Relatório parcial de pesquisa Programa de bolsas unificadas 2017/2018
Cartografia dos Movimentos Sociais pelo Direito à Moradia:
identidades coletivas e territórios de ação
Aluna bolsista: Soyani Tardiolli de Figueiredo Orientação: Prof. Dr. Tomás Moreira Instituto de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo
Índice
1.Definição dos movimentos sociais ........................................................... 1 2.Históriografia e política habitacional no Brasil ......................................... 7 3. Organização em redes ...........................................................................12 4.Principais movimentos ............................................................................14 5.Conexões e Escalas de atuação ............................................................ 15 6. Escolha do estudo de caso ....................................................................18
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1.Definição dos movimentos sociais
A ocupação informal do espaço urbano ilustra o contexto que antecede o surgimento
dos
primeiros
movimentos
sociais
organizados,
mais
especificamente, os que lutam pelo direito à moradia. Há inúmeros conceitos acerca desses movimentos, o projeto de pesquisa pretende sistematizar suas definições afim de entender como esses movimentos se estruturam e como se relacionam ao longo da história. Compreender as definições, ou parte delas, é essencial para entender a organização e reorganização dos movimentos sociais pelo direito à moradia e suas relações entre si e com a conformação espacial e política das cidades. Ao decorrer do estudo, surgem alguns autores que abordam as definições sobre os movimentos e seu papel ao longo da história. Segundo Gohn (1995, p.44) sobre uma breve definição de movimentos sociais: “São ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Essa identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.”
Como foi citado, para Gohn (1995) os movimentos sociais se caracterizam por meio da junção de um grupo de pessoas com um objetivo em comum, tendo como base os valores políticos e culturais dos seus integrantes, que possibilita criar
uma identidade comum ao movimento. Além disso, o movimento social,
dependendo da reivindicação, pode ser constituído por diferentes classes
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sociais, ou seja, nem sempre se baseia na relação contraditória entre capital e trabalho enquanto percussores de tais movimentos. Outra autora que conceitua movimento social é Scherer-Warren (1984) que afirma que o movimento social possui a sua base fundamentada na organização de grupos em torno de libertação, ou seja, a busca da superação de formas de opressão, possibilitando uma sociedade diferente. Neste sentido, a forma de reagir à opressão pode ser tanto de forma ativa, quanto de forma passiva. Além disso, a autora enfatiza que com o desenvolvimento do debate sobre o movimento social, o mesmo deixou de fundamentar-se apenas no conflito de classes e passou a incorporar uma visão de mundo mais heterogênea na busca de liberdades sociais e individuais. De encontro com a definição de Scherer-Warren (1984) sobre movimentos sociais, encontramos Silva (2001, p.15) para quem o movimento social “compreende um agir através de um conjunto de procedimentos, e um pensar através de um conjunto de idéias que motivam ou fundamentam a ação individual e coletiva”. Neste sentido, tanto Scherer-Warren (1984) quanto Silva (2001) reforçam uma definição de movimento social enquanto mecanismo de alcance de objetivos coletivos e individuais, ou seja, os movimentos sociais emergem no intuito do alcance de questões pontuais O conceito de movimento social surge pela primeira vez no século XIX e tem a sua denominação pautada para designar o movimento que envolvia a classe trabalhadora, como podemos observar na citação a baixo: O termo movimento social foi criado por Lorenz Von Stein, no século XIX, por volta de 1840, na Alemanha, ao evidenciar a necessidade de um ramo da ciência social que se voltasse para o estudo dos movimentos sociais da época, como o movimento operário e o socialismo, emergente. (SILVA, 2001, p.15). A origem da terminologia movimento social tem a sua base na relação contraditória entre capital e trabalho. Nesta perspectiva, ainda segundo a autora as abordagens predominantes sobre movimentos sociais utilizadas no século XIX até os anos de 1950 do século XX, associavam o conceito de movimentos sociais com a luta de classes, que por sua vez, nesse período, são fruto do movimento operário. Segundo Silva (2001, p.17) a partir de 1951 Herbert Blumer, por meio da sociologia compreensiva, ampliará a tradicional classificação sobre os movimentos
sociais
de
“religiosos/seculares,
