Homem e Sociedade
Aluízio Lins Leal *
Os Estados Unidos: começo do fim O maior atentado terrorista da história dos Estados Unidos, como a imprensa, na sua vulgaridade, o rotulou, acontecido em Nova Iorque e Washington, no dia 11 de setembro, na verdade já se tornou, de facto, um dos mais importantes marcos da própria História: não só foi a ação impossível contra o maior império de todos os tempos, como também revelou a que nível chegou a decisão dos que o desafiaram, num caminho sem volta. Se a coerência fosse um atributo próprio dos impérios, os Estados Unidos procurariam entender o que os levou a serem tão odiados, assim como o que levou os que o odeiam a essa atitude extrema. Mas a coerência não é o atributo dos impérios, e, sim, a sua antítese - a arrogância - pois se fossem coerentes não seriam os impérios que são. Mas muito além da rasteira lengalenga dos jornais, das emissoras de rádio e da televisão, que convidam todo mundo a ser imbecil e a limitar-se a constatar que nada mais houve do que um atentado terrorista e pronto, e que daqui pra frente o mundo não mais será o mesmo - repetindo ad nauseam esse chavão idiota, sem sequer saberem o que quer dizer o que repetem- é preciso reagir a esse convite imbecilizador, e questionar as origens e os desdobramentos do ocorrido, para que amanhã não se alegue ignorância sobre o que mudou desse momento em diante, nem da responsabilidade comum de todos perante o futuro. Em primeiro lugar, vale perguntar quem primeiro foi terrorista, pois é difícil inserir no quadro do terrorismo vulgar
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE
quem imola a própria vida nesse ato. Essa atitude é própria dos que têm uma causa que lhes justifica o sacrifício, e mais: um motivo que justifique esse sacrifício pela causa. Embora o inegável impacto da brutalidade da ação, um ato desses tem uma natureza distinta da do ato que visa simplesmente infundir pavor na parte atacada. Em um caso assim, a entrega da própria vida atende, claramente, a uma causa coletiva e maior. Talvez - ressalvadas, é claro, as circunstâncias e os motivos que determinaram isso - sejam os kamikase japoneses os mais claros exemplos desse ato extremo, pois representaram a entrega do que mais valioso havia na sociedade japonesa em guerra contra os Estados Unidos a nata da sua juventude - no estágio em que o Japão, exaurido materialmente, já
lutava movido pelo puro desespero. O suicídio representa o sacrifício supremo, quando já estão inteiramente esgotadas todas as demais possibilidades da luta em igualdade de condições. Portanto, rotular árabes ou muçulmanos como terroristas, sem outra razão que a de serem eles os inimigos é repetir a atitude maniqueísta dos norte-americanos, que, durante a Segunda Guerra Mundial, logo criaram a categoria do japonês fanático para caracterizar os kamikaze. Uma atitude dessas não revela nem explica a verdadeira profundidade do problema; pelo contrário, a falsifica. E é cada vez mais crescente o número de jovens militantes árabes que se têm imolado em atentados ligados à causa palestina, que é a luta por um espaço de identidade natal, como também de jovens árabes - irania-
Ano XI, Nº 26, fevereiro de 2002 - 129