Revista RPESM N18

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO | TITLE

Revista Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | Portuguese Journal of Mental Health Nursing

PUBLICAÇÃO E PROPRIEDADE | PUBLISHING AND PROPERTY

A Sociedade Portuguesa de Enfermagem em Saúde Mental | The Portuguese Society of Mental Health Nursing

DIRETOR | MANAGING DIRECTOR

Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

COORDENADOR | COORDINATOR

Luís Sá, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

COORDENADOR DA COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD COORDINATOR

Francisco Sampaio, MSc – Hospital de Braga, Portugal

COMISSÃO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD

Analisa Candeias, MSc - Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho Bruno Santos, MSc - Irmãs Hospitaleiras, Braga Carlos Vilela, MSc - Escola Superior de Enfermagem do Porto Joana Coelho, MSc - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho Lia Sousa, MSc - Centro Hospital de São João, Porto Lucília Vale de Nogueira, MSc – Centro Hospitalar do Porto Luís Silva, MSc - Hospital de Magalhães Lemos, Porto Regina Pires, MSc – Escola Superior de Enfermagem do Porto Rita Costa, MSc - Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Porto Rosa Silva, MSc - Instituto de Ciências da Saúde – Universidade Católica Portuguesa, Porto Sónia Teixeira, MSc - Centro Hospitalar Conde de Ferreira

COMISSÃO CIENTÍFICA | SCIENTIFIC REVIEWERS

Agustín Simónelli Muñoz, PhD - Universidad Católica San Antonio, Múrcia, Espanha Aida Mendes, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal Alexandre Marques Rodrigues, PhD - Escola Superior de Saúde de Aveiro, Aveiro, Portugal Amadeu Gonçalves, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viseu Ana Querido, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria Beatriz Araújo, PhD - Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Carlos Sequeira, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Carme Ferré Grau, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Catarina Tomás, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria Elaine Antunes Cortez, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Elizabete Borges, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Francisca Manso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal Geilsa Cavalcanti Valente, PhD - Escola de Enfermagem AAC - Universidade Federal Fluminense Guilherme Correa Barbosa, PhD – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brasil Graça Pimenta, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Isilda Ribeiro, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Carvalho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal José Carlos Gomes, PhD - Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria, Portugal José Carlos Santos, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Juan Roldan Merino, PhD - Escuela de Enfermería Sant Joan de Déu (adstrita a la UB), Espanha Júlia Martinho, PhD - Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal Luís Sá, PhD – Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal Margarida Sotto Mayor, PhD - Hospital de Magalhães Lemos, Porto, Portugal Maria José Nogueira, PhD - Escola Superior de Saúde Atlântica Mar Lleixà-Fortuno, PhD - Universitat Rovira i Virgili. Tarragona, Espanha Marluce Miguel de Siqueira, PhD - Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Michell Araújo, PhD - Faculdade Católica Rainha do Sertão - Fortaleza e Hospital de M., Brasil Odete Araújo, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade do Minho, Portugal Odete Pereira, PhD - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil Olga Sousa Valentim, PhD - Escola Superior de Saúde Atlântica Paulo Seabra, PhD - Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa Raul Cordeiro, PhD – Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal Teresa Barroso, PhD - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal Teresa Lluch-Canut, PhD – Escola Universitària d’Infermeria - Universitat de Barcelona, Espanha Zeyne Scherer, PhD – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Brasil

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 2


Público-alvo:

Enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e outras pessoas com interesse na área da saúde mental.

Objectivo:

Divulgação de evidências científicas sobre a promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação e reintegração das pessoas com doença mental ao longo da vida.

Âmbito:

Políticas e design dos cuidados de saúde; Avaliação, diagnóstico, intervenções e resultados de enfermagem; Sistemas de informação e indicadores em saúde mental; Direitos e deveres dos doentes mentais; Formação e investigação em enfermagem em saúde mental.

SUBSCRIÇÃO | SUBSCRIPTIONS

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ISSN:

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 3


Índice

EDITORIAL CONVIDADO

1

RETRATO DA DOENÇA MENTAL NA COMUNICAÇÃO SOCIAL

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO

2

TRISTEZA MATERNA EM PUÉRPERAS E FATORES ASSOCIADOS

3

INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM NIC DE ÂMBITO PSICOTERAPÊUTICO:

CONVERSÃO EM LINGUAGEM CLASSIFICADA CIPE® VERSÃO 2 ....................................... 15

4

USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ENTRE TRABALHADORES DA ENFERMAGEM .... 23

5

VIOLÊNCIA NA ESCOLA E TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM PROFESSORES ........ 31

6

ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA COMO PREDITORES DO ESTADO COGNITIVO EM

IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS

7

EFEITO DE UM PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA NA CAPACIDADE FUNCIONAL PARA

O EXERCÍCIO E NÍVEL DE ATIVIDADE FÍSICA DE PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA –

UM ESTUDO PILOTO

8

ANSIEDADE E DEPRESSÃO ENTRE PROFISSIONAIS DE PROGRAMAS DE

APRIMORAMENTO PROFISSIONAL .......................................................................................... 51

9

PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADULTOS NO

CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ........................................................................ 59

............................................

6

...................................... 8

.......................................................................................... 37

............................................................................................................ 44

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 4


ARTIGOS DE REVISÃO

10

COMPORTAMENTO AUTOLESIVO AO LONGO DO CICLO VITAL: REVISÃO INTEGRATIVA

DA LITERATURA

11

RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PESSOAL NA DOENÇA CRÓNICA: UMA REVISÃO

INTEGRATIVA

...................................................................................................................... 67

........................................................................................................................... 77

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 5


Editorial Convidado

1

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0185

RETRATO DA DOENÇA MENTAL NA COMUNICAÇÃO SOCIAL | Cláudia Azevedo1 |

Em democracia, os media têm um papel fundamental no exercício da cidadania. Os órgãos de comunicação social são responsáveis por fazer chegar aos cidadãos informação sobre assuntos relevantes da sua vida, permitindo a reflexão, a participação pública e a tomada de decisões. Na área da saúde, os jornalistas são chamados a desempenhar um papel crucial na construção e no aprofundamento de uma verdadeira literacia de saúde, suscetível de gerar ganhos no sistema e de melhorar a vida das pessoas. Sabe-se que os media constituem mesmo a principal fonte de informação para a população em geral e para os próprios doentes em matéria de saúde mental, possuindo o poder e a capacidade de influenciar mentalidades, atitudes e comportamentos. Mas será que o jornalismo está a cumprir o seu papel? Se a sua visão fosse obtida exclusivamente através da lente dos media, qual seria a sua opinião sobre os doentes mentais? Uma série de estudos realizados a nível internacional mostra que os órgãos de comunicação social têm tendência a apresentar a doença mental de uma forma que promove o estigma e reforça os mitos, relacionando-a frequentemente com atos de violência, prática de crimes, imprevisibilidade e perigosidade. A literatura revela também que a doença mental não está identificada na maior parte das vezes, como se esta fosse por si só um rótulo maligno que dispensasse mais detalhes. Além disso, o jornalista raramente ouve o doente mental como fonte, o que traduz a ideia de que este não é capaz de se expressar convenientemente, ou, pior, de que não é credível. Será que acontece o mesmo em Portugal? Na tentativa de responder a esta questão, um estudo que realizei incluiu 436 notícias com referência a doença mental publicadas, entre 2005 e 2014, em dois jornais diários portugueses, o Jornal de Notícias (dito popular ou “de massas”) e o Público (considerado de referência ou “de elite”).

A principal conclusão, em linha com a literatura internacional, é que os textos jornalísticos com referência a doença mental são predominantemente relacionados com atos de violência, prática de crimes e perigosidade, sobretudo os do JN. Em cerca de 35% dos casos, o doente mental surge como criminoso, infrator, indivíduo violento ou agressor (na verdade, de acordo com dados da Mental Health Foundation, a probabilidade de o doente mental ser vítima é 10 vezes maior do que a de perpetrar um crime violento). Alguns dos estereótipos encontrados nos jornais nacionais são comuns aos de outros países. Além de criminoso e de vítima, o doente mental aparece muitas vezes retratado como o espírito rebelde, o narcisista, o manipulador, ou então como a vítima indefesa, o miserável, o “cromo” ou o parasita que absorve os dinheiros públicos. Neste estudo, verifica-se ainda que apenas 9,2% das notícias contêm declarações dos doentes e, na maior parte, citados por outrem ou no contexto de processos judiciais. Somente 23,2% das peças jornalísticas têm declarações de profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros. A doença mental não é identificada em cerca de um terço da amostra (30,7%), fazendo com que os comportamentos negativos associados a uma doença mental específica, se existente, sejam abusivamente generalizados. Vários estudos internacionais são unânimes quanto às consequências: a representação negativa da doença mental nas notícias tem uma influência perniciosa nas perceções das pessoas e na forma como se relacionam ou tencionam relacionar-se com doentes mentais, assim como tem efeitos nos próprios doentes. Ao difundir o estigma, os media certificam um rótulo que é interiorizado e que leva à diminuição da sua autoestima, a sentimentos de vergonha e de revolta, ao isolamento, à exclusão e à perda de direitos. Submetido em 30-09-2017 Aceite em 15-11-2017

1 Mestre em Ciências da Comunicação; Pós-Graduada em Literacia de Saúde; Communication Manager no CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Rua Dr. Plácido da Costa, s/n, 4200-450 Porto, Portugal, claudiaazevedo@med.up.pt Citação: Azevedo, C. (2017). Retrato da doença mental na comunicação social. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 06-07. doi: 10.19131/rpesm.0185 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 6


Ao difundirem massivamente estes preconceitos, representações perversas e ideias falsas, os media estão a reforçar, a promover e a perpetuar a estigmatização e até a prejudicar o investimento na área da Saúde Mental. Não por acaso, em Portugal, esta área tem sido um “parente pobre” da Política de Saúde. A generalização e a banalização da ligação entre doença mental e violência têm também consequências na legislação (mais coerciva), nas políticas sociais e nas respostas governamentais aos problemas mentais. Quais são, então, as recomendações para o futuro? Desde logo, os jornalistas têm de ser sensibilizados para a necessidade de darem mais atenção ao tema da saúde mental, sobretudo no âmbito de experiências positivas cujo conhecimento público possa contribuir para combater o estigma atualmente existente. É absolutamente paradoxal que as doenças mentais, que atingem uma em cada quatro pessoas em algum momento das suas vidas, tenham uma atenção tão reduzida da comunicação social. No seu todo, este estudo aponta ainda para a necessidade de os jornalistas darem menos ênfase às menções ou alegações de doença mental em contexto de

crimes, infrações e atos violentos, de confirmarem o diagnóstico, de indicarem a doença mental em concreto e de ouvirem os doentes e associações de doentes sempre que possível. Seriam necessários e desejáveis mais estudos e análises de conteúdo ainda mais vastas e aprofundadas para se perceber se as tendências atrás assinaladas se estendem a outros media, designadamente à televisão, nas suas vertentes informativas e de entretenimento (talk shows, filmes, novelas, etc.). Seria igualmente interessante estudar em que medida as notícias negativas de doença mental em Portugal podem estar relacionadas com a baixa literacia e com o baixo investimento nesta área e saber se a melhoria da informação nos media poderia levar a um maior conhecimento e investimento, a uma maior prevenção e a melhores cuidados. São, finalmente, aconselháveis em Portugal iniciativas públicas ou privadas do género da britânica “Time to Change”, que lutem contra a estigmatização e contra a discriminação dos doentes mentais, envolvendo os media, como parceiros ou, mais do que isso, como aliados neste desígnio. Porque é verdadeiramente hora de mudar.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 7


Artigo de Investigação

2

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0186

TRISTEZA MATERNA EM PUÉRPERAS E FATORES ASSOCIADOS | Marcela de Andrade Pereira Silva1; Marcela Demitto2; Cátia Agnolo3; Maricy Torres4; Maria Carvalho5; Sandra Pelloso6 |

RESUMO CONTEXTO: A gravidez e a maternidade são importantes na vida das mulheres, mas podem gerar alterações físicas e emocionais tornando-as vulneráveis. OBJETIVO: Analisar a presença de sintomas de tristeza materna vivenciados por puérperas e seus fatores associados. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, realizado com 278 mulheres internadas em uma Maternidade de um município do Noroeste do Paraná, Sul do Brasil, entre janeiro a junho de 2015. Foram utilizadas a Escala de Depressão de Edimburgo (EPDS) e a Escala de Humor Brasileira (BRAMS) para coleta de dados. RESULTADOS: Escores ≥11 na EPDS apresentaram-se associados estatisticamente à baixa condição econômica, multiparidade, gravidez não planejada, história de depressão e distúrbio do sono. Em relação à BRAMS, mulheres com renda per capta acima de 300,00 reais apresentaram sentimentos de vigor, entretanto, os sentimentos de raiva, depressão e fadiga, mostraram-se associados à multiparidade, gravidez não planejada, história de depressão e distúrbio do sono. CONCLUSÕES: O alto percentual de mulheres que apresentaram sintomas depressivos justifica a importância e necessidade de cuidados com a saúde mental da mulher no período gestacional e puerperal, visto que são períodos de vulnerabilidade e transformação. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Período pós-parto; Depressão Pós-parto; Epidemiologia