reformistas/revolucionários,
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violentos/pacíficos, para movimentos dos camponeses, dos negros, dos socialistas e dos nazi-fascistas. Distinguia os movimentos segundo seus objetivos, em sociais e políticos”. Os movimentos sociais também podem ser compreendidos como ações coletivas associadas à luta por interesses, vinculados à organização social e as mudanças na esfera social e cultural. Evidentemente, essa mobilização é realizada contra um opositor, que resiste e entende que os “movimentos sociais são frutos de uma vontade coletiva. Se tivermos em mente a bibliografia historiográfica brasileira sobre os movimentos sociais do início dos anos noventa, seria de se esperar que neste momento de profunda mudança da política habitacional e de ampliação e manutenção do direito à moradia digna encontrássemos movimentos sociais como elementos importantes na explicação dessa mudança. Isso porque, nesse momento, os movimentos sociais eram citados, na bibliografia, como atores que ampliavam, introduziam e reinterpretavam direitos. Na organização dos movimentos, a luta pelos direitos – tanto o direito à igualdade como o direito à diferença – constituiu a base fundamental para a emergência de uma nova noção de cidadania. Eram atores que construíam uma nova cidadania, e que, mesmo quando não conseguiam modificar as Leis em si, buscavam mudar as formas de agir do Estado. No cenário das lutas populares, há também um novo acordo que se enuncia em uma legalidade emergente construída na formas de negociações de arbitragem de conflitos, nas antes havia um jogo de força, agora reinterpreta princípios da lei e cria novos direitos, com o que o próprio sentido de lei se redefine com referência pública de legitimação de demandas
e generalização da consciência de direitos; nas relações que
movimentos organizados passaram a estabelecer com o Estado, deslocando práticas tradicionais de mandonismo, clientelismo e assistencialismo em formas de gestão que se abrem à participação popular e a formas de negociação em que demandas e reivindicações estabelecem a pauta de prioridades e relevância na distribuição dos recursos públicos, bem como a ordem das responsabilidades dos autores envolvidos e nos quais direitos e aspirações coletivas são afirmados como critérios de julgamento e legitimidade de atos públicos que afetam a vida de todos.
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Ao se afirmar que os movimentos sociais eram os introdutores e ampliadores e dos direitos da cidadania, afirma-se que o fenômeno movimento social tem um papel central na mudança da política pública, quando esta mudança leva à introdução, ampliação ou reinterpretação de direitos da cidadania. Os movimentos sociais emergiriam como sistemas típicos da sociedade funcionalmente diferenciada, mas não por possuírem uma função exclusiva. O autor Luhmann entende que os movimentos sociais não são classificáveis como sistemas funcionais da sociedade, bem como não podem ser descritos simplesmente como organizações ou interações. Trata-se de um fenômeno que não pode ser compreendido sob essa tipologia. Os movimentos sociais fazem a crítica da sociedade, logo seus alvos são as lacunas, as inconsistências, as perversões, o mau funcionamento e os efeitos do próprio funcionamento dos sistemas. A sociedade que provoca a mobilização dos movimentos sociais é uma sociedade diferenciada funcionalmente. É nesse ambiente que os protestos são construídos e solidificados. Nesses termos, os movimentos sociais estão diretamente relacionados com a diferenciação funcional, ainda que eles próprios não sejam sistemas funcionais. Possuem o papel de mostrar o descontentamento de um grupo de pessoas, que se identificam em torno do protesto, vinculando este a um tema específico, construído para combater uma estrutura que impera na sociedade e gera exclusão. Como ressalta Celso F. Campilongo, “a reação típica dos protestos é a tradução de divergências”. Por meio de comunicação divergente, os movimentos sociais têm em vista perturbar a comunicação dos sistemas funcionais que já adquiriram redundância, para, com isso, provocar variação em razão do protesto. Referindo-se a possibilidades latentes no sistema contra o qual se protesta, ou então virtualizadas enquanto possibilidades apenas no horizonte de sentido dos movimentos sociais, isso pode ocorrer, inclusive, no sentido exatamente oposto ao vigente. Daí, a pretensão generalizada dos movimentos sociais de alterar a “ordem”, de “lutar contra o sistema”. Nesses termos, a comunicação dos movimentos sociais pressupõe-se discordante. A luta é sempre por uma nova ordem, pela alteração das estruturas, do sentido regular das comunicações continuamente (re)atualizadas pelo sistema funcional.
