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Muros e pontes

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ALMANAQUE

ALMANAQUE

Cheguei à cidade de São Paulo em 2006, vindo de Taquaritinga, interior do estado, sem nunca ter entrado em um metrô ou trem. No primeiro trajeto de metrô, estava acompanhado do meu irmão – já residente na capital. Quando entrei naquela fila, que se afunilava gradativamente conforme os vagões se aproximavam, ouvi a campainha tocar. Ele entrou, e eu não. Por sorte, entendi o sinal dos dedos girando, eles diziam para encontrá-lo na próxima estação.

Em outro episódio no trem, desacompanhado e ainda sentindo a estranheza a cada pedido de ajuda, notava a aparente indiferença das pessoas ao meu redor. Eu estava no fundo do vagão quando chegamos à estação lotada, todos entraram no veículo, e eu não consegui sair. Precisei descer duas estações depois, alongando em trinta minutos a minha viagem.

Seria São Paulo a famosa “selva de pedras”? Uma cidade que, de tanto fluxo e tanta gente, nos transforma em seres invisíveis e frios? Me parecia que sim.

Ao longo do tempo, fui conhecendo um pouco mais a cidade, suas regiões e as figuras que nela habitam. Na universidade, fiz parte de grupos de extensão universitária, cujo princípio era promover a interação transformadora entre a instituição de ensino e outros setores da sociedade. Resumíamos como: “Romper os muros da universidade”. Mais impactante!

O primeiro projeto tinha por objetivo formar uma cooperativa de produtos de limpeza no Jardim Keralux, ao lado da USP Leste. Deu errado. E, de fato, não havia chance de sucesso, pois não construímos vínculo algum com o local, tampouco tínhamos conhecimento técnico para viabilizar a ideia.

Depois de um tempo, fiz parte de um projeto que visava criar bancos comunitários em quatro regiões da cidade, de modo a fomentar o desenvolvimento local. E, assim, somando outras vivências e trabalhos, conheci a Izilda, a Ilda e várias mulheres incríveis do Jardim Apuanã, na zona norte, com o trabalho dos mutirões e a preocupação do movimento de moradia com o pós-morar. Depois, vieram o Djalma e a Dora, na Cidade Tiradentes, na zona leste, bem como o saudoso Senhor Batatinha, de Taipas, e a Sueli, do Jardim Damasceno, ambos no noroeste da capital, além de tantas outras pessoas importantes de diversos lugares, que fizeram e fazem toda a diferença até hoje.

Em cada um desses momentos, rodas e prosas, o olhar para a localidade estava presente. Afinal, como diria Frei Betto: “A cabeça pensa onde os pés pisam”. A partir dessas trocas, fui percebendo que territórios não são apenas perímetros geográficos, mas memórias, relações, pessoas e coletividades que compõem um espaço e que lá dialogam, conflitam, produzem, cuidam-se e se fortalecem para encarar o cotidiano. Essa interação cheia de afetos e lutas coletivas potencializa os sentidos de comunidade. Portanto, ao me aproximar de tais trajetórias, percebi que São Paulo não é só um lugar, são muitos, que aquecem e acolhem, também.

Hoje, no Sesc, faço parte de uma equipe que compõe a ação Territórios do Comum, com o objetivo de desenvolver atividades por meio de processos educativos continuados, voltadas aos temas cidadania e desenvolvimento local, a partir da articulação e construção conjunta, com iniciativas sociais dos territórios onde as unidades do Sesc São Paulo se encontram. Complexo, né? Tudo isso me remete à ideia de “romper os muros” e ao trecho da música Pesadelo, de Paulo Cesar Pinheiro e Mauricio Tapajós (1943-1995): “Quando um muro separa, uma ponte une”.

Espero que nós possamos contribuir para a construção de mais pontes e para a ruptura dos muros, fortalecendo os fazeres comunitários e utilizando como base o diálogo, a criação de vínculos e a integração real. Consigo sentir isso nas ações do Territórios do Comum… E é animador!

Ricardo Ponzio Scardoelli é graduado em gestão de políticas públicas e trabalha como assistente técnico na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

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