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RACISMO ESTRUTURAL
Silvio Almeida cresceu entre mulheres pretas, influência fundamental para sua formação. Foi em casa que ele recebeu os primeiros conhecimentos a respeito de raça e racismo, uma vez que sua família sempre foi consciente das dificuldades e entraves nas relações étnico-raciais. Paulistano, da região central, dedica sua vida à luta contra a discriminação racial.
É advogado, filósofo, escritor e pesquisador, com uma extensa biografia profissional que transita entre a atividade de professor e ativista em favor dos direitos humanos. Também é fundador e presidente do Instituto Luiz Gama, organização cujo foco é a promoção da igualdade racial e luta contra o racismo estrutural. Em janeiro deste ano, tomou posse como ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Durante o Sempre um Papo, projeto realizado pelo Sesc Vila Mariana em dezembro de 2022, com mediação do jornalista Chico Pinheiro, Silvio Almeida apresentou suas contribuições analíticas, organizadas no livro Racismo Estrutural (Jandaíra,
2018). A obra é considerada um dos mais importantes estudos sobre os impactos do racismo na estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.
Cen Rio
Um ato de racismo é uma cena. E nos concentramos na cena. Porém, para ter cena, tem que ter cenário, ator, script. O Aranha [ex-goleiro do Santos que, em 2014, foi chamado de “macaco” e “preto fedido” por torcedores do Grêmio] foi ofendido por um grupo de torcedores e, ao olhar para essa situação, percebi que as pessoas estavam olhando para a cena, mas não estavam preocupadas com o cenário, ou seja, o que torna aquela cena possível. Por que alguém consegue identificar um ato como esse como sendo de racismo? É porque as pessoas que estão olhando aquilo já têm a questão da raça como um pressuposto fundamental. Eu não conseguiria identificar que aquilo é racismo se eu não tivesse a raça como elemento que me vai me permitir dar sentido para aquilo. Para aquela cena ser possível, é preciso que haja uma organização do futebol que estabeleça uma divisão social e racial do trabalho
Depoimento
em que os brancos organizam o jogo e os negros jogam. É preciso que haja também toda uma crônica esportiva que vai reforçar, do ponto de vista ideológico, o papel e o lugar dos sujeitos na hora do jogo. Aquela cena se tornou possível porque havia uma estrutura.
Conex Es
O livro Racismo Estrutural, não traz um conceito inovador. Ele apresenta uma proposta de organizar um debate que já existia desde os anos 1960. Nele, a questão racial é colocada como elemento analítico e não apenas como uma questão moral e, assim, nos permite não apenas olhar para os casos de racismo, mas olhar, também, para a constituição de quatro elementos fundamentais do nosso mundo: o Estado – no mundo contemporâneo, a política passa pela estatização da vida; o direito, como elemento de racionalização, de classificação e de limitação do papel dos sujeitos em relação a si mesmo e ao mundo; a ideologia, ou seja, os processos de constituição dos sentimentos e da forma de pensar e ver o mundo; e, por fim, a economia, que são as relações de produção e de reprodução da vida material e da existência. O livro apresenta como raça e racismo se conectam com esses elementos que configuram a estrutura social.
Processo
O racismo não é um ato, não é um evento, mas um processo. Assim, ele constitui uma complexidade de ações, ou omissões, de atos de fato, que têm como consequência, e resultado fundamental, a criação da raça. O racismo, portanto, cria a raça, ele cria esse elemento que vai ser utilizado para classificar e dar sentido para a vida dos indivíduos. É a partir dos contextos históricos e políticos que a raça tem efeitos. Assim, esse processo de constituição de raça que conhecemos hoje funciona como um elemento de diferenciação dentro de um universo controverso em que a igualdade formal é dada.
Imigrantismo
O problema racial no Brasil começa a partir do século 19, mais precisamente a partir da abolição. É nesse momento que há um reposicionamento do Estado brasileiro, da economia no cenário mundial, e do direito. Ao se inserir dentro do conceito de capitalismo internacional, o Brasil passa a se preocupar com a formação do mercado de trabalho. Nesse sentido, a raça tem papel fundamental, uma vez que agora há uma necessidade de se classificar as pessoas e determinar qual é o lugar do negro, do indígena e do branco. Para isso, dois grandes movimentos ideológicos foram fundamentais: o imigrantismo, ou seja, aquilo que torna branco quem vem de fora, uma vez que não existia branco na América Latina. E o outro elemento foi o bandeirantismo.
Supera O
A discussão sobre racismo hoje está ligada à ascensão da extrema direita e às manifestações de fascismo presente em lugares que você não via. O debate sobre a questão racial parte de um outro lugar, diferentemente do que aconteceu nos anos de ditadura militar, no pós-guerra, diferentemente do que a produção intelectual brasileira disponibilizou a partir dos anos 1930 com Gilberto Freyre. Muito do que está acontecendo no Brasil hoje é parte de uma conexão com a extrema direita no mundo inteiro. O mundo que a gente quer abrir em direção ao futuro é um mundo que precisa superar a raça como um elemento de classificação das pessoas. Essa é a nossa luta.
S Mbolos
O supremacismo branco, aquele que vem da Europa e dos Estados Unidos, está associado à ideia da