Sound #25

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EDIÇÃO #20 | MAIO 2021 EDIÇÃO #25 | OUTUBRO 2021| |GRATUITA GRATUITA

SOUND

DEBAIXO D’OLHO WOODSTOCK MUSICVEENHO LOVE PEACE

ENTREVISTA FILIPEMAGALHÃES KARLSSON MALLU

CONTA OS AGIGANTES PALHETAS DO BLUES


SOUNDSCOUT EDIÇÃO DE OUTUBRO

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Guimarães

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índice

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outubro 2021

sound #25

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Editorial

Poster Queralt Lahorz

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Donda Review

Entrevista Mallu Magalhães

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Woodstock Music Love and Peace

Quiz Música Nacional

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Gigantes do Blues

Agenda


editorial

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outubro 2021 Ficha técnica: Diretores:Filipe Carvalho, João Lemos e Pedro Carvalho Chefes de redação: Filipe Carvalho Redação: Filipe Carvalho, André Morais, Kenia Nunes, Miguel Rocha Social Media Manager: Inês Camacho Web development: João Lemos Design gráfico: João Lemos, Luís Lopes, Vitoria Ferrero Revisores: Matilde Secca Oliveira Agradecimentos: Beatriz Pequeno, Ivânia Pessoa, Mallu Magalhães, CCVF, Bruno Barreto, Vitoria Ferrero, Miguel Rocha, Alexandra Fernandes Créditos: Ivânia Pessoa, Alexandra Fernandes, Mallu Magalhães, Pond, BadBadNotGood, Guided By Voices Em todas as imagens reproduzidas pela revista e/ou respectivo site, foram respeitados os seus devidos diretos de autor e devidamente referenciados na ficha técnica. Desta forma, não pretendemos infligir quaisquer danos aos seus respectivos autores, colocando sempre em evidência a sua justa e respeitada utilização. A SOUNDSCOUT apenas as utiliza de forma livre e referenciada não obtendo quaisquer lucros pela sua utilização. Mail: soundscoutoficial@gmail.com Telemóvel: 935946600 Instagram: revistasound Facebook: Sound Scout Twitter: soundscout_pt

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inte cinco é o número que representa a edição deste mês de outubro, que por si só é especial pelo aniversário de dois anos que a revista festeja. Que sejam muitos anos e muitas histórias na companhia dos nossos leitores e assíduos seguidores. A estrutura base da vossa revista musical favorita não muda e abrimos as hostes, como já vos devemos ter habituado, com o poster da Ivânia Pessoa que vos apresenta a cantora espanhola Queralt Lahoz, que por sua vez, marcou presença no MIL, festival que se realizou no passado mês de setembro. DONDA saiu mesmo, quem diria. A nós, ouvintes, resta-nos tirar conclusões sobre o disco. Nesta edição dedicamos um artigo a isso. Não nos podíamos esquecer de vos fazer chegar a entrevista, que como sempre é algo especial para a revista. Este mês, a Sound teve o prazer de entrevistar Mallu Magalhães, artista brasileira que mora em Portugal e que dispensa apresentações. De seguida, viajamos no tempo para Bethel, Nova Iorque onde em 1969 se realizou o inesquecível Woodstock que através da música prometia levar paz e amor ao mundo, algo que por momentos se concretizou. A Sound faz um rescaldo do festival e fala sobre os artistas que por lá passaram e fizeram história. O Quiz, regressa para mais uma edição, mais uma vez com a música portuguesa como tema, sendo que gostamos de chamar esta versão como a 2.0. Mais uma vez, relembro para não se preocuparem com pontuação porque mesmo que falhem todas, nós não fazemos as contas. Por fim mas não menos importante (!) trazemos o Gigantes do Blues, artigo que, como o nome é capaz de indicar, falavos sobre os grandes músicos do estilo musical. Para terminar: esperamos que esta revista seja do agrado de todos vocês e, como sempre, não se esqueçam, se tiverem alguma dúvida ou até uma história que queiram partilhar connosco, não hesitem em contactar-nos. Para terminar, tenham cuidado e divirtam-se neste novo regresso à normalidade. Bom mês e muita música!

Filipe Carvalho



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DONDA

e a linha fina entre Kanye West, o artista, e Kanye West, a persona

DONDA - Review

Mais de um ano depois de ter sido anunciado pela primeira vez, DONDA, o décimo longa-duração de estúdio de Kanye West, finalmente viu a luz do dia no final do mês de agosto. O sucessor de Jesus Is King é composto por 27 faixas e apresenta quase duas horas de duração, sendo o disco mais longo de Ye até à data.


DONDA - Review

Se a duração em si não fosse já um obstáculo para a audição de DONDA, a apresentação do disco não é particularmente agradável – pelo contrário. “Donda Chant”, faixa que abre o álbum, não apresenta a melhor execução. Se a sua causa é nobre – homenagear a sua mãe, cujo nome dá título ao disco – o resultado é que nos coloca imediatamente de pé atrás a ouvir o restante disco. Felizmente, as faixas que se seguem fazem valer o investimento na audição de DONDA, elevando-o rapidamente acima de JIK em termos de qualidade.

