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FERTILIDADE DO SOLO E CICLO DOS NUTRIENTES Prof. Antônio Carlos Vargas Motta
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia. Professor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da Universidade Federal do Paraná.Rua dos Funcionários, 1540, Cabral, Curitiba, PR.
E-mail: mottaacv@ufpr.br Prof. Milena Barcellos
Engenheira Agrônoma, Mestre em Ciências do Solo pela UFPR. Professora do Curso Técnico em Agropecuária na Secretaria Estadual de Educação do Paraná.
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FERTILIDADE DO SOLO E CICLO DOS NUTRIENTES Antônio Carlos Vargas Motta 5 Milena Barcellos 6 1. INTRODUÇÃO A fertilidade do solo estuda a capacidade do solo em suprir os nutrientes necessários ao desenvolvimento das plantas. Na natureza, os nutrientes fazem parte de ciclos, ou seja, são reutilizados na cadeia alimentar dos seres vivos. O solo fornece os nutrientes para as plantas que são utilizadas como alimento pelos animais e seres humanos. Assim, o nutriente que estava no solo, passa a fazer parte do crescimento e desenvolvimento de todos os seres vivos. Por exemplo, o cálcio que está no solo é absorvido pelos vegetais, onde vai fazer parte das células da folha, caule, etc. Quando nos alimentamos de uma saborosa salada, estamos reutilizando o cálcio que a planta absorveu do solo. Em nosso organismo, este cálcio vai fazer parte de diversos metabolismos, como por exemplo, a formação dos ossos.
5. Engenheiro Agrônomo, Ph.D., Professor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR. Rua dos Funcionários, 1540, CEP 80035-050, Curitiba (PR), mottaacv@ufpr.br 6. Engenheira Agrônoma, Mestre em Ciências do Solo pela UFPR. Professora do Curso Técnico em Agropecuária na Secretaria Estadual de Educação do Paraná.
Na produção rural, os agricultores podem modificar os teores de nutrientes do solo para aumentar a produtividade das culturas. Para isso, eles utilizam calcários, adubos químicos e orgânicos. Assim, os vegetais podem se desenvolver adequadamente, sem que no solo exista “falta” ou deficiência dos nutrientes. Neste caso, algumas pessoas dizem que o solo está “fértil”. Mas, o que vem a ser um solo fértil?
SOLO FÉRTIL O solo fértil sempre características, como:
apresenta
algumas
a) Grande reserva de nutrientes que garanta o adequado crescimento das plantas durante um longo período de tempo (vários anos, por exemplo); b) Não possuir elementos tóxicos para as plantas em quantidades que diminuam o crescimento das plantas. Um exemplo de elemento tóxico é o alumínio, que quando existe no solo em altas quantidades, prejudica o desenvolvimento das raízes das plantas. c) Ter quantidade equilibrada entre nutrientes de modo a evitar desbalanço nutricional nas plantas.
2. NUTRIENTES ESSENCIAIS PARA AS PLANTAS Dos elementos químicos que a planta absorve, 17 são essenciais, isto é, a falta de um ou mais destes elementos interfere no desenvolvimento da planta, que não cresce saudável e não se multiplica.
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5 NUTRIENTES ESSENCIAIS PARA AS PLANTAS São eles: carbono (C), oxigênio (O), hidrogênio (H), nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxofre (S), boro (B), cloro (Cl), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), molibdênio (Mo), níquel (Ni) e zinco (Zn).
