REALIZAÇÃO
Danilo Oliveira - pnud/
Prefeitura de São Paulo
Comissão de Anistia
Fernando Haddad - Prefeito
Marina Luiza Molina - Estagiária
Nádia Campeão - Vice-Prefeita
Naomi Xavier - Estagiária
Secretaria Municipal de Direitos
Victhor Ruas Fabiano - Estagiário
Humanos e Cidadania
CONCEPÇÃO
Felipe de Paula - Secretário
Organização
Djamila Ribeiro - Secretária Adjunta
Valdirene Gomes
Luiz Guilherme Paiva - Chefe de Gabinete
Edição Juliana Rodrigues
Coordenação de Direito à Memória e à Verdade Carla Borges - Coordenadora Clara Castellano - Coordenadora
Valdirene Gomes Revisão de conteúdo Carla Borges Marília (Marie) Goulart
Adjunta Marília (Marie) Goulart - Assessora
Revisão de texto
Dyego Oliveira - Assessor
Juliana Rodrigues
Pedro Russo - pnud/
Projeto Gráfico
Comissão de Anistia
André Stefanini
E244
Educação em direito à memória e à verdade : conhecer para não repetir / Valdirene Gomes (org.) ; Carla Borges [et al]. -- São Paulo (SP): Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, 2016 260 p. 1. Educação – História - Brasil. 2.Formação docente. 3. Ditadura – Brasil. 2.Direitos Humanos – Brasil. I. Título. II. Borges,Carla. III. Verzinhassi, Fernanda. IV. Godoy, Marcelo. V. Arantes, Maria Auxiliadora. VI. Souza, Silvana Aparecida de. VII. Gomes, Valdirene (org).
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Agradecimentos Ação Educativa, Adriana Eneas, Adriano Diogo, Alípio Freire, Amabile Luz, Amanda da Silva Pereira, Amaury Brito, Amelinha Teles, Ana Castro, Ana Lúcia de Campos, André Bruno, André Lerro, Andréia Angelo dos Santos Ventura, Anivaldo Padilha, Anna Cecília Simões, Antônia de Paula Lima Fernandes, Antonio Tadeu Bezerra Da Silva, Aparecida Maria Sonvesso, Ariana Iara de Paula, Audálio Dantas, Bruno Manso, Camis Batista, Carmen Sylvia Vidigal, Carolina Carvalheiro, Cavanha (Marcelo Igor de Souza), Cassiano Alves Macedo, Ciça Carlini, Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Claudinho Aparecido da Silva, Cleber Ferreira dos Santos, Clodoaldo Azevedo, Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Comitê Paulista pela Memória e Verdade e Justiça, Coordenação da Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (smdhc), Criméia Schimidt de Almeida, Daniela M. R. Thomazine, Daniela Queiroz, Dionel da Costa Junior, Diva Silva, Douglas Edimilson da Silva Alves, Edileuza Soares, Edineia Oliveira, Eduardo Bittar, Elson Luiz, Emerson de Oliveira Souza, Eugênia Gonzaga, Fábio Luis Franco, Fatima Aparecida Antonio, Felipe Yanez, Fernanda Verzinhassi, Fernando Mafra, Flavia Inês Schilling, Flávia Rios, Francisco José de Lima Neto, Gabriela Carrocini, Gabriela Justine, Gabriela Vallim, Gláucia Helena, Gisele Timóteo, Guiomar Lopes, Hanna Korich, Ian Packer, iiep, Isabel Borges Barroso, Ivair de Oliveira Junior, Ivan Seixas, Instituto Vladimir Herzog, Janaína Gallo, Joana Alves, Jonas Waks, Jorge Grinspum, José Antônio da Silva, José Sergio Fonseca Carvalho, Joyce Ribeiro da Silva, Juliana Grilo, Kamila Gomes Fonseca, Katiara Oliveira, Kelly Castro, Lilith Passos, Lisete Arelaro, Lucimar Athayde, Luís Nassif, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Marcelo Godoy, Marcelo Morais, Márcio Bezerra, Marco Antonio Barbosa,
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Marcos Rogério de Souza, Maria Aparecida Aquino, Maria Auxiliadora Arantes, Maria das Graças Dias Rosas Saito, Maria Nazaré Zenaide, Maria Pia, Maria Victoria Benevides, Margarida Bulhões Genevois, Marina Wang, Marisa Aparecida Romeiro Noronha, Maurice Politi, Maurício Piragino, Memorial da Resistência, Michel Galiotto, Miriam Mançano, Milton Barbosa, Moacir Gadotti, Monique Lupi Mendes, Noemi Araújo, Odinir da Silva, Olga Maria, Patrícia Fisher, Paula Sacchetta, Paulo De Tarso Vannuchi, Paulo Ramirez, Paulo Ramos, Pedro Garbellini da Silva, Peu Robles, Rafael Schincariol, Rafael Souza, Reinaldo Nunes, Renan Quinalha, Ricardo Kobayashi, Ricardo Miriatti, Rita Sipahí, Robson Antinhani, Rodrigo Souza e Souza, Rogério Marcos de Melo, Rosalina Santa Cruz, Roseane Rego Sant’Ana Caciolari, Roseli Aparecida, Rosilea Mendes Silva, Ruivo Lopes, Sandra Heráclia de Araujo Silva, Saulo Ferreira dos Santos Braghini, Sebastião Neto, Sidnei Dalmo Rodrigues, Silvana Aparecida de Souza, Sônia Sampaio, Taís Molina, Tatiana (Poka) dos Santos Nascimento, Tatiana Uva Isoldi, Teatro da Neura Thaís Romoli Tavares, Tomaz Seincman, Vera Mazagão, Vera Paiva, Uvanderson Vitor da Silva, Valdênia Paulino, Vera Paiva, Vitaliana de Grazia, Waldemar Rossi, Weber Lopes. AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Eduardo Matarazzo Suplicy Rogério Sottili
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Sumário 11 Apresentação
Parte /01 Conhecer para não repetir 23
A ditadura matou Jozelita de tristeza
Marcelo Godoy
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Unindo os pontos
Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes
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A ditadura militar no Brasil e os danos
causados ao sistema educacional
Silvana Aparecida de Souza
Parte /02 Educação em dmv 63
Educar para o Direito à Memória e à Verdade
Carla Borges
77
Memória e democracia
Valdirene Gomes e Fernanda Verzinhassi
108
Plano de aula
117 Atividades realizadas 2014 117
Cinquenta anos do golpe: gestação do programa
2015
126
Memória, verdade e território
129
Território e direitos humanos
130
Vala de Perus e o desaparecimento forçado no Brasil
132
Memória e reflexão para não repetir o passado
135
Vivência de campo no laboratório forense
137
Sensibilização pela empatia
141
Para ensinar o valor da democracia e da vida humana
149
Os ceus e a cidade mais humana
151
Resiliência e propósito
152
Informação, diálogo e mudança
156
Ausência de justiça no passado, perpetuação
da impunidade hoje
161
Quebrar o silêncio e falar da impunidade
165
Mês da memória e verdade: 25 anos da
descoberta da vala clandestina de Perus
170
Fábrica de chocolate
173
Povos marginalizados e perseguição disseminada
178
Conhecer, resistir e denunciar
184
Literatura e tecnologia da informação:
vetores de mudança
2016 187
Jornada pedagógica e a vala clandestina de Perus
189
Fortalecendo redes
199 Outras atividades 203 Formações em números
Parte /03 Direito à Memória e à Verdade nas escolas 207 Edital de Educação em dmv nas escolas
Projetos premiados
215 Categoria 1: Cinquenta anos do Golpe Civil-Militar
lembrar é resistir / Verdades reveladas: o relatório
da Comissão Nacional da Verdade
223 Categoria 2: Os anos de chumbo no Brasil e o seu legado
educacional: as contribuições para a transversalidade
da educação em direitos humanos
243 Categoria 3: Movimento Feminista na luta contra a
homofobia e o racismo – movifemi hr
251 Referências 259
Legenda das siglas
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Apresentação Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania A publicação Educação em direito à memória e à verdade se insere nos esforços da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (smdhc) de garantir à população o acesso à verdade histórica sobre as arbitrariedades cometidas no país durante a ditadura instaurada no Brasil com o Golpe de 1964. Lançar luz a um passado que ainda vela crimes contra a humanidade, fazendo ver e ouvir personagens, vozes e acontecimentos que ainda são desconhecidos pela ampla população é essencial para o fortalecimento da democracia e da cidadania e também para a desconstrução de práticas autoritárias que ainda se insinuam no presente. A escola é um lugar privilegiado para romper com o ciclo de silêncio e de censura que impôs o esquecimento, para discutir – e então transformar – os legados repressivos que permanecem na atualidade. Como vetor fundamental para a construção e solidificação de valores, a escola é um espaço fértil para discutir o que significou viver com liberdades e direitos cerceados, para refletir sobre as consequências do regime autoritário, e sobre a importância da luta pela democracia em um período em que pairavam o medo, as prisões arbitrárias, as torturas e as mortes.
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Apenas conhecendo o que aconteceu seremos capazes de reconhecer quando as mesmas forças e estruturas que inauguraram um período de terror começam a tomar lugar, para saber contestá-las e confrontá-las. Conhecer o passado é fundamental para caminhar rumo à valorização da democracia e ao respeito aos direitos humanos, para que as violações cometidas não se repitam. Educadores, gestores e estudantes são agentes fundamentais nesse caminho. Nesse sentido, o programa Conhecer para não repetir: educação em Direito à Memória e à Verdade, desenvolvido pela Coordenação de Políticas pelo Direito à Memória e à Verdade (cdmv), promoveu nos anos de 2014, 2015 e 2016 o debate e a reflexão sobre a ditadura junto aos agentes que atuam na rede municipal de educação. Composto por ações de diferentes formatos e suportes, o programa buscou contribuir para que a reflexão sobre a ditadura fosse incluída de forma prática no cotidiano da escola, seja na rotina dos gestores e educadores, seja na sala de aula ou ainda junto à comunidade, em atividades extraclasse. A juventude negra e de periferia é a principal vítima da violência de Estado na atualidade;1 não por acaso
1 Conforme dados apresentados no I Seminário Municipal de Segurança Pública e Direitos Humanos, 50% dos homicídios cometidos em 2014 por policia ocorreram em zonas periféricas da cidade; 85% dos mortos eram jovens, 64% dos quais negros. Pesquisa disponível em: <https://www.portaldajuventude.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2015/12/Juventude-e-violência-no-município-de-São-Paulo.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2016.
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as formações tiveram como pano de fundo a questão dessa pratica tanto na ditadura quanto no presente. Este é um dos legados autoritários do regime que ainda permanecem como um desafio para os dias de hoje, para o qual a educação tem muito a contribuir. No total, foram cerca de setenta atividades, que chegaram a todas as Diretorias Regionais de Educação (dre) da cidade e alcançaram mais de seis mil educadores, mil estudantes e trezentos servidores públicos, jovens monitores, auxiliares de juventude e munícipes. Parte das atividades contou com o apoio das Coordenações de Educação em Direitos Humanos e de Juventude da smdhc, numa ação intersetorial integrada. A rodada de formações culminou, em 2016, no Edital de Educação em Direito à Memória e à Verdade (dmv) nas escolas, que selecionou projetos inovadores no tema, muitos dos quais foram estimulados pelas atividades desenvolvidas pela cdmv. Para coroar o ciclo de formações, a cdmv organizou em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (sme) o Seminário de Educação em dmv nas escolas, que ao longo de três dias pode se aprofundar sobre o tema e traçar novas perspectivas para a agenda futura. Somando-se às demais ações do programa, a presente publicação busca oferecer referências para inspirar novas práticas e fortalecer as já existentes, além de proporcionar um panorama geral sobre as atividades formativas realizadas ao longo dos últimos anos. Para continuar aquecendo e enriquecendo o debate, a primeira parte da revista apresenta três artigos de especialistas que se debruçam sobre as intensas conexões entre o passado e presente em três campos que,
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afetados pelo golpe, ainda carregam marcas no presente: a intersecção entre individual e coletivo, a instituição policial e o sistema de educação. Como alerta o jornalista Marcelo Godoy, a impunidade no passado para com os responsáveis por crimes lesa-humanidade assegura a impunidade no presente daqueles agentes que seguem repetindo práticas institucionalizadas durante a ditadura. Dessa forma, opor-se às violências cometidas pelo Estado não é uma tarefa que se esgota com o fim da ditadura; olhar para a história é uma tarefa essencial para rever o presente. A psicóloga Maria Auxiliadora Arantes nos convida a ligar os pontos, compreendendo não apenas a relação existente entre diferentes períodos, mas também de que forma o particular e o coletivo estão profundamente envolvidos na História. A partir de depoimentos que surgiram espontaneamente nas atividades do programa Conhecer para não repetir, a psicóloga chama atenção aos muitos pontos da nossa história que ainda precisam ser descobertos e então conectados de modo a construir outro sentido em nosso presente. O golpe militar foi também um golpe contra a educação pública de qualidade, conforme demonstra Silvana Aparecida, que elenca diferentes medidas impostas durante a ditadura que afetaram profundamente o sistema educacional brasileiro. Se, como nos alerta Silvana, a omissão dos danos promovidos pela ditadura no ensino é o que permite que no senso comum se afirme que havia educação de qualidade durante o regime militar, compreender os retrocessos impostos à educação é condição fundamental para transformar a escola no presente e também para discutir qual educação queremos.
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Na segunda parte do livro são apresentados os conceitos que dão forma ao programa Conhecer para não repetir. Conforme destaca a coordenadora de Políticas pelo Direito à Memória e à Verdade, Carla Borges, para além do ensino sobre determinado período histórico, a educação em dmv é parte fundamental para transformar uma cultura de violência, enraizada na história do país onde genocídios e violações aos direitos humanos atravessam os séculos, em uma cultura de direitos e de respeito. Aliado à fundamentação e ao histórico do projeto, o memorial de todas atividades realizadas no escopo do programa é trazido em detalhe para que as estratégias mobilizados pela coordenação dmv possam ser conhecidas em maior profundidade, replicadas, adaptadas e transformadas por gestores, educadores e estudantes de acordo com a realidade de cada unidade, região e ambiente escolar. Por fim, a terceira e última sessão da publicação apresenta o relato das iniciativas premiadas pelo Edital de Educação em Direito à Memória e à Verdade. Amparadas em diferentes estratégias as iniciativas de instituição de ensino, educador e grupo de estudantes demonstram algumas das muitas formas como o dmv e a educação democrática já vêm sendo trabalhados na rede. Desta forma, buscamos contribuir para a continuidade das ações formativas que apenas começaram a se alinhavar e já apresentaram resultados tão importantes, conforme a publicação evidencia. Queremos que os gestores e educadores que estiveram conosco ao longo dessa jornada possam se reconhecer nas
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atividades descritas e sentir-se encorajados a multiplicá-las e a agregar cada vez mais agentes transformadores. Com este registro, buscamos oferecer algumas ferramentas adicionais para subsidiar o trabalho de gestores, educadores, estudantes sobre o tema e de todas e todos aqueles comprometidos com uma educação crítica e cidadã e com a defesa da democracia. Para que não se repita. Boa leitura!
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“Só existirá de Brasil no dia em no país a máqui as democracias é a da escol a p
emocracia no m que se montar na que prepara s. Essa máquina pública .”
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A ditadura matou Jozelita de tristeza Marcelo Godoy Óculos escuros e terno preto. O homem que entrou na sala da Comissão Nacional da Verdade (cnv) passara os últimos 25 anos repetindo a mesma história: militares e civis que trabalharam em órgãos de segurança durante a ditadura militar foram obrigados pelas circunstâncias “a combater o terrorismo no Brasil”. Mataram quem os enfrentara de armas na mão. O discurso desse homem de oitenta anos mantinha viva a lógica da guerra que dizia ter lutado. Dizia que os inimigos que se entregaram fizeram mais do que se render aos militares: resolveram denunciar amigos, familiares e colegas para depois esconderem a covardia da delação com a desculpa de que seus captores os haviam torturado. Todos, repetia o veterano coronel, queriam acabar com o governo para instaurar no País uma ditadura de inspiração marxista-leninista. Os trajes do coronel ao depor eram civis, mas isso não interferia na qualidade da ação do personagem: Carlos Alberto Brilhante Ustra ainda estava em guerra, mesmo que a farda tenha sido deixada de lado em 1986, quando
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ele passara à reserva. Oficial do Exército, Ustra não foi à comissão contar a razão pela qual seus subordinados e colegas do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (doi-codi) mataram 74 pessoas e interrogaram e torturaram 2.491 “inimigos” em São Paulo, brasileiros como eles, mas que pensavam de forma diferente. Todos haviam sido prisioneiros do doi-codi em uma guerra incomum, como ele mesmo reconhecera. Nesse confronto não se respeitavam leis ou normas, pois seria absurdo dar ao inimigo a proteção reservada até aos criminosos comuns. A guerra do coronel não tinha fim. Seu confronto não se combatia só pelas armas, mas também por meio das ideias. Ustra e seus colegas transformaram a política em uma continuação da guerra e assim, panfletos, livros, discursos, partidos políticos, tudo o que contribuísse para a disseminação das ideias dos inimigos era uma arma nesse tipo de conflito, em que o dissenso entre as pessoas não se resolve pelo diálogo, mas pelo massacre. A fase propriamente bélica da guerra que Ustra pensava viver havia acabado nos anos 1970, com a destruição das organizações da guerrilha urbana e rural. O fim da luta armada, no entanto, não impediu que o doi-codi continuasse sua política de aniquilamento das organizações que se opunham ao regime, mesmo que fizessem isso organizando trabalhadores nas fábricas e no campo e apoiando a constituição de frentes políticas para disputar as eleições e, assim, derrotar o governo dos militares. Assim foi que o doi-codi e o Centro de Informação do Exército (cie) moveram a campanha contra o Partido Comunista Brasileiro (pcb) matando uma dezena
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de seus dirigentes e prendendo e torturando centenas de seus militantes que lutavam pela redemocratização no país. Na guerra de Ustra não havia espaço para a comiseração. Na democracia sonhada pelo militar, não havia espaço para o dissenso representado pelos comunistas e outros opositores. Sua aposta em um regime de força perdurou até 1977, quando tentou participar do golpe que o então comandante do Exército, Sylvio Frota, procurou dar no presidente, o também general Ernesto Geisel. Frota e Ustra perderam. Mas sua guerra não terminara. Transferira-se das balas e cassetetes para as ideias. E assim sua conflagração continuava até nossos dias – da mesma forma como parte dos métodos do doi-codi, como a encenação de tiroteios, permanece vivo nas forças policiais até os nossos dias, com as execuções extrajudiciais praticadas por policiais contra suspeitos de crimes. Foi por isso que o coronel, que morreria em 2015, foi à cnv. Ele decidiu transformar sua convocação como um ato de guerra. Não queria depor ou contar a verdade. Queria fazer um pronunciamento, que durou cerca de dez minutos. Negou crimes e se disse vitorioso por ter lutado pela sua democracia. Fazia 26 anos que o coronel se transformara no primeiro dos militares que participaram dos órgãos de segurança da ditadura militar – ele comandara o doi-codi do 2º Exército (São Paulo), de 1970 a 1974 – a construir uma narrativa sobre a guerra particular. Reuniu sua versão no livro Rompendo o silêncio. O título da obra esconde o grande silêncio que sempre acompanhou o coronel: a negativa de assassinatos e torturas confessados até pelos seus ex-subordinados. Agentes como João de Sá Cavalcanti
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Netto, Marival Chaves, Alemão, a tenente Neuza, o tenente José, o tenente Chico e outros forneceram relatos detalhados sobre as práticas adotadas pelo doi-codi naquele período, confirmando dezenas de depoimentos de testemunhas e sobreviventes das torturas praticadas no destacamento. O agente Nelson contou: Eles [seus colegas] batiam demais. Batiam em mulher, que a gente tinha de levar no braço para ela apontar um aparelho [esconderijo de uma organização]. Matou-se muita gente no pau [tortura], dependurada. Nas mulheres, eles davam choques. Eu só vi umas duas vezes lá os caras [presos] no pau de arara. Um sofrimento da porra. Tinha gente também que não era terrorista, mas calhava de entrar [ser preso] e os caras [colegas] ferravam.1
Nelson era conhecido como Pai-Velho. Trabalhou em uma equipe de Busca do doi-codi, responsável por vasculhar imóveis, apreender objetos, prender suspeitos e conduzi-los ao destacamento. Entrou ali em 1969 e ficou no destacamento até 1975, quando voltou para a Polícia Militar. Sabe o que conta. Foi comandado por Ustra e rompeu com o discurso oficial. Para ele, a guerra acabara. Não se submetera ao desejo do coronel de sequestrar a verdade. Ao negar os crimes do destacamento, Ustra pretendia tornar-se não apenas senhor do combate
1 Godoy, Marcelo. A Casa da Vovó. Uma biografia do doi-codi (19691991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar, 2ª edição. São Paulo: Alameda, 2015.
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passado, mas também do presente, assegurando mais do que impunidade a manutenção da dominação imposta pela força, criando uma verdade e interditando o debate. O coronel se batia agora pela memória, ou melhor, batia-se pelo esquecimento, pois sentia de que nada valera seu esforço na fase armada do conflito caso perdesse essa nova batalha. Sabia que o seu poder só poderia ser exercido mediante a produção de verdades. Ustra foi à cnv com uma liminar que lhe fora concedida pela Justiça: era obrigado a comparecer, mas tinha o direito de manter o silêncio. “Eu era um agente do Estado, comandante de uma unidade militar dentro da cadeia de comando. Quem deve estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, mas o Exército brasileiro”, afirmou. Ao buscar a proteção do Exército, Ustra queria a impunidade, pois onde todos são culpados, ninguém verdadeiramente é. O coronel que vencera o conflito bélico perdia pouco a pouco sua última batalha. Por não ter lutado bem sua guerra, segundo os princípios resultantes das normas estabelecidas entre nações civilizadas, das leis humanas e dos requerimentos da consciência pública, sob a desculpa que era necessário vencê-la, o militar viu sua causa tornar-se injusta para a sociedade. A repulsa que seus métodos despertavam fez de Ustra o símbolo de uma tirania. E como a ordem moral não entrou em colapso durante a ditadura, os crimes por ela cometidos foram e serão sempre reconhecidos como tais pela sociedade. A derrota de Ustra é o reconhecimento de que entre seus atos havia crimes, delitos que não atingiram apenas quem se opôs à ditadura, mas que ofendem toda a sociedade.
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Mas por que importaria hoje conhecer essa história? O que ela nos diz sobre o nosso presente? A impunidade de Ustra continua na impunidade de quem pretende impor atualmente sua ordem e sua verdade. É ela que permite ainda hoje às forças policiais de São Paulo matar 187 pessoas nos três primeiros meses de 2016 no estado. Os métodos de acobertamento da violência por meio da simulação de tiroteios são os mesmos do passado – os suspeitos são tratados como o inimigo em uma guerra, que deve ser neutralizado. É preciso lembrar que o efetivo do doi-codi era composto de militares das Forças Armadas e de policiais civis e militares. Estes, aliás, representavam até 70% do pessoal que trabalhava com Ustra. A tenente Neuza, que trabalhou com Ustra, conta como eram algumas das encenações de tiroteios feitas pelo destacamento: Tinha muita gente que era presa e o jornal, você sabe que tinha censura, era complicado. Então falavam que o cara havia morrido no tiroteio. Levavam uma pessoa parecida, balas de festim e “matavam” um dos nossos. Mas o cara [o preso] estava vivo. Aí ia ver se ele entregava alguma coisa, mas dificilmente entregava. Eles tentavam interrogar, mas o cara não queria falar nada e aí viajava [morria].2
O depoimento de Neuza traz mais um desafio: como preencher o abismo entre os fatos e a narrativa criada sobre o período pelo regime e por militares como Ustra?
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Godoy, Marcelo. A Casa da Vovó, p. 21.
Neuza mostra como a ditadura – assim como policiais no presente – buscava produzir verdades. Uma verdade extraída sob tortura e uma outra que se entregava à sociedade. Conhecer esse processo, desvelar esse fenômeno é o primeiro passo para se reestabelecer os fatos, construir uma nova verdade e fazer com que a memória do arbítrio não desapareça – o esquecimento é o grande ideal dos criminosos. É a pesquisa documental que pode revelar o que se busca esconder sobre o passado e o presente. É o testemunho dos personagens dessas histórias e a análise crítica dos documentos, mesmo os produzidos pela ditadura para justificar perseguições – como os processos, autos de interrogatório, denúncias criminais, conferências e teses –, que podem nos ajudar a construir narrativas justas, que sirvam de ponte sobre o abismo até os fatos, que nos libertem da encenação, da farsa do arbítrio. Mais necessário ainda é essa prática no ambiente escolar. Não só para estimular o debate e o conhecimento da história, mas também para se opor a narrativas como a de Ustra – que continua entre as obras mais vendidas nas livrarias – que busca transformar o conhecimento em uma arma de guerra a fim de que a aceitação de seus crimes se faça pelo esquecimento dos fatos. Enfim, opor-se a execuções e torturas não é uma tarefa que se esgotou com o fim da ditadura. Em 2016, policias militares do Rio de Janeiro fuzilaram em Costa Barros cinco jovens que voltavam para casa em um carro. Estavam em um Palio, que recebeu 110 tiros – oitenta deles de fuzil. Pensaram que eram bandidos. Todos eram jovens e trabalhadores. Negros e mulatos. Os policiais foram presos. E no dia 8 de julho, quatro
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meses depois que os jovens foram assassinados, a mãe de um deles, a cabeleireira Jozelita de Souza, deprimida e angustiada pela perda do caçula, sofreu uma parada cardíaca e morreu. Não suportou a perda do filho Roberto, que saíra com os quatro amigos para comemorar o fato de ter recebido naquele dia seu primeiro salário. Sem a memória do combate ao arbítrio – quando então tudo era permitido – não entenderemos por que policiais apertam o gatilho tão facilmente ainda hoje. Por isso, importa manter e resgatar a memória dos que lutaram contra a tirania, principalmente de seus atos. Sem ela, não entenderemos como a ditadura foi possível e como parte dela sobrevive até hoje em nosso cotidiano. Marcelo Godoy é jornalista e escritor. Em 2015 recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos com a reportagem multimídia Rota 66: A Confissão, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. É ainda o autor do livro A Casa da Vovó: uma biografia do doi-codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar, pelo qual recebeu em 2015 o prêmio Literário Biblioteca Nacional na categoria ensaio social (Sérgio Buarque de Holanda) e os prêmios Jabuti de melhor reportagem e livro do ano de não ficção de 2015, da Câmara Brasileira do Livro. Atualmente é o subeditor da seção Metrópole de O Estado de S. Paulo.
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Unindo os pontos Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes Conhecemos o jogo de unir os pontos dispersos em um papel. Um jogo que crianças, antes mesmo de conhecerem as letras, podem fazer. À medida em que unem os pontos, uma figura vai se delineando: um objeto, um animal, uma planta ou flor. Podemos imaginar que antes de jogar os pontos no papel, o criador da proposta tinha em mente um desenho. Apagou os contornos, ficaram as referências nos pontos a serem ligados. O jogo não é tão ingênuo ou singelo quanto parece e podemos pensá-lo a partir de outras referências.
Pontos Vários campos da ciência se preocuparam em resgatar fatos passados para se apropriar da história dos indivíduos, da espécie, da civilização ou do próprio planeta que habitamos. Origem, evolução e circunstâncias que determinaram mudanças, avanços e recuos civilizatórios e ambientais. Há uma história que é contada sobre uma antiquíssima tradição da memória ou da arte da memória, recontada ao longo dos tempos pelos filósofos, poetas e escritores. É a história de Simônides reconhecido como primeira pessoa a descobrir uma arte da memória. O episódio insólito
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que o ligou a esta arte teve como cenário um grande banquete organizado em homenagem ao boxeador Skopas. Durante o banquete Simônides se ausentou do salão para atender mensageiros que solicitaram sua presença. Assim que cruzou a soleira para sair, o salão do banquete desabou sobre a cabeça dos convidados e produziu tal destruição entre eles que os parentes dos mortos que vieram procurar os corpos para o enterro foram incapazes de os distinguir. Então conta-se que Simônides, que se recordava da ordem na qual os convidados estavam sentados, teve sucesso na tarefa de encontrar o morto de cada um dos familiares. Esse feito de Simônides parece ter dado ensejo para se observar que a memória é auxiliada pelo fato das localidades marcarem profundamente a mente.1
Seligmann Silva comenta a história e reforça o papel que teve Simônides ao se lembrar do local ocupado pelos que morreram, auxiliando os familiares a recuperar os corpos. A memória topográfica procedia conectando cada pessoa a um locus (ou topos: daí se ver a mnemotécnica como um procedimento topográfico como a descrição/criação de uma paisagem mnemônica). A memória
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Seligmann Silva, Marcio, (org). História, memória e catástrofe:
o testemunho na era das catástrofes. Campinas: Editora da Unicamp, 2003, p.467.
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topográfica é também uma memória imagética: na arte da memória conectam-se as ideias que devem ser lembradas a imagens e, por sua vez, essas imagens a locais bem conhecidos. Aquele que se recorda deve poder percorrer essas paisagens mnemônicas descortinando as ideias por detrás das imagens.2
A descrição da arte da memória encontrou em Sigmund Freud, criador da psicanálise, um terreno promissor. Não sabemos se Freud conheceu a história de Simônides, mas podemos estabelecer uma aproximação com o lugar que a memória ocupa nas construções da psicanálise. Uma das possibilidades de acesso à memória de fatos passados é feita a partir dos sonhos. Nos escritos sobre sonhos Freud dirá que nos sonhos que sonhamos dormindo, há um resto diurno que pode ser a chave para a interpretação. Este resto aparece de diferentes maneiras: num objeto, numa forma, em situação ou acontecimento como um fragmento de memória recente que se cola à memória de acontecimentos passados que compõem o sonho. A sobreposição de imagens nos sonhos faz lembrar uma foto sobreposta a outras onde fragmentos se confundem, misturam-se, e somente uma meticulosa análise e interpretação destas superposições irá configurar uma história que fará sentido para o sonhador. Encoberta pelos mecanismos do esquecimento, do recalcamento, da censura e outros, a memória é um
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Seligmann Silva, M, op. Cit. p. 55-56.
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dos conteúdos que permite a cada um a certeza de sua singularidade que paradoxalmente só pode se constituir na relação com um outro. Por isso é que se diz que a memória é uma produção coletiva a memória é uma produção coletiva e, ao mesmo tempo, individual. Freud é categórico quando afirma que tudo o que uma vez se formou nunca mais se desfaz. Pode ser modificado ao ser lembrando ou ficar recalcado para sempre. Mas estará lá, como uma marca, uma cicatriz. A história de Simônides reúne um precioso conteúdo, pela singularidade de ser único sobrevivente de um evento coletivo e portador de uma verdade que pode ser reconstruída em função da memória dos lugares ocupados pelos demais participantes da comemoração. Poderíamos construir nossas próprias hipóteses sobre este banquete: ali estavam provavelmente outros atletas, amigos de Skopas – o pugilista homenageado –, e imaginar amigos que se sentaram próximos e assim por diante. Mas uma única personagem cumpriu uma função essencial após a catástrofe, tornou-se uma testemunha e tornou-se a chave para a recuperação dos familiares que eram buscados.
Contadores de história Esta pode ser uma das explicações de por que os povos não dispensam os contadores de história. Desde a época em que os cantores passavam pelas estradas narrando feitos históricos e as apresentações de grupos de teatro representavam apenas fatos, chegamos aos escritores que imortalizaram nas histórias infantis as sátiras disfarçadas aos reis e rainhas, invocando bruxas, encantos e paixões.
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No Brasil, poetas e cantores populares e a literatura de cordel relatam, entre outros assuntos, os acontecimentos que presenciaram ou que lhes foram contados, e esta reprodução preserva a memória e é um legado que se transmite entre gerações. Sabemos que o lugar dos contadores de história é intocável. O primeiro contador de história para uma criança é alguém que com ela convive desde que ainda não sabe ler. Seus familiares mais próximos, muitas vezes mulheres que, em geral, dedicam maior tempo às primeiras funções de ensinar a andar, falar, conviver. Crianças gostam de ouvir histórias contadas, repetidas. É uma forma de se apropriarem de um texto que aos poucos tomam como seu: sabem quem são os personagens e como a história termina. Sentem-se seguras na sua possibilidade de antecipar o que vão ouvir... mais uma vez. Contar história, construir memória, buscar a verdade sobre um acontecimento é da ordem do humano. A trama dos acontecimentos que nos cercam, com os quais convivemos e sabemos que outros também conviveram, permite um lugar singular e coletivo, e confere à própria observação um valor que, somado às demais, constrói uma referência para os que naquele tempo não viveram e para os que virão depois. Não só os que contam e escrevem, mas também arqueólogos que decifram inscrições, que reconstroem a memória de acontecimentos a partir de achados em escavações ou em museus. Historiadores, cientistas políticos e sociais e cada vez mais os profissionais da imagem e do cinema e tradicionalmente pintores e desenhistas somam-se na preservação da memória.
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O cineasta chileno Patricio Guzmán, no filme documentário O botão de pérola, nos prova que também a terra e suas formações, os astros em sua exuberância cósmica e as profundas águas do oceano guardam memórias de fatos, de episódios, de catástrofes ambientais e de genocídios humanos. Sua narrativa cinematográfica e tenacidade em busca da verdade e memória une os pontos do extermínio dos povos nativos da Patagônia ao dos desaparecidos da ditadura contra Salvador Allende durante o século xx. Nos dois casos, jogados ao mar. Guzmán uniu pontos de extermínio ao dos fragmentos e artefatos humanos encontrados nas profundezas do mar, descrevendo a barbárie cometida contra o povo no Chile.
Memória e verdade: a busca Quando educadores da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo e monitores que trabalham nos equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura (smc) tiveram a oportunidade de participar de atividades culturais, seminários e oficinas para compreender a origem das violações aos diretos humanos que arcam a história brasileira a partir do golpe de 19643 – além de refletir sobre as consequências na sociedade atual, abordando-se também outras violações que fizeram parte da história brasileira como o genocídio indígena e a escravidão negra –, estes agentes educadores e monitores tomaram
3 As atividades integram o programa Conhecer para não repetir: educação em DMV comentadas na Parte 2 da publicação (N. O).
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em suas mãos o espaço, o locus que lhes foi confiado pela condição de inserção na rede municipal de ensino. Exerceram da melhor forma as determinações cidadãs que se confundem com suas funções de profissionais a serviço da história de uma cidade e, por decorrência, de um país. Um acontecimento único, um espaço de trabalho, um programa, não é o mais importante, o que importa é a determinação de levar à frente a missão de desvelar e revelar acontecimentos históricos, individuais , anônimos ou coletivos que assombraram brasileiros, cidadãos e cidadãs durante vinte anos ou mais em que o país esteve amordaçado, proibido, assustado e sob mira de armas e ameaças de toda natureza: de prisão, exclusão da carreira profissional, jubilamento estudantil e proibição de desenvolvimento técnico e acadêmico e de ascensão na carreira. E na radicalidade, ameaça de tortura, assassinato e desaparecimento. Estamos partindo da ideia que um ato dentro de uma cidade, particular e singelo, pode impactar um coletivo. Fora dos muros da moradia própria, a cidade é pública. Acontecimentos públicos engradecem a cidade e, no contraponto, apequenam os que não respeitam as conquistas cidadãs.
Depoimentos Os depoimentos colhidos durante as atividades de formação de professores da rede municipal de ensino, autorizados para divulgação, nos contam sobre quem eram, como eram os lugares em que estavam, o que aconteceu. Se retornarmos à metáfora de Simônides podemos dizer que esses testemunhos estabelecem pontos
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em diferentes espaços da cidade, em épocas distintas e vão aproximando histórias que pareciam sem sentido, acontecimentos insólitos, lágrimas liquefazendo palavras e um segredo pairando sem som. As referências são prova sim, de que no país houve acontecimentos que não puderam ainda ser amplamente divulgados e muitas perguntas sem respostas. O que é promissor é que iniciativas que podem ser repassadas pelos educadores às crianças e adolescentes em salas de aula e em atividades escolares de diferentes modalidades reconstroem em bases mais sólidas a verdade sobre o país. São pequenos fatos que se aproximam, unindo os pontos de um desenho que revela o que aconteceu ao longo dos anos em que vigorou um estado de exceção no qual os atos institucionais se sucediam. No dia 9 de abril de 1964, a Junta Militar que se outorgou o poder político e militar, baixou o primeiro Ato Institucional redigido por Francisco Campos, editado sem número a ser designado como AI-1 somente após a divulgação do segundo ato institucional.4
Ao todo, foram promulgados dezessete Atos Institucionais que, regulamentados por 104 atos complementares, conferiram um alto grau de centralização à administração e à política do país, consolidando a exceção como
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Arantes, Maria A. A. Cunha, Tortura: testemunhos de um crime de-
masiadamente humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013,p. 129.
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regra. Deu forma legal ao arbítrio e tentou legalizar o horror. Os civis e juristas a serviço da ditadura esmeraram-se na construção dos dispositivos da arquitetura da exceção. Entre acontecimentos do período da ditadura civil-militar há referências nos depoimentos abaixo transcritos sobre o AI-5, anistia e volta do exílio e o doi-codi. Em São Paulo, o doi-codi funcionava na rua Tutoia e foi um sinistro lugar de tortura e morte de opositores da ditadura. O AI-5 é, de todos, o mais conhecido, promulgado em 13 de dezembro de 1968. Entre as violações fechou o Congresso Nacional por tempo indeterminado, suspendeu direitos políticos e o habeas corpus, autorizou a intervenção nos estados da federação e nos municípios sem qualquer procedimento prévio. Espalhou o medo, a incerteza, anunciando que a ditadura era militar e civil e que veio para ficar por muitos anos. A campanha pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, em agosto de 1979, parcialmente vitoriosa, permitiu que exilados retornassem ao país, entre eles Herbet José de Souza – o Betinho –, dirigente da organização política Ação Popular e irmão do cartunista Henfil. Primeiro depoimento: Eu estava com a minha mãe na Penha, na rua da Sabesp, indo para a casa da minha tia, com meus seis irmãos. Eu estava com a minha mãe e era uma criança de colo, tinha só dois anos de idade, quando três soldados da cavalaria colocaram os cavalos em cima da minha mãe com sete filhos e fizeram a gente voltar para São Miguel Paulista. Era o dia em que foi instituído o
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AI-5. A gente estava há cinco minutos da casa da minha tia.... Eu me lembro também do dia da aprovação da anistia, estava sentada com o meu pai vendo tv. Ele era sindicalista, participou de diversos movimentos. Fazia questão de deixar a gente inteirado. Foi a primeira vez que vi meu pai chorar, copiosamente, quando a gente viu na tv que o Betinho tinha voltado do exílio. Lembrei disso por causa da cena que você mostrou no filme. Ana Lúcia de Campos, dre São Miguel
Segundo depoimento: Estou emocionada com o que vi aqui porque compreendi melhor uma prima que viveu essas atrocidades. Ela foi exilada e não retornou na primeira anistia. Hoje entendo o motivo pelo qual ela se fechou. Não fala sobre o que passou. Nunca toca no assunto. Rosilea Mendes Silva, dre Penha
Terceiro depoimento: Eu me lembro. Eu tinha oito anos, em 1968, e morava em Santo André. E do nada entraram na sala de aula da gente, dizendo que quem tinha telefone devia ligar para casa para os pais virem buscar porque ia ter passeata de estudantes. Demoraram para contatar os meus pais e quando minha mãe chegou já tinha a cavalaria e a gente se assustou muito. Eu tinha mais irmãos, minha mãe ficou tão apavorada que a gente não sabia onde se esconder. Para mim isso ficou muito marcado. Maria das Graças Dias Rosas Saito, dre Brasilândia
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Quarto depoimento: Você se esqueceu de falar das pessoas que perderam a vida em vida. Minha tia foi casada com Roberto Leme de Oliveira, cineasta e perseguido. Ela ainda está viva e o seus filhos também. Ele ficou preso por uma semana no doi-codi quando ainda eram noivos. E durante essa semana toda a família parou sua vida e ficou reunida na casa da avó. Minha tia chegou a casar com ele, mas ele mudou de personalidade e de vida totalmente. Nunca comentou sobre o que aconteceu lá. Morreu como porteiro. Gisele Timóteo, dre São Matheus
Quinto depoimento: Desde que eu cheguei aqui de manhã eu estou com o peito bem apertado. Eu perguntei para os meus pais como era na época da ditadura e eles disseram que não sofreram nada, e isso foi logo nas manifestações de 2013. Meu pai disse que na época da ditadura a família não se envolvia e que achava que não era com eles. Eu me senti bem próxima de tudo. Vi aquela exposição “Ausênc’as, do fotografo Gustavo Germano, e pensei que há uns anos poderia ter sido eu. Isabel Borges Barros, monitora do Programa Jovem Monitor da smc
As lembranças de Ana Lúcia, Rosilea, Maria das Graças, Gisele e Isabel desenham pontos de referência da arquitetura da ditadura civil-militar: AI-5, exílio, anistia, retorno do exílio, movimentos de rua de
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enfrentamento aos ditadores, repressão com o uso da polícia militar a cavalo. Os sentimentos e emoção atravessam os relatos: o silêncio sobre os acontecimentos, a proibição de comentar os fatos, a cicatriz definitiva de quem foi atingido pela a violência da tortura. Todos expressam marcas da tentativa de calar brasileiros e brasileiras que eram trabalhadores, sindicalistas, alunos, professores, funcionários, mães de família. Foram testemunhos ou vivenciaram em suas vidas próprias, no seu local de moradia, trabalho ou estudo a catástrofe implantada com a ditadura civil-militar a partir de 1964.
Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes é psicóloga e psicanalista. Membro do departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Mestre em psicologia clinica e doutora em Ciências Sociais na puc-sp. Uma das fundadora do Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo (cba-sp). Foi coordenadora geral de Combate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2009-2010). É autora, entre outros do livro, Tortura (2013).
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A ditadura militar no Brasil e os danos causados ao sistema educacional 1
Silvana Aparecida de Souza A educação dos jovens, pensada inicialmente no âmbito individual, privado e religioso, passa a ser considerada como atividade universal, coletiva e laica somente a partir da vigência do Estado Moderno. No Brasil, esse período se iniciaria, em tese, com a República em 1889, mas
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Texto síntese baseado em artigo da autora, publicado originalmen-
te na revista Ser Social, Brasília, v. 17, n. 36, p. 49-67, jan/jun. 2015, sob o título: “Democracia e qualidade: as consequências da ditadura militar ao sistema educacional, na frágil transição democrática brasileira”. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/view/15322/11946> Acesso em: 2 ago. 2016.
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só conseguiu dar seus primeiros passos após a Revolução de 1930. A partir daí, o sistema educacional brasileiro foi pensado majoritariamente por liberais como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo – influenciados pela Escola Nova –, que produziram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, um verdadeiro plano de sistema educacional que deveria se expandir por todo o país e atingir uma gigantesca população de analfabetos. O “Manifesto de 32”, como ficou conhecido, reflete um embate em torno da tese da liberdade de ensino e da participação das famílias na decisão de em qual escola seus filhos deveriam estudar. Porém, por trás da bandeira da liberdade de ensino, o que estava em jogo era a coexistência do sistema público e privado, este último representado pelo ensino confessional, pois o ensino privado com fins estritamente lucrativos ainda era muito pouco desenvolvido, ao contrário de hoje. Havia ali um projeto de nação, de alfabetização geral do povo, e também de desenvolvimento das comunicações, das estradas, do sistema de transporte, da grande indústria, da implantação de um sistema educacional de qualidade para todos, ainda que objetivamente estivesse longe de se materializar tais objetivos. A política e o projeto social que se desenvolviam no país tinham a potencialidade de reduzir a desigualdade entre os brasileiros, mas foram interrompidos e substituídos por outro projeto, efetivado após o golpe militar de 1964. Os intelectuais que poderiam conduzir aquela reforma foram banidos, exonerados
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e cassados em função de seus vínculos reais ou ideais com o governo João Goulart. A partir do golpe, o comando do Ministério da Educação passou para as mãos de militares e juristas, seguidos de engenheiros e médicos, como se pode observar na relação a seguir, onde são listados os nomes dos ministros daquela pasta no período de 1964 a 1981: Luís Antônio da Gama e Silva (advogado); Flávio Suplicy de Lacerda (engenheiro); Pedro Aleixo (advogado); Raymundo Aragão (médico); Tarso de Morais Dutra (advogado); Jarbas Passarinho (militar); Ney Braga (militar); Euro Brandão (engenheiro); Eduardo Portella (advogado); Rubem Carlos Ludwig (militar); Ester de Figueiredo Ferraz (advogada). Em termos pedagógicos, observa-se agora, com a ajuda do distanciamento histórico, que a reforma educacional da ditadura militar se constituiu na expansão de uma escola barata e precária, na qual um professor e mais ou menos quarenta estudantes são confinados entre quatro paredes, mediados por uma relação baseada na obediência, na repetição, no silêncio e nos castigos físicos e morais executados com autorização das famílias e conivência do Estado. Para executar esse modelo de escola, foram criadas pelo Decreto-Lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, a disciplina de Educação Moral e Cívica (emc), de caráter obrigatório, em substituição à Filosofia, e de Estudos dos Problemas Brasileiros (epb), em substituição à Sociologia, como forma de evitar o debate político ao mesmo tempo em que garantia a transmissão de conteúdos e valores ligados à manutenção da ordem vigente.
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Os efeitos destas disciplinas foram demonstrados nos estudos de Vieira2 e estavam relacionados com a manutenção da ordem por meio do civismo e do patriotismo, com fundamento na moral e na preservação do espírito religioso, do culto à obediência à lei e da fidelidade ao trabalho. As disciplinas de História e Geografia foram substituídas por Estudos Sociais. Também foram alterados os conteúdos e objetivos da disciplina de Organização Social e Política Brasileira (ospb), que havia sido criada em 1960 por Anísio Teixeira. Para manter o formato de obediência à ordem estabelecida pela ditadura militar, a gestão dos estabelecimentos escolares públicos era efetivada por diretores nomeados com cargo de confiança dos dirigentes do poder executivo. Tais diretores mantinham uma relação com a comunidade, no formato que Licínio Lima caracterizou como “uma situação de não participação forçada ou imposta”,3 que era garantida
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Vieira, Cleber Santos. Livros didáticos e cultura política: ospb em
tempos de Nova República. Cadernos de História da Educação (Universidade Federal de Uberlândia - ufu. Impresso), v. 10, n. 1, p. 71-82, jan/jun 2011. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/ che/article/view/13147/7508>. Acesso em: 25 mai. 2015. _____. Civismo, República e manuais escolares. Revista Brasileira de História. vol. 32, n.63. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.scielo. br/scielo.php?pid=S0102-01882012000100015&script=sci_arttext>. Acesso em: 25 mai: 2015. 3 Lima, Licínio C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez, 2001. p. 70-3.
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pelo medo – justificado pela existência da censura – da repressão policial e legitimada pelo culto à obediência e ao cumprimento da ordem e do respeito às normas estabelecidas. Mas, para além da forma de ensinar, dos conteúdos e da forma de escolha da direção da escola atrelada ao poder golpista, a organização do espaço escolar também estava planejada para manter a ordem. Sendo assim, lançando mão do mesmo modelo utilizado por organizações religiosas, a arquitetura dos prédios escolares construídos durante a ditadura militar também colaborava para o controle da movimentação dos estudantes, dos tempos e da ocupação dos espaços.4 Tratase das edificações baseadas no modelo do pan-ótico: um modelo arquitetônico de prédio público idealizado por Jeremias Bentham no final do século xviii, com o objetivo de permitir a observação total por parte do poder disciplinador e econômico da vida dos indivíduos, e que foi pensado como um projeto de prisão modelo para o controle dos encarcerados, mas também sugerido e adotado para instituições educacionais, de assistência e de trabalho. Nesse modelo, os prédios escolares possuíam um pátio livre no centro, rodeado de salas de aula, muitas vezes em dois andares, de onde
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Souza, Silvana Aparecida de. Gestão democrática e arquitetura
da escola. Educação: Teoria e Prática – Vol. 21, n. 38, Período out/ dez 2011. Disponível em: <http://gephisnop.weebly.com/uploads/2/3/9/6/23969914/gesto_silvana.pdf>. Acesso em: 8 jul: 2016. p. 174.
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se poderia visualizar toda a movimentação de pessoas, fato que permite, para além do controle dos corpos, a manutenção das relações de poder. Outras medidas tomadas durante a ditadura são exemplares da combinação do formato repressivo e de baixo custo, que assumiu o sistema educacional brasileiro, quais sejam: • Encurtamento e barateamento da formação dos docentes com a criação da Licenciatura Curta, com a qual professores eram formados em apenas um ano e meio para lecionar para o que era denominado à época de 5ª a 8ª série ginasial. • Fortalecimento do sistema privado de ensino, criando a possibilidade de dedução no Imposto de Renda de Pessoa Física dos gastos com dependentes em escolarização privada, uma medida de renúncia fiscal a favor do sistema privado de educação (Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964) que, na prática, se constitui em uma “bolsa para a classe média brasileira”. • Dedução em dobro para despesas de empresas que desenvolvessem projetos que objetivassem “a preparação imediata para o trabalho” (Lei 6.297, de 1975). • Incentivo à modalidade de educação à distância, sobretudo para cursos de formação inicial de professores, combinado com subsídios de recursos do mec para financiamento de mensalidade em instituições de ensino superior particulares, em detrimento da expansão do investimento nas universidades públicas, dando início à política de empréstimos bancário para pagamento de mensalidades no sistema privado de Ensino Superior.
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• Redução da proporção do valor destinado ao mec, que no governo de João Goulart girava em torno de 10% do orçamento da União, para 4,3% em 1975.5 • Reforma do Ensino Médio, introduzindo a obrigatoriedade do ensino profissionalizante para atender as exigências do mercado. • Extinção dos colégios vocacionais. • Reforma universitária, passando a vinculação dos docentes dos cursos para os departamentos e mudando o regime dos estudantes de disciplinas para o sistema de créditos, com o objetivo de desmobilização da condição de pertencimento e identidade dos cursos e das turmas. • Criação da listra tríplice, a ser enviada para o Executivo, em substituição ao regime de escolha, para definição dos reitores das universidades públicas. • Substituição da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, coordenada por Paulo Freire, pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).
Apesar de todas essas evidências, há um senso comum de que antigamente havia uma educação de qualidade que se perdeu com o processo de expansão de vagas e universalização do acesso à Educação Básica. Existiam, sim, no período ditatorial, algumas escolas de excelência que sem dúvida nenhuma tinham eficiência na capacidade de transmissão de conteúdos curriculares. Algumas dessas eram escolas técnicas,
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CUNHA, Luiz Antônio & Goes, Moacir. O golpe na educação. Rio
de Janeiro: Zahar, 7 ed, 1991. p. 51-2.
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outras regulares, situadas em geral nos grandes centros urbanos. Mas essas mesmas escolas, assim como as demais, produziam um índice em torno de 50% de reprovação no primeiro ano do Ensino Fundamental, no Exame de Admissão e no primeiro ano do antigo Ginásio. Isso sem falar no alto índice de evasão então existente. Eram escolas baseadas em relações absolutamente autoritárias, ancoradas na obediência, na memorização e na violência física, com as tradicionais “reguadas” e os castigos, e, sobretudo, para a manutenção da ordem, que se expressa no lema positivista da bandeira nacional. Os educadores humanistas e humanizadores devem se perguntar: uma escola autoritária, violenta, que fazia patrulha ideológica e que se baseava na memorização, pode ser considerada de qualidade? A resposta a essa pergunta só pode ser um grande e sonoro não, não havia um sistema educacional de qualidade durante a ditadura militar no Brasil, mas sim algumas escolas com alguma competência de transmissão de conteúdo curricular quase que a qualquer custo. E é preciso lembrar que qualidade para apenas alguns não é qualidade, mas privilégio. Essa defesa equivocada da educação e da sociedade gerenciada por militares só é possível devido ao fato de o currículo escolar ser omisso quanto ao estudo dos danos desse período e dessa forma de governo. Por isso, é preciso produzir mudanças de ordem curricular, introduzindo, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino sobre o tema “História da ditadura militar no Brasil e violação de direitos humanos” no Ensino Fundamental e Médio, público e privado, no sentido
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das recomendações do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (cnv), pois atualmente o currículo escolar e os livros didáticos passam ao largo dessas temáticas. É preciso mudar a forma como se aborda todos os fatos históricos, em geral, na escola, mesmo os anteriores ao período da ditadura militar iniciada em 1964, que minimizam, simplificam, distorcem ou mesmo ridicularizam episódios nos quais o povo se organizou e resistiu ao autoritarismo de Estado. Por exemplo, quando os textos dos livros simplificam a libertação dos escravos a um ato da princesa Isabel e sequer mencionam centenas de vidas ceifadas nessa luta; quando tratam Tiradentes como inconfidente, palavra que tem um sentido pejorativo e omite toda a luta que culminou com a morte deste e de dezenas de outros heróis nacionais; quando denominam a tentativa de tomada de poder dos comunistas, em 1935, como intentona, palavra também de caráter pejorativo, e muitos outros episódios como estes. Outro aspecto relevante diz respeito à organização dos tempos, dos espaços, da arquitetura da escola que, organizada com base em decisões estritamente econômicas e não pedagógicas, não levam em consideração as necessidades materiais de se promover a tão aclamada participação da comunidade na gestão, de modo a torná-la mais democrática e voltada aos interesses populares. Quando as decisões educacionais são de natureza econômica e em um país governado pela lógica da acumulação capitalista, prevalece o interesse privado, empresarial e lucrativo na coisa pública, e há uma
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incompatibilidade entre a oferta de uma educação de qualidade para todos e os interesses do mercado, pois, bem vistas as coisas, salta aos olhos o fato de que com mais mercado ainda do que o que já se tem atualmente na educação, não possa haver melhoria e sim deterioração da qualidade do processo educacional. Silvana Aparecida de Souza , Pós-doutoranda em Política Social pela UnB; Doutora em Educação pela usp; Professora do ppgscf da Unioeste-Foz do Iguaçu. Email: sasouzaunioeste@hotmail.com
â&#x20AC;&#x153;Quando perdem de nos indignarm atrocidades pra outros, perdemo direito de nos c seres humanos c Vladmir Herzog
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Educar para o dmv Carla Borges Nos últimos anos, graças aos avanços conquistados pelos familiares de mortos e desaparecidos, ex-presos políticos, coletivos de juventude e organizações da sociedade civil, bem como pelas diversas comissões da verdade que se multiplicaram por todo o Brasil, muito tem se debatido sobre a ditadura militar e suas implicações até o presente. Ainda assim, muitas perguntas ainda permanecem sem resposta. Onde estão nossos desaparecidos? Quando os crimes serão esclarecidos? Quando teremos justiça? Quando estaremos livres de novos golpes? O silêncio que sucede essas questões reitera diariamente as violações sofridas pelas vítimas diretas do regime autoritário que, por mais de vinte anos, perseguiu, torturou e assassinou milhares de pessoas no Brasil. Resta como uma ferida aberta. Mas é também uma afronta às novas gerações, que devem ter assegurado o seu
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direito a conhecer com profundidade os acontecimentos desse período, seus significados e impactos até os dias atuais. Sobretudo, para não deixar que se repitam. Em um país forjado na cultura de violência – marcado pelo genocídio indígena, escravização dos povos negros e duas longas ditaduras1 –, é preciso lutar duro para reverter o legado autoritário e construir uma cultura de respeito aos direitos humanos. Tais violações, permanentes e crescentes, gestaram uma sociedade extremamente desigual e injusta, carregada de preconceitos e restrições às liberdades das pessoas. Para confrontá-las, é necessário dissolver pouco a pouco o imaginário da violência, por meio da valorização da diversidade e da construção de valores de equidade, de solidariedade e de justiça social. E a educação tem um papel fundamental a desempenhar nesse sentido. A escola é um espaço onde esses valores encontram um ambiente potencialmente fértil para o diálogo, as vivências, a construção de consensos e a compreensão e o exercício prático da cidadania. Por isso ela é estratégica para a mudança de cultura de que estamos falando e para a solidificação de valores democráticos. Afinal, uma democracia só se faz por meio de cidadãos democráticos. Temos adiante um paradoxo: O principal paradoxo da democracia persiste: ela não existe sem uma educação apropriada do povo para
1 Vannuchi, Paulo. Entrevista concedida à Carta Capital em 21 de outubro de 2013.
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fazê-la funcionar, ou seja, sem cidadãos democráticos. E a formação de cidadãos democráticos pressupõe a pré-existência destes como educadores do povo.2
Então como começar a formar essas cidadãs e esses cidadãos? Embora não haja uma fórmula única, a edh apresenta-se como uma importante chave e aponta alguns caminhos rumo a uma sociedade efetivamente democrática.
