4 minute read

Os Desafios do Antropoceno | João Gonçalo

O nosso Planeta entrou numa nova era geológica. Chamam-na de Antropoceno e é definida pela influência do homem em todos os ecossistemas do planeta. E os desafios do Antropoceno não são apenas ambientais, mas também espirituais, particularmente nesta nova era digital em que cada vez menos forças ancoram o Homem, a reaproximação à proteção da natureza pode ter o potencial de unir toda a humanidade num desígnio global.

“O que tem mais tem variado é o ritmo no qual as mudanças acontecem, ritmo esse que tem acelerado a cada momento.”

Advertisement

O ser humano é um ser em constante mudança. Foi essa mesma mudança que impulsionou o nosso processo evolutivo e tudo indica que para sempre será parte do nosso ADN. No entanto, o que tem mais tem variado é o ritmo no qual as mudanças acontecem, ritmo esse que tem acelerado a cada momento.

Nos últimos séculos e, em particular, nas últimas décadas, as sociedades humanas têm crescido exponencialmente em complexidade. Aliado a esse fenómeno temos testemunhado um processo de urbanização sem precedentes. Desde 2007 que mais de metade da humanidade vive em áreas urbanas e esse número só tende a aumentar.

Paralelamente a esta tendência é intrigante verificar a aumento da prevalência de doenças mentais como a ansiedade e a depressão. Estas desordens têm-se difundido como uma verdadeira epidemia e sabemos que, em grande parte, contribuem para os elevados níveis de suicídio, um verdadeiro flagelo das sociedades contemporâneas. Os números são chocantes: atualmente, morrem mais pessoas por suicídio do que por guerras e desastres naturais combinados. Em tempos de pandemia, tem sido reforçada a perceção de que a saúde mental se trata de um problema sério que necessita de destaque e soluções à medida. É por isso importante entender este fenómeno e tentar perceber qual as suas causas.

“Os cientistas afirmam que o afastamento da natureza pode ajudar a explicar a correlação entre urbanização e doenças mentais (...)”

Os cientistas afirmam que o afastamento da natureza pode ajudar a explicar a correlação entre urbanização e doenças mentais, tal como descrito no estudo “Nature experience reduces rumination and subgenual prefrontal cortex activation” conduzido por Gregory N. Bratman, da Universidade de Stanford. Nesta publicação, demonstrou-se que os sujeitos que participaram numa caminhada de 90 minutos num ambiente natural (em oposição aos outros que o fizeram num ambiente urbano), viram a sua atividade cerebral decrescida no cortex pré- -frontal subgenual. Esta área do cérebro é aquela cuja hiperatividade gera um processo chamado ruminação, no qual o sujeito experiencia a sensação de ficar preso em pensamentos incómodos, relacionados com situações passadas ou preocupações futuras. Para além de influenciar negativamente o nosso bem-estar psicológico, este processo está na origem de grande parte das desordens mentais que assolam sobretudo as populações urbanas.

O corpo e a mente humana parecem sentir uma espécie de ressonância com ambientes naturais. Na sua “Hipótese da Biofilia”, o cientista americano E. O. Wilson, conhecido como “o pai da sociobiologia”, teorizou que os seres humanos possuem uma afinidade e uma tendência inata para procurar e estabelecer ligações com a natureza e com os seres vivos no geral. O facto de, em grande medida, termos escolhido animais e plantas como símbolos de países e mascotes de organizações e clubes de desporto, por exemplo, é apenas mais um argumento a favor desta hipótese.

Podemos considerar o surgimento das primeiras civilizações, há 12.000 anos (cerca de 500 gerações atrás), como o início do processo de afastamento do ser humano dos ambientes naturais. Ao fazermos as contas, notamos que, durante 94% do período de existência da nossa espécie, toda a humanidade viveu completamente rodeada e imersa na natureza. Esta escala temporal faz nos refletir sobre o facto de que o nosso corpo e mente não foram evolutivamente selecionados para os estilos de vida que tomamos atualmente, o que em parte pode explicar os diversos desequilíbrios físicos, mentais e espirituais que experienciamos hoje numa larga escala. Neste contexto, cada vez mais tem sido realçada, não só a importância da conservação das áreas naturais nativas, como também da promoção de parques, jardins e outras zonas verdes dentro das cidades. Deste modo, poderemos usufruir dos benefícios do contacto com a natureza, não só no seu estado mais natural como em pequenos refúgios contidos no nosso “habitat urbano”.

“O homem não tem conseguido gerir o seu impacto na Terra.”

“Os desafios do Antropoceno não são apenas ambientais, mas também espirituais.”

Contudo, apesar dos comprovados benefícios de uma boa relação com o mundo natural, o homem não tem conseguido gerir o seu impacto na Terra. Após terem sido descobertas partículas de plástico a 2 metros de profundidade na Antártida, um grupo de cientistas, entre os quais Paul Crutzen, Nobel de Química, consideram ter compilado suficientes provas para declarar que o nosso planeta entrou numa nova era geológica. Chamam-na de Antropoceno e é definida pela influência do homem em todos os ecossistemas do planeta.

Os desafios do Antropoceno não são apenas ambientais, mas também espirituais. Neste início da era digital, em que cada vez menos forças ancoram o homem, a reaproximação e consequente proteção da natureza têm o potencial de unir toda a humanidade num desígnio global. Cuidar do nosso Planeta é nutrir em nós um sentimento de pertença que pode ser partilhado por todas as pessoas à face da Terra. Talvez, antes de transformarmos a nossa história, fundindo o nosso cérebro com computadores e partindo para a colonização interplanetária, devêssemos transformar a nossa relação com a natureza, o útero que nos trouxe à vida e nos viu crescer.

por João Gonçalo

This article is from: