Revista Universidade & Sociedade n. 26

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

Trabalhadores em luta: cenas da democracia brasileira nas ruas. Por Antônio Ponciano Bezerra Fotos: Daniel Garcia, Arquivo ANDES e Folha Imagem Experimentamos, por algum tempo, a ilusão de que

tornam) lugares de convergência de figuras (atores so-

o Brasil estava livre das marcas mais profundas da re-

ciais), mais imediatamente ligados aos diferentes seg-

pressão, da violência e dos conflitos policiais contra a

mentos do trabalho, nos diversos espaços das grandes

população civil. No entanto, as imagens deste ensaio

cidades, mas também se apresentam como campo do

espantam e causam pânico ao dar visibilidade social da

terror policial e de delitos cometidos a militantes das

repressão, na praça pública, aos movimentos sociais or-

lutas sociais e políticas.

ganizados do país.

As fortes imagens veiculadas pelas fotos apuram a

A repressão ordinária é protagonizada, de maneira es-

violência que se manifesta e é simbolizada de diferen-

petacular, por policiais civis e militares que reassumem,

tes formas, em cada perfil da repressão policial no Bra-

escandalosamente, os seus lugares de exercício de força

sil e na cultura contemporânea.

para inibir as massas em atos de mobilização social. Os

A seqüência de fotos, portanto, enquadra as relações

episódios públicos de insatisfação política do povo, o

entre espaço urbano público, democracia e sujeitos so-

desespero aberto dos excluídos, dos injustiçados, dos

ciais, quando atravessadas pelo espetáculo policial cuja

explorados, todos captados pela câmera fotográfica, re-

repressão eclode como realidade alheia e hostil à reali-

velam a tolerância do poder e as tendências da demo-

zação mais plena das tentativas de livre arbítrio da so-

cracia brasileira nas ruas de nossas metrópoles.

ciedade em todos os níveis e como ameaças à convi-

As cenas de repressão e violência, envolvendo agen-

vência pública e democrática. O intenso policiamento

tes policiais, aliás, uma herança maldita das últimas dé-

da vida e das ações do homem citadino delimita as

cadas em estreita conexão com a política de segurança

suas possibilidades de agir, deixa-o acuado, pois a polí-

da ditadura militar, não se restringem a quadros isola-

cia circula entre a multidão portando armas de fogo po-

dos ou alvos específicos e direcionados. A brutalidade

derosas - a qualquer momento - podem ser sacadas e

policial irrompe, no coração das metrópoles, contra a

disparadas - às vezes - por necessidade - quase sempre

população civil ou contra a agenda do cidadão comum,

- por equívoco ou fúria.

dos representantes do poder político, da sociedade civil

As manifestações populares que ganham as ruas, re-

e se estende até as manifestações pacíficas organizadas

presentam, de algum modo, uma espécia de “síndrome

pelo meio acadêmico.

de esperança”, uma versão antecipada do desespero

Mais que um mero registro de ocorrências, estas

agudo, da infelicidade, da descrença absoluta no poder

imagens nos dão a anatomia da repressão policial bra-

público. Essa síndrome subverte mesmo a vida do ho-

sileira em consonância com o que nos permitem no

mem e se faz acompanhar de uma desvalorização do

campo das liberdades democráticas da nação. As ruas,

próprio ato de viver para se mergulhar nas teias da so-

os largos, as avenidas e as praças públicas são (ou se

brevivência.

UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Ano XI, Nº 26, fevereiro de 2002 - 167


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