Meninos e Meninas de Rua

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Créditos ORGANIZAÇÃO Projeto Meninos e Meninas de Rua/Guarulhos COORDENAÇÃO Lúcia Barroso EDUCADORES DE GESTÃO DO PONTO Márcia Cristina Izidoro de Oliveira Marcelo Pereira Fátima Rocha EDUCADORES E ARTE EDUCADORES Ana Paula dos Santos Carlos Anselmo Paulo Florentino Isabela Nogueira da Silva Jackeline Aparecida da Silva Juliana Queiroz Nádia Lúcia Bittencourt Rocha Sílvio Mendes Ferreira EQUIPE DE FINALIZAÇÃO VÍDEO/CARTILHA Patricia Limeira Rone Costa Sília Moan Vanessa Soares PROJETO GRÁFICO, ILUSTRAÇÕES E DIAGRAMAÇÃO Sília Moan FOTOS Arquivo do PMMR Google Imagens

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DIRETORIA Presidente Anderson Rafael Barros do Nascimento Vice-Presidente Weber Lopes Góes Secretário Judith Zuquim Tesoureiros Waldir Arnaldo Martins Luciana de Santana Conselho Fiscal Michael Ramalho de Toledo Maria Regina de Souza Carlos Soares Correia COORDENAÇÃO GERAL Marco Antonio da Silva Souza Assessoria de Coordenação Sidnéia Bueno Mariano Lúcia Barroso de Souza

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ADOLESCENTES PARTICIPANTES Agatha Melissa dos Santos Aldrey de Souza Analice Felizardo Miranda Anderson Souza de Moraes André Ananias Gomes Ariane Barbara R. De Mello Brenda Joyce dos Santos Brenda Leticia Borges Brendon Galdino Caroline Reis dos Santos Claudiane Silva Debora Felizardo Miranda Douglas Alexandre de Oliveira Eloisa Maria Silva Emilin Caroline Lipe Erika Regina Felizardo Miranda Fábio H. G. Pereira Fábio Henrique Fabrício Oliveira Gabriel Cândido De Jesus Gisele Santos Gislaine da Conceição Ítalo Freire de Souza

Jean Lima da Silva Jefferson dos Santos Jessica Mattos Kelly Lipe Rodrigues Liliana de Jesus Santos Lucas Souza de Moraes Marcos Ferreira Marques dos Santos Maria Gabriela de Oliveira Matheus Lucas Miqueias Rodrigo dos anjos Mônica Rebouças Brandão dos Santos Pamela Rebouças Brandão dos Santos Paulo Henrique Martins Phelipe Souza Lopes Raquel Gomes Renata Nogueira de Souza Renato de Souza Moraes Rodrigo T. Tãmara Maisa Nascimento Barbosa Thania Cristina Rebouças Brandão dos Santos Valdir Santos Vitoria Queiroz Ferreira Welida Lipe Rodrigues Wendel Silva

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APRESENTAÇÃO Contos e Lendas de Cidade, de um Bairro, de uma comunidade. Um movimento Social Organizado. Durante vários meses uma equipe multidisciplinar se envolveu de corpo e alma com a história de duas comunidades da cidade de Guarulhos, município de São Paulo, Brasil. Duas comunidades foram exploradas. A Comunidade do 15 (Futura Vila Lanzara) e a Comunidade Hatsuta, ambas na região central da Cidade. Primeiros passos: Descobrir a Idade das Comunidades, suas origens e seus primeiros habitantes. Descobrir a Individualidade de seus personagens. Entender o intenso crescimento de uma cidade dentro da cidade e como entender os que seus moradores querem dizer. (...entender nas entrelinhas) No surgimento, a História. No desenvolvimento e crescimento estórias, contos e lendas, do barraco de madeira para a moradia de alvenaria. Na História da Comunidade do 15, muitas possibilidades: Um Time de Futebol formado por 15 jovens da comunidade... O assassinato de 15 jovens que sequestraram a filha de um importante empresário, uma história de vingança... Novos contos e lendas foram sendo descobertos com os moradores da comunidade, entre elas: A lenda do Lobisomem, contada pelos mais antigos, estória esta que aterrorizava as madrugadas dos moradores. Contam também sobre a derrubada do enorme abacateiro que lá existia. Comunidade do 15, 10 quadras, 300 famílias.

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Já a comunidade da Hatsuta, é resultado da falência de uma fabrica que ao ser desativada e depois da tentativa dos antigos funcionários em retomar a produção da mesma sem sucesso e mais tarde se tornando opção de moradia primeiramente de pessoas oriundas do próprio município de Guarulhos e posteriormente de imigrantes de São Paulo e outros Estados. Há uma discussão ainda hoje que esse terreno é pertence ao município de Guarulhos, outros dizem que vai ser o banco do Brasil, outros falam que também que o terreno ainda é da família Hatsuta, que inclusive era o nome da empresa onde esta situada a favela. No nosso trabalho, resgatar memórias quase esquecidas, que agora estão sendo recontadas com muitas perguntas a serem respondidas.

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histórico O Projeto Meninos e Meninas de Rua É uma organização não governamental que tem como finalidade a sensibilização, mobilização, defesa, garantia e fortalecimento das políticas públicas relativas às crianças e adolescentes, com atuação nos municípios de Guarulhos, Diadema e São Bernardo do Campo. Também é responsável pela execução do Serviço de Abordagem Social Especializada com crianças, adolescentes e seus familiares que se encontram em situação de rua na região central do município de Guarulhos.

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O Ponto de Cultura Contos e Lendas tem como objetivo resgatar o processo de origem das comunidades “Do 15”, no Jardim Maia e da “Hatsuta”, no Parque São Roque, no contexto geral da história do município de Guarulhos. O Ponto de Cultura visa contribuir para a Re-significação da vivência dos moradores dessas duas comunidades por meio do resgate da história, propiciando a reflexão sobre o cotidiano no contexto dos conflitos sociais, estimular ações coletivas, desenvolver ações que fortaleçam a autoestima e o sentimento de pertença às suas famílias, escolas, comunidades, estimular e promover acesso dos adolescentes a espaços de conservação da cultura e memória do município, estimular o interesse dos adolescentes quanto à origem histórica e social das comunidades onde residem. Desta forma, o projeto busca desenvolver ações para a aquisição de novas habilidades e de atitudes que potencializem os adolescentes frente a vida pública e privada, explorando e enriquecendo a sua história de vida para o exercício da curiosidade, investigação sobre a herança cultural da comunidade na qual vivem.

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Guarulhos Na região onde é hoje a cidade de Guarulhos, antes da sua data de fundação, em 08 de Dezembro de 1560, existia o Colégio Piratininga. Este colégio, por estar próximo ao Rio Tietê, um ponto estratégico, ocorriam sempre muitos ataques da comunidade indígena de Tamoios. Eles eram aliados aos Franceses. Diante disso os padres que tomavam conta do colégio pediram ajuda aos indígenas amigos e estabeleceram 12 aldeamentos ao redor da escola para que pudessem proteger a área. Um dos grupos indígenas a se apropriar de um dos aldeamentos era o dos índios Guaru que já dominavam as margens do Rio Tietê e pertenciam a família dos Guaianases. Em 08 de Dezembro de 1560, o Padre Jesuíta Manoel de Paiva fundou a mesma aldeia dos Guarús com o nome de Nossa Senhora da Conceição dos Guarús, pois neste dia a Igreja Católica comemora o dia da consagração de Nossa Senhora da Conceição. Com o passar do tempo e o com o contato com a língua dos colonizadores fez com que este nome fosse alterado para Guarulhos. Em 1880, Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos ganha independência da cidade de São Paulo. E em 06 de Novembro de 1906 o município elimina uma parte do nome original de sua fundação e passa a utilizar o nome atual, Guarulhos. Hoje Guarulhos é a segunda maior cidade do Estado com 1.221.979 habitantes e também a segunda economia (censo 2010)

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sobre as comunidades Hatsuta A Comunidade da Hatsuta nasceu da ocupação de uma antiga fábrica de equipamentos agrícolas que abriu falência, a partir da década de 1970. São 27 mil metros quadrados em que famílias que lá ocuparam e reconstruíram suas vidas. Sim, REconstruíram, pois muitas famílias vieram de outras regiões do país, especialmente do Nordeste na busca de uma nova e próspera vida na grande São Paulo. Desde que as pessoas passaram a morar na Hatsuta, ela é alvo de muito preconceito por não terem um espaço organizado com saneamento básico, por serem, na maioria das vezes, oriundos de outros estados e recentemente imigrantes de países da América Latina e do continente Africano. Apesar de tudo isso, passeando pela comunidade é possível identificar que existe uma movimentação cultural intensa por meio de Saraus, atividades para as crianças, entre outras. Além de também terem um comércio ativo na comunidade. História do ‘’Pau de Sebo’’ Havia um morador na Hatsuta que fazia festa junina e colocava pau de sebo com uma quantia em dinheiro como premio. Os meninos tentavam subir no pau de sebo pra pegar o dinheiro, mas não conseguiam. Certo dia subiu uma garota e conseguiu chegar no topo e pegar o premio, mas vários meninos a derrubaram o pau de sebo e caíram em cima dela. A garota teve que ir para o hospital, pois desmaiou e se machucou um pouco. Chegando lá, deram a confirmação de que ela tinha ganhado o premio do pau de sebo, pois mesmo desmaiada não abriu a mão em que guardava todo o dinheiro do prêmio.