RESUMEN

ABSTRACT

“Depresión posparto en mujeres en el postparto y factores asociados”

“Maternity blues in postpartum women and associated factors”

CONTEXTO: El embarazo y la maternidad son importantes en la vida de las mujeres, pero pueden causar cambios físicos y emocionales que los hace vulnerables. OBJETIVO: Analizar la presencia de síntomas de la depresión posparto experimentadas por las madres y sus factores asociados. MÉTODOS: Se trata de un estudio transversal, cuantitativo con 278 mujeres internadas en una maternidad en una ciudad del noroeste, Paraná, sur de Brasil, de enero a junio de 2015. Se utilizó la Escala de Depresión de Edimburgo (EPDS) y Escala brasileña del estado de ánimo (BRAMS) para la recogida de datos. RESULTADOS: Las puntuaciones ≥ 11 en la EPDS se han asociado estadísticamente con bajo nivel económico, la multiparidad, los embarazos no planificados, una historia de depresión y los trastornos del sueño. En cuanto a BRAMS, las mujeres con ingresos per cápita de hasta 300,00 reales tenían sentimientos de vigor; Sin embargo, los sentimientos de ira, la depresión y la fatiga se asociaron con la multiparidad, los embarazos no planificados, una historia de depresión y los trastornos del sueño. CONCLUSIONES: El alto porcentaje de las mujeres que tenían síntomas depresivos justifica la importancia y necesidad de preocuparse por la salud mental de las mujeres durante el embarazo y el puerperio, así como los períodos de vulnerabilidad y transformación. DESCRIPTORES: Salud mental; Periodo posparto; Depresión posparto; Epidemiología

BACKGROUND: Pregnancy and motherhood are important in women’s lives, but they can generate physical and emotional changes making them vulnerable. OBJECTIVE: To analyze the presence of maternal sadness symptoms experienced by postpartum women and their associated factors. METHODS: This is a cross-sectional, quantitative study of 278 women admitted to a Maternity Hospital in the Northwest of Paraná, Southern Brazil, between January and June 2015. The Edinburgh Depression Scale (EPDS) and The Brazilian Humor Scale (BRAMS) for data collection. RESULTS: Scores ≥11 in the EPDS were statistically associated with low economic status, multiparity, unplanned pregnancy, history of depression and sleep disturbance. Regarding BRAMS, women with per capita income above R$ 300.00 reais showed feelings of vigor; however, feelings of anger, depression and fatigue were shown to be associated with multiparity, unplanned pregnancy, history of depression and sleep disturbance. CONCLUSIONS: The high percentage of women who presented depressive symptoms justifies the importance and need of care for women’s mental health in the gestational and puerperal periods, since they are periods of vulnerability and transformation. KEYWORDS: Mental health; Postpartum period; Postpartum depression; Epidemiology Submetido em 29-11-2016 Aceite em 11-10-2017

1 Graduação em Enfermagem; Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, 87020-900 Maringá, Paraná, Brasil, m.andradepereira@outlook.com 2 Doutora em Enfermagem; Docente na Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, 87020-900 Maringá, Paraná, Brasil, mar_demitto@hotmail.com 3 Doutora em Enfermagem; Enfermeira no Hospital Universitário de Maringá, 87083-240 Maringá, Paraná, Brasil, catiaagnolo@gmail.com 4 Doutora em Enfermagem; Docente na Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, 87020-900 Maringá, Paraná, Brasil, maricymorbin@gmail.com 5 Doutora em Ciências da Saúde; Docente na Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Paraná, Brasil, mdbcarvalho@gmail.com 6 Doutora em Ciências da Saúde; Docente na Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Paraná, Brasi, smpelloso@gmail.com Citação: Silva, M.A.P., Demitto, M. O., Agnolo, C. M. D., Torres, M. M., Carvalho, M. D. B., & Pelloso, S. M. (2017). Tristeza materna em puérperas e fatores associados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 08-13. doi: 10.19131/rpesm.0186 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 8


INTRODUÇÃO A gravidez e a maternidade são eventos importantes na vida dos casais, mas podem gerar alterações físicas e emocionais tornando-os vulneráveis em alguns momentos. No período puerperal a mulher pode apresentar sintomas relacionados às alterações emocionais e estes se traduzem em transtornos mentais e comportamentais, entre eles a tristeza puerperal (Pereira e Rumel, 2007). Tristeza puerperal, também conhecida como Maternity Blues ou Postpartum Blues é encontrada no CID-10 subgrupo F53, e caracteriza-se por choro, irritabilidade, rápidas mudanças de humor (Kaplan & Sadock, 1999) e não há consenso quanto à possibilidade ou não de humor deprimido (Cox, Holden & Sagovsky, 1987). É considerado como uma perturbação de humor, mas há pouca conformidade na sua definição (Goyal, Gay & Lee, 2010). A incidência de Maternity Blues varia de 50 a 80% e geralmente aparece entre o 3.º e 10.º dia após o parto, é raro, mas a condição pode evoluir para um transtorno severo (Kaplan & Sadock, 1999), sendo também um fator de risco para a depressão pós-parto (Austin, Kildea & Sullivan, 2007). Nos Estados Unidos 26-85% das mães apresentam alteração de humor no pós-parto (Goyal, Gay & Lee, 2010). Em estudo comparativo entre mulheres residentes na Coréia e outros países asiáticos a incidência variou de 23% a 36,1- 48% (Chung, Yoo & Joung, 2013). Em estudo realizado com 70 mulheres no Sul do Brasil os autores encontraram 67,2% das mulheres com a presença de tristeza no pós-parto imediato. Dentre elas, 8,6% apresentaram o sintoma todos os dias, durante todo o dia; 31,5% de mulheres que relataram a presença de tristeza também todos os dias, mas em determinados momentos; e 27,1% a ocorrência de tristeza em momentos casuais (Pereira & Rumel, 2007). Atualmente a depressão pós-parto é considerada uma epidemia silenciosa, uma vez que a identificação dos sintomas é tardia. Aproximadamente 50% das mulheres com depressão pós-parto não é devidamente diagnosticada porque os profissionais de saúde ainda desconhecem e não sabem avaliar os sintomas depressivos (Wisner, Chambersa & Sit, 2006). Estudo do Sul do Brasil identificou que 77,8% das mulheres que vivenciaram doença mental, apresentaram o sintoma de tristeza no pós-parto imediato, porém o sintoma também foi encontrado em 50% das mulheres que nunca vivenciaram uma doença mental (Pereira & Rumel, 2007).

Até onde sabemos, existe uma escassez de estudos envolvendo mães logo após o nascimento de seu filho com ou sem depressão pós-parto. Existem características relacionadas à tristeza puerperal que necessitam ser discutidos, principalmente em relação à triagem para o estado de humor materno na primeira semana após o parto que é o período mais importante para prevenir a depressão pós-parto (Dennis, 2004). Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar a presença de sintomas de Maternity Blues vivenciado por mulheres no puerpério imediato e correlacioná-los com fatores sociodemográficos, obstétricos e transtornos mentais prévios. MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal e quantitativo realizado com 278 puérperas no puerpério mediato, internadas em uma Maternidade de um município do Sul do Brasil, valor proporcional ao número de nascidos vivos na Maternidade referida no ano de 2013 (3.466), com 95 % de nível de confiança e 0,05 margem de erro. Os critérios de inclusão foram: puérperas internadas após 48 horas e antes da alta e de exclusão estiveram as puérperas com óbito fetal, aborto e recém-nascido internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. A coleta de dados foi realizada no período de Janeiro a Junho de 2015. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário estruturado, com questões sóciodemograficas, obstétricas e referentes à história prévia de distúrbios mentais, a Escala de Depressão de Edimburgo (Edinburgh Postnatal Depression Scale – EPDS) e a Escala de Humor Brasileira (BRAMS). Escala de Depressão de Edimburgo, foi adaptada e validada em diversos países, incluindo o Brasil, é autoaplicável, com dez itens, divididos em quatro graduações (0 a 3) e mede a presença e intensidade de sintomas depressivos nos últimos sete dias (Figueira, Corrêa, Malloy-Diniz & Romano-Silva, 2009). Já a Escala de Humor Brasileira (BRAMS), é a versão brasileira da Escala de Humor de Brunel (BRUMS), foi validada para a população brasileira (Rohlfs, 2006; Terry, Lane & Fogarty, 2003) e permiti uma rápida mensuração do estado de humor de populações compostas por adultos e adolescentes (Rohlfs, 2006). Após, a coleta dos dados, os mesmos foram transcritos para a planilha do programa Microsoft Office Excel 2010® e submetidos à análise estatística, utilizado o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 9


O estudo obedeceu a todos os princípios éticos e legais envolvendo pesquisa com seres humanos, com parecer positivo (n. 852.156) do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá. RESULTADOS Participaram da pesquisa 278 mulheres no puerpério imediato. Os escores da Escala de Depressão de Edimburgo iguais ou superiores a 11, ponto de corte estabelecido por Santos, Martins & Pasquali (1999), o qual descreve a presença de sintomas depressivos, e os fatores associados podem ser vistos na Tabela 1. Tabela 1 -Escala de Depressão de Edimburgo (EPDS) e Fatores Associados n

%

Idade (anos)

EPDS > 11 Valor p n(%)

vigor (98,9%), um dado importante no caráter positivo. Entretanto, as subescalas que representam sentimentos pouco favoráveis no período puerperal, também apresentaram percentuais elevados, sendo eles, 88,1% (fadiga), 82% (tensão), 56,8% (confusão), 39,2% (raiva) e 30,2% (depressão). Estes valores e as associações estatísticas estão mostrados na Tabela 2. Tabela 2 -Escala de Humor Brasileira e Fatores Associados Raiva

Depressão

Confusão

Fadiga

Tensão

Vigor

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

≤19

15 (30,6)

12 (24,4)

27 (55,1)

39 (79,5)

40 (81,6)

49 (100)

20-34

79 (40,3)

50 (30,1)

115 (58,6)

174 (88,7)

160 (81,6)

193 (98,4)

≥35

15 (45,5)

13 (39,4)

16 (48,4)

32 (96,9)

28 (84,8)

33 (100)

0,33

0,35

0,53

0,05

0,9

0,53

Com companheiro

86 (38,2)

64 (28,4)

126 (56,0)

200 (88,9)

178 (79,1)

223 (99,1)

Sem companheiro

23 (43,4)

20 (37,7)

32 (60,4)

45 (84,9)

50 (94,3)

52 (84,9)

0,48

0,18

0,56

0,41

0,009

0,52

< 8 anos

17 (39,5)

14 (32,5)

27 (62,7)

37 (86,0)

36 (83,7)

43 (100)

≥ 8 anos

92 (39,1)

70 (29,7)

131 (55,7)

208 (88,5)

192 (81,7)

232 (98,7)

0,96

0,71

0,39

0,64

0,75

0,6

Primípara

20 (15,9)

28 (22,2)

77 (61,1)

105 (83,3)

102 (80,9)

125 (99,2)

Multípara

41 (26,9)

56 (36,8)

81 (53,2)

140 (92,1)

126 (82,8)

150 (98,6)

0,02

< 0,01

0,18

0,02

0,67

0,57

Sim

26 (44,8)

19 (32,7)

36 (62,0)

49 (84,4)

49 (84,4)

57 (98,2)

Não

83 (37,7)

65 (29,5)

122 (55,4)

196 (89,0)

179 (81,3)

218 (99,0)

0,32

0,63

0,36

0,33

0,58

0,5

Variáveis Idade (anos)

Valor p

≤19

49

17,6

9 (18,4)

20-34

196

70,5

40 (20,4)

0,09

≥35

33

11,9

12 (36,4)

121

43,5

43 (19,1)

Valor p

18 (33,9)

Escolaridade

Estado civil Com companheiro Sem companheiro

47

16,9

0,01

Escolaridade < 8 anos

43

15,5

14 (32,6)

≥ 8 anos

235

84,5

47 (20,0)

0,06

Estado civil

Valor p

Paridade

Paridade

Primípara

126

45,3

20 (15,9)

Multípara

152

54,7

41 (26,9)

Sim

58

20,9

18 (31,0)

Não

220

79,1

43 (19,5)

0,02

Aborto 0,06

Aborto

Gravidez planejada Sim

106

38,1

16 (15,1)

Não

172

61,9

45 (26,2)

Valor p

0,03

Valor p

História de depressão Sim

40

14,4

18 (45,0)

Não

238

85,6

43 (18,1)

Sim

30

10,8

15 (50,0)

Não

248

89,2

46 (18,5)

< 0,001

Distúrbio do Sono < 0,001

Houve associação estatística significativa quanto à presença de fatores depressivos em mulheres com renda per capta inferior ou igual a 150,00 reais, multiparidade, planejamento gestacional não realizado e história prévia de depressão e distúrbio do sono (Tabela n.° 1). Quanto à aplicação da Escala de Humor Brasileira, os resultados apresentados foram importantes, dentre eles, podemos citar o elevado percentual obtido na subescala Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 10

