Inovação estendida _ ensaio_Moysés Simantob

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Inovação Estendida para uma Rede de Conhecimento

Moysés A.Simantob



Fundação Getúlio Vargas Escola de Administração de Empresas de São Paulo

“ Inovação Estendida para uma Rede de Conhecimento ” Enriquecendo a Estratégia de Operações das Organizações

Professor: João Mário Csillag Autor: Moysés Simantob SP, abril de 2004


Resumo

As fontes de inovação menos exploradas, nos dias atuais, são aquelas que se localizam nas fronteiras das organizações. Fornecedores, parceiros e outros provedores de conhecimento sequer conhecem a estratégia corporativa da organização a que servem. E as organizações, por sua vez, deixam de potencializar o conteúdo advindo do capital imaginativo de dentro dessa rede de negócios. Este ensaio examina como a inovação pode ser ampliada para além das fronteiras tradicionais da organização, aumentando sua capacidade de desempenho econômico. Identifica novas competências necessárias para se explorar a inovação estendida por meio de alianças entre empresas e sugere uma metodologia para se transferir conhecimento e para se engajar adeptos a essa maneira de garimpar novas oportunidades, mudando a natureza da criação de valor da organização e de aprendizado na rede em que ela pertence.

Palavras-chave: Inovação, Estratégia, Colaboração e Integração de Redes de Valor, Competências Dinâmicas.

Introdução e Revisão Teórica

O objetivo deste ensaio é propor uma reflexão crítica e compreender o impacto do aumento da conectividade das organizações com a sua rede de negócios e seus efeitos no que se refere a inovação ampliada, entendida como “a mudança que cria uma nova dimensão de desempenho”, (Hesselbein, Frances; et alii; 2002).

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“Inovação não é invenção, nem descoberta. Ela pode requerer qualquer das duas – e com freqüência o faz. Mas o seu foco não é o conhecimento, mas o desempenho – e numa empresa isso significa desempenho econômico. A inovação é aplicável à descoberta do potencial do negócio e à criação do futuro. Mas sua primeira aplicação é como estratégia, para tornar o dia de hoje plenamente eficaz e para levar a empresa existente para mais perto do ideal”, (Drucker, 1998) .

E este ideal está muitas vezes além das fronteiras da organização e, em alguns casos, além das fronteiras da própria indústria.

Pesquisas sobre a indústria de biotecnologia têm mostrado claramente que o desejo para inovar e aprender com uma rede estendida de parceiros da indústria tem motivado a formação de fortes alianças, joint ventures e novos negócios.

A partir do início da década de 80 toda a indústria química entrou em um processo de reestruturação que indicava o fim de uma era de prosperidade iniciada no pósguerra. A indústria, incluindo-se as grandes empresas líderes do setor, iniciou um movimento em direção a outros segmentos, como especialidade química e a indústria farmacêutica, onde o conteúdo tecnológico e as margens de rentabilidade eram maiores do que no negócio tradicional de commodities. Nesse contexto, algumas indústrias se destacaram pela ousadia ao mover-se maciçamente em direção a um campo tecnológico radicalmente novo : a biotecnologia, (Accioly, Felipe et al. 2000).

Para se entender fenômenos como o acima citado, o presente ensaio utilizou-se dos conceitos desenvolvidos por Teece et al. (1997), de dynamic capabilities na tentativa de compreender a opção em explorar de novas maneiras a rede de negócios e as idéias de ‘Competindo pelo Futuro’, propostas por Hamel e Prahalad, em 1997, como a estrutura necessária para promover o processo de

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mudança organizacional que garantisse assumir uma nova posição de liderança intelectual do setor.

As organizações têm aumentado consideravelmente seus esforços em torna-se intensivas em tecnologia e conhecimento. Organizações de Capital Intensivo são organizações onde os recursos-chave são conhecimento e expertise em desenvolver novas fontes de vantagem competitiva, que tenham uma participação determinante nos lucros e permitem responder a necessidades únicas de clientes, criando uma vantagem de monopólio temporário. Inovação significa a criação de novos valores e novas satisfações para o cliente” (Drucker, 1989).

A aceleração dos ciclos de negócios (Barkema, et al., 2002) , provocada pela globalização da economia, pelo avanço da tecnologia e pela difusão do conhecimento, tornam clientes e mercados mais sofisticados e exigentes, o que reduz sobremaneira o ciclo de vida de produtos e serviços, cada vez mais focados em nichos (Slack e Lewis, 2002).

A Sony lançou 250 walkman em menos de 10 anos e a produção automotiva reduziu o tempo de atualização de novos modelos de 4 para 2 anos, e reduzirá mais ainda, nos próximos anos. (Sakuramoto, 2004). “Para as decisões de hoje serem bem tomadas, elas devem necessariamente ser apoiadas por uma boa visão de futuro – e este futuro deve ser de longo prazo para muitas destas decisões”. (Skinner, 1978).

