

Vou sim, Babá. Obrigada pelo convite, deixa anotar logo o dia na agenda. Opa, nem precisa, 24 de junho.

Venha mesmo. Esse povo diz que vem e não aparece.

Sim, senhor. Será uma alegria estar como vocês. Só não vou se tiver alguma viagem da qual não me lembro agora. O senhor sabe, gente autônoma trabalha mais do que gostaria.

Sim, minha filha. Eu sei como é. Mas faça um esforço, se puder, vá. Será bom para você.

Sim, senhor. Sempre é. Se puder, irei.

Meu filho, escolha bem esse peixe, viu? Não quero saber de olho morto, nem de carne mole. Quero carne tenra. Olhe sua vida, viu? É comida para Orixá.

E ria o Babá, aquele riso bom e estrondoso. O funcionário da loja sorria também e mantinha o mesmo peixe escolhido, sinal de que, para o Babá, ele já havia mesmo selecionado o que havia de melhor.

Eu pedi licença, agradeci pela prosa e tomei meu rumo. Aquela foi a última vez que encontrei o Babá Francisco de Oxum antes da pandemia, o homem que me lembrava as imagens bonitas de Joãozinho Da Gomeia, só que pelas ruas de São Paulo. Em reuniões políticas também o encontrava. Zeloso pela Casa, sabia da necessidade de brigar nas esferas de poder dominadas pelos homens brancos, para garantir respeito aos direitos das religiões de matrizes africanas.

Passados mais de dois anos sem vê-lo, sem encontrá-lo no mercado, em sua casa no Quilombo da Saracura ou em outros lugares públicos, soube de sua morte. Quando vi uma filmagem da cerimônia fúnebre com outro Babá que conheço da Bahia, seu provável irmão de santo ou filho, puxando os cânticos sagrados, seguido por um

inéditos

pequeno grupo de pessoas a acompanhar o funeral, fiquei pensando em quanta gente ele deve ter cuidado ao longo da vida e quantos puderam estar ali, ainda num momento pandêmico. E tive vontade de compartilhar o vídeo, e o fiz para engrossar o coro do não esquecimento.

Em mim, Babá, além de sua elegância oxúnica, ficaram outras duas coisas impressas na memória. A primeira, sua recusa aos olhos mortos no peixe, um dos marcadores do frescor do alimento. Desde então, penso sobre a capacidade de enxergar dos peixes que focam em um ponto e o ampliam de maneira circular. O senhor tinha olhos de peixe vivo, não é Babá? Por isso olhava para os filhos e revelava suas almas por ângulos que nem o drone mais potente alcançaria.

A última lembrança foi sua benção, quando nos despedimos no mercado. O senhor me desejou que Xangô me desse fartura e viço. Asé ó, Babá. O Grande Rei tem me alimentado. Aweto!

Cidinha da Silva é uma prosadora mineira e tem 20 livros publicados. Entre algumas obras, Um Exu em Nova York (Pallas, 2019), prêmio Biblioteca Nacional 2019, segundo lugar na categoria Contos, que integra o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) 2021; Oh, Margem! Reinventa os Rios! (Oficina Raquel, 2020), que também integra o PNLD de 2021; e O Mar de Manu (Autêntica, 2021), prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de 2021, na categoria Melhor Livro Infantil.

73 | e

REFAZENDO-SE AOS

Se hoje Gilberto Gil atualizasse o livro biográfico Gilberto Bem Perto (HarperCollins, 2013), escrito por ele em parceria com a jornalista Regina Zappa, certamente o ano de 2022 ganharia destaque no roteiro de sua vida e obra. Foi nestes últimos meses que o artista baiano – marido de Flora e pai de oito filhos (cinco deles também músicos) – completou 80 anos de idade e 60 de carreira, sendo homenageado pelo Grupo Corpo, na coreografia Refazendo, e estrelando a série documental Em Casa com os Gil, da Amazon Prime Video. Foi também em 2022, no início de setembro, que Gil subiu ao palco do festival Rock in Rio ao lado de filhos, netos e noras para cantar clássicos como Aquele Abraço (1969), Andar com Fé (1982) e Tempo Rei (1984).