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Do 15 - Silvio Mendes A Comunidade Do 15 esta situada na região central de Guarulhos, dentro do Jardim Maia ao lado do Bosque Maia. As histórias de como nasce a Comunidade Do 15 são muitas, o seu surgimento que pode ter sido no inicio do século XIX. Terras indígenas ocupadas por fazendeiros e depois loteada teve uma parte ocupada por famílias que chegavam na cidade em busca de empregos e vidas melhores. Entre as várias histórias esta a da líder comunitária Dona Lourdes que chegou na comunidade já na década de 80 e conta que … Já Dona Ernestina nos traz histórias como a do tal do “Bixo que Corre” que... Sobre o nome “Do 15” Reescrevendo Histórias e Estórias Contos e Lendas de Cidade, de um Bairro, de uma comunidade. Um movimento Social Organizado. Qual é o discurso de uma comunidade? Quais são as memórias? Durante vários meses uma equipe multidisciplinar se envolveu de corpo e alma com a história de duas comunidades da cidade de Guarulhos, município de São Paulo, Brasil. Guarulhos foi fundada em 08 de dezembro de 1560, possui hoje 46 bairros e entre eles diversas são as comunidades. Em sua fundação muitos ciganos e índios e negros, alguns poucos são os negros filhos da escravidão. Visitas, pesquisas, entrevistas e muitas parcerias foram estabelecidas durante este tempo.

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Duas comunidades foram exploradas. A Comunidade do 15 ( Futura Vila Lanzara ) e a Comunidade Hatsuta, ambas na região central da Cidade. Primeiros passos: Descobrir a Idade da Comunidade, suas origens e seus primeiros habitantes. Descobrir a Individualidade de seus personagens. Entender o intenso crescimento de uma cidade dentro da cidade. Afinal, quantas pessoas moram na comunidade ? E, como entender os que seus moradores querem dizer. Do barraco de madeira para a moradia de alvenaria. No surgimento, a História. No desenvolvimento e crescimento estórias, contos e lendas. Na História da Comunidade do 15, muitas possibilidades, entre elas: Um Time de Futebol formado por 15 jovens da comunidade... O assassinato de 15 jovens que sequestraram a filha de um importante empresário, uma história de vingança. Inúmeras consultas foram feitas no Arquivo Municipal de Guarulhos, onde descobrimos que realmente existiu o Time do Quinze, mas sobre a história de sequestro e vingança nada nos foi confirmado. E, novos contos e lendas foram sendo descobertos com os moradores da comunidade, entre elas: A lenda do Lobisomem, contada pelos mais antigos, estória esta que aterrorizava as madrugadas dos moradores. Contam também sobre a derrubada do enorme abacateiro que lá existia. No começo abriram caminho na mata na busca de água, e muitas outras que complementam esta publicação. Comunidade do 15, 10 quadras, 300 famílias. E qual a idade da comunidade?

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Ninguém sabe ao certo, mas se aproxima de um século de existência. No nosso trabalho, resgate e memórias quase esquecidas, que agora estão seno recontaas pelas novas gerações. História esta, reescrita por sete meninas a comunidade. Foram meses e aprendizagem. Participação em oficinas e Arte, Teatro, Inclusão e Cultura digital. E como resultado uma grande colcha de retalhos, colagens de pessoas, olhares e lugares.

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Entrevistador: Oi, qual o seu nome? Entrevistada: Maria do Socorro Ferreira de Santana Entrevistador: Quantos anos a senhora tem? Entrevistada: 43 Entrevistador: De onde a senhora é? Entrevistada: Ceara Entrevistador: De qual cidade? Entrevistada: Iguatu Entrevistador: Iguatu? Onde que fica mais ou menos? Entrevistada: Fica... Interior de Fortaleza, é que nem município assim... Entrevistador: Fica na grande Fortaleza? Entrevistada: É Entrevistador: Tipo São Paulo e Guarulhos? Entrevistada: É, grande Guarulhos, isso Entrevistador: Faz quanto tempo que a senhora esta aqui? Entrevistada: 21 anos Entrevistador: E nesse tempo a senhora voltou pra lá ou... Entrevistada: Já fui passear, já fui morar e já voltei pra São Paulo Entrevistador: E aqui no terreno do Hatsuda a senhora esta a quanto tempo? Entrevistada: 15 anos

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Entrevistador: A senhora chegou aqui então tava no começo? Entrevistada: Não, já tava ela (aponta pra alguém) Quando eu vim pra cá quem veio foi o meu irmão e nós “vinha” só passear porque eu morava em Itaqua, tinha pouquinhos “barraco” e a maior parte não tinha barraco nenhum, não era? (voz ao fundo: só tinha sete barracos) Ai quando a gente foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo que até então eu morava no Parque Novo Mundo, na Birimbau, já morei em São Paulo (voz ao fundo: vai fazer 14 que eu estou aqui). Minha “fia” mas eu já conhecia bem antes de vocês meu irmão morava aqui (voz ao fundo: seu irmão morava). Mas eu vinha todo final de semana. Nós compramos aquele barraco. Nós compramos um barraco aqui só pra vim final de semana porque antigamente o carnaval ai era na avenida então nós “vinha” todo final de semana pra cá, nós “tinha” um barraco, porque antigamente 150 reais você comprava um barraco... Entrevistador: E tinha o carnaval do lado? Entrevistada: Sim, o carnaval era do lado, então nós “vinha” pra cá no carnaval. E outra coisa: o Hatsuda aqui era bom, animado, agora não... Hatsuda aqui pra nós era pro povo vir morar aqui, Hatsuda aqui pra nos é como to falando “procê” era divertido, nós “ia” pro farol, as “tia” ia lá pegar nós no farol, nós “se escondia” das “tia”, não gostava, xingava as “tia” Entrevistador: E você é do projeto? Entrevistada: É que esse projeto Meninos e Meninas de Rua é “veio” esse projeto aqui dentro de Guarulhos, então eles “ia” pra abordar nós, pra falar que tava errado nós “tá” no farol com as crianças e não sei o que, então nós “se escondia” das “tia”, xingava aas “tia” que era a Lurdes,a Bimael. Ai eles começava a levar brinquedo, a tirar atenção das crianças né? As “criança” queria brincar e nós “deixava” um pouquinho, quando nós “via” que as “tia” queria demais nós “ia” lá e “ai tia, tá bom, tá bom, chega de brincar” ai as “tia” ia embora né, entendia e ia embora. Ai convidava nós pra ir em almoço no projeto, pra tá conversando com “nós”, que ta errado. Ai foi um custo mas as “tia” conseguiu tirar nós ai nós tivemos que sair.