Este ensaio sugere que as organizações adaptem ou reconfigurem seus processos para produzirem tantas inovações em seus ambientes internos, quanto no seu ambiente externo.

Não se trata de estimular organizações a comandarem sozinhas este processo, mas de provocar conexões derivadas da rede de negócios aonde atuam, que potencialize novas oportunidades cruzadas de negócios, ao longo de toda a rede.

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“No início dos anos 90, cresce a consciência de que o bom desempenho de um ‘nó’ da rede de negócios em que a empresa está inserida está atrelado ao bom desempenho de outros ‘nós’ dentro da rede a que ela pertence. Começam a surgir as chamadas VANs - value added networks”. (Corrêa, 2002).

Não se abordará, neste ensaio, eventuais distinções em como a inovação estendida se manifesta dependendo do tipo de indústria, por exemplo, entre indústrias maduras e emergentes ou indústrias muito ou pouco competitivas, o que poderá ser coberto em futuros ensaios.

Desenvolvimento dos Direcionadores da Inovação Estendida

Vários fatores atuais são direcionadores de Inovações Estendidas:

Redução dos custos de transação, que resultam na desagregação em unidades de negócios e foco em competências tais como inovação estendida;

Reconhecimento do valor de ativos intangíveis;

Ferramentas de software para gestão do conhecimento e trabalho colaborativo;

O crescimento do número de alianças entre indústrias com redes de conhecimento;

A rapidez com as quais mudam as redes de valor e, portanto, como se altera seu elo mais lucrativo, exigem uma rápida reconfiguração dos ativos e competências existentes nas organizações.

Porém, o mais significativo destes direcionadores, e o qual será desenvolvido neste ensaio, trata-se da redução dos custos de transação, que resultam na desagregação de unidades de negócios e no foco em novas competências, tais como a inovação estendida, que são decorrentes da formação de mercados business to business, de maior integração entre a rede de suprimentos e da terceirização de operações não essenciais.

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Cabe lembrar que “em meados dos anos 20, o mercado americano, mais sofisticado, favoreceu a política de flexibilização de linha de produtos de Alfred Sloan. Tão forte era a crença de Henry Ford no seu modelo de padronização e integração vertical, que chegou a ter terras no norte do Brasil (há uma cidade no Pará chamada Fordlândia, herança desta época) para que seringais lá plantados produzissem látex para que com ele produzisse a borracha, matéria prima para que fabricasse os pneus para equipar seus produtos. Sua idéia era de que as fábricas do gigantesco complexo industrial da Ford trabalhassem como fossem uma única máquina, sincronizada e ajustada para produzir, de forma eficiente, seu único produto. Tal era a o nível de integração das operações das fábricas da Ford que uma delas, a maior, teve de interromper suas atividades por 8 meses, para adaptar-se à nova situação de acomodar alguma variedade de produtos. Isto contribuiu muito para que nesta época a General Motors ultrapassasse a Ford como líder mundial em produção de veículos para não mais perder esta liderança, pelo menos até o fim do século ” (Corrêa, 2000).

Mais recentemente,“no começo dos anos 80, a General Motors detectou que não detinha competência interna suficiente para desenvolver aplicativos de software para gerenciamento de estoque e iniciou um processo de aquisição de conhecimento que culminou na compra de uma empresa nascente em IT ( Information Technology ). Assim, isso evitaria tirá-la da competição em mercados futuros e então decidiu-se por adquirir a EDS (Electronic Data System), que ficou responsável por introduzir tais tecnologias na manufatura automotiva (Sakuramoto, 2004).

Ao longo dos anos , EDS era uma divisão da General Motors, que desenvolveu e incorporou ao processo da GM, conhecimento, competência e tecnologia. Por um período, se pode dizer que a GM tinha mais conhecimento aplicado em gestão de estoque que SAP, Oracle e PeapleSoft ( empresas provedoras de aplicativos para gestão de cadeia de suprimentos) juntas.

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A atitude de inovar dentro de uma rede de conhecimento vale para qualquer tipo de organização, unidades de negócios e para o universo de pequenas e grandes empresas. Pode-se encontrar organizações absolutamente sofisticadas, praticantes da inovação estendida, que estão na ponta de conhecimento, como fazem muitas incubadoras. Contudo, cada vez mais, se nota que no mundo empresarial se trabalha por cadeia produtiva, arranjos produtivos locais e, particularmente no caso de pequena empresa de setores mais tradicionais, como o setor de sapatos, jóias, artesanatos. A diferença que existe entre a visão de inovação estendida em empresas que trabalham com tecnologia e as outras que não trabalham , está em termos de implementação e processo de inovação. Numa grande empresa, que tem na tecnologia o seu diferencial, existe uma diferenciação de funções entre as várias áreas da organização e, portanto, o desafio é o de integrar estas áreas para que se consiga de fato gerar um processo de inovação efetivo, como o chamado meio inovador da 3M (Gundling, 2000). Por outro lado, Gundling deixa claro que o entendimento do processo 3M de inovação não significa ter sucesso em reproduzi-lo. Desde o início, a inovação é posicionada como o produto de um ambiente complexo, que não pode ser copiado com facilidade, seja qual for o local em que ela opera. As subsidiárias 3M no mundo (fora o Japão) operam fortemente com os centros de pesquisas locais e se inter-relacionam com os centros de pesquisa corporativo de organizações de setores onde seus produtos possam agregar valor. Um acordo recente entre 3M do Brasil e Embraer, permitiu a colaboração entre os centros de pesquisa, na área de adesivos, gerando um contrato de 10 milhões de reais para a 3M do Brasil.