Gravidez planejada Sim

16 (15,0)

26 (24,5)

58 (54,7)

92 (86,7)

86 (81,1)

105 (99,0)

Não

45 (26,1)

58 (33,7)

100 (58,1)

153 (88,9)

142 (82,5)

170 (98,8)

0,03

0,1

0,57

0,58

0,76

0,67

Valor p

História de depressão Sim

21 (52,5)

20 (50,0)

28 (70,0)

37 (92,5)

35 (87,5)

40 (100)

Não

88 (36,9)

64 (26,8)

130 (54,6)

208 (87,3)

193 (81,0)

235 (98,7)

0,06

0,003

0,06

0,35

0,32

0,62

Valor p

Distúrbio de Sono Sim

15 (50,0)

14 (46,6)

21 (70,0)

27 (90,0)

27 (90,0)

30 (100)

Não

46 (18,5)

70 (28,2)

137 (55,2)

218 (87,9)

201 (81,5)

245 (98,7)

<0,001

0,03

0,12

0,51

0,22

0,7

Valor p


DISCUSSÃO Os transtornos psiquiátricos no puerpério implicam na relação mãe-filho gerando consequências graves, visto que a instabilidade emocional da mãe impossibilita uma maior interação com seu filho (Moura, Fernandes e Apolinário, 2011). Estudos envolvendo mulheres no puerpério são fundamentais para o levantamento de informações e possíveis fatores de risco para transtornos de humor comuns no período puerperal, possibilitando o planejamento de ações preventivas e precoces dessas alterações, afim de minimizar os danos ao binômio mãe-filho. Além de reforçar a importância e necessidade de cuidados com a saúde mental da mulher no período gestacional e puerperal, visto que são períodos de vulnerabilidade e transformação. Os resultados de um estudo realizado com puérperas em Camarões, sugerem que o espaço de discurso pósparto, incluindo a qualidade das respostas emocionais do cuidador, determinam a gestão da depressão pósparto e limita a sua descompensação (Mboua, Nkoum & Abessouguié, 2016). A prevalência de mulheres que apresentaram sintomatologia depressiva de acordo com a Escala de Depressão de Edimburgo foi de 21,9%. Em estudos nacionais a prevalência variou de 11- 24,2% (Gomes et al., 2010; Menezes et al., 2012), já em estudo internacional a percentagem foi de 19,2% (Masmoudi et al., 2014). Outro estudo realizado com mulheres até 2 semanas após o parto, concluiu que a morbidade psiquiátrica é muito comum no período pós-operatório, podendo ocorrer logo na primeira semana após o parto. Neste estudo a porcentagem de alterações psiquiátricas encontradas foi de 44%, sendo que o distúrbio mais frequente foi a depressão, presente em 26% das mulheres (Kumar, Nagaraj, Koudike & Maigi, 2016). Outro estudo constatou a presença de 7% de mulheres deprimidas (EPDS >=11), onde um episódio prévio de depressão, fatos relevantes da vida e parto instrumental foram independentemente associados à depressão (Pop et al., 2016). O percentual significativo de puérperas que apresentaram no período puerperal imediato sintomas depressivos enfatiza a necessidade e importância da capacitação dos profissionais de saúde em realizar uma avaliação do estado de humor da puérpera precocemente (Menezes et al., 2012), visto que, sintomas de sofrimento mental não reconhecidos ou não valorizados podem resultar em repercussões imediatas e/ou tardias para a puérpera e o recém nascido (Brito, Alves, Ludermir, & Araújo, 2015).

Quanto aos fatores associados aos sintomas depressivos, verificou-se que a situação econômica baixa e a história prévia de depressão, foram relevantes na presença de sintomas depressivos, resultado também encontrado em estudo realizado na Tunísia com 302 puérperas entrevistadas na primeira semana puerperal, no qual, a obtenção de um escore significativo na Escala de Depressão de Edimburgo (≥10) se mostraram associadas ao baixo nível socioeconômico e a presença de antecedentes psiquiátricos (Masmoudi et al., 2014). Em outro estudo realizado com 70 mulheres no Hospital Nossa Senhora da Conceição em Santa Catarina, mostrou que 77,8% das mulheres que vivenciaram doença mental previamente, apresentaram o sintoma tristeza no pós-parto imediato. Mesmo que não associado estatisticamente o valor foi superior ao número de mulheres que apresentaram o sintoma tristeza e não possuíam essa vivencia prévia (50%) (Pereira e Rumel, 2007). O fator socioeconômico também teve associação estatística quando aplicado a Escala de Humor Brasileira, no qual, os resultados mostraram que mulheres com melhores condições econômicas tenderam a apresentar sentimentos de vigor e mulheres com uma condição econômica baixa apresentaram em maior número sentimentos depressivos. Mulheres com história prévia de depressão e distúrbio do sono tenderam a apresentar sintomas de raiva e depressão presentes na Escala de Humor Brasileira, apresentando associação estatística significativa. Outro fator que se mostrou associado à presença de sintomas depressivos foi o não planejamento gestacional. Estudo realizado em Recife (PE) com 1.057 mulheres entrevistadas após o parto, mostrou que mulheres com gravidez não pretendida tiveram maior chance de apresentar sentimentos depressivos durante o período pósparto (Brito, et al., 2015). Esse fator também teve associação com sentimentos de raiva e depressão apresentados pela Escala de Humor Brasileira, no qual, 26,1 das mulheres que tiveram uma gravidez não pretendida apresentaram sentimentos de raiva e 33,7%, depressão. Para prevenir uma gravidez inoportuna e consequentemente minimizar a chance de desenvolver algum distúrbio de humor no pós-parto, cabe ao sistema de saúde, principalmente em âmbito de atenção primária, enfatizar e orientar de forma precisa e adequada o uso de métodos contraceptivos masculinos e femininos, além da oferta dos mesmos. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 11


O fator multiparidade teve associação estatística com a presença de sintomas depressivos, no qual, 54,7% das puérperas multíparas tiveram um escore ≥11 na Escala de Depressão de Edimburgo, configurando um episódio depressivo, na Escala de Humor Brasileira esse mesmo fator teve associação com a presença de sintomas de raiva, depressão e fadiga. Estudo realizado na região Sul do Estado do Rio Grande do sul com 53 puérperas internadas na maternidade do Hospital Universitário da região, evidenciou uma susceptibilidade em desenvolver depressão pós-parto em mulheres multíparas (Menezes et al., 2012).

de grande importância no diagnóstico precoce e no planejamento de ações preventivas. Para tanto, percebe-se a necessidade de capacitações da equipe multiprofissional, para triagem adequada e identificação precoce de sintomas depressivos, podendo interver de forma hábil, minimizando as consequências negativas do transtorno mental vivenciadas durante o período puerperal. Instrumentos que auxiliam esse rastreamento são de grande significância, e a escala de depressão de Edimburgo e de Humor Brasileira se mostraram eficazes e práticas.

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Os resultados obtidos mostraram um elevado percentual de mulheres susceptíveis a desenvolver um transtorno de humor puerperal, reforçando a importância e necessidade de cuidados com a saúde mental da mulher no período gestacional e puerperal, visto que são períodos de vulnerabilidade e transformação.

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IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Diversos fatores se mostraram com risco para a presença de sintomas depressivos no período puerperal, sendo

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 12

Brito, C. N. O., Alves, V. A., Ludermir, A. B., e Araújo, T. V. B. A. (2015). Depressão pós-parto entre mulheres com gravidez não pretendida. Revista de Saúde Pública, 49, 33. doi: 10.1590/S0034-8910.2015049005257


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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 13


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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0187

3

INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM NIC DE ÂMBITO PSICOTERAPÊUTICO: CONVERSÃO EM LINGUAGEM CLASSIFICADA CIPE® VERSÃO 21 | Francisco Miguel Correia Sampaio2 |

RESUMO CONTEXTO: Em Portugal, apesar de ter já sido realizado um estudo tendo para identificação das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico, as mesmas não foram ainda convertidas para linguagem CIPE®. Desse modo, torna-se inviável a sua parametrização nos sistemas de informação de Enfermagem e, consequentemente, não é possível proceder à documentação do planeamento e execução das mesmas por parte dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (ESMP). OBJETIVO: Converter as intervenções de Enfermagem de âmbito psicoterapêutico integradas na Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC) em linguagem classificada CIPE® Versão 2. MÉTODOS: Estudo descritivo, utilizando o método Fehring associado ao método e-Delphi modificado. Amostra não probabilística de 21 peritos em ESMP selecionados intencionalmente. Para avaliar o grau de concordância com as propostas de conversão, recorreu-se a uma escala de Likert em que 1 = Discordo Totalmente e 5 = Concordo Totalmente. RESULTADOS: Nenhuma proposta de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem CIPE® obteve um consenso perfeito entre o grupo de peritos. Propostas de conversão como “Treinar o Comportamento Assertivo”, “Promover a Autoestima” ou “Treinar o Autocontrolo Impulso” obtiveram um nível de consenso elevado (média ≥0,80 e <1). Outras propostas de conversão, como “Assistir o Indivíduo a Minimizar o Stress Disfuncional por Mudança de Ambiente” ou “Hipnotizar o Indivíduo” apresentaram um nível de consenso moderado (média >0,50 e <0,80). CONCLUSÕES: Onze (11) propostas obtiveram um grau de consenso elevado, sendo que as restantes 19 apresentaram um consenso moderado. Assim, estas parecem tratar-se de intervenções que poderão vir a ser parametrizadas nos sistemas de informação de Enfermagem.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem; Enfermagem psiquiátrica; Psicoterapia; Sistemas de informação

RESUMEN

ABSTRACT

“Intervenciones de enfermería NIC de ámbito psicoterapéutico: Conversión en lenguaje estandarizado CIPE® versión 21”

“NIC nursing interventions of psychotherapeutic scope: Conversion to standardized nursing language ICNP® version 21”

CONTEXTO: En Portugal, aunque ha sido conducido un estudio con el objetivo de identificar las intervenciones NIC de ámbito psicoterapéutico, no se han convertido las mismas a lenguaje CIPE®. Así, se hace inviable su parametrización en los sistemas de información de enfermería y, por lo tanto, no es posible la documentación de la planificación y ejecución de las mismas por los enfermeros especialistas en Enfermería de Salud Mental y Psiquiátrica (ESMP). OBJETIVO: Convertir las intervenciones de Enfermería de ámbito psicoterapéutico integradas en la Clasificación de Intervenciones de Enfermería (NIC) en lenguaje clasificada CIPE® Versión 2. MÉTODOS: Se realizó un estudio descriptivo utilizando el método Fehring asociado con el método e-Delphi modificado. Un muestreo no probabilístico de 21 expertos en ESMP fue seleccionado intencionalmente. Para evaluar el grado de concordancia con las propuestas de conversión, se utilizó una escala de Likert donde 1 = Totalmente en Desacuerdo y 5 = Totalmente de Acuerdo. RESULTADOS: Ninguna propuesta de conversión de intervenciones NIC de ámbito psicoterapéutico en lenguaje CIPE® llegó a un consenso perfecto entre el grupo de expertos. Las propuestas de conversión como “Entrenamiento del Comportamiento Asertivo”, “Promover Autoestima” o “Entrenamiento del Control de Impulsos” logró un alto nivel de consenso (media ≥0,80 y <1). Otras propuestas de conversión, como “Asistir el Individuo para Minimizar el Estrés por Traslado” o “Hipnotizar el Individuo” presentarán un nivel de consenso moderado (media> 0,50 y <0,80). CONCLUSIONES: Once (11) propuestas lograran un alto nivel de consenso, mientras que las 19 restantes presentaran un consenso moderado. Por lo tanto, estas son intervenciones que parecen poder ser parametrizadas en los sistemas de información de enfermería.

BACKGROUND: In Portugal, despite having already been conducted a study in order to identify NIC psychotherapeutic interventions, they have not yet been converted to ICNP® language. Thus, its parameterization in nursing information systems becomes unfeasible and, therefore, it is not possible for specialized nurses in Mental Health and Psychiatric Nursing (MHPN) to record its planning and execution. AIM: To convert nursing psychotherapeutic interventions integrated in the Nursing Interventions Classification (NIC) into ICNP® Version 2 standardized language. METHODS: A descriptive study using the Fehring method associated with the modified e-Delphi method was carried out. A nonprobability sample of 21 MHPN experts was intentionally selected. To assess the degree of agreement with the conversion proposals, a Likert scale in which 1 = Strongly Disagree and 5 = Strongly Agree was used. RESULTS: No proposal for conversion of NIC psychotherapeutic interventions to ICNP® language got a perfect consensus among the experts’ panel. Conversion proposals such as “Assertive Behaviour Training,” “Promoting Self-Esteem” or “Impulse Control Training” achieved a high level of consensus (mean ≥0,80 and <1). Other conversion proposals, such as “Assisting the Individual at Minimising Relocation Stress” or “Hypnotising the Individual” presented a moderate level of consensus (mean >0.50 and <0.80). CONCLUSIONS: Eleven (11) proposals got a high level of consensus, while the remaining 19 presented moderate consensus. Hence, these seem to be interventions that are likely to be parameterized in nursing information systems.

DESCRIPTORES: Enfermería; Enfermería psiquiátrica; Psicoterapia; Sistemas de Información

KEYWORDS: Nursing; Psychiatric Nursing; Psychotherapy; Information systems Submetido em 20-06-2017 Aceite em 11-10-2017

1 O presente estudo foi financiado pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros, por via da atribuição da Bolsa de Investigação “Enfermeira Maria Aurora Bessa”, em março de 2014. 2 Doutorando em Ciências de Enfermagem na Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria; Assistente Convidado na Escola Superior de Enfermagem do Porto; Investigador Colaborador no CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, grupo de investigação “NursID: Innovation & Development in Nursing”; Braga, Portugal, Francisco.Sampaio@hospitaldebraga.pt Citação: Sampaio, F. M. C. (2017). Intervenções de enfermagem NIC de âmbito psicoterapêutico: Conversão em linguagem classificada CIPE® versão 2. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 15-21. doi: 10.19131/rpesm.0187 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 15


INTRODUÇÃO Em Portugal, apesar de desde 2011 estar regulamentada a competência dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental para executar intervenções de âmbito psicoterapêutico (Regulamento n.º 129/2011), subsistem ainda algumas dúvidas acerca de quais são as intervenções que podem efetivamente ser implementados pelos mesmos na sua prática clínica. Assim, de modo a colmatar essa relevante lacuna de conhecimento, foi realizado um estudo de focus group, com recurso a um grupo de peritos em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, que permitiu identificar intervenções de Enfermagem integradas na Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC) (Bulechek, Butcher, & Dochterman, 2010) que pudessem ser consideradas “de âmbito psicoterapêutico” (Sampaio, Sequeira, & Lluch Canut, 2014). Apesar deste pioneiro empreendimento investigativo, importa ressalvar as limitações do estudo em causa que, por assentar num paradigma qualitativo de investigação, apresenta evidentes condicionamentos no que concerne à generalização dos resultados. Os achados obtidos, apesar de terem permitido acrescentar dados ao corpo de conhecimento de Enfermagem e, em particular, de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, encontram-se pouco adaptados à realidade portuguesa na medida em que a linguagem classificada utilizada em Portugal assenta na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem® (CIPE®), e não na NANDA-I, NOC e NIC (NNN). Nesse sentido, e considerando a necessidade de melhoria e enriquecimento do sistema de informação da saúde recentemente implementado em Portugal (SClínico), considerou-se que seria útil, como forma de permitir a documentação do planeamento e execução de intervenções de âmbito psicoterapêutico e, como tal, dar maior visibilidade ao trabalho realizado pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, realizar um trabalho de investigação que ambicionasse converter as intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico identificadas por Sampaio, Sequeira, e Lluch Canut (2014) em linguagem classificada CIPE®. A somar a este objetivo imediato, é possível vislumbrar metas a longo prazo, decorrentes da parametrização das intervenções de Enfermagem de âmbito psicoterapêutico no SClínico. No topo dessas mesmas metas encontra-se a possibilidade de obtenção de indicadores de resultado de Enfermagem que permitam, por exemplo, calcular as taxas de ganhos possíveis / esperados de efetividade (Ordem dos Enfermeiros, 2007). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 16

Para além disso, e como consequência da meta anteriormente referida, poderá abrir-se caminho para a identificação de resultados sensíveis às intervenções de Enfermagem especializada obtidos pelo utente, elemento considerado importante face à organização dos cuidados de Enfermagem especializados em Saúde Mental, de acordo com o Regulamento dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Saúde Mental (Regulamento n.º 356/2015). MÉTODOS Desenho Foi conduzido um estudo descritivo, assente num paradigma quantitativo de investigação, utilizando o método Fehring (Fehring, 1987) associado ao método eDelphi modificado. Assim, no método Delphi clássico a ronda 1 consiste num conjunto de questões abertas, permitindo assim aos participantes uma maior liberdade nas suas respostas (Keeney, Hasson, & McKenna, 2001); contudo, neste caso, considerando que um estudo de focus group havia sido previamente realizado, foi utilizado um questionário fechado na ronda 1. Kerlinger (1973) ressalva que o recurso ao método Delphi modificado é apropriado caso já exista informação disponível relacionada com o tema em estudo. Participantes Para concretizar a realização do estudo procurou-se formar um grupo de peritos que obedecessem aos seguintes critérios de inclusão (cumulativos): a) ser enfermeiro especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; b) ter o mínimo de cinco anos de experiência na utilização (em contexto de docência e/ou da prática clínica) da linguagem classificada CIPE®. O resultado foi a constituição de um grupo de 21 peritos selecionados com recurso a uma técnica de amostragem não probabilística, por seleção racional. Apesar de não existir consenso acerca da dimensão ideal da amostra para estudos Delphi (Goodman, 1987; McKenna, 1994; Green, Jones, & Hughes, 1999) a heterogeneidade da mesma tende a ser considerada relevante (Moore, 1987), algo que se procurou alcançar através da mescla de peritos a exercer funções na docência e na prática clínica. Optou-se por recorrer à sobreamostragem como forma de compensar a taxa esperada de “não respostas”.


Colheita e Análise de Dados A colheita de dados decorreu entre julho e agosto de 2015, com recurso a questionários online. Na análise dos dados recorreu-se à metodologia proposta por Richard J. Fehring para validação de diagnósticos de Enfermagem (Fehring, 1987). Assim, para cada intervenção NIC de âmbito psicoterapêutico foi apresentada uma proposta de conversão para linguagem CIPE® que os respondentes teriam que classificar numa escala de Likert, de um a cinco, em que 1 = Discordo Totalmente e 5 = Concordo Totalmente. A pontuação de um a cinco foi convertida da seguinte forma: 1 = 0; 2 = 0,25; 3 = 0,50; 4 = 0,75; 5 = 1. Para a análise dos dados foram definidos níveis de consenso a priori, adaptados a partir dos critérios preconizados por Fehring (1987). Nesse sentido, considerou-se a existência de consenso perfeito sempre que a média fosse igual a 1. Sempre que a média fosse igual ou superior a 0,80 e inferior a 1, considerou-se que existiria consenso elevado. Quando a média fosse superior a 0,50 e inferior a 0,80 considerou-se que existiria consenso moderado. A ausência de consenso foi considerada sempre que existisse uma média igual ou inferior a 0,50. O questionário relativo à ronda 1 era composto por 30 propostas de conversão de intervenções de âmbito psicoterapêutico NIC em linguagem classificada CIPE®. Foi dada aos participantes a possibilidade de sugerirem novas propostas de conversão da linguagem, de modo a que estas pudessem vir a ser analisadas e sujeitas a avaliação por parte dos mesmos em rondas subsequentes. Nas propostas de conversão apresentadas assumiramse os seguintes pressupostos: a) recurso a intervenções com termos pré-combinados sempre que estas se apresentassem disponíveis na CIPE® Versão 2; b) ausência de introdução de termos que não constassem, taxativamente, da CIPE® Versão 2 (à exceção do termo “reestruturação cognitiva”, por se entender não existir outro que com este apresentasse uma clara relação de sinonímia); c) todas as intervenções de âmbito psicoterapêutico deveriam seguir uma lógica de “planear” / “executar”, mas dado que o planeamento é comum a todas elas, optouse pela sua não inclusão no questionário. A opção pelo recurso à Versão 2 da CIPE® (International Council of Nurses, 2011) deveu-se ao facto de estar ser a mais recente versão traduzida para português de Portugal. A estatística descritiva foi utilizada para a análise de dados, mais especificamente uma medida de tendência central (média). As respostas dos participantes foram inseridas no IBM SPSS Statistics 24.0 para Macintosh (IBM Corp. Released, 2015), sendo depois sujeitas a análise.

A análise narrativa das questões abertas apresentadas no questionário referente à ronda 1, apesar de programada, acabou por não ser realizada devido ao reduzido número de contributos recebidos, bem como à relativa inconsistência identificada no conteúdo das mesmas. Considerações Éticas Após ser validado o cumprimento de todos os critérios de inclusão no estudo os participantes foram contactados através de endereço de correio eletrónico, de modo a que lhes fosse explicado o objeto e objetivo do estudo. O consentimento para a participação no mesmo foi dado pelos participantes aquando da resposta ao questionário submetido. O quasi-anonimato (Löfmark & Thorell-Ekstrand, 2004), significando que o investigador tinha conhecimento dos nomes dos potenciais participantes mas não das suas respostas, foi garantido a todos os participantes ao longo do estudo. Os dados obtidos foram codificados, de modo a não permitir a identificação dos respondentes. Para a realização da investigação foram cumpridos todos os princípios éticos constantes na Declaração de Helsínquia e revisões subsequentes (World Medical Association, 2013). RESULTADOS No presente estudo não foi possível proceder à análise das caraterísticas sociodemográficas da amostra devido ao recurso à sobreamostragem e ao quasi-anonimato dos participantes. Assim, não tendo as questões de caraterização sociodemográfica sido integradas no questionário e não sendo possível identificar, de entre os potenciais respondentes, quais foram aqueles que efetivamente haviam dado resposta ao mesmo tornouse inviável, a posteriori, proceder à caraterização da amostra. Para a obtenção de resultados foi apenas necessária a realização de uma ronda de aplicação do questionário. Assim, apesar de os respondentes terem apresentado alguns comentários no sentido de melhorar as propostas de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2, a sua maioria recorria a termos que não constam na CIPE® Versão 2, inviabilizando a sua utilização numa perspetiva construtiva. Os achados relativos à aplicação do questionário para conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2 encontram-se apresentados na Tabela 1. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 17


Tabela 1 - Conversão das Intervenções de Âmbito Psicoterapêutico NIC em Linguagem Classificada CIPE Versão 2 NIC

CIPE®

Nível de Consenso (Média)

Treinamento da Assertividade

Treinar o Comportamento Assertivo

Consenso Elevado (0,89)

Fortalecimento da Autoestima

Promover a Autoestima

Consenso Elevado (0,87)

Treinamento para Controle de Impulsos

Treinar o Controlo de Impulsos

Consenso Elevado (0,86)

Controle do Comportamento

Promover o Autocontrolo do Comportamento

Consenso Elevado (0,85)

Reestruturação Cognitiva

Executar [Reestruturação Cognitiva]

Consenso Elevado (0,85)

Facilitação do Processo de Pesar

Apoiar o Processo de Luto

Consenso Elevado (0,85)

Treinamento da Memória

Executar Técnica de Treino da Memória

Consenso Elevado (0,83)

Terapia de Recordações

Executar Terapia pela Reminiscência

Consenso Elevado (0,82)

Terapia de Grupo

Executar Terapia de Grupo

Consenso Elevado (0,81)

Melhora do Papel

Facilitar a Capacidade para Desempenhar um Papel

Consenso Elevado (0,81)

Treinamento da Autossugestão

Executar Técnica de Treino Autogénico

Consenso Elevado (0,80)

Musicoterapia

Executar Musicoterapia

Consenso Moderado (0,79)

Intervenção na Crise

Executar Terapia na Crise

Consenso Moderado (0,79)

Melhora da Autocompetência

Reforçar a Autoeficácia

Consenso Moderado (0,79)

Arterapia

Executar Arteterapia

Consenso Moderado (0,77)

Estimulação Cognitiva

Estimular a Cognição

Consenso Moderado (0,77)

Orientação para a Realidade

Providenciar Orientação para a Realidade

Consenso Moderado (0,77)

Modificação do Comportamento

Assistir o Indivíduo a Alterar o Comportamento

Consenso Moderado (0,74)

Assistência no Controlo da Raiva

Assistir no Controlo da Raiva

Consenso Moderado (0,74)

Biblioterapia

Executar Biblioterapia

Consenso Moderado (0,74)

Melhora da Imagem Corporal

Assistir o Indivíduo a Melhorar a Imagem Corporal

Consenso Moderado (0,73)

Redução da Ansiedade

Gerir a Ansiedade

Consenso Moderado (0,73)

Aconselhamento

Aconselhar o Cliente

Consenso Moderado (0,71)

Tratamento do Uso de Drogas

Assistir o Indivíduo a Interromper o Abuso de Substâncias

Consenso Moderado (0,68)

Estimulação da Imaginação

Executar Técnica de Imaginação Guiada

Consenso Moderado (0,68)

Assistência para Parar de Fumar

Assistir o Indivíduo a Suprimir o Abuso de Tabaco

Consenso Moderado (0,67)

Facilitação do Processo de Perdão

Atenuar a Culpa

Consenso Moderado (0,63)

Redução do Estresse por Mudança

Assistir o Indivíduo a Minimizar o Stress Disfuncional por Mudança de Ambiente

Consenso Moderado (0,61)

Assistência na Automodificação

(Sem Tradução)

Consenso Moderado (0,58)

Hipnose

Hipnotizar o Indivíduo

Consenso Moderado (0,54)

