A construção da crítica ao movimento moderno a partir de dois casos de implosões.

Page 1

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO IAU – INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Programa Unificado de Bolsas 2016/2017

Relatório Final

A construção da crítica ao movimento moderno a partir dos casos de implosão dos conjuntos habitacionais Pruitt-Igoe/EUA (1972) e Carapicuíba/SP (1991)

Aluna bolsista: Soyani Tardiolli de Figueiredo

Orientação: Profa. Dra. Eulalia Portela Negrelos

São Carlos, Agosto de 2017.


AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Eulalia Portela Negrelos por toda a orientação e dedicação determinantes para o desenvolvimento do trabalho. Ao grupo de pesquisa por todo o apoio e auxilio nas reuniões e pela disposição em auxiliar nesse processo. À Cristina Brito, diretora da COHAB da cidade de São Paulo pelo material cedido à pesquisa. Ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo por todo apoio. Ao Programa Unificado de Bolsas pelo incentivo à pesquisa através da bolsa de auxilio técnico.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1. OBJETIVOS 2. MATERIAIS E METODOS 3. RESULTADOS 3.1 Habitação coletiva e os desdobramentos do movimento moderno 3.1.1 No Brasil: Políticas públicas e conflitos urbanos 3.2 Conjunto Habitacional Castelo Branco da COHAB-SP, Carapicuíba/SP, Brasil 3.2.1 Aspectos gerais e de projeto 3.2.2 A implosão do setor COHAB VII 3.2.3 Análise dos processos administrativos 4.3 Conjunto Habitacional Pruitt Igoe, St. Louis/Missouri, EUA 3.3.1 Aspectos Gerais e de Projeto 3.3.2 A implosão do conjunto habitacional 5. OUTROS CONJUNTOS HABITACIONAIS DE CARÁTER SOCIAL IMPLODIDOS 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A produção de habitação social consolidou-se na Europa a partir do século XIX e, posteriormente, manifestou-se na América do Sul devido aos processos resultantes da imigração e da expansão do setor industrial, que impulsionaram a criação de moradias improvisadas de baixo padrão construtivo e condições de higiene. No Brasil, precisamente na cidade de São Paulo, o intenso crescimento populacional, segundo Bonduki (1998), desencadeou a primeira crise de habitação, em que situações críticas ocorreram nos bairros dos trabalhadores, onde não havia esgoto sanitário e existia o risco significativo de contaminação através da água. O debate em torno da questão da habitação tentou incorporar os conceitos de unidade, infraestrutura urbana e serviços e colocá-los em prática na produção habitacional dessa época, o que não foi efetivado.

A necessidade de fornecer casas a todos em condições de higiene e salubridade e permitindo diferentes ‘Standards’ de vida constitui um dos maiores problemas a enfrentar. O urbanismo moderno é de início um urbanismo habitacional, quer pela importância do alojamento e da área habitacional quer porque estes temas conduzirão até a invenção de novas tipologias construtivas: o bloco, a torre, o conjunto. (LAMAS, 1993, p.300)

A intervenção do Estado na política urbana e habitacional no período da ditadura militar se concentra em uma política institucional direcionada ao financiamento habitacional; um dos recursos criados são as Companhias de Habitação Popular (COHABs), fundadas como agentes operadores, financiando moradias às famílias com renda entre um e cinco salários mínimos. Na cidade de São Paulo, parte dos conjuntos habitacionais criados pela COHAB-SP estão concentrados na região leste da cidade, englobando vinte e nove conjuntos habitacionais para atender a uma população de 440 mil pessoas, com proximidade com a zona industrial das cidades do ABC paulista que empregavam parte considerável dos moradores da COHAB-SP, acomodando a população próxima aos grandes 1


centros de produção industrial, diminuindo, assim, o custo do deslocamento e manutenção da força de trabalho empregada nessas indústrias. Quanto aos conjuntos habitacionais erguidos pela COHAB-SP na Região Metropolitana de São Paulo, estes estão concentrados nas cidades de Guarulhos, Itapevi e Carapicuíba, sendo que nesta última, segundo as análises historiográficas que precederam a pesquisa, ocorreu a implosão de mais de uma dezena de edifícios em 1991, devido a uma falência estrutural.

Este estudo busca compreender o processo de construção da crítica a esses conjuntos habitacionais, muitos deles considerados degradados, buscando as causas dessa degradação e analisando os efeitos dessa forma urbana habitacional nos âmbitos urbano, econômico e social. Mesmo com a produção em massa de conjuntos habitacionais, algumas experiências serviram como base de análise, tanto em escala nacional como em escala mundial, sendo um exemplo o conjunto habitacional Pruitt-Igoe (1954) que foi considerado um dos lugares mais violentos e marginalizados da cidade de St. Louis, no Estado do Missouri, Estados Unidos; sua implosão, em 1972, foi considerada por Charles Jencks, como a morte da arquitetura moderna . O posicionamento de Jencks ganhou espaço na década de 1970, adensando a contestação dos valores do modernismo iniciada já na década anterior, criando-se uma forte discussão em torno do fracasso do Pruitt-Igoe e suas consequências. A pesquisa procura, assim, entender os fatores que teriam levado alguns dos conjuntos habitacionais à degradação, culminando com a implosão de alguns deles nesse período, inclusive na Europa, abordando como isso influiu na construção da crítica a essa forma urbana.

2


1. OBJETIVOS A pesquisa tem como objetivo principal compreender o processo de degradação real e a interpretação da crítica dos conjuntos habitacionais escolhidos como estudo de caso e busca identificar e comparar os padrões e técnicas de projeto estabelecidas na produção habitacional dos conjuntos que sofreram um processo de degradação. É indispensável, mesmo que em um primeiro momento, a compreensão desse processo de degradação na escala da cidade e o quanto isso interferiu na forma urbana do espaço de inserção dos projetos abordados.

3


2 – MATERIAIS E MÉTODOS Os materiais e métodos utilizados neste estudo são constituídos pelos seguintes procedimentos: - Leituras referentes ao tema dos conjuntos habitacionais implodidos para a elaboração de um quadro consistente de referências teórico-metodológicas; - Levantamento de documentos referentes aos conjuntos habitacionais estudados, principalmente no que diz respeito ao processo de implosão. - Análise do processo administrativo da implosão do Setor VII do Conjunto Habitacional Castelo Branco, em Carapicuíba/SP, cedido para consulta pela COHAB-SP. - Construção de diagrama de justificativas das implosões dos conjuntos, conforme segue:

Figura 1 – Sistematização inicial dos estudos de caso Fonte: Acervo Pessoal

4


3 – RESULTADOS 3.1 Habitação coletiva e os desdobramentos do movimento moderno.

As habitações coletivas verticalizadas representaram uma das tipologias mais significativas e questionadas do Movimento Moderno. Contrariando o ideal bucólico dos mais românticos ou conservadores, a densificação das grandes cidades viria a inviabilizar o ideal utópico dos que ainda acreditavam que residências deveriam edificar-se isoladamente. No plano de formação das novas cidades industriais, a verticalização torna-se um parâmetro fundamental. Gerações seguidas de arquitetos realizaram um grande empenho por corresponder a essa nova demanda programática que obrigaria, por sua complexidade, a uma profunda revisão dos conceitos vigentes nos processos projetuais; uma difícil questão, subsequente à necessidade de uma evolução imediata nos sistemas e subsistemas construtivos, sanitários, técnicos, estéticos e urbanísticos dos novos edifícios que surgiam. A verticalização da habitação, além de transformar por completo a estrutura das cidades, recondicionou, fundamentalmente,

toda

relação

existente

entre

o

homem

e

seu

habitat.(LLAMAS,1993)

O setor habitacional, como resposta a esta nova realidade, incitaria contundentemente o pensamento de ideólogos que almejavam por soluções condizentes com os novos valores e necessidades da vida moderna. Mathew Arnold, Proudhon, Carlyle, Engels, Ruskin, Fourier são exemplos de autores cuja obra exemplifica as mais diversas e contraditórias propostas do pensamento direcionado à questão da habitação nas grandes metrópoles em formação. Conhecidos como “pré-urbanistas” (Choay, 1965), enfatizavam a questão da insalubridade deflagrada por uma condição de higiene pouco admissível à permanência da vida humana, sobretudo nas cidades. Destes, Charles Fourier (1772-1837) destaca-se por projetar e idealizar o que, para muitos, seria o mais paradigmático modelo habitacional da Modernidade: a Falange.

5


Fourier, com sua exaltada busca pelo estabelecimento de novos padrões urbanísticos distantes da barbárie predominante, determinaria significativas rupturas nos sistemas de aglomerações habitacionais do passado – surpreendendo pela maneira com que seu programa se integra à estrutura do campo e, principalmente, pela capacidade de racionalização e sistematização de seus espaços e atividades. A Falange (ou comuna-tipo) viabilizaria a ocupação de aproximadamente 1.600 pessoas e substituiria por um edifício único e regular uma infinidade de habitações isoladas. Assim, o edifício idealizado por Fourier condensaria em uma estrutura unitária, todos os serviços e funções necessários para poder abrigar e ser o habitat de centenas de famílias; para tanto, seu conceito

incluía

desde

unidades

habitacionais

isoladas

até

grandes

compartimentos dedicados a atividades comuns (refeitórios, lavanderias, conselho, biblioteca, salas de estudo, templo, telégrafo etc.). Os serviços básicos de infraestrutura (esgoto, água, coleta de lixo, calefação etc.) também seriam substituídos por sistemas de aproveitamento coletivo – barateando o custo da construção. É interessante salientar que a Falange foi idealizada para abrigar uma emergente classe operária.(BENEVOLO,1994)

Figura 2 – Falange idealizada por Charles Fourier Fonte: BENEVOLO,1981

6


Esta preocupação advinda da necessidade de adensar os espaços habitáveis foi intencional e recorrente em todo o Movimento Moderno, principalmente em sua vertente racionalista – vigorado pela industrialização crescente, aludiria ao problema da moradia como vinculado ao estabelecimento de novos domínios espaciais – a intenção seria propiciar a redução dos processos de produção e, consequentemente,

adequar-se

às

novas

demandas

urbanísticas

e

orçamentárias. A densificação desse espaço torna-se inevitável, atraindo ideias e processos que almejariam a viabilidade das mais tarde chamadas “Unidades de Habitação” idealizadas por Le Corbusier. O arquiteto dedicou-se intensamente à questão da habitação coletiva (em específico à busca pela “habitação mínima”), processo que culminaria no desenvolvimento de um dos mais importantes modelos habitacionais construídos sob a regência ideológica do Modernismo: a Unité d’habitation de Marseille (1945-52). Resultado de uma insistente pesquisa para gerar um modelo habitacional proveniente do “mundo da máquina” (e não da evolução das tradicionais edificações historicamente conhecidas), a Unité d’habitation de Marseille responde a um dos principais ideais da trajetória do arquiteto. Além dos aspectos que envolvem e determinam os argumentos tipológicos destas unidades, ainda devemos reconhecer seu papel fundamental na estrutura urbanística moderna organizada e divulgada pelos CIAMs (e mais precisamente pela carta de Atenas), em que a organização setorizada e funcional proposta às cidades resultaria na necessidade de estruturar a habitação em blocos unitários, verticais e de grande densidade .A verticalização tornava-se uma solução ideal, não somente por sua capacidade de poupar o uso do solo, mas principalmente por propiciar a criação de grandes áreas verdes e, ao mesmo tempo, não impedir um desenho urbano funcional, setorizado e integrado.

7


Figura 3 – Plan Voisin, Le Corbusier Fonte: http://www.fondationlecorbusier.fr acesso em 15 de junho de 2017

É certo que desde, seu início, as especulações a respeito das habitações coletivas partem da necessidade implícita na “metropolização” das cidades como resultado do processo de industrialização. É certo também que, em muitos casos, eram projetadas como “elemento modelo” de uma complexa estrutura urbana – vinculada às necessidades advindas da “era da máquina. Contudo, ao idealizar propostas que articulam uma vasta diversidade de elementos que compõem a própria estrutura das cidades (como lazer, serviços, comércio, esportes etc.), estes projetos assumem uma especial importância no espaço urbano, resultando em verdadeiras “cidades verticais”. A verticalização da cidade expandida por toda sua diversidade de programas e exigências viria, sem dúvida, a corresponder à redução de distâncias de que os emaranhados urbanos necessitavam para viabilizar as relações de comércio, trabalho e lazer de seus habitantes. De fato, a ideia da construção de edifícios “autossuficientes”, que incorporassem na verticalidade de seu programa os serviços necessários ao cotidiano de uma célula habitacional, foi um dos mais importantes legados do Movimento Moderno. Não obstante, ainda hoje nos deparamos com projetos e obras arquitetônicas que, embora nitidamente distantes (conceitualmente) do projeto moderno, adotam esta tipologia e programa habitacional. Hoje notamos: mais 8


que a busca pela sistematização do espaço urbano, as novas propostas de habitações

multifamiliares

partem

da

consciência

de

que

a

cidade

contemporânea (moderna e não modernista) forma-se pela qualidade de seus espaços livres, de caráter público ou semipúblico, mas reconhecedores da importância da diversidade que envolve seu universo multicultural. LAMAS,1993) Na cidade moderna, os vazios entre os edifícios, e não os edifícios em si, são uma fonte de inspiração espacial. O espaço urbano é formado por agrupações verticais, contrário ao plano da terra, prolongando traços de luz, pontes e penetrações em uma horizontalidade fixa. O espaço urbano tem uma dimensão Z vertical igual ou mais importante que o plano horizontal X-Y [...](Holl,1997, p284).

Também em relação à célula residencial não vemos mais propostas sistematizadoras que representam a “planta tipo” como unidades elementares susceptíveis à repetição infinita – legado do Movimento Moderno. É comum, entre os trabalhos mais recentes, a busca pela criação de diversos subtipos combinados para corresponder à heterogeneidade da demanda, resultado das novas famílias e/ou núcleos sociais do mundo contemporâneo. Essas células residenciais ainda buscariam uma maior polifuncionalidade e flexibilidade de seus espaços em relação às suas dimensões e usos. Do ponto de vista urbano, podemos considerar que a existência de edifícios de programas

híbridos

sejam

fundamentais

à

formação

da

metrópole

contemporânea. A monofuncionalidade gerou, nas grandes cidades, a formação de periferias degradadas e dependentes que se transformaram em redutos excluídos da sociedade cívica. Diferentemente das cidades tradicionais em que existia a possibilidade de estabelecer uma satisfatória relação de usos entre trabalho, lazer, serviços e habitação, hoje vemos como inevitável a coexistência de programas, usos e tipologias para satisfazer as novas e crescentes demandas urbanas (LLOBET, 1998).

9


Figura 4 – Conjunto Habitacional Primavera. São Vicente, São Paulo Fonte: Radiodajuventude.milharal.org acesso em 26 de junho de 2017.

Em

uma

realidade

em

que

a

tecnologia

da

informação

(Internet,

videoconferência, telecomunicações etc.) distorce as relações espaciais no referente às suas distâncias e vínculos, a cidade passa a perder o domínio de suas dimensões reais e, ao mesmo tempo, a necessidade de manter antigos vínculos materiais. Porém, independentemente das especulações e ações do tempo, as “habitações coletivas” (entendidas por sua participação na questão habitacional, pela densificação e sobreposição de programas em um único edifício) ainda persistem como um importante paradigma arquitetônico. Não obstante, que fique claro: sua ideologia afasta-se da insistência modernista pela prototipação do homem e pela racionalização obsessiva da forma, mas busca na diversidade (e não na unidade) elementos que fortaleçam seus atributos. O edifício “Mitre” (1964) e o edifício “WOZOCO’S” (1995) são projetos que representam edifícios habitacionais isolados e unitários em relação ao entorno e à cidade. Suas análises buscam revelar – além de sua importância tipológica – parte das transformações ideológicas, formais e programáticas que as chamadas “habitações coletivas”, em sua busca por novas soluções para a questão habitacional, sofreram desde o início do Movimento Moderno até os dias de hoje.

10


Figura 5 – Edifício Mitre, 1964.Barcelona.Projeto de Francisco Barba Corsini. Fonte: www.arquitecturayempresa.es/noticia/edificio-mitre-simbolo-del-renacimiento-de-laarquitectura-moderna acesso em 19 de agosto de 2017.

Figura 6 –

do escritório MVRDV

Fonte: www.followthecolours.com.br/follow-decora/wozoco-conjunto-habitacional-em-

amsterda-e-um-dos-predios-mais-originais-da-arquitetura-contemporanea/ acesso em 19 de agosto de 2017

11


3.1.1 – NO BRASIL: POLÍTICAS PÚBLICAS, CONFLITOS URBANOS E O DIREITO À CIDADE A questão da habitação é considerada um dos principais problemas urbanos do Brasil. No panorama que encara a problemática da moradia junto à questão do direito à cidade, é possível notar que as reivindicações em relação à habitação emergem sob dois aspectos: solução para os graves problemas de infraestrutura e construção de moradias para atender ao déficit habitacional .É notório como os atuais problemas urbanos relacionados à habitação, refletem um século de políticas que não consideraram a população mais pobre ou, em alguns períodos, nem existiram(BONDUKI,1998). Nesse sentido, torna-se pertinente para a pesquisa uma retomada histórica da questão da habitação urbana no Brasil para compreender melhor o primeiro estudo de caso, o Conjunto Habitacional Castelo Branco, promovido pela COHAB -SPem Carapicuíba. Breve Histórico das políticas nacionais para habitação no Brasil No fim do século XIX, no Brasil, há uma junção de acontecimentos que influenciaram diretamente na ampliação e a formação dos espaços urbanos no país. O fim da escravidão fez com que milhares de negros fossem expulsos do campo e migrassem para a cidade. Concomitantemente, imigrantes europeus chegaram ao Brasil para trabalhar no campo e também na nascente indústria brasileira. Esses fatores provocaram o aumento da população nas cidades, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, fato que acarretou uma demanda por moradia, transporte e demais serviços urbanos, até então inédita (MARICATO, 1997).

No início do século XX, a primeira medida do governo foi oferecer crédito às empresas privadas para que elas produzissem habitações. Todavia, os empresários não obtiveram lucros com a construção de habitações individuais, devido à grande diferença entre os seus preços e o das moradias informais; grande parte passou a investir em loteamentos para as classes altas, enquanto outros edificaram prédios para habitações coletivas, que passaram a figurar como a principal alternativa para que a população urbana pobre pudesse permanecer na cidade, especificamente no centro, onde estariam próximos das indústrias e de outras possibilidades de trabalho. Apesar de financiar a construção das habitações coletivas, o poder público considerava os cortiços degradantes, imorais e uma ameaça à ordem pública. Assim, tendo como 12


referência os ideais positivistas, o novo poder republicano realiza, no início do século XX, uma reforma urbana no Rio de Janeiro para melhorar a circulação de mercadorias, serviços e pessoas na cidade. (BONDUKI,1998) Foram demolidos 590 prédios velhos para construção de 120 novos edifícios, o que significou a expulsão de diversas famílias pobres de suas moradias, a ocupação dos subúrbios e a formação das primeiras favelas do Rio de Janeiro (MARICATO, 1997). Somente a partir do fim da década de 1930, quando a industrialização e a urbanização do país ganham novo impulso com a Revolução de 1930, é que começa a surgir os primeiros traços de uma política para a habitação. É nesse momento, também, que a ciência e a técnica ganham maior relevância que os conceitos de embelezamento e os problemas urbanos em geral são colocados na chave do social. Fica evidente, então, que o setor privado não seria capaz de resolver o problema da habitação para as camadas populares e que tal tarefa teria que ser assumida pelo Estado, que passou a sofrer pressões dos trabalhadores e do empresariado. Como resposta, o governo propôs o financiamento, por meio dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, de casas a serem destinadas ao aluguel. Tal medida, além de insuficiente para modificar a situação da moradia no Brasil, atendia apenas aos associados dos institutos. Paralelamente à construção de novas unidades habitacionais, o Estado, sobretudo a partir de 1937 com o Estado Novo, passa a tratar os assuntos relativos às favelas e seus moradores como uma questão de polícia, o que levou à realização de diversas remoções, com a adoção de uma política de erradicação de favelas. Mas a principal marca da política habitacional do período populista foi a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), que, apesar dos resultados modestos, foi o primeiro órgão nacional criado para prover residências para a população de baixa renda (NEGRELOS,2010). A questão da escassez de moradia e a inconstância de recursos sempre persistiram, uma vez que o Estado era o principal financiador e a verba para esse órgão dependia da distribuição interna dos recursos e da situação econômica do país (AZEVEDO & ANDRADE, 1982). Outro grave problema eram as relações clientelistas e o autoritarismo, combinação característica do período populista, que determinavam as regiões onde seriam construídos os conjuntos e os critérios de seleção dos candidatos. No regime militar, o Banco Nacional de 13


Habitação (BNH) se torna o principal órgão da política habitacional e urbana do país. Prioritariamente, ele deveria “orientar, disciplinar e controlar o sistema financeiro de habitação, para promover a construção e a aquisição de casa própria, especialmente pelas classes de menor renda”. (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 61). A trajetória do SFH e do BNH não foi linear e pode ser dividida em três fases. A primeira delas, de 1964 a 1969, foi a de implantação e expansão do BNH e das COHABs, com um considerável financiamento de moradias para o “mercado popular”. A segunda fase, de 1970 a 1974, consistiu em um esvaziamento e uma crise do SFH, sobretudo devido à perda do dinamismo das COHABs, que se tornavam financeiramente frágeis devido à inadimplência causada. Isso fez com que os financiamentos passassem a ser, cada vez mais, destinados às famílias de classe média, uma vez que os juros para essa camada eram mais altos e o índice de inadimplência, se comparado com o das classes mais pobres, era menor. Inicia-se, então, a terceira fase caracterizada pela reestruturação e pelo revigoramento das COHABs, com aumento do número de moradias produzidas, a grande maioria destinada à classe média. Desse modo, as alternativas encontradas pelas famílias pobres eram as favelas e os loteamentos clandestinos das periferias das capitais e das cidades das regiões metropolitanas. Consequentemente, houve, na década de 1970, um grande crescimento dos loteamentos clandestinos nas periferias, pois a possibilidade de acesso à moradia na cidade consistia na combinação entre compra de lotes ilegais ou irregulares (que eram mais baratos) e autoconstrução. O quadro de flexibilização das leis e ausência de fiscalização dos loteadores das áreas não centrais, que permanecia desde a década de 1940, começou a se modificar no final da década de 1970, fazendo com que os lotes na periferia encarecessem. A isso, somou-se a inflação crescente e a consequente perda do poder de compra do salário, situação que levou, na década de 1980, à queda da produção e da compra de lotes nas periferias e, concomitantemente, ao crescimento do número de favelas e ao aumento das já existentes (LAGO; RIBEIRO, 1996). Na tentativa de conter esses processos e compensar a distorção das COHABs, o governo federal criou programas para “oferecer uma alternativa habitacional dentro do Sistema Financeiro de Habitação àquelas 14


pessoas marginalizadas dos programas habitacionais das COHABs” (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 104) e, consequentemente, tentar conter o crescimento das favelas. Dois anos após a extinção do BNH, em 1986, houve uma queda drástica nos recursos destinados às COHABs e os financiamentos se concentraram ainda mais na classe média. Para tentar minimizar essa situação, o governo federal lançou, em 1987, o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, da Secretaria especial de Ação Comunitária (SEAC), que tinha como objetivo financiar habitações para famílias com renda inferior a três salários mínimos. Apesar de sua grande importância (comparando ao baixo número de unidades financiadas pelas COHABs), o Programa não alcançou suas metas, pois, além da alta inflação do período, não tinha uma política e uma gestão bem definidas. É importante destacar o processo de mobilização do movimento pela reforma urbana por ocasião da constituição do Congresso Nacional Constituinte para a elaboração da nova constituição federal. Apesar das tímidas conquistas, tal mobilização fortaleceu a concepção de que as questões da cidade devem ser tratadas de maneira integrada. Além disso, a Constituição Brasileira de 1988 consolidou o processo de descentralização das políticas públicas de planejamento urbano, que ficou a cargo dos municípios. A COHAB-SP foi fundada em 1965 a partir das diretrizes do Governo Federal, que constituíram o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). E dessa forma, foi mais influenciada por essas diretrizes do que pelas experiências anteriores da própria Prefeitura no campo da habitação de interesse social, mantendo-se, na maior parte de sua história, distante, apartada, com uma atuação muito autônoma em relação aos outros órgãos da administração municipal voltados à questão habitacional. O SFH, sistema dentro do qual as COHABs foram concebidas, foi responsável por grande parcela da produção habitacional do país e por um forte impulso em sua indústria de construção civil. O SFH, criado pela Lei 4380, de 21/08/1964, juntamente com Banco Nacional da Habitação (BNH) e com o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU),) estava constituído de dois fundos, o FGTS e o SBPE, e teve o BNH como principal operador de suas ações.