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No início do século XX, o conceito de movimentos sociais contemplava somente a organização e a ação dos trabalhadores em sindicatos. Com a marcação desse campo de estudo pelas Ciências Sociais, principalmente a partir da década de 60, as definições, embora ainda imprecisas, assumiram uma nova consistência teórica, principalmente na obra do autor Touraine, para quem os movimentos sociais seriam o próprio objeto da Sociologia. Apesar do desenvolvimento que o conceito teve nos últimos anos, não há consenso ainda hoje entre os pesquisadores sobre seu significado. Outros estudiosos do tema, como Alberto Melucci, por exemplo, questionam o conceito de movimentos sociais por considerar reducionista, e conceitua mais como ações coletivas. Isso sinaliza para a necessidade de uma maior discussão acerca da validade conceitual do termo, mesmo porque ele vem sendo utilizado para classificar qualquer tipo de associação civil. Portanto, pode-se entender que os Movimentos sociais funcionam como expressões da organização da sociedade civil. Agem coletivamente como resistência à exclusão e luta pela inclusão social. É nas ações que se apresentam as demandas sociais que determinada classe social enfrenta, se materializando em atividades de manifestações como ocupações e provocam uma mobilização social, despertando conscientização dos demais indivíduos como cita a autora Maria Glória Gohn: “ao realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo” (2011, p. 336). Para os autores André Frank e Marta Fuentes os Movimentos Sociais são baseados “num sentimento de moralidade e (in)justiça e no poder baseado na mobilização social contra as privações (exclusões) e pela sobrevivência
e
identidade”
(1989,
p.
19).
Gohn (2014) define as principais características de um movimento social: possui liderança, base, demanda, opositores e antagonistas, conflitos sociais, um projeto sociopolítico, entre outros. Ilse Scherer-Warren (2006) concorda com Maria Glória ao definir em sentido amplo os movimentos sociais em torno de uma
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identificação de sujeitos coletivos que possui adversários e opositores em torno de um projeto social. Ao se tratar das particularidades, há os Movimentos sociais em torno da questão urbana, pela inclusão social e por condições de habitabilidade na cidade. Como por exemplos: os movimentos pela moradia, expresso em duas frentes de luta: articulação de redes sociopolíticas compostas por intelectuais de centroesquerda e movimentos populares que militam ao redor do tema urbano (o hábitat, a cidade propriamente dita). Esses grupos participaram do processo de construção e obtenção do Estatuto da Cidade; redes de movimentos sociais populares dos Sem-Teto, apoiados por pastorais da Igreja Católica e outras. Posteriormente, com o desenvolvimento da pesquisa procura-se conceituar os Movimentos Sociais pelo Direito à Moradia especificamente e entender seu funcionamento tal como sua dinâmica em torno dos conflitos urbanos atuais.
