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CULTURA E ARTE NA QUEBRADA PAG

Fonte—internet—foto Gladyston Rodrigues/EM
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Há na comunidade uma mãe guerreira que acorda cedo todos os dias para pegar dois ônibus para o trabalho , ela como tantas outras da comunidade é mãe solteira e preferiu ficar só do que sofrer as inúmeras violências que enfrentava no seu relacionamento.
Essa mãe cruza com passos apressados a cidade cinza e barulhenta de Belo Horizonte, mas ao cruzar a Praça Rui Barbosa ela se depara com uma mulher a sentada num banco e na companhia de duas mulheres que costuravam calmante pequenos tecidos brancos recheados de escritas vermelhas ao lado havia um manequim de vestido branco com uma longa cauda de quadradinhos de escritas vermelhas, aquela cena tão inusitada chama a atenção da mãe que para ler o texto de um dos pequenos quadrados costurados na cauda do vestido, neste momento uma lágrima desce no rosto da mãe . ― Eu também perdi meu filho assassinado em
minha comunidade e tudo que está escrito
aqui eu sinto todos os dias ― Fala a mãe
para as mulheres.
Naquele momento uma conversa sobre dor , resistência, e luto é iniciada e a mãe descobre que aquele vestido é um obra de arte moderna e aquilo que acontece ali na praça era uma intervenção artística, e coisas como arte para a nossa mãe é distante de sua realidade na comunidade, mas ao ver ali estampada sua dor que é tão comum para várias mães na comunidade em uma obra de arte no meio da cidade entendeu que a arte pode ser a sua voz e que há outras com sua mesma dor e isso a deixou confortável para falar de sua história não se sentindo tão só na dor.
Esse sentimento expresso pela mãe fictícia de nossa história é o mesmo despertado em várias pessoas que entram em contato com as intervenções e performances da artista Nina Caetano .
Há mais de uma década, a artista Nina Caetano vem circulando (por diferentes espaços e cidades) e criando trabalhos que abordam a questão da violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Nina Caetano é pesquisadora da cena contemporânea, performer e dramaturga. Doutora em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da USP, é professora adjunta na UFOP, atuando tanto no Departamento de Artes Cênicas quanto no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas.
Desde 2007, integra o OBSCENA, e tem com eixo central da sua pesquisa as relações entre feminismo e performance , também são resultantes de sua pesquisa a oficina Como se Fabrica uma Mulher? ministrada exclusivamente para mulheres e o NINFEIAS – Núcleo de Investigações FEminIstAS que coordena desde 2013 e no qual desenvolve o projeto ―Corpos Estranhos, Espaços de Resistência‖ centrado nas discussões sobre performatividade de gênero.
A artista viveu sua infância no interior rodeada pela natureza , porém foi marcada por episódios de violência doméstica ,
“ Isso me marcou muito , e o modo como vejo o mundo , as coisas que discuto ou penso sobre feminismo tem haver com minha vivência familiar , ele era o cara legal na rua mas em casa era extremamente violento e machista“.
Durante sua adolescência participou de grêmios estudantis , grupos de teatro , sempre foi incentivada a ler pelos pais , assim para ela a arte também é pensada politicamente . Seus trabalhos artísticos abordam temas como o feminicídio ou a dor de mães que perderam seus filhos vítimas da violência .
À primeira vista , o tipo físico da artista pode induzir à fragilidade para quem a vê pela primeira vez no calçamento de alguma movimentada praça. Logo o observador se atenta à força expressiva do olhar e dos gestos e quando aproxima-se, de encontro à ação e ultrapassa as entrelinhas sonoras do ambiente urbano que a tudo concorre na disputa de sua atenção. .