Educação em direitos humanos No Brasil, a discussão sobre os direitos humanos ganha força a partir dos movimentos de resistência à ditadura militar que lutavam pela volta da democracia. Com o fim do regime autoritário, no processo de redemocratização, abre-se caminho para propostas educacionais orientadas pela reabertura política e a garantia de liberdades e direitos fundamentais. Algumas frentes se anunciam ao longo da década de 1990 e no início dos anos 2000, com as versões iniciais do pndh e do pnedh. Mas é principalmente em 2009, com o pndh-3, que a edh passa a ter centralidade entre os compromissos a serem assumidos pelo Estado. A educação e a cultura em direitos humanos visam à formação de nova mentalidade coletiva para o exercício
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Benevides, Maria Vitória. “Educação para a democracia”. In:
Neves, Kátia Felipini & Franco, Caroline Grassi. Educação em Direitos Humanos – memória e cidadania. São Paulo: Memorial da Resistência de São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2012, p. 96.
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da solidariedade, do respeito às diversidades e da tolerância. Como processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, seu objetivo é combater o preconceito, a discriminação e a violência, promovendo a adoção de novos valores de liberdade, justiça e igualdade.3
Em 2012, o Conselho Nacional de Educação (cne) estabelece as Diretrizes Curriculares de edh, definindo a edh como um dos eixos fundamentais do direito à educação. Assim, a edh é entendida como (...) processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas.4
As definições contidas nesses marcos legais ajudam-nos a compreender a educação em direitos humanos como uma frente que deve promover o reconhecimento de si mesmo e do outro como sujeitos de direitos. Ela se volta para promover o respeito aos direitos de todas as pessoas, independente de quaisquer condições, e para a valorização das diferenças a partir da
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Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidên-
cia da República. Programa Nacional dos Direitos Humanos (pndh-3). Brasília: sedh/pr, 2010, p. 191. 4
Brasil. Ministério da Educação. cne. Resolução nº 1, de 30 de
maio de 2012. Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Brasília,2012.
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compreensão das especificidades e reivindicações de segmentos sociais historicamente marginalizados. A edh emerge como uma forte necessidade capaz de reposicionar os compromissos nacionais com a formação de sujeitos sócio-históricos de direitos e de responsabilidades. Ela poderá influenciar na construção e na consolidação da democracia como um processo para o fortalecimento de comunidades e grupos tradicionalmente excluídos dos seus direitos. 5
Trata-se de uma área de formação permanente de crianças, jovens e adultos, dando-lhes base para participar de forma ativa da vida social e política, reivindicar e exercer os próprios direitos, mas também defender os direitos do outro. Em suma, a edh reconhece a própria educação como uma faculdade inalienável e, ao mesmo tempo, como uma ponte para a efetivação das demais. Mais que isso, é uma educação empoderadora, emancipadora – conforme o modelo freireano –, que forma para a consciência crítica e para a ação política, fundamental para a consolidação e permanência da democracia, e também para o surgimento do cidadão democrático, que é quem vai lutar por sua afirmação e constante renovação.
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Brasil. Ministério da Educação. cne. Texto orientador para a
elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos. Brasília, 2011, p. 4.
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Educação em dmv Entre diversas frentes e conteúdos que compõem a edh, uma delas tem particular vocação de educar para a democracia: a dmv. Esse é o termo pelo qual ficou conhecido o ensino sobre os acontecimentos que marcaram a ditadura militar brasileira, seus significados e suas marcas até o presente. As violações aos direitos humanos cometidas pelo regime militar construíram uma narrativa de medo e de silenciamento no Brasil que perdura até hoje. Mais de cinquenta anos se passaram desde o golpe militar de 1964 e ainda custamos a juntar as peças de um quebra-cabeça inacabado, muitas delas destruídas, escondidas nos arquivos ainda herméticos das Forças Armadas, ou levadas para o túmulo por oficiais que faleceram sem o julgamento devido. Mas muitas pistas ainda podem ser encontradas e acessadas por meio da memória daqueles que sobreviveram ao período e que fazem de suas vidas uma constante militância pelo direito à verdade e à justiça. Em São Paulo, cidade que congrega quase um quarto de todos os mortos e desaparecidos políticos do Brasil, existe uma vasta rede de entidades e movimentos sociais dedicados ao tema, que têm batalhado para registrar, disseminar e manter viva essa memória. Outras lacunas também podem ser preenchidas por agentes que colaboraram com a repressão e que agora se dispõem a compartilhar seus relatos. É o caso, por exemplo, dos agentes dos doi-codi de São Paulo entrevistados pelo jornalista Marcelo Godoy, que revelaram verdades desconhecidas até mesmo para os que
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estiveram presos no local.6 É o caso também do ex-delegado de uma das unidades do Departamento de Ordem Política e Social (dops), Claudio Guerra, que com suas confissões publicadas em Memórias de uma guerra suja, indicou novos possíveis locais de inumação de desaparecidos políticos.7 E até mesmo daqueles que, ao depor na cnv, seguem dizendo que não se arrependem ou que apenas cumpriam ordens, evidenciando o quão enraizado segue o discurso dominante de que matar os oponentes ao regime era algo legítimo. Com seus depoimentos, voltam a violentar a memória dos que perderam a vida lutando pela democracia e dos que ficaram à espera das respostas. Mas ainda assim acabam lançando novas pistas sobre verdades obscurecidas. Foi o caso do coronel reformado Paulo Malhães, assassinado um mês após o depoimento oficial, insinuando que as mesmas estruturas de comando seguem ativas a impor-lhes a lei do silêncio. Mesmo esses fatos já revelados ainda não foram suficientemente disseminados e apropriados pela população brasileira de forma geral, muitas vezes devido à omissão dos próprios meios de comunicação. O desconhecimento sobre as violações praticadas pelos agentes da ditadura se manifesta em diversas esferas
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Relatos publicados em: Godoy, Marcelo, A Casa da Vovó – uma
biografia do doi-codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar. São Paulo: Alameda, 2014. 7 Medeiros, Rogério; Netto, Marcelo. Memórias de uma guerra suja. São Paulo: Topbooks, 2012.
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sociais, inclusive na educação. Nas escolas brasileiras, o ensino sobre a ditadura, a formação inicial de professores e o material disponível aos educadores não tratam do tema com a profundidade e delicadeza que ele requer. No Brasil encontramos uma situação bastante distinta daquela dos países vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile, que passaram igualmente por regimes autoritários e que, para além de fazer justiça e punir os responsáveis pelos crimes, há muito lograram inserir o ensino sobre a ditadura em seus currículos e disciplinas escolares. Nossos livros didáticos são superficiais ao tratar o tema e, quando muito, mencionam brevemente as prisões e torturas, ainda as tratando como algo pontual que acontecia nos “porões”, sem contextualizar as razões e as estruturas de comando que permitiram que se chegasse àquelas atrocidades. Desde o acontecimento de um fato histórico até que ele passe a compor os livros e materiais didáticos costuma-se transcorrer cerca de quinze anos, ou seja, quase o equivalente a uma geração educacional. No que se refere à ditadura, contudo, esse tempo parece ser muito maior. E não por acaso. À semelhança da propaganda nazista e de outros governos autoritários, o regime atuou ativamente para o esquecimento, o silenciamento e a disseminação de uma versão oficial falaciosa, que oferecia uma visão completamente enviesada dos fatos, da qual até hoje custamos a nos desvencilhar. Não custa lembrar que até há pouco tempo os livros didáticos ainda se referiam ao golpe como “Revolução Gloriosa de 1964”. Por esse motivo, oferecer formação adequada aos educadores e material que subsidie um trabalho mais
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aprofundado em sala de aula sobre a ditadura militar e suas reminiscências é tão primordial. Compreender a barbárie é fundamental para fazer face a ela. Debater nas escolas sobre um período de liberdades cerceadas, no qual as pessoas eram perseguidas, censuradas, presas ou mortas por expressar seu pensamento e lutar pelo que acreditavam é, por oposição, também falar de democracia. Períodos de ausências de direitos se confrontam com outros marcados pela garantia das liberdades individuais e dos direitos sociais, civis e políticos. O contraste faz saltar aos olhos a importância de se viver em um ambiente democrático, de oportunidades iguais. dmv no chão da escola
Para se trabalhar esse tema nas escolas, as formas podem ser as mais diversas. Os recursos didáticos também. Uma roda de conversa, um cinedebate, uma apresentação de teatro... O assunto pode ser trabalhado como conteúdo disciplinar das grades de História, Geografia, Sociologia ou em Artes, Português, Literatura, Redação etc. Pode ser abordado em projetos especiais envolvendo o coletivo escolar e a comunidade ou tratados especificamente em programações especiais de semanas temáticas, datas comemorativas. Pode também acontecer por meio do encontro com sobreviventes e resistentes políticos, cujos relatos e testemunhos têm um enorme potencial educativo, que vai além do que qualquer material didático ou discurso político poderia alcançar. Independente do formato escolhido, o mais importante é que se possa analisar o regime militar sempre
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em perspectiva e não de forma estática: um período que radicaliza a violência e as violações aos direitos humanos, mas que é fruto de um processo que há muito vem sendo engendrado na formação cultural e social brasileira, e que segue deixando marcas. Falar de ditadura não é falar de um passado distante que ficou esquecido ou que deveria ficar. Assim como falar de violência policial hoje, por exemplo, não é falar apenas do presente. São todas manifestações do mesmo braço armado do Estado que segue fazendo vítimas entre seus próprios cidadãos. Por isso, é válido esclarecer que, embora o dmv se refira mais especificamente ao período histórico de 1964 a 1988, ele não deve reduzir o estudo das implicações históricas exclusivamente a esse período. Trata-se, ao contrário, de permitir, por meio do ensino historiográfico e sociológico de um momento relativamente recente da história brasileira, a percepção do quanto a violência de Estado está enraizada em nossa realidade, pelas diferentes vertentes e recortes que o estudo sobre a ditadura possibilita. É válido destacar, nesse sentido, que a educação em dmv é também um espaço de reflexão e de formação política que permite desvelar diversas facetas da cultura de violência que marca a nossa história, que só se aprofundaram ainda mais durante o período autoritário. Por exemplo, a violência sofrida pela mulher resistente, perseguida duplamente em sua condição de oponente ao regime e de quem ousou desafiar o lugar que a sociedade lhe reservava: em casa, cuidando dos filhos, atrás do fogão. Ou a violência cometida contra jovens negros e periféricos
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seguidamente vitimados pelos grupos de extermínio, principalmente a partir dos anos 1970. Nas milhares de tribos indígenas dizimadas na disputa pela terra conduzida pelos latifundiários avessos às reformas propostas pelo presidente deposto pelo golpe. E nos líderes campesinos assassinados por sua luta de resistência no campo e pela nutrição da luta armada de guerrilha. Enfim, são muitos os subtemas e matizes sobre os quais a educação em memória e verdade pode se debruçar de forma transversal, contribuindo para desconstruir estereótipos e preconceitos e a formar gerações livres do machismo, do racismo e outras formas de violência. A educação em direito à memória e à verdade apresenta-se, portanto, como um ato de resistência contínua às arbitrariedades e às violações aos direitos humanos. Como chave para finalmente romper com um ciclo autoritário de esquecimento, medo e silenciamento. Isso é fundamental para a construção da memória individual e coletiva, com vistas ao “nunca mais”. Afinal, ter acesso à verdade sobre os fatos ocorridos e à memória dos sujeitos que participaram dessa história não é apenas um direito das vítimas, mas também das novas gerações, que devem conhecer com profundidade a repressão imposta pela ditadura militar e, assim, reunir condições de evitar a sua repetição. Ao promover uma educação voltada para a formação de sujeitos democráticos, a educação em direito à memória e à verdade acaba sendo, portanto, um componente fundamental da mudança de cultura que pretendemos em favor de uma cultura de direitos.
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Os avanços nas políticas de direitos humanos só são possíveis quando se pisa sobre um tapete de democracia, onde o respeito às pessoas e à vida é preservado.8
Por isso pode-se dizer que a educação em memória e verdade tem um papel estratégico. Ela carrega um potencial singular para ajudar a construir consciência política e a formar cidadãos democráticos, sem os quais não será possível consolidar e garantir a sobrevivência de nossa tão frágil democracia. Carla Borges é graduada em Relações Internacionais pela UnB e mestre em Educação pela usp. Trabalhou na Unesco-Genebra e no Ministério da Educação e na Secretaria Geral da Presidência da República. Desde 2014, é coordenadora de Políticas de Direito à Memória e à Verdade (dmv) da smdhc da Prefeitura de São Paulo.
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Sottili, Rogério. Entrevista concedida à Rede Brasil Atual em
10 de maio de 2016. Acesso em <http://www.sul21.com.br/jornal/ nao-ha-politica-de-direitos-humanos-sem-democracia-diz-sottili/>
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Memória e democracia Valdirene Gomes Fernanda Verzinhassi Apesar de passados mais de trinta anos desde o fim da ditadura militar no Brasil – de 1964 a 1985 –, apenas recentemente foi estabelecida como política pública nacional tornar de conhecimento público a violência promovida pelo Estado neste período. As Comissões da Verdade, instaladas a partir de 2010, revelaram muitos fatos até então conhecidos somente na esfera privada das famílias mais diretamente impactadas pelo regime militar. Os registros desses acontecimentos foram mantidos sob sigilo pelo governo ou por agentes do Estado, o que contribui para manter a impunidade desses crimes. Os registros oficiais e a história do país requerem uma nova escrita e esta, por sua vez, impõe a necessidade de reflexão à luz dos relatos que vão sendo aos poucos revelados. É preciso revisitar o que se aprendeu na escola, o que se presenciou nesse período e indagar sobre os impactos dessa época para os dias atuais. E o professor, responsável pela formação educacional das novas gerações, tem um papel primordial na reconstrução da memória.
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Com o propósito de oferecer aos educadores repertórios e subsídios necessários para tratar com profundidade e consistência o tema em sala de aula, a cdmv da smdhc idealizou o programa Conhecer para não repetir: educação em Direito à Memória e à Verdade. O programa foi iniciado de modo experimental em 2014, no marco dos cinquenta anos do golpe de 1964, sendo fortalecido nos anos seguintes. Em 2015, o projeto ganhou maior fôlego, alcançando todas as regiões da cidade e um público de cerca de 6 mil educadores. Utilizando-se de uma metodologia já solidificada – criada a partir do projeto “Tecendo Nossa História”1 e somada à experiência da
1 O projeto “Tecendo Nossa História” foi realizado por meio de oficinas de bordado integrativo com diversas faixas etárias e agrupamentos sociais, em parceria com instituições instaladas nas regiões onde o projeto foi desenvolvido. Visa, a partir das memórias individuais, realizar conexões históricas e sociais, permitindo que os participantes compreendam o contexto no qual estão inseridos e as suas possibilidades de ação. A experiência foi semifinalista do programa Rumos Arte Educação do Itaú Cultural em 2005 e recebeu financiamento do Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais da smc de São Paulo (2004 e 2005), da Caixa Econômica Federal, sesc, Fundação Stickel, Embaixada do Canadá, entre outras. Também foi realizado um intercâmbio entre mulheres da periferia da França e da periferia de São Paulo, em 2009 no Brasil e em 2011 na França. Passaram por este projeto mais de mil participantes, sendo realizado em várias cidades dentro e fora do país.
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programação “A Luta é contínua”2, iniciativa inédita em dmv na Prefeitura de São Paulo, realizada em 20133 – as formações ofereciam atividades práticas, aplicadas à realidade escolar. Adaptando tais metodologias ao tema e às demandas das escolas, o programa de formações foi planejado no sentido de estabelecer caminhos para estimular e aprofundar a relação dos educadores com a temática de dmv. Isto é, durante as atividades formativas, os participantes foram convidados a explorar a história do Brasil, a se relacionar com ela, traçar conexão com suas vivências ou a de pessoas próximas, reconhecer as práticas da sociedade atual que são legados autoritários da ditadura e, finalmente, foram provocados a propor uma intervenção prática em sala de aula. Para a realização das atividades e desenvolvimento da metodologia, que será detalhada a seguir, foi fundamental a parceria com as treze Diretorias Regionais de Ensino da cidade de São Paulo, instâncias pelas quais se distribui a rede pública municipal de educação. A parceria foi estabelecida valendo-se principalmente de um espaço institucional já existente: o Núcleo de Educação em Direitos Humanos na Rede Municipal de Educação, criado pela Coordenação de Educação em Direitos Humanos
2 Programação “A Luta é Contínua” foi realizada em 59 equipamentos da smc, com a participação de trinta ex-presos políticos. Veja mais em: <prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/programas_projetos/index.php?p=12870> 3
Balanço da programação “A Luta é Contínua”, junho 2013.
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(cedh) da smdhc.4 O núcleo é composto por dois representantes de cada Diretoria Regional de Educação (dre) responsáveis por projetos especiais e temas afetos aos direitos humanos. Esse acesso às dres nos permitiu conhecer melhor a forma de organização da rede municipal de educação e as dinâmicas de cada território, possibilitando uma ação mais efetiva para realização de formações e mobilização dos educadores. Para que as formações em dmv pudessem efetivamente gerar diálogo, inquietação, pesquisa e prática, as atividades assumiram diversos formatos, como oficinas, seminários e encontros para a sensibilização dos educadores sobre a temática dmv, contando sempre com exposição audiovisual e indicação de fontes e materiais para pesquisa e aprofundamento. Ao diversificar os métodos de abordar o educador, alcançamos não somente os que
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O plano de metas da cidade de São Paulo prevê, em sua meta nú-
mero 63, a “Implementação edh na rede municipal de ensino”. A responsabilidade por essa meta é compartilhada entre a Secretaria Municipal da Educação (sme) e a smdhc. Para viabilizar sua execução, foi constituído o Grupo de Trabalho Intersecretarial de Educação em Direitos Humanos (gti edh), com participação das duas secretarias responsáveis pela meta. Ao longo de 2013, o gti edh identificou a necessidade de estabelecer um diálogo direto com as dre, para diagnosticar, formular e implementar políticas públicas ancoradas na realidade da rede. Foi criado, então, o Núcleo de edh da rede municipal, com ao menos dois representantes de cada uma das treze dre. A cdmv tem participado desde 2014 de reuniões específicas para tratar essa temática junto ao Núcleo de edh.
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já têm alguma afinidade com o tema, mas nos aproximamos também daqueles que não teriam interesse em participar de uma formação na temática dos direitos humanos senão mediante uma estratégia direcionada, que chamamos de “busca ativa”. Foi o caso das atividades realizadas durante horário de Jornada Especial Integrada de Formação (jeif), reuniões pedagógicas e encontro com orientadores das salas de leitura e informática. Na sequência, apresentaremos cada uma dessas abordagens.
Ponto de partida: o kit dmv Essa jornada de reflexão sobre a ditadura militar precisava ter um ponto de partida comum para servir de base de conhecimento e referência para todo o grupo. Com este objetivo foi criado o kit dmv, uma seleção composta por cinco publicações e dois dvds na temática, que foi entregue para cada escola que teve ao menos um professor participante nas formações. O relatório final da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, publicado pela Câmara Municipal de São Paulo, e o livro A Constituição de 1988, 25 anos – A construção da democracia & liberdade de expressão: o Brasil antes, durante e depois da Constituinte, de Marco Emílio Gomes, publicado pelo ivh, fizeram parte do kit, bem como o documentário Verdade 12.528, de Paula Saccheta e Peu Robles. Também integram o material, o romance K. Relato de uma busca, escrito por Bernardo Kucinski, jornalista e ex-militante estudantil, irmão da desaparecida política Ana Rosa Kucinski, e o longa-metragem O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, que apresenta uma pesquisa documental narrando as articulações que culminaram com o golpe de 1964.
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Ao todo, foram distribuídos aproximadamente mil kits para escolas, ceus e bibliotecas da cidade de São Paulo.
As formações Oficinas dmv A oficina dmv integrou o curso de edh, realizado pela cedh em parceria com a cdmv. Para estimular a participação e o interesse dos educadores foi formalizada a A pontuação na carreira pode ser obtida pelos servidores mediante participação em atividades formativas, tais como seminários, cursos, especializações, titulações acadêmicas, etc. A pontuação permite que os servidores sejam promovidos, obtendo a Progressão na Carreira (ou Evolução Funcional).” O curso reuniu professores de diferentes disciplinas e unidades escolares em três encontros. No primeiro deles, introdutório, são abordados conceitos fundamentais sobre direitos humanos e as possibilidades de inserção
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desses significados na sociedade. O segundo fomenta o uso de recursos audiovisuais como ferramenta pedagógica para trabalhar inúmeros temas com ênfase em diversidade nas escolas. A escolha desses temas foi feita pela cedh em diálogo com a dre, alinhando as demandas do território à formação. Já o terceiro módulo é consagrado ao tema dmv. (ver páginas 141-144) Com a proposta de aprofundar a discussão sobre memória e verdade, articulando com os conteúdos desenvolvidos nos módulos anteriores, o terceiro módulo promoveu a discussão das graves violações aos direitos humanos perpetradas pela ditadura-civil militar e suas implicações nos dias atuais. Os educadores que participaram dessa formação receberam um conjunto de livros e documentários incluídos no kit dmv oferecido pela coordenação à unidade de ensino onde atuam. O conjunto de publicações foi apresentado e discutido como alternativa didática para apoiar e aprofundar a discussão em sala de aula e no ambiente escolar.
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Para dar maior praticidade à formação e facilitar a aplicação dos aprendizados em sala de aula, os professores que participaram do Módulo dmv recebiam uma sugestão de “Plano de aula” (ver páginas 108 -115). O plano “Democracia: uma construção coletiva que se dá no cotidiano da sala de aula5” poderia ser adaptado por eles de acordo com as necessidades e objetivos da disciplina que lecionam, mas, de forma geral, tratava-se de uma proposta de sequência didática a ser trabalhada com os alunos do 1º ao 5º ano – principal público das escolas municipais. Seu objetivo é trabalhar os valores democráticos tais como o respeito à coletividade, trabalho em grupo, desenvolvimento da escuta, respeito à diversidade de ideias, opiniões e jeito de ser etc. O plano de aula, de certa maneira, aproxima o educador do tema e diminui a cobrança que costuma recair sobre ele de ter de criar uma proposta prática em sala de aula a partir dos conteúdos das formações. Essa transposição entre aprendizagem e a prática escolar não é tarefa simples nem ocorre de forma automática. Sabemos que a sua jornada exaustiva de trabalho e as múltiplas demandas sob sua responsabilidade sobrecarregam o educador e, ainda que ele/ela esteja mobilizado(a) e interessado no tema, incorporá-lo em sua prática docente pode se tornar um desafio. Com a sugestão do plano de aula, o educador necessitará apenas adaptar o que lhe foi entregue para o seu contexto, ampliando as chances de multiplicação dos conteúdos aprendidos.
5 Elaborado conjuntamente com a educadora Sandra Heráclia de Araújo Silva.
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Reuniões pedagógicas, jeif, salas de leitura e de informática O conteúdo da Oficina dmv também foi adaptado e utilizado nas reuniões pedagógicas e jeifs – período em que educadores contratados com carga horária semanal acima de trinta horas se dedicam aos estudos. A estratégia foi propor à escola que uma ou mais dessas jornadas obrigatórias – de uma hora e vinte, quatro vezes por semana – fossem dedicadas integralmente ao tema dmv. Já as reuniões pedagógicas são encontros, com duração de quatro horas, organizados pela coordenação pedagógica de cada unidade com vistas à formação ou discussão de temas específicos da vida escolar. As oficinas dmv foram realizadas em uma dessas reuniões. Nestes casos, foi a própria escola que solicitou à cdmv que o tema dmv fosse abordado, por sugestão de professores que participaram das oficinas e dos seminários ou pela divulgação das próprias dres.
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Para preparar a atividade na jeif ou na reunião pedagógica, uma reunião na unidade escolar precedia o encontro. A intenção era conhecer a unidade in loco, seus projetos, sua organização, quais e como são as relações entre a comunidade escolar (professores, professores e alunos, professores, alunos e a comunidade), para que a formação se concentrasse em temas que mais faziam sentido àquele universo e que os professores pudessem compreender a partir de exemplos práticos de seu cotidiano de que forma as violações do passado se repetem no presente. As visitas também prepararam o coordenador pedagógico para o encontro, oferecendo oportunidade para pensar na continuidade do trabalho pós-formação, por exemplo, nos horários de jornada de estudo dos professores.
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A prática acumulada durante as atividades revelou que era mais adequado realizar as formações nas reuniões pedagógicas, pois além de maior disponibilidade de tempo, as reuniões pedagógicas contam com a presença do total de professores da unidade escolar – ao passo que as jeifs são dirigidas apenas para uma parcela dos educadores com a carga horária superior a trinta horas. A ampliação do público nos encontros é positiva, pois permite maior aprofundamento no tema e o enriquecimento entre os diversos olhares dos profissionais presentes: professores de História, Geografia, Educação Artística, Português, Matemática, Ciências, Informática, orientadores de sala de leitura e professores do Fundamental i. As formações específicas voltadas para professores orientadores da sala de leitura e orientadores da sala de informática tinham o objetivo de que esses profissionais aprofundassem seu conhecimento na temática e conseguissem estimular a adesão de professores de outras disciplinas, bem como dos alunos que frequentam
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esses espaços, para realizarem projetos multidisciplinares em memória e verdade. No entanto, cabe avaliar que a proposta de oferecer essas formações específicas demonstrou-se um tanto prematura e teve baixa adesão. Apenas uma dre se interessou em oferecê-las e, pela demanda, avaliamos que ainda seria necessário realizar muitas atividades de sensibilização para assim despertar para a importância de abordar o tema nesses espaços.
Seminários Já nos seminários, o conteúdo foi discutido com a Coordenação dmv e as dres de forma a atender as demandas específicas de cada localidade. Essas formações eram validadas para oferecer pontuação para progressão funcional, o que funcionava como mais uma forma de incentivar a participação e de valorizar o interesse dos educadores pela temática. Nesta modalidade
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de formação, o objetivo foi dar um passo além e permitir o aprofundamento em um subtema específico – por exemplo, a perseguição a lgbts, indígenas e à população negra durante a ditadura, aprofundando aspectos levantados nas Oficinas dmv. As formações realizadas no formato de seminário tiveram duração de 4 a 12 horas, carga horária definida de acordo com a dinâmica de cada dre. Assim, a partir dos apontamentos de cada região, os seminários realizados tiveram como temas a discussão da violência policial de ontem e de hoje; ditadura e perseguição à população negra; e ditadura e perseguição às minorias políticas. É importante destacar que todas essas questões são costumeiramente sentidas pela população da periferia e os educadores dessa região se deparam com elas em sua realidade ou no cotidiano dos alunos.
