idealização:
realização:
SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo
(RE)INVENTAR – ARTISTAS CRIADORES
presidente do conselho regional
acervo
Abram Szajman
curadoria e textos
diretor do departamento regional
Danilo Santos de Miranda superintendências
Joel Naimayer Padula comunicação social Ivan Giannini administração Luiz Deoclécio Massaro Galina assessoria técnica e de planejamento Sérgio José Battistelli técnico-social
gerências
Juliana Braga de Mattos Nilva Luz assistentes Carolina Barmell, Kelly Teixeira e Leonardo Borges artes gráficas Hélcio Magalhães adjunta Karina Musumeci assistentes Tina Cassie e Rogério Ianelli estudos e desenvolvimento Marta Colabone adjunto Iã Paulo Ribeiro assistente João Paulo Guadanucci artes visuais e tecnologia adjunta
sesc santo andré adjunto Robson Silva Cibele Porzelt, Fernanda Conejero, Fernanda Gonçalves, Milena Prinholato, Nádia Almansa, Sandro Piscitelli Vidigal, Silvan Oliveira e Zilda Sabiá técnicos de programação Tatiana Fujimori e Thiago Manfrini editor web Guilherme Luiz de Carvalho gerente
Jayme Paez
coordenadores de área
Museu Casa do Pontal e acervo Sesc de Arte Brasileira Angela Mascelani coordenação e curador assistente Lucas Van de Beuque direção de arte Angela Mascelani, Roberta Barros e Lucas Van de Beuque projeto expográfico e design gráfico Roberta Barros projeto arquitetônico e coordenacão de montagem
Tatiana Durigan - Bao Estudio projeto luminotécnico Carlos Eduardo Peukert (Caco) projeto multimídia Felipe Messina e Julio Lobato Boca Do Trambone engenheiro responsável Murilo Jarreta produção são paulo Sergio Antônio dos Santos produção rio de janeiro Marcella Bacha museologia Sergio dos Santos, Marcella Bacha e Vanessa Freire ação educativa Dialogum Projetos Culturais consultoria educativa Juliana Prado projeto de acessibilidade Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusiva pesquisa Angela Mascelani e Moana Van de Beuque fotografias contexto Marcel Gautherot, Pierre Verger e Lucas Van de Beuque administrativo José Carlos, Andreia Souza e Wal Menezes vídeos Museu Casa do Pontal e Carlos Filho (CAFI) vídeos mestre molina Acervo Sesc Memórias tratamento de imagens Trio Studio
Como citar texto e imagem de obra do acervo do Museu Casa do Pontal incluídos neste catálogo: Texto Angela Mascelani/ Imagem Acervo Museu Casa do Pontal (nome de autor, fotógrafo e Acervo Museu Casa do Pontal).
Sesc Santo AndrĂŠ 23 de junho a 25 de novembro de 2018
Num cotidiano de assuntos urgentes, a discussão em torno das palavras adquire, por vezes, aparência de superficialidade. Indagar o porquê de certas denominações revela-se ação imprudente, punida pelo ritmo frenético do presente. Valeria, porém, dar um passo de lado e cutucar expressões aparentemente consolidadas. Há alguns séculos, o mundo ocidental utiliza a palavra “arte” para designar determinado tipo de ação; durante boa parte desse período, tal utilização não implicava problemas de comunicação. Entretanto, a partir de certo momento – chamemos de modernidade – “arte” passou a significar, para além das manifestações convencionalmente entendidas como tal, uma postura criativa diante do mundo, acompanhada de uma prática correspondente. Ao longo desse processo, manifestações diversas passaram a ser lidas como artísticas, embaralhando um jogo cujas regras pareciam estáveis. A exposição (RE)INVENTAR – ARTISTAS CRIADORES transita nesse terreno movediço e surpreendente. Ao trazer para Santo André obras de um dos mais importantes acervos de arte popular do Brasil, o Sesc convida os públicos para um diálogo que sugere fruição e questionamentos. O que significa encarar esses trabalhos – feitos com técnicas e materiais negligenciados pela urbanidade – como arte? Quais aspectos aproximam ou afastam tais objetos de nossas ideias preconcebidas sobre o assunto? Vale perceber que semelhante complexidade também está implícita na ideia de popular. Na esfera cultural, tal expressão evoca noções como espontaneidade, experiência comunitária, apego à tradição e contato com o meio natural – parte importante do acervo do Museu Casa do Pontal ilustra e problematiza esse imaginário. Entretanto, é inegável que a palavra “popular” tem outras inflexões no atual panorama midiatizado, denotando algo de grande aceitação comercial ou feito para multidões. Trata-se, assim, de um termo que escancara as peculiares relações entre as dimensões da cultura. Há décadas, o Sesc trabalha com as sutilezas inerentes à criação popular. Nessa trajetória, alimentou reflexões sobre o tema, colocando em xeque ideias preconcebidas. A presente exposição representa, nesse contexto, um capítulo de destaque, testemunho de que a fluidez do campo cultural demanda olhares novos sobre questões persistentes.
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Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo
Angela Mascelani Diretora e curadora do Museu Casa do Pontal
A exposição (RE)INVENTAR – ARTISTAS CRIADORES apresenta, no Sesc Santo André, um conjunto de 25 artistas populares, procedentes de seis estados brasileiros, cujas obras integram o acervo do Museu Casa do Pontal. Ela se inspira nas histórias de vida destes artistas originais, cujas criações e mitologias ampliaram o universo da arte brasileira. É fato que a arte escultórica popular nasce do mundo artesanal, mas nem sempre é fácil entender por que e como essas produções se diferenciam. A mostra parte desta relação e oferece para a fruição do público mais de 250 obras. Por meio das narrativas biográficas e de depoimentos emblemáticos dos artistas sobre si mesmos ou suas invenções, outras perspectivas de entendimento se abrem, revelando o processo complexo que dá sustentação ao trabalho destes autores. A mostra ambiciona, assim, contribuir para ampliar o conhecimento sobre a potência que os mundos de arte são capazes de gerar, na medida em que podem acolher talentos os mais diversos, como os aqui apresentados, que tiveram origem em meios populares, nos quais as tradições têm grande importância. Ao mesmo tempo em que valoriza a experiência direta com as obras, a exposição permite – por meio de textos, filmes, documentos sonoros e atividades de mediação – que o público se aprofunde no assunto. Destaca ainda a contemporaneidade deste campo de atividade criativa, no qual os intercâmbios e as trocas são centrais.
ao centro
Rosa Gomes da Silva Vale do Jequitinhonha – MG Foto Lucas Van de Beuque contracapa
Mestre Vitalino Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Rômulo Fialdini
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Artistas imprimem características marcantes em suas obras, seja pela escolha dos temas que abordam, pelas matérias-primas que escolhem, ou pelo estilo de modelar, esculpir e pintar; seja pelas formas, pelos significados abertos pelo que criam, ou pelo estímulo à imaginação. Toda criação vista como arte pode ser situada historicamente e fala sobre seu autor, o ambiente no qual surgiu, o contexto histórico ou tudo isso junto. Por esta razão, para aprender mais sobre arte, é preciso levar em conta as histórias pessoais e experiências de vida dos artistas, o contexto mais amplo no qual eles se insere e as influências recebidas. Embora a maior parte dos artistas populares seja, essencialmente, participante de uma cultura de forte tradição oral, suas práticas e histórias passam por caminhos variados, os quais incluem múltiplas influências, inclusive dos meios escolarizados, da cultura de massa e outros. O que os conecta a um mesmo campo de criação não é uma maneira de fazer ou o resultado do feito. É, antes, o fato de serem integrantes das camadas populares. Contudo, em relação às artes, a qualificação “popular” indica mais do que a origem socioeconômica de um grupo. Na verdade, ela remete a um conjunto de valores que fala da capacidade de criar e transformar a partir dos materiais e dos elementos que existem ao alcance; de iluminar 4
os valores culturais nos quais nos reconhecemos, sintetizando aspectos do pensamento coletivo. Embora as criações que convergem para esse campo tenham pontos em comum, a noção de arte popular não exclui as criações individuais e as marcas autorais. E também não alude a um único estilo nem a uma única orientação estética. O que se convencionou chamar de “arte popular” constitui, portanto, um campo de arte que ainda disputa sua legitimidade, assinalando as contribuições daqueles indivíduos que encontram sentido em produzir no campo simbólico, seja criando beleza ou desconforto, seja inventando objetos que intriguem a imaginação, seja afirmando seu ponto de vista sobre a vida, os sonhos e a realidade. Muitos exemplos sobre a diversidade de estilos presentes na arte popular brasileira podem ser encontrados no recorte do acervo do Museu Casa do Pontal mostrado na exposição (RE)INVENTAR – ARTISTAS CRIADORES. Os artistas selecionados e suas histórias nos ajudam a entender que toda criação implica processo e trabalho. Com o objetivo de estimular a percepção acerca da heterogeneidade presente na arte popular brasileira, propomos no catálogo um percurso pelas histórias de vida de alguns destes autores, indicando algumas possibilidades de leituras comparativas.
Reunimos Mestre Vitalino e seus companheiros do Alto do Moura, cujos estilos pouco divergem entre si, mas que tematicamente apresentam grande variedade. Em seguida, selecionamos autores de obras cujas chaves de leitura podem ser aproximadas: Manuel Galdino e Ulisses Pereira Chaves; Maria Assunção e João Alves; Noemiza Batista, Dona Isabel e Rosa Gomes da Silva. E, ainda, Adalton Fernandes Lopes, Nhô Caboclo e Mestre Molina. Finalizamos com Antônio de Oliveira; G.T.O. e Nino. Nossa sugestão é instigar novas leituras: o que se pode pensar observando as obras em detalhes? O que seus autores comunicam a quem as observa? Como suas histórias de vida podem ampliar o entendimento sobre suas obras? Também sugerimos que sejam feitas pesquisas sobre o assunto. O site do Museu Casa do Pontal pode ser uma boa referência: www.museucasadopontal.com.br
Dona Isabel Vale do Jequitinhonha – MG Foto Lucas Van de Beuque
A arte brasileira deve muito a Vitalino Pereira dos Santos, o Mestre Vitalino (1909-1963). Graças a suas esculturas, os grandes centros urbanos despertaram para o vasto território da criação plástica popular. Nascido na pequena vila de Ribeira dos Santos, perto de Caruaru (PE), ainda criança, começou a modelar boizinhos, louças em miniatura e outros brinquedos para serem vendidos na feira local. Mas sua obra só chegaria ao grande público quase quatro décadas mais tarde. Quem primeiro atentou para a originalidade da produção de Vitalino foi o artista plástico pernambucano Augusto Rodrigues (1913-1993). Em 1947, ele o convidou a participar de uma exposição coletiva no Rio de Janeiro somente com artesãos e artistas populares daquele estado, como Manuel Eudócio (1931-2016) e Zé Caboclo (1921-1973), todos desconhecidos no Sudeste. A Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana foi um sucesso, e é considerada um marco na história do interesse pela arte popular, não só por revelar a obra de Vitalino, mas também por chamar atenção para a existência desse gênero de criação em diferentes regiões brasileiras. A partir daí a dura realidade do sertanejo nordestino da década de 1940 passou a ser conhecida em outras partes do país e abordada por um caminho até então pouco usual: seus principais atores. Essas criações só foram possíveis porque muitos 6
dominavam as técnicas da cerâmica numa época em que começava a diminuir o interesse por objetos utilitários feitos dessa forma. A industrialização recente passava a oferecer louças e outros utensílios feitos de alumínio e de plástico, considerados mais atraentes e práticos. Com isso, os ceramistas tradicionais se viram pressionados a descobrir novos usos para seus talentos. Ao mesmo tempo, nesta época, mudava o entendimento do que poderia ser admitido como arte e sobre quem poderia ser considerado artista. Os artesãos da região chamaram estes novos tipos de obras de “peças de novidade”. Eram modelagens de grandes grupos, em cenas cujo impacto residia na maneira franca como eram fixadas situações corriqueiras, muito conhecidas da maioria dos brasileiros, mas jamais merecedoras de registro na escultura. As situações, reais e imaginárias, refletiam diretamente os diferentes pontos de vista de indivíduos das camadas mais simples da população. E como o Brasil ainda era predominantemente rural, aquelas imagens eram bem conhecidas também dos moradores das cidades, fosse por experiência própria ou pela proximidade do estilo de vida agrário nos subúrbios e nas periferias. Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas exemplares, como “Noivos a cavalo”, “Família lavrando a terra”,
Mestre Vitalino Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Anibal Sciarreta
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“Casal comendo bananas”, “Acuado pelo touro”, “Ordenha”, “Vaquejada”, entre outras. Embora se reconheça seu papel fundamental na atenção que o universo da criação popular passou a receber, o fértil universo artístico surgido no Alto do Moura não foi obra de um homem só, nem fruto do acaso. Vitalino não foi apenas um artista talentoso (também era músico e tocava numa banda de pífaro). Entre suas virtudes, destaca-se a solidariedade dedicada aos companheiros, os primeiros a reconhecerem-no como mestre.
Luiz Antônio Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Anibal Sciarretta
Salvo Maria José, os filhos de Mestre Vitalino – Amaro, Manuel, Severino, Antônio (falecido) e Mariquinha – seguiram o pai na profissão. Manuel (1935) e Severino Vitalino (1940) também começaram a modelar desde criança. Contudo, Manuel logo se transformou num grande companheiro do pai, a quem ajudava nas idas semanais à feira. Sua vida, bem como a de seus irmãos, foi marcada por todos os acontecimentos relativos à fama adquirida pelo pai e sua prematura morte. Diante do acontecido, a família passou a fixar no barro as principais criações do Mestre, reforçando, assim, seu papel como autor e contribuindo para que seu legado não se perdesse. Severino criou al-
gumas modelagens autorais e é hoje quem se responsabiliza pela recepção do público no Memorial em homenagem ao Mestre, localizada em ponto central de Alto do Moura.
Luiz Antônio da Silva (1935) nasceu nas cercanias de Caruaru. Aprendeu o básico da arte do barro, em casa, com a mãe louceira. Atribui sua iniciação profissional a Mestre Vitalino, que o estimulou a arriscar-se na modelagem de personagens e com quem veio a aprimorar a técnica. Casou-se com Odete, com quem tem nove filhos. Além de criar tipos regionais, especializou-se na representação de temas citadinos, especialmente ligados ao progresso e ao uso das máquinas. Neste sentido, foi um cronista das transformações urbanas de seu tempo. Suas obras são facilmente distinguidas, pela sensível caracterização dos personagens, com riqueza de detalhes e estilo seguro. Entre suas principais invenções encontramos o fotógrafo, eletricistas consertando transformadores, automóveis, trem de ferro e outras maquinarias.
Filho de Zé Caboclo, Antônio Rodrigues (1951) assinou, por muitos anos, como Zé Caboclo Filho. Recebeu do pai o estímulo e as primeiras lições sobre a técnica e a arte da cerâmica figurativa. Se inicialmente repetiu os temas inventados por seu pai, como os “Retirantes”, veio a conquistar um 9
estilo pessoal na maturidade. São suas criações o “Conselho dos animais”, o “Engenho de rapadura” e a “Olaria”. “Retirantes” aborda a questão daqueles que, pressionados pela seca, são obrigados a abandonar suas casas, seus bens e seus animais. Essa obra, que trata da escassez de tudo – quando falta o principal, a água –, dialoga com outra, que tematiza exatamente o seu contrário: a “Volta da roça”. Ambas adotam uma estrutura formal semelhante, com os personagens caminhando em fila indiana. Em “Retirantes”, os corpos apresentam-se desanimados e sem forças. Em “Volta da roça”, o tema é a fartura, a riqueza da produção da roça, e o vigor está explícito na atitude dos personagens. Vistos em conjunto, os dois trabalhos convocam ao pensamento: são faces distintas de uma mesma determinada realidade e, ao mesmo tempo, falam daquilo que é essencial para a vida humana – a sobrevivência.
xonado pela “arte de boneco”, criou um grande repertório de figuras: cangaceiros, casais de noivos a cavalo, maracatus e bumba-meu-boi. As mudanças de costumes, a proximidade com a tv e a maior relação com o mercado consumidor desta produção levaram-no a criar personagens contemporâneos, como o “psicanalista”, a “engenheira” e o “caixa do supermercado”, entre outros.
Heleno Manuel da Silva (1933-1999) integra a primeira geração de ceramistas cujo trabalho contribui decisivamente para a transformação de Caruaru no principal reduto da cerâmica figurativa do país. Produziu intensamente, e seus personagens são marcantes pela simplicidade e pela força expressiva.
Manuel Eudócio Rodrigues nasceu na vila do Alto do Moura. Sua iniciação na arte do barro não difere das demais crianças criadas em ambientes oleiros no Brasil: observando e fazendo animaizinhos para diversão própria e dos amigos. Conheceu Mestre Vitalino em 1949, quando este se transferiu para o Alto do Moura, tornando-se então seu discípulo. Assim como Zé Caboclo, seu cunhado, inicialmente produzia esculturas em barro natural. Apai-
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à direita
Manuel Eudócio Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Lucas Van de Beuque
Páginas 12 e 13
Marliete
Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Anibal Sciarreta
socorro Maria do Socorro Rodrigues (1955), junto com as irmãs Helena e Carmélia aprenderam coletivamente, num misto de ajuda e brincadeira. Socorro foi quem inaugurou as obras em pequenos formatos. É considerada “a perfeccionista da família”, como bem registrou, na década de 1980, a pesquisadora Silvia Coimbra. Embora tenha iniciado sua própria produção muito jovem e produzido bastante, abandonou o trabalho artístico após o casamento, tendo retornado apenas muitos anos depois. Esse intervalo de tempo, contudo, pareceu servir para que definisse com mais precisão sua área de interesse. Suas obras integram coleções de museus e instituições culturais do Brasil e do exterior.