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2.Historiografia e a Política Habitacional no Brasil A partir da década de 80 a crise habitacional foi acentuada, por consequência da redução de gastos nas políticas sociais e do desemprego em massa.Com a escassez de moradia e a falta de iniciativa do poder público a população passou a ocupar áreas inadequadas para a habitação e utilizou-se da autoconstrução como estratégia para viabilizar um meio de morar, dando início ao processo organizacional em torno da luta pela moradia. Junto a luta pela habitação, seguese a luta pelo acesso aos serviços urbanos, aos equipamentos comunitários necessários à educação, à saúde e à mobilidade urbana - condições indispensáveis para a integração socioespacial e fundamental ao exercício do direito à cidade. Nesse contexto, constituíram-se os principais sujeitos políticos - os movimentos sociais de luta pela moradia, que podem ser definidos, segundo o autor Scherer Warren (2009), como aqueles movimentos que conectam sujeitos individuais e atores coletivos em torno: (i) de identificações comuns; (ii) de um campo de conflito e de seus principais adversários; (iii) e de um projeto ou utopia de transformação social. Na América Latina, mais especificamente no Brasil, os movimentos sociais urbanos se consolidaram no período da ditadura militar, na década de 70, em torno das lutas pela moradia, regularização fundiária, saúde e saneamento, tendo a Igreja progressista um forte papel no desenvolvimento desse processo. No período de redemocratização, na década de 80, os movimentos de moradia passaram a se articular com outras organizações da sociedade e ampliaram o sentido da luta em torno do direito à moradia para o direito à cidade, constituindo-se uma rede de reforma urbana. Nos anos 2000, o direito à moradia foi reconhecido como um direito fundamental na Constituição Federal do Brasil e a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, formalizou-se como referência para a regulação do uso do solo e a implementação de uma política fundiária urbana. Ainda assim, essas conquistas não marcaram uma mudança definitiva na política urbana brasileira, marcada pela segregação socioespacial e pelas escassez da moradia. No programa que propõe uma nova reforma urbana acentuam-se não somente o acesso universal aos serviços urbanos por meio das principais políticas urbanas, mas, a
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adequação do espaço urbano como forma de espaço de encontro, do trabalho e de lazer. O caráter político emancipatório da rede de reforma urbana está expresso nas lutas dos movimentos sociais para a realização de processos auto gestionários nas cidades e para a participação social nos processos de planejamento e gestão municipal, materializando o que Harvey (2005) anunciaria como a utopia de espaço e de processo. É neste contexto que vão se inserir as lutas dos movimentos de moradia e reforma urbana tanto por políticas de habitação de interesse social voltadas para grupos auto gestionários como pela radicalização da participação social nos processos de formulação e gestão das políticas urbanas.
Figura 1 – Linha do tempo Fonte: Acervo do autor
Os movimentos sociais tem características emancipatórias a medida que lutam para que os processos auto gestionários se concretizem nas cidades e para que exista
participação
social
nos
planejamento
e
na
gestão
municipal,
materializando o que Harvey (2005) descreve como a utopia de espaço e de processo. Nesse cenário que se insere as lutas dos movimentos de moradia e reforma urbana tanto por políticas de habitação de interesse social voltadas para
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grupos auto gestionários como pela radicalização da participação social nos processos de gestão das políticas urbanas.
