Depoimentos
Ronald J. Laréz *
A Escola latino-americana frente ao neoliberalismo Entrevista do Presidente da Associação de Educadores da América Latina e Caribe (AELAC) realizada por Jaume Martinez Bonafé.1 Tradução de Maria da Graça N. Bollmann.2 O Presidente Internacional da AELAC, Ronald J. Lárez, manifesta o seu interesse por ampliar e consolidar uma rede de professores que apresente alternativas à ofensiva neoliberal. Sociólogo e Doutor em Ciências Econômicas, este ativo militante desenvolveu numerosas investigações sobre a identidade cultural e sobre os sistemas educacionais latino-americanos. Jaume M. Bonafé - Que recordações você guarda de sua primeira escola, de seu primeiro(a) professor(a). Ronald Larez - Eu nasci num povoado de pescadores ao norte da Isla Margarita. Ali morei até os 14 anos. Como todas as crianças, não freqüentei a pré-escola, tendo iniciado meus estudos aos 7 anos. Era uma escola muito pequena, junto ao mar. Minha primeira professora nos iniciou na alfabetização e dali passamos para o terceiro ano com a Professora Albina que era bastante exigente. Se nos portássemos mal, batia-nos com uma régua muito grande e nos obrigava a nos ajoelharmos no chão, frente ao quadro, durante uma hora. Era “a letra com sangue entra”, característica, autoritária e primitiva da escola que, naquele tempo, suponha-se, dava “melhores resultados”. Da pequena casa da minha primeira escola, passei para um Instituto, em um edifício grande, com salas e corredores
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE
muito amplos. Também havia lá uma disciplina rígida. Cada vez que volto ao meu povoado, dou um passeio pelo Instituto, que mantém, há 40 anos, a mesma estrutura física e me reencontro com minhas memórias como aluno, como criança, como adolescente. J. M. B. - Por que decidiu estudar Sociologia? R. L. - Eu tive um processo de estudo muito irregular. Tive de me transferir com minha família e meus irmãos para Puerto de La Cruz, onde meu pai trabalhava como barbeiro e seu salário não dava para nosso sustento. Comecei a trabalhar em uma marcenaria. Logo depois de motorista e estudava, à noite, no ginásio. Como em Puerto de La Cruz não podia prosseguir para a educação superior, me inscrevi, em Caracas, na Licenciatura de Educação e, de dia, assistia, na Escola de Saúde Pública, a um curso de inspeção sanitária. Terminei meus estudos em Educação e o Ministério da Educação me contratou como inspetor de Saúde Pública. Então comecei, simultaneamente, a trabalhar e estudar Sociologia, na Universidade de Oriente. J. M. B. - Tenho lido seus textos sobre a forte denúncia do genocídio cultural e o espólio econômico que sofre a América Latina. R. L. - A história oficial que passa em
meu país é que fomos descobertos por pessoas muito sábias. Nessa história oficial se elogiavam a conquista e a colonização. O dia 12 de outubro, que marca o início dessa conquista, nas escolas, é de grande festa. Sem dúvida, nós afirmamos o contrário, o que ocorreu, na verdade, foi um genocídio de caráter cultural. Violentou-se a cultura pré-hispânica, onde se encontravam princípios fundamentais de dignidade e solidariedade, com uma avançada cultura de cooperação. Tudo isso foi destroçado por uma imposição cultural que acabou com aquelas importantes contribuições pré-hispânicas. J. M. B. - Desejo que nos fale sobre a AELAC, para a qual faz pouco tempo você foi reeleito Presidente Internacional. Que significado tem esta Associação na América Latina? R. L. - Nosso objetivo principal é possibilitar um frutífero intercâmbio entre os docentes da América Latina e do Caribe para confirmar uma proposta alternativa de Educação oposta a essa pedagogia transnacionalizadora que integra o projeto neoliberal em nossos países. Em 1990, observávamos sinais muito fortes de penetração do projeto neoliberal na América Latina. Nessa década, introduz-se, na América Latina, o Plano Keller, a instrução programada, como parte fundamental do desenvolvimento curricular baseado numa racionalidade pedagógica de cará-
Ano XI, Nº 26, fevereiro de 2002 - 159