Marliete Rodrigues (1957) transitou por diferentes formatos e temáticas, antes de optar por desenvolver as miniaturas, às quais se dedica atualmente. Muitos fatores contribuíram para essa decisão, entre eles a independência que os pequenos formatos possibilitam e ter encontrado um estilo no qual se sentiu confortável. Dona de domínio técnico perfeito, recriou com riqueza de detalhes temas consagrados por outros artistas, como as cenas de retirantes e outras relativas às rotinas da vida rural. Nas últimas décadas, contudo, suas produções exploram temas discutidos na tv e na imprensa, e incluem assuntos requisitados pela encomenda de colecionadores e lojistas, bem como de cenas ligadas à história do Brasil e ao trabalho desenvolvido por outros artistas. 13
José Antônio da Silva, o Zé Caboclo, nasceu nas cercanias de Caruaru. Seu estilo é inconfundível e, nele, os temas são relacionados tanto às questões culturais e de mercado, quanto a seus interesses, mais pessoais e lúdicos. Nesta vertente, produziu obras ligadas ao gosto pelo futebol, ao encantamento pelos encontros de amigos, às inovações da medicina e à curiosidade pela fotografia. Companheiro de Mestre Vitalino, em parceria com o artista Manuel Eudócio, inovou técnicas e formas, adotando o uso do arame na estrutura das esculturas e a feitura do olho em alto relevo, em vez de fazê-los furadinhos. São de sua autoria as alegres moringas antropomorfas de grandes dimensões, como “Lampião e Maria Bonita”, as esculturas da Virgem Maria e as impactantes figuras do Bumba-meu-boi e do Maracatu. Suas modelagens destacam-se pelo equilíbrio das proporções, formas e cores que concorrem para que suas criações tenham forte plasticidade. Na pintura, utiliza cores vibrantes e decoração floral. É autor de obras comoventes, sendo que sua escultura “Bom dia” inspirou o livro “A Caverna”, de autoria do escritor português José Saramago, prêmio Nobel de literatura, que a conheceu em visita ao Museu Casa do Pontal. Seus filhos, Antônio, Zé Antônio, Paulo, Horácio, Marliete, Socorro, Carmélia e Helena são reconhecidos como artistas.
Zé Caboclo Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Romulo Fialdini 14
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O artista pernambucano Manoel Galdino (19291996), além de escultor, era poeta e cantador. Suas modelagens em cerâmica se faziam acompanhar de versos escritos. Para cada obra criada, havia quase sempre uma nova história que “vinha junto”, ora a completando, ora ampliando suas possibilidades significativas. Sempre que invento uma peça faço uma história, aí escrevo ou canto. Todo dia rezo para minha inspiração não acabar. Para eu criar... preciso não sentir nunca um fracasso. Correr veloz como o vento. Fazer dos morros cangaço. Não faço nada dos céus. Mas da terra tudo faço. Manuel Galdino Manoel Galdino recebeu o nome Mestre, que é como os grandes criadores populares, cuja obra é parte do patrimônio cultural do país, têm sido chamados na contemporaneidade. De espírito irreverente, propôs novas interpretações para temas fundamentais da cultura nordestina, onde sempre esteve imerso. Sua criação sustentava-se na cultura tradicional do sertão nordestino, com ênfase especial na dimensão fantástica. Este aspecto dialogava com o imaginário nascido do universo medieval europeu que ali chegou, misturado a outras tradições ibéricas. Quando Manoel Galdino era criança, os conceitos norteadores da vida eram transmitidos por meio da tradição oral, do relato de acontecimentos, de anedotas, provérbios e parábolas. E, ainda, pela participação em rituais 16
festivos, que incluíam canto, desafios e recitação, além, é claro, da difusão de livros por meio de contações de histórias. Ele cresceu nesse ambiente, alcançado também pelas narrativas míticas acerca de Lampião e das lutas do cangaço. Em sua imaginação, juntaramse as estórias sobre grandes batalhas travadas por reis e rainhas, que pareciam concretas e vivas, nas vozes dos cantadores nas feiras, onde comércio e diversão se combinavam em entusiasmados encontros semanais. Estórias intercaladas por apresentações de sanfoneiros e tocadores de viola. Assistia ainda encenações de teatro, feitas por artistas itinerantes, que questionavam de maneira irreverente os princípios religiosos moralizantes, para ao final exaltá-los, junto com os valores morais e sociais em vigor. Quando, já adulto e maduro, tornou-se escultor, gostava de inventar coisas extravagantes, nunca vistas. Sua atração pelo extraordinário o levou a criar obra muito particular, tendo produzido personagens improváveis e fantasiosos, como o Lampião Sereia, Paozeiro viaja na tartaruga e o São Francisco Cangaceiro. Também inventou demônios, animais devorando gente, “bichos feios”, como gostava de dizer. As obras que criava divergiam radicalmente do que era então produzido no Alto do Moura. Se Mestre Vitalino e seus companheiros reproduziam, de certa forma, aspectos da realidade, com
uma base escultórica mais homogênea, criando uma espécie de mundo em miniatura, e formando um repertório de crônicas do cotidiano, Galdino trazia uma proposta absolutamente inovadora. Explorando o universo mítico e as fantasmagorias presentes nas histórias contadas nas noites sem lua, propôs novos olhares para a criação plástica popular, trabalhando o barro com temas e texturas inovadoras, expressivas, favorecendo a percepção da matéria em seu estado bruto, com talhos, fissuras, incisões e asperezas. Embora não tivesse tido nenhuma iniciação formal em artes, ele sugeria uma outra estética, barroca, altamente refinada e irreverente. Inicialmente, eram poucos os que se interessavam por comprar o que fazia. Mas, a partir da década de 1970, seus monstros e seres imaginários tornaramse objeto da atenção do público mais sofisticado dos grandes centros urbanos, familiarizados com a vertente surrealista.