Existe ainda o sódio (Na), mas ele é considerado essencial apenas para algumas plantas adaptadas a ambientes salinos, onde existe muito sal (NaCl), como por exemplo, próximo ao mar em áreas de manguezais. Assim como Na, outros elementos tais como selênio (Se), silício (Si) e cobalto (Co) podem melhor crescimento das plantas em algumas situações de solo. Os nutrientes mais abundantes nas plantas são N, P, K, Ca, Mg e S e, por isso, são frequentemente aplicados na agricultura como adubos e calcários. Essas informações são muito específicas para serem transmitidas aos estudantes do ensino fundamental, mas devemos chamar a atenção para fatos do cotidiano que relacionam os nutrientes do solo e a saúde de animais e seres humanos. Como exemplo, temos o N como elemento constituinte de todas as proteínas e aminoácidos encontrados nos alimentos (carne, soja, feijão, etc.), o Ca na formação dos ossos (dentes), Fe no controle da anemia, e P na formação dos ossos, etc. O carbono (C), oxigênio (O) e hidrogênio (H) são fornecidos às plantas através do ar [gás carbônico (CO 2) e oxigênio (O 2)] e da água (H 2O). Dessa forma, o ser humano praticamente não tem controle sobre o fornecimento de C, H e O. Mas isso não significa que esses três nutrientes não são importantes, pois eles formam aproximadamente 94 % de toda a matéria vegetal. Apenas o restante (6%) é formado pelos demais elementos minerais (Figura 1).
Figura 01: Principais constituintes da planta e fontes dos elementos absorvidos. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
3. CICLO DO CARBONO Sabemos que a atmosfera terrestre é formada por diversos gases. Os dois mais conhecidos por nós são o gás carbônico (CO 2) e o oxigênio (O 2), que fazem parte de importantes processos como a fotossíntese dos vegetais e a respiração dos seres vivos. Atualmente, existe uma grande preocupação com o chamado “efeito estufa”. Esse efeito está relacionado com o aumento dos níveis de CO 2 na atmosfera do planeta. Qualquer atividade que emita (libere) CO 2 para a atmosfera pode estar contribuindo para o efeito estufa. No mundo a principal responsável por essa emissão é a queima de combustíveis fósseis que libera grandes quantidades de CO 2, aumentando em muito os seus teores na atmosfera. No Brasil, a maior responsável por esses aumentos são as queimadas de pastagens e florestas. Quando a luz chega a uma superfície, parte dela é absorvida e parte é refletida. Os raios solares que chegam ao nosso planeta são absorvidos para o aquecimento da terra, para a fotossíntese dos vegetais, e também para a regulação do ciclo das águas, através da evaporação. Entretanto, uma parte desses raios é refletida pela terra, e devem voltar para o “espaço”. Quando os níveis de CO 2 de nossa
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atmosfera estão muito elevados, esses raios que deveriam voltar para o espaço, “batem” nas moléculas de CO 2, e novamente são refletidos para a terra. O que acontece é um efeito acumulativo, porque o Sol não para de emitir raios solares que são incididos constantemente à Terra. E os raios que deveriam sair da atmosfera terrestre, não conseguem, e são novamente refletidos (Figura 2). As consequências ambientais são sentidas principalmente sobre o clima, pois o efeito estufa ocasiona o aquecimento do planeta. Contudo, o CO 2 atmosférico não causa apenas efeitos prejudiciais, pois sua presença é necessária para que as plantas realizem a fotossíntese (Figura 3). Então, será que os vegetais podem ajudar o ser humano a diminuir o teor de CO 2 na atmosfera? Sim, e atualmente chamamos esse processo de “sequestro de carbono”, isso porque o carbono (C), além de fazer parte da molécula de CO 2, representa a maior parte do tecido vegetal. As florestas, pastagens e cultivos podem retirar o C do ar, através da absorção de CO 2 no processo de fotossíntese, possivelmente diminuindo assim o efeito estufa.
Figura 02: Representação esquemática do efeito estufa. Fonte: Motta e Barcellos (2007).
Neste caso, o efeito nocivo da queima de combustíveis e das queimadas de pastagens e florestas pode ser revertido quando a mesma quantidade de CO 2 liberado na atmosfera for fixada através das plantas.
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e nutrientes Figura 03: Representação esquemática do processo da fotossíntese. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
Todo esse processo pode ser estudado do ponto de vista de energia, através de um ciclo. As plantas e outros organismos vivos que fazem a fotossíntese (Figura 3) absorvem a energia do sol. Essa energia transforma a água absorvida do solo pelas raízes, e o CO2 absorvido da atmosfera pelas folhas, em carboidratos, proteínas, óleos e muitos outros compostos, que serão armazenados no tecido vegetal. Então quando nos alimentamos dos vegetais, estamos consumindo diretamente a energia que estes armazenaram. Ou, quando nos alimentamos de outros seres vivos que consumiram os vegetais, estamos consumindo indiretamente a energia armazenada na fotossíntese. Essa energia, primeiramente é utilizada no metabolismo de vegetais e organismos autótrofos (que produzem seu próprio alimento através da fotossíntese). Posteriormente, se torna fonte de energia para os demais organismos da terra que se alimentam desses seres vivos. Outra forma do ser humano utilizar a energia acumulada pelas plantas é através da queima de lenha e carvão vegetal, para assar um churrasco ou pão, por exemplo. Essa energia acumulada é chamada de biomassa, e por se tratar de uma queima, também libera CO2 para a atmosfera. Ou seja, qualquer queima representa o processo inverso do sequestro de C.
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Figura 04: Representação esquemática do ciclo do carbono. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
O professor deve estar ciente da importância de informar aos alunos que somos parte da cadeia do carbono (Figura 4), e que estamos sempre intervindo no ciclo do mesmo. Conhecendo esse ciclo, o aluno terá condições de entender os problemas de poluição (efeito estufa), a importância ambiental das florestas e de sua preservação, o sol como fonte primária de energia ao planeta, e a planta como transformador de luz e minerais em alimento para todos os seres vivos (fotossíntese). A decomposição possibilita a reutilização dos nutrientes, e no caso específico do CO2, significa a renovação do ciclo do carbono através da sua reutilização no processo de fotossíntese. 4. NUTRIENTES NO SOLO Vamos recordar um pouco das aulas de química? Você deve estar lembrado que quando adicionamos sal de cozinha (NaCl) na água, o sódio (Na) e o cloro (Cl) se separam no íons Na + e Cl -, isto é, se dissociam em elementos com carga positiva (Na+) chamados de “cátions”, e elementos com carga negativa (Cl -), chamados de “ânions”. Também é interessante lembrar-se da famosa frase “cargas opostas se atraem”, como no exemplo do sal de cozinha, onde o Na + (positivo) e o Cl - (negativo) se ligam para formar a molécula do sal (NaCl).
Outro exemplo é dos experimentos com eletricidade nas aulas de química, onde um fio ligado a um polo positivo e outro em um polo negativo de uma bateria, quando colocados em água contendo Na + e Cl -, o polo positivo atrai o Cl -, e o negativo, o Na +, ou seja, novamente, cargas opostas se atraem. Reação similar ocorre com a maioria dos adubos adicionados no solo. O solo contém água que é chamada de “solução do solo”. Quando um adubo entra em contato com a solução do solo (água), se dissolve formando cátions (íons com cargas positivas) e ânions (íons com cargas negativas). Uma parte desses cátions e ânions do adubo fica na solução do solo, da mesma forma que o sal de cozinha fica dissolvido num copo com água. Conforme visto no módulo “Composição do Solo”, as partículas minerais e orgânicas do solo apresentam cargas negativas e positivas, que retém em sua superfície os nutrientes que foram adicionados no solo, com o adubo. Mas esses nutrientes não ficam retidos para sempre. Normalmente as plantas absorvem os nutrientes que estão dissolvidos na solução do solo, de forma que, com o passar do tempo, os nutrientes da solução vão se acabando. Então os nutrientes retidos pelos minerais e matéria orgânica vão sendo liberados aos poucos para a solução do solo, tornandose disponíveis para as plantas (Figura 5).
raiz
lençol Figura 05: Representação esquemática dos movimentos dos nutrientes no solo e sua absorção pelas raízes. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
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11 A quantidade de cargas varia de solo para solo. Solos que possuem alta quantidade de cargas retêm maior quantidade de nutrientes, que servirão de reserva para as plantas. Dessa forma, quanto mais cargas o solo possui, maior será a sua capacidade de reter os nutrientes aplicados como fertilizantes. Além disso, quanto mais o solo reter, menores serão as perdas de nutrientes através da lixiviação, que é a lavagem (perda) dos nutrientes do solo através da água, que infiltra até alcançar o lenço freático (Figura 5). 5. ACIDIFICAÇÃO E PERDA DE NUTRIENTES DO SOLO Quando falamos sobre acidez devemos lembrar de pH. A acidez é representada pela concentração de íons hidrogênio (H+) existente em uma solução, ou seja, seu pH. Quando um solo é ácido, significa que seu pH é menor que 7, e quando é alcalino, seu pH é maior que 7. Solos muito ácidos podem conter poucos nutrientes e grande quantidade de elementos tóxicos às plantas, sendo o alumínio (Al+3) o mais frequente, prejudicando o crescimento das plantas. Uma forma de adicionar íons H+ no solo é através da água da chuva. Lembre-se que a molécula de água (H2O) contém 2 H+. No item 4 deste módulo, falamos sobre as cargas do solo, e também sobre a lixiviação (perda) dos nutrientes. Quando a água (H2O) da chuva infiltra, está havendo adição de íons H+ no solo, uma vez que o pH da água da chuva normalmente é inferior a 7,0. Esses íons H+ podem “retirar” os nutrientes que estão retidos nas cargas do solo (existentes nos minerais e matéria orgânica), “trocando” de lugar com eles. Assim, os nutrientes são deslocados para a solução do solo. Quando os nutrientes da solução do solo não são absorvidos pelas plantas, e como eles não estão retidos por nenhuma carga (estão “livres”), eles podem ser perdidos através da lixiviação (“lavagem”). A lixiviação é simplesmente a perda dos nutrientes junto com água que infiltra no solo. Até onde essa água vai? Até os lençóis freáticos, que irão formar lagos e rios, que chegarão até o oceano. Então, os nutrientes perdidos são levados pela água da chuva, podendo se acumular em mares e lagos. Uma prova de que os nutrientes são lavados é a composição química da água mineral, que contém os nutrientes lavados do solo. Cada água mineral tem composição variada dependendo do solo da região. Deve-se também considerar que a água que passa pelo solo entra em contato com as rochas e sedimentos do subsolo e estes
podem contribuem com disponibilização de elementos químicos para água. Logo, a composição da água mineral sofre influencia do solo e subsolo.
A maioria das plantas cultivadas cresce melhor em solos levemente ácidos, com pH entre 5,5 a 6,5. Quando o solo é ácido, com pH inferior a 5,5, a produtividade das culturas cai acentuadamente.
Para corrigir a acidez excessiva, aplicamos corretivos como o calcário. Assim, conseguimos atingir o pH ideal para o crescimento das plantas (Figura 6) e também eliminamos o alumínio para não causar toxidez às mesmas. Nas áreas urbanas, os restos de construção, que possuem resíduos de cimento e cal, também podem contribuir para reduzir a acidez do solo. Assim, pode-se encontrar solos cuja fertilidade química foi melhorada na área urbana, embora as condições físicas estejam piores devido à compactação de máquinas e operários da construção civil.
MILHO EM SOLO SEM CALCÁRIO
Milho em solo sem calcário.
MILHO EM SOLO COM CALCÁRIO
Milho em solo com calcário.
Figura 06: Efeito da correção da acidez através da aplicação de um corretivo (calcário) sobre o crescimento do milho. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
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A Tabela 1 mostra alguns dados de uma análise química de um solo muito “lavado” e acidificado (solo velho) e de um solo menos “lavado” (solo jovem), vindo de uma mesma rocha (basalto). Podemos observar que o Ca ++, Mg ++ e o K + são bem menores no solo velho (muito intemperizado) do que no solo jovem (pouco intemperizado). Ao contrário, o pH e os teores de Al +3 são maiores no solo velho (muito intemperizado), do que no solo jovem (pouco intemperizado). Isso ocorre U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D O PA R A N Á
justamente porque o solo velho passou durante um tempo maior pelo processo de intemperismo, ou seja, pelo seu “envelhecimento”. Isso significa que existe um tempo maior de acidificação e perda de nutrientes. No solo jovem, como esse tempo de envelhecimento (intemperismo) é menor, ainda existem nutrientes, e sua acidificação é menor. TABELA 1. Fertilidade de dois solos do sudeste do Paraná em função do intemperismo PARÂMENTROS QUÍMICOS DO SOLO AMOSTRA
pH
Al +3
H+
Ca ++
Mg ++
K+
cmol c /kg
Solo pouco intemperizado (“jovem”)
7,1
0,0
1,2
22,1
5,5
1,00
Solo muito intemperizado (“antigo”)
4,3
5,3
16,6
1,2
0,2
0,03
Fonte: Lima et al. (1984)
E o que ocorre com Ca++ e Mg++? Estes elementos formam compostos que são pouco solúveis em água e, quando chegam aos oceanos, se acumulam no fundo (depositam), ou são absorvidos pelos organismos formando conchas e corais. Um bom exemplo destes compostos são os carbonatos de Ca e Mg (CaCO3, MgCO3), parentes dos bicarbonatos de Na (NaHCO3), usados contra a acidez do estômago. Esses compostos se acumularam no decorrer de milhões de anos no fundo de mares e lagos, formando os depósitos de calcários e mármores. Essas rochas, após moídas, são novamente utilizadas no solo para a correção da acidez. É possível então, verificarmos que na natureza os elementos fazem parte de ciclos, onde são perdidos e retornam ao solo. O Ca++ perdido do solo há milhares de anos, retorna na forma de corretivo da acidez. Esse Ca++ será absorvido pela planta, onde irá fazer parte de seus tecidos. Quando nos alimentarmos da planta, o Ca++ passará a fazer parte de metabolismos do nosso organismo, como, por exemplo, na formação dos ossos. Assim, na natureza nada é perdido, e todos os elementos são reaproveitados.
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6. ORIGEM DOS ADUBOS Ao contrário do que muitos pensam, os solos do Brasil têm, em geral, uma baixa fertilidade. Baixa fertilidade? Sim! Os solos brasileiros são solos muito intemperizados, ou seja, solos velhos, que sofreram lixiviação de nutrientes e acúmulo de elementos tóxicos.
Contudo, temos boas condições de clima na maior parte de nosso território, onde podemos cultivar mais de uma cultura por ano a céu aberto, fato impossível em clima temperado, onde o intenso frio mata as plantas ou inibe o crescimento. Todavia, existe em nosso país regiões com solos de média a alta fertilidade natural, como em parte do centro-sul do Brasil com solos originados de basalto, e interior da região Nordeste, onde o clima seco compoucaschuvasresultouemmenorlixiviaçãodenutrientes(perda) e pouca acidificação. Para produzir mais, temos que melhorar a fertilidade do solo, via adição de adubos e calcários. Mas, muitas pessoas acham que não é conveniente utilizar fertilizantes (adubos químicos), por se tratarem de compostos não naturais, que diminuem a qualidade dos alimentos e poluem a natureza. Assim, vamos aqui discutir um pouco sobre os adubos e os possíveis problemas decorrentes do uso dos mesmos. Mas o que acontece com o Na+, K+, Ca++ e Mg++ perdidos através da lixiviação?Bem,certamentequeaaltaconcentraçãodesódio(Na+)nos mareseoceanostemhavercomessasperdas.ONa+ hojeexistentenos oceanos e mares veio em sua maior parte do solo. Sabemos também que K+ e Na+ precipitam com o Cl- quando ocorre a secagem de lagos e mares, formando depósitos de KCl e NaCl, atualmente explorados na fabricação do adubo cloreto de potássio (KCl), que é um dos mais usados na agricultura em todo o mundo. Os adubos contendo fósforo também são em sua maioria originados de deposição desse elemento em sedimentos, lagos e mares, assim como ocorre com o calcário. Atualmente existem, no mercado de adubos, rochas sedimentares apenas moídas chamadas de fosfatos naturais[Ca3(PO4)2],quevemsendomuitoempregadosnaagricultura orgânica e convencional.
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Desta forma é possível concluir que a maioria dos adubos (K e P), e dos corretivos da acidez (que também são fonte de Ca e Mg), têm origem em rochas sedimentares, ou seja, fontes naturais. Estas rochas são simplesmente moídas ou tratadas quimicamente para a produção dos adubos. Os adubos nitrogenados (N) são produzidos de maneira diferente, sendo em sua maioria, sintetizados a partir do N2 (do ar), H2 (do gás natural ou carvão) e CO2 (subproduto da indústria do petróleo). A ureia sintetizada é o adubo mais comum de N utilizado pelos agricultores. Contudo, a ureia também é uma das formas de excreção do N pelos animais, sendo encontrada em abundância nos resíduos orgânicos, reforçando mais uma vez que grande parte dos adubos utilizados na agricultura são compostos encontrados na natureza ou semelhantes. Mas na natureza, não apenas a aplicação de adubos fornece nutrientes às plantas. Existem também alguns organismos “auxiliares” na captação e absorção de nutrientes, do ar ou mesmo das rochas que formam o solo (ver detalhes no módulo Biologia do Solo). Esse fato é bom tanto para as plantas quanto para as bactérias, pois ao mesmo tempo em que as plantas recebem o nitrogênio que as bactérias retiram do ar, as bactérias recebem compostos orgânicos que as plantas produzem. É uma troca de nutrientes, onde ambos os organismos se beneficiam. Esse processo é chamado de “fixação biológica do N”. A simbiose com bactérias fixadoras de N é tão importante para algumas plantas, que no caso da soja, por exemplo, não se faz mais adubações nitrogenadas (adubos com N), de forma que todo o N que a cultura necessita é fornecido pelas bactérias. Mas é necessário, que antes de se plantar a cultura da soja, as bactérias (conhecidas por Rhizobium), sejam inoculadas na semente, através de um produto chamado inoculante. Atualmente, o agricultor aproveita essa fixação de N, pensando também na próxima cultura. Assim, existem algumas plantas leguminosas de inverno (como o trevo, a ervilhaca, etc.), que também fixam N através de simbiose com bactérias. Essas plantas são cultivadas no inverno, e em seu resíduo de cultura (palha, raízes, restos vegetais), fica parte do N que as bactérias fixaram.
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Esse N que fica no resíduo da cultura será liberado aos poucos para o solo, podendo ser aproveitado pela próxima cultura, a que será plantada no verão, como por exemplo, o milho, que não faz simbiose com bactérias fixadoras de N. Esse processo é chamado de “adubação verde”, pois estamos aproveitando os nutrientes (“adubação”) que ficam nos resíduos de uma cultura (“verde”). 7. ADUBAÇÃO E PROBLEMAS AMBIENTAIS Os adubos são a principal fonte de nutrientes para que as plantas cresçam adequadamente. Mas isso não quer dizer que não existam limites para a aplicação de adubos, sejam orgânicos ou minerais, ou que, quanto mais se aplicar adubos mais fértil será o solo, e teremos maiores produtividades. Um dos maiores problemas do uso excessivo de adubos está no descontrole do crescimento das plantas, devido principalmente ao uso de N. Com muito N as plantas crescem demais, ficando mais tenras (tecido mais “mole”) e menos resistentes ao ataque de pragas e doenças, obrigando os produtores a intervirem frequentemente com o uso de agrotóxicos. Outro efeito negativo do uso excessivo de fertilizantes está relacionado com a qualidade da água. Quando são utilizadas altas doses de adubos, o N e P podem ser perdidos do solo, por exemplo por erosão, se acumulando em rios, lagos, baías e mares. Esse acúmulo gera um excesso de nutrientes em ambientes aquáticos, favorecendo o crescimento de algas, no processo conhecido como eutrofização. Como a população de algas aumenta muito, sua morte ocasiona consumo do oxigênio da água através da decomposição por microrganismos. Assim, animais aquáticos como os peixes, não sobrevivem devido a essa falta de oxigênio na água. Além disso, a proliferação dessas algas pode interferir na qualidade da água, com cheiro e sabor desagradáveis, ou até mesmo a formação de compostos tóxicos em alguns casos. O uso de adubos orgânicos em altas quantidades também provoca contaminação nas águas. Atualmente, muitos países europeus têm grandes problemas com a produção em larga escala de suínos, bovinos e aves, sendo impostas por lei, limitações ao uso de resíduos aplicados ao solo. Problemas com resíduos orgânicos também têm sidoconstatadoscommaiorfrequêncianosestadosbrasileirosondea produçãodesuínoségrandee,emmuitoscasos,oresíduoédespejado diretamente nos rios. Diante de possíveis problemas ambientais causados pelo uso
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de adubos químicos e orgânicos, surge uma pergunta: Seria possível cultivar os solos sem aplicação de adubos? Muitos índios da região amazônica têm por hábito mudar a aldeia de local frequentemente. Mas, voltam a se instalar no mesmo local após alguns anos, formando um solo escuro (rico em matéria orgânica) e muito fértil, sendo conhecido na região como “terra preta de índio”. Descobriu-se que a adição sucessiva de nutrientes vindos com as frutas, animais, palha, madeira da construção das ocas, e outros, foram os responsáveis pelo aumento da fertilidade do solo nestas áreas. A população urbana continua fazendo a mesma coisa que os índios, porémemlargaescalaedeformacontínua.Assim,pormeiodoconsumo de alimentos, os nutrientes se acumulam e são descartados como resíduos humanos, não voltando para o solo de origem, enriquecendo osambientespróximosàsgrandescidades(rioseaterrossanitários)e empobrecendo as áreas agrícolas (Figura 7).
Figura 07: Representação esquemática do empobrecimento das áreas agrícolas, e enriquecimento das áreas urbanas com os nutrientes. Fonte: Motta e Barcelos (2007).pelas raízes. Fonte: Motta e Barcelos (2007).
O lógico seria retornar os nutrientes ao local de origem, fazendo com que não ocorra empobrecimento dos solos agrícolas e enriquecimento dos centros urbanos em nutrientes. Como fazer isso? Bastaria pegar os resíduos de esgoto tratado (onde são eliminados os agentes patogênicos aos seres humanos e animais), chamado de biossólido, e retorná-lo às áreas agrícolas de onde veio o alimento. O mesmo teria que ser feito com o resíduo orgânico contido no lixo urbano, através da compostagem desses resíduos.
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No entanto há dificuldade (custo e logística) de retornar os nutrientes exatamente ao mesmo local de onde foram retirados. Os mesmos princípios devem ser considerados na criação de animais, sendo necessário o retorno do esterco ao local de produção dos grãos que alimentaram estes. Além disso, uma parcela de nutrientes sai da propriedade indo para os centros urbanos, na forma de leite, ovos, carne e derivados. Usualmente, os pecuaristas também importam alimentos de outras regiões para a criação de animais. Esses animais são criados confinados, isto é, em pequenos espaços cercados, fazendo com que exista um excedente de esterco e nutrientes. Quando a área para aplicação dos dejetos é muito pequena na propriedade, ou mesmo quando a região tem um grande número de propriedades que fazem a mesma atividade, não é possível que os dejetos sejam utilizados em áreas vizinhas, o que também gera acumulação de nutrientes. Já existem leis, e outras estão sendo adotadas, a fim de regulamentar o uso de dejetos de animais na agricultura e também para restringir a implantação de novas criações, proibindo uma concentração maior da atividade do que a capacidade de uso de dejetos na propriedade ou região. Em muitas partes do mundo, criadores de animais confinados vêm sendo obrigados a encerrar suas atividades, pois não existem mais locais onde possam ser aplicados os resíduos gerados. Em outras palavras, o ser humano quebra o ciclo natural dos nutrientes. Esse ciclo natural é tão importante, que é capaz de manter, por exemplo, as florestas Amazônica ou Atlântica em solos extremamente pobres. Muitos desses ambientes então praticamente em equilíbrio quanto aos
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19 As altas produtividades obtidas na agricultura, com o uso de adubos, permitem que o agricultor sustente um maior número de pessoas na cidade. Logo, a sociedade atual depende desta alta produtividade agrícola para viver em cidades cada vez maiores. Por exemplo, um hectare (10.000 m2 de área) pode produzir hoje 9.000 kg de grãos, ou equivalente para alimentar mais de 180 pessoas com arroz durante um ano.