No entanto, isto também não quer dizer que DONDA seja um regresso de Ye às grandes obras. Certamente não é mau, mas também não é uma obra prima ao nível de um My Beautiful Dark Twisted Fantasy, um Yeezus, um 808s & Heartbreak. Esses são discos pensados, trabalhados até ao mínimo detalhe por um artista obcecado com a sua própria grandiosidade e com a obra e legado que deixa ao mundo.

DONDA, pelo contrário, tem momentos em que soa inacabado, longe do estado de caminho para a perfeição que Kanye traçou com os seus trabalhos mais influentes. É imperfeito, caótico, e acredito que é, essencialmente, por tudo o que há de bom e menos bom com DONDA, o disco que melhor resume a linha que existe entre Kanye West, o génio musical que tornou o hip-hop na força gigante que é hoje, e Kanye West, a personalidade controversa e extravagante, capaz de trazer para este disco nomes como Marilyn Manson,

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alvo de acusações de abuso sexual, DaBaby, que recentemente voltou a lembrar que o hip-hop está longe de ser um género e cultura inclusiva para pessoas LGBTQIA+, ou Chris Brown, cuja historial de abuso se encontra bem documentado.

E chamar de fina a linha entre Ye, o artista, e Ye, o performer, é quase enganar-me a mim mesmo e ao leitor. A linha, em si, já não existe, e é isso que torna a análise de DONDA mais complicada e fascinante ao mesmo tempo. Ainda antes de ter saído, DONDA já havia gerado milhões de dólares em vendas de merchandising com as suas listening parties, e com 27 músicas, é natural que o disco também tenha acabado por monopolizar as plataformas de streaming – algo relativamente fácil de alcançar para um artista com o estatuto de West e que sabe, melhor do que ninguém, trabalhar as plataformas e as redes sociais para a sua promoção. O hype gerado, com a ajuda de declarações e associações a personalidades polémicas, garante retorno para o artista, ainda que a qualidade do projeto não seja assegurada na sua totalidade.

DONDA tem, de facto, momentos brilhantes: a imprevisibilidade yeeziana de “Off The Grid”, a pop etérea grandiosa de “Hurricane” a fazer lembrar alguns momentos de Graduation, a dissonância transcendente de “Jesus Lord”, que soa a uma junção entre JIK e MBDTF e que conta com aquela que é a melhor feature do disco, a de Jay Electronica. Em grande parte, esta faixa é o ponto central do disco, onde todos os temas de DONDA se juntam na mesma faixa: a espi-

ritualidade, a morte, a salvação, o legado.

Mas para cada grande faixa que DONDA nos apresenta, traz-nos outra que, em grande sinceridade, podia simplesmente ter ficado de fora. Ora porque soa incompleta – como o caso de “Jail” ou “Praise God” – ou porque simplesmente não está com a qualidade que associamos ao nome de Kanye, como é o caso de “Tell The Vision”, uma homenagem muito pouco conseguida a Pop Smoke, ou “Junya”, que soa a uma versão rasca de uma faixa de Yeezus. E este é o grande problema de DONDA – em 27 faixas, sendo quatro delas que pouco ou nada acrescentam, aproveitam-se praticamente metade destas que, se isoladas, dariam um muito bom disco. Emparelhadas com as restantes, ficamos com um disco que, apesar de resumir a carreira musical e a personalidade de Kanye melhor do que qualquer outro, não convence que este esteja particularmente interessado em apresentar o seu melhor. Na realidade, DONDA é o pico da máxima “Kanye a ser Kanye” – controverso, arrojado, sensacionalista, maior do que ele mesmo. E na sua tentativa de tentar alcançar a salvação, DONDA soa como Ye nos últimos anos: perdido e em busca de ajuda, do alto do pedestal que ele próprio criou.

Kanye West DONDA 2021 G.O.O.D. Music / Def Jam


entrevista mallu magalhães

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Mallu Magalhães A Revista Sound teve o prazer de cobrir o festival Manta, que levou Mallu Magalhães ao seu palco no segundo dia. Uns dias após esse concerto, o primeiro da artista desde o início da pandemia, a Sound teve o prazer de estar à conversa com a brasileira para falar sobre a sua carreira e vida.


entrevista mallu magalhães

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entrevista mallu magalhães

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Sound: No início da tua carreira, começaste com o lançamento de músicas no Myspace. Começaste por lançar quatro músicas. Queria perguntar-te como é que foi, para uma rapariga tão jovem, ter a coragem e conseguir lançar as suas canções na plataforma e, a partir daí, ter sucesso.