à direita
Galdino Alto do Moura/Caruaru – PE Foto Lucas Van de Beuque páginas
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Galdino
Alto do Moura/Caruaru – PE Fotos Vanessa Freire e Lucas Van de Beuque
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Ulisses Vale do Jequitinhonha – MG Fotos Lucas Van de Beuque
O interesse pelos seres imaginários aparece em outros artistas, entre eles Ulisses Pereira Chaves (1929-2006), do Vale do Jequitinhonha (MG). Contudo, sua inspiração não vem das histórias que ouviu sobre um outro tempo, no passado, e sim a partir de sua relação com a natureza e seus mistérios. De família afro-brasileira, Ulisses Pereira Chaves morou toda sua vida na zona rural, numa fazenda distante alguns quilômetros do pequeno povoado de Caraí. Seguramente, também é herdeiro de tradições culturais indígenas, uma vez que a região é ocupada, desde tempos imemoriais, por grupos indígenas, sendo que, atualmente, os povos da etnia Maxakali vivem entre os vales do rio Mucuri e do rio Jequitinhonha. Sua mãe era paneleira, mas segundo ele próprio dizia, iniciou-se diretamente na produção de “figuras”. Falecido aos 78 anos de idade, criou obras inconfundíveis, demarcando um estilo ao qual se manteve vinculado, num contínuo transbordamento imaginativo. Em sua casa, as peças que quebravam durante o processo de feitura não eram jogadas fora e se acumulavam. Não eram destruídas. Ulisses foi pendurando-as nas cercas de madeira, ao redor do sitio, como se estivessem ali para “proteger” a casa. Em depoimento dado em 1995, ele disse:
Matéria daqui é barro. Se você ou qualquer pessoa levar minhas peças, eu falo com elas, onde elas estiverem. Eu sou Ulisses, eu invento. Eu falo com a natureza, o oxigênio, as plantas. Cada peça me responde. Se você pergunta, ela não diz nada. Se você pergunta, ela fica calada. Minhas peças falam comigo... Diferentemente de Manoel Galdino, Ulisses utilizava a cerâmica alisada, suave, sem texturas bruscas. As superfícies de suas obras conservam a cor do próprio barro e recebem pinturas com tintas feitas de pigmentos naturais. Suas figuras humanas apresentam-se fundidas a partes de corpo de animais, construindo seres fantásticos com várias cabeças, pássaros com pés de gente. Esse sentimento de partes fragmentadas que se aglutinam formando seres fabulosos parece nortear sua concepção de mundo. Levando em conta sua íntima relação com a natureza, podemos entender seu recado sobre a importância e a interdependência de todos os seres vivos. Em sua visão radical, ele nos apresenta noções muito simples do ponto de vista biológico – indicando que os seres vivos são parte de um todo. Para Ulisses, todos são um.
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Noemisa Batista (1947) nasceu nas cercanias de Caraí (MG) e sempre morou na zona rural. Ia à cidade raramente, quando acompanhava a mãe na feira, onde esta comercializava os utensílios de uso doméstico – potes, pratos e panelas. Embora tivesse fascinação pela escola, pelos rituais festivos ligados ao catolicismo, como o casamento e os batizados, e pelos eventos rurais coletivos, porque morava distante, seu contato era ocasional. Contudo, sua obra fala desse mundo admirado e desejado. Provavelmente foi a primeira artista do Vale do Jequitinhonha a criar com regularidade as noivas no dia de suas bodas. Para ela, que não se casou, “as noivas eram sempre as outras”. Suas criações, leves, bonitas e ousadas, nos contam sobre a riqueza de seu mundo interior, no qual as fronteiras do vivido são expandidas pelo imaginado.
Isabel Mendes da Cunha (1924-2014) aprendeu a moldar o barro em família. Criava potes e travessas, que seguiu produzindo mesmo depois que se casou e se mudou para Santana do Araçuaí, na mesma região do Vale do Jequitinhonha (MG). Suas obras sempre foram consideradas muito bem-feitas e, por isso, conseguiam boas vendas nas feiras das cidades vizinhas. Por ter ficado viúva, com crianças pequenas e sem outra fonte de renda, passou a modelar com muita intensidade. Seus pequenos presépios vendidos na época do Natal foram os que primeiro se destacaram. Sua modelagem da figura humana chamava a atenção de quantos a viam. Foi quando os potes pa22
ra guardar água passaram a ganhar cabeças e braços de mulheres. Daí para as bonecas foi um pulo! Dona Isabel, além de se tornar a mais conhecida artista de sua região, tornou-se mestra e ensinou tudo o que sabia para seus filhos e vizinhos. Em 2004, Dona Isabel foi premiada pela UNESCO, e, no ano seguinte, recebeu a Ordem do Mérito Cultural do governo federal, em reconhecimento a sua ação em favor da cultura brasileira.
Rosa Gomes da Silva (1934-2011) aprendeu os segredos da cerâmica com a mãe, dominando todo o processo de feitura – desde a identificação da boa argila e seu preparo até a modelagem, queima e pintura. Fez obras de temáticas variadas, mas nos últimos anos de sua vida dedicou-se, sobretudo, à feitura de “bonecas”. Como outras ceramistas do Vale do Jequitinhonha (MG), onde a solidariedade feminina tem importante papel na sobrevivência familiar, experimentou vários caminhos. Nas obras, gostava de pintar lindos e curiosos olhos, incluindo os das “bonecas gêmeas”, presentes nesta exposição. Sobre esta obra especificamente, trata-se de uma variante muito disseminada na região, cuja idealização original tem um caráter mais coletivo, não podendo ser atribuída a uma única personalidade.
à direita
Noemisa Vale do Jequitinhonha – MG Foto Anibal Aciarreta
Maria Assunção Vale do Jequitinhonha – MG Foto Anibal Sciarreta à direta
João Alves Vale do Jequitinhonha – MG Foto Romulo Fialdini
A criação de personagens afro-brasileiros, observados em atividades cotidianas, é a marca comum do trabalho de Maria Assunção (1940-2002) e João Alves (1964), ambos de Taiobeiras, no norte de Minas Gerais, região ainda considerada parte do Vale do Jequitinhonha. Ambas retratam um determinado estilo de vida do interior mineiro, maneiras de ser e viver nas quais é privilegiado o papel social da mulher no trabalho diário, na família, nas ocupações mais imediatas ligadas à sobrevivência. Curiosamente, essas e outras cenas dizem respeito a costumes que já não são capazes de transmitir, e dar a conhecer, o cotidiano atual de Taiobeiras e das demais cidades de pequeno porte da região, pois mesmo nas vilas do interior aconteceram mudanças de costumes e de modos de vida. Ao lado das feiras e de velhos mercados, dos doces caseiros e das cachaças de alambique, encontram-se os produtos industrializados, as franquias de lojas de produtos de beleza, as cachaças industrializadas. Ao lado da charrete, das tropas de burro e do fumo de rolo, o aeroporto mais próximo recebe pequenas e modernas aeronaves, os celulares estão por toda parte. As festas de santos católicos, chamadas localmente como “festas de nome”, convivem com as louvações eletrônicas das igrejas evangélicas e com seu rápido processo de reprodução.