DISCUSSÃO Ao proceder à análise dos resultados obtidos no presente estudo é possível identificar, desde logo, a existência de uma amplitude substancial nas médias das respostas dos peritos às propostas de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2 que lhes foram apresentadas (entre 0,54 e 0,89). Para além disso, é igualmente evidente a ausência de qualquer consenso perfeito, o que parece reforçar a ideia empírica de que existem ainda algumas discrepâncias, entre os enfermeiros, na forma de utilização da linguagem classificada CIPE®. Apesar de os resultados obtidos terem sido positivos, na medida em que todas as propostas de conversão obtiveram consenso, considera-se que as propostas que conversão que apresentaram um consenso moderado com média inferior a 0,65 devem ser alvo de uma reanálise futura na medida em que, apesar de estes valores irem de encontro ao preconizado por Fehring (1987) para a análise de dados, o nível de consenso parece ser demasiado reduzido para que os resultados possam ser entendidos como definitivos. Apesar de, tal como referido no capítulo anterior, os comentários dos respondentes não terem sido utilizados para melhoria das propostas de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2, desses mesmos comentários podem destacar-se alguns dados entendidos como relevantes: Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 18


1) os enfermeiros tendem a utilizar o termo “uso de” (por exemplo, substâncias) ao invés de “abuso de”, apesar de este estar ausente da CIPE® Versão 2; 2) alguns termos importantes para descrever a prática dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (como “reestruturação cognitiva”) encontram-se ausentes da CIPE® Versão 2. Relativamente ao primeiro dado apresentado, efetivamente a inclusão do termo “uso de” na CIPE® permitiria aos enfermeiros realizar a distinção entre os diagnósticos “abuso de álcool” e “dependência do uso de álcool”, apesar de se poder questionar a efetiva existência de diferenças ao nível da intervenção autónoma de Enfermagem perante os dois diagnósticos num momento em que, por exemplo, também o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM)-5 já fundiu essas duas condições num único diagnóstico: distúrbio por uso de álcool (American Psychiatric Association, 2014). Ainda assim, para ambos os dados apresentados julga-se que seria relevante, num futuro próximo, requerer junto do International Council of Nurses a realização de uma revisão (inclusiva) de termos do domínio da Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica na CIPE®. Ao nível das limitações do presente estudo, os métodos Delphi apresentam, per se, alguns constrangimentos, como sendo o recurso a amostragens não probabilísticas, o viés resultante da composição do grupo de peritos, e a ausência de recomendações claras acerca do número de participantes que devem compor a amostra e do número de rondas a realizar (Keeney et al., 2001; Keeney, Hasson, & McKenna, 2006); como tal, os estudos utilizando técnicas de consenso apresentam amostras que podem ir de nove (Hodge, Asch, Olson, Kravitz, & Sauve, 2002) a 100 participantes (Ingersoll, McIntosh, & Williams, 2000). Assim, o número de participantes no estudo pode ter enviesado a possibilidade de maior diversidade de ideias relativamente ao tema em análise (Hasson, Keeney, & McKenna, 2000), limitação essa que pode ainda ter sido agravada pela impossibilidade de se proceder à caraterização sociodemográfica da amostra. A utilização de um questionário fechado na ronda 1, como forma de modificação do método Delphi clássico, tem merecido críticas por parte de alguns membros da comunidade científica, pelo facto de impor um quadro concetual ao invés de o obter de forma indutiva (Hasson et al., 2000). Contudo, no presente estudo este tipo de abordagem parece ser apropriado tendo em consideração o trabalho preparatório anteriormente realizado (estudo de focus group).

Ainda assim, o facto de se ter dado aos respondentes a possibilidade de apresentarem novas propostas de conversão das intervenções NIC em linguagem classificada CIPE® permitiu controlar esta limitação. Finalmente, apesar de todas as propostas de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2 terem tido obtido consenso por pelo menos 50% dos peritos, não foi possível perceber se estes compreenderam com clareza as definições das intervenções NIC, bem como as suas propostas de conversão em linguagem classificada CIPE®. CONCLUSÕES No presente estudo verificou-se a obtenção de consenso moderado a elevado para todas as propostas de conversão das intervenções NIC de âmbito psicoterapêutico em linguagem classificada CIPE® Versão 2, tendo sido “Treinar o Comportamento Assertivo”, “Promover a Autoestima”, “Treinar o Autocontrolo Impulso”, “Promover o Autocontrolo do Comportamento”, “Executar Reestruturação Cognitiva”, “Apoiar o Processo de Luto”, “Executar Técnica de Treino de Memória”, “Implementar Terapia pela Reminiscência”, “Executar Terapia de Grupo”, “Facilitar a Capacidade para Desempenhar um Papel”, e “Executar Técnica de Treino Autogénico” as propostas de tradução de intervenções de Enfermagem de âmbito psicoterapêutico para linguagem classificada CIPE® que apresentaram maior nível de consenso entre o grupo de peritos. Assim, estas parecem ser as intervenções que, de forma mais consensual, poderão vir a ser parametrizadas nos sistemas de informação de Enfermagem (em particular no SClínico) e, como tal, que poderão vir a ser documentadas pelos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica na sua prática clínica. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA A análise das implicações do presente estudo para a prática clínica pode ser dividida em três níveis: a) implicações para a prática clínica de Enfermagem; b) implicações para o ensino de Enfermagem; c) implicações para a investigação em Enfermagem. Assim, considera-se que os resultados obtidos, pese embora as limitações associadas aos mesmos (já anteriormente referidas) poderão, em certa medida, contribuir para o enriquecimento do corpo de conhecimento de Enfermagem. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 19


Relativamente às implicações para a prática clínica de Enfermagem assume-se, desde logo, a presumível relevância dos resultados obtidos para o enriquecimento do SClínico sob o ponto de visto da parametrização dos seus conteúdos. Desse modo, crê-se que se encontram criadas melhores condições para que os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica possam documentar de modo mais uniforme as intervenções de âmbito psicoterapêutico que planeiam e executam na sua prática clínica, podendo assim ser dada uma maior visibilidade à sua prática profissional autónoma. No que concerne ao ensino de Enfermagem, e considerando que parecem continuar a verificar-se algumas discrepâncias relativamente à forma de nomeação das intervenções de Enfermagem de âmbito psicoterapêutico, o presente estudo pode contribuir para a criação de uma maior uniformidade na nomeação das mesmas ao nível do processo de ensino.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 20

Nesse sentido, crê-se que a criação de uma maior uniformização no processo formativo dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica pode ter efeitos positivos na consolidação e afirmação do corpo de conhecimento desta área de especialidade. Finalmente, em relação às implicações para a investigação em Enfermagem, a uniformização do uso da linguagem classificada CIPE® preconizada pelo presente estudo para a nomeação das intervenções de Enfermagem de âmbito psicoterapêutico permite, acima de tudo, e caso a mesma seja efetivamente transposta para a investigação em Enfermagem, a possibilidade de comparabilidade de resultados de eficácia e/ou efetividade dessas mesmas intervenções em diferentes contextos e populações. Para além disso, este estudo pode ser encarado como um incentivo para que, cada vez mais, os enfermeiros foquem a sua investigação nas suas intervenções autónomas (cuja nomenclatura deve ser suportada pelas linguagens classificadas de Enfermagem), e não em intervenções cuja designação é “importada” de outras áreas disciplinares.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Psychiatric Association. (2014). DSM-5 – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5ª ed.). Lisboa: Climepsi. Bulechek, G. M., Butcher, H., & Dochterman, J. M. (2010). NIC – Classificação das intervenções de enfermagem (5ª ed.). Rio de Janeiro: Elsevier Editora. Fehring, R. J. (1987). Methods to validate nursing diagnoses. Heart & Lung, 16, 625-629. Goodman, C. M. (1987). The Delphi technique: A critique. Journal of Advanced Nursing, 12(6), 729-734. doi: 10.1111/j.1365-2648.1987.tb01376.x Green, B., Jones, M., & Hughes, D. (1999). Applying the Delphi technique in a study of GP’s information requirements. Health and Social Care in the Community, 7(3), 198-205. doi: 10.1046/j.1365-2524.1999.00176.x Hasson, F., Keeney, S., & McKenna, H. (2000). Research guidelines for the Delphi survey technique. Journal of Advanced Nursing, 32(4), 1008-1015. doi: 10.1046/ j.1365-2648.2000.t01-1-01567.x Hodge, M. B., Asch, S. M., Olson, V. A., Kravitz, R. L., & Sauve M. J. (2002). Developing indicators of nursing quality to evaluate nurse staffing ratios. The Journal of Nursing Administration, 32(6), 338-345. doi: 10.1097/00005110-200206000-00010 IBM Corp. Released. (2015). IBM SPSS Statistics for Macintosh, Version 24.0. Armonk: IBM Corp. Ingersoll, G. L., McIntosh, E., & Williams, M. (2000). Nurse-sensitive outcomes of advanced practice. Journal of Advanced Nursing, 32(5), 1272-1281. doi: 10.1046/j.1365-2648.2000.01598.x International Council of Nurses. (2011). CIPE® Versão 2 – Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem. Santa Maria da Feira: Ordem dos Enfermeiros. Keeney, S., Hasson, F., & McKenna, H. P. (2001). A critical review of the Delphi technique as a research methodology for nursing. International Journal of Nursing Studies, 38(2), 195-200. doi: 10.1016/S00207489(00)00044-4

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 22


Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0188

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USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ENTRE TRABALHADORES DA ENFERMAGEM | Alessandro Scholze1; Júlia Martins2; Ana Lúcia de Grandi3; Maria José Galdino4; Maria Lúcia Robazzi5 |

RESUMO CONTEXTO: O ambiente laboral da enfermagem pode predispor os trabalhadores ao uso de substâncias psicoativas, interferindo em sua saúde e na qualidade da assistência prestada. OBJETIVO: Identificar o uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores da enfermagem. MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 49 trabalhadores de enfermagem das áreas hospitalar e atenção primária de um município da Região Sul do Brasil. Os dados de caracterização dos profissionais e do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test foram analisados por estatística descritiva, odds ratio e teste de qui-quadrado de Pearson. RESULTADOS: O álcool foi a substância lícita mais consumida, e entre as ilícitas destacou-se a Cannabis. Não houve relação significativa entre o uso de álcool e as variáveis analisadas. Relacionaram-se ao tabagismo fatores ocupacionais e ligados à dependência da substância. Às substâncias psicoativas ilícitas vincularam-se apenas os fatores ligados ao seu consumo. CONCLUSÃO: Os gestores precisam ser sensibilizados quanto ao uso de substâncias psicoativas pelos trabalhadores, rompendo com a concepção de punição e preconceito, bem como elaborar estratégias individuais e coletivas que ajudem os trabalhadores a interromper com uso nocivo e, assim, possam melhorar sua saúde e qualidade de vida. PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem; Drogas ilícitas; Bebidas alcoólicas; Tabaco

RESUMEN

ABSTRACT

“Uso de sustancias psicoactivas entre los trabajadores de enfermería“

“Use of psychoactive substances among nursing workers”

CONTEXTO: El entorno de trabajo de enfermería puede predisponer a los trabajadores al uso de sustancias psicoactivas, lo que podría afectar a su salud y la calidad de la atención. OBJETIVO: Identificar el uso de sustancias psicoactivas entre los trabajadores de enfermería. METODOLOGÍA: Estudio transversal con 49 trabajadores de enfermería de las áreas hospitalarias y de atención primaria de una ciudad en el sur de Brasil. Los datos de caracterización de los profesionales y del Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test fueron analizados por estadística descriptiva, odds ratio y prueba de chi-cuadrado de Pearson. RESULTADOS: El alcohol fue la sustancia legal más consumida, y entre ilegal se destacó la marihuana. No hubo una relación significativa entre el consumo de alcohol y de las variables analizadas. Estaban relacionados con el tabaquismo y ocupacionales factores relacionados con la dependencia de sustancias. sustancias psicoactivas ilícitas vinculadas únicos factores relacionados con su consumo. CONCLUSIÓN: Los gerentes tienen que ser sensibilizados en el uso de sustancias psicoactivas por parte de trabajadores, lo que altera el concepto de castigo y los prejuicios, y los trabajadores tienen que encontrar estrategias para ayudarles a dejar con consumo perjudicial y por lo tanto puede mejorar su salud y calidad la vida. DESCRIPTORES: Enfermería; Drogas ilícitas; Bebidas alcohólicas; Tabaco

BACKGROUND: The nursing work environment may predispose workers to the use of psychoactive substances, interfering with their health and the quality of care provided. AIM: To identify the use of psychoactive substances among nursing workers. METHODS: A cross-sectional study was carried out with 49 nursing workers from the hospital and primary care areas of a municipality in the Southern Region of Brazil. Data from the characterization of professionals and the Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test were analyzed by descriptive statistics, odds ratio and Pearson’s chi-square test. RESULTS: Alcohol was the most widely used licit substance, and among the illicit drugs marijuana was highlighted. There was no significant relationship between alcohol use and the analyzed variables. Occupational factors related to substance dependence were related to smoking. Illicit psychoactive substances were linked only to the factors related to their consumption. CONCLUSION: Managers need to be sensitized to the use of psychoactive substances by workers, breaking with the conception of punishment and prejudice, and workers need to seek strategies that help them stop using harmful drugs and thus improve their health and quality of life. KEYWORDS: Nursing; Street drugs; Alcoholic beverages; Tobacco Submetido em 15-11-2016 Aceite em 29-10-2017