Mallu: Foi um bocado acidental, na verdade. Não tinha a ideia de fazer sucesso assim, nunca me senti atraída pelo mundo da figura pública, das celebridades... Foi sempre uma dificuldade. A minha atração sempre foi pela produção artística e os meus ídolos eram mais por aí, pela criatividade, autenticidade, com uma contribuição não só estética, mas também humana. Sempre gostei dessa contribuição do artista para o mundo, então para mim foi muito desafiador, e ainda é, esse papel de figura pública. Ter a vida visível para todos não é uma coisa que eu tenha apreço e não me sinto à vontade nesse lugar, mas para conseguir viabilizar minimamente o meu trabalho, acaba por ser um lado necessário. Fui tentando aprender aos poucos onde exatamente me encaixar para conseguir divulgar o meu trabalho sem que isso fosse agressivo para mim e acho que descobri. Hoje em dia consigo encontrar maneiras muito simples e

Mallu Magalhães sessão fotográfica realizada no CCVF

agradáveis de fazer isso. Gosto de lidar diretamente com o público, é uma coisa que me agrada. As pessoas são tão dóceis, gosto de falar diretamente para elas e isso é bem interessante através das redes sociais. Eu sou muito produtiva, gosto de criar conteúdo artístico, de fazer vídeos, animação… Mas essas coisas todas demoram muito, então nem sempre a minha produção artística acompanha o ritmo das redes sociais e do consumo, é um desafio que continuo a ter: conseguir desapegar um pouco dos detalhes e fazer o trabalho ir para frente, deixar de ser tão detalhista. Quanto à pergunta, acho que esse mundo público teria sido desafiador para qualquer pessoa de 15 anos, é uma altura muito complicada, está-se em crise de alguma coisa. Mas também nada dramático, consegui caminhar e encontrar os lugares onde me sentia mais à vontade e me divertir. Deu para aproveitar bastante, não deu para ter um currículo académico, não deu para fazer estudos, mas consegui uma autonomia profissional muito cedo, isso também fez com que eu pudesse desenvolver a minha estética e a minha visão de forma rápida. Hoje em dia sinto-me muito produtiva e consigo controlar as ferramentas que tenho, dado esse tempo de experiência.


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“(...) Não tinha a ideia de fazer sucesso assim, nunca me senti atraída pelo mundo da figura pública, das celebridades... (...)” S: Sim, nos tempos que correm, cada vez é mais fácil um miúdo de 15 anos lançar as suas canções na internet e os seus vídeos, ou lançar-se no mundo da música. Também com a ajuda do Spotify e com o streaming, acaba por tornar tudo um pouco mais fácil. Falavas há pouco da tua exposição nas redes sociais. É uma coisa a que dás muita importância ou vais vendo de vez em quando sem dar muita atenção?

M: A nível de presença, vejo como uma necessidade e uma ferramenta forte para o meu trabalho, então penso que é realmente uma das coisas a que dou mais importância, a qualidade do conteúdo que produzo para o meu público. Como gosto muito desse contacto direto com o público, as redes sociais são a maneira mais indicada para essa estratégia. Então, sim, vejo com extrema importância e tento qualificar o conteúdo. Como usuária, eu nem tenho redes sociais pessoais, tenho apenas Instagram profissional que eventualmente um

ou dois amigos mais próximos escrevem algo por lá, mas eu não uso, procuro até ter um horário de trabalho. Quando tenho algo para fazer, evito ficar ali porque me distraio muito, passa muito tempo e eu só estou olhando as coisas. Mas sim, vejo como um pilar da comunicação do meu trabalho e acho que é fundamental, mas a nível pessoal e emocional tento ter cuidado, procuro não me envolver muito, não me relacionar com essa expectativa do olhar do outro. É uma coisa natural de todo o ser humano, mas eu procuro me proteger. Mas também me divirto muito [risos], é verdade, também adoro memes e piadas assim, acho que se tem de levar isso tudo com mais leveza. S: Dá muito trabalho fazer um álbum e tudo o que envolve. Como é que é esse processo? Parte tudo de ti? Ou é algo que, por exemplo para a capa, alguém te apresenta um desenho e pensas que poderia dar numa boa capa?


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M: Vai variando muito. Esse olhar eu acho que todo mundo tem, ter um olhar mais poético de tudo o que já aparece na vida, é possível que se encontre num dia várias capas de disco. Se você internalizar aquela ideia e aquele conjunto de fundamentos e imaginar o que é o disco conceitualmente, as coisas vão aparecendo. Às vezes é uma coisa montada e específica que surge desde o início, mas geralmente o resultado é que acaba guiando para um lado ou para outro. Como neste álbum, de ter esta imagem exata na minha cabeça, saber milimetricamente o que quero que aconteça na fotografia, fazer a fotografia e ficar feio. [risos] Ao mesmo tempo, nessa mesma sessão de fotografia, um zoom de uma mão, que foi o caso da capa desse álbum (Esperança), é maravilhoso. Esta é a minha capa preferida de álbum, justamente por representar tanta coisa, esse momento de expectativa de uma coisa bonita, de uma coisa feliz e ao mesmo tempo ser tão plástico e estético e lembrar um pouco também aquelas obras antigas, é meio romântico, meio clássico, meio aquele toque do Da Vinci (A Criação de Adão). Tem um pouco de planeamento e tem muito de acaso. Acima de tudo tem esse olhar criativo e a gente também precisa dessa flexibilidade.

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“É assim como se eu tivesse ganho um lugar em vez de ter um só, sinto que tenho dois lugares.” S: Mudando um pouco de assunto, mudaste-te para Portugal em 2013 se não me engano… Como é que isso influenciou a tua vida e a tua música? Como é que a música portuguesa também te influencia?

M: Eu acho que as influências são várias de todos os lados. É até difícil dizer como influenciou, porque eu provavelmente não noto [risos]. No início e ainda hoje em dia, eu sempre fui e vou muito ao Brasil então eu nunca perdi o contacto com o Brasil. É assim como se eu tivesse ganho um lugar em vez de ter um só, sinto que tenho dois lugares. Mas hoje em dia, depois de ter passado tantos anos, eu me sinto muito em casa aqui em Lisboa, conheço os lugares, conheço os caminhos, eu sei dirigir sem GPS, eu entendo mais ou menos os códigos, as pessoas, tenho amigos, conheço os médicos e sinto que já estou muito integrada. O meu dia a dia aqui


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“Uma canção, quando ela vem é uma espécie de obra por si, todos os elementos da canção fazem parte daquela obra inteira como um todo.”

é muito agradável, eu moro num bairro onde posso andar a pé, então, isso também é muito bom, eu gosto muito de andar a pé e de fazer as coisas a pé. Eu adoro o verão, a primavera, o outono, mas odeio Inverno [risos]. No Inverno eu sofro e aí vou para o Brasil e volto feliz de novo. Aqui eu tive uma influência maior da música europeia porque lá no Brasil eu só tinha contacto com a música brasileira. A rádio aqui de Portugal é muito diferente da do Brasil. A rádio brasileira tem uma produção cultural muito grande, é natural, eu sinto que na rádio ouvia menos música europeia e aqui escuto muito. Acho que é especialmente essa música eletrónica. Ao nível de influências eu tenho claro, me influencio pela música portuguesa, me influencio pela música europeia, os shows que eu frequento, os shows que eu faço, as pessoas que encontro, os amigos que eu faço são pessoas daqui. Claro que muitos brasileiros emigraram e aqui a gente tem uma rede enorme de brasileiros. Então enquanto estou por aqui me conecto com essas pessoas, e quando estou no Brasil volto a conectar com os amigos de lá e faço novos amigos, é muito sossegado. S: É um bocado as duas casas, não é?

M: E é engraçado porque eu não sinto que dividiu, apenas adicionou, uma coisa não me tirou a outra. Não tenho necessidade de deixar os lugares, exceto no Inverno. [risos]

S: Disseste que cada vez mais há brasileiros a virem para Portugal. Pergunto-te se achas que é por causa do panorama político que o Brasil enfrenta.

M: Também pode ser, acho que cada um tem os seus motivos e esses são muito individuais, também. Mas sim, muitas pessoas vieram por uma discordância política ou até por um receio político, essa instabilidade do Brasil. E depois, claro, por motivos pessoais, por causa da violência, novas oportunidades, por curiosidade, como o meu caso, eu vim por vontade mesmo, meio que por diversão. As pessoas por quem a gente se cruza na rua fala dos motivos pelos quais se mudaram e inclui esse cenário político e acabou fazendo crescer muito a emigração. Sinto também que existe um laço crescente, que existe uma ponte sendo criada, os brasileiros e os portugueses se conhecem cada vez melhor.


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S: Sim, acho que sim, cada vez é mais “aceitável” uma pessoa trocar de país...

M: Também tem isso, é mais como você emigrar e depois regressar ou ficar, enfim, não é tão estranho. S: Por falar nisso, de trocar de cidade, há uma canção no teu álbum chamada Barcelona. Qual é a tua ligação com a cidade, se é a tua terceira casa, Brasil, Portugal e depois Espanha... M: É uma excelente ideia, na verdade. [risos] Mas não, eu só fui em trabalho, mas é uma cidade que me encanta, acho que tem um clima alegre. Eu fiz a música na última vez que fui tocar lá, já nem me lembro direito da ocasião, mas ocorreu-me a música e acho que esse imaginário de Barcelona é vivo, dá-me sensação de férias. [risos] S: [risos] Sim, o tempo lá também é muito bom. M: Sim!

“Esses regressos à nossa vida foram muito emocionantes.”

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S: Escreves em algumas línguas, em inglês, português, espanhol, por exemplo. Como se conjuga esse mix de várias línguas?

M: Penso que a própria ideia da canção surge como um conceito, um sentimento, tem as suas características. Uma canção, quando ela vem, é uma espécie de obra por si, todos os elementos da canção fazem parte daquela obra inteira como um todo. Quando vem aquela ideia, ou aquele sentimento, geralmente já carrega uma estética de um idioma e já vem o arranjo e em que instrumento, isso já vem junto. Eu tenho mais dificuldade com espanhol, é uma língua que eu não tenho fluência, entendo um pouquinho, mas não consigo comunicar com tranquilidade, comunico com dificuldade. [risos] O inglês eu comunico tranquilamente e francês também, mas o espanhol ainda é uma língua que eu aprendi muito recentemente.


