Índios e Registros Fílmicos... Reflexões sobre Filmes Etnográficos Produzidos por Pesquisadores Vinculados ao Laboratório Antropologia Visual em Alagoas Sílvia Martins/UFAL (silvia.martins@pq.cnpq.br)
III LEME, 26 a 28 de agosto de 2010, UECE, Fortaleza Mesa-Redonda: Congresso Acadêmico UFAL 2010 18 a 22 de outubro de 2010
Filmes … o Filme Etnográfico… No AVAL, um total de 28 filmes produzidos sobre índios
(a partir do ano de 1996 está) organizado em acervo. Dentre esses, 14 filmes fazem parte de produção relacionada a pesquisas e pesquisadores vinculados diretamente ao AVAL
Considero que o filme etnográfico esta associado ao filme
documentário, enquanto “representaç[ão]... de uma parte do mundo histórico” (NICHOLS 2008, p.30), e que é realizado a partir do “projeto etnográfico” (PINK 2004, p.79).
Tipos de Filmes Documentários Dentre os seis subgêneros do gênero documentário, Nichols
os define, enquanto modos de representar o mundo histórico, como: o poético, o expositivo, o participativo, o observativo, o reflexivo e o performático Nichols aponta que: “A identificação de um filme com um certo modo [subgênero] não precisa ser total... As características de um dado modo funcionam como dominantes num dado filme: elas dão estrutura ao todo do filme, mas não ditam ou determinam todos os aspectos de sua organização. Resta uma considerável margem de liberdade” (NICHOLS 2008, p. 138)
O modo poético explora: ...associações e padrões que envolvem ritmos
temporais e justaposições espaciais... [possibilitando] formas alternativas de conhecimento para transferir informações diretamente, dar prosseguimento a um argumento ou ponto de vista específico ou apresentar proposições sobre problemas que necessitam solução... [enfatizando] mais o estado de ânimo, o tom e o afeto do que as demonstrações de conhecimento ou ações persuasivas. O elemento retórico continua pouco desenvolvido (NICHOLS 2008, p. 138).
Modo expositivo: ... agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais
retórica ou argumentativa do que estética ou poética... [dirigindose] ao espectador diretamente, com legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a história ... adotam o comentário com voz de Deus ou utilizam o comentário com voz da autoridade (o orador é ouvido e também visto) ... dependem de uma lógica informativa transmitida verbalmente... as imagens desempenham papel secundário. Elas ilustram, esclarecem, evocam ou contrapõem o que é dito... o comentário... [é] associado à objetividade, ou onisciência (NICHOLS 2008, p. 142-146).
Modo reflexivo: “São os processos de negociação entre cineasta e
espectador que se tornam o foco de atenção... falando não só do mundo histórico como também dos problemas e questões da representação... os documentários reflexivos pedem-nos para ver o documentário pelo que ele é: um constructo ou representação”... (NICHOLS 2008, p.162, 163) [O filme Interseções (14’) Nesse filme, Marcos Albuquerque se introduz tomando jurema que é servida a ele em contextos rituais dos Kapinawá e entre os Atikum. Seria um filme reflexivo? Segundo Glauco Machado tratase de um filme do tipo participativo]
Modo participativo: ... vemos... que o cineasta e as pessoas que representam seu
tema negociam um relacionamento, como interagem,... é a verdade de uma forma de interação, que não existiria se não fosse pela câmera ...dá-nos uma idéia do que é... estar numa determinada situação e como aquela situação consequentemente se altera... [pode-se também] querer apresentar uma perspectiva mais ampla, frequentemente histórica em sua natureza... a entrevista representa umas das formas mais comuns de encontro... num campo de trabalho antropológico... usam a entrevista para juntar relatos diferentes numa única história (NICHOLS 2008, p.154, 155; 159).
Observações iniciais: Cienciazinha Turká (1996. Direção: Mércia Batista/UFCG e
Rachel Rocha/AVAL/UFAL) - filme dentro do modo
performático que será abordado mais adiante quando me referir ao filme Os Guerreiros Tingüi-Botó a abordagem sobre questões territoriais vinculada ao registro de
práticas de religiosidade indígena. Considero que esse filme já revela o que tentarei aqui enfatizar: que as temáticas abordadas pelos antropólogos refletem problemas e questões postas pelos próprios índios, enquanto assuntos que eles apresentam, ao mesmo tempo em que os filmes tratam de algo que os próprios antropólogos buscam registrar através de seu interesse teórico. É através dessa negociação ou conversação, como Pink (2004, p.79) explica, “que o conhecimento é produzido.”
Filmes do modo participativo: Essa negociação também marca o que é característico do modo participativo, O filme Assumindo Minha Responsabilidade (2008, duração: 24’), cuja direção, edição e fotografia é de Ricardo Dantas Borges Salomão, com roteiro dele e de João Pacheco de Oliveira Filho/LACED/MN/UFRJ registra, como explicam: ...”o I Encontro de Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial através de depoimentos de líderes indígenas que relatam suas experiências, reivindicações e dificuldades encontradas nesse processo de reconhecimento da identidade étnica indígena. Dessa forma, há uma abordagem, a partir de perspectivas nativas, de uma temática bastante contemporânea sobre processos de etnogênese de povos no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil.”
