ENSAIO FOTOGRÁFICO
Trabalhadores em luta: cenas da democracia brasileira nas ruas. Por Antônio Ponciano Bezerra Fotos: Daniel Garcia, Arquivo ANDES e Folha Imagem Experimentamos, por algum tempo, a ilusão de que
tornam) lugares de convergência de figuras (atores so-
o Brasil estava livre das marcas mais profundas da re-
ciais), mais imediatamente ligados aos diferentes seg-
pressão, da violência e dos conflitos policiais contra a
mentos do trabalho, nos diversos espaços das grandes
população civil. No entanto, as imagens deste ensaio
cidades, mas também se apresentam como campo do
espantam e causam pânico ao dar visibilidade social da
terror policial e de delitos cometidos a militantes das
repressão, na praça pública, aos movimentos sociais or-
lutas sociais e políticas.
ganizados do país.
As fortes imagens veiculadas pelas fotos apuram a
A repressão ordinária é protagonizada, de maneira es-
violência que se manifesta e é simbolizada de diferen-
petacular, por policiais civis e militares que reassumem,
tes formas, em cada perfil da repressão policial no Bra-
escandalosamente, os seus lugares de exercício de força
sil e na cultura contemporânea.
para inibir as massas em atos de mobilização social. Os
A seqüência de fotos, portanto, enquadra as relações
episódios públicos de insatisfação política do povo, o
entre espaço urbano público, democracia e sujeitos so-
desespero aberto dos excluídos, dos injustiçados, dos
ciais, quando atravessadas pelo espetáculo policial cuja
explorados, todos captados pela câmera fotográfica, re-
repressão eclode como realidade alheia e hostil à reali-
velam a tolerância do poder e as tendências da demo-
zação mais plena das tentativas de livre arbítrio da so-
cracia brasileira nas ruas de nossas metrópoles.
ciedade em todos os níveis e como ameaças à convi-
As cenas de repressão e violência, envolvendo agen-
vência pública e democrática. O intenso policiamento
tes policiais, aliás, uma herança maldita das últimas dé-
da vida e das ações do homem citadino delimita as
cadas em estreita conexão com a política de segurança
suas possibilidades de agir, deixa-o acuado, pois a polí-
da ditadura militar, não se restringem a quadros isola-
cia circula entre a multidão portando armas de fogo po-
dos ou alvos específicos e direcionados. A brutalidade
derosas - a qualquer momento - podem ser sacadas e
policial irrompe, no coração das metrópoles, contra a
disparadas - às vezes - por necessidade - quase sempre
população civil ou contra a agenda do cidadão comum,
- por equívoco ou fúria.
dos representantes do poder político, da sociedade civil
As manifestações populares que ganham as ruas, re-
e se estende até as manifestações pacíficas organizadas
presentam, de algum modo, uma espécia de “síndrome
pelo meio acadêmico.
de esperança”, uma versão antecipada do desespero
Mais que um mero registro de ocorrências, estas
agudo, da infelicidade, da descrença absoluta no poder
imagens nos dão a anatomia da repressão policial bra-
público. Essa síndrome subverte mesmo a vida do ho-
sileira em consonância com o que nos permitem no
mem e se faz acompanhar de uma desvalorização do
campo das liberdades democráticas da nação. As ruas,
próprio ato de viver para se mergulhar nas teias da so-
os largos, as avenidas e as praças públicas são (ou se
brevivência.
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE
Ano XI, Nº 26, fevereiro de 2002 - 167