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Adalton Fernandes Lopes tornou-se um especialista na arte dos “bonecos animados”. Nasceu em Niterói (RJ), onde viveu até sua morte. Cursou até o segundo ano do primeiro grau e logo teve que começar a ganhar o sustento. Enfrentou grandes dificuldades, teve vários empregos que lhe garantiam apenas o básico. Depois de passar de uma ocupação para outra, conseguiu certa estabilidade na Companhia Nacional de Navegação Costeira, onde ficou por cerca de sete anos. Ao ser demitido deste emprego, enfrentou sérios apertos financeiros, mas encontrou nos “bonecos de barro” o que chamou de válvula de escape. Segundo o artista, sua chegada ao mundo da arte se deu por inspiração das notícias que ouvia sobre o ceramista Mestre Vitalino, recebido com honras por toda parte – inclusive pelo presidente Jânio Quadros, em 1961. Adalton, então com 23 anos, percebeu que as modelagens que fazia por prazer e diversão poderiam ter valor como um tipo de trabalho, ao qual decidiu se lançar com muito empenho. Esse fato nos ajuda a entender a dimensão sociológica presente no que tem sido chamado de “arte popular brasileira”. Adalton – que já criava seus bonecos, a exemplo de muitos outros artesãos que vieram a desenvolver um trabalho autoral – inspirou-se na figura de Mestre Vitalino para dar plena vazão à sua própria imaginação. Ou seja, um determinado tipo de produção, que provavelmente já existia em muitas partes do país, encontrou acolhimento no mercado cultural a partir do momento em que passou a ser valorizado como bem simbólico, como “trabalho”. No caso de Adalton, essa legitimidade permitiu também que ele se situasse socialmente como participante de 26
uma tradição coletiva, sem, contudo, abrir mão da sua própria singularidade. Sabemos que a emergência de novas realidades culturais faz parte de uma intrincada rede, que articula fatores históricos, econômicos e sociais. Está ligada, portanto, às mudanças que vêm ocorrendo no país e no mundo, tais como a valorização da diversidade cultural, o incentivo aos estudos sobre as tradições populares e o folclore, a ampliação do debate sobre a alteridade, os movimentos de resistência de povos locais ao colonialismo, as mudanças de patamar tecnológico, além do alargamento das fronteiras do que pode ser considerado como arte e de quem pode ser reconhecido como artista. Para os estudos do folclore, que tradicionalmente acolhem este tipo de produção, o reconhecimento das artes do povo implica muitas vezes o entendimento de que a autoria é coletiva ou anônima. Entretanto, pelo viés da arte, os integrantes das camadas populares podem também ser vistos como autores, indivíduos com características próprias e pensamento original. Adalton criou grandes máquinas poéticas, nas quais os personagens ganham animação a partir de um sofisticado sistema de cordas e polias, que, acionado pelo público, conjuga música e movimento. Tanto no mecanismo de suas engenhocas quanto na criação de materiais alternativos ao barro (como misturas de outros insumos ao papel machê), fica evidente a importância das técnicas desenvolvidas por ele para que os seus personagens possam suportar o movimento, ganhando leveza e maleabilidade. Adalton Lopes toma o mundo vivido como inspiração. Suas obras alargam a noção de experiência, incluindo, sem hierarquias, o vivido e o sonhado.
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Adalton Rio de Janeiro Foto Romulo Fialdini
Mestre Molina, nome pelo qual se tornou conhecido Manuel Josette Molina, nasceu em 1917, em Bocaina, São Paulo. Artista por excelência do movimento, deixou importante legado. Utilizava em suas criações, motores elétricos, madeira, tecidos, e silicone, além de outros materiais, encontrados em rejeitos, como alumínio, borrachas e cordas. Dono de uma estética própria, suas geringonças são claramente identificáveis pelo equilibrado uso das cores e pelo interesse pelas cenas de trabalho, com grande número de personagens. Num contexto de valorização das identidades plurais brasileiras e da arte que surgia fora dos meios intelectualizados urbanos, passou a mostrar sua produção em unidades do Sesc São Paulo, tendo realizado sua primeira mostra na cidade de Santos, em 1974. Tornou-se uma referência da inventividade popular paulista, ganhando projeção nacional depois que o Sesc Pompeia destinou um espaço permanente em suas instalações para o artista criar. As mesas de Molina constituíram uma das principais atrações da antológica mostra “Mil Brinquedos da Criança Brasileira”, realizada no ano de inauguração da unidade, em 1982. Boa parte das obras produzidas pelo artista encontra-se na Coleção Sesc de Arte Brasileira. O artista viveu em São Paulo até sua morte, em novembro de 1998. 28
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Mestre Molina Bocaina – SP Foto Eron Silva
“Não se faz um lutador de espada de barro, não se faz uma engenhoca, engrenagem a vapor pra trabalhar no vento. Gosto de peça que bula, peça valente, peça braba. Peça manual” Nhô Caboclo Filho de mãe indígena, da etnia Funiô, e de pai provavelmente negro, Nhô Caboclo, nome pelo qual ficou conhecido Manoel Fontoura viveu e realizou expressiva parte de sua obra em Olinda (PE). Sua trajetória tem muitos lapsos, mas algumas referências indicam que andou por várias cidades de Pernambuco. Sua memória do passado começa em Garanhuns (PE), onde sabe que se criou. Dizia: “Não conheci ninguém, nasci só.” Migrante da zona rural, nunca gostou de trabalhar na diária, na lavoura, mas sempre inventou peças fortes como, por exemplo, um objeto para prevenir o mau olhado, para ser usado no alto das casas. Chegou às obras articuladas por não se satisfazer mais com as peças imóveis, que chamava de “peças mortas” precisamente por não se movimentarem. Seu desejo de entender e interferir no mundo, ao menos no seu mundo imaginário, levou-o a criar personagens em permanente estado de alerta. O artista teve várias profissões: foi funileiro, sapateiro, carpinteiro e ferreiro. Empregou todos os conhecimentos adquiridos na criação de suas obras, que se movimentam com o vento, ou, mesmo, dos estábiles, que se mantêm num permanente e frágil equilíbrio. Embora guardasse mistério sobre suas origens, e nem sempre gostasse de explicar o feito, gostava de contar histórias por meio de suas obras, as quais eram associadas a pessoas e personagens por ele conhecidos. Assim, dizia: “Tudo que eu faço tem história, história.” 30
Nhô Caboclo Recife/Olinda – PE Foto Romulo Fialdini
Nasceu em 1967, em Rio Branco do Sul, Paraná, mas se mudou para Curitiba, ainda criança, junto com a família. Filho do também artista Laurentino Rosa dos Santos, iniciou-se na escultura como auxiliar do pai, criador de famosos “cataventos”, nos quais os personagens se movimentam com o impulso do ar, ou manualmente, e são inspirados nas figuras de cangaceiros, índios, jogadores de futebol e pássaros. Embora, a partir de certo momento, a cooperação entre ambos tenha sido intensa, Francisco aprofundou a estilização das formas e trouxe para a pintura traços mais secos e econômicos.