1 Enfermeiro; Mestrando na Universidade Estadual de Londrina, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 86020-510 Londrina, Paraná, Brasil, le.scholze@hotmail.com 2 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Associada na Universidade Estadual de Londrina, 86038-350 Londrina, Paraná, Brasil, jtmartins@uel.br 3 Enfermeira; Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina, Professora Assistente na Universidade Estadual do Norte do Paraná, Brasil, analudegrandi@yahoo.com.br 4 Enfermeira; Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina, Professora Assistente na Universidade Estadual do Norte do Paraná, Brasil, analudegrandi@yahoo.com.br 5 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Titular na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, 14040-902 Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, avrmlccr@eerp.usp.br Citação: Scholze, A. R., Martins, J. T., Grandi, A. L., Galdino, M. J. Q., & Robazzi, M. L. C. C. (2017). Uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores da enfermagem. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 23-30. doi: 10.19131/rpesm.0188 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 23


INTRODUÇÃO O uso de substâncias psicoativas tem aumentado em todo o mundo, inclusive no Brasil, tornando-se um problema de saúde pública. O uso de tais substâncias, quer sejam lícitas ou ilícitas, traz prejuízos para a saúde e qualidade de vida dos indivíduos, e gera consequências negativas nos âmbitos político, econômico e social (De Bem, Delduque, Silva, 2016; World Health Organization, 2016). A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 5% da população mundial entre 15 e 64 anos usaram drogas ilícitas em 2013; e, aproximadamente, 27 milhões sofreram algum problema devido ao uso abusivo de tais substâncias. No mesmo ano, o álcool esteve relacionado a uma parcela significativa de doenças e a 5,9% dos óbitos ocorridos mundialmente. Para 2015, a OMS fez uma projeção por país de consumo de álcool puro, e a estimativa para o Brasil foi de 9,1 litros por pessoa com 15 anos ou mais. Tais dados demonstram que as substâncias psicoativas são consumidas por indivíduos de diferentes faixas etárias, gêneros, classes econômicas e graus de escolaridade (World Health Organization, 2016). Pesquisas têm demonstrado que o conteúdo e o contexto do trabalho, sobretudo aqueles com alto stress, podem tornar os trabalhadores mais vulneráveis ao consumo de substâncias psicoativas (Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress). Nesse sentido, os trabalhadores de enfermagem encontram-se expostos diariamente a situações críticas, convivendo diariamente com o sofrimento, dor e morte. Além do que vivenciam altas cargas de trabalho, ocasionadas pela extensiva jornada laboral, privação do sono, déficit de trabalhadores, insuficiência de recursos materiais, superlotação nos estabelecimentos de saúde, ritmo acelerado, relações interpessoais complexas, falta de reconhecimento, dentre outros (Prochnow et al., 2013; Phiri, Draper, Lambert, & Kolbe-Alexander, 2014; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress). Assim, para evitar o sofrimento e as tensões oriundas das condições laborais, o trabalhador faz uso das substâncias psicoativas como estratégia de defesa, pois sua ação no sistema nervoso central gera uma sensação momentânea de bem-estar (Aggarwal et al., 2012; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress). Contudo, este uso traz consequências a curto, médio e longo prazo, tais como: dificuldades de memória, aprendizado, atenção e tomada de decisões; alta morbimortalidade por causas externas; doenças crônicas não transmissíveis, sobretudo os distúrbios mentais. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 24

Ademais, afeta a capacidade para o trabalho, levando a danos pessoais, acidentes do trabalho, absentismo laboral e perda de emprego (Kaspersen et al., 2016; McHugo, Drake, Haiyi, & Bond, 2012). Entre os profissionais de saúde, as consequências podem ser nefastas, por colocar em risco a saúde e segurança dos clientes sob seus cuidados. Diante deste panorama que se agrava com o avançar dos anos, a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde propõe a produção de conhecimento sobre os determinantes, fatores e populações de risco, relativos ao consumo de álcool, tabaco e outras drogas psicoativas para o desenvolvimento de políticas sociais. Desse modo e associado a escassez de estudos sobre o uso de substâncias psicoativas com os trabalhadores de enfermagem é fundamental a realização de estudos que identifiquem os fatores envolvidos nesse processo. Os achados poderão fornecer subsídios aos gestores e aos trabalhadores de enfermagem na execução de ações preventivas, de redução de danos e de tratamento de acordo com as diferentes necessidades. Assim, este estudo teve como objetivo identificar o uso de substâncias psicoativas entre trabalhadores de enfermagem. MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo e analítico, de delineamento transversal realizado com trabalhadores de enfermagem de uma instituição hospitalar e de sete Estratégias Saúde da Família de um município da Região Sul do Brasil. O hospital é um estabelecimento filantrópico que presta assistência à saúde até o nível de alta complexidade, por meio de seus 75 leitos e dos trabalhadores contratados no regime Consolidação das Leis do Trabalho. As Estratégias da Saúde da Família atendem, em nível de atenção primária, as necessidades de saúde da população adscrita, compreendendo todo o território do município, sendo os trabalhadores contratados em regime temporário (celetista) e definitivo (concurso público). Os critérios de inclusão adotados foram: ser trabalhador de enfermagem e não estar de férias ou licença. Constituíram-se em prováveis participantes do estudo 62 trabalhadores da área hospitalar e 26 da atenção primária, perfazendo um total de 88 profissionais. Entretanto, 12 encontravam-se de licença e 27 recusaramse a participar do estudo. Desta forma, a pesquisa foi realizada com uma amostra de 49 trabalhadores de enfermagem.


O instrumento de obtenção dos dados foi composto de questões para a caracterização sociodemográfica e ocupacional (sexo, idade, categoria profissional, local e turno de trabalho) e do Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST). O ASSIST é um instrumento que avalia o uso e o envolvimento com substâncias psicoativas por meio de oito questões sobre o uso de nove classes de drogas (tabaco, álcool, Cannabis, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiaceos), cujas respostas são fornecidas em escala do tipo Likert, que varia de 0 a 8. Este questionário permite o cálculo de diferentes pontuações, contudo o mais útil para a triagem clínica é o envolvimento com substâncias específicas, que indica a intensidade do risco relacionado ao consumo e sugestão de intervenções para encaminhamento. O ASSIST foi elaborado sob coordenação da OMS, validado internacionalmente e no Brasil, com boa consistência interna (alfa de Cronbach entre 0,79 e 0,81), sensibilidade (84% a 91%), especificidade (79% a 98%), valores preditivos positivos (80% a 93%) e negativos (85% a 96%) (Henrique et al., 2004). Os dados foram obtidos entre os meses de setembro de 2013 e abril de 2014, no qual, os pesquisadores convidaram os prováveis participantes, com até três tentativas. Aqueles que aceitaram eram encaminhados a salas reservadas nos locais de trabalho, onde eram esclarecidos sobre o objeto de estudo, assinavam o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e a seguir respondiam o instrumento de coleta que era disponibilizado em envelope individual lacrado. Os dados obtidos foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, por meio de estatística descritiva e analítica, em que foi calculado odds ratio e respectivos intervalos de confiança de 95%, e o teste de qui-quadrado de Pearson determinou as diferenças nas probabilidades, considerando p≤0,05 como estatisticamente significativo. O estudo atendeu aos aspectos éticos nacionais e internacionais durante todo seu percurso. A pesquisa foi aprovada por Comissão de Ética em Pesquisa, conforme Parecer n.° 579.919 e CAAE n.° 20439713.1.0000.0108.

A maioria das substâncias psicoativas pesquisadas foi consumida pelos participantes ao menos uma vez na vida, conforme identificado na Tabela 1. Ao analisar as lícitas, predominou o uso de bebidas alcoólicas, e entre as ilícitas a Cannabis. Tabela 1 - Substâncias Psicoativas Consumidas pelos Participantes ao Menos Uma Vez na Vida (n=49). Região Sul, Brasil, 2014 Substâncias Psicoativas

n (%)

Tabaco

20 (40,82)

Álcool

37 (75,51)

Cannabis

5 (10,20)

Cocaína

0 (0,00)

Anfetamina

2 (4,08)

Inalantes

1 (2,04)

Sedativos

1 (2,04)

Alucinógenos

1 (2,04)

Opioides

0 (0,00)

Outras

0 (0,00)

As variáveis de estudo não apresentaram significância estatística com o consumo de álcool frequente (últimos três meses). Ao analisar o envolvimento com o álcool, verificou-se que 91,84% (n=45) dos participantes apresentavam baixo risco de problemas relacionados à esse uso, e desta forma devem receber apenas orientação preventiva. Todavia, 8,16% (n=4) apresentavam risco moderado, devendo-se realizar uma intervenção breve. A Tabela 2 demonstra que entre os trabalhadores de enfermagem da área hospitalar a probabilidade de uso de tabaco foi 8,09 vezes maior do que entre aqueles que trabalhavam na atenção primária. Desenvolver as atividades laborais no período noturno aumentou as chances em 4,50 vezes do consumo de tabaco. Também constatou-se significância entre aqueles que perceberam o desejo ou urgência em consumir; problemas de saúde, sociais, legais ou financeiros relacionados ao uso; deixar de fazer atividades quotidianas devido ao consumo; preocupação de familiares quanto ao uso; e insucesso na tentativa de controlar, diminuir ou parar o consumo de tabaco.

RESULTADOS Dos 49 trabalhadores de enfermagem a maioria pertencia ao sexo feminino 95,92% (n=47) e a idade variou 23 e 61 anos, com média de 38 anos (DP=9,69). Quanto ao perfil ocupacional predominaram auxiliares e técnicos de enfermagem (75,51%; n=37), trabalhadores da área hospitalar (63,27%; n=31) e que desenvolviam as atividades no período diurno (71,43%; n=35). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 25


Tabela 2 - Fatores Relacionados ao Uso do Tabaco entre os Trabalhadores de Enfermagem (n=49). Região Sul, Brasil, 2014 Variáveis

Tabagismo Sim n (%)

Não n (%)

OR (95%)*

P value

Feminino

10 (21,28)

37 (78,72)

Masculino

1 (50,00)

1 (50,00)

0,27 (0,02 - 4,71)

0,34

≤40 anos

9 (27,27)

24 (72,73)

≥41 anos

2 (12,50)

14 (87,50)

2,62 (0,49 - 13,92)

0,24

4,07 (0,46 - 35,75)

0,18

Sexo

Faixa etária

Categoria profissional Auxiliar / Técnico

10 (27,03)

Enfermeiro

1 (8,33)

27 (72,97) 11 (91,67)

Nível de atenção à saúde Atenção hospitalar

10 (32,26)

Atenção primária

1 (5,56)

18,37% (n=9) apresentavam risco moderado, devendose realizar uma intervenção breve, pois o uso da substância pode ser nocivo ou problemático; e 4,08% (n=2) alto risco, com indicativo de dependência do tabaco, devendo ser encaminhados para tratamento especializado. Entre aqueles que referiram fazer uso de substâncias psicoativas ilícitas ou sem prescrição médica nos três últimos meses, apresentaram-se estatisticamente significantes os fatores: forte desejo ou urgência em consumir; deixar de fazer atividades quotidianas devido ao consumo; preocupação de familiares quanto ao uso; e insucesso na tentativa de controlar, diminuir ou parar o uso das substâncias ilícitas (Tabela 3). Tabela 3 - Fatores Relacionados ao Uso de Substâncias Psicoativas Ilícitas ou Sem Prescrição Médica entre os Trabalhadores de Enfermagem (n=49). Região Sul, Brasil, 2014

21 (67,74) 17 (94,44)

8,09 (1,94 - 69,70)

0,03

Variáveis

Substâncias Psicoativas Ilícitas Sim n (%)

Não n (%)

OR (95%)*

P value

-**

0,52

4,04 (0,45 - 36,07)

0,18

0,97 (0,17 - 5,58)

0,97

0,96 (0,20 - 4,60)

0,96

1,64 (0,33 - 8,02)

0,54

-**

0,02

-**

-

-**

0,02

Sexo

Turno de trabalho Noturno

6 (42,86)

8 (57,14)

Diurno

5 (14,29)

30 (85,71)

4,50 (1,09 - 18,62)

Feminino

8 (17,02)

39 (82,98)

Masculino

0 (0,00)

2 (100,00)

≤40 anos

7 (21,21)

26 (78,79)

<0,01

≥41 anos

1 (6,25)

15 (93,75)

6 (16,22)

31 (83,78)

<0,01

Auxiliar / Técnico Enfermeiro

2 (16,67)

10 (83,33)

0,03

Forte desejo de consumir Sim

10 (100,00) 0 (0,0)

Não

1 (2,56)

38 (97,44)

-**

Problemas de saúde devido ao tabaco Sim

4 (100,00)

0 (0,0)

Não

7 (15,56)

38 (84,44)

-**

Deixou de fazer atividades devido ao tabaco Sim

3 (100,00)

0 (0,0)

Não

8 (17,39)

38 (82,61)

8 (100,00)

0 (0,0)

Não

3 (7,32)

38 (92,68)

-**

<0,01

-**

<0,01

Insucesso na diminuição do tabaco Sim

9 (100,00)

0 (0,0)

Não

2 (5,00)

38 (95,00)

-**

<0,01

Uso de substâncias psicoativas ilícitas Sim

0 (0,00)

8 (100,00)

Não

11 (3,23)

30 (96,77)

Categoria profissional

Nível de atenção à saúde

Preocupação de familiares devido ao tabaco Sim

Faixa etária

-**

0,10

*odds ratio (intervalo de confiança 95%) **não foi possível calcular o odds ratio devido a uma das categorias apresentar valores iguais a zero.