O ponto alto do show foi o dueto de Gil com a neta Flor, de 13 anos, filha de Bela. Os dois interpretaram Garota de Ipanema, em português e inglês, e a adolescente chegou a chorar no ombro do avô. Como se não bastassem todos esses marcos, o ex-ministro da Cultura e membro da Academia Brasileira de Letras lançou, em julho, a terceira edição do livro Todas as Letras (Companhia das Letras), organizado pelo jornalista, compositor e escritor Carlos Rennó, que se debruçou sobre 535 canções desse que foi um dos criadores do Tropicalismo. No fim de agosto, Gil e Rennó estiveram presentes no Teatro do Sesc Pompeia para uma conversa sobre a obra. Neste Depoimento, que traz trechos do bate-papo, Gil relembra sucessos, aborda seu processo criativo, vivências, inspirações e memórias.

lavouras

Quando você revolve o terreno da vida, em qualquer aspecto, vêm sempre as minhocas. Você fica vendo como o terreno da vida é fértil, como ele é fertilizado, e vai se oferecendo aos cultivos das coisas todas, às lavouras. Acho que nas conversas que a gente teve aparecia isso. Foram três momentos distintos [de interação entre Gilberto Gil e Carlos Rennó]. Quando da primeira edição do livro, nós começamos a trabalhar a partir de 1994. [Para a] Segunda edição, em 2002. Nos últimos dois anos, durante a pandemia, nos reunimos para mais conversas, e trabalhar a complementação do repertório para a terceira edição [que tem ilustrações inéditas de Alberto Pitta e textos de Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik].

Com oito décadas de vida e 60 anos de carreira, Gilberto Gil fala sobre inspirações, memórias e a terceira edição recém-lançada de Todas as Letras
80
Gerard Giaume e | 74 depoimento

musgueiro

Eu tive um encantamento pela canção que permanece até hoje, desde que eu era menino. Quando minha mãe perguntou o que eu queria ser quando crescesse, eu disse: “Quero ser musgueiro [derivação de musiqueiro, alguém que trabalha com música] e pai de menino”. Coisas que acabaram sendo proféticas na minha vida: me tornei um cançonetista e pai de oito filhos. Eu tinha na infância um encantamento inicial pela forma como Luiz Gonzaga [(1912-1989) músico pernambucano conhecido como o Rei do Baião] cantava, pelas descrições que Humberto Teixeira e Zé Dantas [compositores parceiros de Gonzagão em clássicos como Asa Branca e Xote das Meninas] faziam da paisagem humana, física, geográfica da vida nordestina. Nasci e cresci naquele momento. Foram momentos extraordinários que me deram aquela sensação de que eu deveria levar avante aquele trabalho, ir para a rua render os “guardas de trânsito” [da música] e me tornar, eu mesmo, um deles.

paisagens

Quando poetas como Noel Rosa e Vinicius de Moraes apareceram, foi exatamente na música popular para mudar o trânsito, provocar “engarrafamentos” novos e, ao mesmo tempo, novas formas de influência no trânsito da palavra cantada. E a minha geração chega depois desses que fizeram intervenções importantes no trânsito da canção popular, no modo como uma canção popular chegava [ao público]. Aí aparecem o Caetano [Veloso], o Chico [Buarque], o Milton [Nascimento], o Paulinho da Viola. Estava na hora de rendermos os anteriores e passarmos a fazer do nosso modo, efetivamente muito influenciados

por tudo aquilo que já tinha sido feito, mas também com aquela coisinha buliçosa na alma dizendo: “Vamos acrescentar uma coisinha, falar disso aqui de um jeito que ninguém falou até agora”. É aí que eu começo a ser mais consciente da minha complexidade, da complexidade do mundo e da vida humana. E aí [aparece] o papel do escritor, do descritor, do poeta.

amar

Na canção Aqui Agora (1977), digo num dos versos que “amor é tudo o que move”. É uma declaração ousada, mas é defensável, verdadeira, explicável, compreensível. E é um pouco isso: esse sentimento do amor, sobre o amor, está em todas as canções que fiz, que têm como

tema central a “amorabilidade”, a habilidade de amar. Eu acho que o amor concretizado, nos vários atos de aproximação entre pessoas que se amam – [sejam] duas, três ou quatro, quantas forem, ao mesmo tempo ou não –, nesses movimentos todos do amor, [tem sua] questão final no êxtase. O mais intenso, o mais completo possível, que sempre nos arremessa ao plano do divino. Nos arremessa [para] fora da atmosfera do real, do terreno, para a estratosfera do além, divino. O amor é sempre isso, é para isso.