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Francisco Rosa dos Santos Rio Branco do Sul – PA Foto Rogério von Krugüer
Obras animadas, nas quais os personagens ganham movimento não são raras na arte popular. Os nomes pelos quais são referidas variam, mas o encantamento que o público demonstra por elas é sempre o mesmo. Todas fascinam. No Museu Casa do Pontal, no Rio de Janeiro, elas foram catalogadas como engenhocas ou geringonças, mas são conhecidas também por diversos outros nomes. Laurentino chamava suas esculturas móveis de papa-ventos. Seu filho, Francisco, as citou como corta-vento. Nhô Caboclo referiu-se aos seus trabalhos como equilibristas, toré, balsa e engenhoca. Saúba dá a conhecer suas criações pelos nomes de mesa ou engenharias. As bancadas de Mestre Molina e as instalações que compunham o mundo encantado de Antonio de Oliveira foram comentados pela crítica de arte Lélia Coelho Frota como universos moventes e engrenagem/ bricolagem elétrica. 33
Mineiro de Belmiro Braga, vilarejo próximo a Juiz de Fora, Antônio de Oliveira foi um memorialista, algo incomum na arte popular. Transformou seus pensamentos em miniaturas de estilo realista e inventou um mundo paralelo, do qual faziam parte personagens marcantes da vida cotidiana, da história do Brasil, das ciências, do imaginário e dos sonhos de seu tempo. Foi lavrador, ajudante de pedreiro, garagista, auxiliar em oficina mecânica. Como comerciante, criou um bar e restaurante, onde exibia filmes, promovia festas e shows de sucesso. Cultivava permanente nostalgia do passado, embora se definisse como sendo movido pelo “espírito do progresso”. Testemunha das mudanças tecnológicas do século XX, Antônio de Oliveira encarna o homem maravilhado pelas conquistas da engenhosidade humana, porém saudoso dos velhos tempos, os quais idealiza: “Em meu sentimento e julgamento, queria ver um mundo melhor ou, ao menos, um em que vivi: não tão ignorante das coisas belas da vida, 34
mas com a mentalidade de hoje e o respeito mútuo de antigamente, onde se via amor e carinho.” Refletiu sobre seu processo de criação, deixando muitas observações escritas no livro “O mundo encantado de Antônio de Oliveira”. Em sua opinião: “Artista é aquele que faz de sua arte, e nela, o que deseja.” Suas obras, que exibiu durante muitos anos no Morro da Urca, cartão postal do Rio de Janeiro, podem ser vistas hoje no Museu Casa do Pontal, detentor da maior parte das 3.400 peças criadas por ele. Contudo, da sua produção de obras com movimento, sobraram poucos exemplares. Quando foi obrigado a sair de lá e se desfazer de seu “mundo encantado”, onde tudo se movimentava, as pequenas esculturas foram encaixotadas, tendo em vista uma remontagem posterior, a qual nunca aconteceu. Restou um grande conjunto de peças, como um quebra-cabeças gigante, que dificilmente poderá ser remontado como no original.
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Antônio de Oliveira Belmiro Braga – MG Fotos Anibal Sciarreta
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João Cosmo Félix (1920-2002) é natural de Juazeiro do Norte (CE). Antes de talhar figuras em madeira, foi trabalhador braçal nos engenhos de cana-de-açúcar e ferreiro. Voltando-se para o trabalho de escultura, desenvolveu estilo original, cujo impacto reside na interpretação personalíssima do cotidiano e do imaginário ligado às festas e mitos populares. Iniciou-se produzindo brinquedos – macacos com rabo de corda, em imburana e timbaúba. Daí passou para a construção em grandes blocos de madeira, nos quais representava figuras humanas ligadas à história do cangaço e à sua mitologia. A maneira como fendia a madeira, desbastando, encavando e pintando remete à xilogravura, com seus relevos rasos e o a distribuição das cores por superfícies bem definidas e mais extensas. Ao reunir em uma mesma estrutura de madeira diferentes cenas, criou uma narrativa peculiar, com múltiplas possibilidades de leitura.
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Nino Juazeiro do Norte – CE Foto Anibal Sciarreta à direita
Nino Juazeiro do Norte – CE Fotos Anibal Sciarreta e Romulo Fialdini
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Pedro Boca Rica Interior do Ceará Foto Romulo Fialdini
Pedro dos Santos Oliveira (1936-1991) nasceu em Araçoiaba, hoje Ocara (CE). Sua relação com o teatro de mamulengo surgiu na infância, no ambiente interiorano que envolvia os folguedos de bumba-meu-boi, a passagem de circos itinerantes, as histórias cantadas nas feiras. Sua contribuição à arte da escultura de bonecos em madeira foi marcada pela inventividade. Suas encenações faziam referência a pessoas conhecidas e, por esta razão, dizia que “O bonequeiro é o único que ressuscita os mortos através de seus bonecos”. Criou um rico repertório de personagens. 39
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G.T.O. Sul de Minas Gerais Foto Anibal Sciarreta págs.