Ao caracterizar o envolvimento com o tabaco, identificou-se que 77,55% (n=38) dos trabalhadores de enfermagem apresentavam baixo risco de problemas relacionados a esse uso, e desta forma devem receber apenas uma orientação preventiva. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 26

Atenção hospitalar

5 (16,13)

Atenção primária

3 (16,67)

26 (83,87) 15 (83,33)

Turno de trabalho Noturno

3 (21,43)

11 (78,54)

Diurno

5 (14,29)

30 (85,71)

Forte desejo de consumir Sim

1 (100,00)

0 (0,0)

Não

7 (14,58)

41 (85,42)

Problemas de saúde Sim

0 (0,0)

0 (0,0)

Não

8 (16,33)

41 (83,67)

Deixou de fazer atividades Sim

1 (100,00)

0 (0,0)

Não

7 (14,58)

41 (85,42)

Preocupação de familiares devido ao consumo Sim

1 (100,00)

0 (0,0)

Não

7 (14,58)

41 (85,42)

-**

0,02


Insucesso na diminuição Sim

2 (100,00)

0 (0,0)

Não

6 (12,77)

41 (87,23)

-**

<0,01

5,71 (0,32 - 102,39)

0,19

0,59 (0,06 - 5,50)

0,64

Uso de drogas injetáveis Sim (últimos 1 (50,00) três meses)

1 (50,00)

Não

40 (85,11)

7 (14,89)

Uso de substâncias psicoativas ilícitas Sim

1 (11,11)

8 (88,89)

Não

7 (17,50)

33 (82,50)

*odds ratio (intervalo de confiança 95%) **não foi possível calcular o odds ratio devido à uma das categorias apresentar valores iguais a zero.

Quanto ao envolvimento com tais substâncias, apenas um trabalhador apresentou risco moderado e, portanto, deve receber intervenção breve para anfetaminas, alucinógeno e sedativo. Os demais participantes devem ser apenas orientados preventivamente por se enquadrarem em baixo risco de problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas ilícitas. DISCUSSÃO Os dados sociodemográficos e ocupacionais dos trabalhadores de enfermagem deste estudo são semelhantes àqueles obtidos por estudos realizados no Brasil e no exterior, nos quais houve predominância do sexo feminino, o que se relaciona as características sócio-históricas da profissão (Prochnow et al., 2013; Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013). Identificou-se que a maioria das substâncias psicoativas pesquisadas foi consumida pelos participantes ao menos uma vez na vida, destacando-se o álcool, tabaco e Cannabis, o que foi observado também na população geral em todo o mundo (World Health Organization, 2016). Assim sendo, pressupõe-se que os profissionais da enfermagem também estão expostos às vulnerabilidades associadas ao consumo de substâncias de uma maneira geral. O uso de substâncias psicoativas está presente na sociedade deste a antiguidade nas comemorações e, até mesmo, em atos religiosos. Após a revolução industrial o ser humano passou a buscar diferentes alternativas para aumentar o prazer e diminuir o sofrimento vivenciado em seu ambiente laboral, destacando-se o uso de substâncias psicoativas como alternativa rápida e eficaz para lhe proporcionar o bem-estar, estabilizar o humor, para o relaxamento e reduzir o stress (Taggar et al., 2015).

Ainda é importante compreender que, muitas vezes, estes profissionais além das atividades profissionais têm que se dedicar aos trabalhos domésticos, como cuidar da casa e dos filhos, o que contribui no aumento da sobrecarga e do desgaste, e favorece a busca por alternativas para proporcionar um alívio. Entretanto, além de distúrbios físicos e psicológicos, as substâncias psicoativas causam dependência e, por consequência, estigmatiza o usuário, que passa a ser compreendido como uma pessoa com falhas no caráter e perigosa, que apresenta comportamento ameaçador e nocivo à sociedade, sem levar em consideração que se trata de um problema complexo e que precisa de tratamento (Varas-Díaz, Negrón, Neilands, Bou, & Rivera, 2010). O uso de álcool frequente não apresentou diferenças significativas com as variáveis sociodemográficas e ocupacionais dos participantes, tampouco os fatores ligados ao seu consumo, o que pode ter ocorrido pelo fato das bebidas alcoólicas serem substâncias psicoativas com o consumo socialmente aceite e incentivado. Desse modo, a forma de beber não é vista pelo indivíduo como algo prejudicial à sua saúde ou motivo de preocupação. Infere-se que o consumo de álcool pode estar relacionado ao ambiente com alto stress em que os profissionais da enfermagem estão inseridos, pois o álcool é uma substância ansiolítica que provoca uma diminuição da tensão e relaxamento, contribuindo para o consumo entre os trabalhadores. Entretanto, o uso das bebidas alcoólicas constitui-se em fator de risco universal para o desencadeamento de mais de 200 diferentes prejuízos de saúde, sendo responsável por cerca de 5,1% da carga global de doenças e lesões a população, o que implica em um aumento do absentismo laboral (World Health Organization, 2016). Nesse sentido, o álcool foi associado ao risco para o desenvolvimento de neoplasias, por ter um efeito carcinogênico ainda desconhecido. As bebidas alcoólicas causam lesões diretas no epitélio do trato digestivo e respiratório superior, o que pode favorecer a absorção de carcinógenos aumentando a predisposição às neoplasias de trato digestivo alto, estômago, cólon e reto. Também há um aumento significativo de câncer de mama, próstata, fígado, pâncreas e pulmão entre indivíduos que fazem uso habitual de álcool (Bagnardi et al., 2015). O álcool quando ingerido em pequenas doses e esporadicamente possui um efeito cardioprotetor. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 27


Contudo, quando ocorre a ingestão em níveis mais elevados associa-se ao aumento do risco cardiovascular, sobretudo para hipertensão, cardiomiopatia dilatada não isquêmica, fibrilação atrial e acidente vascular encefálico isquêmico e hemorrágico. Também associase a complicações metabólicas, como obesidade e diabetes mellitus tipo 2, e pode ocasionar a intoxicação aguda, acidentes, violência e conflitos sociais (O’Keefe, Bhatti, Bajwa, DiNicolantonio, & Lavie, 2014). Neste sentido, se faz necessário proporcionar ao trabalhador de enfermagem um ambiente de trabalho com características positivas, como a autonomia profissional, participação nas decisões da instituição e um bom relacionamento com a equipe multiprofissional, bem como incentivar outras atividades relaxantes que promovem o bem-estar como o exercício físico e o lazer. Quanto ao consumo do tabaco, identificou-se maior probabilidade entre os trabalhadores que desenvolviam suas atividades na área hospitalar e no período noturno. Pressupõe-se que o trabalho em nível hospitalar possui peculiaridades que o tornam níveis mais altos de stress, do que aquele desenvolvido na atenção primária. Esses trabalhadores encontram-se expostos aos diversos riscos ocupacionais tradicionais e aos riscos psicossociais que repercutem em stress, ansiedade e adoecimento mental, os quais têm sido considerados inerentes ao trabalho neste ambiente. Desse modo, o tabagismo pode ser utilizado como fuga tanto dos problemas laborais, como pessoais (Heikkilä et al., 2012; Perry, Lamont, Brunero, Gallagher, & Duffield, 2015). Em pesquisa realizada com enfermeiros norte-americanos que trabalhavam no período noturno há mais de 15 anos, identificou-se que esses profissionais tinham uma tendência ao tabagismo, o que se relaciona a sobrecarga de atividades, desgaste e stress. Os autores afirmam que o trabalho noturno traz prejuízos à saúde, como obesidade, abuso de álcool, sedentarismo, alterações no padrão de sono, doenças cardiovasculares, adoecimento mental, além de repercutir em insatisfação laboral. Entretanto, os profissionais que possuem idade mais avançada têm dificuldades de deixar de fumar e apesar de saber dos malefícios, muitos se negam a participar de programas para tratamento (Schernhammer, Feskanich, Liang, & Han, 2013). Entre as patologias que estão associadas ao tabagismo destacam-se os problemas respiratórios, sobretudo enfisema pulmonar, bronquite, infecções de vias áreas e tuberculose, além de ser fator de risco significativo para o câncer de pulmão, pois cerca de 87% dos casos que Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 28

evoluem a óbito estão relacionados ao hábito de fumar (Zinonos, Zachariadou, Zannetos, Panayiotou, & Georgiou, 2016). Em contraposição às bebidas alcoólicas, os participantes deste estudo que consumiam tabaco percebem que a dependência da substância gera problemas de saúde, sociais ou financeiros, bem como o tabagismo é motivo de preocupação de familiares, e reconhecem a dificuldade na tentativa de diminuir ou parar com o consumo. Assim, torna-se necessário a adoção de medidas preventivas que diminuam o stress ocupacional para a equipe de enfermagem, e a implementação nas instituições de programas que auxiliem aqueles que desejam abandonar o vício, para além da simples proibição do uso do tabaco no ambiente laboral, considerando a repercussão pessoal e social que o tabagismo acarreta ao trabalhador. Esses programas devem considerar a dificuldade e a complexidade do trabalhador cessar o tabagismo, pois a dependência da nicotina é física e psicológica, e tornam-se necessárias intervenções farmacológicas e psicoterapêuticas (Taggar et al., 2015). Nota-se neste estudo, o envolvimento dos trabalhadores da enfermagem com as substâncias ilícitas, sendo a Cannabis a mais relatada, que é a substância ilícita mais consumida em nível mundial (Aggarwal et al., 2012). De modo semelhante ao consumo de álcool e tabagismo, o uso das demais substâncias psicoativas está diretamente relacionado às vivências de stress e sofrimento advindo das sobrecargas que lhe são impostas e das condições laborais inadequadas, que associada a facilidade de acesso as drogas, são fatores contributivos para o uso por esses profissionais (Phiri, Draper, Lambert, Kolbe-Alexander, 2014; Scholze, Martins, Galdino, & Ribeiro, inpress). Estudos mostraram que os trabalhadores de enfermagem fazem uso de álcool, tabaco e demais drogas psicoativas, porém ao compará-los com a população geral evidencia-se um consumo menor. Pressupõe-se que esses profissionais adotam um estilo de vida saudável ou, ainda, que esta é uma informação subnotificada, pois há um constrangimento e insegurança dos profissionais relatarem o uso dessas substâncias, considerando que a sociedade espera deles padrões de comportamento, isto é, são pessoas que apresentam o saber técnicocientífico, que possuem a função esclarecer a população quanto os agravos oriundos ao uso abusivo e encaminhar o indivíduo ao tratamento. Além disso, há o medo de sofrer represálias do empregador e até mesmo ser


demitido (Rocha & David, 2015; Sarna Sarna, Bialous, Nandy, & Yang, 2012; Zinonos, Zachariadou, Zannetos, Panayiotou, & Georgiou, 2016). Esta assertiva também pode explicar o fato de 30,7% dos trabalhadores da população terem se recusado a participar deste estudo, a fim de evitar sua exposição. Outra investigação demonstrou o consumo de anfetaminas, opioides e benzodiazepínicos, além do álcool e tabaco entre trabalhadores de enfermagem. Indicouse que esses profissionais possuem facilidade de acesso a esses tipos de drogas por estarem presentes nos serviços de saúde e a guarda de tais medicamentos ficarem sob sua responsabilidade. Também mostrou-se que, na maioria das vezes, são utilizados com a finalidade de diminuir o stress laboral e o cansaço devido à jornada extensa de trabalho (Rocha & David, 2015). O envolvimento com substâncias específicas mostrou que a maioria dos participantes deste estudo deveriam receber orientações preventivas ou intervenção breve. Tais intervenções consistem em encontros presenciais e breves para fornecer informações e aconselhamento para evitar o uso de substâncias, ou ensinar habilidades de mudança de comportamento. Há evidências científicas que as intervenções breves realizadas na atenção primária reduzem as probabilidades de sofrer consequências negativas, tais como lesões, doenças e incapacidades associadas ao uso não-médico de substâncias psicoativas (Young et al., 2014). Estudo acrescenta que os programas de redução de danos para o consumo de substâncias psicoativas devem ser inseridos nos estabelecimentos de saúde, sobretudo nos ambientes hospitalares, considerando que os programas voltados aos hábitos de vida apresentam uma grande resistência pelos trabalhadores. Portanto, as instituições devem oferecer um suporte visando um atendimento individual e precoce, no qual, o indivíduo será auxiliado na modificação de seus hábitos e no enfrentamento das situações laborais, sem repreender o trabalhador a fim de evitar o seu distanciamento (Perry, Lamont, Brunero, Gallagher, & Duffield, 2015). As limitações deste estudo estiveram relacionadas ao delineamento transversal que não possibilita o adequado estabelecimento da relação causa e efeito. Deve-se considerar que foi uma pesquisa autorreferida, e que os participantes podem ter respondido o questionário considerando os padrões aceitáveis pela sociedade, visto que há uma estigmatização com aqueles que fazem uso abusivo, uso de substâncias ilícitas, sem prescrição médica e a dependência química. Outra limitação diz respeito ao fato de ser uma amostra de profissionais de um município de porte pequeno o que inviabiliza a generalização dos seus resultados.