Como consequência da crise habitacional, vão se constituir, nos anos 80, os dois principais movimentos de moradia do Brasil: a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). A UNMP surgiu em 1989 e estabeleceu-se a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro projeto de lei de iniciativa popular que criou o Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social no Brasil, a Lei 11.124/2005. Atua em 19 estados brasileiros e está centrada não somente na luta pelo direito à moradia, mas também por reforma urbana e autogestão, desenvolvendo processos de construção por mutirão como estratégia para o fortalecimento do caráter coletivo. O MNLM foi criado em 1990, a partir do I Encontro Nacional dos Movimentos de Moradia. Concretizou-se depois das ocupações nas áreas de conjuntos habitacionais nos centros urbanos. Está presente em 18 estados brasileiros e pretende envolver a organização nacional dos movimentos de luta pela moradia desenvolvidos pela população “sem-teto” e ocupantes, unificando suas lutas pela conquista da moradia e pelo direito à cidade. Além dos movimentos sociais mais dois compõem a rede de movimentos nacionais que vem incidindo tanto nos programas auto gestionários, como nas esferas institucionalizadas de participação, a exemplo do Conselho das Cidades: a Confederação Nacional do Brasil está presente em cinco regiões, e em vinte seis estados e no Distrito Federal, Associações de Moradores (CONAM) e a Central dos Movimentos Populares (CMP). A CONAM é fundada em 1982 e tem como objetivo criar uma entidade que reunisse todas as associações comunitárias do Brasil. Já a CMP5 é criada em 1993 com a proposta de unificar os movimentos populares: movimentos de negros, mulheres, moradia, cultura, rádios comunitárias, indígenas, etc.No mesmo período , o processo de elaboração da Constituição Democrática de 1988, que previa a possibilidade – conquistada pelos movimentos sociais – de apresentação de emendas populares, impulsionou a articulação de entidades para debater uma proposta de Emenda Popular de Reforma Urbana, que acabou
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resultando na organização do Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), que
posteriormente foi chamado de Fórum Nacional de Reforma Urbana
(FNRU). Posterior a sua criação, o FNRU tem reuniões regulares, conduzindo junto ao governo uma plataforma que tem como princípios a função social da propriedade e da cidade, a política urbana acessível e a gestão democrática e participativa das cidades. UNMP, MNLM, CONAM e CMP são movimentos sociais articulados em redes e fóruns, que compartilham estratégias de caráter político, atuando tanto em esferas institucionais, como os conselhos de gestão pública, como em ações societárias. A atuação dos movimentos de moradia tem o papel de reformular a lógica de funcionamento cidade como um valor de troca, resgatando seu valor de uso. Após a Constituição, o movimento de reforma urbana continua a utilizar o ideal emancipatório que originou sua articulação, a utopia do direito à cidade. Assim, apesar da Constituição ter incorporado poucas propostas da Reforma Urbana, elas são a referência para que o movimento incidisse sobre as constituições estaduais e municipais elaboradas posteriormente, influenciando de forma determinante as políticas urbanas dos anos 90. No contexto nacional, os movimentos centraram suas lutas em torno da regulamentação do capítulo da política urbana da Constituição Federal através de lei federal (o Estatuto da Cidade, que só virá a ser aprovado em 2001) e da proposta de implantar uma lei para um Fundo Nacional de Moradia Popular (FNMP) que garantisse investimentos para a moradia popular e viabilizasse recursos permanentes para a autogestão na habitação social. O processo de aprovação dessa lei manteve unificado os movimentos de moradia e a sua articulação junto ao movimento de reforma urbana, de forma a possibilitar avanços na definição da política nacional de habitação. Na esfera da política urbana, em 2003 foi criado o Ministério das Cidades, que era reivindicação antiga do FNRU. Houve uma ampliação da participação social na gestão das políticas, instituindo-se o processo de conferências e o Conselho das Cidades (2004), expandindo assim a atuação dos movimentos sociais nas esferas institucionais.
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Ainda nesse período novos movimentos sociais surgiram, resultado do quadro político-econômico da época. Os mesmos se diferenciavam tanto dos movimentos sociais clássicos - dos quais o movimento operário é sempre tido como exemplar - como também dos movimentos sociais dos anos 70, populares e não populares. Questões complexas que surgirão ao final dos anos 80, ligadas ao plano da moral, da ética na política, estiveram presentes nesses movimentos. Sua importância está explicita no papel que desempenharam na política brasileira. O das Diretas Já, por exemplo, surgiu no momento de pico de um ciclo de protestos, contra o regime militar e a política excludente de desemprego, e demarcou o início de um novo ciclo de protestos, então centrado na questão da Constituinte.