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Entrevistador: E a tia Lurdes “pentelhava” muito vocês? Entrevistada: Todo dia, não podia saber que nós “tava” lá. Nós “ia” no sábado e a tia vinha, não era? Entrevistador: Até de sábado? Entrevistada: O Projeto São José, na segunda que o projeto ficava de folga. Nós “ia” no sábado que era pras “tia” não ir e quando nós “chegava” as tia já “tava” lá. Entrevistador: Não parava nunca por que a tia Lurdes tava, né? Entrevistada: Você conhece a tia Lurdes? Entrevistador: Conheço, desde pequeno Entrevistada: Ela acompanhou, quando eu cheguei aqui o Betinho tava com sete anos e a tia Lurdes ó... desde de sete anos ela “empetelhava” nós no farol antigamente, era muita gente ... não era Natalia? (Maria fala pra voz ao fundo: tô sendo entrevistada mulher, para de cuidar da vida dos outros) Voz ao fundo: Isso ai vai passar aonde? Entrevistada: É pra fazer um vídeo Entrevistador: É pra gente Entrevistada: É, é pra nós Voz ao fundo: Mulher não pode estar cortando assim não Entrevistada: Fala moço... Entrevistador: A tia Lurdes, de todas os educadores do projeto, qual seu favorito? Entrevistada: Ela é a mais velha do projeto e era a única que com jeitinho consiguia e olha que nós “xingava” as tia hein? Quando a tia tava nós “ficava”

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boazinha na frente da tia mas quando ela virava as costas nós ó (gesticula com as mãos e ri) mas a tia Lurdes sabe... Voz ao fundo: Eu vou buscar minha filha na escola Entrevistador: Mais quantos carnavais você passou aqui? Quando era aqui ainda? Entrevistada: Uns quatro ai acabou, não passou mais aqui... Entrevistador: E era bom? Você tinha alguma escola de samba daqui? Entrevistada: Não, nós “vinha” só pra assistir. Nós “vinha” só pra assistir o carnaval...só pra ver o carnaval... Voz ao fundo: Só essa mulher mesmo... Entrevistador: Me conta essa história do pau de sebo, como era essa história? Entrevistada: Era um rapaz que tinha aqui, ele organizava, ele saia nas casas pedindo as coisas pra fazer a festinha, né, a festinha junina... Fazer essas coisas, bolo pras “criança”, ai ele montava o pau de sebo lá na frente e ficava uns três, quatro dias os “moleque” tentando, tentando, tentando e não conseguia. Ai essa menina que tava aqui, ela subiu, ai derrubaram ela lá de cima... ai os “moleque caiu”... “caiu” uns dez “moleque” em cima da coitada e ela foi parar no pronto socorro (risos) ai nós “tava” tudo (risos) coitada né? Foi engraçado, coitada foi parar no pronto socorro mas ela ganhou, você não viu ela falando? Mas ela foi com o dinheiro na mão... desmaiou mas não soltou o dinheiro... Mas faz uns dois, três anos que ele não faz mais isso não porque ele foi embora daqui, mas ele fazia, ele organizava tudo... Entrevistador: Qual a coisa que você mais gosta aqui no Hatsuda? Entrevistada: A água (risos) que ninguém paga e pode gastar muito (risos) Entrevistador: A vizinhança também, pelo jeito ai...

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Entrevistada: É,as minhas colegas também, gosta também... Entrevistador: Você chegou a participar dos eventos do projeto, do Eca...? Entrevistada: Huum, meu Deus... tinha até anos... tinha até um... Entrevistador: Qual foi o Eca que você gostou mais? Entrevistada: O de São Bernardo... que a tia vinha buscar nós aqui no ônibus, nós “ia” todo mundo dentro do ônibus dançar o carnaval lá, não era? (voz ao fundo: papai também foi pra esse ai) nós “fazia” carnaval lá... folia de rua.. eu sei que nós “parava” perto de uma igreja, ai encerrava lá nós “ia”... sempre que a tia convidava nós “gostava” de ir... e não sei o que da consciência negra que nós participamos aqui também Voz ao fundo: era... Entrevistada: E dos almoço né? Sempre a tia ia abordar nós no farol chamando nós pra almoçar que era pra poder nós “ir”, tirar as “criança” né. Nós “acabava” de almoçar, voltava... É mas naquele tempo o projeto era pesado, agora não, não tem mais moleque na rua... Antigamente o projeto era pesado, os moleque chegava derrubando tudo, os “moleque” que morava na rua... chutando, quebrando... era pesado antigamente o projeto... Entrevistador: Ainda bem que tinha vocês pra ajudar, né? Entrevistada: Nós “corria” era com medo dos “moleque”... mas era bom o projeto. Até hoje é bom, né? Nós é que “paramo” de participar, porque os meninos cresceram tia, né? A tia convida nós “fala” que “vamo” e não “vamo”... As tia... hoje era pra nós “ir” todo mundo... né... Natalia falou que era amanhã.. Entrevistador: Já tinha até armado com o cara do restaurante do lado, falou “ó, terça feira eu vou levar... Voz ao fundo: Era o almoço Entrevistada: Aaa era o almoço

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Voz ao fundo: Era o almoço no restaurante hoje Entrevistada: Eu falei... eu falei pra Natalia, Natalia falou que não as “muie’... Uma foi pro Poupatempo, porque você sabe, ontem teve o jogo do Brasil ninguém sai, porque ninguém como quando o Brasil joga? Ai para tudo né? Ai parou... Mas ai nós “pensou”... eu falei que era hoje, Natalia falou que era amanhã... Entrevistador: Bom, tá ótimo então. Acho que essa história do sebo ai foi legal... Entrevistada: Mas o pau de sebo foi engraçado... E outra coisa, tem festa junina aqui ó. Semana passada teve. Entrevistador: Teve? Entrevistada: Teve, teve barracas e tudo. Sarapatel, milho, canjica, bolo... é bom né? Hatsuda anima as vezes... tem coisa ruim, mas tem coisa boa também aqui dentro... tem os forrózinhos aqui no final de semana Entrevistadora: A gente precisa vir no forrózinho aqui no final de semana então... Entrevistada: Minha “fia”, domingo... forró que teve...fechou a rua de tanta gente... fia. Começou em paz e terminou em paz. É bom assim porque Hatsuda... e tem um funk também ai... Entrevistadora: E como é o funk? Entrevistada: Ai tia... (faz uma cara de reprovação) eu mesmo dou nota zero... escuta funk, escuta música, mas tem tanto funk ai Entrevistadora: Mas você dá nota zero pela música ou pela bagunça? Entrevistada: Por tudo tia... pela “devassão”... Entrevistadora: Por que sai briga? Entrevistada: Pela “devassão” e pelas danças que eu acho muito feio e não concordo. Acho que ali não é funk tia, porque tem tantos funkeiro que põe uns

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funk ai, funk bonito... funk... não precisa aqueles funk que... eu acho nota zero pro funk... Entrevistador: Que dança mais juntinho né? Entrevistada: (com cara de nojo) não, aqui é... que isso, é uma “devassidade” uma “ddevassidade” total. Agora o forró não... o forró os “cantor” e as “cantora” que vem... o forró é bom

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Entrevistadora: Pode Entrevistada: Eu, Jussara Maria Santos, moradora da Vila Holanssara. Cheguei aqui em 76 e... Entrevistador: Da onde a senhora vem? Entrevistada: A, eu vim lá da... do... Jardim Diogo Entrevistador: Daqui de Guarulhos mesmo? Entrevistada: Isso, daqui de Guarulhos... Entrevistador: A senhora é guarulhense então? Entrevistada: Não não eu sou mineira... Entrevistador: De Minas aonde? Entrevistada: Sou mineira, sou mineira de.... Bandeira. Morei no Jardim Peri, Vila Maria, Vila Mariana, de lá quando eu casei eu vim pra o Jardim Diogo. Quando a minha filha mais velha nasceu, quando ela fez um aninho a gente veio pra cá. Conheci ali a antiga chácara São Luis, o antigo casarão, muita horta... era muito bonito o pedaço e... muitas outras coisas que a gente...né? conheceu... Entrevistador: Esse casarão era o que? Entrevistada: Era um casarão mesmo...não sei que tipo de gente que morava ali, parece que era alemão que morava...tinha umas vaquinhas... depois foi demolido né, pra construir esses prédios ai. E foi assim, e to aqui até hoje. Mudei pra Rondonia e voltei pro mesmo lugar. Morei nove anos em Rondonia, viu? Eeee... e estou aqui no mesmo lugar. Morei lá dentro. De lá a gente conseguiu comprar aqui quando voltamos de Rondonia e... estamos aqui já mais de vinte anos. É tudo que eu posso fazer... Entrevistador: Só... quando você, quando a senhora veio pra cá chamava Lanzara já ou...

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Entrevistada: Já.. era Chácara São Luis ainda, depois passou Lanzara... Entrevistador: Por que as pessoas chamam Quinze? Entrevistada: Não sei, até hoje eu procuro explicação do porque de Quinze, se tem o Dezesseis... é tudo que eu sei, tá?

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Um pau de Jatoba grosso,ela ela cortou um pauzão de Jatoba grosso e fez um barraco debaixo da árvore, de madeirite pra botar ela e as “criança” dela. 35


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Entrevistada: (não foi possível entender o que ela diz no começo da entrevista) Eu arrumei um emprego, eu trabalhei em dois empregos... aqui perto, aqui na Avenida Esperança que era onde eu morava, eu morava ali na Avenida Esperança e eu fui trabalhando, pedindo a Deus e ai vim numa senhora chamada aqui Dona Dosinha, ela era rezadeira, dava carta, tudo né? Ai eu fui ela falou do meu passado, da história do passado e do presente e eu... bateu naquilo que ela falou... foi a primeira “moradeira” daqui que eu encontrei foi essa senhora chamada Dona Dosinha Entrevistadora: Que era rezadeira? Entrevistada: Sim, que era rezadeira. Então o que foi que ela fez, ela cortou um pau de Jatoba, um pau grosso... Entrevistadora: Você já tá gravando? Entrevistada: Um pau de Jatoba grosso, ela ela cortou um pauzão de Jatoba grosso e fez um barraco debaixo da árvore, de madeirite pra botar ela e as “criança” dela. Ai foi que, que a mãe do Nilo morreu e ela ficou com as duas “criancinha” mas que ela morreu e permaneceu no lugar dela, aqui na favela... aqui é, onde tem esse negócio aqui da prefeitura, né? Ali era o Juizado de Menor, as “criança” gritava muito... que hoje em dia não tem juizado de menor, que poderia ter, pras crianças “rebelde”, não tem... hoje é conselho “titular” e balala, mas naquele tempo era juizado de menor, eles “mantinha” as “criança” como que “teje” um preso na cadeia, mas num era preso, era pra criança se “ressucitar” o que ela tava fazendo pra num cometer erro maior, entendeu? Ai pronto, foi que acabou e só ficou o prédio. Tá... bem.. tá certo. Essas “estrada” aqui era tudo de rua, nós “cozinhava”, os “barraco” aqui era tudo “barraco”... barraco de madeira, depois foi que construiu um de alvenaria. Ai quando eu cheguei pra morar aqui ainda tinha barraco de madeira... só que tava o marido da Dona Lurdes, tava construindo o de alvenaria... ai vim e aluguei um já de alvenaria... mas nós “passamo” um mal bocado aqui. Não tinha luz... na época, era tudo cadeeiro, entendeu? Eu cheguei aqui me alumiava com candeeiro... Cheguei aqui carregar água da favela pra beber, que era água de poço, um “poção” grande. Dona Gessi pode dar também essa entrevista também, viu?

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Que Dona Gessi também participou aqui, se você for lá, ela dá pra ela. Ai tinha aqueles “poço” nós “tirava” água “carregava” como se fosse, que viesse do Nordeste pra encher os “tambo” pras “criança” beber água. Eu não tinha criança, eu era só eu e meu marido, minha criança ficou lá no Nordeste, depois foi que ele veio, entendeu? Mas quando ele veio a situação já tava melhor. Eu já tava trabalhando ai no Colégio Nove de Julho, ali não era colégio, ali era um matagal e pra chegar na avenida era tudo terra, era uns “abobreiro”, uns pé de pau, que tinha uma trilha pra gente passar, né? Ai nós “passava” pra ir na avenida do outro, mas a avenida também era estrada de terra... Entrevistadora: Isso quanto tempo atrás? Entrevistada: Isso foi... mais de... 2005. 2005 não, “pera” ... eu não to bem a data, mas faz muitos anos, tem mais de quarenta anos... não foi 2000 não Entrevistadora: 70 mais ou menos... Entrevistada: Isso, não... 70 não... 76, 77, 78 esse ai era desse jeito ai foi eu foi chegando prefeito, fazendo uma rua, uma coisa e outra ai foi amenizando, mas aqui, tudo isso veio legalizar (uma voz ao fundo a chama e ela responde) quando isso aqui veio legalizar direitinho foi em 74 começou os “calçamento” daqui, 74. Já até percebe que até 74 normal mesmo não tinha calçamento aqui, entendeu? Era tudo estrada de terra. O calçamento de 74 ele tava aqui, do Monteiro, do Monteiro pra cima. Aqui embaixo já era estrada de terra ai foram fazendo as “rua”. Mas aqui sempre foi assim: barraco de madeira, sempre foi com maior dificuldade, sempre teve... é aqui tinha, tinha uma casa velha que era tipo um chalé, aqui era uma entrada, duas ruas com uma estrada só , isso ai dava naquela rua e via pra aqui, passava pra ir descendo pra chegar aqui. “Entonce” aqui com muita “dificulidade” que nós “tivemo” “menina” de errado “tivemo” mas antigamente obedecia, hoje não obedece , entendeu? Hoje em dia as “criança” não obedece, mas naquele tempo obedecia. E era uma casinha aqui, era um chalezinho, uma porta e uma janela aqui. Eu disse a Dona Lurdes, ela tava falando do negócio dessa entrevista eu disse a ela “eu digo não, tenho um retrato antigo mas tá lá no Nordeste, não tá aqui” entendeu? Que é que ela estradinha de terra e num posso mais buscar lenha pra cozinha...

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aqui tinha essa casa e não tinha essas “casinha” que tem aqui embaixo, era só uns “barraquinho” de um senhor... acho que ele tinha “dependência” de Dom Pedro I, Dom Pedro II o “véio”, entendeu? E eu achava que aquele “véio” era da guerra, sabe? Do tempo dos “escravo” assim.. porque ele tinha os “olho verde” e era Dom Pedro I direitinho, entendeu? Eu achava oxi que esse homem não era daqui, desse mundo, acho que era daquela vida, do tempo de escravidão... Princesa Izabel, Dom Pedro I, Dom Pedro II. Acho que esse homem, acho que ele era do tempo da guerra, entendeu? Porque ele tinha os “olho verde” e até o chapéu que Dom Pedro I usava o velho usava... tinha vários “cachorro”, ele carregava papelão numa carrocinha de burro, de assim.. da rua e os “cachorro” ia atrás. Aqui é... tinha... um, dois, três, quatro pé de pau grosso, tinha um Jatobá, duas “seringueira” dá quando tem uma “barricuda” que dava aquelas “flor” sacudia tudo aqui e aquelas “lã” também... mas aqui agora mas tá um cinema aqui. “Entoncê” aqui chama a Favela do Quinze e aqui como os “menino” “trevessava” “praqui” aqui se chamava Dezesseis. Até que pra justiça lá essas “coisa” tem o nome lá Dezesseis, entendeu? (simula um dialogo) “Cê não mora no Dezesseis?” “Não, não, moro no Quinze” “Mas não tem o Dezesseis lá? O que é o Dezesseis?” O Dezesseis de toda... Pra alguma entrevista que você “fize” o Dezesseis é aqui (diz apontando ao redor) Entrevistadora: A senhora sabe por que que tem esses nomes com número? Entrevistada: Não.. eu não sei porque é assim.. porque botaram, foi eles que botaram: aqui é o Quinze e aqui é o Dezesseis quando os “homem” da lei vinha lá vinha cá tanto fazia eles “vinha” lá corria tudo pra cá, entendeu? Entrevistadora: E aqui era antigo. Antes de ser favela de ser projeto, a senhora sabe o que era aqui? Entrevistada: Era terra dos “índio”... dos “índio” mas ai eu nunca sei, o que eu sei é só os “pé” de pau, as coisa assim, né? Entrevistadora: Era terra de índio... Entrevistada: Os “poço”, os “poço” ainda eu sei... as “casinha” assim..dentro do mato, não sei se eles “morava” lá dentro. O que eu sei foi isso ai, só até as

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“estradinha” as “trilhinha” de terra que passava, os “carro passava” e quando chovia virava lama ai porque imagina... uma estrada de terra? “Passa” habitante e “passa” carro? Ai quando também cheguei ai a mulher, era uma seca de vale o “home” já derrubou isso aqui o “home” já fez um muro... era na beira daqui assim, dessa murada lá embaixo aqui assim (aponta pra fora) desse outro lado, embaixo aqui assim o muro, era cheio de capim e tinha uma cerca de coisa.. de.. de.. alambrado. Ai depois o “home” comprou, tirou a cerca e botou o portão. Aqui não tinha prédio, era tudo mato... do tipo chácara. Aqui também não tinha prédio era ali perto do Maria Cereja, ali por ali, era tudo mato... e nós “ia” buscar lenha lá no Bosque Maia pra cozinhar. Hoje em dia não, hoje em dia tá tudo bom, né? Tinha uma chácara aqui embaixo onde é a casa de Seo Valentim aqui e aqui era tudo chácara... era tudo chácara, tudo chácara onde é o colégio, né? Tudo ali era chácara, ainda tem um pedaço ali que pertencia a chácara. Era chácara e uma casinha dentro que pertencia a chácara. Entrevistadora: E a senhora teve filhos que nasceram aqui? Entrevistada: Não Entrevistadora: Só teve o que nasceu no Nordeste? Entrevistada: Só no Nordeste, mas foi criado aqui. Ele veio com treze anos. Ai eu “expriquei” a ele tudo “dereitinho” e depois arrumei uma vaga pra ele estudar no Brotero no tempo que estudar no Brotero era de gente “rico” ai meu filho estudou no melhor colégio aqui, entendeu? E eu, eu sempre que eu paguei. Do Aldo, dali, daqui pra cá era tudo mato. Agora dali pra lá já era de gente “rico”, já tinha as “casa”, já tinha muita coisa boa, entendeu? (um rapaz interrompe com três xícaras de café) Entrevistada: Ave Maria meu filho, era só uma “xicrinha” de café. Toma, toma um golinho você também. (oferece café aos entrevistadores) Entrevistadores: Obrigada. Vou dar um golinho. Muito obrigado. Entrevistada: “Entonce”, desde que era daqui, nós “tivemo” tempo bom nessa

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favela. Porque os “menino” daquele tempo, por eles não “te estudo”, por eles não “te conhecimento” , era uns “menino leigo”, eles “tinha” mais “amo”, tinha mais carinho, tinha mais orgulho e “obidiência”. Hoje não, hoje eles tem estudo, sabe muito e não tem “obidiência” Entrevistadora: Tem alguma história engraçada, conto, história de fantasia daqui, a senhora sabe alguma? Entrevistada: Não... Entrevistadora: Alguma que o pessoal contava? Entrevistada: Não, o que eu só sei que tinha aqui era o carnaval. Que a gente ia dançar o carnaval que era aqui na avenida... o rapaz tá precisando sentar (diz referindo-se a um dos entrevistadores) Entrevistadores: Não... Fique tranquila... Entrevistada: Pegue um banquinho aqui meu filho... pegue aqui e senta ai (aponta o lado oposto da mesa). Eu sentada e o rapaz ai... Mesmo porque meu filho eu to de viagem, eu vim pra resolver um negócio. A pronto, o que tinha era, era o carnaval, nós “trazia” ala. Apareceu também um lobisomem por aqui nessa época... Entrevistadora: Conta essa história do lobisomem... dessa época quero saber tudo Entrevistada: Esse home tinha um monte de cachorro. Esse “home” que falei pra você que ele parecia com Dom Pedro I ou Dom Pedro II e ele tinha um monte de cachorro. E realmente ele me deu... eu fui lá e a cachorra deu cria e eu, eu toda vida eu gostei de animais e minha chácara lá em Pernambuco é cheia de animais. E pelo tempo que tá hoje a gente dá comida a um animal e não dá comida a uma criança. “Cê” entendeu? “Cê” concorda comigo? Que o animal ele não faz o mal e a criança ele quer fazer. Ai um monte de cachorro, tinha mais de 150 cachorro. Ele era um homem caridoso e ele pegava, e todos os animais que ele pegava trazia com ele na carrocinha. Chamava já a carrocinha

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dos “cachorro” e não do, do, dele. Ai a cachorra deu cria, a cachorra grande e eu cheguei lá, fui pra pedir um pouquinho de fumo, que eu fumo fumo de corda. Não fumo esse fumo de cigarro assim não, fumo fumo de corda mesmo. Só fumo de corda mesmo do tempo do escravo e tal. Ai eu cheguei lá a cachorra tinha dado cria. Uns “cachorro” bonitinho, umas “bola” ai eu falei: ‘e ai, o senhor me dá um cachorro?’ e ele disse: ‘do’. Ai ele foi e me deu, o cachorro. Deu o cachorro, eu “truxe” o cachorro pra casa, uma bolinha. E ele era bebezinho, eu botei ele numa caixinha de papelão, acordava pra dar leite, dar comida, entendeu? É... olhar se ele tinha molhado a caixinha. Eu tinha o maior “amo’ a esse cachorro. Ele é enterrado ai nesse prédio ai que tá construindo hoje e fiquei no dia de enterrar não, num fica? E esse cachorro passou a vida inteira comigo. Aqui era um corredor que passava todo mundo, só que o cachorro não gostava dessas “pessoa” errada, não gostava, né? E quando eles “passava” que o cachorro passava que ele via ele queria pegar os “menino” de todo jeito. Ele não gostava de menino errado. E por ele ser de uma entidade, que eu dei esses animais pra ele, ele não gostava “daqueles criatura” que passesse, entendeu, daquele cheiro, daquelas “coisa”. Ai criei esse cachorro e ele morreu de câncer... morreu aqui dentro, de câncer. Eu cuidei dele, dei remédio, levei no veterinário, cuidei mesmo, era meu filho na época assim. Modo de dizer, né? Ai pronto, peguei o cachorro. Quando foi um certo tempo, um monte de cachorro toda noite aqui era uma cachorrada, e uma cachorrada, uma cachorrada e uma cachorrada. Até assim, mais ou menos pelo jeito da pessoa, a gente acha que era essa pessoa que corria, entendeu? Essa pessoa ela é viva, ele “veve” por aqui tudo porque... Entrevistadora: É aquele senhor? Entrevistada: Porque não tinha jeito. Ai nós “tamo” aqui, tá correndo um bicho eu digo ‘mais dentro de São Paulo “corre” bicho?’’’. Mas naquele tempo, hoje em dia a mãe joga praga no filho, não sei se pega, mas naquele tempo pegava e pegava legal. A gente morria de medo da mãe da gente passar pelo menos o rabo de “oio” na gente pra nós não corre bicho, porque corre, não é brincadeira não, não é lenda não, é até verdade, corre sim. Ai “tamo” aqui uma noite quando vem menina, uma cachorrada já vinha dali “au au au au”, naquele silencio, de semana né? Dia de sábado, dia de domingo que era forró e tudo pra gente não sair. Era forró, era tudo, festa. As vezes nós nem “saia” de dentro

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da comunidade. Na comunidade nós “fazia” as “festinha” nossa todo mundo, né? Mas no meio da semana, todo mundo trabalhava, não tinha como aquela, olha tinha pra mais de 50 cachorro “au au au au” e entrava aqui, saia aqui, e vem. Quando vem, desce aqui. E aqui o irmão do Bahia ainda viu ele, o bicho. Passaram aqui que passaram “é um bicho, é um bicho” e nós “fiquemo” tudo tremendo. Ai quando foi no outro dia veio o comentário “passou no corredor, no Dezesseis, um bicho”. ‘Aaah é mentira!’ “Mentira não, todo mundo viu!”. Eu pra te dizer que eu vi o bicho eu não vi, mas a cachorrada foi pesada aqui. Tinha uns 50 cachorro. Ai ele disse: “vamo atocaia”. “Vamo tocaia” porque “oxente” eu digo “dentro da cidade, dentro da cidade não”. Mas é assim, se ele fez alguma coisa com a mãe dele, e ela rogou praga é claro que vai pegar. Ele pode tá no Rio de Janeiro, se for pra ele correr bicho ele vai correr. Ai estourou no Dezesseis com o Quinze: “ta correndo um bicho, tá correndo um bicho, tá correndo um bicho”. Nisso ai falaram: “a pois, se tá correndo nós “vai” pegar!” Que jeito vai pegar, uma pessoa? Que eles são “pessoa”, eles são assim, só que eles tem um jeito, tem um jeito de virar. Porque um rapaz lá no Nordeste ele corria bicho e ele dizia como é que ele corria. E quem falava que a aquela sina ali ele trouxe porque ele não obedeceu a mãe dele, implicava com a mãe. Tá. Ai os “vizinho” aqui: “vamo pega de cacete, vamo mata” e no outro dia nós “vamo” vê quem é que tá com esse bicho. E eu acho que essa pessoa que corria ela parou de correr aqui no bairro, porque não voltou mais. E com o tempo, na continuação, dizendo que era ele, que era essa pessoa e tal, ele afastou de animais. E os animais só “vivia” perto dele, dessa pessoa, entendeu? Entrevistadora: E essa pessoa era esse “tiozinho” que cuidava dos bichos? Entrevistada: Não, não era ele. Ele tinha só os “cachorro”... Entrevistadora: Ah tá, era outra pessoa.. Entrevistada: Era outra pessoa. Entrevistadora: E morou muito tempo aqui ainda? Entrevistada: Morou, mas... na continuação, quando eles “correu”, eu acho que na hora eles “correu”, o bicho ele corre assim, a senhora faz alguma coisa pra