15


São principais atividades da COHAB-SP: – estudar a viabilidade e planejar empreendimentos; – selecionar e adquirir terras, inclusive desapropriando; – elaborar ou contratar a elaboração de projetos; – submeter os projetos à aprovação dos órgãos de licenciamento e a agentes financeiros; – contratar e fiscalizar a execução de obras; – realizar trabalho social; – comercializar as unidades habitacionais construídas; – administrar os contratos com mutuários até a quitação; – responder pelo acionamento de seguradoras, construtoras, projetistas, e mutuários ou condomínios, em casos da ocorrência de danos às moradias construídas; e – e, mais recentemente, em parceria com cartórios, passou a articular a emissão e o registro de escrituras (MAGNAVITA,1994) Tendo urbanizado áreas que totalizam, aproximadamente, 22,3 milhões de m2 e construído cerca de 135 mil moradias (SLOMIANSKY, 2002, p. 96), a atuação da COHAB-SP marcou profundamente a paisagem da cidade. Essa marca fica mais evidente pelo predomínio das intervenções em grandes glebas – atingem 2,8 milhões m2, no Conjunto Habitacional José Bonifácio – e pela grande concentração na Zona Leste da cidade, onde estão localizadas 68% das unidades construídas. Também fora do município de São Paulo, em Itapevi e Carapicuíba, foi muito grande o impacto da implantação dos conjuntos da COHAB-SP, com sua atuação metropolitana, pois abrigam populações que representam, respectivamente, 17,6% e 21,9% das populações desses municípios (SLOMIANSKY, 2002). Os grandes conjuntos habitacionais de Itaquera, em São Paulo, e de Carapicuíba, município da Região Metropolitana de São Paulo, constituem a parte mais válida da experiência da COHAB-SP, a despeito dos inúmeros erros cometidos. BOLAFFI (1975) distingue vários tipos de erros: erros de detalhe ao nível da construção propriamente dita, devidos em parte ao caráter inovador das técnicas aplicadas e às quais as empresas de construção civil não estavam acostumadas; erros de execução também por causa da autorização dada aos moradores de se instalarem antes do término da construção dos equipamentos sociais. Mas o autor critica principalmente a concepção urbanística desses conjuntos, inspirada ainda pela Carta de Atenas: a segregação espacial das funções urbanas, a construção dos conjuntos enquanto cidades-dormitórios sem atividades produtivas no local e, enfim, 16


a ausência de áreas para postos de gasolina, pequenas oficinas de consertos, bares, etc. Ainda segundo Bolaffi (1975), é preciso apontar esses erros em evidência para corrigi-los, em vez de condenar de uma vez por todas os grandes conjuntos habitacionais, cuja vantagem repousa nas economias de escala e no recurso às técnicas de construção modernas. Em relação à produção da COHAB, NOGUEIRA (2003, p. 238) indica: A COHAB desenvolvia os projetos-tipo como um arcabouço abstrato que servia a vários processos construtivos. Em geral a própria empresa construtora elaborava o projeto executivo, o que lhe dava oportunidade de tratá-lo conforme seus

interesses.

O

que

significava

privilegiar

a

consuntibilidade

do

empreendimento sobre o seu futuro uso. A empresa promotora, dessa forma, abria mão de um controle sobre o produto final. Mas o projeto deveria funcionar como instrumento privilegiado no sentido de conferir ao espaço qualidades sensíveis concretas: textura, cor, iluminação, conforto ambiental, sem falar na divisão interna e na adequação de cada espaço às suas funções. Os apartamentos reais que surgiam desse processo pareciam destinados à inabitabilidade.

Um dos casos extremos de problemas nas obras da COHAB é o dos edifícios construídos em Carapicuíba, com a utilização de um sistema pré-fabricado desenvolvido pela empresa COAN, que utilizava gesso na estrutura das suas paredes e, portanto, foi afetado pelas chuvas e apresentou graves patologias que motivaram sua demolição por implosão (COHAB-SP, 1989, p. 17).

17


3.2

CONJUNTO

HABITACIONAL PRESIDENTE

CASTELO

BRANCO,

CARAPICUIBA-SP O conjunto Castelo Branco, em Carapicuíba, foi construído no início da década de 1980 pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo durante a gestão do ex-prefeito Reynaldo de Barros e foi considerado o maior do estado em superfície e em número de moradores sendo 2.450.356 m² construídos, e 13.504 apartamentos onde ainda moram mais de 71.800 habitantes. A produção da habitação através das COHAB-SP dava-se através de licitação pública com edital único para projeto e obra. A racionalidade necessária às construtoras e a demanda governamental de produzir o maior número de moradias foram articuladas na formação de “bancos de terras públicas”, principalmente grandes glebas, muitas vezes ainda rurais, nas periferias das grandes cidades, para a produção de megaconjuntos habitacionais (as “cohabs”) construídos com os chamados “projetos-padrão” no esquema terraplenagem + unidade mínima, enquadrando o empreendimento no padrão de maior retorno financeiro .(NEGRELOS, E.P. p.10 (2010)

Figura 7 -

Localização Cohab Carapicuíba. Fonte: Google Earth

18


Figura 8 - Conjunto Habitacional Presidente Castelo Branco. Fonte: Acervo Pessoal

Figura 9 - Ă rea da implosĂŁo. Fonte: Acervo Pessoal

19


3.2.1 Aspectos projetuais e construtivos da Cohab A atuação da COHAB-SP tem sido objeto de muitas críticas e poucos elogios. Críticas pela baixa qualidade dos conjuntos habitacionais que produziu, pela sua precária inserção urbana, resultante das grandes distâncias aos principais polos de oferta de trabalho, e da insuficiência dos equipamentos e serviços públicos e comunitários disponíveis. Críticas também pela inadequação dos valores de financiamento e dos custos de manutenção dos condomínios à capacidade de pagamento dos mutuários e permissionários (pessoas que firmam contrato de permissão de uso, que são distintos dos contratos de compra e venda firmados com os mutuários); e pela alta dependência ao Orçamento Programa do Município de São Paulo. Dependência que, em grande medida, decorre da alta inadimplência verificada no retorno dos financiamentos aos mutuários, que exige maiores aportes de recursos pela Prefeitura do Município de São Paulo, necessários para que sejam pagas as parcelas das dívidas da Companhia, contraídas com o Sistema Financeiro da Habitação. Críticas, também, pelo grande número de unidades habitacionais e áreas livres de seu patrimônio ocupadas irregularmente. E as críticas continuam sobre o que seria uma falta de agilidade para responder às necessidades de produção em grande escala, de implementação de programas e projetos diversificados, e pela morosidade dos processos de regularização fundiária de conjuntos já entregues aos moradores. A COHAB-SP é apontada como um órgão que gastaria muito para produzir conjuntos habitacionais de baixa qualidade. E teria, também, uma grande inércia que dificultaria mudanças de rumo, sendo essa apontada como uma das razões para que os novos programas introduzidos na gestão da Prefeita Luiza Erundina (mutirões com autogestão, urbanização de favelas, etc.), entre 1989 e 1992, fossem levados para a Superintendência de Habitação Popular (HABI), da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano (MARICATO, 1997, p. 49). Ermínia Maricato, abordando, de forma geral, a questão da localização dos conjuntos implantados pelos agentes promotores do SFH, menciona aspectos que também são evidentes nas intervenções da COHAB-SP: 20


.... as falhas de localização dos conjuntos e de ausência de planejamento urbano adequado, talvez tenham acarretado mais prejuízo para o interesse público, de um modo geral. O impacto sobre o mercado fundiário acarretando vetores de crescimento inadequados para as cidades, a segregação ou isolamento dos moradores que propicia, inclusive, o aumento da violência, o custo da implantação da infraestrutura que acaba por encarecer todo o mercado do lote popular, os danos ao meio ambiente, são aspectos observáveis em todo país (Londrina, Aracajú, Natal, Salvador, Belém) com trágicas consequências sociais, econômicas e ambientais. (MARICATO, 1997, p. 51).

