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Envelhecer em movimento

ENVELHECIMENTO

TECNOLOGIA E TRABALHO

O Brasil está envelhecendo. Esse processo está cada vez mais rápido, e é necessário falarmos a respeito não somente com as pessoas idosas, mas com todas as gerações. No mercado de trabalho, por exemplo, o preconceito etário é realmente muito forte, e projetos como o Maturi facilitam a relação com as pessoas idosas e o uso de novas tecnologias, além de apoiarem e orientarem as empresas quanto à preparação interna para recepção adequada desse público, abordando temas como diversidade etária e integração geracional. Integrar gerações causa um importante impacto social, principalmente quando se olha para as questões da tecnologia e do trabalho.

Atualmente, é sabido que a expectativa de vida aumentou e que as pessoas viverão muito tempo. É importante pensar na preparação para isso, pois quem é idoso não quer ficar quase metade de sua vida parado. Além disso, os custos tendem a aumentar na velhice, especialmente com as demandas de saúde (medicamentos, planos de saúde etc.). O que todos queremos é mais flexibilidade, mais tempo livre, mas a ideia de parar não existe mais.

Esta geração de pessoas idosas é aquela que sonhou parar, mas que, ao chegar esse momento, frustrou-se. Ou por não ter conseguido uma reserva financeira ou por não saber o que fazer com o tempo livre. Foi uma geração educada para ter um emprego e, de preferência, o mesmo emprego a vida inteira. Quando não tem mais esse emprego e ainda precisa trabalhar, fica completamente perdida, pela dificuldade de se adaptar às novas formas de trabalho. Muitos começam a trabalhar como autônomos, consultores, empreendedores, com tarefas colaborativas na internet. Essas pessoas, muitas vezes, ainda

têm o modelo anterior como referência profissional e sofrem, porque as formas de trabalhar estão mudando.

Mas, a despeito disso, envelhecer é viver. Desde que nasce a pessoa começa a envelhecer. Dependendo do estilo de vida de cada um, a qualidade do envelhecimento pode ser mais ou menos saudável. Ficar velho no sentido de ficar estagnado é diferente. Envelhecer é um processo, e parar de aprender, de ter curiosidade de realizar o que é novo, diferente, e a atitude de buscar essas coisas traz limitações. Isso sim faz as pessoas perderem o desejo pela vida, não terem mais sonhos. Tem gente jovem que é assim, acomodada, e tem gente de 80, 90 anos, que é superativa, porque tem vontade de realizar, de ter vida social e aprender.

A opção por entender e acolher o envelhecimento existe hoje como ação consciente, mas não como política pública. O Estatuto do Idoso sugere vários aspectos de cuidado para a pessoa idosa e apresenta seus direitos, mas na prática ainda falta muito. Desde algo básico, como uma calçada decente para as pessoas andarem, o que faz toda a diferença, sobretudo para quem é idoso, até serviço de saúde e demandas mais complexas. De forma geral, não vemos o envelhecimento como prioridade dos governos.

O mundo inteiro está envelhecendo, o Brasil também está envelhecendo, porque as pessoas vivem mais e têm menos filhos. No Brasil, um país com tanta desigualdade, a falta de consciência sobre o próprio envelhecimento e os acessos a bens de consumo e serviços agrava ainda mais as dificuldades nessa fase da vida. A boa informação sobre a importância dos cuidados físicos e mentais ainda circula numa camada muito restrita da população. Quem está em situação de maior vulnerabilidade busca sobreviver sem se preparar adequadamente para a qualidade de uma vida mais longa. Preocupa-se com o que vai comer, com o sustento básico de sua família. Mas os trabalhadores braçais, por exemplo, terão que enfrentar a diminuição do vigor físico na execução de tarefas habituais.

Os cuidados também se mostram diferentes conforme o gênero. Mesmo entre quem tem mais acesso à informação, as mulheres geralmente se preocupam mais com o planejamento da saúde e do bem-estar do que os homens, organizando melhor a alimentação, a prática de esportes, a busca por estímulos intelectuais e cognitivos e por interação social.

No que diz respeito às novas tecnologias, algo que já faz parte do cotidiano em todas as idades, talvez os 80+ resistam um pouco mais a isso, por preconceito ou receio de não saber usá-las, mais do que por real dificuldade de aprender. Diferente da criança que vai mexendo, apertando botões, e assim vai aprendendo, a pessoa mais velha tem medo de fazer algo errado e causar um problema, quebrar equipamentos, apagar o que está escrito etc. A cautela também se baseia no receio de sofrer golpes e fraudes.

As empresas esperam que as pessoas mais velhas estejam atualizadas tecnicamente. Não como nativos digitais, mas que estejam abertas a aprender, que sejam curiosas e que tenham humildade para serem geridas por pessoas mais jovens. O ambiente de trabalho está mais horizontal. Assim, é importante dirimir preconceitos para integrar uma equipe mais colaborativa e mais diversa do que as de 20 ou 30 anos atrás. É preciso se atualizar não apenas tecnicamente, mas também nas questões comportamentais. O que antes parecia ser um comentário inofensivo, hoje pode ser compreendido como fala que esbarra em

insinuações machistas, preconceituosas. Então, sem acompanhar esse tipo de mudança cultural, provavelmente será barrado o espaço de inserção no ambiente de trabalho. É necessário estar ciente de que, mesmo com mais de 60 anos, ao se relacionar com um profissional de 20 e poucos anos, deve-se fazer isso de igual para igual. Nem melhor nem pior. O etarismo é um grande desafio que as empresas tentam combater por meio da educação. Há muito preconceito etário. Por mais que as pessoas possam ser superativas com 50 anos ou mais, quando se trata de contratar alguém dessa idade, a questão vira um tabu, pela dificuldade causada por preconceito. Existe um estereótipo de que as pessoas mais velhas não sabem lidar com novas tecnologias, são lentas, desatualizadas, não estão abertas às novidades, esse tipo de coisa. É importante explicar para as empresas que é necessária uma sensibilização interna que oriente todo o grupo para a recepção de pessoas idosas. O ambiente precisa estar propício à integração, uma vez que existe preconceito dos dois lados: os mais novos acham que os mais velhos não são capazes e os mais velhos se sentem mais capazes por conta da experiência.

A tecnologia ajuda de várias maneiras. O trabalho remoto abriu oportunidades para o público mais velho, que pode prestar serviços de casa, usar as ferramentas mais adequadas e ser menos julgado do que na convivência presencial, em que a imagem ainda pesa muito nas relações. No trabalho remoto, o resultado vem em primeiro lugar, independentemente da idade de quem trabalha. Isso mitiga um pouco o preconceito. Não importa quem está do outro lado, importa o que foi acordado como expectativa de entrega.

A tecnologia também tem ajudado bastante a empreender, abrindo a possibilidade de usar as redes sociais de maneira profissional, para divulgar um produto ou um serviço. O meio digital é uma grande vitrine.

Outra das possíveis formas de inserção de pessoas idosas no mercado de trabalho é a consultoria. Esse é um caminho natural para quem teve sua trajetória ligada ao mundo corporativo. Com a capacidade de análise e percepção de cenário, esses profissionais podem continuar contribuindo com base na sua experiência. Nos países desenvolvidos, esse processo já começou. Nesses lugares, onde a educação é privilegiada e o acesso à informação e à tecnologia é mais garantido, a tendência é existir maior valorização de quem é mais velho. O preconceito etário é muito menor nesse contexto.

Isso indica que a questão do envelhecimento precisa ser trabalhada desde a escola. Para entender o que é envelhecer, as crianças precisam aprender sobre isso desde o ensino fundamental, para que a sociedade compreenda e seja sensibilizada com o que há de real no envelhecimento. Quem é jovem tem a sensação de que consegue resolver tudo sozinho com acesso à internet, que não precisa da sabedoria e da experiência de quem veio antes. É necessário quebrar esse preconceito desde cedo, para diminuir essas barreiras e construir mais iniciativas de integração, juntando gente jovem e idosa nos variados ambientes: de lazer, educação etc. Essa troca traz aprendizado e é muito rica.

As políticas públicas devem favorecer tanto o empreendedorismo quanto a empregabilidade de pessoas mais velhas. A “juniorização” do mercado de trabalho ainda acontece muito. É uma questão tanto econômica quanto cultural. Os custos sempre foram um problema para as empresas, mas há, ainda, a questão da transformação digital, sempre

associada à juventude, o que é um engano. Mas essa percepção está começando a mudar. As empresas já perceberam que o envelhecimento da população e da força de trabalho é uma realidade e elas precisam se adaptar a isso. Entre as novas gerações são observados comportamentos como mudança constante de emprego, instabilidade emocional etc. Portanto, o ideal ao equilíbrio é uma mistura de gerações.

A quem envelhece, o segredo é não parar, manter a curiosidade de aprender, porque os cenários mudam muito rápido. Manter-se ativo é fundamental.

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