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mãe da senhora ela joga uma praga com o nome de um bicho, a senhora vai correr aquele bicho. Sai de casa onze horas da noite, chega lá pro rabo do bicho, se vira e a senhora tem que correr. Não, onze horas da noite não, é perto. Dez horas da noite a senhora tem que sair de casa, a senhora olha pro rabo do bicho, se vira e vai correndo. Onde que bater meia noite certinho a senhora tem que estar “disvirada” senão a senhora fica bicho pro resto da vida. Entrevistadora: Pro resto da vida... Entrevistada: Pro resto da vida... Entrevistadora: E lá no Nordeste a senhora conheceu alguém que era bicho? Entrevistada: Conheci e eles falaram pra mim como é... Entrevistadora: Aqui é muito mais difícil, né? Aqui em São Paulo ter? Entrevistada: Não, vai no curral. Você quer correr um cavalo? Vai no curral do bicho, dá sete nó na roupa as “avessa”, vira pra lá e pra cá o bicho e ai sai e os “cachorro” vai atrás. E que eu conheci um só não eu conheci dois que corria lá no Nordeste e eu vi. Eu passo, eu “ouvo”, e ele vira. Ele não fica tudo a metade, ele fica uma parte bicho, uma parte gente. E ele dizia: “eu passo lá e as ‘mulher’ fica falando: feche a porta que fulano vai passar” que era ele, que era Zé Mochila. “Fecha a porta que o bicho vai passar”. Os “menino” chora. “Rapaz se não não mexer comigo eu não mexo, vou seguindo minha estrada, to fazendo a minha missão” Entrevistadora: E foi isso que aconteceu aqui? Entrevistada: Foi isso que aconteceu, mas eu acho que pegaram e falaram que se pegar ia morrer, ia matar ai ele não correu mais por aqui, se correu foi em outro lugar, outro canto e depois ele saiu daqui. Mas que passou aqui, passou. E ele era um cavalo branco, Que naquele tempo ali, desse prédio aqui era também casa, mas também era também “criatório” de animais também, entendeu? O pessoal criava animais, entendeu? Cavalo, entendeu? E passou aqui que passou e os “cachorro” que pega e leva e trás e nós já com medo. Eu já escorei minha

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porta, fiquei lá tremendo dentro de casa. Porque passou aqui, avançava nos “cachorro” e os “cachorro” arranhava pra cima dele. E quando foi no outro dia que estauraram a conversa, com três dias esse “home” saiu daqui. Ele, ele não podia mais correr aqui, entendeu? Mas quem acompanhava ele era os “cachorro” do pai do finado Juarez, o cachorro do finado Antonio, o pai do Juarez. Entrevistador: Você conheceu o bicho? Caramba... Entrevistada: Conhecia ele e acompanhava. Entrevistadora: Tem mais alguma outra historia? Entrevistada: Não tenho... Entrevistadora: Dos indígenas não tem nenhuma? Entrevistada: Dos “indígena” não tenho, não sei de nenhuma daqui, só sei das que estou lhe dizendo. Entrevistador: O do Capa Preta que os outros falam? A senhora lembra da história? A senhora já era daqui? Entrevistada: Não. Já ouvi falar que aparecia ai dentro, né? Mas ali é espírito. Entrevistadora: Capa Preta é espírito? Qual que é essa história do Capa Preta? Entrevistada: Bom, é assim: como a favela é quase matadouro, né? De matança... era, se eu morrer na minha cama foi Deus que me matou, agora se eu for morta por outra pessoa, não chegou meu tempo. “Entonce” eu não sei se você acredita na encarnação? Acredita em Allan Kardec. Baseada assim, né? “Ontonce”, aqui nessa favela foi muito sangue derramado injusto, mas também devedor mas, mais que não pode fazer o mal pra ninguém, “ontonce” que a senhora acha que essa favela aqui não tem. Ela tem, ela tem muita alma ai perdida. É por isso que as “vez” as “criança” faz a mesma coisa que essa alma ai fazia. Que atrai as “criança” pra isso. Porque o ambiente ai já é atraído pra isso. Se eu tenho um, dois, três filhos, eu tenho que rezar “praquela” criatura “praquela” criança e sair

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desse ambiente porque amanhã ou depois o meu filho vai fazer a mesma coisa que os “outro” fez, porque os “espírito” fica vagando.

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con clu s達o 47


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Entrevistado: Então, a ideia nasceu na verdade, primeiro que o município de Guarulhos tinha aberto a segunda edição do ponto de cultura aqui no município, foi um sucesso. Segundo a gestão da secretaria do município aqui de Guarulhos, né? De cultura, sobre tudo e a segunda edição, na verdade deu uma, aumentou o número de entidades, né? Propondo o ponto de cultura e submetendo os projetos pra secretaria da cultura. E, a segunda edição do ponto de cultura foi interessante por quê? Porque foi justamente no momento em que Guarulhos estava festejando o seu aniversário, se eu não me engano na época 450 anos, né? Então, a gente projeto, resolveu aproveitar a brecha e, dentro desse contexto da historia de Guarulhos e submeter um projeto a um ponto de cultura, né? Mais mesmo pra pegar esse contexto da história de Guarulhos, segunda edição do ponto de cultura e tendo mais elementos ai, até mesmo pensando do ponto de vista de atuação da entidade, o projeto Meninos e Meninas de Rua pensou em fazer um trabalho mais nessa área do ponto de cultura e pegar um pouco essa experiência. Então a gente aproveitou mais essa brecha pra poder pensar mais nesse viés mesmo, no contexto de Guarulhos. Ai depois eu desdobro mais o porquê entrar nessa coisa. Entrevistador: Por que contos e lendas? Entrevistado: Então, e ai... É... qual que foi a ideia? Pegando-se o contexto da ideia da historia de Guarulhos, o projeto Meninos e Meninas de Rua já estava aqui há nove anos, há dez anos, desculpa, há oito anos, estávamos indo ao nono ano com trabalho de abordagem com criança e adolescente em situação de rua aqui em Guarulhos e a gente começou a perceber na verdade o seguinte: dentre os bairros que a gente atendia com criança e adolescente em situação de rua, Pimenta, Cecap... (nossa, depois vocês vão editar mesmo) mas ó, Pimenta, Cecap, Fortaleza, Vila Ani e tantos outros mais, nós atendíamos também, dois bairros mais, duas “região” aqui que é a região do Quinze e a região da Hatsuta, certo. Nesse contexto de historia de Guarulhos, nós do projeto começamos a discutir o seguinte: nós temos, atendemos dois locais, em tese muito próximo ao centro, né, a região central, como por exemplo, o Quinze e a favela do Hatsuda, porém, todavia, entretanto quando se fala da historia de Guarulhos, não se constrói, não conversa, não toca no assunto minimamente sobre essas comunidades, certo. Então nesse intuito a gente quis construir a historia, na

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verdade colocar na historia de Guarulhos, nesse contexto dessa historia do aniversario de Guarulhos esses dois bairros que em tese não eram, essas duas localidades que em tese não eram se quer discutidas na região de Guarulhos, ta certo? Então, foi a partir daí que a gente quis submeter, optou em submeter o trabalho na verdade né, um projeto ao ponto de cultura e com a finalidade de construir, de colocar em Guarulhos essa historia dessas duas comunidades que em tese são esquecidas, né? E ai o que que aconteceu? Diante de tudo isso a gente começou minimamente a pesquisar e discutir como é que nasce, como é que nasceu essas duas comunidades, como que elas se deram, como elas foram chegar no município aqui de Guarulhos, não é? E ai dentro de tudo isso houveram várias perguntas, várias respostas muito interligada com a historia oral por exemplo. Uns vão dizer que o Quinze se deu porque pós-escravidão quinze escravizados, ex-escravizados, foram pra uma região x e a partir dali começaram a desdobrar e a pulverizar a comunidade, né, aumentando pra completar mais a comunidade. Outros vão dizer que não, era um bairro, era um local x que outros foram lá, se estabeleceram ali e começaram a montar suas casas e etc, etc. Então, ou seja, então, ali tem muita historia, há muita historia n verdade em relação à formação do Quinze. Então esse é um dado, então a gente disse: olha, é... poxa, tem muitas historias, muitos relatos, né, então porque não contar a historia dessa comunidade a partir inclusive da vivencia dos moradores e ai concatenando com a historia de Guarulhos e colocando essa comunidade de fato no mapa de Guarulhos. Esse é um ponto. Depois a gente vai pro Contos e Lendas, né? E a da Hatsuta de certa maneira ela tem, ela tem uma historia, a gente começou a vasculhar, ela foi, ela é resultado de uma fabrica que foi desativada. Ao ser desativada, uma serie de pessoas fizeram daquela fabrica desativada uma opção de moradia. E o interessante pensar até mesmo que não são pessoas apenas oriundas do próprio município de Guarulhos. É então, a favela Hatsuta ela se formou enquanto resultado, de pessoas que saíram de São Paulo, por conta dos incêndios ocorridos aqui na região Norte de São Paulo, Tucuruvi... Nessa beira de São Paulo com Guarulhos e muitas vieram pra cá procurar moradia e ai se instalaram na Hatsuta, na verdade, né? Então essa é uma coisa, então tem essas historias, né, das pessoas irem lá... Há uma discussão ainda, uns dizem que é hoje território, que esse terreno é hoje do município de Guarulhos, da prefeitura, outros dizem que vai ser o banco do Brasil. Ai outros