NOGUEIRA (2003, p. 5), mesmo considerando que a construção de conjuntos habitacionais pode ter “representado uma melhoria na qualidade de vida para aqueles que antes viviam no cortiço ou na favela”, pergunta se esses conjuntos, “como obras do Estado, não poderiam ter atingido melhor qualidade, (......) não poderiam ter contribuído para enriquecer o ambiente construído dos bairros em que se situam?”. Características que, segundo COMAS (1986), são típicas dos conjuntos do BNH também aparecem nos conjuntos da COHAB-SP. Características como, descuido com a delimitação de espaços públicos, semi-públicos e privados; espaços vazios com características de “terra de ninguém”, “dificuldades de orientação que se podem creditar, em primeira instância, à repetitividade de blocos iguais em grande escala e à ausência de diferenciação clara e consistente de suas entradas, legíveis desde ruas e caminhos do conjunto”. É feita uma afirmação semelhante por RUBANO (2001, p. 60): “Blocos repetitivos de apartamentos de 4 pavimentos, com unidades nos térreos: as portas de ingresso não guardam relação precisa com as ruas internas ao conjunto, dificultando a orientação; os espaços entre edificações são coletivos e, em geral, ou não recebem tratamento algum ou são inviáveis pela topografia.” Os fragmentos urbanos hoje ocupados por conjuntos habitacionais de interesse social construídos pela COHAB-SP apresentam, além de baixa densidade populacional, outros problemas decorrentes do uso de soluções padronizadas. Entre os já citados, destacamos a ruptura com a escala do entorno de implantação, o traçado de sistemas viários complexos, a existência de porções consideráveis de áreas designadas verdes de difícil acesso e aproveitamento 21


por parte da população, grandes extensões de áreas desmatadas e enormes volumes de obras de terraplanagem para a adaptação dos projetos, elevadas porcentagens de áreas previstas para adensamentos – áreas remanescentes – ainda vazias ou, como se verá, frequentemente ocupadas com assentamentos precários e ilegais. Sobre as soluções padronizadas que estariam na origem desses problemas, Slomiansky (2002, p. 102), diz: A prática do uso do ‘projeto-padrão’ fica evidente pela adoção de soluções semelhantes nos projetos dos conjuntos habitacionais implantados em glebas de dimensões,

características

geomorfológicas

e

topográficas

diferentes,

localizados tanto em áreas urbanizadas quanto em áreas de transição urbano/rural e de programas diversificados. Essa prática se manifesta também na ausência sistemática de partidos urbanísticos, ou seja, de uma intenção que transcenda a simples e aleatória distribuição de parcelas sobre o território municipal. A produção habitacional da COHAB possui uma visão isolada de cada projeto desligado de seu entorno de implantação, mera sobreposição de partes que não conseguem integrar um todo e em que apenas se distingue uma certa conexão – um vínculo geralmente associado ao uso comum das vias de circulação principal.

As implicações dessa prática projetual se agravam se considerarmos que grande parte das glebas adquiridas pela COHAB-SP exigiam soluções urbanísticas complexas e abrangentes, por localizar-se geralmente em áreas pouco povoadas e carentes de infraestrutura, e por apresentar condições físicas desfavoráveis. Para SILVA (1997, p. 162): ...dado o porte de algumas glebas, ou agrupamento de glebas contíguas, elas exigiam planos urbanísticos complexos, ainda que os projetos fossem executados em etapas. As grandes glebas da zona de expansão urbana encontravam-se sobre solos frágeis e de declividade acentuada, exigindo projeto cuidadoso para sua ocupação, o que é o contrário do que foi feito. Os projetos da COHAB/SP foram desenvolvidos sem avaliação geotécnica e nem mesmo pedido de diretrizes aos organismos municipais.

22


Figura 10 – Vista dos edifícios da Rua do Estado, na COHAB Carapicuíba. Fonte: Google Maps

Figura 11 – Vista da Rua Tambaú. Fonte: Google Maps

23


Figura 12 – Vista da Rua Espirito Santo. Fonte: Google Maps

Figura 13 – Vista da Avenida Tancredo de Almeida Neves. Fonte: Google Maps

Do ponto de vista do projeto, é notável que a pequena distância entre as lâminas que formam o “H” em relação à altura dos prédios prejudica a insolação e a ventilação dos compartimentos inferiores, que têm janelas voltadas para a área interna onde se localiza a caixa de escadas. Isso se agrava com a muito comum geminação entre blocos em “H”, que cria fossos em que a iluminação e a ventilação são ainda mais comprometidas. A ocupação dos térreos por 24


apartamentos implica na redução da privacidade dessas unidades e obriga a que se implante, em áreas condominiais externas aos edifícios, equipamentos que são essenciais para seu funcionamento, mas que ocupam espaços que poderiam ser melhor utilizados para implantação de caminhos, jardins, áreas de lazer, etc. E também não permite a utilização dos térreos para o abrigo de veículos,

tornando

necessária

a

destinação

de

grandes áreas

para

estacionamentos. Dessa forma, com a necessidade de se ocupar tantas áreas externas aos prédios com equipamentos que poderiam ser abrigados em seus térreos, fica bastante reduzida (ou talvez até anulada) a vantagem apontada para a utilização dos térreos por apartamentos, que estaria na diminuição do custo das unidades habitacionais, através de um aumento de densidade dos empreendimentos. Mas é importante lembrar, também, da posição de autores que se contrapuseram à crítica majoritária aos conjuntos da COHAB-SP. SACHS (1999, p. 219) diz que, ao discutir sobre os conjuntos implantados em Itaquera, Gabriel Bolaffi apontava para: “o custo moderado das habitações, obtido precisamente graças às economias de escala, a despeito das irregularidades nos procedimentos dos apelos da oferta. A COHAB pôde comercializar o metro quadrado de habitação em Itaquera a 69 dólares, enquanto o preço médio em São Paulo elevava-se a, na época a 170 dólares”. Sachs reconhece que a qualidade arquitetônica dos primeiros prédios deixa muito a desejar, mas, no seu entender, a experiência dos primeiros canteiros de obras foi proveitosa para os arquitetos encarregados dos projetos implantados depois disso. Todos os esses aspectos, positivos ou negativos, estão presentes no projeto da COHAB Carapicuíba como um todo, como foi concluído ao decorrer da pesquisa e como pode ser observado através de uma breve análise das fotos do conjunto e do projeto executivo.

25


3.2.2 Implosão dos edifícios da Cohab No Brasil, de acordo com a análise da historiografia, ocorreu apenas uma implosão de conjunto habitacional de caráter público. O Conjunto Habitacional Castelo Branco, em Carapicuíba foi construído no início da década de 1970 pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo durante a gestão do exprefeito Reynaldo de Barros e foi considerado o maior do estado em superfície com 2.450.356 m² construídos e em número de habitações com 13.504 apartamentos.

Figura 14 – Esquema da volumetria dos edifícios implodidos no setor VII. Fonte : Google Maps, intervenção da autora.

26


Figura 15- Manchete da implosão em 1991. Fonte: Folha de São Paulo, 30/04/1991.

Figura 16 - Notícia da implosão dos edifícios. Fonte: O governo Luiza Erundina: cronologia de quatro anos de administração do PT na Cidade de São Paulo, de 1989 a 1992. Editorial, 1996. Ivo Patarra

A região do conjunto que foi implodida, também conhecida como Cohab VII , foi construída com cimento e gesso e, por começar a se desfazer com o tempo, foi condenada pelo IPT(Instituto de Pesquisas Tecnológicas) por oferecer risco aos moradores. Cada parcela da gleba de domínio da COHAB foi destinada a uma 27


licitação para a construção dos projetos e, no caso desses edifícios, a construtora responsável, a COAN, usou um traço inadequado do concreto em relação ao traço do gesso. A partir da análise do processo administrativo número 46 foi possível concluir que também houve um erro construtivo, à medida que alguns elementos do projeto executivo não foram respeitados, como, por exemplo, alguns pilares que foram concretados fora do lugar correto e resultaram em graves falhas estruturais que contribuíram para a degradação e posterior implosão do edifício. Em 1987 os moradores foram desalojados pela Prefeitura, sendo obrigados a sair das casas em menos de um dia. Em 1991 houve a implosão, como descrito em PATARRA(1996).

28


Figura 17- Implantação dos edifícios e equipamentos da COHAB VII. Fonte: Acervo Pessoal.

29


Figura 18 – Conjunto Castelo Branco antes da implosão. Fonte: Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura

As plantas urbanísticas dos edifícios implodidos deixam evidente a intenção projetual de qualificar aquele espaço não só com os edifícios, mas também com equipamentos de lazer e serviços (figura 10). Um aspecto positivo presente na implantação é o arranjo dos edifícios em relação ao relevo e à forma do terreno, apesar da ausência de alguns aspectos urbanísticos. Após a implosão, restou apenas o terreno vazio ainda com os destroços das fundações, as quais , segundo o processo administrativo número 106, foram consideradas inviáveis economicamente para reaproveitar.

30


Figura 19 – Implosão dos Edifícios. Fonte: COHAB SP

Figura 20 - Vista do terreno da COHAB VII. Fonte: Google Maps

31


Figura 21 – Planta Loteamento COHAB. Fonte: COHAB SP

Figura 22 – Planta Loteamento COHAB. Fonte: COHAB SP

As áreas remanescentes do setor onde ocorreu a implosão dos edificios aparece nas plantas como destinadas ao Programa Minha Casa Minha Vida (do governo federal de 2009), ou seja, essa área aparece novamente como produto dos programas de financiamento habitacional.

32


3.2.3 Análise dos processos administrativos PCS 17 - Anteprojeto Construído em 1973, o conjunto habitacional em sua totalidade contava com 924 edifícios e 4.848 unidades habitacionais de 61m2. No anteprojeto da área implodida aparecem setores com vias pavimentadas, redes de água e esgoto, duas escolas primárias um centro comercial e um comunitário. A principal característica do partido urbanístico adotado na implantação do conjunto foi sua adequada adaptação ao relevo do terreno, bastante movimentado. A locação dos edifícios permitiu sua implantação de forma escalonada de acordo com o relevo e isso suavizou a sensação confinamento, característica presente na maioria dos conjuntos habitacionais de grande escala.

Figura 23 - Implantação do setor Cohab VII com os equipamentos previstos, Fonte: Processo Administrativo n.º 17- COHAB-SP

33


Figura 24: Análise da volumetria da implantação. Fonte: Acervo pessoal

PCS 046 - Demolição O IPT (Instituto de Pesquisas Técnologicas) fez uma análise das estruturas do conjunto e acompanhou a implosão. O custo da implosão foi de R$ 80.000 e, no ano de 1991, obteve-se licença para demolição dos 10 prédios (com área total de 16.685m2). Em março de 1991 informa-se que os prédios localizados na Avenida Amazonas encontravam-se em completo abandono e pondo em risco os moradores dos prédios adjacentes. Outro aspecto abordado nos processos administrativos da implosão é a má execução da parte estrutural do projeto, logo que os pilares não respeitavam as dimensões mínimas da norma NBR-6118. De acordo com estudos contratados pela COHAB-SP os pilares poderiam suportar a carga vertical dos edifícios se a estrutura tivesse sido executada de acordo com o projeto. A partir da análise dos laudos da implosão dos edifícios fica evidente que o desenvolvimento de novos materiais deve ser realizado e testado de maneira mais criteriosa, ou seja, envolvendo testes da tecnologia usada. 34


A ausência desses testes pode gerar o aparecimento de patologias construtivas que resultam no desperdício do dinheiro público e riscos aos usuários. Principais falhas apontadas pelo laudo da implosão, segundo o processo administrativo n.º 46: 

Desenvolvimento do sistema construtivo de maneira mais rápida e barata;

Uso de material novo sem investigação com base cientifica e tecnológica;

Ausência de metodologia de controle de qualidade adequada a nova tecnologia.

Foram feitas análises nos prédios do entorno para verificar a ausência de danos na estrutura. A empresa responsável pelo desmonte e implosão dos prédios foi a CDI Consultoria. Os pilares estavam comprometidos, pois apresentavam falhas de concretagem e, de acordo com as análises, 63% não cumpriam sua função estrutural, ou seja, a capacidade portante dos prédios estava bem afetada. Todos os pilares apresentavam corrosão nas armaduras, que estavam posicionadas de forma incorreta.

35


Figura 25 – Vista de um dos prédios do conjunto. Fonte : Processo Administrativo n.º 46- COHAB SP

Figura 26 – Retirada do concreto plástico químico. Fonte: Processo Administrativo n.º 46 - COHAB SP

36


3.3 Conjunto Habitacional PRUITT IGOE

O Conjunto Habitacional Pruitt-Igoe, na cidade de Saint Louis, Missouri, foi resultado da consolidação de um projeto vinculado à mesma vertente teórica que antecede a construção de Brasília: o urbanismo moderno que responde às configurações funcionalistas, compreendido como fruto do ideário defendido nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. Os arquitetos que estavam desenvolvendo a nova arquitetura dentro do movimento moderno tinham necessidade de reunir as suas experiências e encontrar caminhos e soluções para problemas comuns do meio urbano. Entende-se que a nova arquitetura não devia ser obra de personalidades individuais, mas uma colaboração que permitisse resolver as questões trazidas pela nova arquitetura, ao mesmo tempo que buscava encontrar uma unidade de expressão. (JACOBS,2012) Nesse quadro, em 1940 a cidade de Sant Louis sofria uma crise causada pelo crescimento descontrolado. A migração de outras cidades e estados e a falta de políticas

públicas

fizeram

com

que

crescessem

periferias

pobres

e

marginalizadas, e essa expansão ameaçava atingir o centro da cidade, causando a diminuição do valor do solo. Em 1950 foi aprovado um projeto da prefeitura que propunha a demolição das favelas e a venda dos terrenos para a iniciativa privada a baixos preços, de modo a assegurar a ocupação pelas atividades comerciais e pela classe média. A construção de novos conjuntos habitacionais densos e verticais, foi a solução de modo a acomodar a imensa população pobre da cidade em pouco espaço. Houve alternativas de projeto para o conjunto habitacional, como a proposta de prédios de dois ou três pavimentos acompanhados por um grande parque público, e foi idealizada por Joseph Darst, prefeito eleito em 1949. Um premiado projeto também de caráter modernista, Cochran Gardens, também foi concebido, servindo para abrigar segmentos mais pobres e, ao contrário do Pruitt-Igoe, sua tipologia habitacional contava com espaços públicos e grandes varandas.

37


Figura 27– Conjunto Cochran Gardens.Arquitetos Hellmuth, Yamasaki & Leinweber. Fonte: http://www.builtstlouis.net/cochrangardens01.html acesso em 15 de junho de 2017

Figura 28 – Demolição do Cochran Gardens em 2008. Fonte: http://www.builtstlouis.net/cochrangardens01.html acesso em 15 de junho de 2017

38


Segundo o teórico e historiador Charles Jencks, a morte da Arquitetura Moderna deu-se em um momento preciso da história: a implosão do conjunto Pruitt Igoe em julho de 1972. Previamente, os edifícios já haviam sido vandalizados, mutilados e desfigurados pelos habitantes e, apesar dos investimentos direcionados à sua reabilitação, o conjunto foi posto abaixo sem deixar rastros e colocou em questão aspectos do planejamento urbano e da arquitetura em si (JENCKS,2002) .Um dos principais questionamentos se refere à importância de manter os conteúdos históricos e a falta de material relacionado aos aspectos projetuais e de todo esse processo de degradação e demolição dos edifícios, logo que é indispensável para a formação da crítica e análise do projeto.

3.3.1 Aspectos Gerais e de Projeto

O conjunto estava constituído por 33 edifícios organizados em blocos de quatorze pavimentos, com o sistema de “ruas elevadas”, que eram mais seguras para acessar as unidades sem o encontro com as vias de circulação de veículos. Assim, havia uma separação entre tráfego de pedestres e veículos, os espaços livres entre os edifícios eram destinados a lazer e espaço de convivência entre os moradores. Minori Yamasaki, arquiteto responsável pelo projeto tentou reproduzir aspectos de Manhattan e incorporá-los ao conjunto mas devido a fatores, que serão tratados posteriormente, a experiência não se consolidou (MOORE, 2012).

39


Figura 29 – Implantaçao do conjunto habitacional Pruitt Igoe. Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-21785/cinema-e-arquitetura-filme-the-pruitt-igoe-

myth-an-urban-history acesso em 15 de junho de 2017

Figura 30 – Conclusão do conjunto em 1954. Fonte: http://www.magicalurbanism.com/archives/2868 acesso em 15 de junho de 2017

40


No que diz respeito ao projeto, os espaços coletivos entre os edifícios eram amplos mas sem qualificação específica e seus componentes funcionais e racionais da organização sugeriam que aquele projeto seria duradouro. No entanto,

em

1972,

o

imenso

complexo

habitacional

foi

demolido

(BRISTOL,2004). As explicações mais concretas estão relacionadas com a política de segregação racial da época (uma espécie de confinamento dos negros; Pruitt recebia apenas negros, enquanto Igoe era um conjunto misto). O condomínio nunca alcançou lotação completa. “Aspectos modernistas” foram questionadas e considerados como problema, como, por exemplo, o fato de nem todos os pavimentos serem servidos pelo elevador (uma medida para socializar os moradores, ao necessitarem trafegar pelas escadas). Não demorou para que segmentos externos aos moradores ocupassem os apartamentos abandonados, fazendo de Pruitt-Igoe um ponto de tráfico de drogas. Em 1971, apenas 600 pessoas ainda moravam no conjunto. Dezessete edifícios estavam abandonados e devidamente lacrados.

