Engenhar Ano X - Nº 01 - 2004
Ressonância: Aprender a inovar - do equilíbrio à busca pela excelência Moysés Simantob discorre sobre as diferentes etapas do processo de internalização da atividade de inovação tecnológica na empresa, de forma que esta possa inovar continuamente. Segundo o autor, estratégia, processos e cultura/clima organizacional precisam estar alinhados para que a empresa percorra o caminho desde a mobilização até a busca da excelência em sua capacidade de inovação. Estratégia, processos e cultura/clima organizacional precisam estar alinhados para que a empresa percorra o caminho desde a mobilização até a busca da excelência em sua capacidade de inovação.
O atual cenário em que as empresas atuam, no qual a competitividade e a concorrência dão a tônica, acaba tornando difícil a sobrevivência de um grande número delas. Pesquisas do Sebrae mostram que cerca de 56% das empresas fecham suas portas antes de completarem três anos de idade. Uma das formas de a empresa assegurar sua sobrevivência é escolher intencionalmente atividades diferentes daquelas praticadas pela concorrência ou, ainda, praticar as mesmas atividades mas com outros procedimentos ou técnicas. Vem daí a necessidade de inovar. Aprender a pedalar Imaginemos que nos foi proposta a tarefa de ensinar uma criança a andar de bicicleta. Poderíamos iniciar o aprendizado mostrando à criança como funciona uma bicicleta - explicar peça por peça, mostrar um vídeo de como aprender a se equilibrar nela, quando se deve acionar o freio etc. Com certeza a tarefa resultaria num grande fracasso. Agora, vamos nos lembrar de quando os pais ajudam seus filhos nos primeiros movimentos de dominar aquele troço de duas rodas. As "rodinhas adicionais" às duas rodas maiores ajudam, mas tanto o pai quanto o filho sabem que um dia elas serão retiradas. Tudo funciona na base da tentativa e erro. Na prática! Com a inovação ocorre o mesmo: pedala, cai, levanta, começa de novo. A inovação requer a prática. Os pais põem a mão no banco de trás para ajudar o filho a se equilibrar e o filho acredita nisso. Ele acredita que pode ir em frente porque alguém em que ele confia está com ele. E isso ocorre até o momento em que os pais percebem que o filho ganhou confiança e pode seguir por sua própria conta. Então o pai continua próximo, correndo ao lado do menino e de sua bicicleta, às vezes dizendo que está segurando o banco quando não está. E não está porque de repente pai e filho perceberam que um não precisa mais do outro. O aprendizado foi incorporado. O que de fato está em jogo nessa pequena história são a autoconfiança e segurança. Um exemplo real de empresa que criou um sistema de proteção para liberar a criatividade de seus funcionários é o da Brasilata. Conforme Antonio Carlos Teixeira, superintendente da Brasilata, "um trapezista só vai se arriscar a dar um salto inédito se contar com uma rede de segurança. O que fazemos é estender uma enorme rede embaixo dos funcionários, dizendo que ninguém vai ser punido por um erro bem intencionado. A partir daí, liberamos a imaginação das pessoas". Profissionais experientes, jovens recém-formados, executivos lapidados em cursos de gurus mundiais, gente de planejamento, finanças e produção estão descobrindo as possibilidades de aumentar o desempenho de sua área e da companhia, assumindo sua capacidade de transformar o conhecimento em prática gerencial criadora de algum tipo de valor ao cliente final. Alguns líderes se apressam para equipar seus times a dominarem a inovação, promovendo movimentos de conscientização e mobilização em torno do tema. A Embrapa criou uma gincana envolvendo seus dois mil pesquisadores espalhados pelo Brasil que se mobilizaram em busca de respostas a questões relacionadas ao Plano Diretor da empresa. Isso teve um impacto impressionante, porque todo mundo estudou, leu o Plano Diretor. Com isso, o conceito de
missão, visão, valores, negócios, mercado e políticas foram incorporados mais facilmente. Acho que foi o exercício mais interessante que nós fizemos", explica o ex-presidente da Embrapa Alberto Duque Portugal. Escolher uma direção para pedalar Imaginemos agora que a nossa criança já aprendeu a pedalar e agora é um adolescente. Provavelmente o adolescente vai querer começar a sair em grupo, pedalar com os amigos, começar a praticar alguns esportes radicais em cima da bike etc. O que fazer ou pra onde ir, depois que se aprende a pedalar? A pergunta requer uma escolha de liderança. Onde se quer estar? Quais os mercados onde se quer competir? Que clientes buscar? Com quais competências atendê-los? As capacidades existem ou terão de ser formadas, desenvolvidas ou adquiridas? A jornada da inovação dentro das empresas precisa de foco e de metas claras. As regras do jogo têm de chegar aos ouvidos de todos que vão junto nessa caminhada. A comunicação e os feedbacks devem ser constantes. É mais ou menos como reunir seu time para um passeio de fim de semana. Antes de partir é preciso definir para onde ir, o roteiro, se há mapa para todos, o que fazer se alguém se perder, se algum equipamento quebrar, se chover. Esse é o lado racional e disciplinado da inovação. Funcionários tornam-se consultores internos , auxiliados ou não por especialistas externos, atuam como coaching, mentoring e facilitação, permitindo a todos os colaboradores desenvolver capacidades e alcançar autonomia ao fim de um projeto. Esse lado racional, formal, com processo, fluxo, gargalos, funil, precisa de método. A Multibras, empresa do grupo Whirpool, criou um roadmap de inovação para gerenciar o fluxo de idéias de seus funcionários. Definiu fatores para verificar quais idéias deveriam se tornar iniciativas comerciais e quais não iriam adiante. Elaborou cenários para entender os condicionantes do mercado. Estudou métodos de produção mais econômicos, no Brasil e exterior. Planejou suas inovações em todo o ciclo de desenvolvimento de produto ou de serviço, desde a concepção da idéia bruta até sua comercialização e satisfação do consumidor. A idéia, nesta etapa, é aproveitar o engajamento dos funcionários na fase de mobilização para instrumentalizá-los. Ter o domínio sobre o processo de cada iniciativa de inovação da empresa é uma obrigação. Como é impossível prever quando e de quem uma idéia revolucionária vai nascer, ajusta-se o foco, dá-se uma direção (produto, processo, gestão, conceito de negócio) e libera-se a criatividade. O curioso desse processo é que, uma vez vivenciado, ele pode ser repetido por vários outros grupos, em várias situações, datas e lugares. O interessante é que cada ator passa a adaptar uma forma de inovar que melhor se encaixa às suas condições. O pessoal de tecnologia cria um egroup, o da manufatura reserva uma hora todas as sextas-feiras e vai para um bar, os cientistas criam fóruns de discussões e convidam especialistas para ouvir vozes de fora do problema.
Andar de bicicleta para o ciclista Ao se aperfeiçoar na arte de pedalar, descobre-se que algumas atividades podem ser realizadas com menos esforço - quanto mais se domina o equipamento, menos energia desnecessária se gasta. Com a ótica da inovação impregnada por toda a empresa, amparada por instrumentos que os funcionários dominam, fica mais fácil ir sofisticando as ferramentas. Ciclistas não compram bicicletas em lojas. Eles montam aquelas que melhor se adaptam ao seu corpo, à sua musculatura, ao seu desempenho, em resumo, o equipamento é que serve o atleta e não o inverso. As empresas têm procurado transferir conhecimentos para seus funcionários num processo de aprendizagem que todos possam se envolver intensamente em projetos, desde sua preparação até os resultados. Alinhar estrutura, conhecer recursos, integrar iniciativas de baixo para cima e de cima pra baixo na hierarquia das empresas ainda parecem ser os maiores obstáculos enfrentados por muitos líderes. Pesquisa realizada com diretores de RH, realizada pela PMC apontou que a sistematização do processo de gestão da inovação ainda é o maior desafio a ser vencido. Na opinião de Ilenor Zingler, executivo do Banco do Brasil, "a inovação é hoje uma das variáveis determinantes da competitividade da empresa. É necessário ter um ambiente para se discutir a questão da inovação, não apenas com um enfoque teórico, mas principalmente sob o enfoque prático, analisando e diagnosticando casos e práticas de sucesso. O grande desafio que se coloca é poder antever uma forma de gerir processos de inovação, que acontece hoje de forma isolada em muitas empresas sem que haja uma continuidade". Empresas somente asseguram vantagem competitiva de longo prazo se definirem um posicionamento de mercado distinto e coordenarem seus processos de negócio e suas estratégias. Segundo Michael Porter, professor de Harvard, o posicionamento estratégico não ocorre até que uma empresa escolha intencionalmente atividades diferentes daquelas praticadas pela concorrência ou, ainda, pratique as mesmas atividades mas com outros procedimentos ou técnicas. Decorre daí a necessidade de inovar. Nesse contexto, desenvolver métricas e indicadores de inovação é outro desafio que auxilia as empresas na arquitetura de seu sistema de inovação. Nesse ponto, uma proposição interessante seria a incorporação da perspectiva da inovação na famosa ferramenta criada por Norton e Kaplan, o Balanced Scorecard. O conceito de Balanced Scorecard divide a estratégia da empresa em processos operacionais de negócio e permite que ela seja executável por toda a organização. O Balanced Scorecard provê uma plataforma para que se aloque os recursos da empresa de acordo com suas estratégias. Ele permite atribuir pessoas responsáveis para cada objetivo. As perspectivas tradicionais do Balance Scorecard cobrem a essência empresarial tradicional:
clientes, processos, aprendizado e finanças. Contudo, há outra perspectiva que diz respeito à capacidade de empreender das organizações, e que neste século deverá ser um elemento-chave de transformação e mesmo de sobrevivência. A capacidade de empreender, de criar novos negócios, produtos, processos, tecnologias e maneiras de gestão está intrinsecamente relacionada à capacidade de inovar. A inovação como perspectiva atua como uma lente pela qual passa a se executar e mesmo a se definir estratégias e objetivos de maneira diferenciada da concorrência, conquistando vantagem competitiva. Gary Hamel propôs ver a inovação como uma capacidade, uma habilidade sistematizável que as empresas podem desenvolver e implantar. Pois bem, um dos maiores desafios para implantar inovação é fazê-lo de forma estruturada e integrada com as atividades da empresa. As estratégias de inovação devem 'conversar' com as outras estratégias da empresa, numa relação de causa e efeito. De acordo com o conceito defendido pela 3M, inovar é agir por resultados. Não raro se encontra inovação associada à perspectiva de aprendizado e crescimento. A inovação em um sentido mais amplo, o de capacidade de criar nova riqueza a partir de mudanças na empresa, no setor e na sociedade, não é coberta pela perspectiva de processos internos somente. O processo de pesquisa e desenvolvimento é um dos meios para se atingir a inovação, mas não é o único. A inovação, nesse sentido mais geral, não é apenas um processo interno. Na verdade, ela é cada vez menos um processo interno e mais externo à empresa. A inovação está cada vez mais apoiada na cadeia de valor, no relacionamento com clientes, fornecedores, parceiros e com a sociedade. Gary Hamel e C.K. Prahalad, no livro "Competindo pelo Futuro", defendem a criação de uma arquitetura estratégica para guiar a empresa no caminho do futuro. Além da arquitetura estratégica, entretanto, as empresas precisam de uma "cola" que faça essa arquitetura se materializar nas ações cotidianas. As premissas do Balance Scorecard podem ser usadas para esse fim. Desafiar os próprios limites Há um momento em que o ciclista deixa de competir com outros e passa a competir com ele próprio. O que está em jogo é a superação dos seus próprios limites. Até onde ele pode inovar para atingir seus propósitos? Tornar a inovação um processo institucionalizado é ser capaz de inovar continuamente. É um dos maiores desafios enfrentados por empresas de todos os setores da economia. A capacidade de inovar envolve três fatores básicos: . Estratégia - pensamento estratégico e competências essenciais; . Processos - fluxos de geração e gestão de idéias e oportunidades; . Cultura e Clima Organizacional - práticas de gestão e habilidades organizacionais e pessoais.
Esses fatores precisam estar alinhados para produzir resultados - desde inovações incrementais em uma linha de produtos e serviços até inovações que modifiquem o modelo de negócio da empresa. Chegar a esse processo institucionalizado é um caminho longo e seguramente difícil. Inovar mexe com a inércia organizacional, com status, poder, pessoas, cargos e estruturas. Inovação incomoda muita gente, mas os resultados são compensadores! Para sumarizar, abordamos ao longo desse artigo alguns fatores que as empresas devem ter em mente se quiserem aprender a inovar: . desenvolvimento de habilidades de inovação em pessoas e equipes; . preparação de times para a geração, desenvolvimento e implantação de novas idéias; . desenho e implementação de processos de inovação; . formulação e implementação de estratégias para desenvolvimento de novos produtos e negócios; . elaboração de planos para "alavancagem" de iniciativas existentes; . identificação de novas oportunidades de negócio em setores maduros; e alinhamento estratégico e operacional para o ingresso em setores emergentes. Moysés Simantob é administrador e pós-graduando pela Fundação Getúlio Vargas.
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