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Cada módulo do seminário contou com a participação de especialistas com produção consistente e qualificada do tema discutido. Para fundamentar a conversa, foram distribuídos aos participantes um material impresso contendo referências de sites para pesquisa, campanhas nacionais e internacionais sobre o genocídio da população jovem, documentários sobre a desmilitarização e filmes de resistência da população negra no Brasil e nos Estados Unidos. Além disso, foi sugerido aos participantes a leitura de biografias que deram origem a filmes como Malcom X: uma vida de reinvenções, A cor púrpura, Marighella, entre outras obras colocadas à disposição durante a formação. Além dos especialistas, as formações contaram com relatos feitos presencialmente, em primeira pessoa, dos familiares de desaparecidos políticos e também de ex-presos políticos. Dessa forma, os educadores puderam ter contato direto com pessoas que vivenciaram o período, em encontros com forte potencial mobilizador e formativo, que contribuíram
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também para despertar empatia e identidade com as histórias e trajetórias individuais apresentadas. O encontro dos participantes com pessoas que resistiram à ditadura militar ou seus familiares permitiu a construção de uma nova memória coletiva e de uma ressignificação acerca dos acontecimentos da época. Nessas conversas foi possível aproximar as realidades dos educadores e dos interlocutores que compartilhavam suas experiências pessoais e ganhavam um espaço vivo na memória de cada um. Estes encontros deram voz a segmentos políticos invisibilizados na nossa história. Além disso, possibilitou que a cdmv trabalhasse de maneira transversal e conjunta com as Coordenações de Juventude, lgbt e edh. Vale registrar que partimos do pressuposto de que os professores que realizaram as formações nas Oficinas dmv nos cursos de edh participariam dos seminários e, desta maneira, os concebemos de modo a
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aprofundar alguns temas. No entanto, constatamos que somente uma parcela pequena dos participantes do seminário havia feito a oficina dmv. A ausência de uma bagagem prévia de conhecimentos mais gerais sobre a ditadura por parte dos participantes acabou gerando um esforço adicional a cada encontro para que todos se situassem e se inserissem no debate. No caso do seminário da dre Itaquera contou com três dias de encontro dedicados à temática “Violência de Estado ontem e hoje”. A formação foi iniciada com o filme Coratio, para apresentar um panorama das violações praticadas na ditadura e nos dias atuais, esta estratégia mostrou-se bem-sucedida para criar uma base comum de entendimento e possibilitou que nos demais dias a discussão fosse se aprofundando.
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Formação de articuladores, auxiliares de juventude e jovens monitores de cultura A formação dos articuladores e auxiliares de juventude6 não estava prevista inicialmente no programa Conhecer para não repetir, primordialmente focado na formação de educadores. Mas percebendo a importância e a possibilidade de somar os esforços das Coordenações de Juventude e dmv, articulando a discussão sobre a violência de Estado de ontem e hoje, este grupo foi incluído como um dos públicos do programa. Essa articulação teve o objetivo de contribuir com a formação destes jovens sobre o legado das violações da ditadura militar e também de colocá-los como sujeitos, convidando-os para as atividades junto aos educadores. Com essa proposta, almejávamos ampliar a discussão sobre as violações promovidas pela ditadura e os legados no presente, colocar os jovens como protagonistas,
6 O plano Juventude Viva constituiu-se em uma iniciativa do governo federal, criada e coordenada pela Secretaria Nacional da Juventude (snj), vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República (sgpr) , e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (seppir). Ele reúne ações de prevenção para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros a situações de violência física e simbólica a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia para os jovens entre 15 e 29 anos. Por meio da Coordenação de Juventude da smdhc, a Prefeitura Municipal de São Paulo aderiu ao programa Juventude Viva e conta com 25 articuladores de juventude para atuar nos territórios de São Paulo. Já os auxiliares de juventude, também vinculados à Coordenação de Juventude, atuam nas subprefeituras da cidade.
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quebrar a visão estigmatizada de uma juventude apolítica, que não se interessa por nada – visão reproduzida por alguns educadores –, e contribuir para a qualificação do debate sobre a desmilitarização da polícia. Para tal, foram realizadas reuniões com a equipe da Coordenação de Juventude a fim de garantir a organização dos seminários em conjunto com os articuladores e incluir a participação deles nos seminários de Itaquera e Pirituba. Antes de definirmos a inclusão desta formação de articuladores da juventude, ainda durante as formações com os educadores percebemos que ao lançar os olhos sobre os legados repressivos deixados pela ditadura contribuímos para elucidar e facilitar a reflexão sobre as violações praticadas durante o regime militar. Hoje, a grande vítima da violência de Estado é a juventude negra de periferia – realidade que os educadores conhecem de perto. Além de possibilitar o protagonismo juvenil, a participação dos jovens articuladores permitiu a quebra
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de preconceitos e a valorização da escola e dos professores como promotores de novas trajetórias. A jovem articuladora Gabriela Vallim fez o seguinte relato no seminário realizado em Itaquera: Para mim é muito importante estar aqui. Um lugar onde eu tenho uma relação sentimental, porque cinco, seis anos atrás eu participei de um projeto daqui: o projeto “Imprensa Jovem”. Com muito esforço os professores da época conseguiram um espaço para os jovens serem protagonistas, e mesmo não estudando aqui nesta escola eu pude fazer parte de um projeto que influenciou o meu futuro – hoje sou jornalista. Falando da nossa história, é importante ressaltar que o Brasil é constituído de um legado da escravidão. É importante compreender porque existe um ceu, na periferia, em Itaquera. Existe um sentido para isso. Existe um antes, que foram os 388 de anos escravidão, de uma população que foi tirada do seu continente e trazida
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para cá, violentada, abusada, que teve seus direitos negados de todas as formas, uma população negra africana que aqui se transformou junto com os índios e portugueses no que somos hoje, brasileiros, mas sem esquecermos esse importante registro, olhando para trás a gente compreende as mazelas que a gente vive hoje.
Com o objetivo de levar a reflexão e o debate sobre o período da ditadura àqueles que atuam diretamente com o público que frequenta os equipamentos culturais da cidade e também visando contribuir com a formação dos jovens, o programa Conhecer para não repetir realizou também atividades com os Jovens Monitores da smc7. A formação dos jovens monitores de cultura ampliou o diálogo sobre memória e verdade para outros jovens que participam de programas da Prefeitura de São Paulo, para além dos já alcançados pela smdhc. Os equipamentos culturais desempenham papel importante na formação, construção e solidificação de valores da população que cada vez mais se apropria desses espaços. As atividades realizadas com esse público buscaram contribuir com a formação de repertório sobre o
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O Programa Jovem Monitor Cultural é uma iniciativa de Secretaria
Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que oferece formação geral e específica à jovens que passam a realizar atividades de monitoria, organização e articulação interna nos equipamentos de cultura do município. Ao todo, os jovens cumprem 30 horas semanais de formação, sendo 6 horas teóricas e 24 horas práticas enquanto atuam nos equipamentos culturais
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período para que pudessem desenvolver atividades, explorar e socializar os temas relativos ao dmv nos equipamentos culturais. Esta etapa foi realizada em parceria com a Ação Educativa – instituição que coordena a formação de uma parcela dos jovens monitores e contou com a participação de quase cem jovens que atuam em bibliotecas públicas e centros culturais. Para este grupo, foi estruturada uma programação de três encontros. Os dois primeiros aconteceram na sede da Ação Educativa com a presença apenas dos jovens monitores ligados às bibliotecas públicas. Nesse primeiro encontro eles compartilharam o que sabiam ou pensavam sobre o período de 1964 a 1988. Os recursos audiovisuais e outras referências literárias também foram utilizados para despertar o interesse pelo tema. Todos os livros apresentados durante a formação podem ser encontrados em
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bibliotecas públicas do município, o que facilita o acesso da população e também permite que o material seja indicado, como sugestão de leitura, pelos monitores. O local escolhido para encerrar essa formação foi o Memorial da Resistência – único equipamento de memorialização da cidade de São Paulo8. Esse importante equipamento foi instalado na antiga sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (deops - sp), um órgão militar cujo objetivo era monitorar e reprimir os movimentos políticos e sociais que resistiram à ditadura. No período da manhã, jovens das bibliotecas, do Centro Cultural da Juventude e os Escritureiros de Parelheiros visitaram a exposição Ausenc’as, produzida pelo fotógrafo argentino Gustavo Germano. Composta por uma sequência de retratos antigos e suas correspondentes versões atuais, em que se destacam os espaços vazios que antes eram ocupados por pessoas. Assim, o registro fotográfico atual se contrapõe ao do passado e a ausência de algumas pessoas da versão original ficam em evidência. O contexto criado traz à tona a dimensão política e afetiva da perda daquelas pessoas desaparecidas durante a ditadura.
8 O Memorial da Resistência de São Paulo é uma iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, por meio de sua Secretaria da Cultura, dedicada à preservação de referências das memórias da resistência e da repressão política do Brasil republicano (1889) à atualidade. O projeto consiste na musealização de parte do edifício que foi sede, durante o período de 1940 a 1983, do deops-sp, uma das polícias políticas mais truculentas do país, principalmente durante o regime militar.
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Além da exposição, a visita ao espaço contou com a participação de Amelinha Telles, que permaneceu presa no deops por quatro meses. A atividade terminou com um seminário (ver páginas 137-139) que contou com 92 participantes. A decisão de integrar os monitores nesse projeto comprovou-se extremamente acertada e já se trabalha para a ampliação dessa formação. O diálogo e a reconstrução da memória Tratar na esfera coletiva temas que foram mantidos em silêncio por muito tempo requer, em primeiro lugar, estabelecer espaços confortáveis e confiáveis de diálogo e expressão para os professores. É sabido que, ao contrário do que muitos dizem, as perseguições do
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Estado não se restringiram a militantes políticos de esquerda. Trabalhadores urbanos e rurais, artistas, professores, estudantes e até mesmo crianças foram presas e/ou sofreram maus tratos e torturas. Os impactos da ditadura militar no Brasil são muito mais abrangentes do que se podia imaginar e isso foi comprovado ao longo das formações. Vários participantes relembraram pessoas e situações vinculadas à ditadura e, muitos deles, perceberam o quanto essa relação não era tão evidente para eles antes dos debates das formações. Durante as formações observou-se que grande parte dos educadores entrou em contato com o tema da ditadura pela primeira vez. Outros disseram que tinham uma vaga ideia do que aconteceu no Brasil durante o período histórico. As cenas retiradas dos diversos filmes e utilizadas durante as formações lhes deram outra dimensão do que tinha acontecido em nosso país. Ao longo dos encontros os educadores manifestaram o apreço e a importância da formação, mas relataram dúvidas sobre como tratar do tema em seu cotidiano, em sala de aula e com crianças pequenas. Ao mesmo tempo, testemunhamos educadores relacionarem o assunto da ditadura com as práticas que ainda acontecem na sala de aula, como a professora do Centro de Educação Infantil do ceu Butantã que relatou: É muito importante ver tudo isso, mas eu vim dizer que os resquícios do autoritarismo são muito presentes na educação infantil. As crianças são tratadas sempre dessa forma: fila, mão para trás, cabeça baixa. Endireita o corpo, levanta a cabeça. São reprimidas no corpo e na cabeça, impedidas de se expressarem de diversas formas.
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Cabe ressaltar ainda que, em alguns momentos, as formações revelaram-se espaços para vozes, até então silenciadas, das próprias vítimas de violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar e também no período atual, sobretudo pela violência policial. Em alguns deles, os participantes expressaram o quanto e como a formação colaborou para uma nova compreensão de sua própria história. Esses espaços de diálogo permitiram para além da compreensão de um período histórico, o despertar de um interesse acerca da história de familiares. Os depoimentos incluem ainda memórias de violações cometidas após o regime militar, a partir de meados da década de 1980, evidenciando o legado de violência e impunidade impregnadas nas relações e estruturas sociais até os dias atuais. Tivemos o relato de um acontecimento no ano de 1986 em um colégio, onde estudantes secundaristas eram vigiados no congresso estudantil. Então, quando fizeram greve e, com
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isso, depuseram a diretora, foi instaurada uma sindicância para apurar a influência dos professores no movimento. Outro caso é de um professor, ex-policial militar que contou ter sofrido perseguição e processo interno por não ter reagido contra uma pessoa para proteger o patrimônio. Outro relato aborda o assassinato de um punk por skinheads. Segundo o testemunho, a polícia foi acionada durante o linchamento, pelo 190, mas não atendeu a ocorrência. Reforçando a conexão entre ontem e hoje, os relatos transitaram entre o passado mais distante e o mais recente, conectando assim diferentes histórias de violações aos direitos humanos. Integrando os dois tempos, uma militante que atua contra o genocídio da população jovem negra relembrou o assassinato do jovem Douglas, que estava sentado na calçada e cuja últimas palavras foram: “Por que o senhor atirou em mim?”. Já outro participante enumerou cenas de assassinatos cometidos pelo Esquadrão da Morte em Perus. Um educador lembrou que ao passo que em sua casa era proibido falar de política, na sua escola uma professora reconheceu o pai de um aluno como sendo seu torturador - encontro que provocou o pedido de transferência da professora, que nunca mais foi vista. A quantidade de testemunhos colhidos nas atividades é significativamente grande. A frequência e constância dos relatos demonstram que os momentos de formação se constituíram como importantes espaços para construção de narrativas e também de diálogos, ambas práticas que haviam sido negadas em amplas esferas. A seguir, destacamos alguns depoimentos que foram realizados nas formações:
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Depoimento 1: Era bancária, em 1970, num banco na Rua Boa Vista, no setor de compensação. Eu tinha uma colega que era estudante da USP e trabalhava comigo. Ela participou de uma manifestação no Teatro Municipal e depois nunca mais foi no banco. Ninguém falou nela. Antônia de Paula Lima Fernandes, dre Jaçanã.
Depoimento 2: Meu pai foi vereador na Bahia, e quando eu era pequena ele falava para mim: “Quando você nasceu eu não tava lá”. Ele falava que a princípio tinha sido pego e acusado de envolvimento com Luís Carlos Prestes, meu pai nem sabia o que era isso ou quem era a pessoa. Depois falaram que ele era comunista, ele não sabia também o que era comunismo. Meu pai veio para São Paulo e deixou a gente lá. Eu nasci em 1970 e meu pai não tava lá. Na segunda vez que ele foi candidato novamente, meu pai nem ficou sabendo o resultado da eleição. Antes disso ele teve que sair correndo de casa. Poderia ter sido uma vítima, um desaparecido. Eu fico pensando qual o resultado daquela eleição se o prefeito da chapa dele foi assassinado? Ele me dizia que quando chegou em São Paulo foi trabalhar numa empresa e não saía, tamanho era o pavor. Ele tinha medo de por a cara para fora. Isso foi um pouco do que eu passei. Roseane Rego Sant’Ana Caciolari, dre Itaquera
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Depoimento 3: Lembro dessa época, eu era adolescente e quando tinha que sair na rua, precisava levar a carteira de trabalho. Se não tivesse com registro, e fosse abordado pela polícia, você era destratado, levado para a delegacia José Antônio da Silva, dre Brasilandia
Depoimento 4: Minha mãe foi militante, e foi presa. Trabalhava com alfabetização de adultos. Nós soubemos há pouco tempo. Ela ficava com os olhos marejados sempre que assistia uma novela brasileira, e nós não entendíamos o porquê! Depois começou a receber vários e-mails que apontavam para esse assunto, e nos chamou a atenção o e-mail de uma advogada. Então, ela resolveu nos contar. Depois de alguns contatos e reencontros ela foi anistiada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça no Rio de Janeiro. Chamou atenção porque ela demorou tanto tempo para nos contar (somos em três filhas). Somente no encontro de formação tive realmente consciência do que minha mãe tinha vivido. Andréia Angelo dos Santos Ventura, dre Penha
Depoimento 5: Eu queria falar um pouquinho, eu estou um pouco tenso, até porque esse assunto me deixa assim até hoje. Tenho 53 anos hoje e peguei o fim da ditadura militar. Não sei se por felicidade ou infelicidade tive contato com o marxismo desde jovem. Em 1981 servi o Exército
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numa unidade histórica que participou da Segunda Guerra Mundial e, numa revista no meu armário, encontraram um livro do Hermann Hesse, Sobre a guerra e a paz – nem era um livro do Karl Marx. Fui muito humilhado, me jogaram numa fossa, fardado. Passei por torturas psicológicas horríveis. Eu acho que tem muita gente que sofre e não teve um canal para se expressar. Eu faço terapia até hoje. Ricardo Miriatti, dre Brazilândia-Freguesia do Ó
A memória e a democracia Memória e democracia nunca deixaram de ser interligadas. Não há democracia viva e sólida sem a memória de como esta surgiu, quais desafios confrontou, quem foram seus adversários e como foram vencidos. Os inimigos da democracia o sabem perfeitamente, e sempre um de seus alvos privilegiados foi, é, e será a memória. No Brasil o processo de redemocratização vivido a partir de 1984 permitiu uma transferência dos poderes pelo alto, sem conflito ou violência. Porém houve um preço a ser pago. Pela forma como se deu, a redemocratização negou a existência de inimigos da democracia - já que os próprios agentes da ditadura declaravam estar defendendo o país do comunismo, ou conforme expressaram da “ditadura comunista”. Se não havia inimigos da democracia, também não havia vítimas, torturadores, nem torturados – ao menos reconhecidos pelo Estado brasileiro. Os inúmeros movimentos de familiares e ex-presos e desaparecidos políticos se mobilizaram, e ainda se mobilizam no presente, para denunciar a ditadura e mostrar para os brasileiros e para a comunidade internacional os horrores humanos e econômicos que o regime produziu, se opondo
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assim à narrativa oficial construída pelo regime militar que fora perpetrada na redemocratização. Dessa forma, para fortalecer a democracia, é imprescindível que o Estado se empenhe na construção da memória, revelando a verdade dos anos 1964–1984, quando uma ditadura civil-militar roubou do povo brasileiro sua democracia, e seus oficiais torturaram e mataram em nome de uma doutrina dita de “segurança nacional”. É neste cenário de implementação de políticas públicas de educar para a democracia que encontra-se o programa Conhecer para não repetir, que constitui-se no ensino sobre os acontecimentos que marcaram a ditadura militar brasileira e sobre seu legado. Estes encontros entre educadores que atuam em várias escolas municipais de São Paulo propiciaram, talvez, pela primeira vez, uma oportunidade para que palavras públicas sejam levantadas a propósito do que aconteceu há três ou quatro décadas, e que tanto marcou a psique não somente das vítimas diretas, mas dos seus filhos, netos e de toda uma sociedade. Os testemunhos de Anivaldo Padilha, Adriano Diogo, Alípio Freire, Amelinha (Maria Amélia Teles), Miltão (Miton Barbosa), Rita Sipahi, Rosalina Santa Cruz, Sebastião Neto, Vera Paiva, Waldemar Rossi, dentre outros, foram particularmente comoventes. Nesses encontros, não estávamos em busca de uma história oficial. A história é de responsabilidade dos historiadores. Queríamos dar às vítimas da ditadura e, sobretudo, a suas filhas e seus filhos, a oportunidade de dizer a seus colegas, que não passaram pela mesma experiência, o quanto a democracia no Brasil é frágil e necessita, portanto, do engajamento de cada um para que persista e se consolide. Fazer ecoar esses relatos na escola é ressignificar a história e disseminar o valor da
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memória e da democracia entre as novas gerações e assim evidenciar as diferenças entre um governo que é eleito pelo povo, respeita instituições democráticas e garantias coletivas sociais e políticas daquele que fere as liberdades individuais e que viola os direitos humanos. Valdirene Gomes é formada em Ciências Sociais pela Unesp, com especialização em Arte Integrativa pela Anhembi Morumbi-SP. Cursou Économie et Finacement de la Culture na Université Paris-Dauphine. Desenvolveu o projeto “Tecendo Nossa História”. Como assessora da diretoria do Sistema Municipal de Bibliotecas, foi responsável pela idealização e implementação do programa “Direito à Informação, à Memória e à Verdade”, cujos objetivos foram sensibilizar e capacitar os funcionários das bibliotecas nesta temática para atender e criar novas demandas nesta área. Foi curadora da programação “A Luta é Contínua” em 59 equipamentos da smc de São Paulo, composta por debates, encontros com ex-presos políticos e mostra de filmes. É consultora da smdhc para a realização do projeto de formação para educadores em dmv. Fernanda Verzinhassi é formada em Jornalismo pela Universidade Nove de Julho. Estagiou na divisão de Programas e Projetos da Coordenaria do Sistema Municipal de Bibliotecas Públicas de São Paulo, onde acompanhou o programa “Direito à Informação, à Memória e á Verdade” e a programação “A Luta é Contínua”. Foi assessora técnica na Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo cujo objetivo é investigar e esclarecer o papel da administração municipal nas graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura civil-militar e seu legado para a cidade. É assistente no projeto de formações para educadores em dmv.
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Sugestão de plano de aula para alunos do 1º ao 5º ano Introdução Ao longo dos encontros identificamos dúvidas comuns apontadas pelos educadores participantes, entre elas: • Como introduzir o tema dos direitos humanos em minha prática profissional? • Como iniciar a discussão/introdução de um tema de tamanha complexidade junto a crianças menores/público infantil? • Como dinamizar uma aula dentro do universo infantil?
Diante desses anseios, e após profunda reflexão, admitimos a necessidade de uma proposta que contemplasse tais questões. Sabemos que a educação é uma construção que se dá no bojo de sua prática profissional amparada por todo arcabouço teórico; portanto, não apresentaremos respostas definitivas. Contudo, o plano de aula se constitui como uma ferramenta norteadora do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula. Ele não é um fim, mas um meio que visa facilitar/orientar a prática profissional. Sendo assim, o presente plano leva em consideração as especificidades das faixas etárias atendidas pelo Ensino Fundamental i e que, passível de adequações, poderá auxiliar o desenvolvimento e aproveitamento das crianças sobre o tema em questão. Cada realidade é particular e por isso o plano deve ser adequado a cada caso, sendo livre para que criem e recriem, pois o professor, melhor do que ninguém, tem
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propriedade para dinamizar e fazer florescer da melhor forma o fator humano que tem em mãos. A criança é sujeito histórico de seu tempo, que se constrói ao longo de seu desenvolvimento, e a escola é um dos espaços que propiciam essa construção – autores como Lev Vygotski e Paulo Freire muito discorreram sobre o assunto. Isto porque essa construção é coletiva e se materializa no espaço onde há trocas e interações entre seus agentes. Dentro desta perspectiva, a escola configura-se como um dos palcos desse acontecimento, tendo o professor como o mediador direto do processo. Pensando sob essa perspectiva, o plano de aula visa, sobretudo, instrumentalizar o professor no desenvolvimento de cidadãos mais críticos, mais democráticos e conhecedores de seus direitos e deveres. Ou seja, partícipes na construção de sua própria história como parte de uma democracia.
Plano de aula Atividade elaborada com base nos Encontros/ Seminários do projeto “Conhecer para não repetir: formação em dmv”. Público-alvo: alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental i. Disciplina: multidisciplinar (Português, História, Artes). Tema: Democracia – uma construção coletiva que se dá no cotidiano da sala de aula. Primeiro passo Fazer o levantamento prévio sobre o quê as crianças entendem por democracia; se já ouviram a palavra e
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elencar, na lousa ou em papel kraft, o que vão dizendo (isso para os menores – 1º ao 3º anos). Para os maiores, trabalhar a definição da palavra utilizando o dicionário (refletir sobre mais de uma definição) questionando se percebem a democracia no cotidiano. Instigá-los a dar exemplos práticos como eleições, voto, convivência com pessoas diversas etc. Segundo passo Trabalhar vídeos que tragam a temática para o cotidiano da sala de aula e que permitam a reflexão acerca de sua prática cotidiana com relação ao outro. Aqui podem entrar questões étnico raciais, respeito à diversidade, cultura etc. Terceiro passo Após a exibição de um dos filmes escolhidos, trabalhar com situações cotidianas pertinentes ao tema. 1º ao 5º anos: Fazer uma discussão trazendo o tema para situações cotidianas, tais como: agressão verbal aos colegas que façam referência às características físicas (gordo/magro; condição especial, cor de pele etc.); respeito às diferenças existentes em sala (origem étnica, regional, social, de gênero, religiosa etc.). Deve se respeitar a faixa etária no aprofundamento da discussão. 4º e 5º anos: Problematizar o tema do filme trazendo questões pertinentes ao contexto do aluno e à sala de aula, enfatizando a importância do trabalho em grupo com respeito à opinião e à diversidade do outro, por exemplo, diferenças de gênero, étnicas, regionais, sociais, religiosas bem com outras que possam surgir.
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Deixar para reflexão: como tudo isso se insere na democracia? Solicitar que, em casa, com ajuda dos pais, procurem e anotem (ou recortem) manchetes de jornais, impressos ou da televisão, que tratem dos temas discutidos. Obs.: Esta atividade poderá ser realizada em sala, com os alunos, ou eles poderão fazer a pesquisa nos jornais da biblioteca da escola. Fica a critério do professor. Quarto passo 1º ao 3º anos: Solicitar que façam ilustrações sobre o que foi discutido, tendo como base o filme assistido e as aulas expositivas. Posteriormente, montar um mural ou um varal no qual o objetivo seja a exposição dos trabalhos, tendo como base a reflexão de que a construção de uma sociedade melhor passa necessariamente pelo respeito ao próximo. Isso é democracia. 4º e 5º anos: Construir com os alunos um painel com as manchetes de jornais impressos ou escritos e amarrar como tudo isso está colocado na democracia e como este estado de coisas pode ser modificados pela vontade da maioria. Propor a construção de um texto coletivo sobre o tema, levando em consideração tudo que foi apreendido até o momento, sob orientação do professor. Poderá ser feito na lousa para que os alunos copiem e guardem a versão final da produção. Ressaltando a importância da construção coletiva, do respeito ao tempo do outro, a diferença da forma de ser, sempre numa perspectiva de construção democrática.
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Estratégia Indicamos a exibição de filmes seguida de aulas expositivas para a discussão do que foi assistido. 1º ao 3º anos Milly e Molly – episódio: “Elisa” (eua, 2008) As protagonistas apresentam diversidade de cores, mostrando que o mundo não possuí só uma cor, uma língua e uma forma de ver as coisas. No decorrer do desenho mostram o valor da amizade, discutindo assuntos sobre a vivência infantil. Neste episódio, Elisa é uma garota cega que entra na escola de Milly e Molly. As três se tornam grandes amigas, mas Umberto não está contente com a nova colega e tenta fazer de tudo para colocar Elisa numa situação difícil. Charlie e Lola – episódio: “Eu gosto do meu cabelo exatamente do jeito que ele é” (Grã-Bretanha, 2014) Mostra o amor entre irmãos, quando o irmão mais velho explica situações cotidianas à irmã mais nova. Neste episódio, o ponto de partida é a discussão sobre se Lola deve ou não cortar o cabelo. Charlie e Lola – episódio: “Não tenho ninguém pra brincar” (Grã-Bretanha, 2012) Mostra o amor entre irmãos por meio de situações onde o irmão mais velho explica situações cotidianas à irmã mais nova. Que mostrou te mordeu? – episódio: “Monstro Ciúme” (Brasil, 2015) Lali se depara com a possibilidade de transformar humanos em monstros quando não discutem sentimentos
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como inveja, fofoca e raiva. (Indicado para crianças dos 3º e 4º anos). Que monstro te mordeu? – episódio: “Monstro Fofoca” (Brasil, 2015) Lali se depara com a possibilidade de transformar humanos em monstros quando não discutem sentimentos como inveja, fofoca e raiva. (Indicado para crianças dos 3º e 4º anos).
4º e 5º anos FormiguinhaZ (eua, 1998) Animação que traz a importância do trabalho coletivo e da decisão tomada pela maioria, além da união de todos por um mesmo objetivo, realizando um trabalho em equipe, mesmo com eventuais divergências, a tendência é que os resultados sejam os melhores possíveis. A fuga das galinhas (Reino Unido/ eua, 2000) Galinhas confinadas em um galinheiro tentam desesperadamente a fuga da situação de opressão a que estão submetidas: colocar ovos e irem para a panela quando se tornarem improdutivas. Eis que chega um galo vindo do céu e as galinhas depositam toda sua confiança nele para saírem dessa situação. Ao final percebem que o trabalho coletivo e a organização são os facilitadores para que os oprimidos se libertem. A encantadora de baleias (eua/ Alemanha, 2003) Na comunidade maori (Nova Zelândia), a única herdeira do clã enfrentará a rejeição de seu avô em aceitar uma mulher como líder. No filme, pode-se trabalhar a
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questão de gênero e como a condição da subalternização da mulher é forte na sociedade. Uma história de amor e fúria (Brasil, 2013) Animação que retrata o amor de um herói imortal por Janaína, a mulher por quem é apaixonado há seiscentos anos. O longa-metragem de Luiz Bolognesi ressalta as quatro fases da história do Brasil: a colonização, a escravidão, o regime militar e o futuro, em 2096, quando haverá guerra pela água.
Material/ equipamento tv/dvd, sala de informática, biblioteca, papel kraft, cola, barbante, dicionário de português, fita crepe, lápis de cor (ou tinta guache, pincel ou lápis de cera).
Tempo de duração • 1º ao 3º ano: quatro aulas. • 4º ao 5º ano: seis aulas.
Objetivo Instigar na criança a reflexão sobre a importância do respeito na sociedade em que está inserida. Trabalhar junto às crianças os valores democráticos bem como sua aplicabilidade no cotidiano.
Referências bibliográficas Freire, Paulo. A Educação na Cidade, São Paulo: Cortez, 1971. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (sp). Diretoria de Orientação Técnica. Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para
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o Ensino Fundamental: ciclo i / Secretaria Municipal de Educação – São Paulo: sme / dot, 2007.
Indicação de leitura para os alunos O selo Boitatá, da editora Boitempo, apresenta a coleção “Livros para o Amanhã”. São quatro volumes elaborados por uma equipe multidisciplinar de educadores e pesquisadores espanhóis com temas de interesse social e cidadania. • As mulheres e os homens • Como pode ser a democracia • Existem classes sociais • Assim é a ditadura
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Atividades Realizadas 2014 Cinquenta anos do golpe: gestação do programa Em 2014, a então recém-criada cdmv deu início às primeiras ações do eixo de educação sobre a ditadura e seus desdobramentos até o presente. No marco dos cinquenta anos do golpe de 1964, as tratativas se iniciaram com um convite feito pela cdmv a todas as dres à reflexão e à compreensão desse período. Compreendendo a relevância do papel do professor e da edh para remontar esse quebra-cabeça da história brasileira, foi proposto que a temática da memória e verdade ganhasse força nas salas de aula da rede pública municipal ao longo do ano. O plano foi apresentado na primeira reunião do Núcleo de Educação em Direitos Humanos, que contou com a participação de Ivan Seixas, ex-preso político e familiar de vítima do regime. Desse chamado resultaram 26 encontros realizados pelas dres em parceria com a cdmv em diferentes regiões da cidade.
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As atividades tiveram formatos variados, como cursos com pontuação para progressão na carreira de docente, exibições de filmes, debates e encontros que buscaram estimular a reflexão sobre esse período de exceção e suas implicações nos dias atuais. Além do apoio às iniciativas realizadas pelos educadores, a cdmv realizou dois seminários que, através da exibição de filmes, debates e palestras, estimularam a reflexão sobre a ditadura civil-militar e suas implicações no presente. Com o total de oito horas de duração, os seminários estimularam ainda o aprofundamento sobre os materiais que compõem o kit que foi distribuídos às unidades de ensino que tiveram educadores presentes nas formações. Os debates contaram com a presença de especialistas e ex-presos políticos, representante de familiares de mortos e desaparecidos políticos, como Ivan Seixas, Criméia Schimidt de Almeida, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Rita Sipahí, Audálio Dantas, Maurice Politi, Maria Aparecida Aquino e Ricardo Kobayashi.
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Participaram de exibições os diretores Camilo Tavares, do filme O dia que durou 21 Anos, e Paula Sachetta, co-diretora do filme Verdade 12.528. Seminário: Conhecer para não repetir: Cinquenta anos do golpe de 1964 Turma 1 Datas: 22 e 29/10 Local: sme Endereço: Rua Borges Lagoa, 1230 Turma 2 Datas: 24 e 28/10 Local: ceu Água Azul e ceu Lajeado Endereços: Avenida dos Metalúrgicos, 1262 e Rua Manuel da Mota Coutinho, 293
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Curso: Cinquenta anos do golpe civil-militar Encontros formativos: diálogo com Audálio Dantas, Maria Aparecida Aquino, Maurice Politi, visita ao Memorial da Resistência e conversa com a smdhc. Datas: 28/03, 5, 12 e 26/04 Local: ceu Quinta do Sol Endereço: Avenida Luiz Imparato, 564 Parque Cisper-dre Penha I Seminário de edh Data: 14, 15 e 16/04 Local: Universidade Nove de Julho Endereço: Rua Vergueiro, 235
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Diálogo com Luiza Erundina: Cinquenta anos do golpe militar Data: 11/04 Local: ceu Perus Endereço: Rua Bernardo José Lorena, s/n Exibição de O dia que durou 21 anos Data: 05/05 Local: ceu Quinta do Sol Endereço: Avenida Luiz Imparato, 564 - Parque Cisper Exibição de Verdade 12.528 Data: 15/05 Local: doti-p/dre Penha Endereço: Rua Apucarana, 215
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Encontro com Xico Bezerra, grupo Tortura Nunca Mais: Cinquenta anos do golpe – não esqueceremos Data: 14/05 Local: ceu Lajeado Endereço: Rua Manuel da Mota Coutinho, 293 Grupo de Trabalho: memória e verdade, trabalho descente, população em situação de rua, migrantes e idoso Data: 14 a 16/05 Local: Universidade Nove de Julho Endereço: Rua Vergueiro, 235 I Seminário de edh da dre de Santo Amaro Data: 01/04 Local: dre Santo Amaro Endereço: Rua Doutor Abelardo Vergueiro Cesar, 370 Cineclube: Cinquenta anos do golpe civil-militar – lembrar é resistir Data: de 23 /05 a 29/08 Local: ceu Lajeado Endereço: Rua Manuel da Mota Coutinho, 293 Encontro com educadores: Cinquenta anos do golpe – panorama histórico e reflexões atuais Data: 24/05 Local: Memorial da Resistência Endereço: Largo General Osório, 66
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Formação de professores no (cieja) Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos Data: 24/05 Local: Biblioteca Mário de Andrade - dre Ipiranga Endereço: Rua da Consolação, 94
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Ciclo de debates: Conhecer para não repetir: 1964 e as implicações do golpe nos dias atuais Data: 14, 16, 21, 23 e 30/05 Local: ceu Butantã Endereço: Avenida Engenheiro Heitor Antônio Eiras García, 1870
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Lanรงamento do seminรกrio edh: Conhecer para nรฃo repetir: Cinquenta anos do golpe militar no Brasil Data: 21/05 Local: ceu Caminho do Mar Endereรงo: Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira, 5241
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2015 Memória, verdade e território Integrando o programa Prefeitura no Bairro1 realizado no Butantã, a cdmv selecionou o documentário Cidadão Boilesen que trata do controverso empresário Henning Albert Boilesen. Presidente do grupo Ultra, Boilesen foi um influente empresário no Brasil e um dos primeiros a financiar o aparato político-militar da ditadura por meio da Operação Bandeirante (oban), chegando inclusive, segundo relatos, a frequentar sessões de tortura. A escolha do documentário buscou elucidar um debate pertinente ao território, já que o bairro abriga a rua Henning Boilesen, homenagem que não faz sentido em uma cidade que se pretende efetivamente democrática e defensora dos direitos humanos. Após a exibição do documentário, estudantes e educadores participaram da conversa com a coordenadora do programa Ruas de Memória, Clara Castellano, e Anivaldo Padilha. Resistente à ditadura e representante do Conselho Mundial das Igrejas nos anos 1970, Anivaldo Padilha foi fundamental na luta contra a tortura, e colaborou com o debate compartilhando a
1 O programa Prefeitura no Bairro foi uma iniciativa coordenada pela vice-prefeita Nádia Campeão que combinava ações de zeladoria e serviços com políticas públicas das várias áreas de governo nas diversas regiões da cidade, buscando fortalecer o trabalho integrado do governo local nas Subprefeituras.
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experiência de alguém que viveu, na própria pele, a violência daquele período. Um aspecto central no debate foi como os “anos de chumbo” deixaram profundas marcas na cidade de São Paulo e na própria dinâmica de socialização da população. A existência de logradouros que homenageiam violadores de direitos humanos no município, como a Rua Henning Boilesen, evidencia a necessidade de realizarmos o resgate da memória, do que de fato significou aquele período e as diversas violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado. Conforme Clara Castellano: Além de representar uma reparação simbólica fundamental às vítimas diretas desses atos, alterar estas homenagens é também importante para trazer à tona a verdade dos fatos e personagens da ditadura. É inaceitável que pessoas que notadamente cometeram crimes
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continuem a ser reverenciadas como referências nacionais em locais de destaque de nossos espaços públicos.
A alteração dos nomes desses logradouros é uma ação prioritária da cmv e foi desenvolvida em parceria com o legislativo e com ampla participação das comunidades locais. Cinedebate: Cidadão Boilesen ceu Uirapuru dre Butantã Data: 15/04 Endereço: Rua Nazir Miguel, 849 Público: 25 participantes
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Território e Direitos Humanos A cdmv foi convidada para participar de encontros de dois Grupo de Trabalho e Pesquisa (gtp) da dre de Itaquera: gtp e edh e gtp Território. Os grupos da dre Itaquera foram organizados para mobilizar os educadores das unidades da região para refletir e programar ações nos seguintes temas: sujeitos da infância, educação ambiental, território; educação em diretos humanos, étnicorraciais e projetos. No encontro do gtp de edh foi apresentada a importância da educação em memória e verdade como meio para se garantir o acesso a um passado e promover a reflexão sobre o legado repressivo no presente. No encontro do gtp dedicado ao território foi discutido o programa Ruas de Memória. Em junho de 2016, a cdmv participou de outro encontro do gtp edh, que também abordou o dmv e se aprofundou sobre o edital Conhecer para não repetir, que premiou iniciativas da rede municipal de educação sobre o tema. Todos os encontros foram extremamente oportunos para dialogar e trocar experiências e conhecimentos com os educadores da região, contribuindo com o trabalho que já é desenvolvido, além de inspirar novas práticas.. Seminário regional de edh cefor Itaquera Datas: 27/04 e 24/08/2015, 30/06/2016 – 8h00 - 12h00/ 13h30 - 17h30 Local: dre Itaquera Endereço: Avenida Maria Luisa Americano, 2021 Público: 80 participantes
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Vala de Perus e o desaparecimento forçado no Brasil A sessão de curtas Vala de Perus e o desaparecimento forçado no Brasil integrou a programação do Cine Direitos Humanos, projeto realizado de 2013 a 2016 pela smdhc, que promoveu sessões gratuitas com uma seleção de filmes que permitiram a discussão das diferentes dimensões dos direitos humanos. Para a sessão dedicada à reflexão sobre a vala clandestina de Perus foram selecionados os curtas-metragens Vala comum (João Godoy, 1994), Apelo (Clara Ianni e Débora Maria da Silva, 2014) e o inédito Ossadas da vala clandestina de Perus, de 1970 a 2015 (ggn Notícias, 2015). Com o objetivo de integrar a rede de ensino nessa programação, foram convidados estudantes e educadores do cieja Cambuci. A sessão foi seguida de debate com Eugênia Gonzaga (Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), Rimarcs Gomes Ferreira (coordenador do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense), com mediação e comentários do jornalista Luis Nassif. Após a sessão, tanto alunos quanto professores se mostraram bastante sensibilizados com o debate e com a sessão que, para muitos, apresentou uma parte desconhecida da história do país. A atividade mostrou-se uma experiência extremamente pertinente para envolver estudantes e educadores nos debates e nas atividades realizadas pela smdhc.
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Cine Direitos Humanos: sessão de curtas – Vala de Perus e o desaparecimento forçado no Brasil Data: 30/05 Local: Sala Itaú de Cinema Endereço: Rua Frei Caneca, 569 Público: 29 educadores e estudantes da Rede Municipal
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Memória e reflexão para não repetir o passado O sarau vopo, da emef Paulo Carneiro, deu início ao seminário regional de edh e Cidadania, trazendo em seu repertório canções do período da ditadura militar que emocionaram a todos pela vitalidade, qualidade estética e conteúdo. Ainda na abertura, a representante da dre Jaçanã-Tremembé, Diva Maria Correia da Silva, recepcionou os convidados e deu a palavra aos palestrantes. Anivaldo Padilha, exilado, professor de Ciências Sociais e membro do cpmvj, destacou porque é essencial conhecer e refletir sobre a história do nosso país. Hoje, a importância do resgate da memória histórica e restabelecimento da verdade sobre o que aconteceu no Brasil naquele momento não é para simplesmente conhecer o passado, mas para entendermos que o nosso presente é feito do passado e o nosso passado continua presente.
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De acordo com Carla Borges, coordenadora de dmv da smdhc, o Estado tem o dever de oferecer reparação para vítimas e o dever ainda maior de reparar as suas próprias vítimas. Seja uma reparação financeira, material ou simbólica. É nesta perspectiva de reparação simbólica que se situam as políticas públicas de memória.
Ao convidar um ex-preso político para falar da sua história num espaço público, a coordenação dmv valoriza a memória das pessoas que resistiram contra o período autoritário, dando-lhes possibilidades de socializar suas vivências, dar testemunho das atrocidades cometidas pelos agentes da repressão e inspirar os educadores a se aprofundarem sobre o tema. Por sua vez, o coordenador de edh da smdhc, Eduardo Bittar, relembrou a importância do i Seminário Municipal
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de Educação em Direitos Humanos, ocorrido em 2014, e voltou a destacar o compromisso da secretaria em estimular a reflexão de educadores sobre questões que interferem na proteção dos direitos humanos e no respeito à cidadania. Neste ambiente, as reflexões sobre a violência de Estado ontem e hoje ajudam a compreender os desafios atuais e fortalecem ações em direitos humanos. Seminário Regional de Educação em Direitos Humanos e Cidadania Data: 22/05 Local: ceu Jaçanã /dre Jaçanã-Tremembé Endereço: Rua Francisca Espósito Tonetti, 105 - Jardim Guapira Público: 150 participantes
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Vivência de campo no laboratório forense O programa Conhecer para não repetir buscou também envolver servidores que atuam em diferentes instâncias da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, na visita ao laboratório de arqueologia forense onde são desenvolvidas atividades do gtp Perus. O gtp Perus, fruto do convênio estabelecido entre a Prefeitura Municipal de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebeu mais de cinquenta servidores públicos municipais, alunos da Escola de Governo, para uma discussão sobre a ditadura civil-militar brasileira e as iniciativas atuais para a identificação de desaparecidos políticos. Na primeira parte do encontro, os servidores visitaram o Centro de Arqueologia e Antropologia Forense, da Unifesp, no qual estão sendo analisadas as mais de mil ossadas encontradas em 1990, na vala clandestina de Perus. Depois de serem guiados pela equipe forense ao longo de todo o complexo processo de preparação e análise dos restos mortais, os alunos seguiram para uma
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palestra sobre violações de direitos humanos no Brasil e o papel da antropologia forense no esclarecimento de casos de desaparecimento e violência de Estado. Foram responsáveis pelas palestras o professor Bruno Comparato, da Unifesp, os servidores da smdhc Carla Borges e Fábio Franco, e os antropólogos forenses do gtp Perus Rafael Souza, Patrícia Fischer e Márcia Hattori. Durante a exposição, o professor Bruno Comparato enfatizou as relações entre memória, verdade e direitos humanos no contexto latino-americano, particularmente no Brasil, ressaltando que “para virar uma página da história, é preciso primeiro lê-la e compreendê-la”, tal como vem acontecendo com o caso Perus. Em seguida, a equipe de antropologia forense do gtp respondeu às dúvidas dos alunos e detalhou as etapas do processo de identificação, que inclui desde pesquisa em arquivos e entrevista com familiares até a análise minuciosa dos restos mortais e os exames de dna. Ao final, o testemunho de um servidor sintetizou a experiência deste dia: Descobri que a ditadura não é um passado; ela ainda está presente, de diferentes jeitos, inclusive na dor de tantas famílias que ainda não encontraram seus parentes desaparecidos.
Formação dos servidores públicos Municipais em Direitos Humanos e Cidadania: vivência de campo no Laboratório Forense Data: 22/06 - 8h30 – 12h30 Local: Laboratório de Arqueologia Forense - Unifesp Público: 50 participantes
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Sensibilização pela empatia Como aproximar os jovens de uma história que aconteceu há quase cinquenta anos? Uma das estratégias da cdmv para quebrar tamanha distância foi colocá-los lado a lado com os resistentes da ditadura militar para que pudessem ouvir, de suas próprias bocas, suas histórias. Assim, aspirações e vivência de jovens do passado puderam encontrar ecos nos jovens de hoje. Amélia Teles, conhecida como Amelinha, tem um longo histórico de luta na defesa dos direitos humanos e do feminismo. Ela conversou com o grupo de jovens monitores logo após visitarem o Museu da Resistência, onde ela mostrou a cela na qual ficou presa por quatro meses e descreveu como eram os sons e cores do local naquela época. “Estou nos meus setenta anos e isso é uma ferida aberta para sempre”, revelou. Amelinha disse não gostar de estar no dops, mas necessário. “Eu acho que é o nosso dever, de quem sobreviveu e passou o que eu passei e que tantos outros passaram. Eu acho que eu tenho obrigação de vir até aqui”, enfatizou.
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Amelinha contou também sobre como era o tratamento dedicado às mulheres. Você tem que ser punida, culpabilizada, castigada porque você é subversiva duas vezes: na luta pela ditadura e porque você não está desempenhando o estereótipo da maternidade.
Naquela época, os dois filhos de Amelinha, de quatro e cinco anos de idade, além de terem sido sequestrados, foram levados para ver o pai e a mãe nas celas nus e com hematomas de espancamento. Na segunda parte da formação, os monitores participaram do debate Juventude e Violência de Estado Ontem e Hoje. Alípio Freire, ex-preso político, tratou da violência contra jovens da classe trabalhadora na ditadura militar e atualmente. Claudinho Aparecido da Silva, então coordenador de juventude da smdhc, destacou que a juventude representa 25% da cidade de São Paulo e que este grupo
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sozinho pode levar um candidato para o segundo turno, portanto, é preciso que sejam agentes no processo de mudança da capital. “A gente precisa humanizar os espaços públicos. Essa cidade mais humana passa por nós”, disse. Ele abordou problemas como racismo e violência contra a população jovem na periferia e também defendeu que a escola precisa ser melhor, precisa ser um espaço em que o estudante se sinta bem. Valdênia Paulino, ativista dos direitos humanos, iniciou sua apresentação realizando um exercício lúdico de representação de sistema de poder com a audiência, separando os participantes em grupos que representavam as esferas de poder e a população, simulando o diálogo entre si. Destacando a relevância do papel da informação e do debate, recomendou: Não vamos ser massa de manobra. Muita roda de conversa. Cartilha para decifrar a lei. A arte sempre foi um instrumento importantíssimo de luta: a crônica, o grafite e a capoeira.
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Todos os jovens participantes desta ação integram o programa Jovem Monitor da smc. Além de contribuir com a própria formação desses jovens, as atividades realizadas com o grupo buscaram oferecer ferramentas para que possam mediar o contato dos frequentadores dos equipamentos culturais com o tema Ditadura Militar no Brasil. Além da escola, os equipamentos culturais e as bibliotecas são, certamente, espaços para construção de conhecimento. Oficina dmv Jovens Monitores de Cultura Visita a exposição permanente do Memorial da Resistência e da exposição Ausenc´as Debate: Juventude e Violência de Estado Ontem e Hoje Data: 22/06; 6 e 13/07 Locais: Largo General Osório, 66 Rua General Jardim, 660 Público: 92 participantes
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Para ensinar o valor da democracia e da vida humana Qual o nosso projeto de nação? Em que tipo de país queremos viver? As indagações da socióloga Valdirene Gomes, feitas durante a oficina dmv do curso de direitos humanos na dre São Miguel para professores da rede municipal de ensino, dão o tom do objetivo central do programa Conhecer para não repetir: sensibilizar educadores e estudantes para a importância de se respeitar a vida humana e valorizar a democracia, a partir do entendimento sobre o que foi a ditadura militar no Brasil e permanências autoritárias até o presente. Uma das estratégias para atingir esse objetivo foi por meio da realização da Oficina dmv (ver página 82), que buscou proporcionar aos educadores recursos para criar formas e métodos para trabalhar a temática no ambiente escolar e estimular nos alunos uma consciência sobre a importância da defesa dos direitos humanos.
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Assim, os encontros realizados com educadores das dres Penha, Freguesia-Brasilândia, Campo Limpo, Pirituba, Itaquera, São Miguel, Santo Amaro, São Mateus, Jaçanã-Tremembé, Ipiranga e Butantã revisitaram a história brasileira à luz de relatos e testemunhos sobre o período, disponíveis em livros, filmes e reportagens. Os encontros também foram espaços essenciais para que os professores compartilhassem suas lembranças do período da ditadura militar, considerando as relações entre as violações cometidas de modo amplo contra toda sociedade e as suas histórias familiares. Destacou Valdirene Gomes ao falar sobre a importância das histórias pessoais e dos testemunhos: A gente precisa se sensibilizar com os temas. E sensibilizar é entrar em contato com as histórias das pessoas. É alguém que tem rosto, que comia, amava, trabalhava, brigava e não apenas mais um número que morreu
Diversos modelos de materiais foram apresentados como recurso para ser usado em sala de aula. Inicialmente, foram apresentados o curta-metragem Lembrar para não esquecer jamais, da Comissão de Anistia, dois trechos do documentário Verdade 12.528, com depoimentos de Eliana Paiva e de camponeses que colaboraram com a Guerrilha do Araguaia. Estes filmes, além de informativos, contribuem para mobilizar ideias, memórias e emoções sobre o período. Foram apresentados livros de história, literatura, relatos, testemunhos, filmes de ficção, documentários e reportagens, além de todos os materiais que compõe
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o kit, criado para servir de apoio nos programas pedagógicos (ver página 81). Além do material do kit, como complemento, foram discutidas uma série de referências para auxiliar os educadores, tais como sites para pesquisa, notícias e lugares de memória da cidade de São Paulo. Além disso foram sugeridas formas de trabalhar o tema por meio de linguagens artísticas, como música ou fotografia, ou recorrer ao programa Ruas de Memória, lançado pelo Prefeito Fernando Haddad em agosto de 2015 com o objetivo central de promover progressivamente a alteração dos nomes de logradouros (ruas, praças e avenidas) e equipamentos públicos de São Paulo que fazem referência a pessoas, fatos ou datas associados às graves violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar. Com esse amplo leque de possibilidades, buscamos subsidiar ações voltadas para o ensino Fundamental i, Fundamental ii e a comunidade.
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Em um formato bastante semelhante, mas com carga horária reduzida, foram realizadas oficinas nas escolas voltadas exclusivamente para os professores que estão no estatuto da jeif. As reuniões pedagógicas também receberam formações neste formato (ver página 82) Ao adaptar o modelo original da oficina, a cdmv conseguiu ampliar o número de professores capacitados na mesma escola. Além disso, a vivência nas oficinas e a troca de experiências entre os educadores ajudaram os participantes na ressignicação da própria história e da história do país, sendo que alguns compartilharam com o grupo relatos emocionados de experiências próprias ou de parentes e conhecidos (ver páginas 100-105), aumentando a empatia com aqueles que lutaram pela liberdade no país.
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Oficinas dre Penha Data: 23/06 Local: Auditório Universidade Cidade de São Paulo Público: 162 participantes dre Freguesia-Brasilândia Data: 25/06 Local: Rua Léo Ribeiro de Morães, 66 - Freguesia do Ó Público: 55 participantes dre Campo Limpo Data: 29/06 Local: Av. João Dias, 3763 - Jardim Santo Antônio Público: 53 participantes dre Pirituba Data: 27/05 Local: ceu Pera-Marmelo Endereço: Rua Pera-Marmelo, 226 Público: 171 participantes
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dre Itaquera Data: 02/05 Local: ceu Azul da Cor do Mar Endereço: Avenida Ernesto de Souza Cruz, 2171 Público: 230 participantes dre São Miguel Data: 19/08 Local: Centro de Formação (cefor) da Diretoria de Educação de São Miguel Endereço: Rua Ana Flora Pinheiro de Sousa, 76 Público: 42 participantes dre Santo Amaro Data: 31/08 Local: Auditório da dre de Santo Amaro Endereço: Rua Dr. Abelardo Vergueiro César, 370 Público: 51 participantes dre São Mateus Data: 10/09 Local: ceu São Rafael - Centro de Educação em Direitos Humanos Endereço: Rua Cinira Polônio, 100 Público: 329 participantes dre Jaçanã-Tremembé Data: 17/09 Local: Auditório da Subprefeitura Santana/ Tucuruvi Endereço: Avenida Tucuruvi, 808 Público: 129 participantes
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dre Ipiranga Data: 28/09 Local: ceu Heliópolis Profª Arlete Persoli Endereço: Estrada das Lágrimas, nº 2385 – São João Clímaco – SP. Público: 56 participantes dre Butantã Data: 01/10 Local: ceu Butantã Endereço: Avenida Engenheiro Heitor Antônio Eiras García, 1870 Público: 120 participantes
Reunião pedagógica dre Freguesia do Ó - Brasilândia Data: 21/07 Local: emef Érico Veríssimo Endereço: R. Rafael Alves, 295 Público: 54 participantes dre Pirituba Data: 21/07 Local: emef Fernando Gracioso Endereço: Rua Silveirânia, 1 Público: 24 participantes dre Penha Data: 30/09 Local: emef Barão de Mauá Endereço: R. Madrid, 550 Público: 35 participantes
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dre Penha Data: 11/11 Local: emef Othelo Franco Endereço: Rua Jarinu, 730 Público: 34 participantes dre São Miguel Paulista Data: 24/10 Local: emef Pedro Fukuyey Yamaguchi Ferreira Endereço: Rua Faveira do Mato, 600 Público: 28 participante jeifi
dre Jaçanã Data: 24 e 27/08 Local: emef Nilce Cruz Figueiredo Profa Endereço: Avenida Coronel Manuel Py, 168 Público: 44 participantes dre Guainases Data: 03/09 Local: emef Vladimir Herzog Endereço: Rua Francisco José Viana, 894 Público: 26 participantes dre Pirituba Data: 08/09 Local: ceu Perus Endereço: Rua Bernardo José Lorena, s/n Público: 19 participantes
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Os ceus e a cidade mais humana Em agosto de 2015, a formação que reúne representantes dos 46 ceus em funcionamento da capital abordou a temática Direitos Humanos e Educação. O encontro foi articulado pela coordenadora de Programas Especiais e Sala ceu da sme, Ciça Carlini, e a coordenadora de dmv, Carla Borges, e contou com a participação também do coordenador de Juventude, Claudinho Silva. O então secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, foi um dos palestrantes e destacou o importante papel dos agentes de educação para uma cidade mais humana, justa e inclusiva, tendo em vista o seu papel de levar conhecimento e informação sobre direitos humanos aos estudantes. Na visão de Sottili, o legado das ditaduras e a não apuração das violações resultam na perpetuação da violência ainda hoje.
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O Brasil não fez os processos de transição como deveria. A história não foi contada como deveria. Aprendemos que estes processos foram naturais e então não fizemos justiça. Ao não fazermos justiça, não contamos para a sociedade o real papel que os violadores tiveram.
Rosalina Santa Cruz, que foi militante da var-Palmares e também presa política, participou do encontro para dar o testemunho da sua experiência. Rosalina, que atualmente preside a Comissão da Verdade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (puc-sp) , contou sobre situações que vivenciou durante os 52 dias em que esteve presa, em 1971, submetida a torturas físicas e psicológicas. No final do emocionante depoimento foi aplaudida de pé. 500 dos ceus Data: 06/08 Local: Câmara Municipal de São Paulo Endereço: Viaduto Jacareí, 100 Público: 257 participantes
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Resiliência e propósito Experiências do passado e perspectivas para o futuro se encontraram no seminário realizado para os agentes de educação da dre Penha. Marília-Marie Goulart, assessora para Educação e Cultura pela cdmvd da smdhc da Prefeitura de São Paulo, compartilhou a mesa com Waldemar Rossi, preso político que ganhou projeção nacional ao recepcionar o Papa João Paulo ii, em 1980 e denunciar as torturas praticadas na ditadura militar. De um lado da mesa do auditório as ponderações de um homem sobre o que se almejava e o que foi conquistado e de outro um olhar para o cenário atual e para as políticas públicas atuais numa conversa para inspirar o desafio dos professores frente ao tema. “Para poder ajudar vocês no trabalho que vocês têm de formação da consciência crítica da infância e juventude é fundamental ir lá atrás na história porque
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as coisas em política não acontecem por acaso”, disse Rossi no início da sua exposição. O diálogo com mais de duzentos profissionais da educação foi uma das últimas apresentações públicas de Rossi, que faleceu em maio de 2016 aos 83 anos, ao menos cinquenta dos quais dedicados à defesa dos direitos dos trabalhadores. Seminário dmv Experiência de resistência à ditadura e de políticas públicas na cidade de São Paulo dre Penha Data: 15/8, das 9h às 13h Local: Auditório da Universidade Cidade de São Paulo Endereço: Rua Cesário Galeno, 475 Público: 230 participantes
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Informação, diálogo e mudança Partindo da percepção de que a população conhecia muito pouco sobre o que foi a ditadura militar no país, Peu Robles e Paula Saccheta se mobilizaram para contar essa história e possibilitar o debate público em torno da cnv. Foi assim que surgiu o documentário Verdade 12.528, que apresenta o testemunho de 27 pessoas. Para mais uma vez expor esses depoimentos e suas próprias reflexões a respeito, o documentarista Peu Robles participou do Cinedebate realizado no ceu Pêra-Marmelo localizado na dre de Perus, que reuniu estudantes e professores, e foi conduzido pela socióloga Valdirene Gomes, consultora da cdmv da smdhc. Além da exibição do Verdade 12.528, o grupo assistiu a um trecho relativo à ditadura militar da animação Uma história de amor e de fúria, que percorre seiscentos anos da história do Brasil.
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Durante o diálogo, a vala de Perus, localizada na região, foi mencionada por uma professora que destacou a importância de os jovens conhecerem a existência desses casos. Robles frisou a grande importância de dar visibilidade aos fatos, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre o assunto. “Não conhecer a história, não se preocupar com a história é permitir que essa história se repita”. O documentário, que integra o kit dmv (ver página 81), também foi exibido em atividades realizadas no ceu Parque Anhanguera e na emef Vladimir Herzog (ver página 172), em sessões que contaram com a presença da diretora Paula Sacchetta, que dialogou diretamente com os estudantes. Cinedebates ceu Pera-Marmelo – dre Pirituba Data: 19/9, das 8 às 12h Endereço: Rua Pera-Marmelo, 226 Público: 108 participantes
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ceu Parque Anhanguera dre Pirituba Data: 18/11, das 8h30 às 12h30 Endereço: Rua Pedro José de Lima, 1020 Público: 74 participantes
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Ausência de justiça no passado, perpetuação da impunidade hoje Revisitar o passado, avaliar o presente e mudar o futuro. Esta foi a síntese da temática de cada dia do seminário Violência de Estado ontem e hoje. Do primeiro encontro, denominado “Brasil Nunca Mais: trinta anos depois”, participaram Ana Caroline Castro, diretora do documentário Coratio sobre o livro Brasil: Nunca Mais, e Anivaldo Padilha, que era membro do movimento ecumênico brasileiro e internacional, cuja contribuição foi fundamental ao projeto Brasil Nunca Mais (bmn) , tendo sido preso e torturado pela ditadura militar. Para ambos, a impunidade é uma das questões centrais para a continuidade da violência. Ana Caroline ressaltou que os torturadores da ditadura militar não foram punidos e que ainda hoje não se pune muitos daqueles que violam os direitos humanos. “A gente não pode parar de falar
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até que as coisas sejam resolvidas. Isso não pode passar em branco, senão as histórias vão se repetindo”, afirma. “Nos anos 1980, um grupo de trinta pessoas teve a coragem de fazer clandestinamente a maior denúncia contra tortura. Uma denúncia tão bem-feita que os militares nunca tiveram coragem de revidar”, disse Ana Caroline, destacando que fez o documentário para honrar essas pessoas que fizeram o livro, apesar do medo e das perseguições. “Eu peço para vocês, como professores, que não se esqueçam de trazer esse tema para seus alunos”, pediu Padilha, que falou da ditadura militar, destacando o objetivo da prática da violência pelo Estado. “Tem um trecho da música ‘Apesar de você’, do Chico Buarque que eu cito: ‘a minha gente falando de lado e olhando pro chão’. Isso reproduz o clima de terror vivido naquela época.” Com mediação de Marcelo Igor de Souza (Cavanha), da Coordenação de Políticas para Juventude smdhc, o segundo dia do evento contou com a presença de dois pesquisadores sobre a violência para tratar do tema
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“Aparato policial, tortura e impunidade: relações entre o ontem e hoje” – Uvanderson Vitor da Silva e Bruno Paes Manso. Uvanderson, doutorando em Sociologia, destacou o quanto o racismo está enraizado no Brasil. Ele trouxe para o debate uma frase muito comum no dia a dia: “Parado é suspeito, correndo é ladrão”. Segundo ele, os critérios raciais influenciam na forma como a polícia atua, mas também de toda a sociedade. Eu acho que discutir a questão ético-racial relacionada à violência é discutir o padrão de naturalização da violência no país. Como é possível morrerem tantas pessoas, esse nível de violação, esse nível de violência generalizada sem que a gente se comova, sem que a gente se mexa, sem que isso crie uma mobilização um pouco maior?
Bruno Paes Manso, jornalista e doutor em Ciências Políticas, apresentou dados sobre cinco décadas de homicídios em São Paulo. “Entre [as décadas de] 1960 e
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2000 os homicídios cresceram 900% em São Paulo”. O “Esquadrão da Morte” surgiu no final da década de 1960 e Manso chama a atenção para o fato de o homicídio passar a ser visto não como um crime, mas como uma forma de resolver problemas. O terceiro encontro, “Violações de Direitos Humanos e Territorialidade: como abordar o passado e o presente com os alunos”, foi aberto pelo então secretário de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, e pela coordenadora de dmv, Carla Borges. Na sequência, palestraram duas jovens articuladoras do território de Itaquera do programa Juventude Viva. Gabriela Vallim relembrou a grande contribuição do projeto Imprensa Jovem para que ela se torne jornalista e falou da grande importância de estar ali, como palestrante no ceu. “É uma responsabilidade para nós estarmos aqui ocupando um espaço que a juventude geralmente não ocupa, menos ainda jovens negros e muito menos ainda as mulheres negras”. Gabriela falou ainda sobre a situação da violência hoje. “Ter 83 jovens negros morrendo todos os dias num
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país não é normal. Isso é maior que todos os saldos de guerra da história. Então, a juventude negra está morrendo, ela está sendo dizimada da história em silêncio”. Monique Lupi Mendes também articuladora da juventude falou da importância da participação dos jovens e da grande contribuição deles para os debates e destacou a ausência dos alunos entre o público do seminário como um ponto de atenção. “Os jovens têm muito para falar sobre as violações que eles mesmos sofrem”. Monique defendeu, ainda, um olhar para a questão da qualidade educacional versus a agenda de discriminação na escola. “Não tratar das desigualdades faz com que a gente não consiga enxergar e pontuar onde é preciso um enfrentamento. Então, isso traz uma despolitização muito grande para todos nós”. Por fim, Jonas Waks, coordenador adjunto de edh, fechou as exposições do dia falando sobre o que é na prática tratar da educação sob este viés, abordando as políticas públicas existentes e seus objetivos. Seminário: Violência de Estado ontem e hoje: 1.“Brasil Nunca Mais: 30 anos depois” 2.“Violações de Direitos Humanos e Territorialidade: como abordar o passado e o presente com os alunos” 3.“Aparato policial, Tortura e Impunidade: relações entre o ontem e hoje” dre Itaquera Data: 22/09, 29/09 e 06/10 Local: ceu Azul da Cor do Mar Endereço: Avenida Ernesto de Souza Cruz, 2171 Público: 235 participantes
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Quebrar o silêncio e falar da impunidade A cmdv criou um fórum de debates para os Articuladores da Juventude da cidade de São Paulo, chamado de “Violência policial ontem e hoje”. O primeiro encontro com o grupo reuniu pesquisadores e tratou dos “Legados da ditadura na estrutura de repressão”. O propósito da iniciativa foi ampliar as informações e repertório daqueles que atuam nas subprefeituras da cidade, com foco em prevenção para reduzir a vulnerabilidade de jovens negros em situações de violência física e simbólica. Maria Pia Guerra, pesquisadora sobre violência de Estado e justiça de transição, contou sobre seu processo de pesquisa e apresentou dados sobre os legados da ditadura militar, como a militarização do policiamento ostensivo, a criação da Rota e dos Batalhões de Choque. A pesquisadora destacou ainda que o tema é complexo e que não se pode apoiar em soluções simplistas, uma vez que muitos policiais também morrem no exercício
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da profissão e que mais saúde e educação não são garantia de menos violência. “É importante que a gente tenha uma polícia que não morra, que não mate e que garanta uma segurança para a população”, destacou. O sociólogo Paulo Ramos aprofundou a questão sobre racismo institucional e comparou estatísticas de morte de brancos e negros. Com base em dados do Datasus, Ramos apontou que os homicídios de jovens brancos diminuem enquanto o de jovens negros crescem e a taxa de homicídio aumenta no geral. Este momento em que estamos discutindo segurança pública é um momento histórico. Não é uma coisa que sempre aconteceu, é uma coisa nova. Qual o grau de abertura dessa instituição para receber aquilo que a gente acha que ela deve fazer? A gente consegue fazer isso com a escola,
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tem a política de saúde, tem política de cotas. Por que a gente não consegue fazer isso no âmbito da segurança pública? E eu acho que esse esforço a gente tem que fazer
Uma nova sessão foi realizada com os Articuladores da Juventude com a presença de Milton Barbosa, militante do movimento negro, e Weber Goes, mestre em Sociologia, que abordaram a criminalização do corpo negro no Brasil. O Movimento Negro Unificado, do qual Barbosa é um dos fundadores, foi lançado em 1978, em plena ditadura militar. Eles estimularam a valorização da arte negra, sambas-enredos nas escolas de samba, articulações em associação e contavam com apoio da imprensa nacional e internacional. “A repressão não queria nos prender e torturar porque éramos muito conhecidos, fazíamos muitas
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atividades e seria um rebu enorme. Mas eles queriam forjar flagrantes contra nós e tinham vários estratagemas para isso”. E complementou: “Eles não queriam nos prender por ação contra a ditadura, mas queriam nos forjar, colocar drogas como se faz hoje”. Weber Goes destacou a necessidade de pensar o momento em que vivemos e a relação da taxa de mortalidade, taxa de encarceramento e a forma truculenta que o estado brasileiro tem reagido em relação ao negro, com preconceito e forjando crime. “A gente pensa que essas formas são novas, mas elas sempre foram uma prática na história brasileira. Eu diria que isso é desde o Brasil Colônia”. Goes chamou a atenção para o fato histórico da repreensão ao negro no país: “Já no período colonial, uma certa racionalização da organização do Estado brasileiro cuja forma de militarização tem como perspectiva criminalizar o oprimido, que neste caso é o [descendente de] africano no Brasil. “Essa estrutura vai acompanhar o Brasil até os dias de hoje”, enfatizou. Com o propósito de fomentar o diálogo e o protagonismo da juventude, dois Articuladores integraram a mesa de debate em seminários nas regiões Itaquera e Pirituba, voltados para educadores. Articuladores da Juventude “Violência policial ontem e hoje” Data: 2 e 22/10 Endereço: Rua Libero Badaró, 425 Público: 39 participantes
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Mês de memória e verdade: 25 anos da descoberta da vala clandestina de Perus Por meio da parceria entre a cdmv, a equipe do ceu Perus e jornalistas do Portal ggn de notícias, o que seria uma única atividade para rememorar os 25 anos da descoberta da vala clandestina de Perus se desdobrou em mais de dez encontros que compuseram a programação do Mês de memória e verdade: 25 anos da descoberta da vala clandestina de Perus. A parceria resultou em oficinas, vivências e sessões de teatro e cinema seguidas de debates que abordaram o desaparecimento, a história da vala e do território junto aos educadores, estudantes e também frequentadores do ceu Perus. Com vistas a mobilizar os educadores que atuam nas escolas da região foi realizada uma sensibilização sobre o tema antes de dar início às atividades com os estudantes. Entre as oficinas se destacaram a visita ao cemitério de Perus – “O cemitério de Perus mapeado”– e as oficinas “Como retratar o desaparecimento na fotografia?” e “Imagens do desaparecimento: Ausência”
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que se valeram da linguagem fotográfica para promover o debate e a reflexão sobre o desaparecimento junto aos estudantes. A visita ao Memorial da Resistência também foi uma vivência bastante importante, na qual estudantes e educadores participaram de uma visita guiada pelo memorial e assistiram à peça Pai, espetáculo seguido de debate.
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Além das oficinas oferecidas aos estudantes das escolas municiais de Ensino Fundamental da região, foi realizado um ciclo Audiovisual com uma seleção de títulos sobre a temática. Abrindo a programação foi exibido o emblemático documentário Você também pode dar um presunto legal sobre o Esquadrão da Morte. Após a exibição, o cineasta Sergio Muniz compartilhou com o público as circunstâncias de realização do documentário, cuja película teve que ser enviada para o exterior pra não ser destruída pelos militares, e debateu também sobre as permanências de um modus operandi da polícia. Fizeram parte do ciclo Atrás de portas fechadas e Ossadas da vala clandestina de Perus, de 1970 a 2015, exibidos em sessões que também contaram com a presença das diretoras de ambos documentários. Com a diversidade de abordagens e linguagens, as ações do Mês de Memória e Verdade atingiram um público bastante expressivo – tanto em quantidade quanto em abrangência e diversidade de perfis. Desse modo, o evento foi uma experiência que demonstrou a
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importância do trabalho em sinergia com os atores locais, ainda mais em território com o histórico de luta como é o caso do bairro de Perus. Atividades Mês de Memória e Verdade: 25 anos da descoberta da vala clandestina de Perus1 Cinedebate: Você também pode dar um presunto legal Data: 04/09/2015 - 19h Debatedor: Sérgio Muniz Público: 394 participantes Sensibilização com professores Data: 08/09 Público: 24 participantes Cinedebate: Atrás de portas fechadas Data: 23/09 Debatedor: Krishna Tavares Público: 271 participantes Cinedebate: Ossadas da vala clandestina de Perus, de 1970 a 2015 Data: 25/09 Debatedores: Aline Oliveira e Carla Borges Público: 172 participantes
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Todas as atividades foram ministradas no ceu Perus. Endereço:
Rua Bernardo José Lorena, s/n. A oficina O cemitério de Perus mapeado contou com uma visita ao cemitério Dom Bosco. (N. E.)
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Oficina: O cemitério de Perus mapeado Data: 16/09 Público: 41 participantes Oficina: Orientações políticas para manifestações artísticas sobre o desaparecimento e a memória Data: 14 e 18/09 Público: 28 participantes Oficina: Dinâmica de fala e escuta sobre desaparecimento Data: 16/09 Público: 12 participantes Oficina: Como retratar o desaparecimento na fotografia? Data: 18/09 Público: 59 participantes Oficina: Imagens do desaparecimento: Ausência Data: 21/09 Público: 73 participantes
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Espetáculo Fábrica de Chocolate Inspirada no texto de Mário Prata, o espetáculo Fábrica de Chocolate aborda a prática da tortura em uma repartição, apresentando situação análoga à do assassinato de Vladimir Herzog. A peça coloca em cena também a banalização da violência e a influência que o setor empresarial teve durante a ditadura. A encenação do espetáculo, em montagem realizada pela Companhia Teatro da Neura, aconteceu no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes (cfcct) e contou com a presença de educadores da emef Vladimir Herzog, localizada no mesmo bairro. Após a sessão, Sebastião Neto, do Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação, participou de bate-papo que se centrou principalmente nas
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violações de direitos dos trabalhadores e de seguimentos que ainda hoje possuem menor visibilidade social. A partir das discussões propostas por Neto e também pelo espetáculo, as educadoras presentes discutiram situações de violações aos direitos humanos que enfrentam no cotidiano. Além do debate promovido, a atividade foi importante também para aproximar os educadores do equipamento cultural e da linguagem cênica como instrumento para discutir história e sociedade. No mês anterior, a cdmv havia realizado, em parceria com a cedh e com o Instituto Vladimir Herzog (ivh) , dois encontros formativos na emef que leva seu nome, trabalhando o tema diretamente com estudantes, no âmbito da disciplina de História. As atividades alcançaram cerca de cinco turmas de jovens de 6º a 9º ano e dialogaram sobre a tortura e a violência policial hoje, a partir das provocações trazidas pelo filme Verdade 12.528, seguido de debate com a diretora, Paula Sacchetta.
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Espetáculo Fábrica de Chocolate Data: 03/10 - 10h Debatedor: Sebastião Neto Local: cfcct Endereço: Rua Inácio Monteiro, 6900 Público: 17 participantes Cinedebate – Verdade 12.528 Data: 17/09 – 9h-12h Debatedoras: Paula Sacchetta e Carla Borges Local: emef Vladimir Herzog Endereço: Rua Francisco José Viana, 894 Público: 180 participantes
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Povos marginalizados e perseguição disseminada O seminário realizado em São Mateus teve o objetivo de abordar como a ditadura militar também violou os direitos humanos de outros grupos sociais, além dos resistentes políticos. O debate abrangeu a temática da perseguição aos negros, indígenas e lgbt, recebendo o nome de “Violências da ditadura contra negros, indígenas e população lgbt”. Com mediação de Cláudio Silva, então Coordenador de Políticas para a Juventude da smdhc, a rodada de debates foi aberta pelo fundador do Movimento Negro Unificado, Milton Barbosa, que contou sua história como ativista no período da ditadura militar. “O grande fracasso da esquerda brasileira foi que eles não colocaram como uma das prioridades a questão dos marginalizados, que são a população negra, a população pobre e a população da periferia”. O ativista também abordou o genocídio da população negra hoje, pelas mãos da polícia.
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Flavia Rios, socióloga e professora da Universidade Federal de Goiânia, contou como a Lei de Segurança Nacional intensificou o racismo institucional e reforçou a falácia da “democracia racial”, que procurava negar a existência do racismo no país – e assim sendo, não seria necessário políticas para enfrentá-lo. O Brasil se apresentava como um país sem discriminação racial e qualquer pessoa que falasse que havia discriminação, preconceito ou racismo, ele é que estava criando problema. Por isso, a fala do Milton Barbosa é muito importante, pois todas as pessoas que se organizaram estavam atentando contra a ordem nacional.
Foi apresentado também o curta-metragem, produzido pela Comissão Estadual Rubens Paiva, sobre Helenira Rezende, que conta a história de uma militante negra assassinada na ditadura.
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“Perseguição à população indígena” foi o tema do segundo dia e contou com a mediação de Jonas Waks, coordenador adjunto de edh. As exposições foram abertas com a apresentação do filme Ditadura criou cadeias para índios com trabalhos forçados e torturas, realizado pela Agência Pública, de jornalismo investigativo. Depois se apresentaram o antropólogo Ian Packer e o sociólogo, historiador guarani e professor da rede estadual de São Paulo, Emerson de Oliveira Souza. Em sua apresentação, Packer recomendou a leitura do relatório Violações dos direitos humanos e territoriais dos guaranis no Oeste do Paraná (1946-1988): subsídios à Comissão Nacional da Verdade e comentou alguns trechos em que ficam evidentes a militarização e violência contra a população indígena. Na sequência, Souza informou que São Paulo é o quarto estado com o maior número de indígenas no país – 40 mil – e citou os atuais movimentos indígenas, além de destacar uma mudança importante.
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Hoje, são pelo menos sessenta [indígenas] formados [no Ensino Superior no Brasil] que invertem os papéis: antes eram os pesquisados e agora são os pesquisadores. Eu tive a oportunidade de escrever a história da minha família.
Contou enfatizando as violências sofridas ao longo da trajetória. Souza lembrou, ainda, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi criada em 1967, no período da ditadura militar para substituir o Serviço de Proteção ao Índio. Denominado “Ditadura, Democracia e População lgbt”, o terceiro dia do seminário foi moderado por Marcelo Morais, da Coordenação de Políticas lgbt e contou com a exibição de Cassandra Rios: a Safo de Perdizes, documentário dirigido por Hanna Korich sobre a vida de Cassandra, escritora cujas obras abordavam a temática homossexual e, por essa razão, razão foi a mais censurada da sua época. De acordo com Hanna, Cassandra vendeu mais livro do que o Jorge Amado,
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mas permanece desconhecida do grande público por tratar de um tema censurado e que até hoje enfrenta muitos preconceitos. O ex-assessor da extinta Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva, Renan Quinalha, falou sobre o trabalho da Comissão em recuperar histórias de pessoas lgbt durante a ditadura militar Brasileira. Quinalha contou que além de repressão política, homossexuais e transexuais sofriam uma repressão moral. Neste documento havia uma coluna específica para pederastia, como também uma coluna específica para maconha em cursos de estudantes, com os de Humanas vindo em primeiro lugar. Esse documento mostra como a ditadura militar tinha uma compreensão muito particular dessas coisas. Mesmo que não fosse um militante político, mas fosse um homossexual pederasta isso era motivo para ser preso, interrogado e tudo mais.
Seminário “Violências da ditadura contra negros, indigenas e população lgbt” 1. “Perseguição à população negra” 2. “Perseguição à população indígena” 3. “Perseguição à população lgbt” ceu São Rafael dre São Mateus Data: 05, 10 e 11/11, das 18 às 22h Local: Centro de Educação em Direitos Humanos – ceu São Rafael Endereço: Rua Cinira Polônio, 100 Público: 259 participantes
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Conhecer, resistir e denunciar Para entender as raízes das violações de direitos e do genocídio da juventude negra da periferia é necessário revisitar o legado autoritário da ditadura militar. Em três encontros realizados com agentes de educação da dre Pirituba, especialistas abordaram questões relevantes para a compreensão do passado e reflexão sobre o presente. No primeiro dia do seminário, Maria Pia Guerra, professora e pesquisadora em história do direito, tratou dos “Legados da ditadura na estrutura de repressão” tema que, de acordo ela, ainda hoje é muito pouco estudado, apesar da sua grande importância. Maria Pia falou sobre a organização da polícia e apontou em que momento da ditadura militar o policiamento ostensivo
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passa a ser assumido pela Polícia Militar, que, por sua vez, é comandada pelas Forças Armadas e não mais pelos governos estaduais. Uvanderson Vitor da Silva, doutorando em Sociologia, falou da escravização dos povos negros e ressaltou como o racismo está presente na sociedade como um todo, incluindo a atuação policial. “O atual nível de violência só é possível e tolerado em razão do racismo que existe no Brasil”, afirmou. Katiara Oliveira, militante do movimento negro e integrante do coletivo Kilombagem, expôs histórias de violência e deixou várias referências de artigos com os participantes do seminário. Sobre a orientação ideológica dos grupos de extermínio que estão presentes em todo o país, a militante afirmou: “Não tenho dúvida nenhuma que é fascista, que é neonazista e não importa a cor do policial (...) é pobre, é negro, tem que morrer. É assim que estão lidando com a criminalidade”, disse.
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O segundo dia de debate reuniu dados históricos e testemunhos pessoais. Milton Barbosa, fundador e membro do Movimento Negro Unificado, contou sua história de ativista e de luta contra o regime militar, destacando a grande mobilização organizada para o lançamento do Movimento em 7 de julho de 1978. Na segunda exposição, Flavia Rios, socióloga e professora do Instituto Federal de Goiás (ifg), tratou dos impactos da ditadura militar na tratativa das questões raciais no Brasil. Segundo ela, o fato de a Lei de Segurança Nacional contemplar a questão racial gerou vigilância e perseguição contra os negros, censura a filmes sobre o tema e a tentativa de controle do discurso de qualquer liderança negra. “O tempo todo o regime esteve muito atento às várias dimensões das possíveis subversões ou pessoas que poderiam questionar o discurso oficial do Estado”, ressaltou Flávia ao comentar o último tópico e lembrar
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exemplos como Esmeraldo Tarquínio, político negro cassado após ser eleito prefeito de Santos, em 1968. O terceiro dia do evento teve a participação de Weber Goes, historiador e mestrando em Ciências Sociais, que enfatizou a relevância de se tratar dos índices de mortalidade e de encarceramento. Para ele, o sistema brasileiro ainda carrega muita influência do período da escravidão. O articulador do Programa Juventude Viva pela coordenação de Juventude da smdhc no território de Pirituba, Douglas Edimilson da Silva Alves, foi um dos palestrantes no fechamento da formação. O articulador falou do desafio que é ligar as pontas e formar uma rede em um bairro que não tem histórico de mobilização popular. “Eu vejo que no plano institucional, a escola é o que está mais junto”, disse e destacou o ceu, onde o seminário foi realizado, como um dos principais parceiros. Douglas comentou também sobre as ações
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culturais que estão sendo promovidas e articuladas na região e disse que algumas vezes o pensar diferente precisa começar pelas lideranças, que não raro ainda reproduzem pontos de vistas mais conservadores. Durante todo o seminário também foram exibidos vídeos com histórias e testemunhos. A entrevista do especialista Luiz Eduardo Soares sobre a desmilitarização da polícia foi exibida no primeiro encontro; o curta-metragem sobre a militante negra Helenira Rezende, realizado pela Comissão Estadual Rubens Paiva, foi exibido no segundo dia. No último encontro foram apresentados três vídeos: o curta-metragem Pele negra, máscaras branca, do diretor Conrado Krainer, o trailer do filme Verdade 12.528, de Paula Sacchetta e Peu Robles e um trecho do filme O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares.
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Seminário Violência de Estado e a Violação de Direitos da População Negra 1. “Legados da ditadura na estrutura de repressão” 2. “Perseguição à população negra durante a ditadura militar” 3. “Violação de Direitos Humanos e Territorialidade: caminhos de atuação” dre Pirituba Data: 16, 23 e 30/11 Local: ceu Vila Atlântica Endereço: Rua Cel. José Venâncio Dias, 840 Público: 39 participantes
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Literatura e tecnologia da informação: vetores de mudança Salas de computadores e bibliotecas podem ser janelas para conhecer outras realidades. Nesses espaços foram realizadas as formações para os educadores orientadores de salas de informática e de leitura das escolas públicas. “Este é mais um convite para que vocês continuem estudando o tema do que propriamente uma formação, em razão do tempo”, falou Valdirene Gomes, responsável pela formação, considerando a amplitude do tema e o tempo restrito do encontro. O encontro na dre Itaquera reuniu um grupo diverso formado por professores de Matemática, Artes, Biologia, Educação Física e História. Logo no início, Valdirene contextualizou a importância de se tratar o tema em iniciativas como esta.
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Na ditadura militar você tem os camponeses, os trabalhadores, movimento negro. Existe perseguição em diversos segmentos, mas a história oficial criou um imaginário de que só estudantes classe média foram atingidos e não é. A gente vem desconstruindo isso com as comissões da verdade e muitas pesquisas.
Em complementação, foi indicado o site multimídia Memórias Reveladas, que reúne fotos, mapas e informações detalhadas sobre destacamentos dos guerrilheiros (com nomes dos integrantes), operações militares, linha do tempo, registro dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Durante a formação foi mostrado também aos participantes que todos os computadores da rede municipal de educação têm na sua aba de favoritos o link para bnm digital, o que possibilita que o professor e o
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estudante com apenas um clique acessem o conteúdo. A iniciativa é resultado de uma articulação da cmdv com a sme. Estes exemplos suscitaram um amplo debate sobre outras possibilidades de uso de ferramentas digitais nesta temática e sobre como trabalhá-las com os alunos. Formação de monitores de informática Data: 2/12 Local: dre Itaquera Endereço: Avenida Aricanduva, 5001 Público: 35 participantes
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2016 Jornada Pedagógica e a vala clandestina de Perus No dia 30 de setembro de 2016, a dre de Pirituba realizou a Jornada Pedagógica, apresentando aos professores da região um tema que tem uma relação muito profunda com o distrito de Perus. A vala comum, descoberta em 1990 pelos familiares de mortos e desaparecidos políticos na ditadura militar com a ajuda fundamental do então administrador do cemitério Dom Bosco, Toninho Eustáquio, foi o assunto que centenas de professores da região discutiram. Para participar do evento, debatendo o significado da vala para a compreensão do que foram os quase 21 anos de ditadura, foram convidados o próprio Toninho e a cdmv, representada por Dyego Oliveira. O curta-metragem documental Vala comum abriu o dia de discussões com a primeira turma de professores que lotou o auditório do ceu Perus. No documentário se sucedem imagens do momento de abertura da vala e depoimentos de familiares de mortos e desaparecidos provavelmente enterrados no local, o que dá o aspecto humano para a necessidade de identificação das ossadas encontradas. Em seguida, ocorreu a fala de Toninho – personagem que teve papel-chave naquele momento histórico do dia 04 de setembro de 1990, quando a vala foi aberta. Sua fala vem de uma realidade vivida e seu jeito simples dá um tom cativante para um assunto que tanto pesa, mesmo 26 anos depois. Contou que, durante a noite que passava no cemitério, ia mexer a terra nos lugares onde sepultadores mais antigos contavam que ficava a vala. Foi aplaudido de pé.
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Em seguida, Dyego Oliveira falou abrindo com a determinante de que “a memória está em disputa”. E, neste sentido, lembrou que esquecer ou deixar no esquecimento os fatos relacionados à ditadura militar é nos tirar o direito de optar pelos caminhos que queremos seguir, inadvertidos dos erros do passado. A vala clandestina está sendo novamente analisada e as ossadas lá encontradas são como um quadro que nunca deveria ter sido tirado da parede. O atestado da brutalidade da ditadura, que deve ser encarado como alerta sempre, para rompermos o fenômeno cíclico dos governos autoritários. Jornada Pedagógica 30/09 – manhã e tarde Debatedores: Toninho Eustáquio e Dyego Oliveira Local: ceu Perus Endereço: Rua Bernardo José Lorena, s/n Público: 700 participantes
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Fortalecendo redes Seminário de Educação em Memória e Verdade: Conhecer para não repetir Para coroar o ciclo de formações de educadores iniciado em 2014, aprofundar o debate sobre os impactos da ditadura militar no sistema educacional e proporcionar espaços de diálogo e reflexão aos educadores, gestores e pesquisadores comprometidos com o tema, a smdhc e a sme realizaram nos dias 16, 17 e 18 de setembro de 2016 o Seminário de Educação em Memória e Verdade: Conhecer para não repetir. Organizado em parceria com a Unifesp, o seminário ofereceu mais de doze horas de programação e contou com um público bastante diverso: educadores, gestores, pesquisadores e graduandos de diferentes faixas etárias reunidos em torno do compromisso de abordar o tema na educação. Com mais de setecentos inscritos, o seminário teve ampla procura e contou com a ativa participação dos mais de 250 presentes ao longo dos três dias. Além do
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engajamento demonstrado durante todo o encontro, os educadores reiteraram a demanda por outros momentos de reflexão como esse, e reafirmaram seu compromisso em criar espaços que permitam dar seguimento ao debate iniciado, de modo a reorganizar a resistência aos retrocessos políticos anunciados e a intenção de seguirem juntos na construção de uma sociedade efetivamente democrática.
Um percurso ao longo de três dias A apresentação teatral do grupo Vozes Poéticas (vopo), composto por estudantes da emef Paulo Carneiro e coordenado pelo professor Felipe Yañez, inaugurou de forma contundente os trabalhos na noite de sexta-feira. Os estudantes declamaram poesias e cantaram canções de sua própria autoria, abordando questões de direitos humanos tais como o racismo, o abuso sexual de crianças e adolescentes e a igualdade de gênero. A abertura contou ainda com as falas de gestores da sme e da smdhc, representada por Djamila Ribeiro, secretária-adjunta da smdhc. A vice-prefeita de São Paulo e secretária-adjunta de Educação do Município, Fátima Aparecida Antonio, anunciou que o programa Conhecer para não repetir: educação em Direitos Humanos passará a integrar permanentemente o conjunto de formações oferecidas aos professores e agentes de educação, de forma a garantir a criação e a realização de outros projetos como esse. Ao final da cerimônia, os nove projetos selecionados pelo Edital de Educação em Direito à Memória e Verdade nas Escolas foram premiados com um conjunto de filmes e livros especialmente selecionados (ver páginas 212-213).
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Com a temática Direitos humanos e dmv – educar sobre a ditadura e seus impactos atuais, a primeira mesa de sábado teve a presença de Maria Amélia Teles (Amelinha), ex-presa política, e da Professora Lisete Arelaro, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (feusp). Amelinha discutiu a importância de incorporar a reflexão sobre a ditadura na educação, dando destaque à importância da luta política por mudanças sociais e da ampliação da participação feminina: “Essa igualdade sonhada, que é uma utopia... é um gesto de luta. A gente acumula forças fazendo manifestações, sem mulheres não tem democracia”. A escola sem partido e suas implicações para a educação em Direitos Humanos e em dmv foi o tema abordado por Lisete Arelaro.
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Quem de nós defende escola com partido? O que eles defendem é escola com mordaça. Esse projeto quer caçar a capacidade do aluno de pensar. [...] O erro não está só na educação. Estamos num processo de despolitização. Essa despolitização está presente na formação dos professores e de outros setores. Por isso, resistir é fundamental. Nas passeatas tem muitos jovens. Quando a juventude está presente significa que o futuro está em disputa.
Democracia Racial, racismo e impacto da ditadura na educação foi o tema da mesa 2, que contou com a presença da professora da ufg, Flávia Rios, e Ivan Seixas, ex-preso político com largo engajamento na defesa dos direitos humanos. Flávia Rios lembrou a afirmação da antropóloga Lélia Gonzales: “só haverá uma democracia racial no país quando houver democracia”. Ivan incitou à mobilização e à manifestação política, “subvertam a ordem, não aceitem retrocessos, vamos à luta”.
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Com o objetivo de oferecer um espaço para troca de experiência e diálogo mais efetivo, os participantes do seminário se dividiram no período da tarde em grupos menores, organizados em torno de três temáticas de discussão. O Grupo 1 foi coordenado pela psicóloga e professora do departamento de Serviço Social da ufpb, Maria de Nazaré Tavares Zenaide e teve como tema Educar para nunca mais: memória e resistência camponesa em Mari – Paraíba. Educar para “nunca mais” no âmbito da edh significa entender os silêncios, a dor e conseguir puxar o fio da memória para que os familiares possam ressignificar a condição das vítimas do arbítrio e conquistem a verdade dos fatos e o processo de reparação moral e econômica. O cordel e outras atividades culturais são capazes de mobilizar a sociedade, os movimentos sociais e as escolas para inserirem o dmv na educação formal e não formal em direitos humanos.
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grupo 2 teve como tema Histórias de ditaduras e luO tas de resistências contadas para crianças e foi coordenado por Cleber Santos Vieira, historiador e docente nos programas de graduação e pós-graduação da Unifesp. A alta adesão dos inscritos nesse grupo, que chegou a cerca de dois terços dos participantes, demonstra a urgência de oferecer ferramentas para que os educadores abordem temáticas diversas, como a da ditadura, na educação infantil. O terceiro grupo tratou do projeto Identidade e Memória e foi coordenado por Aureli Alves de Alcântara e Alessandra Santiago da Silva, ambas do Educativo do Memorial da Resistência. O projeto foi desenvolvido no âmbito das ações do “Memorial Para Todos”, do programa da Ação Educativa do Memorial da Resistência de São Paulo, voltado para a realização de ações educativas para pessoas com deficiência. O projeto, desenvolvido em parceria com o Centro de Convivência e Cooperativa Eduardo Leite – Bacuri (Cecco-Bacuri), foi composto por visitas
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educativas ao Memorial da Resistência, realização de diferentes atividades na instituição, uma visita ao Fundo deops-sp no Arquivo Público do Estado de São Paulo e contação de histórias. A proposta buscou trabalhar conceitos de identidade e memória a partir da pesquisa sobre a vida de Eduardo Cohen Leite, o Bacuri, militante morto pela ditadura militar, que dá nome ao Centro. Com a proposta de conectar iniciativas realizadas em diferentes esferas dedicadas à educação para a não repetição das violações cometidas pela ditadura, a última mesa teve como tema a Educação para o nunca mais. Participaram do painel o pedagogo Daniel Revah, docente nos programas de graduação e pós-graduação da Unifesp, e a cientista social Silvia Finocchio, docente na Faculdade de Humanidades y Ciencias de la Educación e da Universidade Nacional de La Plata (Argentina), que apresentaram diversas experiências de memorialização e educação realizadas na Argentina.
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Esta mesa também abriu espaço para a apresentação dos projetos premiado no Edital de Educação em dmv. A professora Sueli Funari, da dre Butantã apresentou o projeto “Os anos de chumbo no Brasil e o seu legado educacional: contribuições para a transversalidade da edh”, classificado em 1º lugar da categoria Educador. A iniciativa de oferecer um curso aos educadores e gestores baseado em recursos audiovisuais e debate buscou fomentar a discussão sobre a incorporação do dmv nos currículos escolares, estimulando os participantes a exercerem um papel difusor, compartilhando com os demais professores e também alunos as experiências vivenciadas (ver páginas 215-249). Premiada pelo Edital no 3o lugar da mesma, os educadores Adriana das Graças de Paula e André Rogério de Siqueira, do cieja Perus, da dre Pirituba, apresentaram o projeto “Perus: em defesa da democracia! Ditadura e vala comum, nunca mais!”. O projeto se valeu de
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diferentes suportes – como audiovisual, música e visitas – e teve como público-alvo os estudantes da unidade. Partindo do caso da vala de Perus, o projeto buscou difundir na comunidade escolar o conhecimento sobre as violações contra os direitos humanos praticados durante o regime militar brasileiro, discutindo também as limitações da democracia, cidadania e respeito aos direitos humanos no presente. Um dos pontos altos do seminário foram as falas de Larissa Marques Martins e Renata Cristyna da Silva, da emef Eduardo Prado da dre Itaquera, ao final da última mesa. Elas emocionaram a plateia ao apresentar o projeto premiado Movimento Feminista na Luta Contra a Homofobia e o Racismo (movifemi-hr) classificado em 1º lugar na categoria estudantes do Edital. O coletivo movifemi-hr é formado por vinte adolescentes, em sua maioria meninas, com idade de 14 anos, e surgiu para dar um basta nas inúmeras posturas machistas que vivenciavam na escola (ver páginas 243-249).
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Fortalecimento de redes Ao longo dos três dias, o seminário debateu a questão racial, de gênero, a escola sem partido, as experiências nacionais e internacionais de inclusão do debate sobre a ditadura no currículo escolar, a educação inclusiva, as potencialidades da educação infantil. Enfim, uma miríade de temas e de abordagens para evidenciar a multiplicidade de alternativas para incluir o dmv como uma pauta central da edh nas escolas. As múltiplas linguagens e formatos escolhidos para o seminário foram importantes para estabelecer o diálogo e manter ativo o interesse de um público tão diverso. As experiências demonstraram que, longe de concorrerem ou se apresentarem como mais ou menos acertadas, as iniciativas calcadas em diferentes linguagens, suportes e com diferentes perspectivas se complementam e somam seus esforços na busca por rever uma história e reconstruir memórias que ainda hoje, depois de tantas décadas, ainda são difíceis e veladas. Esperamos que todo o ciclo de formações que culmina no seminário seja um convite para que os educadores se aproximem, se organizem e fortaleçam suas redes de ação, apoiando-se mutuamente nas atividades que já vêm realizando na cidade. Nesse sentido, tanto o seminário como a presente publicação se propõem a contribuir com essa rede de educadores engajados na defesa dos direitos humanos e também oferecer novas ferramentas para que se reconheçam como defensores da educação pelo dmv. Para que aquela utopia de igualdade sonhada de que nos falava Amelinha seja uma realidade cada vez mais factível em nossas escolas.
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Outras atividades Com o objetivo de apoiar e colaborar com a incorporação no ambiente educacional do debate sobre a ditadura militar, a cdmv também deu suporte e participou das seguinte atividades: Memória, verdade e justiça: verdades reveladas Convidados: Carla Borges e Eduardo Suplicy Data: 07/08/2015 Local: ceu Lajeado Endereço: Rua Manuel da Mota Coutinho, 293 Os anos de chumbo no Brasil e seu legado educacional Convidados: Marília-Marie Goulart e Ricardo Zarattini Data: 26/05/2016 Local: ceu Butantã Endereço: Avenida Engenheiro Heitor Antônio Eiras García, 1870 Público: 60 participantes 1ª Jornada pela Democracia – dre Pirituba Exibição: Carlos Marighella Convidada: Marília-Marie Goulart Data: 27/04/2016 Local: ceu Pera-Marmelo Endereço: Rua Pera Marmelo, 226 Público: 10 participantes Exibição: série “Aconteceu bem aqui” Convidada: Carla Borges Data: 28/04/2016 Público: 30 participantes
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Reunião pedagógica “Direitos Humanos” cieja Ermelino Matarazzo, emef Professor Maestro Alex Martins Costa e emef Presidente José Carlos de Figueiredo Ferraz Convidados: Rosalina Santa Cruz, Eduardo Suplicy, Rute Rodrigues dos Reis, Janaína Soares Galo Data: 18/05/2016 Local: emef Presidente José Carlos de Figueiredo Ferraz Endereço: Rua Alexander Bain, 89 Público: 90 participantes Conversa com alunos das escolas estaduais Carlos Borba e Ana Siqueira Convidados: Marília-Marie Goulart e Dyego Pegorario Data: 14/06/2016 Local: ceu Perus Endereço: Rua Bernardo José Lorena, s/n Público: 25 participantes Ossadas de Perus: da ditadura militar ao cenário atual Convidados: Marília-Marie Goulart e Dyego Pegorario Data: 14/06/2016 Local: ceu Perus Endereço: Rua Bernardo José Lorena, s/n Público: 60 participantes
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Curso de extensão “Direitos Humanos e o legado da ditadura civil-militar: desafios da justiça de transição no Brasil” Local: Unifesp - Campus São Paulo Data: 27/09 a 06/12/2016 Endereço: Rua Botucatu 862 Público: 80 participantes
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Formações em números
26/204 24/341
74
15/51
Total de ações realizadas de 2014 à 2016
4/63 5/104 Regiões
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Ações Realizadas
Entrega Kit DMV
Centro
15
51
Leste
24
34 1
Norte
26
204
Oeste
4
63
Sul
5
104
Público das formações
Tipo de Atividade por ano
2014
2015
2016
seminários 5
seminários 5
seminários 3
cinedebate 3
cinedebate 8
cinedebate 2
oficina 1
oficina 11
oficina 0
Pedagógica/Jeif 0
Pedagógica/Jeif 9
Pedagógica/Jeif 2
outros 6
outros 16
outros 0
Total 15
Total 49
Total 10
203
204
205
206
Edital de Educação em dmv nas escolas Com o objetivo de incentivar, promover e colaborar para o fortalecimento da educação em dmv e o ensino sobre a ditadura militar na rede municipal de ensino, a cdmv lançou em maio de 2016 o Edital de Concurso de Educação em dmv nas escolas. O edital buscou mapear e também conferir visibilidade às iniciativas realizadas na rede que visam à promoção do conhecimento, do debate e da reflexão sobre os 21 anos de ditadura militar no Brasil e suas implicações e desdobramentos no contexto brasileiro atual. Para contemplar os diferentes atores da rede de ensino, o edital recebeu inscrições em três categorias: i - instituição educacional, ii - educador e iii – estudante, grupo de estudantes ou grêmio estudantil. Ao todo foram recebidas 35 inscrições, das quais 33 foram validados para apreciação da Comissão Julgadora, que selecionou os projetos premiados em cada categoria em primeiro, segundo e terceiro lugar. A escolha dos projetos seguiu os critérios
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estabelecidos pelo edital, entre os quais se destacam: o estímulo à reflexão sobre o golpe militar de 1964 e a correlação entre as violações de direitos humanos praticadas no presente com aquelas praticadas durante o regime militar; valorização da democracia e da defesa aos direitos humanos; impacto e relevância social do trabalho, criatividade e originalidade, uso de novas mídias, envolvimento de estudantes, gestão democrática, valorização da democracia e da cidadania. Os 33 projetos inscritos se distribuíram conforme segue: Categoria de inscrição: • Instituição Educacional: 21 • Educador: 11 • Estudante: 11
3% 33%
64% Unidade Educacional Educador Estudante
1
Como foi recebida apenas uma inscrição de estudante, a comis-
são julgadora do edital decidiu premiar duas iniciativas inscritas por educadores dedicadas ao fortalecimento de grupos estudantis.
208
6%
60%
34% Feminino Masculino Misto projeto inscrito por 2 proponentes
A distribuição se deu da seguinte forma entre as diferentes dres:
9
Unidade Educacional Educador
8
Estudante 7 6 5 4 3 2 1
l ue ig M o
Sã
M at e
us
ba Sã o
tu Pi ri
Pe nh nã a /T re m em bé ça Ja
qu er a Ita
es
G
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na z
Li m po po
Ca
m
Bu ta nt ã
0
209
Projetos premiados Categoria 1 - Instituição educacional 1º lugar Cinquenta anos do golpe civil-militar: Lembrar é Resistir/ Verdades Reveladas: o relatório da Comissão Nacional da Verdade Proponente: Ulisses Vakirtzis ceu Lajeado -dre Guaianazes 2º lugar Mês de Memória e Verdade: a vala clandestina de Perus Proponente: Marcio Antônio Melhado Bezerra ceu Perus - dre Pirituba/Jaraguá 3º lugar Currículo, território e direitos humanos Proponente: Valter de Almeida Costa dre Itaquera Categoria 2 - Educador 1º lugar Os Anos de Chumbo no Brasil e o seu legado educacional: contribuições para a transversalidade da edh Proponente: Sueli Funari dre Butantã
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2º lugar Literatura, cinema e direitos humanos Proponente: Antonio Tadeu Bezerra Da Silva emef Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira - dre São Miguel 3º lugar Perus: em defesa da democracia! Ditadura e vala comum, nunca mais! Proponente: Adriana das Graças de Paula cieja Perus i – dre Pirituba/Jaraguá Categoria 3 – Estudante/ Grupo de Estudante/ Grêmio 1º lugar movifemi-hr - Movimento feminista na luta contra a homofobia e o racismo Proponente: Larissa Marques Martins emef Eduardo Prado - dre Itaquera 2º lugar Nossa Escola de defender os direitos humanos Proponente: Vania Garcia Gambaro Sandeville emef Leonor Mendes de Barros - dre Penha 3º lugar Conversa de escola: formação e fortalecimento do grêmio estudantil Proponente: Patrícia Cerqueira dos Santos emef Prof. Jorge Americano - dre Campo Limpo
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Prêmios Os projetos premiados receberam um conjunto de livros e documentários Livros: • A democracia pode ser assim – vários autores • A ditadura é assim – vários autores • O que resta da ditadura: a exceção brasileira – org. Edson Teles e Vladimir Safatle • Democracia e estado de exceção: transição e memória política no Brasil e na África do Sul – Edson Teles • Dossiê ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985) – Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos / Instituo de Estudos sobre a Violência de Estado (ieve) • Infância roubada: crianças atingidas pela ditadura militar no Brasil – vários autores
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• Os cartazes desta história – org. José Luiz Del Roio, Vladimir Sacchetta, Ricardo Carvalho • A Declaração Universal dos Direitos Humanos: 30 artigos ilustrados por 30 artistas – Fábio Magalhães • Resistir é preciso – org. Fabio Magalhães • Arraes– de Tereza Rozowykwiat • Catálogo da exposição Ausenc’as • Antonio Benetazzo, permanências do sensível. Prefeitura de São Paulo; Reinlado Cardenuto (Org) – Gustavo Germano
Documentários: • Entre imagens (intervalos) – direção Reinaldo Cardenuto e André Fratti Costa • Aconteceu bem aqui! – realização Camilo Tavares e Prefeitura Municipal de São Paulo, 2016 • O fim do esquecimento – direção: Renato Tapajós • Em nome da segurança nacional – direção: Renato Tapajós
Nas páginas seguintes compartilhamos os projetos classificados em primeiro lugar pelo edital nas categorias de Instituição de Educação, Educador e Estudante. Esperamos assim que as iniciativas possam incentivar e fomentar outras ações da rede.
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Cinquenta anos do Golpe Civil-Militar: lembrar é resistir / Verdades reveladas: o relatório da Comissão Nacional da Verdade 1º lugar na categoria Instituição Educacional Proponente: Ulisses Vakirtzis O projeto O momento histórico atual permite uma avaliação do passado a partir das inquietações do presente. As manifestações que ocorreram ao longo do ano de 2013, e vem ocorrendo nos dias atuais, assim como as reivindicações que fazem apologia ao período ditatorial, nos impelem a refletir sobre os desdobramentos dos 21 anos de ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) e nas liberdades que foram alcançadas com o processo de redemocratização. O programa Mais Educação São Paulo, da Rede Municipal de Ensino e o Plano Municipal de Educação (pme) priorizam como uma de suas metas a edh. Somado a estes esforços, o Núcleo de Educação do ceu Lajeado,
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organizou um curso de formação para os educadores (gestores, professores e quadro de apoio) dividido em dois momentos. Em 2014 foi ministrado o curso Cinquenta anos do Golpe Civil-Militar: lembrar é resistir e, em 2015, a finalização da formação com o curso Verdades reveladas: o relatório da Comissão Nacional da Verdade. O projeto de realização dos cursos teve o apoio da smdhc (cdmv), que indicou nomes relevantes que imprimiram o impacto necessário nos participantes, e também da dre de Guaianases, que forneceu a base logística necessária para a realização. O projeto foi organizado por Ulisses Vakirtzis, Cleber Ferreira dos Santos e Lizele Angelina Fontana, todos integrantes do Núcleo de Educação do ceu Lajeado. Trata-se de um trabalho de educação em dmv que toma a escola, enquanto espaço de convivência social,
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como disseminadora de conceitos e práticas relacionados à ética, dignidade e cidadania, fortalecendo a construção de um currículo crítico com conhecimentos que não se limitam à função transmissora de conteúdos fragmentados das áreas do saber. Dessa forma proporciona o contato com pensamentos e reflexões sobre a importância da edh nas unidades educacionais. A importância do dmv nas escolas Na perspectiva de favorecer o contato com pensamentos e reflexões acerca da importância da edh na escola, este projeto foi proposto e realizado com os seguintes objetivos: • Trazer à memória os horrores praticados durante o período da ditadura militar e suas consequências deletérias à democracia brasileira, a fim de que não mais se repitam governos não democráticos no país. • Subsidiar os profissionais da educação com alternativas teóricas e práticas, utilizando a linguagem audiovisual, a
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partir das discussões e análises dos filmes que foram exibidos no formato de cineclube. • Proporcionar aos professores uma abordagem interdisciplinar entre as áreas do conhecimento, sobretudo no que tange uma educação pautada pelos direitos humanos. • Possibilitar a construção de um currículo integrador que problematize e relacione as questões sociais contemporâneas a partir da investigação do passado. • Analisar, de maneira sistêmica, o relatório da cnv e fomentar o debate em torno da inclusão da edh nas unidades educacionais.
O projeto foi estruturado para possibilitar que a edh passe a ser um conteúdo relevante para a vida dos profissionais da educação e dos estudantes, como prática do cotidiano na construção democrática da sociedade brasileira. Dividido em dois cursos, trouxe a possibilidade de muitas unidades educacionais, inclusive as de Educação Infantil, incorporarem a temática dos direitos humanos no ppp e nos Horários Coletivos de Formação.
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Duração dos cursos e metodologia 2014 – Cinquenta anos do golpe civil-Militar: lembrar é resistir Exibição de filmes seguida de discussões com mediadores, aprofundando e debatendo os filmes em questão. Neste primeiro curso foram exibidos os documentários abaixo:
23/05 – O dia que durou 21 anos
06/06 – Tempo de resistência
18/07 – Perdão mister Fiel
01/08 – Vlado: trinta anos depois
15/08 – Pixote: a lei do mais fraco
29/08 – Verdade 12.528
Principais mediadores: Ulisses Vakirtzis, Audálio Dantas, Adriano Diogo, Paula Sacchetta, Samuel Firmo.
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2015 – Verdades reveladas: o relatório da Comissão Nacional da Verdade Apresentação do relatório da cmv, de forma interativa, e das temáticas abordadas durante o curso, exposição do relatório das “Verdades Reveladas”, com exibição de documentários e palestras, seguidas de debates que dialoguem com os objetivos gerais do curso. Temas abordados:
07/08 – A cnv
14/08 – Direitos Humanos/infância roubada
21/08 – Repressão aos sindicalistas
28/08 – O papel das forças de segurança na sociedade brasileira
11/09 – Nas asas do Condor: as comissões da verdade na Argentina, Chile e Brasil
18/09 – Ações e recomendações da cnv
Principais mediadores: Eduardo Suplicy, Adriano Diogo, Celso Frateschi, Sebastião Neto, Maria Antonieta Mendizábal Cortez, Coronel Adilson Paes de Souza, Jurista Dalmo Dallari. Também foi realizada uma exposição itinerante com imagens do Golpe de 1964 que circulou por vários ceus, foi exposta inclusive na dre Itaquera e em algumas unidades educacionais. Resultados do projeto A proposta inicial do projeto era que as unidades educacionais participantes dessem continuidade às discussões realizadas nos dois cursos – o que ocorreu na grande maioria. As unidades de Educação Infantil e de Ensino Fundamental foram ativas na aplicação de projetos com a temática de edh.
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Parafraseando a socióloga Maria Victoria Benevides: A edh é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em práticas.
O projeto foi pensado como um provocador de ações educativas com base na edh nas escolas participantes dos dois cursos, a partir do envolvimento de gestores (diretores e coordenadores pedagógicos), professores (Educação Infantil, Ensino Fundamental i e ii e Médio, Educação de Jovens e Adultos – eja) e quadro de apoio (auxiliares técnicos de educação, agentes escolares).
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Os anos de chumbo no Brasil e o seu legado educacional: as contribuições para a transversalidade da edh 1º lugar da categoria Educador Proponente: Sueli Funari A estrutura do projeto O projeto consiste em um minicurso promovido pela dre Municipal do Butantã, cujo público-alvo foram os professores de Ensino Fundamental ii e Ensino Médio em exercício efetivo do cargo, regentes das disciplinas de História, Geografia e Língua Portuguesa além de professor orientador de sala de leitura, coordenadores pedagógicos, diretores e supervisores escolares. Foi oferecida uma turma única, no total de 55 educadores, em três encontros (02, 09 e 16 de maio de 2016), que somaram, no total, 12 horas. Entre a idealização, a
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difusão, a execução e a escrita, somaram-se quatro meses de trabalho – entre março e junho de 2016. O principal objetivo foi fomentar a discussão acerca do dmv nos currículos escolares. Por que um projeto de educação em dmv? A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi e contra o que foi, anuncia o que será. Eduardo Galeano
Embora na última década, tenha ocorrido um boom em torno da recente reconstrução democrática do país na produção cinematográfica e literária nacionais, o mesmo não tem se refletido na escola. Em decorrência disso, as ações pedagógicas em torno da memória e da verdade
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ainda têm se mostrado incipientes, e não alcançaram o status de um projeto nacional sistematizado que configure a dimensão de tema transversal, por exemplo, a ser debatido no ambiente escolar. Em virtude da ausência dessa sedimentação, as questões periféricas que envolvem a construção curricular acabam assumindo uma dimensão desproporcional e ampliam os desafios do educador frente à construção do saber, numa época marcada pelas facilidades tecnológicas, em que a circulação de informações parece imediata e ao alcance das mãos. Assim, nunca foi tão urgente ao educador ater-se à legitimidade das fontes históricas, e nunca foi tão imprescindível à escola selecionar as informações e atentar para a sua procedência. A perspectiva histórica dos fatos continua sendo o antídoto mais eficaz para que possamos conhecer o passado e nos fortalecermos enquanto nação. Deste modo, este projeto propôs uma intervenção político-pedagógica para impulsionar uma reflexão sobre os currículos escolares aos desafios. E assim foram traçados os seguintes objetivos: • Elaborar uma sondagem de como o dmv vem sendo trabalhado em sala de aula. • Promover a circulação de fontes históricas referentes à temática referida. • Fornecer subsídios para a construção de políticas públicas em torno do dmv. Colaborando para a implementação efetiva do pme, que tem como uma de suas diretrizes a promoção da edh.
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Metodologia dos encontros A estrutura do curso teve a forma de cinedebate. Foram exibidos dois documentários, seguidos das respectivas palestras, que trouxeram à tona a questão das fontes históricas sobre a ditadura civil-militar no Brasil. Primeiro encontro: Exibição do documentário 1964: um golpe contra o Brasil, dirigido por Alípio Freire. Na sequência, ocorreu debate entre o diretor e os cursistas. Segundo encontro: Exibição do documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, com o debate entre os participantes e Ivo Herzog Terceiro encontro: Duas palestras, seguidas de diálogo com os professores. Na primeira palestra, Ricardo Zarattini falou sobre os dois documentários anteriores, inseridos no tema: “Brasil 1964/2016: quais as semelhanças?”, e, na segunda palestra houve a participação da smdh, que abordou a importância da articulação junto com a sme. Foi discutida a relevância do dmv em sala de aula e a importância de “conhecer para não repetir”. Para construir a sondagem sobre a abordagem do dmv em sala de aula foi solicitado que os cursistas apresentassem experiências realizadas em cada unidade de ensino. Os trabalhos apresentados encontram-se resumidos no anexo.
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Curriculo escolar: as relações entre conhecimento e poder A origem latina do termo “currículo” deriva do verbo scurrere, cuja tradução literal é “a ação de correr”. Ao longo do tempo, foram se agregando ao termo outras acepções – como atalho e percurso. Percebe-se que em sua concepção original, o termo remete a noção de movimento – numa versão resumida, currículo significa a organização do conhecimento escolar. E, na contemporaneidade, diante de uma teia educacional e social complexas, como estão se organizando os currículos escolares? O presente projeto propõe algumas reflexões acerca dos desafios atuais que circundam a organização curricular no que configura o dmv em sala de aula. A hipótese sobre a temática referida, é que, à revelia de sua origem latina, a qual remete a uma natureza dinâmica, predomina atualmente
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nos currículos escolares uma tendência estática, atemporal e fragmentada, que persiste na divisão em disciplinas. Assim, os objetivos deste projeto são: • Refletir sobre o papel do educador frente às diversas fontes de informações. Como exercitar o discernimento discente e assegurar a legitimidade das fontes históricas? • Discutir a influência que a ditadura militar deixou no saber escolar, para que avancemos na construção de uma práxis.
As inquietações dos educadores envolvidos vão ao encontro das reflexões de Ivor Goodson, acerca do currículo como construção social. As argumentações teóricas deste autor estão inseridas na perspectiva educacional crítica, para a qual o currículo não pode ser apartado das lutas e dos conflitos existentes na sociedade, dada a simbiose entre escola e contexto social e, por mais surpreendente que possa parecer o plano de fuga, não se pode ignorar a dimensão política que existe na seleção dos conteúdos escolares.
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O currículo escolar deve estar longe de ser uma construção neutra, desinteressada e inocente, o seu trajeto é circunscrito pelas forças sociais que o instituem. Esse fato nos permite afirmar que “os currículos escolares são um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações”1 e, dessa forma, é desafiador para o educador conseguir contemplar, em tempo real, a dinâmica da sociedade marcada pelas constantes revoluções tecnológicas que permeiam a sala de aula e influenciam na construção do ensino. Impactos do trabalho Com o minicurso, observou-se que foi bastante favorável a interação entre os palestrantes e os educadores, na medida em que se constituiu numa dinamização das fontes históricas, e que fugiu ao cárcere das informações mediadas ou filtradas pela ótica dos livros didáticos.2 A partir da construção dessa vivência, a expectativa é de que os educadores, em suas unidades escolares, dividam com os educandos e demais professores as experiências que tiveram com os palestrantes; que exerçam o papel difusor e ampliem o olhar sobre as diversas possibilidades de se construir currículos escolares.
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Goodson, Ivor. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa:
Educa, 1997. 2
Munakata, Kazumi. “Histórias que os livros didáticos não con-
tam. Depois que Acabou a Ditadura Militar no Brasil”. In: Freitas, Marcos Cezar (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
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Sob a perspectiva inicial de Ivor F. Goodson e Demerval Saviani3, retomamos as questões iniciais que foram propostas em suas pesquisas. O primeiro autor, no que diz respeito à construção social do currículo e o professor da Unicamp, que investiga o legado da ditadura militar brasileira nas instituições de ensino. À primeira proposta que foi feita – de fazer uma sondagem de como o dmv vem sendo abordado em sala de aula – chegou-se às seguintes constatações: Um percentual considerável dos trabalhos que são realizados nas Unidades de Ensino da região apresentados pelos cursistas demonstraram familiaridade com os Parâmetros Curriculares Nacionais (pcn), especialmente no que toca à questão da intertextualidade e interdisciplinaridade, como se pode comprovar nos trabalhos de número 1, 2, 3, 4 do anexo, pois demonstraram habilidade ao tecer o diálogo interdisciplinar, por meio de atividades de natureza semiótica. Registramos, também, atividades que abordaram reflexões acerca do impacto social da mídia: sua influência junto à formação da opinião pública e construção curricular, como no trabalho 7. O trabalho número 5 colaborou para a observação de um aspecto fundamental que envolve o tema do dmv: elaborado por uma historiadora, enfatizou a necessidade de se respeitarem as sequências didáticas, pois abordagens fragmentadas, que fujam à
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Saviani, Demerval.O legado educacional do regime militar. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v28n76/a02v2876.pdf>
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linearidade dos fatos, poderiam promover deturpações de algumas passagens históricas. O trabalho número 6 colaborou para ampliar horizontes sobre a questão das fontes históricas, que podem ser extraídas dos próprios membros da comunidade escolar. No caso citado, o próprio professor havia exercido participações relevantes em torno do dmv. Atente-se para a possibilidade de agregar relatos de familiares e funcionários do entorno das escolas, para participarem de debates. Os professores da Educação Infantil fizeram uma importante contribuição, com a seguinte reflexão: a partir de que faixa etária deve ser trabalhada a temática de dmv? Os trabalhos 8 e 9 ilustram a tese de que precisamos construir uma didática apropriada às séries iniciais, para abrir caminho à temática dos Direitos Humanos em sala de aula. O trabalho 10 revelou reflexão sobre a confiabilidade das fontes históricas e a sua circulação em sala de aula, o que nos permite afirmar que no terreno do dmv não há
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espaço para improviso. É necessário reforçar o cuidado com as referências bibliográficas, pois um pequeno deslize poderia incorrer na difusão de conteúdos distorcidos. Recepção da temática da ditadura nas unidades escolares Dentre os 55 cursistas, 80% afirmaram não terem tido problemas com a recepção da temática pelos gestores e comunidade escolar e afirmam também não terem se deparado com grandes impedimentos. No entanto, 20% dos professores passaram por situações que lhes permitissem afirmar que o “currículo escolar ainda é um pouco vigiado” e que encontraram alguns empecilhos ao longo do projeto como, por exemplo, terem sido acusados, tanto por um grupo de professores quanto por alguns membros da comunidade, de “estarem propagando a violência” ao exibirem depoimentos de pessoas que participaram da luta armada no Brasil, as quais relataram participações em expropriações e sequestros. Alguns professores foram acusados de que estariam fazendo apologia a essas ações, ao que responderam da seguinte maneira: “ensinar a história oficial talvez fosse uma das piores formas de violência – a violência ideológica, que se faz pela omissão”. Esse relato nos faz pensar sobre a urgência de se construir, didaticamente, reflexões acerca da “estética da violência”. Nota-se que a legitimidade dos temas abordados no currículo escolar ainda é ameaçada diante da pouca participação da comunidade nas escolas. Essa participação insuficiente é também um legado do período da ditadura militar.
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Não se pode perder de vista a premissa de Goodson, que põe em foco a estreita relação entre estrutura curricular e controle social, para quem a organização do conhecimento escolar está estreitamente ligado à manutenção do status quo. Portanto, para se contribuir de fato com a reconstrução da memória nacional, é preciso desconstruir organizações curriculares que não tenham representatividade social nem visem a transformação da realidade; é importante lembrar que quem controla o passado controla o futuro.
Perspectivas de continuidade do projeto Para finalizar, o presente projeto ofereceu subsídios para a elaboração de políticas públicas que sistematizem o ensino do dmv, respeitando a sua relevância como tema transversal. Nesse sentido, as atividades relativas à formação continuada de professores poderão ser sequenciadas por meio de um diálogo mais intenso com uma comissão que se organizará para tratar as especificidades da temática dmv, cujos integrantes advêm das fontes citadas no decorrer deste projeto. Assim, estaríamos em compasso com o pme, que tem como uma das diretrizes a promoção da edh.
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Trabalhos elaborados pelos professores Segue uma compilação dos trabalhos que foram apresentados pelos professores que participaram do curso “Os anos de chumbo no Brasil e o seu legado educacional”. Foram selecionados os trechos relevantes, que nos fornecem subsídios para analisarmos como o tema do dmv vem sendo trabalhado em sala de aula. Foi estabelecido o seguinte critério de divisão: Ensino Fundamental ii (que tiveram como público-alvo os alunos do 9º ano), professores de Educação Infantil e supervisores/diretores escolares. Professores de Ensino Fundamental ii 1) emef Teófilo Benedito Ottoni Trabalho interdisciplinar, desenvolvido e documentado por um grupo de professores que atuam na mesma escola. Trouxe aspectos positivos como a dinamização de fontes históricas que têm credibilidade e relevância social. Realizou, também, a construção da memória viva, como através da visita ao Memorial da Resistência. Objetivos: • Identificar os interesses políticos que tencionam as lutas sociais e modificam também o ambiente histórico e, consequentemente, condicionam as escolhas e participações. • Conhecer e compreender os valores morais e políticos que, historicamente, se confrontam na História Contemporânea brasileira, particularmente no período da Experiência Democrática.
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• Mobilizar os alunos como agentes de promoção dos direitos humanos e da democracia, através de ações e participação em fóruns, assembléias, conselhos e programas oficiais e extraoficias
Metodologia: Aulas expositivas, análise documental, análise fílmica, dramatizações, saídas de estudo, seminários e debates. Documentários: • O dia que durou 21 anos – Camilo Tavares • 1964: um golpe contra o Brasil – Alípio Freire • Jango – Silvio Tendler • Utopia e barbárie – Silvio Tendler
Ficção: • Pra frente Brasil – Bruno Barreto
Sites para consulta: • Café filosófico sobre a temática da Ditadura, com a participação de Maria Rita Khel: <www.cpdoc.fvg.br> • Instituto Vladimir Herzog: < http://vladimirherzog.org/> • Memorial da Resistência: <http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/>
Atividade: • Saída de estudo • Visita ao Memorial da Resistência
2) emef Vila Munck Público-alvo: Pais dos alunos do 2º ano.
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Metodologia: Exibição e discussão dos filmes O ano que meus pais saíram de férias e Os anos de chumbo: ditadura militar no Brasil (1964-1985), e audição de uma música de Chico Buarque. O primeiro vídeo retrata bem a realidade do período de repressão ao mesmo tempo em que o Brasil vence a Copa do Mundo de 1970. E o segundo refletindo sobre manifestações e apelos do povo pedindo pelo fim da ditadura. 3) emef General Alcides Gonçalves Etchegoyen Objetivos: •
Apresentar aos alunos, através do cinema, o cenário vivido pela sociedade no período da ditadura militar na sua época mais dura, dos governos Costa e Silva e Garrastazu Médici.
• Informar os alunos, historicamente, sobre o modelo de governo e de controle político da ditadura militar sobre a população brasileira. • Estimular o debate e a reflexão sobre as cicatrizes deixadas pela ditadura militar no Brasil por meio da produção de textos coletivos sobre as interpretações do período, tendo como base a música popular brasileira da época.
Diálogos intertextuais • Exibição do filme com participação das cadeiras de História, Geografia e Língua Portuguesa. • Exposição do processo do Golpe Militar de 31 de março de 1964. Do fim das eleições diretas, da censura deliberada, da prisão e perseguição aos opositores do Regime Militar e da implantação dos Atos Institucionais 1, 2, 3, 4 e 5.
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• Audição das músicas “Cálice”, de Chico Buarque (composta em 1973, mas divulgada apenas em 1978) e o “Bêbado e o equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc (1979), com leitura e análise de poemas. Seguida de produção de textos coletivos. • Análise de desenhos do cartunista Henfil, famoso por suas tiras em jornais e revistas da época. Henfil utilizava o bom humor para tratar assuntos dolorosos. Criava personagens como Zeferino para retratar a violência da ditadura.
4) Supervisão da dre Butantã Público-alvo: Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental ii. Objetivo e metodologia: • Projeto interdisciplinar, envolvendo as disciplinas de Português, História e Educação Artística. • Apresentação de filmes: 1964 – um golpe contra o Brasil; Que bom te ver viva - drama/documentário com produção e direção de Lúcia Murat, Brasil, 1989. • Análise das canções: Chico Buarque, Geraldo Vandré, Zé Kéti. • O teatro: o Teatro de Arena e Augusto Boal, o Teatro Oficina e José Celso Martinez Corrêa. • As artes plásticas: Antonio Benetazzo. • O jornalismo da época: análise de capas de jornais e revistas, charges e depoimentos de jornalistas. • Análise de cartazes do período • Indicação de outros materiais para a pesquisa, estudo/ complementação de estudo e apoio aos alunos • Livro: A ditadura envergonhada, de Elio Gaspari. • Estudo de conteúdos específicos para subsidiar o trabalho dos alunos: gêneros textuais (reportagem, artigo de opinião, entrevista, relato histórico, teatro, poesia, letras de canções, textos de humor, pintura).
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• Um filme: A história oficial, drama com produção de Marcelo Piñeyro e direção de Luiz Puenzo, Argentina, 1985. • Poesia: o chileno Victor Jarra. Uma cantora: a argentina Mercedes Sosa. Um grupo guerrilheiro: o uruguaio Tupamaros, o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros. Várias mães cheias de amor: as mães argentinas hoje chamadas de “Las Abuelas de la Plaza de Mayo”.
5) emef Professora Eda Terezinha C. Medeiros Trabalho que colaborou para a observação de um aspecto fundamental que envolve o tema do dmv: elaborado por historiadora, enfatizou a necessidade do respeito às sequências didáticas. Tema polêmico, que demanda atenção. Não se pode falar de expropriações nem sequestros de embaixadores, sem antes explicar o que foi Guerra Fria e como foram os seus desdobramentos no Brasil, por meio de um estado de exceção. O processo gradativo das informações é indispensável para a construção da perspectiva histórica dos fatos. Temas abordados: • Contexto político internacional pré-Golpe • As reformas de base – Jango • O golpe • Os anos de chumbo • A Anistia para além da liberdade de presos e exilados políticos: absolvição de torturadores e impunidade • Heranças da ditadura: a violência da sociedade atual e a impunidade herdada • Relação da sociedade civil ante os golpes: 1964 e 2016
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6) emef Conde Luiz Eduardo Matarazzo Trabalho com os alunos da eja que trouxe interessante reflexão: os relatos em sala de aula também podem ser fontes históricas. No exemplo abaixo, o professor regente fez um interessante depoimento autobiográfico. (…) tive experiência com o período em questão já em seu final, mas vivenciando diversas de suas heranças, como por exemplo durante o Serviço Militar Obrigatório, quando ocupei funções militares no mesmo quartel em que o capitão Carlos Lamarca executou ações em prol da Luta Armada. Também vivenciei a experiência política tanto em entidades estudantis quanto em partidos políticos com preocupações sociais, atualmente, milito no movimento no Sindicato dos Professores da Rede Particular de Ensino do Município de Osasco, convivendo de perto com personalidade que viveram e se envolveram ativamente em ações nessa fase da história, em especial entre os metalúrgicos e químicos do município de Osasco, que não se abstiveram de sua responsabilidade histórica. Participei de diversos debates e discussões durante a Constituição da Verdade do Município citado, bem como em eventos durante a “lembrança” dos cinquenta anos desse funesto evento.
Trabalhos elaborados por professores de educação infantil Trabalhos, embora elaborados por professores de emei, têm adultos como público-alvo: pais dos alunos.
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7) emei Rio Pequeno i Foram abordadas as reflexões acerca do impacto social da mídia e sua influência junto à formação da opinião pública e construção curricular: 8) Elaborado por professora que exerce dois cargos, ela simulou uma adaptação de atividade, originariamente aplicada aos alunos de Ensino Fundamental ii. O problema destacado foi a inadequação da abordagem: conteúdo, tanto iconográfico, cinematográfico e teórico um pouco densos para a faixa etária a que se destina. Público-alvo: alunos de Educação Infantil • Exibição do filme: Uma história de amor e fúria • Conversaremos sobre o filme e que o personagem se machucou, vindo a morrer, por lutar pelo que acreditava. Daremos atenção especial ao período vivido pelo personagem no regime militar, a partir daí aprofundaremos um pouco mais o contexto denominado ditadura civil-militar no Brasil.
9) Trabalho que traz importante reflexão sobre o ensino de Direitos Humanos para a Educação Infantil e retrata a ausência de ações pedagógicas para essa temática. Segue o depoimento de uma professora: Este curso mexeu muito comigo, me levou a refletir sobre a minha responsabilidade enquanto professora. Quebrei a cabeça me perguntando: Como eu posso montar um projeto sobre os Anos de Chumbo na educação com meus alunos de Educação Infantil?.
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Trabalho com crianças pequenas, inquietas, no sentido dinâmico, alegres, curiosas, comunicativas. Nascidos na era digital (…) Como aliar as novas mídias a uma didática voltada às crianças, no sentido de abordar a temática referida?(…)
10) Questão para reflexão: Num trabalho apresentado, nas referências bibliográficas, apareceu o seguinte título: Ustra, Carlos Alberto Brilhante. A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. Brasília: Ser, 2007. No corpo do trabalho, que propunha um diálogo intertextual entre o filme Cabra marcado para morrer e a exibição do filme 1964, um golpe contra o Brasil, não houve nenhuma menção da obra citada. Não houve análise, nem contraposição de perspectivas. De modo que parece que o livro acima foi citado equivocadamente. No entanto, há que se ressaltar o cuidado que a escola deve ter de não reproduzir determinados pontos de vista, como o citado acima, de alguém que foi reconhecido pela cnv como torturador.
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Movimento Feminista na luta contra a homofobia e o racismo movifemi hr
1º Lugar da categoria Estudante Proponente: Larissa Marques Martins O projeto O objetivo do projeto é lutar contra todos os tipos de opressão presentes não apenas nas escolas como na sociedade em geral. Trata-se de um coletivo de adolescentes feministas, estudantes da emef Eduardo Prado, que também incorpora em sua pauta o combate à homofobia e ao racismo. O coletivo é composto por vinte pessoas, em sua maioria meninas, com idade de 14 anos e tem o suporte de professor da escola e da coordenação pedagógica. O coletivo movifemi hr foi criado para impedir que situações machistas que são comuns no ambiente
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escolar continuassem a ocorrer. Porém, com as discussões, formações e o reconhecimento dos colegas, as ações foram ampliadas tanto dentro quanto fora da escola. Iniciou-se com uma disputa de espaço junto ao conselho de escola para ampliar as pautas. Atualmente, uma integrante do coletivo ocupa a presidência do conselho de escola, posição que foi conquistada por meio de mobilização dos estudantes. As propostas do projeto vêm sendo difundidas em outras escolas, com a discussão da pauta e com a ajuda na construção de outros coletivos feministas. Este trabalho se encaixa ao projeto de educação em dmv por ser voltado à formação de crianças e adolescentes em direitos humanos. Além disso, entende-se que a ação realizada junto ao conselho de escola está relacionada à construção e consolidação democrática, ainda frágil em nosso país.
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A importância do feminismo nas escolas O movimento iniciou-se quando estavam no 5º ano (atualmente, 6º ano) no início do Ensino Fundamental ii, em 2012, e foi motivado com a percepção das alunas de que havia grande diferenciação entre o tratamento destinado aos meninos e às meninas. Partindo daí, e com o apoio de professores, as alunas pesquisaram sobre o feminismo e iniciaram as ações, primeiramente em sala de aula, depois passamos a levar a ideia para outras turmas. Atualmente no último ano das integrantes na escola, temos a certeza de que as ações do projeto modificaram muito a estrutura da escola no que diz respeito aos direitos humanos. A tarefa atual tem sido, além de continuar a luta contra a opressão, articular o coletivo para dar continuidade à luta.
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As ações do coletivo e resultados Iniciou com um trabalho de formação política junto com o professor de Língua Portuguesa. Em seguida, com ações como cartazes e debates em todas as salas da escola. Além disso, foram realizados encontros com militantes feministas, participação no conselho de escola e visitas a outras unidades. As alunas também dão suporte a todas as meninas da escola que de alguma forma sofrem violência, discriminação ou assédio. E lutam contra ações homofóbicas e racistas no ambiente escolar. Em casa, os responsáveis também passaram a fazer outras reflexões sobre esses assuntos. O coletivo tornou-se referência na escola e também em outras unidades de ensino de Itaquera. Perspectivas de continuidade do projeto O movimento vai continuar. Desde 2015 iniciou-se a formação de novas lideranças para dar continuidade ao trabalho dentro da escola de Ensino Fundamental, visto que as alunas que deram início ao coletivo estão se formando em 2016. Há também o projeto de criar um novo coletivo
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para ser desenvolvido no próximo ano nas escolas de Ensino Médio onde as alunas darão continuidade ao estudo. Fotos e videos • http://guerrilhafeminina.blogspot.com.br/2016/08/nao-existe-idade-para-luta-existem.html • https://www.youtube.com/watch?v=65QU96ZWScc
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Manifesto em defesa de uma escola sem preconceito e discriminação O coletivo movifemi, criado pelas alunas da emef Eduardo Prado, elaborou um manifesto especificando todas as reivindicações do grupo: Mediante reunião realizada no início de abril de 2015 com pauta relacionada a situações de preconceitos, observados tanto dentro quanto fora da escola, verificou-se a necessidade de construir espaços de debates, formação e organização de combate aos diferentes preconceitos e discriminações decorrentes em nossa sociedade. • Não tolerar nenhum tipo de opressão relacionada a discriminações raciais, homofóbicas e machistas no interior da escola. Com orientações especificas de como atuar em situações do tipo. • Estabelecer um coletivo de formação permanente visando conscientizar o coletivo da escola com o objetivo de superar as situações de discriminação. • Encaminhar debates para que esta pauta integre todos os documentos oficiais da escola: ppp e Regras de Convivência.
A atuação do coletivo tornou-se de fundamental importância para o andamento da escola, interferindo no modo como o sistema de ensino lida com as especificidades de cada gênero:
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Segundo conta uma das meninas, a primeira batalha vencida foi o uso da calça legging durante a educação física. Embora pareça algo banal ou simples de resolver, a ideia de que elas não deveriam usar a peça para não gerar “desconforto” para os meninos era, no mínimo, ridícula e sem cabimento. Não existia desrespeito em usar uma roupa que facilita as atividades físicas, existe desrespeito quando não se pode fazer isso porque as outras pessoas não aprenderam a ter limites diante do corpo do outro. Naquele instante foi percebida uma troca de valores, antes não notada.1
1
Nazário, Grazi. “Não existe idade para a luta, existem motivos”.
In: Blog Guerrilha Feminina <http://guerrilhafeminina.blogspot.com. br/2016/08/nao-existe-idade-para-luta-existem.html> Acesso em: 22/09/2016.
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1971/2006
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Legenda das siglas utilizadas nos textos (em ordem alfabética) ai – Ato Institucional bnm – Brasil Nunca Mais cedh – Coordenação de Educação em Direitos Humanos cei – Centro de Informações do Exército ceija – Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos ceu – Centro Educacional Unificado cdmv – Coordenação de Direito à Memória e à Verdade cfcct – Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes cne – Conselho Nacional de Educação cnv – Comissão Nacional da Verdade dmv – Direito à Memória e à Verdade deops – Departamento Estadual de Ordem Política e Social doi-codi – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna dops – Departamento de Ordem Política e Social dre – Diretoria Regional de Educação edh – Educação em Direitos Humanos eja – Educação de Jovens e Adultos emef – Escola Municipal de Ensino Fundamental emei – Escola Municipal de Ensino Infantil feusp – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo gti edh – Grupo de Trabalho Intersecretarial de Educação em Direitos Humanos gtp – Grupo de Trabalho e Pesquisa ifg – Instituto Federal de Goiás ivh – Instituto Vladmir Herzog jeif – Jornada Especial Integrada de Formação mec – Ministério da Educação e Cultura – Antigo Ministério da educação e da cultura Atual Ministério da Educação
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oban – Operação Bandeirante pcb – Partido Comunista Brasileiro pcn – Parâmetros Curriculares Nacionais pme – Plano Municipal de Educação pndh – Programa Nacional de Direitos Humanos pnedh – Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos ppp – Projeto Político Pedagógico puc – Pontifícia Universidade Católica seppir – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial sgpr – Secretaria Geral da Presidência da República smc – Secretaria Municipal de Cultura sme – Secretaria Municipal de Educação smhc – Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania snj – Secretaria Nacional da Juventude ufu – Universidade Federal de Uberlândia unb – Universidade de Brasília Unifesp – Universidade Federal de São Paulo usp – Universidade de São Paulo vopo – Vozes Poéticas
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