Oiteiro

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Longe de tudo Afastado de todos Algumas dist창ncias escolhidas Outras, nem tanto assim...

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ÍNDICE Teoria da Paixão ...............................................

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2057 ..................................................................

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Cemitério do Alecrim.........................................

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Ponta Negra......................................................

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Natal tem..........................................................

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O circo................................................................

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O Metrô.............................................................

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Silêncio..............................................................

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São Paulo...........................................................

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Pipa....................................................................

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Palavras..............................................................

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Noite...................................................................

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Um dia de outono................................................

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Assimbramento...................................................

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A lua.....................................................................

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Andaime ............................................................

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(...) (Aluizio Mathias).........................................

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Poemotivo..........................................................

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Seios..................................................................

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Brevidade... das coisas e da vida..........................

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Todo mundo de máscara....................................

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Península.............................................................

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O grito dos alunos................................................

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Encontro..............................................................

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Morte e vida Severino.........................................

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Outro mundo possível.........................................

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Sociedade de consumo........................................

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Olhos...................................................................

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Extinção do sonho................................................

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Desarranjando as palavras...................................

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São Paulo – Natal..................................................

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O Xeléleu...........................................................

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Viúva Machado..................................................

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A noite dos ratos envenenados..........................

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No Rio de Janeiro................................................

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Carolina..............................................................

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Rio Tinto..............................................................

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Por falar em João Grilo........................................

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Final.....................................................................

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OITEIRO POESIAS

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TEORIA DA PAIXÃO (I) Paixão! Essa força arrebatadora Que nos toma o corpo E Leva-o para onde? Não sei explicar. (II) O corpo treme! O olho chora! A mente borbulha quente Nas profundezas de um vulcão Vai a um lugar indeterminado. Esse eu, sujeito/objeto, Querendo ser o outro.

(III) Somos energia cósmica Produzida nos confins

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Do infinito universal. Poeiras estelares Que se juntam Formando tudo Destruindo tudo. Partículas invisíveis Que se agrupam E o uno já não existe mais.

(IV) Pedaço de mim que está em você E você em mim! Nesse eu/você entrelaçados Por fios invisíveis. E o olhar com força Querendo atrair Essa outra parte Que insiste em não querer voltar.

(V)

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Ah, se volta! A explosão de felicidade Fará destruir As tristezas do mundo. E não é para isso Que o demônio veio Habitar a terra.

(VI)

O bem se encontra com o mal, O finito toca o infinito, O singular o universal, A paz destruirá a guerra, E isso o demônio não quer.

(VII)

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Esse sujeito/objeto Esse objeto/eu Essas partículas cruzadas, Misturadas, Que o éter insistiu em dividir, Agora quer voltar!

(VIII)

E se juntam? Todas as paixões Realizam-se? Corações, mentes, Corpos. Partículas separadas por Bilhões de anos Voltam a se encontrar? (IX)

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Explode a terra! Num regozijo infinito de prazer Amor, alegria, paz... Tudo que a humanidade Convencionou chamar de bom. E isso o demônio não quer.

(X)

A nossa origem é comum. Tudo, todos e todas Vêm do único. Ah! Quem dera Acabar a expansão do universo E num regresso até o fim Novamente nossos corpos Se encontrarem!

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2057

O mundo defenestrado, A terra vazia, Odor incessante de cadáveres. Árvores não existem mais.

Os rios secaram, O mar poluído. Um cheiro fétido Exala dos oceanos.

Peixes boiando Como baiacus Sem ar.

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Restos do que eram seres vivos Espalham-se pela terra Como num lixão. Sepulturas de micróbios Mal cheirosos.

As cidades são tomadas Por um gás venenoso, E do alto da Cantareira, É possível ver A panela cinza Que explodiu.

Os arco-íris Todos cinzas.

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As meninas soltam suas peles Como se despissem Uma roupa Que já não lhes serve mais.

Os homens não mais amam, Apenas gritam.

As crianças choram Vendo seus pais se derreterem

Pássaros tombam do céu Como rolinhas Destruídas por Tiros de espingardas.

Não há pequi Nem sertão nos gerais

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Por trás disso tudo O demônio ri.

Deus chora Não acreditando no que vê.

E em pé O último ser humano grita: -Tudo isso aqui é obra nossa!

Ganância destruiu O que poderia ser o paraíso.

E do ex-paraíso do Gênese Deixa a terra O último homem vencido!

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SOCIEDADE DE CONSUMO A mesa farta Carros e jóias O povo bebendo e comendo As ruas cheias de gente. Marcas famosas expostas. Passeios no fim de semana, Casa de campo, Verão na praia. No supermercado famoso Enche o carrinho. Chegar em casa com presente para o filho Que pula em seu colo. Beija a todos. Sociedade de consumo. E você ali Mendigando migalhas Do sistema.

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DESARRANJANDO AS PALAVRAS

Passo os dias assim: Desarranjando as palavras. Jogo-as para o ar E recolho como quem não quer nada. Porque arrumadas estão no dicionário E eu quero mesmo é dar-lhes Cores, sabores e insignificâncias. Se fizer silencio, Exijo-o brusco e ruidoso. As palavras se acham muito importantes. Quando rimam prometem E começadas com maiúsculas se impõe. Palavra é bicho brabo, Quem é esperto lhe põe cangalha. É chão áspero Do sertão sem luar, Não basta pé descalço, Tem que saber tropeçar.

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G G GE GEN GENT GENTE GENTE QUER GENTE QUER BRILHAR GENTE QUE BRILHA RELUZ

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PONTA NEGRA Ponta Negra como és bela! Estrada de chão, vila de pescadores, hippies e artistas. Longe de Natal (antes), pic nic, pegar a estrada de chão no mato passar capim macio e ver o Morro do Careca. Morro dos treinos, educação física, subir. Ponta Negra que vimos crescer... O ABC, Frasqueirão, calçamento e depois a avenida. Hotéis, pousadas, restaurantes, a via costeira. Ponta Negra dos arranha-céus. Lá, quando chove, é lindo! O sol sensação! Atravessar as dunas e fazer amor quando podia. É tanta gente que não dá mais...

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Oh, Ponta Negra linda! O teu mar desenrola no infinito, a seda movediรงa das tuas ondas. Por quanto tempo, o fim?

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O CIRCO

Todos os dias, oito horas da noite em ponto, ele estava no circo. Comprava o ingresso e ficava ali naquele espaço da entrada olhando. Via as bailarinas ainda sem pintura no rosto, o trapezista, o mágico, malabarista, palhaço... Cadê o palhaço? Não conseguia reconhecê-lo sem a fantasia.

Gargalha, ri De um riso solto Canta, dança Esquecendo a dor Passado, futuro e presente Faz do infinito um instante E do momento alegria Pedem-lhe bis E o bis fica para depois Pois a felicidade de hoje Precisa perpetuar.

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OITEIRO CRテ年ICAS

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SÃO PAULO – NATAL

CRÔNICA DE UMA VIAGEM ONDE O INUSITADO PODE ACONTECER. Ver um arco-íris estampado numa serra com mais de mil metros de altura, carros de bois com sua cantiga característica cruzando a estrada, ouvir causo de mistério e assombração que não se escuta na cidade grande, pousar na micrópoles Tauape com suas casinhas coloridas, moças e rapazes nas calçadas, o inverso das violentas metrópoles, chegar à praia de Ponta Negra com seu mar azul, um morro careca olhando para todos que se banham de prazer em sua água morna e finalmente relembrar uma vila de pescadores que não existe mais. Saiu de São Paulo com destino à Natal. Duas horas da madrugada. Acordou os meninos, bebeu um pouco de café, tirou o carro da garagem e partiu pela cidade grande rumo à rodovia Fernão Dias até Belo Horizonte. São Paulo, rodovia Anchieta, Avenida Salim Maluf... O trânsito fluindo, caminho percorrido durante o dia a estressante 10

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km/h agora à noite ele faz na velocidade máxima da via: 70 km/h. A poluída, esplendorosa e contraditória cidade de São Paulo (avesso do avesso do avesso) começa a ficar para trás. Em duas horas de viagem a cerração aumenta, a visibilidade diminui, pouco depois começa a ver o brilho do sol no dia amanhecendo. Agora passa a ver os primeiros carros de bois, vacas pastando, mel e cachaça boa de Minas Gerais. Em Belo Horizonte abastece o carro. Uma pequena distração o faz perder a estrada certa. Thiago faz uma pergunta. Um minuto de desatenção e entra rumo ao centro de Belo Horizonte. “Será que na vida também é assim: temos um caminho a seguir, uma meta a alcançar, um sonho a ser realizado, às vezes, pequenas distrações nos tiram desse rumo?” “Esses são os desacertos da partida” Percebe logo o erro, procura retorno e pega à BH – Brasília, uai. Reflete sobre como é importante saber retornar, buscar o mesmo caminho ou criar novos caminhos.

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Passa na cidade de Sete Lagoas, vergonha nacional, caminhões carregados de carvão vegetal feito da queima de árvores do cerrado para as usinas da cidade. Em Paraopeba a produção artesanal se espalha pela rua: cachaça, mel, churrasco, queijos, lingüiça, toda a boa produção artesanal mineira ali ao alcance dos olhos, boca, nariz e das mãos. Na cidade de Montes Claros estaciona no posto de gasolina para abastecer o carro. Chama-lhe atenção o encontro de pessoas que vêm de vários lugares; ele pode ver pelas placas dos veículos: Diadema, São Bernardo, Bebedouro, São Paulo, Cotia, Osasco, Santos, Campinas... Vão para a região Nordeste. Com as chuvas em Governador Valadares e a cheia no rio Doce muitos vêm por aqui para fugir dos riscos e dos caminhões da Rio - Bahia. Uma alegria geral toma conta daqueles rostos que em breve estarão juntos aos seus parentes... CHEGANDO A MATO VERDE. O por do sol reproduz um arco-íris na Serra Geral. Parece nos dizer que existe outro mundo além desse em que vivemos e ali estava a passagem. É assim a chegada em Mato Verde. Cidade

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bonita, arquitetura antiga, casas que parecem com as de Olinda, Recife antigo, Ouro Preto, Diamantina... Quente, faz calor na cidade. A comida com o tempero de Minas Gerais: queijo, pequi. Juscelino fala: -Quando for ao distrito de Riacho do Ó procura Tião Rodrigues, pega a Gingoline uma pinga boa... Comida boa, paisagens magníficas, cachoeiras, rios, pitomba, umbu, cachaça, pernilongo, queijo, requeijão, tomar banho de rio e cachoeira, colher umbú no pé, caminhar entre fazendas, casas e quintais, andar a cavalo para visitar fábricas de queijo, requeijão e alambiques de cachaça artesanal. Assim é o dia a dia em Mato Verde. Vinte e quatro de dezembro, véspera de Natal. Em Catulé, distrito rural de Mato Verde, reúnem-se as pessoas para jantar, beber, conversar, contar causos. Bidú conta história de assombração... Criança chora com medo. É história de arrepiar os cabelos. Uma casa mal-assobrada, no mato ouve-se barulho de animal ou é assombração? Bem perto tem uma cachoeira.

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-Com chuva não pode ir, a água vem com tudo e pode levar todo mundo afogado. -Vamos tomar banho de rio. –Aqui mesmo no quintal de casa. Café do quintal de casa. Sábado é dia de feira na cidade. Lá tem de tudo. Vem muita coisa dos gerais: Pequi, queijo, doce da Lavrinha, pão de queijo, biscoitos, coquinho, carnes, frangos, galinha, porco, jabuticaba, requeijão, lingüiça... e muita gente circulando: os rostos do norte de Minas. -A melhor cachaça daqui é a do Binha e do Juarez. -A do Siderli também é muito boa. -Prefiro a “Famigerada” produzida na Fazenda Serra Geral. “Feira, lugar de ócio e de negócios.” “Em Mato Verde é possível observar a importância do dialogo, conversa e prosa. A informação é transmitida de uma pessoa a outra sem mediação da tecnologia.” Observa. RUMO AO MAR Depois de Brumado entra para Sussuarana e vai com destino à rodovia Rio – Bahia e as cidades de Feira de Santana, Salvador

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e Aracajú. Entre Caculé e Ibiassucê ultrapassa um carro de boi, diminui a velocidade por causa de uma charrete. Depois de passar nas cidades de Brumado, Tanhaçú e Ituaçú chega à cidade de Maracás. Está na Bahia. Come um acarajé. Depois de passar pelo cerrado e caatinga chega agora à zona da Mata Atlântica. Mata Atlântica? Só o nome. O que se vê é canavial. Quilômetros de plantação de cana de açúcar. Os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte transformaram suas matas em açúcar e álcool. Praia de Maragogi. Suas casinhas antigas pintadas à cal com portas e janelas de madeira, aconchego dos caiçaras, sendo transformadas em sobrados para turistas. Assim o país vai perdendo sua memória, das pequenas vilas de pescadores. Agora ele segue pela BR 101: Recife e Abreu e Lima. Cidades grandes com rodovias passando no centro das mesmas, um caos. Passar por Feira de Santana e por Recife um exercício de paciência. As autoridades, o povo tem que exigir! Precisa tirar as BRs do meio da cidade grande. CHEGANDO A NATAL

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“Chegar a Natal, terra de Câmara Cascudo e dos oiteiros dos séculos passados, quando se retorna depois de muitos anos é mágico”! Saiu de Parnamirim pela BR 101 e entrou em Natal vendo a estrela de Belém, os três reis magos, a UFRN, o estádio de futebol, desceu pela Cidade da Esperança e chegou a um dos bairros mais populares da cidade, Felipe Camarão. Lugar onde os peixes–bois pousavam para alimentar-se em seus manguezais. Bairro antigo das chácaras e cultura popular do mestre Manoel Marinheiro. No outro dia visita os sebos da Cidade Alta, passa no Beco da Lama, bebe água de canavial e vai a casa onde morou Luís da Câmara Cascudo. Lendo-o descobre que séculos passados as pessoas chegavam a Natal vindo de várias cidades do interior e até das capitais próximas. Juntos aos natalenses somavam milhares em praça pública para as festas religiosas. Após a missa, a festa virava noite adentro com o oiteiro: uma prova das armas poéticas, a luta da improvisação.

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Poetas, cantadores, violeiros e emboladores faziam seu improviso a partir dos motes sugeridos pelas pessoas. Fez muito sucesso em épocas passadas um improviso a partir do mote “A conceição de Maria” “Fez Deus no dia primeiro O mundo sem luzimento; No segundo o firmamento E fez o mar no terceiro; No quarto fez o luzeiro, Que a todo mundo alumia, No quinto a animália, No sexto fez os humanos; Daí a quatro mil anos A conceição de Maria!” Depois de percorrer três mil e quinhentos quilômetros, andar pela cidade, Alecrim, Quintas, Ribeira, Buraco da Catita, ponte da Redinha... Alguns anos fora e pode ver como a vila cresceu... Atenção! É preciso cuidar da cidade!

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Após chegar em casa ele faz o menos inusitado que se poderia esperar da história: descansa e vai à praia.

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CAROLINA

CAROLINA, PROFESSORA, TINHA COMO HÁBITO ANOTAR TUDO QUE ACONTECIA NA ESCOLA E NA SALA DE AULA. Não era bem um diário, apenas apontamentos que fazia não sabia bem por qual motivo: para desabafar consigo mesma, ler depois quando se aposentar, publicar um livro... Ela ia anotando tudo, depois veria o que fazer com aquilo. Estava retornando das férias e numa noite quente, ventilador ligado, acabara de ler As Pelejas de Ojuara. Foi dormir e sonhou com a cidade de São Saruê, onde: “As rochas eram de doce rapadura, o milho já saía do sabugo debulhado, e corriam riachos de leite e de mel, entre barreiras de carne assada e atoleiros de cuscuz.” (...) O lugar querido da imaginação de poetas, cantadores, vaqueiros e todos os sertanejos que sonharam partir de sua realidade dura da terra de sol e seca para o Eldorado perdido no fim do mundo com chuva de ouro em pó, brilhantes,

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cristais, e demais maravilhas que a imaginação humana consiga visualizar. Vai se deparando com uma realidade tão rude como a do caboclo da caatinga e finalmente percebe a profundidade da situação ao seu redor. Acordou e saiu depressa para o trabalho. “O primeiro dia de aula é o melhor do ano letivo!” Pensou. Começa uma semana de planejamento. Essa é pautada pela necessidade de inclusão da criança e jovens com necessidades especiais. “uma proposta maravilhosa!” Naquela mesa, no meio dos debates, surge a pergunta: -Professor é uma profissão ou sacerdócio? -Professor hoje é um castigo! Respondeu em tom de brincadeira. Ainda lembrando-se do sonho da noite passada e querendo descobrir o que diabo é “gota serena”. Fim do planejamento e começo das aulas, Carolina passa a escrever tudo que chama a atenção na escola: a aula, a sala dos professores, o dia a dia dos alunos e alunas.

Os alunos querem aprender. As meninas da quinta série estão bem nesse início de ano.

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Percebe-se o avanço que elas trouxeram da quarta série. Agora é tudo novidade: vários professores, mudança de sala... A quinta F está se comportando muito bem. Toca o sinal e ela muda de sala. Faz a chamada, indica uma comanda de aula, passa a lição e começa a registrar:

Pegaram uma caixa de leite vazia que estava no cesto de lixo e chutaram para o outro, como se fosse uma bola de futebol. Hoje na aula de Matemática o assunto foi equação do 1º grau. Alguns alunos resolveram com facilidade, outros não abriram o caderno. Continua escrevendo...

Têm estudantes que não sabem o que estão fazendo na escola e a instituição escolar tão pouco sabe o que fazer com eles. Não gostam do estudo. O professor tem que “se virar” para que esses meninos fiquem motivados. Anotou tudo. Pergunta sobre a escola, o aluno responde: -A escola serve para ensinar a escrever, a ler e a contar. A escola é boa. A escola é o nosso futuro. Tem pessoas que vão à

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escola para estudar e têm outras que vão para brincar. Eu sou muito interessado na escola. Eu gosto muito da língua portuguesa. Aquela resposta sobre língua Portuguesa deixou-a animada. Ela também gostava muito da sua língua materna e adorou quando o escritor Nei Leandro havia citado as misteriosas palavras regionais: reiado, gota serena, vôte, oxente, vige Maria, galado, pantanha, pantim, vuco-vuco, rugi-rugi, sibiti baliado, lambe oia, mangar, priziaca, sostô, ruma e outras lidas no livro da noite anterior. Um Oasis Pedagógico Cada sala de aula, cada aluno tem sua especificidade tem dias que uma turma muda completamente... Nem parece a loucura dos outros dias!

A seleção brasileira jogou ontem à noite e venceu por três à zero. Talvez por isso, hoje eles estão calmos e fazem a lição. É assim mesmo! Quando o time de sua preferência vence uma partida de futebol ou conquista um campeonato, isso serve de motivação, conforto e deixa-os com mais vontade estudar.

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Eles estudaram o teorema de Pitágoras. Perguntam, tiram dúvidas; quando termina, conversa com o colega ao lado, sem gritos. Conversa baixinho como se estivesse no cinema do “Shopping Center”. Uma aluna tira dúvida com o colega, pergunta ao professor se está certo. Ah, se todos os dias fossem assim! Registrou em seu caderno. A Aluna pediu um poema A professora Carolina gostava muito de literatura e poesias. Já tinha recitado poemas de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Patativa do Assaré e Augusto dos Anjos. Uma aluna na última fila pediu-lhe um poema. -Eu quero uma poesia sua professora. Ela pensa muito, inspira-se e fez a poesia Adolescência:

“Ela me pediu uma poesia. Tão bonita, Jovem, quatorze anos. Quase menina,

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quase mulher. Flor do campo florindo perfume de jardim. Brilho estudantil pediu-me um poema. Meu coração mole não pôde negar!” Tem dias que a sala “Vira” Virar, nesse caso, é como o que ocorria na Febem, ocorre em presídios, onde se perde totalmente o controle. Isso acontece também na sala de aula, quando se perde o controle e a situação fica propícia ao caos. Onde todos os riscos existem e o que passa na cabeça do professor nesse momento é sair da sala e pedir socorro para alguém de fora: um inspetor, coordenador ou direção. “Um oficial não larga a tropa”. -pensa. Os alunos ficam em pé, conversam, gritam, não querem saber de nada! Ficam todos falando ao mesmo tempo. Jogam papel uns nos outros, gritam, riem muito alto, incomodam.

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Nesse dia, na sala dos professores, a única coisa que pode dizer é que dar aula é um castigo. Mais uma semana que eles choraram

A professora saiu de casa para dar duas aulas, deixou a sala chorando e não voltou mais no resto da semana, gastou parte do salário em medicamentos. “O professor trabalha numa situação adversa ensinando para aqueles que não querem aprender” Voltou a pensar em São Saruê num dia em que todos entrassem na sala com vontade de estudar. Como gostaria de uma escola onde houvesse respeito entre todo mundo, boa educação, tecnologia a disposição de todos os alunos e alunas, professoras, educadores e demais funcionários, uma escola democrática e que formasse todos e todas para a vida.

Mas aqui, e é assim em outros lugares também, em algumas salas de aula existe um grupo numeroso, às vezes metade da classe, que está ali sem o menor entusiasmo a respeito do conteúdo transmitido. Vai à escola por vários motivos:

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Encontrar os amigos e amigas ou namorados e namoradas na segurança dos “entre - muros” escolares; Receber o leite que será doado ao fim do mês e por isso não pode faltar; Ter direito à alimentação diária; Por obrigação dos pais que saem para trabalhar e não querem deixá-los na insegurança das ruas, becos e vielas; E outros motivos particulares. Fora do interesse em adquirir conhecimentos científicos básicos ou ler, escrever e calcular; Esses grupos, mesmo quando menores, conseguem fazer barulho, intimidar e impor a desordem no ambiente que freqüentam. Desabafa. Anota os detalhes pensando no dia em que esses seus textos cheguem a outras pessoas e denunciem o sofrimento, daquele dia, em sua situação de mestre. Carolina sabe que o debate é mais profundo: que fatores extraclasses influenciam o comportamento dos alunos. Situação sócio-econômica, conjuntura nacional e mundial, crescimento econômico ou perspectiva de crise, até mesmo o

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papel da escola: se uma escola é conformista e visa manter a estrutura ou se exerce uma formação crítica libertadora, tudo isso influencia a aprendizagem e na motivação dos alunos, existem tantas outras questões que poderia estar escrevendo sobre a educação. Mas naquele momento ela queria mesmo era desabafar. No fim de semana foi à escola para conhecer melhor os alunos, a família, o bairro, a rua, as vielas e os becos. Ela viu crianças e adolescentes estudiosos que não estavam fazendo lição de casa. Foi à escola e encontrou outros alunos jogando futebol na quadra. Nesse fim de semana teve jogo na escola: aí pode ver a situação de alguns estudantes, nem sempre os piores da sala, muitos, bons alunos, jogando bola sem o menor cuidado com a segurança. São acostumados a jogar pelada na rua, descalços, vários deles não têm dinheiro para comprar tênis, ficam o dia inteiro correndo e não se alimentam.

Eles carregam energia, disposição e sonhos. Voltando para casa, perguntou-se... De quem será mesmo o castigo?

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Foi dormir pensando em José Ojuara e sua São Saruê. Sonhando que em todas as casas tivessem quintal, praça, flores e um cantinho para ler e sonhar. Lá haveria um pé de sonhos: árvore onde cada folha poderia ser transformada em desejo e a qualquer momento a professora pegaria uma folhinha daquela e teria seus mais profundos desejos realizados!

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