Filmes que focalizam de forma mais direta as práticas ritualísticas O Menino do Rancho (2004, duração: 20’) cuja
direção é de Celso Brandão. Geripancó: Uma Semente no Sertão (2005, direção: Juliana Barretto e Ana Laura Loureiro, duração: 5’:25). Trata-se de um filme em que índios relatam suas experiências com o xamanismo praticado entre os Geripancó a partir de depoimentos e com cenas inclusive a voz e presença da antropóloga realizando entrevistas
Filmes que focalizam de forma mais direta questões de terra: Um Dia Encantado Entre-Serras (2005, direção: Juliana Barretto
e Ana Laura Loureiro, duração: 5:26min) que registra a celebração da regularização de uma terra localizada na Serrinha chamada Entre-Serras, área indígena Pankararu. Ponta-de-Rama (2007, duração: 18') da direção de Juliana Barretto, apresenta dados etnográficos das etnias presentes no sertão alagoano Katokinn, Koiupanka, Kalancó e Karuazú, “A argumentação desse documento teve como tema central, as relações étnico identitárias desses povos, expressando representações através de uma delimitação: O xamanismo como propulsor de identidades indígenas no sertão alagoano. São focados momentos de exaltação desses traços diferenciais de etnias resistentes.”
Exemplo de abordagem de ritual: As Corridas do Umbu Karuazu (2010, direção:
Juliana Barretto, duração: 29’) trata-se de um filme em que prevalece o modo participativo, mesmo que Barretto não apareça diretamente, nem sua voz esta presente, durante todo o filme os índios estão falando com ela, isso fica explicito. Daí, a sua presença é marcante, e as entrevistas juntamente com longas tomadas que poderiam sugerir o uso do modo observativo, mas é o modo participativo que prevalece.
Modo observativo: Filme: Toré de D. Iracema, Fragmento da Performance do
Ressurgimento Koiupanká: o modo observativo de representação, quando em tempo real, o filme focaliza D. Iracema cantando um toré e uma índia presente incorporando um espírito, cantando também e emitindo sons guturais que sugerem uma vivência de estado de possessão. Sobre esse modo observativo, Nichols aponta que: “...[são] filmes sem comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas para a câmera e até sem entrevistas... [dando] a idéia da duração real dos acontecimentos” (NICHOLS 2008, p. 147; 149).
Filmes de Ana Laura Loureiro Ferreira Os Guerreiros Tingui-Botó (2009, Duraçäo: 19’:2 De acordo com Nichols, o modo performático ...”tenta demonstrar como o conhecimento material propicia o acesso a
uma compreensão dos processo mais gerais em funcionamento na sociedade”... ...”o significado é claramente um fenômeno subjetivo, carregado de afetos.... experiência e memória, sublinha a complexidade de nosso conhecimento do mundo ao enfatizar suas dimensões subjetivas e afetivas “(NICHOLS 2008, p. 170). Assim, Os Guerreiros Tingui-Botó exemplifica caso exemplar de uma produção do AVAL dentro do modo performático, por esse apelo a uma explicação que os jovens Tingui-Boto fazem, a partir de suas compreensões subjetivas, a localização que eles estão no mundo indígena.
Filmes de Ana Laura Loureiro Ferreira Para Outra Geração (2010, duração: 19’:27’’). quando se coloca como diretora, cuja produção alem dela
mesma, cita o povo indígena Tingui-Boto. Nesse último filme, Ferreira explora o modo participativo, embora alternado com o modo performático, por aparecer no próprio filme entrevistas sendo feitas entre os próprios índios. A informação que ela apresenta e analisa na sua dissertação é exatamente como sua pesquisa foi guiada pela interferência dos próprios sujeitos que opinaram para quais registros audiovisuais deveriam ser priorizados. Daí, Ferreira relata e analisa as mudanças de temáticas e orientações de sua pesquisa no decorrer da convivência com os Tingui-Boto.
Filmes de Siloé Amorim (todos incluídos na tese de doutorado) A Força do Ajucá (duração: 23min), Promessa de Clenio Karuazu em Imagem (27min), As Promessas de Dona Pedrina e Dona Enedina
no Processo de Resistência Koiupanká (29.min) . Promessa de Clênio em Imagens O Toré de D. Iracema, Fragmento da Performance do Ressurgimento Koiupanka [modo observativo]
Filmes de Marcos Albuquerque Eu Venho é do Mundo (duração: 15`:19``) Marcos
Alexandre Albuquerque Jurema: Raízes Etéreas (<http://vimeo.com/14298979>) que contou com apoio do LACED/Museu Nacional/Fundação Ford e a UFCG (2002, duração: 40`), “Joguei a Semente pra Cima” (<http://vimeo.com/14309562>), (2004, 16’:16’’) “Ai que prazer que alegria Kapinawá” (2006) Meu Atikum (2005, duração:9’:40’’) São Paulo: A Terceira Margem Pankararu" (2009) Promessa Pankararu (2010)
Exemplos de Filmes produzidos na Paraíba: GT Indígena: Monte-Mór é Nossa Terra (2005, 54’), Sou Potiguara (2005, 51’) Maria Cabocla. (2005, 31’): Este último pode ser considerado dentro de uma
abordagem performática, focalizando as experiências subjetivas de diferentes mulheres e gerações. Elas relatam suas experiências e sonhos através de entrevistas, e assim também é utilizado o modo participativo .
Indigenas Digitais (26’)_de Sebastian Gerlic... Produção alternativa! _que se enquadra no tipo performático também. É um filme que os
índios depõem, mostram suas subjetividades... “...intimidade dos indígenas de diversas etnias com o uso de variadas tecnologias. Você ainda acredita no mito que nossos índios vivem completamente isolados em suas aldeias? Então veja o quanto está enganado. Integrantes de várias nações indígenas, como a Tupinambá (BA), a Pataxó Hahahãe (BA), Kariri-Xocó (AL), a Pankararu (PE), Potiguara (PB), Makuxi (RR) e Bakairi (MT) relatam como celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, computadores e, principalmente, a internet vêm sendo ferramentas importantes na busca das melhorias para as comunidades indígenas e nas relações destas com o mundo globalizado.” <http://www.colunazero.com.br/2010/05/indigenas-digitais-eglobalizados.html>