tropicália

Naquele período [do Tropicalismo], a gente tinha tido contato com os poetas concretos, todas as referências – como [o estadunidense] Ezra Pound [1885-

ESSA É A FUNÇÃO [DO POETA], A GENTE VEIO PARA ISSO, PARA SER NO NOSSO TEMPO UMA ESPÉCIE DE AGLUTINADOR DE TUDO: DOS TEMPOS QUE NOS ANTECEDERAM, DO NOSSO TEMPO E DO TEMPO QUE NOS SUCEDERÁ e | 76 depoimento

1972] e [o francês Stéphane] Mallarmé (1842-1898) –, os procedimentos e as formas do proceder poético. A gente estava impregnado daquele ambiente concretista, e uma das ambições do Tropicalismo era abranger esses aspectos não convencionais do mundo poético. Numa noite, na casa do Caetano [em São Paulo], a gente resolveu fazer uma canção desse teor, que é Bat Macumba (1968), e [sobre] como isso está impregnado no imaginário brasileiro, na religião afro-brasileira, no candomblé. E ali [estávamos] nós dois, com essas coisas todas na cabeça, e fomos desconstruindo essa frase, para depois reconstruíla através da supressão e da adição das sílabas. Você vê um Batma[n] que aparece como intruso, no momento em que nós estamos cortando as sílabas. A construção do próprio elemento semântico da canção é feita ali, e personagens intrusos aparecem ali por força do próprio procedimento poético.

realce

[Sobre as críticas à música Realce (1979)] Eu entendi que haveria algum tipo de reserva em algumas manifestações de críticos, de colegas. [Diziam:] “Ah, mas Realce é uma música menor num certo sentido, é uma arrumação feita para poder atingir um público superficial dessa coisa toda pop, atual e tudo o mais.” A canção é tudo isso, mas ela ser tudo isso não retira dela, não anula nela um desejo natural, permanente, de profundidade, de elevação, que sempre move os poetas, os compositores. Então, tive que fazer a defesa dela em nome desse desejo permanente, profundo, de elevação e de profundidade que os poetas sempre têm. Foi uma defesa da sofisticação que eu entendo

existir nessa canção, contra as alegações de superficialidade e banalidade que muitos fizeram em relação a ela. Porque era uma música para dançar, era uma disco music da época, à la Donna Summer. Eu tive que ser um pouco enfático contra o preconceito.

pandemia

Durante a pandemia, passei dias, meses, horas tocando violão, simplesmente inventando canções, cançonetas. Algumas menores, outras um pouco mais ambiciosamente longas. E só tocadas, sem cantar, sem dizer palavra nenhuma a respeito daquelas sonoridades. São canções puramente musicais. Um dia, um dos meus amigos foi lá em casa e disse: “Você não precisa continuar sendo um compositor do jeito que sempre foi, porque pode fazer isso, pegar seu violão, chamar as pessoas e tocar para elas desse jeito”. Eu disse: “É uma possibilidade”. Fiz [recentemente] uma viagem de excursão com a família e, quando voltei, peguei o violão em casa. Pelo menos sete delas tinham ido embora [da mente]. Aí meu neto Bento, outro dia em casa, disse para a Flora: “Poxa, vó, por que você não gravou?” Ela disse: “Porque ele mesmo sempre fez isso [gravou]. Desta vez, por alguma razão, ele confiou demais [na memória]”. Foi um pouco isso mesmo, um excesso de confiança que eu, num determinado momento, resolvi dar à memória do velho. Fiquei todo cheio [de autoconfiança] – “Olha aqui como eu posso fazer isso!”. Coitado de mim, quando voltei da excursão, só ficaram três.

aglutinador

[Sobre canções de Gil que têm um caráter antecipatório, visionário, sobre campos de interesse humano,

há exemplos como] Futurível (1969), a mecânica quântica. Pela Internet (1997) [que foi atualizada em Pela Internet 2, em 2018], o celular, a célula, a eletrônica. Essa coisa de abrir porta sem precisar usar maçaneta, a distância. Todas essas coisas, este mundo, essa ciência nova que possibilita tecnologias revolucionárias. A defesa do meio ambiente [presente em canções como Refazenda]. Essa é a função do [poeta], a gente veio para isso, para ser no nosso tempo uma espécie de aglutinador de tudo: dos tempos que nos antecederam, do nosso tempo e do tempo que nos sucederá. É para isso que a gente é poeta, músico, criador.

