Caderno03

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Pouso e hospitalidade para quem vem de longe

F

Foto: Leonardo Savaris

rancisco tem apenas sete anos e, apesar da pou- 2004, a pousada já abrigou mais de 800 pessoas, pré tro em um avião porque preciso ajudar minha filha. ca idade, já se acostumou a viajar com sua mãe, e pós transplantados. “Nossa demanda é bem maior Se fosse para ir à Disneylândia, certamente eu não Socorro de Cássia Costa, da Paraíba (PB) para do que se pode oferecer”, diz. Os hóspedes desem- faria. Moro no interior da Paraíba, são 6 horas de tratamento no Hospital da Criança Santo Antônio, bolsam R$ 1,00 por dia como contribuição para o ônibus até a capital e depois ainda tem o voo”. A em Porto Alegre. Ele nasceu com insuficiência re- gás, mas o custeio mesmo vem de doações de pessoas mãe conta que só quem passa pela situação consegue nal e necessita de transplante. Em seu estado natal físicas e empresas privadas. ver a dimensão que é o ato de doar. “Quem não coeste procedimento não é oferecido nhece, tem medo de doar, mas quem para crianças. Os rins ainda não vive isto sabe a importância de ser perderam a função totalmente, mas um doador. Antes, eu também tio menino se submete a sessões de nha medo, mas é preciso entender hemodiálise e, há dois anos, teve que, por conta de um órgão que não de enfrentar uma trombose. “Ele funciona, não tem uma vida, como perdeu o peritônio (membrana que no caso da minha filha e de muitas recobre a parede abdominal e as crianças e jovens”. vísceras) e, em função disso, não O comerciante Cid Souza de pode fazer diálise peritonial”, diz Melo, 55 anos, não tem mais conSocorro. Francisco ainda não foi dição de trabalho. Ele frequenta a para a fila do transplante porque pousada desde 2012, por suas idas está com muitos anticorpos e o rise vindas para hemodiálise. Cid é de co de rejeição é grande. Macapá (AP) onde não há tratamento Para conseguir se manter com para os rins, que pararam de funcioa criança tão longe de casa e em um nar há sete anos. E ainda tem cegueilugar onde não conhece nada nem ra irreversível, devido a diabetes. Ao ninguém, a mãe encontrou auxílio lado da esposa, Ana Maria Almeida, ONG Via Vida mantém pousada para pacientes provenientes de localidades distantes na Organização Não Governaele comenta que “se não fosse esta mental Via Vida, em Porto Alegre, que possui uma De dois em dois meses, Martha Jerussa da Costa, casa, não teria como me sustentar aqui, pois não tenho pousada para atender crianças e adultos que estejam 33 anos, precisa vir do Amazonas (AM) para prosse- recursos”. na fila − ou pós-transplantados − e seus acompa- guir seu tratamento. O primeiro transplante de rim A doméstica paraibana Carmélia Lino da Silva nhantes. A maior parte dos hóspedes são de fora do ela fez aos 14 anos, quando se tornou a segunda pa- se reveza com familiares para acompanhar a sobriestado. Geralmente são pessoas encaminhadas por ciente a ser transplantada em Manaus. Quando tinha nha Jéssica, de 23 anos, que aguarda um transplante assistentes sociais, principalmente das regiões Norte dez anos, seus rins pararam de funcionar. “O início de rim. “Tentei por quase um ano na Paraíba. Como e Nordeste. de tudo foi uma infecção urinária. Meus rins atro- não consegui, resolvi vir para cá”, revela a jovem. Ela Minéia, de 11 anos, também é paraibana. Sua fiaram. Conforme eu crescia, eles diminuíam”. Com já está na lista de espera e, enquanto aguarda, segue mãe, Socorro Rodrigues, conta que, desde bebê, a 24 anos, teve de transplantar o segundo rim, este em fazendo hemodiálise no Hospital Santa Casa três vemenina apresentava infecção urinária. Aos seis anos, solo gaúcho. Ao lado do marido, Carlos Marcos da zes por semana. “Soube da pousada pela minha méela foi diagnosticada com lúpus, doença que paralisou Silva, ela diz que quem é transplantado renal sofre dica, em João Pessoa. É uma ajuda e tanto”. seus rins. “Ela ficou um ano fazendo hemodiálise na com o cansaço extremo e o inchaço. “Imagina estar Para Lucia, presidente da Via Vida, conhecer e Paraíba. Ano passado, transplantou um rim aqui no longe de casa, ficar horas e horas dentro de um avião, divulgar casos de doação de órgãos e tecidos faz parRio Grande do Sul e, por conta disto, de dois em dois tudo incomoda”. Para ela, é gratificante fazer amiza- te de um processo de educação em saúde. “Precisameses, temos de vir para cá para fazer revisão”. de com outras pessoas que estão na mesma situação, mos investir e muito para chegarmos a uma cultura Lucia Elbern, presidente da ONG que existe especialmente na pousada. doadora”, diz ela, que teve a ideia da ONG quando há 15 anos, informa que, desde que foi aberta, em Socorro, mãe de Minéia, pensa parecido. “Só en- um dos filhos precisou entrar na lista de transplantes.

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