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(Sobre Banda do Mar) “Continuamos juntos, a gente continua com esse convívio, mas sinto falta...” S: Lançaste o teu disco Esperança este ano, em julho, como tem sido a receção e como tens acompanhado essa parte do pós lançamento? M: Foi muito boa, na verdade até me surpreendeu, eu lancei de uma maneira muito despretensiosa e a estratégia era muito simples, era disponibilizar o álbum e avisar o público [risos], não tinha estratégia comercial, era só isso. Surpreendeume como a comunicação e a média que foi gerada através disso era muito orgânica, muito natural. Conversei com pessoas que tinham interesse no álbum. Tenho estado em entrevistas, em programas e em projetos que realmente fazem sentido para esse momento da minha carreira, então eu senti que essa ausência de expectativa comercial foi muito produtiva. O contato direto com o público também, para mim é o melhor.

S: Por falar em contacto com o público, regressaste aos palcos depois da pandemia, finalmente, em Guimarães, e a nossa revista teve o prazer de cobrir esse mesmo concerto. Como foi esse regresso? M: Tocante, foi muito emocionante. Esses regressos à nossa vida foram muito emocionantes. A gente não fez todos ainda, mas eu me lembro, a primeira vez que voltei ao Brasil, rever a minha família, conseguir ver os meus pais depois disso tudo, esse momento foi muito tocante. O regresso da Luísa, minha filha, à escola, também foi muito tocante. Esse regresso ao palco também é um desses pilares da minha noção de normalidade, foi muito revigorante, muito bonito e o público estava super caloroso. Foi um show emocionante, que seria já por si, mas o facto de termos conseguido tocar bem, depois fui escutar a gravação e fiquei orgulhosa.


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“Quando vejo o meu progresso profissional, tenho muito orgulho. Eu lembro-me, olho discos, ouço shows e até entrevistas e vejo que dei tudo, dei o meu melhor e em nenhum momento menosprezei.” S: Fizeste uma pausa de seis anos entre o Pitanga e o Vem, também tiveste a Banda do Mar, foste mãe durante esse tempo... Como é que foi regressar depois aos discos com esses 6 anos de pausa? Como é que foi voltar a escrever para ti, para os teus discos a solo?

M: Na verdade nunca tinha parado para pensar muito sobre isso porque foi tudo seguido, uma coisa atrás da outra, muito embora a distância seja grande. A distância entre um disco e outro é sempre no mínimo, pelo menos para mim, uns três anos, porque tem a feitura do disco que demora um ano para compor, depois mais um ano para fazer e depois um ano e meio para turné. Então, o tempo entre um e outro... S: Seis anos passam para três...

M: É... Eu parei só para o disco da Banda do Mar e depois para compor tive o nascimento da Luísa. Mas sim, eu acho que a maior influência do Vem, sem querer menosprezar a mudança estética de pertencer a uma banda e depois fazer um álbum, foi a maternidade, foi intenso. [risos] Eu diria que a maior mudança tenha sido essa. Todo o mundo se assusta com a situação que é a maternidade e paternidade. Essa experiência acabou por ser muito inspiradora, eu senti até diferença a compor o Esperança, senti que as músicas ficaram mais alegres, mais tranquilas. Não têm tanto aquela intensidade da gestação. [risos] No Vem, as músicas são mais intensas. Depois fiz a Banda do Mar, fiz o Vem, fiz um projeto Voz e Violão que foi o Saudade e senti uma solidão. Percebi ali que não tenho muito apreço por ficar sozinha, a diferença da banda para o regresso a solo. Ao mesmo tempo, a


entrevista mallu magalhães gente tem uma conexão pessoal, tanto eu e o Marcelo, porque a gente é casado [risos], como também com o Fred porque ele é nosso amigo, muito próximo. Continuamos juntos, a gente continua com esse convívio, mas sinto falta... Planto uma pulga atrás da orelha a dizer “E uma Banda do Mar...” [risos] S: [risos] Está confirmado regresso então...

M: Pois, é isso, às vezes eu fico assim e eles também, acho que é sempre possível de acontecer...

S: Continuando nesse percurso, depois do Vem participas no Festival da Canção. M: Ah sim! Nessa altura eu estava compondo para o Esperança...

S: Lançaste o Esperança este ano e já compunhas para o mesmo em 2018, comprova o tempo que um disco demora para escrever. Em relação ao Festival, como foi essa experiência? Acabou um pouco de maneira estranha, com aquele problema estranho da votação...

M: É! [risos] Mas nem foi isso que ficou computado na minha memória, acho que vou guardando só o que faz bem, dá muito trabalho ficar sofrendo pelo passado. O que ficou na minha memória foi ter participado, me senti acolhida pela cultura e reconhecida e agradecida também. Foram só sentimentos bons e a participação em si foi linda, artisticamente tenho orgulho e gosto por ter feito. A Bia é uma artista tão incrível e a Jéssica também, duas grandes artistas. Elas vão crescer muito profissionalmente e artisticamente e vai ser muito bonito que eu tenha estado com elas no início. O dia em si, a gente se divertiu muito as três, o Nuno Baltazar que fez o figurino também foi maravilhoso, deu tudo certo, percebemos que fomos felizes do início ao fim do processo. Só memórias boas. Nesse momento, realmente, eu me senti fazendo raízes maiores aqui. S: São quase 15 anos de carreira, que análise fazes à teu percurso, em retrospectiva? Como é que comparas o agora com o início, a evolução?