futuro

O futuro, por mais que a gente queira, ele não se antecipa. A gente não tem a capacidade, o futuro não se sabe. Se nem o passado, na verdade, a gente sabe, imagina o futuro! [O passado é muitas vezes] Redescoberto, alterado, revisitado. Os tempos de hoje, as dificuldades do tempo de hoje, o horror deste tempo, eu vejo que já foi assim 50 anos atrás, tínhamos as mesmas queixas. Daqui a 50 anos, talvez estejamos ainda reproduzindo as mesmas queixas e, no entanto, as coisas têm mudado. O mundo muda, as coisas avançam. A gente é hoje, como humanidade, no sentido geral, melhor do que já foi.

77 | e depoimento
Assista ao batepapo na íntegra

ALMANAQUE

Azuleje-se!

Oito séculos antes de os portugueses chegarem ao Brasil, os árabes haviam dominado o território da Península Ibérica e difundido sua cultura. Foi daí que originou-se a palavra “azulejo” (al-zulaich), cujo significado, em árabe, vem de “pequenas pedras polidas”. A técnica de esmaltar ladrilhos de cerâmica, no entanto, é milenar, utilizada desde as antigas civilizações da Mesopotâmia, Egito e China. Ao desembarcar na América Latina, a partir do século 16, os azulejos usados na decoração de interiores, com imagens figurativas, padrões geométricos ou histórias religiosas, extravasaram os espaços internos e ganharam painéis em fachadas e halls, adornando construções e servindo também para impermeabilizar as estruturas no clima úmido. Hoje, em Portugal, essas placas quadradas, finas e brilhantes são reverenciadas no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, e podem ser vistas nas casas e ruas do país. No Brasil, estão presentes como revestimento de cozinhas e banheiros ou como obra de arte, adornando paredes e atraindo o olhar para diversas cores e relevos. A seguir, conheça cinco lugares no estado de São Paulo onde diferentes estilos de azulejos podem ser apreciados.

Obra da exposição Pequenas Pedras Polidas: Azulejaria no Acervo Sesc e Outras Coleções, em cartaz no Sesc Santo André.

AZULEJARIA MODERNA

Em cartaz até 14 de janeiro de 2023, no Sesc Santo André, a exposição Pequenas Pedras Polidas: Azulejaria no Acervo Sesc e Outras Coleções estabelece diálogos entre diferentes linguagens propostas por artistas brasileiros, com ênfase na produção contemporânea. A mostra reúne cerca de 50 obras, 28 delas pertencentes ao Acervo Sesc de Arte, com trabalhos de Athos Bulcão, Alfredo Volpi, Flávio de Carvalho, Sandra Cinto, Regina Silveira, Hudinilson Jr. e Cristina Pape, entre outros expoentes que se

Passeio por cinco espaços em São Paulo adornados por essas peças de origem milenar
Evelson de Freitas (Azuleje-se!); Bruno Leão (Azulejaria Moderna)
e | 78
Rosana Paulino. Musa Paradisíaca, 2019.

dedicaram à azulejaria. Segundo o curador Yuri Quevedo, mestre em história da arte e professor da Escola da Cidade, Pequenas Pedras Polidas evoca a diversidade e a pluralidade dessas peças, além de subverter esse que é um dos símbolos da colonização portuguesa. Saiba mais: www.sescsp.org.br/santoandre

Sesc Santo André

Rua Tamarutaca, 302, Vila Guiomar, Santo André (SP). Visitação: Terça a sexta, das 10h às 21h30. Sábado, domingo e feriados, das 10h às 18h30. Grátis.

FACHADA NEOCLÁSSICA

Quem visita a cidade de Santos, no litoral sul do estado, não pode deixar de conhecer uma de suas mais importantes obras arquitetônicas: a Casa da Frontaria Azulejada. Com fachada revestida por sete mil azulejos em alto-relevo – importados de Portugal –, o sobrado em estilo neoclássico foi construído em 1865 para servir de residência e armazém ao comendador Manoel Joaquim Ferreira Netto (1808-1868). O local foi tombado em 1973 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e já funcionou

como escritório, hotel e até depósito de adubos químicos. Em 1992, parte dos azulejos foi restaurada e outra parte reproduzida pelo artista plástico espanhol Luis Martin Sarasá. Há 15 anos, a casa funciona como Espaço Cultural Frontaria Azulejada, onde são realizadas exposições, apresentações musicais e atividades beneficentes. Conheça: bit.ly/casa-frontaria-azulejada

Casa da Frontaria Azulejada Rua do Comércio, 92, Centro, Santos (SP). Visitação: Segunda a sexta, das 9h às 17h. Grátis.

