Q.nº3

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SETEPÉS

Q

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Q de questão porque pergunta não tem quê ainda que tenha o seu quê fazer perguntas; de quanto, sempre que possível, de preferência com números, mas se tiver que ser pois que seja qualitativa,

que

também

começa

por

quê;

nunca

de

questiúncula; se fôr o caso, de question mark. Q é então uma questão de ideias, cultura, criatividade, arte e negócios. Mais questões?

Neste número Parish Map e DeCiDe Participação e envolvimento público

A SETEPÉS é uma empresa do setor cultural e criativo

www.setepes.pt www.facebook.com/setepes Maio 2013


There exists a tradition of public involvement, a cultural feeling in some societies that you should not just help your neighbour but help your neighbourhood. Sir Bernard Crick

PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS

Apresentamos neste número da Q dois métodos de participação dos cidadãos, Parish Map, que optamos

por traduzir para Mapa da Comunidade e DeCiDe, acrónimo de Deliberative Citizens Debates. Antes, apenas um pequena introdução ao tema. O que é a participação (dos cidadãos)? Atendendo à diversidade de práticas e de teorias, o que podemos adiantar com segurança é que a participação é um campo de estudo em imergência, com muitos e diferentes atores, usando diferentes definições e com diferentes perspetivas.

Nesse sentido indicam-­‐se duas definições que corroboram diferentes olhares de encarar a participação, da mais abrangente “Participação é sentir genuinamente que se faz parte de alguma coisa” (Eve Bevan, Sheperds Bush Healthy Living Centre)1 à mais específica “A participação é o esforço que as pessoas fazem para influenciar as decisões em matéria de políticas públicas” (Gary Stoker, Manchester University)2. O que importa salientar das múltiplas iniciativas de participação dos cidadãos, ainda que sob diferentes abordagens teóricas de partida, é que a participação contribui para promover a cidania, ajuda a gerir problemas complexos no desenho e prestação dos serviços públicos, a melhorar competências sociais das pessoas, a promover novos modelos de governação em especial aqueles diretamente relacio-­‐ nados com a gestão dos recursos para o séc. XXI. No dizer de Jordi Pascual, “A participação dos cidadãos na elaboração, implementação e avaliação das decisões políticas já não é uma mera opção, mas uma caraterística das democracias avançadas”3.

São três as categorias principais em que podemos agrupar, genericamente, a participação: a) Participação Social, de que são exemplos, o envolvimento numa organização de voluntariado ou numa associação desportiva, recreativa, cultural, ambientalista, local, nacional ou de cariz global; b) Participação Pública, isto é, o envolvimento dos cidadãos com as diferentes estruturas e instituições do sistema democrático, de que são exemplos, participar em eleições ou num referendo local ou nacional, a participação efetiva numa consulta pública sobre a pedonalização de uma rua ou no âmbito de um proces-­‐ so mais amplo de regeneração urbana mediada por métodos e instrumentos muito diversificados4; a participação no desenho de um serviço público, por exemplo a estruturação de uma sala de atendimento de um hospital pelos utentes; c) Participação Individual, isto é, as ações e escolhas que as pessoas tomam e que refletem os modelos de sociedade em que pretendem viver, por exemplo, a ação individual, em resposta a uma campanha organizada, de boicote a um produto ou serviço de uma empresa por má conduta ou irregularidades,


a compra de produtos biológicos em detrimento de outros, a compra de produtos no âmbito do

fair trade, a adoção de comportamentos ambientalmente responsáveis, como a relativa à

separação de resíduos nas práticas quotidianas ou o uso de transportes públicos em detrimento

do transporte individual.

Mapa da Comunidade O objetivo desta metodologia de participação é promover e incentivar nos cidadãos de uma comunidade a informação, o debate e a proposição de ideias e soluções para a sua comunidade nas áreas do urbanismo, da economia, da cultura, do social e do ambiente. Na prática, os cidadãos da comunidade são convidados a construir uma maqueta da sua comunidade, em oficinas dinamizadas por um ou mais arquitetos. Ao longo das sessões a troca de informações e o debate entre todos – de notar que podem ser pontualmente convidados especialista em matérias relacionados com os objetivos específicos elencados -­‐ promove a proposição de ideias e soluções pelos cidadãos para a sua comunidade. Todas as sugestões são depois colocadas na maqueta ou expostas em suportes escolhi-­‐ dos para o efeito: cartões, fotografias, desenhos, mapas, vídeos, etc. No final das sessões a listagem dessas propostas devem ser enviadas às entidades ou organizações com responsabilidades nas matérias em causa ou, em nalguns casos, podem ser levadas a efeito pelos próprios cidadãos dessa comunidade. Concluído o processo realiza-­‐se uma exposição final de modo a que outros cidadãos da comunidade que não tenham participado na construção da maqueta possam também contribuir com sugestões, sendo que esta contribuição deverá ser ponderada pelos participantes efetivos “os construtores” nas oficinas. A título de exemplo apresenta-­‐se resumidamente uma ação de participação realizada em 2012 em Couros, Guimarães. A oficina “Mapa da Comunidade de Couros” estendeu-­‐se por 16 sessões, realizadas aos sába-­‐ dos, de janeiro a abril de 2012, e teve como temáticas mais relevante as questões relacionadas com a regeneração urbana de Couros, de que resultaram algumas propostas específicas nos domínio dos espaços verdes (parque urbano), da iluminação pública e da segurança. A participação foi bastante elevada tendo estado envolvidos 45 cidadãos, dos quais 23 eram moradores em Couros (ver Quadro I) tendo em a população total de moradores (aproximadamente 170). Para além destes cidadãos individuais, estiveram envolvidas ainda que de um modo muito pontual alunos de uma escola, de um jardim de infância e séniores do centro de dia da Fraterna. A equipa de arquitetos acompanhou e esteve presente em todas as sessões, contribuindo para a grande dinamização, informação e convívio que se gerou durante a oficina. No final do trabalho a maqueta foi exposta ao público durante um mês, nas instalações do Instituto de Design de Guimarães, tendo sido visitada por mais de sete centenas de pessoas. Nas páginas seguintes apresentam-­‐se algumas fotografias de sessões de construção e pormenores da maqueta.


Quadro I. O Mapa da Comunidade de Couros em números ITEM

NÚMERO

Sessões da oficina

16 a)

Horas de trabalho

1130 b)

Participantes (individuais)

45 c)

Instituições participantes

3

Arquitetos

4

Edifícios construídos

142

Propostas apresentadas

12

Visitantes da Exposição

738

a) Sábados, das 10h às 17h b) Produto da média de participantes/sessão pelo número médio de horas do participante/sessão pelo número de sessões. c) Dos quais 23 moradores em Couros.

1.

People & Participation. How to put citizens at the heart of decision-­‐making”. Involve. London. 2005

2.

ibidem

3 In, Guia para la participacíon ciudadana en el desarrollo de políticas culturales locales para ciudades europeas, Jordi Pascual i Ruiz, Sanjin Dragojevic, Philipp Dietachmair. Fundación Europea de la Cultura, Fundación Interarts, Associación ECUMEST. 2007. Fundácion Europea de la Cultura, pp.12 4.

Ou ainda a participação e envolvimento sobre um assunto que diz respeito a um país inteiro, como é exemplo o projeto

My Estonia” que envolveu cerca de 11 000 cidadãos, num evento aberto de brainstorming para gerar ideias para o futuro daquele país.





DeCiDe by DEMOCS DeCiDe, acrónimo de Deliberative Citizens Debates, é uma metodologia de participação pública, desenha-­‐ da pelo projeto europeu DeCiDe1, inspirada na metodologia Democs, esta última concebida pela The New Economics Foundation, um think-­and-­do-­tank, de Londres. A metodologia DeCiDe, em tudo semelhante ao Democs, foi criada para promover a discussão e a tomada de decisão, com caráter consultivo, sobre assuntos políticos, sociais, científicos ou culturais, aberta à participação de qualquer cidadão. Enquanto outros métodos deliberativos de participação pública como, por exemplo, Júris de Cidadãos, estão limitados a poucas pessoas selecionadas e convidadas a participar, as sessões DeCiDe são debates abertos a qualquer cidadão não importando o local, apenas as condições de acolhi-­‐ mento ficam condicionadas ao número de participantes que se quer alcançar. Esta metodologia tem apenas relevância enquanto processo que ajuda os cidadãos a refletir sobre um determinado assunto, definido em termos de políticas a seguir, a formar e partilhar opiniões com outros cidadãos e a formular uma posição na qual todos os participantes estejam de acordo, em última análise, com a qual possam viver confortavelmente, isto é, sem grandes constrangimentos. O DeCiDe ajuda os participantes nas sessões-­‐debate a conhecerem melhor o assunto a debater, antes de exprimirem a sua opinião, discutirem entre si e no fim decidirem, por consenso, as políticas em confronto, previamente formuladas e do conhecimento dos participantes. As condicionantes da sessão-­‐debate DeCiDe são semelhantes às de um debate tradicional, embora naquela não haja lugar a plateia e mesa para os convidados uma vez que não faz sentido, nestas sessões-­‐debate, a distinção entre convidados e público, nem a distinção entre especialista e não especialista do assunto em debate. Cada sessão-­‐debate não deve ultrapassar as 50/60 pessoas, agrupadas em mesas de seis a oito partici-­‐ pantes. Cada sessão-­‐debate DeCiDe tem uma duração de uma hora e meia a duas horas, e tem três

fases: informação, debate e decisão.

Fase de Informação. Nesta primeira fase os participantes tomam conhecimento do objetivo do jogo -­‐ escolherem, por consenso dos participantes da mesa, uma das políticas inscritas no tabuleiro ou formula-­‐ rem uma nova política; fazem a leitura das posições políticas inscritas no tabuleiro; lêem todos os tipos de cartas (as cartas de história devem ser lidas em primeiro lugar); escolhem as cartas (uma de história, duas de informação e duas de controvérsia) que melhor clarificam as opiniões e interesses pessoais e a que dão mais importância, colocado-­‐as no respetivo lugar do tabuleiro. Na parte final desta fase todos os participantes devem ler aos outros cada uma das cartas escolhidas. O tempo de duração desta fase é de ±30 min.


Fase de debate. Nesta fase dá-­‐se início à discussão entre os participantes da mesa. Identificam-­‐se

aqui as questões mais relevantes, debatem-­‐se as escolhas que cada um fez refletidas nas cartas que

selecionou. As cartas de história têm nesta fase uma grande relevância pois são manifesto de opções,

por concordância ou discordância, de quem as escolheu. As cartas de controvérsia são aqui usadas pelos

participantes para promoverem o debate, algumas vezes com sentido de mera provocação para “aquecer”

o debate. As cartas de informação são usadas para confirmar posições ou para impedir que o debate

contradiga orientações, leis ou outros instrumentos legais em vigor. Esta fase dura ±30 min.

Fase de Decisão. Depois da informação e do debate é chegado o momento de decidir.

O grupo de participantes de uma mesa tem que negociar para encontrar a posição política inscrita no

tabuleiro com a qual está de acordo. A decisão é, portanto, por consenso. Há ainda a possibilidade de o

grupo, não estando de acordo com nenhumas das posições políticas assumidas à partida para a sessão

DeCiDe, formular uma nova posição. Esta fase tem a duração de ±20 min.

Cada sessão-­‐debate é mediada por um jogo de tabuleiro e cartas sendo distribuído um tabuleiro a cada participante e três conjunto de cartas a cada mesa. As regras do jogo, muito simples, estão escritas no próprio tabuleiro (pode usar-­‐se uma projeção ou um vídeo de uma simulação de um grupo a jogar). O objetivo do jogo, e por conseguinte da sessão-­‐debate, é a decisão, tomada por consenso, de uma posição política face ao assunto em questão. No tabuleiro de jogo estão inscritas quatro posições políticas. No entanto, os participantes podem optar pela escolha de uma delas ou formular uma política diferente, uma 5ª política. Na mesa de jogo estão quatro baralhos de cartas: cartas de história, cartas de informação e cartas de controvérsia.

Cartas de História. Em número de dez, as cartas apresentam histórias (estórias) ficcionadas, mas verosímeis. Para esse efeito são inspiradas usualmente em notícias dos meios de comunicação social, mas podem ter qualquer outra fonte de inspiração. Cartas de Informação. Apresentam dados e informação objetiva, rigorosa e confirmada sobre o assunto em debate. O número destas cartas não deve ultrapassar as três dezenas. Cartas de Controvérsia. Como o próprio nome indica são cartas para provocar o debate, a controvérsia, estimular o confronto de ideias, usando um discurso muitas vezes interrogativo e outras provocatório. O seu número, tal como a Cartas de Informação, não deve ser muito elevado, sendo aceitável duas dezenas.


As sessões-­‐debate DeCiDe encorajam os participantes a terem uma voz ativa sobre o assunto em questão, evita a inibição que é frequente quando se está perante comunicações de especialistas, faz apelo à experiência dos cidadãos e atribui valor essa mesma experiência e, por último, tendo cada sessão-­‐debate um formato de jogo atribui a cada sessão um caráter de divertimento e convívio. No entanto, esta metodologia tem também os seus pontos fracos: não tem caráter representativo de uma comunidade ou população; enquanto processo consultivo os resultados do processo devem ser articulados com outros métodos de tomada de decisão; pode criar conflitos entre participantes; melhora a eficácia com um facilitador/dinamizador de sessão experiente na metodologia e com boa capacidade de comunicação. NOTAS 1. O projeto Decide, financiado no âmbito do quadro de programas europeus FP6 adaptou os conteúdos do Democs, para promover debates sobre temas de ciência. Foram desenvolvidos sete temas: Células Estaminais, Diagnóstico Genético Pré-­‐Implantação, VIH-­‐SIDA, Organismo Geneticamente Modificados, Xenotransplantes, Alterações Climáticas, Nanotecnologia. Os debates Play-­‐Decide, no âmbito daquele projeto europeu, realizaram-­‐se na sua maioria entre 2004 e 2008, em centros de ciência, universidades e escolas, um pouco por toda a Europa. Em 2007, a SETEPÉS, no âmbito de um financiamento da Agência Ciência Viva, realizou sessões-­‐debate DeCiDe sobre aqueles temas, em centros de ciência, bibliotecas, museus e cafés de 11 cidades de norte a sul de Portugal, com a participação de 756 pessoas. Em 2009, desenhou novos conteúdos, agora sobre o tema “A Europa dos Resultados” para um projeto do Centro Informação Europeia Jacques Delors, com o qual realizou sessões de formação para professores em dezenas de Escolas Secundárias do pais. Em 2011-­‐2012, no âmbito de um estudo sobre o Centro Histórico de Guimarães (Estudo Multidisciplinar Centro Histórico de Guimarães) utilizou aquela metodologia enquanto processo de audição de cidadãos daquela cidade (forma realizadas 4 sessões-­‐debate num total de 250 cidadãos).




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