No caso da pequena empresa, ela procura se integrar em processos de inovação que envolvam necessariamente outras organizações, para obter acesso a

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tecnologia que lhe falta e, um exemplo, seriam os clusters moveleiros do Brasil, em associação com os fabricantes italianos. Vale considerar,ainda, o caso recente da PHB Industrial, empresa do interior de São Paulo, que desenvolveu um plástico biodegradável a partir do açúcar e já se prepara para começar a operar comercialmente entre 2004 e 2005, com capacidade de produzir 10 mil toneladas por ano. Com financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp, o desenvolvimento tecnológico desse polímero se deu graças a uma parceria entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) e o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). Ou seja, a solução tecnológica não iria adiante se não fosse a predisposição da PHB para alianças e convênios estabelecidos para o lançamento do produto. São exemplos que procuram reforçar a idéia de que a desagregação ou descentralização das operações reforça o pressuposto de maior atenção a ocorrências de inovações nas fronteiras das organizações. Pasternak e Viscio, dissecaram este tema no livro “The Centerless Corporation”, que poderia ser traduzido para ‘A Corporação sem Centro’ . Os autores afirmavam que ‘alguns executivos situados no topo da empresa poderiam controlar setores inteiros da economia e mobilizar os recursos necessários’. Para eles, numa era de globalização da economia, de derrubada das fronteiras nacionais e internacionais, e de revolução da tecnologia da informação, o modelo de buscar diferenciação em produtos, processos e serviços apenas dentro das empresas, simplesmente tornou-se limitado demais. A ‘corporação sem centro’, na verdade se assemelha às propostas de zero defeito. O zero, ainda que utópico, significa uma meta a ser perseguida: o mínimo de refugos e má qualidade, a satisfação integral dos clientes. Algumas empresas como ABB, Motorola, Nestlé e Rhodia, que tem se utilizado deste modelo há anos, entendem que uma corporação enxuta e plana, tem melhores condições de coordenar e dar a direção estratégica de onde e com

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quem estabelecer alianças em uma rede de negócios interdependentes. O principal desafio do centro é formular as estratégias de negócios e catalizar as sinergias entre os parceiros de negócios da rede. O fundamental são as premissas que sustentam o conceito de corporação sem centro: uma estrutura leve e desburocratizada cuja maior vocação é ser um elo que liga as oportunidades não percebidas de uma rede criativa, por vezes, encobertas pela complexidade de tamanho e diversidade das organizações modernas. Inovação Estendida significa identificar antecipadamente estas oportunidades encobertas, reduzindo as ameaças da competição.

Conclusões

Este ensaio começou com a crítica de que as fontes de inovação menos exploradas, nos dias atuais, são aquelas que se localizam nas fronteiras das organizações.

As questões determinantes foram desenvolvidas em torno da idéia de que as fronteiras que definem e contêm fontes de inovação para a organização, estão fora do ângulo de visão da corporação central. E que, para tirar proveito dessas oportunidades, a organização necessita adquirir competências e conhecimento da rede de negócios em que optou operar.

Diante disso, buscou-se realçar as razões pelas quais torna-se vital obter o domínio de como se deve aprender a desenvolver colaboração exploratória em espaços emergentes na dinâmica de uma rede de valor. Mais que isso, como redefinir a organização para atuar como uma unidade de detecção e indução de novas oportunidades, numa visão de longo prazo.

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A Inovação Estendida para uma Rede de Conhecimento tem melhores chances de sucesso quando parte de uma negociação de ganho mútuo e de escolhas dentre diferentes sistemas de valores, cultura e conhecimento.

As limitações deste trabalho não são poucas. Outras premissas podem e devem ser observadas para se chegar a uma maior consistência das idéias aqui apresentadas, bem como, uma maior apreciação teórica que sustente os pressupostos desenvolvidos neste ensaio.

Espera-se que este breve ensaio revele alguma contribuição para que os novos estudos em Inovação acrescentem valor e impacto sobre a estratégia de operações das empresas.

Bibliografia e Referências

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