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3.Organização em redes A organização dessas ações coletivas contemporâneas é dada através de uma rede de movimentos, caracterizada por grupos que compartilham uma cultura de movimento e uma identidade coletiva. Como os atores coletivos podem ser considerados temporários, essas redes fazem e desfazem seus nós, tornando problemática a definição de movimentos sociais como sistemas fechados. Em outros termos, o campo de ação permanece, mas não seus atores. De acordo com Melucci (1999, p. 74-5), as redes são formadas por pequenos grupos imersos na vida cotidiana com fins específicos e caracterizam-se pela associação múltipla, pela militância parcial e efêmera, e pelo desenvolvimento pessoal e solidariedade afetiva como condições para participação. As redes apresentam dois aspectos importantes: a latência, que permite experiências com novos modelos culturais, criando novos códigos; e a visibilidade, estratégia de enfrentamento de uma autoridade específica contra uma lógica de tomada de decisão. A pesquisa busca sistematizar a organização dos movimentos sociais em redes de acordo com as suas escalas e entender como eles se relacionam e as suas dinâmicas. Segundo Scherer-Warren (2006): “As redes de movimentos sociais são constituídas em um processo dialógico: a) de identificações sociais, éticas, culturais e / ou políticoideológicas, ou seja, formam a identidade do movimento; b) intercâmbios, negociações, definições de conflitos e campos de resistência para adversários e mecanismos de discriminação, dominação ou exclusão sistêmica, ou seja, definir seus oponentes; c) com vista à transposição dos limites desta situação sistêmica na direção da realização de propostas ou projetos alternativos, ou seja, eles estabelecem seus objetivos, ou eles construem um projeto para o movimento”
Os movimentos sociais não estão restritos apenas aos conflitos de um sujeito em situação privilegiada, mas passam a funcionar como agentes que estão conectados. A ideia de redes permite superar a exigência da ação dos atores sociais. Ao contrário da busca de conflitos de interesses nos projetos dos atores sociais isoladamente, a ação coletiva contemporânea requer que o olhar se volte para os pontos nos quais as diferenças se tangenciam. Pode-se afirmar que
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diante da diversidade de atores sociais já não é mais possível falar de um movimento social sem considerar sua posição em alguma rede de movimentos sociais. A importância política das redes se evidencia diante do que Bauman (2001) chama de crise da noção de cidadania, provocada pela intensificação do processo de individualização. O outro lado da individualização parece ser a corrosão da ideia de cidadania. Se antes cabia aos cidadãos a defesa da esfera privada contra a invasão das tropas da esfera pública e do Estado opressor, hoje se trata de defender o domínio público. Esse papel é desempenhado pela ação coletiva, que se direciona para a articulação em redes, como um tipo de resposta aos problemas gerados pela globalização. A organização desses movimentos enquanto rede é um dos aspectos mais relevantes ao estudo a medida que é possível compreender seu funcionamento através da forma como se relacionam entre si e entre os outros movimentos externos. Outro fator que é importante considerar ao analisar esses movimentos está ligado com a escala de atuação e a forma como eles se relacionam entre si e conseguem atuar a partir dessas relações. Scherer-Warren (1984) afirma que "o princípio de articulação define-se (...), a partir de uma identidade que se constrói no plano dos valores, em torno de uma concepção de mundo" (p. 119). "Ainda que de forma hipotética", sugere que as redes de movimentos que vêm se formando no Brasil apresentam algumas características em comum", tais como, "busca dearticulaçãode atores e movimentos sociais e culturais, transnacionalidade, pluralismo organizacional e ideológico, atuação nos campos cultural e politico" (p. 119). Após explicar cada uma destas características, conclui algumas "questões/guias para investigação futura, que conduzem a pensar sobre significados politicos potenciais para as redes de movimentos", tais como:"construçãode novas utopias", "práticas democráticas mais tolerantes com a diversidade, mas não à desigualdade", "um novo imaginário social de paz e não violência", e "em que medida a atuação das redes de movimentos nos campos cultural e político constitui-se em possibilidades de penetração/ participação da sociedade civil na transformação da sociedade política propriamente dita" (p.123).