Figura 31 – Degradação dos espaços. Fonte: Documentário The Pruitt-Igoe Myth: an Urban History.

Chad Freidrichs,Jaime Freidrichs.2012.

41


Figura 32 – Fachada do edifício antes da implosão. Fonte: Documentário The Pruitt-Igoe Myth: an Urban History.

Chad Freidrichs,Jaime Freidrichs.2012

Segundo ex-moradores os elevadores paravam de funcionar, incineradores de lixo falhavam, havia canos estourando no inverno, marginalização e gangues. Pruitt-Igoe ainda sofreu as consequências de ser o primeiro conjunto inter-racial, os habitantes eram negros, imigrantes do interior, cujas primeiras moradias em Saint Louis haviam sido em lugares marginalizados. Porém a população branca, na medida em que era expulsa dos subúrbios, foi crescendo ao longo da vida do conjunto e os conflitos raciais aumentaram. Como consequência de estar sob condição de beneficiários de política social, os habitantes começaram a ser submetidos a regras cada vez mais duras. Entre estas, destaque-se a de que as famílias perderiam seus direitos se houvesse um homem em casa. Televisores e telefones foram proibidos. A consolidação de Pruitt-Igoe foi vítima da redução populacional da cidade de Saint Louis em 50%. Neste contexto, a enorme escala do projeto prevista para uma cidade em expansão, perdia o todo o seu sentido. Os depoimentos dos moradores, apesar da degradação, não renegam a arquitetura de Yamasaki. Pelo contrário, justamente são as qualidades das habitações que são ressaltadas. Quando a vida em Pruitt-Igoe é comparada com a prisão é em referência às normas do serviço social e não ao projeto. Não há tampouco nenhuma sugestão de que se o projeto tivesse sido feito em outro “estilo”, o respondendo a conceitos de outro tipo de arquitetura, conjunto poderia ter sido salvo. É possível que se os edifícios fossem baixos não teria havido o 42


problema do elevador, além de que os espaços muito abertos podem ter contribuído para a violência e ausência de lei, como sugeriu Jane Jacobs em 1961. Outro aspecto notável é a diferença entre a implantação do projeto e a forma urbana do entorno, pelas poucas imagens é possível notar que havia uma enorme diferença formal em relação à vizinhança podendo ter contribuido para um processo de degradação.

Figura 33 – Área de convivência. Fonte: Documentário The Pruitt-Igoe Myth: an Urban History.

Chad Freidrichs,Jaime Freidrichs.2012

Em 1968, o Departamento de Habitação começou a incentivar os moradores restantes a deixar Pruitt-Igoe. Em dezembro de 1971, as autoridades estaduais e federais concordaram em demolir dois dos edifícios com explosivos já que o conjunto já havia consumido 57 milhões de dólares, e mesmo diante dessa situação de abandono o estado do Missouri considerou algumas hipóteses para reabilitar o restante dos prédios, tais como diminuir a altura até quatro andares e reorganizar sua implantação (BRISTOL,2004).

43


Depois de meses de preparo para a implosão, o primeiro edifício foi demolido em 16 de março de 1972 e o segundo caiu no dia 22 de abril do mesmo ano. Em 15 de julho de 1972, a primeira fase da demolição havia terminado e, após o governo abandonar os planos de reabilitação, os restantes dos edifícios foram implodidos nos três anos seguintes e o local foi finalmente interditado em 1976 com a demolição do último bloco (BRISTOL,2004).

Figura 34 – Implosão dos primeiros edifícios. Fonte: Documentário The Pruitt-Igoe Myth: an Urban History.

Chad Freidrichs,Jaime Freidrichs.2012

44


3. EDIFÍCIOS HABITACIONAIS IMPLODIDOS.OUTROS EXEMPLOS

No decorrer da pesquisa, foi indispensável ampliar a busca por outros edifícios de caráter habitacional que também foram implodidos em situações próximas às analisadas nos estudos de caso. O primeiro encontrado foi um edifício residencial em Les Mureaux, na França, foi implodido em 2010 dentro de um plano de renovação urbana. Tal plano foi responsável por intensificar as demolições e passou a ser símbolo da modernização técnica do progresso social.

Há uma dificuldade na busca de conjuntos implodidos de caráter habitacional, porém de acordo com uma breve analise da tese de doutorado, defendida por Beja (2014), é possível atentar-se para os desdobramentos de dois territórios emblemáticos de habitação social na periferia de São Paulo e Paris, e propor um entendimento simultâneo da situação da França, confrontada com a história de um fragmento do maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina, a Cidade Tiradentes, como estratégia para compreender a história da habitação social em ambos dos países (MORAIS,2016).

Outro edifício de habitação implodido foi Red Road Flats, na Escócia, a demolição foi decorrente de fatores construtivos e de agravantes sociais (MORAIS,2016).

Figura 35 – Demolição dos edifícios Red Road Flats na Escócia.

Fonte: MORAIS,2016

45


Figura 36 - Edifício residencial em Les Mureaux,França.

Fonte: www.g1.globo.com/mundo/noticia/2010/10/predio-e-implodido-na-franca.html acesso em 19 de agosto de 2017

No contexto nacional, buscamos por registros sobre a Operação São Vito que aconteceu na cidade de São Paulo em 2010, apesar de ainda não encontrar-se muitos registros historiográficos. Segundo BONDUKI para o jornal Carta Capital, a prefeitura decidiu desapropriar e demolir dois edifícios residenciais de grande dimensão no centro da cidade, gastando quase vinte milhões de reais para subtrair 738 unidades habitacionais e 28 mil metros quadrados de área construída. Os edifícios São Vito e Mercúrio foram projetados e construídos nos anos 50 pela Construtora Zarzur & Kogan, num período em que este modelo imobiliário de grandes edifícios de uso misto estava em alta. Embora fizessem parte da mesma estrutura construtiva, o São Vito e o Mercúrio formaram dois condomínios diferentes, sendo o primeiro dividido em 603 quitinetes e o segundo em 135 apartamentos de um quarto. Tratava-se de uma alternativa habitacional de baixo custo na área central da cidade. Embora pequenas, estas unidades serviam para quem buscava morar perto do trabalho, uma opção de moradia metropolitana que é necessária numa cidade como São Paulo (BONDUKI,2010). Caracterizado pela má administração, o São Vito tornou-se símbolo da degradação da área central paulistana, devido à sua deterioração.

46


Era de extrema urgência uma intervenção do poder público, que veio a acontecer mais tarde na administração da prefeita Marta Suplicy. Vale ressaltar que o Edifício Martinelli, o Conjunto Nacional e o Copan também passaram por intensos processos de degradação, foram recuperados e hoje são ícones da metrópole paulistana.

Em 2003, o São Vito foi desocupado com o objetivo de ser recuperado e equipamentos sociais de apoio à moradia foram previstos no térreo e na cobertura, possibilitando uma maior inserção social dos moradores. Com a mudança administração municipal em 2005, o governo de José Serra paralisou este programa e, em 2006, já sob gestão de Gilberto Kassab, resolveuse interromper o projeto de reabilitação do São Vito, alegando-se que a obra geraria unidades habitacionais de R$ 80 mil reais, custo que seria superior ao que a prefeitura considerava o “teto” de uma habitação de interesse social. Não foi considerado que o edifício tinha um excelente aproveitamento do solo pois alojava centenas de famílias em um pequeno terreno e principalmente não se calculou o passivo ambiental que a demolição iria gerar (BONDUki,2010). Uma ação judicial, apresentada pela Defensoria Pública, buscou impedir a demolição, mas a prefeitura ganhou o direito de demolir os edifícios. Não podendo implodir os edifícios, devido ao risco de estilhaçar os vitrais seculares do mercado municipal, a Prefeitura iniciou um longo processo de demolição manual de um edifício de quase noventa metros de altura.

Figura 37 - Edifícios Mercúrio e São Vito. Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1155719 acesso em 19 de agosto de 2017

47


4.CONCLUSÃO Os Programas de Habitação implementados pelo poder público expõem a existência de uma enorme insuficiência na consideração de algumas questões essenciais para a sua correta concepção. Uma das principais questões trata-se da identificação, mapeamento e priorização da demanda habitacional a ser atendida, providência tão mais importante quando se tem consciência da escassez de recursos disponíveis para os investimentos na área. Percebe-se a necessidade de compatibilizar os programas habitacionais com o esforço do planejamento urbano voltado para atender um maior adensamento populacional, seja pela máxima verticalização de bairros que se mostrem para tanto adequados, seja pela plena ocupação de espaços vazios de pequeno, médio e grande portes ainda existentes na região de urbanização já consolidada ou parcialmente consolidada. No caso do conjunto Pruitt-Igoe, vários fatores sociais colaboraram para a sua degradação, porém é inevitável questionar se o conjunto não poderia ter sido reabilitado, pois ao contrário do Conjunto Castelo Branco, sua estrutura não estava comprometida e não apresentava riscos à população. No âmbito da degradação de edifícios habitacionais no Brasil, a implosão do Conjunto Castelo Branco deu-se por uma falha estrutural que comprometeu toda a estrutura dos edifícios. Apesar desse ser um fator construtivo, ao analisar alguns dos processos administrativos que justificam a implosão, fica evidente que a implosão também foi justificada através de alguns fatores sociais como a marginalização do lugar. As primeiras etapas da pesquisa foram primordiais para sistematizar os dados historiográficos encontrados ao decorrer desse percurso. É imprescindível formular uma análise sobre a crítica aos conjuntos e sua implementação em cada caso estudado analisando sempre a partir das suas particularidades. As reuniões em grupo de orientação e pesquisa forneceram embasamento histórico acerca da produção habitacional em si e sobre sua prática na cidade e contribuíram para ampliar o campo da pesquisa sem deixar de lado seu caráter historiográfico. Ao que diz respeito a implosão dos conjuntos ficou tangível ao decorrer do estudo que o projeto arquitetônico e urbanístico não é excludente, mas sim sua 48


execução que, muitas vezes, não incorpora muitos elementos previstos e isso culmina na baixa qualidade urbanística dos conjuntos em sua totalidade. O projeto inicial dos conjuntos previa áreas qualificadas, no entanto boa parte desses componentes não saiu do papel e isso levanta a questão de que esse fator pode ter colaborado diretamente para sua posterior implosão. Portanto, conclui-se também que no campo de análise dos conjuntos habitacionais estudados é essencial analisar não só os aspectos negativos que precederam a implosão mas também as particularidades positivas da produção dos grandes conjuntos habitacionais, que são grandes marcos na paisagem urbana atual.

49


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Carlos R. Monteiro de; BONDUKI, Nabil G., ROSSETTO, Rossella. Arquitetura & Habitação Social em São Paulo 1989-1992. São Carlos: EESCUSP, Departamento de Arquitetura e Planejamento, II Bienal de Arquitetura de São Paulo, 1993. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Urbanismo em fim de linha. E outros estudos sobre o colapso da modernização arquitetônica. São Paulo, Edusp, 1998. ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos Mutirões. São Paulo: Editora 34, 2004. AZEVEDO, Sergio de; ANDRADE, Luis A. G. Habitação e Poder: da Fundação da Casa Popular ao Banco Nacional da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. BONDUKI, Nabil G.; KOURY, Ana Paula. Os pioneiros da habitação social. Editora UNESP, Volumes 1, 2 e 3, 2014.

BONDUKI, Nabil. G. Origens da Habitação Social no Brasil. Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP, 1998.

BRAGA, Maria Ângela. Qualidade do Projeto e Qualidade da Habitação: Método de Avaliação. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 1998.

BRISTOL, G. Katharine. The Pruitt-Igoe Myth, 2004.Disponível em < http://www.magicalurbanism.com/archives/2868 BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo. O problema e o falso problema. SBPC, 20.a Reunião Anual, 1975. CANTERO, João Alberto. A questão da qualidade arquitetônica dimensional e do custo no planejamento habitacional de interesse social: a produção da COHAB-SP na década de 1990. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2004.

50


CHERKEZIAN, Henry e BOLAFFI, Gabriel. Os Caminhos do Mal-Estar Social: Habitação e Urbanismo no Brasil. In: Novos Estudos, no . 50. São Paulo: CEBRAP, março/1998. CHOAY, F. O urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 72 p.1995 COHAB-SP. Plano Trienal 1970/1972. São Paulo: mimeo, 1969 Política e Proposta de Ação. Salvador: lll Seminário Nacional de COHAB’s, mimeo, 1979. Dossiê: A Verdade sobre a COHAB. São Paulo: COHAB-SP, 1989. COMAS, Carlos Eduardo Dias. O Espaço da Arbitrariedade. Considerações sobre o Conjunto Habitacional BNH e o Projeto de Cidade Brasileira. In: Revista Projeto, no 91. São Paulo: Ed. Projeto, 1986. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Martins Fontes, São Paulo; 1ª edição, 2000. JENCKS, Charles. The new paradigm in architecture: the language of postmodernism. Yale University Press, 2002.

LAMAS, J. M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas.1993. LAGO, Luciana Corrêa do; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. A casa própria em tempo de crise: os novos padrões de provisão de moradias nas grandes cidades. In. AZEVEDO, Sérgio de; ANDRADE, Luis Aureliano G. de (orgs.). A crise da moradia nas grandes cidades – da questão da habitação à reforma urbana. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.1996. MARICATO, Ermínia. Por um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação. In Cadernos Metrópole, número 21, 1.o semestre de 2009, pp. 3352. MAGNAVITA,

Luis.

COHAB-SP

Capital:

1965-1990:

Processos

Construtivos/ Análise de uma Questão sem Resposta. Dissertação de mestrado. São Carlos: Escola de Engenharia de São Carlos/ USP, 1994.

51


MOORE, Rowan. Why we Build? Picador, London, 2012. MOORE, Rowan. Pruitt-Igoe: death of the American urban dream. A new film shows how an idealistic postwar housing project in St Louis, Missouri went disastrously wrong. The Observer Acesso em maio de 2017. Disponível em: <www.guardian.co.uk/artanddesign/2012/feb/26/pruitt-igoe-myth-film-review>. MORAIS, Pedro H. A. de.Cidades Verticais: Habitação vertical de grande escala na América Latina 1929 - 1979 .2016. NEGRELOS, Eulalia P. 2010. Habitação Social Pós-1964 no Município de São Paulo. Contribuições ao Debate sobre o Moderno e a Produção da Cidade. In Anais do XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo: a Construção da Cidade e do Urbanismo: Ideias Têm Lugar, Vitória/ES, 5-8/out. NOGUEIRA, Aída Pompeo. O Habitar no Espaço Urbano Periférico: Conjuntos de Habitação Social. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2003. OTERO, E. V., e MARTINS, M. L. R. A reabilitação de conjuntos habitacionais na cidade de São Paulo. In Revista FAAC,São Paulo 2011, vol. 1, p. 97-107. PATARRA, Ivo. O governo Luiza Erundina: cronologia de quatro anos de administração do PT na Cidade de São Paulo, de 1989 a 1992. Geração Editorial, 1996.

SACHS, Céline. São Paulo: Políticas Públicas e Habitação Popular. Trad. de Cristina Murachco. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

SANTOS, A. L. T. S. O papel das ações diretas na produção da Política Habitacional da cidade de São Paulo. In Anais do XVI Encontro Nacional da ANPUR, 2015.

SANVITTO, Maria Luiza Adams. Habitação coletiva econômica na arquitetura moderna brasileira entre 1964 e 1986. Tese de Doutorado, UFRGS, 2010

52


SILVA, Helena Menna Barreto. Terra e Moradia: que papel para o município? Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 1997. O Centro de São Paulo: que futuro para a habitação. Mimeo. S. Paulo: 2001.

SLOMIANSKY, Adriana Paula. Cidade Tiradentes: A Abordagem do Poder Público na Construção da Cidade – Conjuntos Habitacionais de Interesse Social da COHAB-SP (1965/1999). Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2002. RUBANO, Lizete Maria. Cultura de projeto: um estudo de idéias e propostas para habitação coletiva. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2001.

53


REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS Chad Freidrichs.Documentário The Pruitt-Igoe Myth: an Urban History.2012

54


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.