O pedestre é tocado pelo movimento de colocar-se in loco, tornarse ponte para a atriz que expõe a brutalidade por meio de arte incisiva.
A estratégia chama à consciência individual um massacre cotidiano e naturalizado. O público é situado acerca da epidemia de assassinatos de mulheres.
Para além das performances a artista fundou em 2013 o NINFEIAS - Núcleo de Investigações FEminIstAS que tem, como eixo de pesquisa em rede colaborativa, a performance e o feminismo. – tem realizado diversas ações, tais como mostras artísticas, oficinas 7, cinesdebates, atos públicos com pautas feministas urgentes (contra o estatuto do nascituro, denúncia de abusos sexuais ocorridos nas repúblicas estudantis, apoio à criação de delegacia das mulheres na região etc.) e rodas de conversa. Ela cita como exemplo a série de rodas de conversa realizadas por ela em escolas da rede municipal de Ouro Preto e distritos, tratamos de temas como ―a construção de masculinidades tóxicas‖, ―assédio e abuso na escola‖ e ―práticas de silenciamento‖, entre outros.
Como DJ Shaitemi Muganga que, na sua escolha entre as diversas sonoridades brasileiras e de raiz africana, privilegia músicas cantadas ou produzidas por mulheres cis e pessoas trans e assim nesta vertente cria uma nova sonoridade e assim faz de sua discotegam mais um espaço de refelxão sobre diversos temas .
Nina Integra a Rede Mães de Luta , uma rede que agrega coletivos de mulheres de diversos lugares do Brasil, com bandeiras diversas de luta e de dor , e esta rede fez da obra do vestido de Nina Caetano uma bandeira que representa as dores de várias mães da rede, assim o vestido sempre está em atos ou ações da rede. "Muitas vezes ele está presente nas ações sem minha presença e as mães querem borda-lo escrever nele... e como se ele ganhasse um caminho próprio escolhido por ele mesmo…‖ revela .

Pensar em mulheres como gente é tratá-las em sua condição de sujeitos donos de vontade e capacidade de decisão sobre si. É pensá-las como seres humanos, com direitos básicos tais como o direito à vida, seja como professora, ativista, performer ou DJ, a questão que atravessa Nina é sempre sua existência como mulher no mundo e ser mulher no mundo é conviver com variados riscos e distinções em relação ao ser homem ,entre eles o risco constante de violência sexual e a subalternização/ desvalorização do trabalho da mulher .
“Pensar algumas das ações que realizo e como elas podem ajudar a construir possibilidades de resistência de nós mulheres, Para comprovar o desprezo por nossa existência, basta ver as estatísticas: atualmente, uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil (cerca de 12 feminicídios todos os dias, num total de 4.473, só em 2017). Em sua quase esmagadora totalidade, os feminicídios são cometidos por homens contra mulheres que, em sua maioria,
são negras)” afirma
Como professora da UFOP sempre está em contato com jovens e segundo ela neste caminho encontrou pessoas incríveis que sempre trazem novos aprendizados . “ Lembro muito do
Caio Vinicius ele fez comigo arte na contemporaneidade , eu vi ele no processo de minhas aulas vi ele se descobrir e a partir disto se resignificar ... ele é um jovem negro que tinha a pele mais clara e traços finos... e quando ele passou por todo um processo de identidade racial , foi um processo doloroso e empedrador ... foi muito bonito ver ele passar por esse processo que resultou em um vídeo denúncia que chama 23 minutos e um artigo ... tenho muito orgu-
lho dele e deste nosso encontro .” relem-
bra
Mas durante seu trabalho na rua como artista houve das mães os relatos da vida de diversos jovens das comunidades e para esses jovens deixa um recado “Meu recado para o jovem e
que olhe mais para si, para as pessoas que estão ao seu redor como a própria mãe que é uma mulher batalhadora que muitas vezes leva o alimento para casa e tratá-la com o carinho e atenção , olhar mais para o próximo com solidariedade , e que esse jovem pense onde pode ajudar em nossa sociedade, e por fim falo para este jovem não ficar almejando esse modelo de masculinidade existente que pode colocar ele ou mesmo quem ele ame em risco “ .
Questionada qual seu maior sonho a artista responde que como é um sonho pode ser algo para o futuro que ainda não seria possível para este momento , e ele tem tudo a ver com justiça social. ―Acho que a justiça social resolveria muita coisa ,
estou pensando nas questões das mulheres negras, das pessoas trans , aos vários corpos que sofrem violências em nosso país, dignidade para todos , não haver pessoas passando fome, ou correndo risco na rua... por isso eu trabalho com o que trabalho porque assim eu posso de algum modo cooperar para que isso aconteça... mas eu acho que para isso acontecer a sociedade que temos hoje deve sofrer uma alteração muito forte... precisamos repen-
sar nossos caminhos. ” relata .
Nina Caetano com seus trabalhos nas diversas áreas que atua , representa milhares de mulheres e suas dores, ela se torna a voz que grita ao mundo as atrocidades que são vivenciadas por estas mulheres de diversas formas e para finalizar esta entrevista ela deixa um recado para estas mulheres .
“ Nós do Rede Mães de luta estamos aqui, e quando nos reunimos é para percebemos os diversos problemas que nos aflige, e este momento e para que possamos juntas construir outra realidade para nós , saiba você não está só , porque talvez seja isso que você precise um momento para olhar para sua vida é importante saber que há outras que irão te apoiar e
lutar com você ... então o recado e esse vem com a gente “. Finaliza .