79 | e
Fundação Arquivo e Memória de Santos/ Rogério Bomfim (Fachada Neoclássica)

ALMANAQUE

ARTE NA PISCINA

A convite da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), o artista plástico carioca Rubens Gerchman (1942-2008) –ligado à pop art, ao concretismo e ao psicodelismo – concebeu serigrafias para os azulejos da piscina, dos vestiários e do restaurante (antiga choperia) do Sesc Pompeia, em 1977. Para criar uma atmosfera

mais popular, Gerchman escolheu motivos da cultura brasileira (folhas de bananeira na cozinha, e estrelasdo-mar e peixes-porquinho na área aquática) para decorar as peças de cerâmica que foram assentadas de modo livre pelos operários durante a obra, misturando-as com azulejos brancos. Após passarem anos submersos, os desenhos da piscina foram restaurados, assim como todo o

espaço, entre 2020 e 2022. Mais detalhes: www.sescsp.org.br/pompeia

Sesc Pompeia Rua Clélia, 93, Água Branca, São Paulo (SP). Visitação: Terça a sábado, das 10h às 22h. Domingo e feriados, das 10h às 19h. Grátis.

e | 80
Camila Macedo (Arte na Piscina)

DE PALÁCIO A

MUSEU

Erguido em 1878, com mármores, metais e lustres importados, o Palácio dos Azulejos, em Campinas, foi inicialmente a residência da família do comendador Joaquim Ferreira Penteado, mais conhecido como Barão de Itatiba. Com inspiração neoclássica, o solar do prédio, tombado pelo Iphan em 1967, tem azulejos portugueses em sua fachada, uma claraboia com vidros coloridos e um pátio interno construído após uma das reformas. Desde 1996, tornou-se o endereço do Museu da Imagem e do Som (MIS) e, em 2004, foi restaurado e aberto à visitação. Saiba mais: instagram.com/mis.campinas

Museu da Imagem e do Som (MIS)

Rua Regente Feijó, 859, Centro, Campinas (SP).

Visitação: Terça a sexta, das 9h às 17h. Sábado, das 9h às 15h. Grátis.

MESTRE DOS PAINÉIS

Um dos maiores nomes da azulejaria brasileira, o carioca Athos Bulcão (1918-2008) trabalhou em parceria com o artista plástico Candido Portinari (1903-1962) e com o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) em obras como o mural da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, e painéis de prédios públicos e pontos turísticos espalhados pelo mundo. Sua arte colorida e cheia de formas geométricas decora residências, espaços culturais, institutos, aeroportos, hospitais e escolas. A assinatura de Bulcão, que deixou a medicina para dedicarse à pintura, passa também pelo Sambódromo do Rio de Janeiro, por vários locais do Nordeste e, principalmente, por Brasília (na

Igreja Nossa Senhora de Fátima, estão os famosos pássaros no painel azul de azulejos). No exterior, seu legado está presente nas embaixadas do Brasil em Buenos Aires, Cabo Verde, Lagos e Nova Délhi. Já na capital paulista, os azulejos de Athos Bulcão compõem, desde 1988, o restaurante do Memorial da América Latina, ao lado do Pavilhão da Criatividade – podendo ser vistos na saída das exposições. Confira: fundathos.org. br/galeriavirtual e memorial.org.br

Memorial da América Latina Av. Mário de Andrade, 664, Barra Funda, São Paulo (SP). Visitação: Segunda a domingo, das 10h às 17h (o Pavilhão da Criatividade não abre às segundas). Grátis.

Rogerio Capela (De Palácio a Museu); Tuca Reinés (Mestre dos Painéis)
81 | e
Athos Bulcão. Painel de azulejos, 1988.

Eu com você, Nós com o mundo

Todos os dias vivemos metamorfoses, você já pensou sobre isso? Somos gestados na barriga da mãe, nascemos, crescemos, amadurecemos a nossa forma de acordo com o que nos passa e solicitamos mudanças inevitáveis ao mundo que nos acolhe. E acessibilidade – a matéria do meu trabalho – tem a ver com isso, com transformação, com a expectativa de presente e de futuro da vida, com um lugar melhor que contemple a gente como a gente é.

Tá, mas você também precisa de acessibilidade, Lígia? Eu, hoje, mãe de um menino de 2 anos, preciso de uma cidade em que ambos sejamos bem-vindos, com locais que tenham trocador de fraldas, rampas e elevadores, lugares para descansar e, sobretudo, espaços povoados por pessoas empáticas, nos quais uma criança possa brincar e viver como pequena cidadã que é.

Pois bem, para a minha criança, que nasce em um mundo em que tudo para ela é gigante e que busca meios de existir e se desenvolver, os lugares moldados apenas para o corpo e as experiências de pessoas adultas são barreiras.

Para um homem cego ou uma mulher cadeirante que se deslocam em uma cidade, em sua casa ou em uma exposição de arte, por exemplo, a falta de acessibilidade arquitetônica, de informações ao seu alcance e de referências sonoras ou táteis é um obstáculo à sua cidadania.

Para alguém que envelhece – esperamos que sejamos muitos a ter este privilégio no futuro – um mundo que apenas considera a performance e a velocidade do corpo jovem é um mundo violento e etarista, e isso também é um impedimento.

Para uma adolescente, um local que não legitima sua fala e perspectiva pode ser um enorme desafio. Para um jovem com síndrome de Down também, sua existência também conta. E isso também é uma experiência que atravessa um jovem negro e surdo que se comunica em Língua Brasileira de Sinais, tantas vezes percebido como estrangeiro em seu próprio país.

Para uma pessoa gorda ou outra com baixa estatura, a escala do mundo tão padronizada representa

uma barreira à sua identidade corporal, em um contínuo pedido de desculpas por ser como se é.

Para um adulto autista, o excesso de estímulo visual e auditivo das cidades impacta, assim como a falta de áreas verdes e respiros. Mas nada fere mais do que o preconceito, esta dimensão que ocorre sobretudo na relação humana.

E agora, quero te perguntar:

Você se sente bem recebido/a por onde quer que vá, do jeitinho que você é? Pois é, acessibilidade tem a ver com você, com uma cidade e um país acessíveis que validem a alteridade das pessoas e suas diferenças e, a partir delas, criem melhorias para todos.

Acessibilizar tem a ver com responder à diversidade humana e seus momentos de vida, à variedade corporal, sensorial, cognitiva que nos caracteriza. Pessoas com e sem deficiência, sejam elas crianças, adultos, adolescentes, idosos, negros, indígenas, LGBTQIA+, têm direito às experiências que o mundo tem a oferecer. Os ambientes, a comunicação e as atitudes precisam abraçar a riqueza do que somos.

Vivemos tempos hostis e que exatamente por isso nos desafiam. É sobretudo neste agora que não podemos abandonar a construção de pontes entre pessoas. Sendo mãe, penso que mesmo diante destes dias complexos, desesperançar nunca é uma opção.

Assim, quando penso no Sesc, diariamente queremos que seja nítido para você o quanto você é bem-vindo/a a usufruir de nossas unidades e a contribuir com a sua alteridade, uma vez que apenas coletivamente criamos um ambiente bom pra todos. Ao estarmos juntos, eu com você e nós com o mundo em que habitamos, podemos torná-lo melhor e mais extraordinário do que é hoje.

Lígia Helena Ferreira Zamaro é mãe do Heitor, artistaeducadora, mestre em artes visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP e especialista em acessibilidade cultural. É assistente da área de Educação para Acessibilidade na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

e | 82 P.S.
NOVEMBRO 2022 RETIRE GRATUITAMENTE SEU GUIA NAS UNIDADES DA CAPITAL E GRANDE SÃO PAULO Confira a programação completa: www.sescsp.org.br Fique por dentro do que é destaque na programação deste mês!

Aponte a câmera do celular para o código QR e acesse o portal do Sesc São Paulo.

CONHEÇA O SESC POMPEIA

www.sescsp.org.br

Pedro Mascaro (foto); Nortearia (colagem) DISTRIBUIÇÃO GRATUITA VENDA PROIBIDA

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.