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4.Principais Movimentos Sociais pelo Direito à Moradia A partir dos primeiros levantamentos bibliográficos foi possível apontar os principais movimentos que lutam em defesa da moradia e do direito à cidade. Os quais estão presentes atualmente no cenário nacional e possuem papéis diferentes de acordo com sua escala de atuação. Os grupos mais populares são: MST - Movimento dos Sem-Terra MTST- Movimento dos Trabalhadores Sem Teto FBP- Frente Brasil Popular CMP- Central dos Movimentos Populares UNMP- União Nacional por Moradia Popular UMM- União dos Movimentos de Moradia MPM- Movimento Popular por Moradia FLM- Frente de Luta por Moradia MMC- Movimento de Moradia o Centro ULC- Unificação das Lutas e Cortiços MDF- Movimento de Defesa dos Favelados
Os movimentos citados acima estão presentes em todo o estado de São Paulo, e também em outros estados do Brasil, e se relacionam entre si de diferentes formas dentro da escala de atuação e das suas demandas. O projeto de pesquisa pretende sistematizar em forma de cartografia o sistema de atuação dos movimentos sociais dentro do estado e situar suas proporções.
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5.Conexões e escalas de atuação dos movimentos Como foi abordado anteriormente, a atuação dos movimentos de luta por moradia é marcada pelas suas conexões e pela influência direta que um grupo tem sobre o outro. Um dos principais objetivos da pesquisa é expor, através da cartografia, como se estruturam os movimentos sociais em defesa ao direito à moradia. Com o intuito de sistematizar os dados encontrados, foram produzidos alguns mapas a partir da escolha de algumas cidades principais onde os Movimentos Sociais em defesa do direito à moradia atuam no estado de São Paulo. O primeiro passo da produção das cartografias foi sinalizar as principais cidades dentro do estado de São Paulo, posterior a isso, apontar os movimentos que atuam nas cidades em destaque e em seguida ilustrar a escala da atuação e suas respectivas conexões.
Figura 2 – Principais centralidades Fonte : Acervo do autor
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Figura 3 – Movimentos atuantes Fonte: Acervo do autor
Figura 4 – Conexões entre os movimentos Fonte : Acervo do autor
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Figura 5 – Escalas de atuação Fonte : Acervo do autor
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6.Escolha do estudo de caso Uma das etapas da pesquisa está ligada com a escolha de uma cidade onde há um movimento social de luta por moradia atuando. Em um primeiro momento, a cidade escolhida foi São Carlos no interior de São Paulo, devido à presença do MTST na cidade e com uma comunidade que luta pela regularização da moradia de um grupo de famílias. Ainda não se sabe como o movimento começou sua atuação na região, mas com o decorrer da pesquisa o objetivo é investigar os antecedentes da aproximação. A atuação do MTST está presente na Ocupação em Busca de Um Sonho no bairro Cidade Aracy, onde 134 famílias moram em condições vulneráveis em uma área pública que é descrita no plano diretor como destinada para uso institucional. O movimento atua com a comunidade na medida que promove o diálogo entre os moradores e os agentes da prefeitura e garante o fortalecimento da luta pelo direito à moradia. A escolha por sistematizar os movimentos sociais através das cartografias se justifica a partir da experiência de atuação com o MTST na Ocupação em Busca de um Sonho. O primeiro contado foi durante a atividade de formação do MTST que aconteceu dentre da ocupação e foi organizada por três integrantes do movimento central. A dinâmica da formação se estruturou em passar aos moradores um pouco do conceito de função social da propriedade e mostrar pra população que eles não são invasores e que a luta por moradia não é uma problemática recente. Outra conduta muito evidente do movimento do movimento é fortalecer as lideranças dentro da comunidade e demarcar novos territórios que também lutam por moradia.
Posterior a atividade de formação, ainda em contato com a ocupação, fica evidente que as lideranças dentro da comunidade se fortaleceram e se identificaram ainda mais com o movimento. Apesar dos conflitos internos recorrentes, o MTST permanece e atualmente é presente em uma outra ocupação próxima, evidenciando o que foi citado em relação a questão da marcação do território.
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Analisando, de modo geral, o projeto de pesquisa, é indispensável programar entrevistas com pessoas que atuem diretamente no MTST em São Carlos a fim de compreender como o movimento se estrutura e a sua relação com as outras centralidades.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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