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Detalhes da cenografia (Re)Inventar
Geraldo Teles de Oliveira (1913-1990) é natural de Itapecerica (MG). Suas obras, de refinada estética, são exemplares do surgimento de uma nova atenção a artistas de origem popular, que não partilhavam da norma culta. G.T.O. tem origem na zona rural, e foi em busca de melhores condições de vida e trabalho que migrou para uma cidade vizinha, de porte médio, Divinópolis. Exerceu diversas atividades profissionais, algumas delas difíceis, como o trabalho no combate à malária. Depois de residir por algum tempo no Rio de Janeiro, voltou a Divinópolis. Foi então, quando trabalhava como vigia noturno em um hospital, que se descobriu, com mais de 50 anos, escultor. Induzido por sonho obsessivo e recorrente, que o incitava a entalhar na madeira, passou a produzir esculturas expressivas – sobretudo com o cedro-vermelho, a maçaranduba-amarela e o vinhático –, explorando os cheios e os vazios, e criando sugestivas mandalas vazadas.
O artista associava suas criações aos sonhos e a motivos inexplicáveis para ele próprio, o que o fez ser entendido como um artista do “imaginário”, ou fantástico. As artes assim definidas são consideradas aquelas livres dos condicionamentos culturais. Embora os estudos sobre a história de vida destes artistas nos mostrem que há correlações entre o que faziam e seus contextos culturais, esses encadeamentos são menos diretos e explícitos. A coerência estética parece surgir de uma conexão profunda entre o indivíduo que cria e sua própria mente e imaginação. Desde o início, G.T.O. consagrou-se como um dos grandes artistas visionários do país, conseguindo unanimidade da crítica, fato raro na arte popular. Participou da Bienal de São Paulo (1969 e 1971), da Trienal de Bratislava, na Tchecoslováquia (1970), da Biennale Formes Humaines, em Paris (1974) e da Bienal de Veneza (1980).
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Situado no Rio de Janeiro, o Museu Casa do Pontal é o maior e mais significativo museu de arte popular do país. Seu acervo – resultado de quarenta anos de pesquisas e viagens por todo país do designer francês Jacques Van de Beuque – é composto por cerca de 8.500 peças de 300 artistas de 20 estados brasileiros, produzidas a partir de meados do século XX. O acervo foi tombado pelo patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro em 1991, e a coleção foi periodicamente atualizada. Segundo membros do International Council of Museums (ICOM), associado à Unesco, “O Museu Casa do Pontal não é apenas um museu completo de Arte Popular Brasileira; pode ser considerado um verdadeiro museu antropológico, único no país a permitir uma visão abrangente da vida e da cultura do homem brasileiro”. Em virtude do seu trabalho pela memória, pelo reconhecimento e pela valorização da arte popular brasileira, por meio da realização de exposições e de atividades de pesquisa e preservação de seu acervo, o museu recebeu as principais premiações brasileiras na área da cultura, entre os quais o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que o reconheceu como “melhor iniciativa no país em prol da preservação histórica e artística de bens móveis e imóveis”, a Ordem do Mérito Cultural, oferecida pelo Governo Federal, e o Prêmio Culturas Populares, atribuído pela Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura.
SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo
(RE)INVENTAR – ARTISTAS CRIADORES
presidente do conselho regional
acervo
Abram Szajman
curadoria e textos
diretor do departamento regional
Danilo Santos de Miranda superintendências
Joel Naimayer Padula comunicação social Ivan Giannini administração Luiz Deoclécio Massaro Galina assessoria técnica e de planejamento Sérgio José Battistelli técnico-social
gerências
Juliana Braga de Mattos Nilva Luz assistentes Carolina Barmell, Kelly Teixeira e Leonardo Borges artes gráficas Hélcio Magalhães adjunta Karina Musumeci assistentes Tina Cassie e Rogério Ianelli estudos e desenvolvimento Marta Colabone adjunto Iã Paulo Ribeiro assistente João Paulo Guadanucci artes visuais e tecnologia adjunta
sesc santo andré adjunto Robson Silva Cibele Porzelt, Fernanda Conejero, Fernanda Gonçalves, Milena Prinholato, Nádia Almansa, Sandro Piscitelli Vidigal, Silvan Oliveira e Zilda Sabiá técnicos de programação Tatiana Fujimori e Thiago Manfrini editor web Guilherme Luiz de Carvalho gerente
Jayme Paez
coordenadores de área
Museu Casa do Pontal e acervo Sesc de Arte Brasileira Angela Mascelani coordenação e curador assistente Lucas Van de Beuque direção de arte Angela Mascelani, Roberta Barros e Lucas Van de Beuque projeto expográfico e design gráfico Roberta Barros projeto arquitetônico e coordenacão de montagem
Tatiana Durigan - Bao Estudio projeto luminotécnico Carlos Eduardo Peukert (Caco) projeto multimídia Felipe Messina e Julio Lobato Boca Do Trambone engenheiro responsável Murilo Jarreta produção são paulo Sergio Antônio dos Santos produção rio de janeiro Marcella Bacha museologia Sergio dos Santos, Marcella Bacha e Vanessa Freire ação educativa Dialogum Projetos Culturais consultoria educativa Juliana Prado projeto de acessibilidade Mais Diferenças – Educação e Cultura Inclusiva pesquisa Angela Mascelani e Moana Van de Beuque fotografias contexto Marcel Gautherot, Pierre Verger e Lucas Van de Beuque administrativo José Carlos, Andreia Souza e Wal Menezes vídeos Museu Casa do Pontal e Carlos Filho (CAFI) vídeos mestre molina Acervo Sesc Memórias tratamento de imagens Trio Studio
Como citar texto e imagem de obra do acervo do Museu Casa do Pontal incluídos neste catálogo: Texto Angela Mascelani/ Imagem Acervo Museu Casa do Pontal (nome de autor, fotógrafo e Acervo Museu Casa do Pontal).
idealização:
realização: