envelhecer_caderno_Online_AlexandreSilva.pdf

Page 1


Envelhecer em movimento

IDADISMO

(A PARTIR DE ENTREVISTA COM ALEXANDRE DA SILVA)

O idadismo pode ser considerado uma forma de discriminação que, assim como o racismo ou machismo, relativiza a democracia. É um processo muito bem-organizado que interfere no sistema social a ponto de limitar a presença, a participação e o protagonismo das pessoas que envelhecem, não só das pessoas idosas.

As pessoas envelhecem e, a depender do espaço em que se fala, a pessoa mais velha já começa a sofrer discriminação pelo seu tempo de vida, sem considerarem sua trajetória. O idadismo na perspectiva cultural cria valores reforçados ao longo da vida, como achar que os idosos são incapazes ou infantis. Isso vai desembocar em discriminação, porque parece que a pessoa que vai envelhecendo vai também perdendo direitos.

O idadismo institucional aponta quais são os lugares permitidos às pessoas mais velhas. Numa academia, por exemplo, alguém com mais idade pode desejar trabalhar os glúteos, mas será que ela é percebida como alguém que tem direito a esse desejo? Será que o mesmo comportamento de uma pessoa jovem será bem-visto quando praticado por uma pessoa idosa? Nesse lugar institucional, não há apenas um agente causador do problema, há vários momentos constrangedores e olhares de reprovação.

Na questão da aparência, quando falamos em vestimentas ou do corte de cabelo, por exemplo, percebemos como o idadismo institucional interfere nas decisões pessoais e interpessoais. As pessoas não agem apenas conforme querem, mas de acordo com a definição do que seria mais “adequado”. Nesse caso, é possível notar o que foi internalizado: a pior perspectiva do fato de ter envelhecido. Ao incorporar a ideia da velhice como sinônimo de algo ruim, vem a doença, que sinaliza nosso fracasso como sociedade, ao

ALEXANDRE DA SILVA

aceitarmos afetar a autoestima de alguém, fazê-lo se sentir menor, inferior, simplesmente pelo fato de ter nascido primeiro.

Os desafios das políticas públicas é garantir que os espaços e os territórios possibilitem às pessoas envelhecerem. E que as pessoas idosas possam escolher o lugar onde elas querem envelhecer. Se uma pessoa nasceu em determinado lugar, e na velhice quiser voltar para lá, que seja possível assegurar, por meio das políticas públicas, um retorno digno a esse local. Se ela prefere ficar onde construiu a família, as relações de amizade, que seja esse espaço. Se ela quiser um lugar no qual nunca esteve, que seja ali seu envelhecimento. E locais como as favelas? Que também possam ser adequados a essa fase da vida. Claro que é muito mais viável pensar uma grande cidade com boa renda per capita, com bons serviços públicos e um terceiro setor atuante, que ofereça opções para esse bom envelhecer.

Se considerarmos um país com mais de cinco mil municípios, fica difícil imaginar que todos eles sejam espaços prontos para garantir o bem-estar no envelhecimento. Pensar em políticas públicas é pensar como fazer isso em territórios indígenas ou a um número cada vez maior de pessoas idosas em situação de rua. Como assegurar os pilares do envelhecer ativo, que falam de aprendizado contínuo, saúde como direito, participação e segurança?

Os dados mostram que, a cada década, aumenta o número de pessoas mais velhas, conforme cresce a expectativa de vida. Infelizmente, durante muito tempo ainda, os marcadores sociais definirão se a pessoa envelhecerá bem ou mal: se você é pobre, se você é negro, se você é LGBTQIA+, se está em situação de rua, se teve um trabalho que não permitiu acumular saúde ou bens materiais etc. Quando se fala em um território onde alguém pode envelhecer bem, fala-se em integrar políticas públicas, de intersetorialidade. Sem isso, nada está garantido.

Quando eu era colunista, escrevia muito sobre o corpo. Num dos textos escrevi assim: “a gente nasce, vira criança, adolescente e adulto, e são várias transformações que a gente passa com o corpo”. Passamos por várias experiências de tentativa e erro com o corpo. Ninguém nunca questionou essas mudanças que acontecem antes de envelhecer. Mas com o corpo envelhecido existe isso. A grande questão é: será que não estamos confundindo envelhecimento com a não possibilidade de ter cuidado adequado com o corpo ao longo da vida? Vivemos em uma sociedade conectada em que tudo pode ser feito pelo celular. Será que não estamos confundindo hábitos do sedentarismo com envelhecimento? As doenças de 30 anos atrás, diabetes e lombalgia, por exemplo, hoje afetam pessoas de 40, 50 anos. Então o problema não é o envelhecimento, mas como você envelhece. Há vários fatores que explicam por que você não consegue cuidar do seu corpo adequadamente. Muitas vezes, a pessoa tem até informação, mas não tem condição.

O corpo que hoje envelhece pode não ter tido condições de bem envelhecer. O envelhecer dos corpos é lindo: cicatrizes, celulites, a pele enrugada... Tudo tem história, tudo faz parte da vida. A grande questão é como diminuir as desigualdades. Quando um espaço for bom para alguém que hoje não tem condição de bem envelhecer, isso irá reverberar em outros que possuem melhores condições.

Como sociedade, precisamos olhar para todas as velhices. Muita gente nasce com o envelhecimento já comprometido. Muita gente nasce sem saber se vai chegar aos 60 anos.

Já está na hora de parar de naturalizar que basta a pessoa querer, que uma hora ela vai fazer. O período da pandemia de covid-19 já comprometeu o envelhecimento de muitas crianças. Comprometeu também a velhice de várias pessoas na faixa dos 40, 50 anos, afetadas por mortes de parceiros, perda de emprego e desistência de planos. Muitas pessoas idosas não estão mais entre nós, e isso mostra um fracasso das políticas públicas.

Tudo que falamos até agora é sobre garantir duas coisas: autonomia e propósito. Não basta ter capacidade de fazer, é preciso entender por que está fazendo aquilo. É necessário dar oportunidades. O idadismo vai determinando o “não espaço”. Quando a gente se abre e acolhe, as coisas mudam. É assim que eu vejo a participação das pessoas idosas na elaboração das políticas públicas. Ouvir e respeitar quem envelhece é fundamental. O Brasil está envelhecendo, e só teremos futuro se a gente ouvir essas pessoas.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.