O Casamento do Saci-Pererê
Pedro Miguel Miralante
Ilustrações Thiago Vaccani
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica feita pelo autor Miralante, Pedro Miguel, 2012 O Casamento do Saci-Pererê / Pedro Miguel Miralante ; ilustrador Thiago Vaccani, 1ª edição. — São Paulo: PerSe, 2012 52p. ; 21cm. 1. Literatura infanto-juvenil. 1. Título CDD: 028.5 CDU: 821.134.3(81)-343
Para o tratamento das imagens, foi utilizado o software GIMP, versão 2.6.11 — disponível em www.gimp.org.
Ă?ndice Dedicando ................................................... 5 PrefĂĄcio ....................................................... 6 Sinopse ........................................................ 7 Iniciando ...................................................... 8 O Plano ...................................................... 10 O Namoro.................................................. 22 O Casamento ............................................ 29 O Grande Dia chegou! .............................. 45
Dedicando Este livro é dedicado aos pais, professores e crianças de todas as idades. É dedicado, também, à Monteiro Lobato e todos os escritores de lendas que dão vida aos mitos do nosso folclore, do folclore brasileiro. Pedro Miguel Miralante
Prefácio O Casamento do Saci-Pererê é o primeiro livro infanto-juvenil de Pedro Miguel Miralante. Outros virão. A ideia deste livro começou em um curso de contadores de histórias, sendo o fruto de um debate sobre as figuras do nosso folclore. Thiago Vaccani, que ilustra este livro, é desenhista profissional sendo este o seu primeiro trabalho na área de ilustração em livros. O Casamento do Saci-Pererê é dirigido aos pequenos; aos Pais e Professores, eternos contadores de histórias e também, ao adulto que deseja, uma vez ou outra, lembrar-se do seu tempo de criança. Pedro Miguel Miralante é o pseudônimo de quem assina este prefácio. Silvio T Corrêa
Sinopse Na floresta, nos arredores da pequena e bonita cidade de Niltão da Conceição, dois amigos conversam sobre a tristeza em que anda o Saci-Pererê. Querendo acabar com essa tristeza, bolam um plano para casar o Saci-Pererê, que realmente anda cabisbaixo, sem fazer suas traquinagens normais. A vila de Niltão da Conceição fica em polvorosa com a notícia e todos querem ajudar e participar, mas nem tudo são flores e acontece um contratempo que poderá por tudo a perder.
Iniciando
C
omo vocês sabem, as nossas florestas são cheias de seres mágicos.
São tantos que o espaço neste livro seria pequeno para colocar o nome de todos. Os sacis, por exemplo, são personagens que vivem em nossas matas, brincando, fazendo travessuras, mas também protegendo as árvores, os animais e todos que vivem na floresta. São vários sacis. Dizem até que nas noites de tempestade, de cada gomo do taquaruçu — um bambu muito grande — nascem 7 novos sacis que viverão 77 anos. Então, vocês já viram a quantidade de sacis que existem! A nossa história quem nos conta é Miguel,
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nascido na cidade, mas que hoje só a visita. Ele nos diz que essa aventura, que aconteceu nos arredores da cidade de Niltão da Conceição, é sobre o casamento do Saci-Pererê e tudo que ocorreu. Mas não esqueçam: estamos falando sobre o saci da nossa história, que se chama Saci-Pererê. Ainda não sabemos se ele, realmente, vai casar, mas se isso acontecer, sempre haverá outros sacis para proteger nossas florestas. Um plano está sendo posto em prática. Será que eles vão conseguir? Vamos conhecer a história!
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O Plano
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N
os últimos tempos, Saci andava triste e cabisbaixo. Não sentia vontade de brincar,
nos animais o cabelo trançar ou com as criadas, a comida queimar. — O que está acontecendo comigo?
—
Perguntava para o seu reflexo no lago. Dentinho, um esquilo amigo, tinha lá suas ideias quanto às tristezas de Saci. Contudo, nada falava, pois tinha receio de o amigo ficar chateado. 11
Afinal, Dentinho não tinha nada a ver com isso. Pedro Molengão, uma doce preguiça, tinha também suas desconfianças e chamou Dentinho para uma conversa sobre o amigo Saci. — Dentinho, o que você tem achado do Saci? — Nem me fale Molengão, pois estou muito preocupado. Ele agora só fica na beira do lago olhando para o próprio reflexo, como 12
se esperasse uma resposta. — Eu acho que Saci está precisando casar. — Rapaz, você sabe que eu também tenho pensado nisso. Depois de tanta travessura, vai ver que está cansado e quer constituir uma família pra sossegar. — Pois é, mas aonde vamos encontrar uma namorada para ele? — Vamos pensar... Vamos pensar... — Olhe quem vem lá, Dentinho. É o Curupira!
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Curupira, cansado do trabalho de assustar os caçadores que caçam por diversão, sentou-se à sombra de uma mangueira e enquanto saboreava o fruto dessa árvore, prestou atenção nas conversas de Dentinho e Molengão e falou: — Ah! Eu não quero saber desse negócio de casamento do Saci. Já tenho muitas preocupações. — Bem, pensando melhor, acho que tenho uma ideia. — Então diga. — logo se adiantou Dentinho. 14
— Nesta semana virá uma prima distante para me visitar. Uma tal de Curupiara. — Ô Curu, o nome dela é muito parecido com o seu. — Molengão deu o ar da graça. — Eu sei. Dizem que o nome é em minha homenagem. — Pois então tá resolvido! — Dentinho e Molengão disseram ao mesmo tempo. — Resolvido o que, gente?
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— Você traz sua prima para conhecer o Saci e nós damos uma forcinha. — Hiiii! Sei não... Bem, também não tenho nada a perder. Está combinado! Marcaram tudo direitinho, de modo que Saci não desconfiasse de nada. E a vida na floresta continuava. Os esquilos construíam seus diques, a coruja continuava prestando
atenção
em
tudo,
as
serpentes
passeavam com seus corpos esguios. Tudo estava normal, menos o nosso amigo Saci-Pererê.
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No quintal da casa de Dona Clementina, na roda de amigos, enquanto assavam batatas no braseiro do pequeno forno, o comentário era geral. Não
se
ouvia
mais
falar
de
crianças
desaparecidas, de pipocas sem estourar ou viajantes perdidos. A floresta andava muito quieta nos últimos tempos. Seu Teco, o dono da venda, comentou: — Eu até tava falando pro compadre que o Saci tem andado muito parado. Não se ouve 17
mais o assobio dele. Na verdade, pouca gente já viu um saci, ou pelo menos diz que viu. Uns porque realmente não viram e outros porque têm medo de dizer que viram. O nosso Saci, contudo, andava mesmo triste, sem saber como resolver aquela “dor” no coração. Era falta de amor, mas o Saci ainda não sabia. No dia combinado e na hora marcada, Curupira chegou com Curupiara.
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Curupiara tinha os cabelos negros, da cor do breu e os dentes branquinhos, da cor da nuvem. Só dava pra ver que era parente do Curupira porque tinha os pés virados para trás. Curupiara também defendia as florestas, mas agia diferente. Ela encantava todas as pessoas que desejassem fazer mal aos bichos e plantas, convencendo-as a cuidar das florestas e de todos os animais. Assim, as pessoas retornavam às suas casas como protetoras da fauna e flora.
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Saci, agachado que estava, olhando para o lago, viu o reflexo de Curupiara e deu um pequeno sorriso, quase deixando seu cachimbo cair — ninguém notou. Ajeitou a toca vermelha e numa cambalhota pra trás, ficou de pé. Saci e Curupiara foram apresentados e daquele dia em diante só se via os dois conversando. — Dentinho disse que viu os dois de mãos dadas, mas ele é muito fofoqueiro e não dá pra ter certeza.
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— Esse Saci! Não sei não. Acho que a floresta vai perder um dos seus sacis. — Deixa de besteira Dentinho. Curupiara não vai deixar o Saci parar de fazer as bebidas à base das ervas. Como vamos nos curar das doenças, sem o nosso saci? — Logo aparecerá outro saci por aqui. Não demora e dos gomos de taquaruçu nascerão 7 novos sacis, que viverão 77 anos. — Bem, vamos cuidar das nossas vidas e aguardar os acontecimentos.
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O Namoro
22
N
ão foi surpresa alguma quando Saci e Curupiara
anunciaram
que
estavam
namorando e em breve se casariam. A novidade girou a floresta como se estivesse em cima do redemoinho do Saci. Em pouco tempo, pessoas, bichos, duendes e tantos outros, já sabiam do casamento. Todos queriam participar. Até a Mula Sem Cabeça, o Lobisomem, o povo 23
mágico da floresta e o pessoal da vila, se apressaram em confirmar a presença. No entanto, muito precisava ser feito antes. A primeira providência do Saci-Pererê foi avisar para todos os sacis que a presença deles, no casamento, era obrigatória. Os segredos para mexer com as ervas e onde elas se encontram, só os sacis sabem e não podem contar a ninguém. Era preciso garantir, pelo menos, um saci naquela região da floresta.
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Curupiara também precisava acertar algumas coisas para que a sua falta, na região onde morava, não fosse sentida, e a floresta não fosse prejudicada. Seguiu, então, para a sua casa. Afinal, Saci e Curupiara eram protetores das florestas e tinham suas responsabilidades com as plantas, os animais e as pessoas. Mas algo inesperado aconteceu. Curupiara não voltou. O tempo foi passando e nada de Curupiara voltar da floresta onde vivia. Saci25
Pererê andava muito preocupado com aquela demora. O que ele não sabia, é que sua noiva estava tendo dificuldades em conseguir alguém para substituí-la na floresta onde morava. Curupiara ainda é um ser mágico muito raro, diferente dos sacis, curupiras e tantos outros. A maioria das mulheres do povo “com os pés pra traz”, não faz o bonito e útil trabalho de Curupiara. Assim, era preciso tentar convencer as líderes para colocar a tarefa em prática.
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Um barulho , como o vento, de repente se ouviu. Vuuuuuuuuuuuuuuuuu! Novamente se repetiu. Vuuuuuuuuuuuuuuuuu! Curupiara, então, avistou um gorro vermelho dentro de um pé-de-vento. Era o Saci-Pererê. — O que houve Saci? O que faz por aqui? — Ora, você não apareceu e eu vim ver o que estava acontecendo. — É que eu não consigo encontrar alguém para ficar em meu lugar. Já tentei de tudo e não 27
sei mais o que fazer. — Eu acho que tenho uma ideia que pode dar certo. Convide todos para o casamento e vamos embora. No caminho eu explico a você. Iiiiiiiiieeeeeeeeeeeeeeee!
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O Casamento
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D
ona Clementina e as mulheres da região, já estavam empenhadas nos preparativos de
doces e salgados, além do bolo de casamento. Os
homens
ficaram
responsáveis
pelos
refrescos e refrigerantes. Alguém quis incluir cerveja, mas Saci não permitiu. Em uma clareira da floresta, Saci e Curupiara conversavam. 30
— Diga Saci, qual a sua ideia para resolvermos o meu problema? Como vamos encontrar alguém para ficar no meu lugar? — Fique tranquila e ouça: Depois do casamento nós vamos embora e ninguém precisa saber para onde. — Tudo bem, mas ainda não estou entendendo. — Pois é. Nós iremos para floresta onde você morava e iremos treinar alguém. Assim, poderemos ficar tranquilos em ter
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outra curupiara protegendo as florestas. — E nós vamos morar lá? — No início terá que ser e depois... Bem, depois nós veremos o que acontecerá. Os dias passavam rápidos. Parecia que o sol nascia e, logo após, descia no horizonte. O refrigerador, da venda do seu Teco, já estava quase cheio de refrigerantes e salgadinhos que seriam servidos no dia da festa. Dona Terezinha, a prendada costureira da vila, ficou responsável por fazer o vestido de noiva de
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Curupiara. O tecido e os aviamentos já tinham chegado, mas faltavam alguns detalhes. Todos trabalhavam pelo sucesso do casamento. Bem, quase todos. Um menino, muito maroto, que atende pelo apelido de Tim, andava com umas ideias estranhas. Tim conseguiu o apelido, de tanto espirrar. Tim! Tim! Tim! — e alguém respondia: “Saúde!” O nariz? Tão vermelho que dava dó; parecia
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um pimentão. A única coisa; o único remédio que aliviava os espirros de Tim, era a beberagem feita pelo Saci-Pererê. Tim estava apavorado com a possibilidade de não ter mais o remédio e pensava em uma maneira de impedir o casamento. Claro que ele não sabia que outro saci cuidaria de tudo, inclusive dele. E como ele não sabia... Tim pensou em um plano para esconder o vestido de noiva de Curupiara e se não desse certo, “caçaria” o Saci-Pererê com uma rede.
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Já era madrugada e com uma noite sem lua, no vilarejo onde morava Dona Terezinha. Tudo muito quieto e muito escuro. Não se enxergava nada. De repente, acendeu uma luz! Era Tim, com uma pequena lanterna. O menino tremia de medo ao ouvir os barulhos da noite. Ficava olhando para um lado e para o outro, perguntando: Quem está aí? Quem está aí? Ninguém respondia. Ninguém, na vila, fechava as portas com trinco ou chave. Nunca houve um assalto sequer, até aquele dia. Devagar, um pé depois do outro, bem devagar, Tim entrou na casa da Dona Terezinha. Achou o que queria sem qualquer problema. Pegou o vestido de noiva, enrolando-o de qualquer maneira e foi saindo.
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Já estava com um pé fora da casa, quando o outro pé esbarrou e derrubou uma mesinha. Rapidamente
Dona
Terezinha
acordou
já
perguntando: “Ei! Quem está aí?” Tim espirrou e saiu em disparada, sumindo na escuridão. Não passou o tempo de dez minutos e todos já
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estavam fora de suas casas, sabendo que alguém tinha roubado o vestido de noiva de Curupiara. A notícia correu a floresta como o vento. Curupiara, que dormia na casa de Dona Clementina, já estava presente, e uma lágrima corria dos seus olhos verdes. Vuuuuuuuuuuuuuuuuu! O Saci-Pererê logo chegou. Dentinho e Molengão, com muita preguiça, chegaram pouco depois.
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— Eu não sei se eu ainda estava sonolenta, mas achei que ouvi alguém espirrar. — disse Dona Terezinha. — Espirrar? Que coisa estranha. Não conheço ninguém, na região, que esteja resfriado. — comentou o Seu Teco. — Espirrar... espirro... espirrar. — Pensava alto o Saci-Pererê. — O que foi Saci? — Tem alguém que vive espirrando... — O Tim! — Todos falaram juntos. — Bem, então vamos dormir e pela manhã resolveremos isso Pela manhã, na floresta... — Sãci! Sãci! Ô Sãci-Pererê! Tim, tim, tim! Vuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! — Saúde! Quem está me chamando? 38
— Sou eu, Tim. — Foi bom o “senhor” aparecer. Precisamos ter uma conversa longa. — Eu só preciso do remédio que você prepara. — Antes, me responda: Que negócio é esse de roubar o vestido da minha noiva? Isso não se faz. — Eu? Eu não roubei vestido algum. Deve ter sido outra pessoa. — Ah é? Quem mais anda espirrando por aí?
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— Sei lá! Um viajante qualquer. — Tudo bem; você não quer contar a verdade. Então, pode esquecer o remédio. — Ah não! Isso não! Tudo bem, eu conto a verdade. Fui eu sim que escondi o vestido, mas não foi para deixar você, Curupiara ou alguém triste. Eu estou com medo. — Medo do que Tim? Tem alguém fazendo maldade com você?
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— Não! Medo de não ter mais o remédio que você prepara.. Olhe o meu nariz como está? — Senta aqui, do meu lado, Tim. Vou contar uma história pra você... E Saci-Pererê contou toda história, explicando que existem diversos sacis e que a floresta, mesmo com o casamento, nunca ficaria sem um protetor, sem alguém que preparasse os remédios necessários. Assim, Tim acalmou o coração e entregou o vestido de noiva de Curupiara, que ele havia
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guardado com muito cuidado. A paz voltou à floresta, mas a calma? A calma estava bem longe, tão grande era a correria para a festa de núpcias. Quem celebraria o casamento? Era a grande dúvida de Saci e Curupiara. A coruja, Dona Sabida, propôs uma solução: “O Pai Universo e a Mãe Natureza estão presentes em todas as religiões. Então, o ideal é que fizessem uma cerimônia onde todas as religiões fossem respeitadas.” Saci e Curupiara não queriam magoar as pessoas da vila e tampouco os animais, seres e pessoas da floresta. Concordaram em convidar, para a benção da união, todos os representantes de religiões e crenças. Quem quisesse vir, seria bem-vindo. Enquanto isso, em outra parte da floresta, 42
numa bonita clareira iluminada pelo sol, os seres e animais da floresta cuidavam de enfeitar o local para a importante cerimônia. Foram colhidas dezenas de variedades de belas flores; bambus trançados foram utilizados na entrada da clareira; alguns bancos de bambu “costurados” com cipós permitiriam que as pessoas sentassem durante a cerimônia. Finalmente, tudo estava pronto e...
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O Grande Dia chegou! Diziam que nunca acontecera tamanha festa naquela região, nem mesmo no casamento de Moça Josefa, filha do homem mais rico da região. A mesa estava farta. Tinha bem-casado, olhode-sogra, escondidinho no brigadeiro, beijinho, bombom de maçã e outros doces que Dona Clementina fez especialmente para o casamento. Após o casamento, Saci-Pererê e Curupiara, entraram no pé-de-vento e sumiram no mundo.
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Ninguém soube mais deles, nem mesmo Molengão ou Dentinho. Contudo, corre uma lenda, contada de boca-aboca, que em algum lugar da Amazônia existe uma aldeia diferente. Mulheres, com os pés pra trás, protegem a fauna e a flora. Mas não é só isso. Existe uma família diferente, pois os filhos são negros, de olhos verdes, usam gorros vermelhos e têm os dois pés virados para trás. Quem será essa família?
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Ei! Você mesmo que está lendo! Chega bem perto para ninguém nos ouvir. — Nós sabemos, não é! Psiu! Mas não conte pra ninguém.
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