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falam que também ainda é da fabrica da família Hatsuta, que inclusive ainda era o nome da empresa que era dona dali onde esta situada a favela e etc. Bom, diante de tudo isso, que que a gente pensou? Em construir, fazer um coisa um pouco atípica talvez dentro das proposituras dos pontos de culturas que a gente avaliou. Então que que nós tínhamos no ponto de cultura pelo menos naquele momento e não desconsiderando pelo contrario, nós tínhamos muita produção de âmbito de expressão mais cultural. Manifestações que passam desde manifestações afro, da cultura afro-brasileira se é pra usar o termo, né. Cultura mais de matriz africana ligada com a construção da identidade cultural Brasil. Nós tínhamos alguns projetos que trabalhavam na área do empreendedorismo concatenado com cultura, outros discutindo a questão da inclusão inclusive da pessoa com deficiência física e etc, então você tinha diversos projetos e naquele contexto a gente pensou em fazer um projeto diferenciado que pudesse endossar mais ainda a produção e dar mais visibilidade da produção cultural na cidade de Guarulhos. Foi ai que a gente pensou num projeto Contos e Lendas, com a finalidade de construir a história desses dois bairros, dessas duas comunidades Quinze e Hatsuta e através do Contos e Lendas, ou seja, dos contos que contam em relação a historia dessas duas comunidades e tentar concatenar com a historia da cidade, na verdade, da própria formação dessas duas comunidades. Até porque nós estamos falando de duas comunidades que em tese tem, elas concentram de certa maneira uma região, um espaço onde há pessoas que tem um, que vive uma condição de pobreza, tanto material quanto espiritual. Você tem uma galera que esta ausente, ainda que esta na região central, mas estão ausentes de acessar os equipamentos públicos oferecidos pelo município, uma galera que vive uma boa parte hoje dos programas sociais oferecidos hoje pela rede do município e que de uma certa maneira vive 24 horas violadas, do ponto de vista de ser assistida, do ponto de vista de uma política publica social inclusiva. Por exemplo, nós temos lá uma quantidade de pessoas que sequer estão incluídas no mercado de trabalho, né? Muitos deles vivem do mercado informal. Alguns vendendo... quando não trabalham em cooperativa, alguns produz uma própria forma de garantir a sua empregabilidade, os seus recursos pra poder se manter. Uma outra coisa é você ter um déficit muito grande de um saneamento básico do ponto de vista qualitativo, então há uma ausência ali,vamos pegar no caso da Hatsuta e também do Quinze né, de uma maior

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forma de uma qualidade, de um ponto de vista de uma saúde publica muito mais... muito menos assistida, né? A um menor investimento, então, o que que a gente. O que que chamou a atenção também tem um outro dado, voe tem uma quantidade especifica de crianças e adolescente que na época fazia trabalho infantil. Então muitos deles vendiam bala no farol, olhavam carro, ou estavam catando ou na condição de pedintes, né. Ou seja, ou eram meninos e meninas que estavam na escola em horário x e y e no horário que eles não estavam na escola eles estavam exercendo alguma função no ponto de vista mercadológico no ponto de vista de trabalho infantil pra poder compor a renda familiar. Ou seja, a gente pegou duas comunidades que estão em região central, mas que as pessoas que estão ali alocadas vivem numa condição de pobreza e de invisibilidade do ponto de vista de uma política social inclusiva. Ai a gente quis pegar, né? Se vocês pegarem o Quinze mesmo, vocês veram que você vê o Quinze aqui e um muro gigantesco que faz uma separação entre um grande edifício, um edifício luxuoso até, de classe média alta. Porque a gente esta falando do Quinze, ele é paralelo a Avenida Paulo Faccini, que esta aonde tem um dos parques mais importantes de Guarulhos que é o Bosque Maia, não é. E essa Avenida Paulo Faccini ela é uma das avenidas que tem a maior visibilidade, que tem a maior circulação e que tem uma concentração de bancos, setores de serviços e também uma concentração de empreendimentos luxuosos, de apartamentos de dois, três dormitórios, tá certo. E ao mesmo tempo você tem um muro que separa essa comunidade do, desses edifícios, condomínios fechados. Por outro lado você tem na parte de cima você também presencia em Guarulhos, um centro dinamizador da própria economia de Guarulhos, um setor de empregos e quem vem pro centro de Guarulhos é obrigado a passar e então percebe que ali tem um muro, mas passa pelo Quinze. Então o que que é isso? Como é que é pra gente, né? Ter uma cidade como Guarulhos, né? Onde ao mesmo tempo você tem meio que um gueto invisível naquele local onde há uma invisibilidade, um índice muito forte de violência policial, de discriminação social, racial e de gênero. Você tem a criminalização dessas pessoas que ali moram, porque na realidade quando você tem uma batida policial você tem, você percebe, você fica sabendo da maneira de como o Estado atua, de como é o ponto de vista militar nessas localidades, ou seja, nós estamos falando de um local que esta na região central mas ela é cercada, há uma invisibilidade do

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ponto de vista do Estado, porem, todavia, entretanto, é um local foco apenas da criminalização as pessoas que ali estão. Então como é que seria pra nós levantarmos uma historia dessa comunidade concatenando com a historia de Guarulhos, terceiro maior município que mais arrecada no Estado de São Paulo e que por sua vez tem ainda esse déficit histórico da historia dessa população. O mesmo a gente pensou na questão da Hatsuta, né? Que é um local de invisibilidade, onde as pessoas são discriminadas tanto social racialmente e do ponto de vista de gênero também, não é? Onde há uma criminalização da mesma natureza, né a essas pessoas do ponto de vista de pensar o combate a trafico de droga ou o comercio de droga, então tantas outras coisas mais, mas esse local acaba sendo um foco na realidade de criminalização. Então nosso objetivo foi esse, a partir dos Contos e Lendas, se valendo, por exemplo, da perspectiva da historiografia, pegar os pontos, a partir de uma construção popular, uma construção mesmo das próprias pessoas e suas vivencias, constrói a historia e concatena com a historia de Guarulhos.Então a gente pensou mais nesse viés. Não sei se responde. Entrevistador: E o desafio? O desafio de você esta numa grande comunidade, num grande centro urbano, dentro de uma era tecnológica, como que é trabalhar isso? Pensar no projeto, na construção dessa realidade e resgatar a tradição, contar historias, né? De você dentro de uma cidade, com uma historia como Guarulhos, você trabalhar isso com as crianças e adolescentes que é o alvo principal do projeto, né? De ir até a sua comunidade e conversar com os mais antigos e querer ouvir os antigos contar historia? Entrevistado: É, o primeiro desafio na verdade que a gente buscou trabalhar, mas no seguinte sentido. Ahh, primeiro só um parênteses, qual que também, melhor dizendo, o que fez a gente construir esse projeto Contos e Lendas, a partir, contando a historia dessas duas comunidades? Primeira coisa foi que como nós já trabalhávamos com crianças e adolescentes em situação de rua, muito desses adolescentes, eles passaram a não mais exercer algum tipo de trabalho em situação de rua, na condição de trabalho infantil. Essa é uma coisa. A outra é que muitos meninos, muitos desses meninos e meninas estavam já numa fase da adolescência, muito bem crescidos, pensando literalmente e nós queríamos aproveitar esses meninos, inclusive do ponto de vista de potencialidades que a