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M: Acho muito bom que eu tenha progredido artisticamente. Sinto que estou melhorando, penso que a minha música sempre foi muito autoral, com a questão de me dedicar aos detalhes, claro, já fazia isso mas com menos conhecimento. Ao longo do tempo, fui adquirindo conhecimento e ferramentas e hoje em dia consigo trabalhar em mais aspectos da minha produção artística. Essa aprendizagem é uma das coisas que tenho como um grande património, sinto que realmente tenho muita experiência no meio, tanto artístico como em entretenimento. Realmente consegui encontrar um equilíbrio, um lugar profissional que me traz retorno financeiro e uma vida confortável e saudável e ao mesmo tempo também consigo entender os meus limites. Quando vejo o meu progresso profissional, tenho muito orgulho. Eu lembro-me, olho discos, ouço shows e até entrevistas e vejo que dei tudo, dei o meu melhor e em nenhum momento menosprezei. Eu estava ali, às vezes até demais, e penso que os erros que cometi foram por aí, de me ter envolvido tanto na produção, mas tudo bem, foi meu trajeto. Só vejo um crescimento profissional em todos os aspetos. Tenho muito orgulho dele, o que me anima é saber que tenho capacidade de ir para novos lugares e tenho esse desejo em mim, olho com admiração para os meus colegas e tenho vontade de

entrevista mallu magalhães

mudar, de experimentar, de continuar trabalhando e isso me motiva, essa perspetiva de mais 15 anos, descobrindo, aprimorando e tentando acima de tudo ter momentos para desfrutar, conseguir tocar, curtir o som e celebrar. S: Fazer as coisas por gosto e não exagerar.

M: É isso! Esse ponto de equilíbrio que parece que não é um desafio grande, não é?

S: Para terminar, gostava de te perguntar com quem gostarias de trabalhar. Pode estar vivo ou morto. [risos]

M: [risos] Tenho uma banda que gosto muito que faz música mais dançante e eletrónica e chego à conclusão que o meu próximo disco vai ser um pouco por aí... Ah, Lord Echo, acho que seria incrível. L’Impératrice, conhece? S: Sim claro, os franceses...

M: Sim! Mais... Django também... Um pouco por aí. Já seriam três encontros bem interessantes. Com o apoio de:

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Woodstock

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An Aquarian Exposition Three Days of Peace and Music

Woodstock Music Love and Peace

No dia 15 de agosto de 1969 teve início o que viria a ser um dos mais importantes festivais de música de sempre. Oficialmente “An aquarian exposition: 3 Days of Peace and Music”, o festival juntou inesperadas 400.000 pessoas durante os três dias do evento. Foi realizado numa quinta de produção de lacticínios na cidade de Bethel, Nova Iorque, a 65 quilómetros da cidade de Woodstock, nome pelo qual popularmente ficou conhecido não tendo sido, contudo, a primeira localização escolhida pelos organizadores. No início, os promotores do evento queriam realizar o festival na cidade de Woodstock, local conhecido por ser frequentado assiduamente por vários artistas como Bob Dylan e The Band, no entanto a população formou oposição e uma nova localização foi definida na cidade de

Wallkill. Já a construção das infraestruturas estava em andamento quando o governo da cidade emitiu uma lei que proibia a realização de eventos com mais de 5000 pessoas. Com a data do festival a aproximarse, os organizadores foram apresentados a Max Yasgur, dono da quinta onde aconteceu o festival. A falta de tempo e recursos fez com que tivesse de ser priorizada a construção do palco em detrimento da colocação de cercas e bilheteiras. Havia uma clara falta de infraestrutura para receber tamanho número de festivaleiros, desde água a comida, cuidados médicos e de higiene. A chuva que se fez sentir durante dias transformou os campos de Yasgur em lama. Estava semeada a oportunidade perfeita para acontecer um desastre, porém, tal não se verificou. O Woodstock começa aqui!

“um dos mais importantes festivais de música de sempre.”


Woodstock

“...cultura hippie e punk, que afetou diversas áreas, desde a música, arte, política”

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Na década de 60 fazia-se sentir um movimento de contracultura em grande parte do ocidente, largamente associado à cultura hippie e punk, que afetou diversas áreas, desde a música, arte, política,… Nos EUA as camadas mais jovens faziam apelo pelos direitos humanos e forte oposição à Guerra do Vietname, a música era um refúgio político, uma força de mudança, os maiores artistas expressavam as suas opiniões políticas através das suas letras, no Woodstock não foi diferente. Quem visitou o festival fêlo pela música e pelo convívio. Quem o fez encontrou uma bolha onde a violência não tinha lugar. Alguns afirmam que tal não aconteceu devido à ideologia pacifista dos festivaleiros, outros afirmam que as drogas consumidas em larga escala durante os três dias do evento foram as responsáveis.

“..os maiores artistas expressavam as suas opiniões políticas através das suas letras..”

1969


Woodstock

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Richie Havens O primeiro dia de festival ficou pautado pelos artistas folk, tendo ficado o número de abertura a cargo de Richie Havens, que teve de aguentar em palco durante três horas já que os outros artistas do segmento estavam retidos nas enormes filas de automóveis que se faziam para aceder ao local. Havens saciou a multidão enquanto atrás dele ainda se finalizava a construção do palco. Por fim, e já com o repertório esgotado, o músico olhou para todos os que o ouviam e foi então que improvisou Freedom, utilizando a melodia de “Motherless Child” (música antirracismo que remonta à época da escravatura na América e muito presente na infância de Richie). A façanha fez com que a atuação de Richie Havens se eternizasse como uma das mais míticas do Woodstock.

“...a atuação de Richie Havens se eternizasse como uma das mais míticas do Woodstock.”


Woodstock

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Outro grande momento do primeiro dia foi protagonizado por Joan Baez, uma grande ativista contra a Guerra do Vietname. Grávida de 6 meses, Baez tocou “JoeHill”, mas sem antes deixar de mencionar que o seu marido à época, David Harris, também ativista pacifista, se encontrava encarcerado por se recusar a combater no Vietname, mas que a sua luta estava a ser bem sucedida dentro da prisão. No fim, a artista voltou ao palco para um encore a solo, cantando “We Shall Overcome”, um clássico do movimento pelos direitos humanos. Finda assim o primeiro dia.

“..Joan Baez, uma grande ativista contra a Guerra do Vietname. Grávida de 6 meses, Baez tocou “JoeHill”

Joan Baez


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Sábado, 16 de agosto, foi dia de rock and roll e também momento para os Santana brilharem. Até então pouco conhecidos, tinham lançado o seu primeiro álbum pouco tempo antes de se apresentarem no Woodstock. Foi um momento de viragem para a banda que, levada pela incrível performance a solo de Carlos Santana na guitarra em “Soul Sacrifice”, atingiu o reconhecimento do grande público. Foi dia também para a apresentação de Grateful Dead que ficou marcada por diversos problemas técnicos devido à tempestade que inundou o palco, tanto que o guitarrista Jerry Garcia relembrou que sentia choques elétricos sempre que tocava na guitarra. Ainda assim tocaram hits como “St. Stephen, Mama Tried” e “Turn on Your Love Light”.

Carlos Santana


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“No seguimento, entrou a rainha do rock and roll, Janis Joplin, acompanhada pela The Kozmic Blues Band.”

Janis Joplin

Depois foi a vez de Creedence Clearwater Revival tocarem, tendo sido eles a primeira banda a concordar apresentar-se no festival abrindo caminho para outras tantas decidirem fazê-lo. No seguimento, entrou a rainha do rock and roll, Janis Joplin, acompanhada pela The Kozmic Blues Band. Tocaram hits como “Piece of my Heart”, “Summertime” e “Try (Just a Little Bit Harder)”. Um dos grandes momentos da noite ficou a cargo dos The Who que tinham lançado o seu álbum Tommy, uma rock opera, apenas um mês antes. Tocaram o álbum todo e destaca-se a música “My Generation”, um verdadeiro hino ao movimento de contracultura.


Woodstock

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Entra o terceiro e último dia de espetáculo com Joe Cocker a abrir o palco. Meses antes, o músico havia lançado um álbum de covers dos Beatles. A música com que fechou o set deixou a plateia em pleno deleite. De facto, o cover de “With a Little Help From My Friends” deixou o próprio Paul McCartney impressionado, tendo-o considerado um hino à música soul. Logo após o término da sua atuação, uma forte tempestade atrasou os números seguintes. Foi após muitas horas de atraso que os últimos artistas do festival, Jimi Hendrix and A Band of Gypsys, puderam subir ao palco já com a plateia reduzida a cerca de 30.000 pessoas. A sua atuação ficou especialmente conhecida pela controversa versão do hino norte-americano “The Star-Spangled Banner”, e Jimi, um imprevisível herói da contracultura. Em vez de mudar a letra da música, Hendrix alterou a melodia incluindo sirenes, barulhos de tiros de metralhadora e de bombas a explodir. Incluiu também “Taps”, uma melodia tocada tradicionalmente em funerais de militares em honra ao seu serviço e estendeu durante 6 segundos a nota da palavra “free” fechando assim o Woodstock com um sentimento de otimismo envolto em crítica à situação sociopolítica dos EUA.

“The Star-Spangled Banner”, e Jimi, um imprevisível herói da contracultura.”

Jimi Hendrix


Woodstock

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Muitos outros festivais de música aconteceram posteriormente e outros tantos estão para vir, no entanto, nenhum outro se vai eternizar de tal forma como Woodstock o fez. No contexto sociopolítico dos anos 60, o festival funcionou como uma ilha onde todos aqueles que queriam fazer diferente tinham o seu espaço, onde todas as construções sociais foram derrubadas e apenas havia lugar para amor, paz e música. Woodstock provou o poder da música como promotora de mudanças sociais e objeto de luta. Como referiu Joan Baez, é preciso que alguém se arrisque para que haja uma mudança social significativa. Talvez seja essa vontade de assumir o risco que falta aos inquietos dos nossos tempos.

“..é preciso que alguém se arrisque para que haja uma mudança social significativa. “


26 - Sound, Outubro 2019


27 - Sound, Outubro 2019



Gigantes do Blues Blues é a raiz musical de praticamente tudo neste Universo. Pronto, está dito! Agora não posso voltar atrás. Não vou explicar o porquê de um statement tão duro, mas sim ilustrar com os “Gigantes do Blues”.

Por vezes esquecido, talvez por ser demasiado expressivo ou por assumir mil variantes devido à junção de influências ou posições geográficas, por simplesmente colocarmos tudo em gavetas etiquetadas ou mesmo porque “não prende a atenção”, blues está tão presente na tradição musical que por vezes nem damos conta. Mas a intenção não é explicar o Blues, mas sim apresentar os Gigantes. Não vamos traçar historicamente nada, vamos simplesmente andar para trás… Hoje com Edward James “Son House” Jr. (1902-1988) Figura icónica muitas vezes “não mencionada”, um Rei nunca coroado, um homem que viveu e sentiu na pele o Blues e expressou-o da maneira que conseguiu. O Delta Blues é o estilo primordial, o primeiro género a obter alguma notoriedade numa altura em que os discos eram segregados e direcionados exclusivamente para as comunidades negras. Ao longo da carreira (não vivendo exclusivamente dela) foi mentor e aprendiz, pregador e pecador, lutador e desistente, no entanto, deixou um legado e abriu possibilidade para as gerações futuras continuarem a inovar a tradição deste género musical que, no fundo, é uma forma de vida. Porquê Son House? A sua vida está cheia de histórias que ilustram o sentimento que a música claramente expressa. Outrora um autêntico “rapaz de igreja” e pregador (numa altura onde o Gospel ditava o repertório na sua mente e o Blues ditava ser a música do Diabo) alterou completamente a sua forma de pensar, a tragédia pessoal e o casamento falhado ditam o que mais tarde será o seu modo de vida, influenciado e “preso” pelo som de slide, abandona tudo e compra uma guitarra, nunca mais olhou para trás…


Gigantes do Blues

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Temos de mencionar isto, os Anos 30 e a Grande Depressão não permitem que a música (e tantas outras áreas) ganhe asas, no entanto, graças ao seu estilo pessoal carregado de expressividade vocal, intensidade emocional e a força do ritmo “forçado”, acaba por ser convidado a participar em sessões de gravação. De salientar que nesta altura vários foram os músicos afro-americanos de extensas áreas geográficas convidados a gravar, aliás, é graças a muitas gravações que muito deste trabalho fora preservado e autenticado (obrigado Biblioteca do Congresso – interessados leiam acerca de Alan Lomax). Não obstante, com tantos músicos e tão pouca possibilidade de compra, Son House grava alguns sides, mas comercialmente nunca fora um nome ressonante, vive através dos trabalhos que arranja em plantações de algodão e aos fins-de-semana toca em pequenos encontros, até cair na obscuridade e acabar por desistir da música por completo.

São necessários 30 anos (34 para sermos exactos) até o seu nome voltar a aparecer, e graças a quem? O movimento revivalista folk americano onde investigadores, historiadores, musicólogos e curiosos começam a pegar em coleções de vinis antigos e a procurar informações acerca dos músicos. Com apenas nomes e alguma noção geográfica, centenas de músicos foram pesquisados e “Son House” foi um dos mais procurados pela expressividade e autenticidade. Quando é encontrado não tem a mínima noção do seu sucesso interno entre colecionadores e músicos, é convidado a reaprender a tocar guitarra e a gravar novamente o seu material (novo, inclusivamente) e pela primeira vez é apresentado num palco moderno em frente a uma audiência. A década de 60 trata-o como um verdadeiro músico, venerado em palco e partilhando o seu conhecimento à geração seguinte, mas os seus fantasmas perseguem-no sempre e em 1974 regressa à escuridão até à sua morte em 1988.

Autenticidade é a palavra de eleição, cada canção gravada na sua sessão de 28 de Maio de 1930 é assustadoramente emotiva. Não há melhoramento, regravação de detalhes, EQ (…), nada mais do que um homem e a sua guitarra como dita a tradição – “Dry Spell Blues” e “My Black Mama” (sugestões) – e perguntam: “Este senhor influenciou alguém que eu conheça?”, se já ouviram falar de Jack White (The White Stripes) certamente ouviram a sua versão “Death Letter”, um tributo elétrico a “Death Letter Blues” de Son House, o seu herói predileto. Admitindo que resumir este senhor a umas meras palavras é árduo, recomendamos uma leitura minuciosa de tudo o que encontrarem acerca dele. Nunca é demais avisar que este género musical não deve ser usado como música de fundo, pede que se desfrute de um momento a sós antes de ouvir algo como “Preachin’Blues”, e ter em mente que a música não se compara pelo número de notas, mas pelo que nos faz sentir. Até uma próxima edição!

Death Letter Blues

Son House. 30 - Sound, Outubro 2019



32 - Sound, Outubro 2019


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