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Fernando Jacques – JAX

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Luiz Carlos Nigri

Luiz Carlos Nigri

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL COM

O ESCRITOR FERNANDO JACQUES – JAX

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FERNANDO JACQUES DE MAGALHÃES PIMENTA (JAX)

Nascido no Rio de Janeiro, 2/ junho/1952. Tijucano, tricolor, salgueirense. Diplomata aposentado, formado em Direito pela UFRJ. Mestrado em Ciência Política, Universidade George Washington, EUA Livros: Traços e Troças (2015); Ibitinema e Outras Histórias (2016); No Ritmo do Jax (2019), Lamparina Luminosa, SP; Afinal de Contos... (2019), Illuminare, RS; Microcontos, Mini-Poemas, Curtas Reflexões para uma Vida Breve (2020), Assis, MG; Antologias: Prosa e Poesia Brasileira, SOL, RJ; Contos de uma Primavera, Illuminare, RS; Coisas de Mãe, Assis, Uberlândia/ Lisboa, Brasil/Portugal; JAX e outros Autores, Palavra É Arte, SP (2019); E-Book Microcontos de Humor de Piracicaba, 2019; Ditos e Feitos, Antologia de Contos e Crônicas, Recanto das Letras, SP (2020).

VELHA E QUERIDA FELIPINHA

Boa companhia é essencial na vida de qualquer cristão (e até dos que não o são, na verdade). Tiago sempre valorizou seus companheiros, na rua, na escola, na faculdade, no bar e em todo lugar. Em casa, então, sobremaneira aprecia estar bem acompanhado, a partilhar longos “papos” em torno dos mais variados assuntos. Ou a simplesmente assistir, junto dos amigos, a memoráveis filmes e eventos musicais e esportivos.

Cinemaníaco de nascimento e inveterado desportista de sofá, à medida que joelhos e coluna conspiraram contra seus talentos naturais como futebolista e cestobolista, o sessentão adquiriu o hábito de emitir comentários relâmpagos sobre o que vê. Sem descontar a hipótese de que essa extravasão de sentimentos prenuncie algum sinal de senilidade futura, a sorte de Tiago é que seus dotes de “comentarista” somente ocorrem em casa. Imaginem se ele desanda a falar numa sessão de cinema ou no meio de um show.

Da lista relativamente longa de ouvintes de seus comentários, vale tombar aqui para a posteridade a amiga Felipinha, como carinhosamente a chama a esposa de Tiago (Filipinha no perfeito carioquês). Ao longo de uns trinta anos de relacionamento, a família praticamente a incorporou como integrante do núcleo familiar - e com que paciência ela sempre reagiu aos típicos atropelos infantis dos três filhos do casal, todos a falar ou gritar ao mesmo tempo e não raro querendo monopolizar a atenção para si. Haja resistência!

Quem mais monopolizou e ainda monopoliza a tolerância da amiga, no entanto, é o próprio Tiago. Nenhuma surpresa nisso, dado seu insaciável apetite por assistir a filmes, avaliá-los e discuti-los. Felipinha agüenta todas as seleções cinematográficas feitas por ele, mesmo talvez sabendo de antemão que a escolha não seja atinada. Permanece tranquila, durante todo o desenrolar da película, e fica na dela se, ao final, o cinemaníaco revela-se insatisfeito com a história ou critica diferentes falhas da filmagem.

Difícil precisar se os dois assistiram juntos a maior número de obras cinematográficas ou de espetáculos esportivos. O fascínio de Tiago por esportes em geral, mas principalmente por basquete, futebol e vôlei - em especial, o feminino, na última modalidade -, faz com que constantemente lá esteja ele a conferir determinado jogo.

Nesses momentos, cumpre enaltecer a fidelidade da amiga. Felipinha vibra com ele a cada lance, de forma particular quando se trata da vitória do Fluzão ou da segunda seleção brasileira, aquela dos “canarinhos”. Ambos gritam NEEEENSE ou BRASIL com uníssona intensidade.

Quando o triunfo injustamente não pertence ao primeiro e ao segundo time, em seus respectivos confrontos, Felipinha escurece seu semblante de imediato e mantém-se calada por bom tempo, em sinal de solidariedade à dor de Tiago. Afinal de contas, prova de amizade consiste em não apenas sorrir, mas também chorar com o amigo.

Dilema para a integrante da família é adequar sua voz às distintas preferências do casal, as quais se foram acentuando com o passar dos anos. Enquanto Tiago prefere falar baixo - e de forma pausada, o que até gera dúvidas se ele é de fato carioca -, a esposa tende a aumentar a escala do som, gerando queixas do marido de que toda a vizinhança escuta. Felipinha tem de contentar a ambos, sem saber bem como. Torna-se desafiante encontrar o ponto de equilíbrio sonoro.

Outro desafio tem sido acostumar-se a freqüentes mudanças de ambiente. Tiago e a esposa trocaram de residência bom número de vezes e nem sempre a amiga conseguiu acomodar-se bem ao novo cômodo que lhe foi destinado.

A convivência nunca deixou de ser mutuamente agradável, contudo. Apesar de não se manifestar muito a esse respeito, Tiago sente-se bastante ligado e reconhecido à Felipinha por todas as ocasiões positivas de que desfrutou em sua companhia. No íntimo, experimenta verdadeiro temor de vir a perdê-la um dia.

Com efeito, a boa companheira não durará para sempre. De tal sina não escapam seres humanos, nem máquinas. Cedo ou tarde, chegará à exaustão a longeva televisão, da marca Phillips (daí, o nome de “Filipinha”). Adquirida cerca de trinta anos atrás, a TV permitiu à família usufruir de farta programação, captada de sistemas a cabo e até por antena parabólica, em sua frutífera existência. Capacitada a operar com três normas diferentes (PAL-M, PAL-N e NTSC), a televisãozinha jamais se fez de rogada e exibiu, a cores, as mais de trezentas fitas de vídeo gravadas em casa por Tiago, cuja mania de colecionar de tudo ainda deverá render bons frutos a algum museu.

Tecnologia feita para durar! Não se cansa de elogiar o feliz beneficiário da TV, inconformado com a aparelhagem mais moderna, que requer “atualização” com poucos anos de uso.

Com a devida vênia da amada esposa, Felipinha e Tiago foram mesmo feitos uma para o outro.

JAX, junho 2021.

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