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gente já tinha identificado, não é? Então foi a partir daí também, com um dado que eu não trouxe, construir essa historia de Guarulhos, dessas duas comunidades, mas tendo os meninos e as meninas enquanto protagonistas no sentido de ir construindo, participando, viabilizando desse processo da elaboração e discussão e “pesquisação” etc. Esse é um dado. O outro, que ai concatena com a sua pergunta, é que primeiro, a gente tem informação de que essas pessoas que são de Guarulhos, ela já tem uma historia, elas são oriundas na verdade, de pessoas de Guarulhos que vieram na realidade que são da região Nordeste, por exemplo e no Nordeste nós temos, agora nós sabemos, nós estamos falando da década de 50, 60 , na verdade se não me engano na historia da Hatsuda ou do Quinze é mais pra trás ainda, ou seja, então você tem na realidade uma quantidade de pessoas que vieram do Nordeste pra cá em 50 e 60 e são pessoas que tem ainda, tinham ainda essa cultura da comunidade, dos laços comunitários, da cultura popular, dessa coisa do conversar com o outro, do estabelecimento do contato um com os outros, né? Então isso é muito forte. E, na realidade parte dessas famílias de certo modo, elas mantém isso ou tem, do ponto de vista de tradição, deveria ter, mas qual que é a questão. Nós estamos falando de grupos que vieram pra cá, toparam com um Guarulhos hoje que se tornou uma cidade a nível metropolitano, e ao mesmo tempo começam a embrenhar essa cultura da metrópole que é aquela coisa dentro dessa dinâmica de elaboração das coisas, então essa pessoa mergulha também nessa dinâmica. Então qual que é, qual foi, o que acaba sendo na verdade um dos desafios nossos? Primeiro, resgatar essa importância dessa escrita, da arte de contar historia, de falar da cotidianidade, de dialogar sobre a cotidianidade, ou seja, esse resgate histórico de se contar historia. Fazer com que a gente consiga interligar o resgate da cultura, da historia e da memória por meio também da oralidade que é uma tradição muito forte, se a gente for pegar, na região Nordeste do Brasil, né? O Brasil tem uma tradição muito forte também dessa cultura da oralidade, dessa arte de contar a historia por meio da oralidade. E, como não é diferente, então você tem, pensando no caso dessas duas comunidades, você tem pessoas que vieram pra cá no período de 50, 60 e também que traziam essa cultura do contar, do dialogar e etc. Então a gente também fez essa opção por isso ainda e mais um ponto em relação ao titulo da historia, né, do projeto, que é Contos e Lendas, que é a partir dos contos, da historicidade das pessoas que ali estão há muito tempo, elas passam a contar

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a historia através também da oralidade, de uma historia de baixo pra cima, onde possibilita, acaba possibilitando construir essa historia. Como é que você veio parar aqui? Como que isso ocorreu? Da onde você veio? Quais as condições que fizeram com que você viesse morar nesse bairro, né? Quanto tempo você mora? Quantas gerações já temos, por exemplo, no Hatsuta e Quinze? Se nós estamos falando da década de 50 e de 60, então por exemplo acho que nós temos no máximo uma quinta geração mais ou menos. O projeto ainda esta trabalhando. Mas veja esse foi o desafio nosso, de catalogar, resgatar a história, valorizando a cultura da oralidade, reconhecendo também a questão identitaria das pessoas que ali estão, a sua origem etc e a partir disso tentar construir uma historia de baixo pra cima. Entrevistador: Aproveitando a palavrinha da moda, qual o legado que esse projeto dos Contos e Lendas deixa, primeiro pra cidade, pras duas comunidades, pras crianças e adolescentes que participaram delas e, de maneira geral, pra educação social e popular? Entrevistado: Eu penso que o primeiro legado é, ter colocado do ponto de vista documental da historicidade, colocar, inclusive pra aqueles que terão acesso ao material, colocar no mapa de Guarulhos essas duas comunidades que historicamente foram esquecidas. E que só são lembradas, somente no momento em que o Estado de coloque quanto o debatedor do comercio ilegal de droga, da questão do crime existente na sociedade, então esses locais acabam sendo foco de procura enquanto na verdade a gente sabe que existe isso em outros lugares, ou seja, o que eu estou querendo chamar a atenção é que essas duas comunidades sejam lembradas enquanto um local que tem pessoas que produz história, que tem uma historicidade, que tem cultura, que na realidade são pessoas que também contribuem pra riqueza e pra dinâmica social do município de Guarulhos. Nós estamos falando de trabalhadores, seja formal ou informal. Nós estamos então nos referindo a pessoas que contribuem pra essa dinâmica de Guarulhos, porem, todavia, entretanto elas são desassistidas, elas são discriminadas, elas são estereotipada, e impedidas de acessar aquilo que é produzido por Guarulhos e por eles também. Então o primeiro legado é esse, é coloca-los no mapa e demonstrar também que Guarulhos , além dela ser essa cidade modelo, metropolitana, ela também precisa enfrentar suas contradições.

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E, enfrentar suas contradições é também reconhecer que há uma divida histórica com essas comunidades. E essa divida ela precisa ser paga. Como? Com um maior olhar, com uma maior visibilidade, menos discriminização e criminalização e esteriotipação. Ou seja, reconhecer que há uma divida para com essas duas comunidades. Então esse é o primeiro legado. O segundo legado, que me parece importante, é de poder, a partir da historicidade de Guarulhos, ou melhor dizendo, dessas duas comunidades a gente poder acreditar na potencialidade que existe dos meninos e meninas e de todos aqueles que participaram do projeto. Nós estamos falando de um local que, em tese, não há nem o credito do ponto de vista de despertar potencialidades e há muitas, conforme eu já havia mencionado. Você tem pessoas que tem uma produção histórica, que tem um papel significativo do ponto de vista, são seres humanos, né. Por só, o fato de reconhecermos que são seres humanos, nós estamos falando aqui que é um ser social, que tem uma historicidade e uma dinamicidade e que tem cultura. É ser, ser no sentido mais pleno né, não tem outro... Então acho que esse é um legado importante. Um outro legado que me parece significativo é: a gente coloca, dentro de um contexto, da historia de Guarulhos, esse local que precisa também ser reconhecido enquanto espaço autentico, não enquanto um gueto invisível que precisa enfrentar essa situação não enquanto um problema de Guarulhos. O problema da Hatsuta e Quinze não é um problema. Quem criou isso por conta das contradições existentes no seio do próprio Guarulhos. Agora, o que não dá pra achar que eles que na realidade são um problema de Guarulhos. Você percebe que eu tentei colocar que o Quinze não é um problema de Guarulhos para o município. O município vê como um problema mas na realidade, o que esta posto é: são pessoas que participam da dinâmica da vida social de Guarulhos e que precisam ser reconhecidas como parte significativas desse município e que não precisam ser lembradas apenas nos momentos de combate, violência, criminalidade ou a venda ilegal da droga ilícita por exemplo no caso de Guarulhos e precisa ser lembrado em um outro sentido. E ai o legado também passa por esses desafios, que é em tempos hoje, onde o mundo não se valoriza a historia, onde não se tem a historicidade, onde nós nos preocupamos com o presente, o futuro não existe mais e tão pouco o passado, então quer dizer, o legado vai nesse sentido de resgatar essa historia, de buscar essa historia, de historicizar, demonstrar como eram, com se formou

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essas comunidades, como elas são e como elas podem ser. Mas podem ser, não na perspectiva estereotipada, discriminatória, etc etc, mas como elas podem ser na perspectiva dos moradores que ali estão, ou seja, por isso a gente pensou numa construção de uma historia de baixo pra cima, uma historia não oficial, uma historia regrada, né, dessa historia desfacelada, mas demonstrar que eles fazem parte de uma contradição de Guarulhos e que precisa ser enfrentada, mas não na criminalização porque lá há pessoas na sua totalidade que o município deve, que o Estado deve. Alias nós estamos falando de Guarulhos, que volto a dizer, a é a terceira maior, a segunda maior região metropolitana, o segundo maior município metropolitano do Estado de São Paulo em que mais se arrecada. Onde você tem o maior aeroporto, o maior Infraero, você tem as maiores empresas. Rota da circulação da mercadoria do Estado todo e que faz parte dessa teia do escoamento de mercadoria para o Brasil e no entanto você tem dois municípios, onde são invisíveis que só são olhados, volto a dizer, numa perspectiva estereotipada, discriminatória etc etc

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fon tes 59


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fontes http://novo.guarulhos.sp.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=61&Itemid=292 https://www.youtube.com/watch?v=Avq19dTB4mU http://www.pmmr.org.br/index.html http://www.guarulhosweb.com.br/noticia.php?nr=45231

pesquisa http://novo.guarulhos.sp.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=61&Itemid=292 https://www.youtube.com/watch?v=Avq19dTB4mU http://www.pmmr.org.br/index.html http://www.guarulhosweb.com.br/noticia.php?nr=45231

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