Entretanto, os objetivos do estudo foram alcançados e os seus resultados avançam no conhecimento por ter identificado o uso de substâncias psicoativas entre a equipe de enfermagem da atenção primária e instituição hospitalar, e a necessidade de intervenção. Embora este profissional, pelo conteúdo do seu trabalho e sua formação, conheça os efeitos prejudiciais do álcool, tabaco e demais substâncias nos níveis biopsicossocial, encontram-se vulneráveis ao uso. Assim é preciso compreender que por traz dos profissionais, há pessoas que pertencem a uma sociedade que incentiva o consumo de algumas substâncias, e que sofrem as mesmas influências que os indivíduos que não fazem parte da área da saúde. Esses achados sugerem a necessidade da implementação de ações voltadas para a redução de danos a saúde dos trabalhadores. Os gestores das instituições de saúde devem estar abertos e sensibilizados com relação à este consumo, buscando compreender o trabalhador em sua singularidade, e romper com a concepção de punição e preconceito que ainda é comum quando se trata do uso substâncias psicoativas. Torna-se premente que os trabalhadores enfrentem esta questão e busquem apoio para interromper o uso e, assim, possam melhorar sua saúde e qualidade de vida e, por consequência, repercutir em uma melhor assistência de enfermagem aos clientes que estão sob seus cuidados. CONCLUSÃO O álcool foi a substância mais consumida entre os participantes da pesquisa e não apresentou relação com os fatores em estudo. O tabaco foi a segunda substância psicoativa mais consumida e esteve relacionado ao trabalho na área hospitalar e noturno, bem como aos fatores ligados a dependência da substância. Entre as substâncias psicoativas ilícitas, relacionaram-se apenas os fatores ligados ao seu consumo. Quanto ao envolvimento com substâncias específicas prevaleceu o baixo risco para o uso de álcool, tabaco, anfetaminas, alucinógenos e sedativos, devendo-se orientar preventivamente os trabalhadores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aggarwal, S. K., Carter, G. T., Zumbrunnen, C., Morrill, R., Sullivan, M., & Maye J. D. (2012). Psychoactive substances and the political ecology of mental distress. Harm Reduction Journal, 9(4). doi: 10.1186/14777517-9-4 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 29


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Artigo de Investigação

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0189

5

VIOLÊNCIA NA ESCOLA E TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM PROFESSORES1 | Alyne Fernanda Torres de Lima2; Vanessa Maria da Silva Coêlho3; Albanita Gomes da Costa de Ceballos4 |

RESUMO CONTEXTO: A violência que atinge a escola fragiliza os professores, podendo desencadear problemas de saúde física e mental nestes profissionais. OBJETIVO: Analisar a associação entre a violência na escola e os transtornos mentais comuns (TMC) em professores. MÉTODOS: Estudo de corte transversal exploratório, do qual participaram 525 professores de Escolas da Rede Pública de um município da Região Metropolitana do Recife (RMR) – Pernambuco. Os dados foram coletados por meio de uma entrevista com os professores que responderam um questionário autoaplicável contendo questões referentes a aspectos sociodemográficos, da atividade profissional, das condições do ambiente de trabalho, violência na escola e saúde. Para avaliação do TMC foi aplicado o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). RESULTADOS: Foram investigados 525 professores. A prevalência de TMC foi de 37,1%. Constatou-se que a agressão física e a agressão verbal contra o professor, a agressão ou ameaça com arma de fogo ou arma branca, o tráfico e o consumo de drogas na escola estão associados à presença de TMC. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ao mesmo tempo em que se faz necessário investir na promoção da saúde mental e na capacitação do professor para o enfrentamento e a prevenção da violência por meio de medidas de segurança, é preciso intervir no contexto social no qual a escola está inserida. Para tanto, é preciso dar visibilidade ao problema aumentando o debate científico e da sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Transtornos mentais; Violência; Saúde do trabalhador

RESUMEN

ABSTRACT

“Violencia en la escuela y transtornos mentales comunes en profesores1”

“Violence at school and common mental disorders in teachers1”

CONTEXTO: La violencia que afecta a la escuela debilita a los profesores, pudiendo desencadenar problemas de salud física y mental. OBJETIVO: Analizar la asociación entre la violencia en la escuela y los Trastornos Mentales Comunes (TMC) en los profesores. METODOLOGIA: Estudio de corte transversal exploratório. Participaron 525 profesores de Escuelas de la Red Pública de un municipio de la Región Metropolitana de Recife (RMR) - Pernambuco. Los datos fueron recolectados a través de una entrevista con los profesores, quienes respondieron un cuestionario autoaplicable que contenía cuestiones referentes a los aspectos sociodemográficos, la actividad profesional, las condiciones del ambiente de trabajo, la violencia en la escuela y la salud. Para la evaluación del TMC se aplicó el SelfReporting Questionnaire (SRQ-20). RESULTADOS: Se investigaron 525 profesores. La prevalencia de TMC fue del 37,1%. El estudio constató que la agresión física y la agresión verbal contra el profesor, la agresión o amenaza con arma de fuego o arma blanca, el tráfico y el consumo de drogas en la escuela están asociados a la presencia de TMC. CONSIDERACIONES FINALES: Al mismo tiempo que se hace necesario invertir en la promoción de la salud mental y en la capacitación del profesor para el enfrentamiento y la prevención de la violencia por medio de medidas de seguridad, es necesario intervenir en el contexto social en el cual la escuela está inserta. Para ello, es necesario dar visibilidad al problema aumentando el debate científico y la sociedad.

DESCRIPTORES: Trastornos mentales; Violencia; Salud laboral

BACKGROOUND: The violence that reaches the school weakens the teachers and can trigger problems of physical and mental health in these professionals. AIM: To analyze the association between violence in school and Common Mental Disorders (CMD) in teachers. METHODS: Exploratory cross-sectional study, in which 525 teachers from Public School Schools participated in a city in the Metropolitan Region of Recife (RMR) - Pernambuco. Were collected through an interview with the teachers, who answered a self-administered questionnaire containing questions regarding sociodemographic aspects, professional activity, working environment conditions, school violence and health. Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) was applied for TMC evaluation. RESULTS: 525 teachers were investigated. The CMD prevalence was 37,1%. Was found that physical aggression and verbal aggression against the teacher, aggression or threat with a firearm or white weapon, drug trafficking and consumption in school are associated with the presence of CMD. FINAL CONSIDERATIONS: At the same time that it is necessary to invest in the promotion of mental health and in the training of teachers to confront and prevent violence through security measures, it is necessary to intervene in the social context in which the school is inserted. In order to do so, it is necessary to give visibility to the problem by increasing the scientific and social debate.

KEYWORDS: Mental disorders; Violence; Occupational health Submetido em 19-06-2017 Aceite em 08-11-2017

1 Este artigo é resultado de Dissertação de Mestrado intitulada “A violência na escola e os transtornos mentais comuns (TMC) em professores de escolas municipais de Jaboatão dos Guararapes – Pernambuco”, defendida pela primeira autora no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação da terceira autora, em março de 2014. As autoras declaram que contaram com recursos financeiros do Edital Universal - CNPq para a elaboração deste trabalho. 2 Biomédica; Mestre em Saúde Coletiva, Rua Edgar Valois, nº 236, 55644-178 Gravatá, PE, Brasil, fernandalyne@hotmail.com 3 Fisioterapeuta; Mestranda na Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação, 50630-620 Recife, PE, Brasil, vanessamscoelho@outlook.com 4 Fonoaudióloga; Doutora em Saúde Pública; Professora na Universidade Federal de Pernambuco, 50740-600, Recife, PE, Brasil, albanita.costa@ufpe.br Citação: Lima, A. F. T., Coêlho, V. M. S., & Ceballos, A. G. C. (2017). Violência na escola e transtornos mentais comuns em professores. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 31-36. doi: 10.19131/rpesm.0189 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 31


INTRODUÇÃO

MÉTODOS

A violência é um problema social e histórico que atinge a escola manifestando-se na forma de indisciplina, intolerância e comportamentos agressivos. Atos de depredação do patrimônio, invasões, ameaças, agressões verbais e físicas envolvendo alunos, professores e funcionários em conflitos por delimitação de espaço e poder, levam a discussões sobre a conduta de contenção da violência na escola e sobre a repercussão da mesma na qualidade de vida e na saúde de quem a vivencia (Santos, Vidal, Bittencourt, Boery e Sena, 2011). Cerca de 80% dos professores referem já ter vivenciado algum episódio de violência no ambiente escolar, sendo a violência contra o próprio docente a forma mais frequente (Ristum, 2010), encontrando-se este profissional, geralmente, despreparado para atuar frente ao conflito (Oliveira, 2012). Ser alvo de violência pode provocar danos à saúde dos indivíduos e afetar a integridade física e psíquica dos trabalhadores, causando sintomas de origem psicossomática, desencadeamento ou agravamento de doenças, alterações no sono, depressão, ansiedade e outros (Sousa, 2013). Devido às condições de trabalho diárias, problemas relacionados à saúde mental são frequentemente relatados pelos professores (Ferreira, 2010), sendo este um grande entrave para o bem-estar dos docentes (Oliveira, 2013). Dentre os problemas de saúde mental, destacam-se os Transtornos Mentais Comuns (TMC) que são caracterizados como sintomas não-psicóticos como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas (Goldberg e Huxley, 1992). Estudos realizados no Brasil com professores apontaram uma prevalência de TMC que variou de 17,8% (Silva, e Silva, 2013) a 54,7% (Oliveira, 2013). Estes profissionais estão mais propensos ao sofrimento psíquico, sendo sua presença mais comum em docentes vítimas de violência no ambiente escolar e que tiveram algum tipo de conflito com alunos e pais de alunos (Maciel, Nogueira, Maciel, e Aquino, 2012). Assim, diante da magnitude do problema da violência na escola e da hipótese de que esta violência afete a saúde mental dos professores, este estudo teve como objetivo analisar a associação entre a violência na escola e os transtornos mentais comuns (TMC) em professores das Escolas da Rede Pública de um município na Região Metropolitana do Recife (RMR) – Pernambuco.

A presente pesquisa segue os moldes de um estudo de corte transversal exploratório e faz parte de um projeto estruturante intitulado “Condições de Trabalho e Saúde do Professor”. Este foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/ CCS/UFPE) sob o registro CAAE – 0489.0.172.000-11 e autorizada pela Secretaria de Educação do Município de Jaboatão dos Guararapes. Jaboatão dos Guararapes está situado na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, em zona urbana e no litoral, distante 20km da capital do Estado. É composto por 686.122 habitantes, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,717 e o Índice de Gini de 0,59 (Base de Dados do Estado [BDE], 2016). A rede de educação pública municipal conta com 118 escolas de ensino fundamental e 85 unidades de ensino pré-escolar, 2.228 professores e 48.754 estudantes (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2015). Para cálculo do tamanho da amostra, foi utilizado o módulo StatCalc do programa EpiInfo versão 3.5.1. Os parâmetros de cálculo foram: estudo de corte transversal, frequência de TMC de 41,5% em professores do ensino fundamental e médio (Delcor et al., 2004), intervalo de confiança de 95%, poder do estudo de 80% e razão de chances igual a 2. O resultado foi de amostra mínima composta por 252 professores. Considerando possíveis recusas e perdas ou problemas no preenchimento dos questionários, foi acrescido 40% ao número de tamanho de amostra e desta forma, a amostra calculada final do estudo foi de 353 professores. Os critérios de seleção foram: ser professor do quadro permanente da secretaria municipal de educação e estar participando das sessões de educação continuada ofertadas pela secretaria de educação. As atividades de educação continuada são oferecidas rotineiramente aos docentes e todos são convidados a participar. Todos os participantes que consentiram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os sujeitos responderam a um questionário autoaplicável contendo questões sociodemográficas, da atividade profissional, das condições do ambiente de trabalho, violência na escola e saúde. A violência na escola foi analisada com referência aos seis meses anteriores ao estudo nas dimensões de agressão ou ameaça física e verbal e consumo ou venda de drogas e álcool. As questões foram desenvolvidas pelos autores da pesquisa.

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Os transtornos mentais comuns foram avaliados utilizando o Self Reporting Questionnaire (SRQ-20) (World Health Organization [WHO], 1994), versão em português. O SRQ-20 foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde com o objetivo de avaliar os TMC em países em desenvolvimento, sendo comumente utilizado como um instrumento de triagem no Brasil e em outros diversos países. É um instrumento autoaplicável composto por 20 questões. Sobre as características do instrumento, estudos na população brasileira mostram boa consistência interna (α=0,81) (Santos, Araújo e Oliveira, 2009), sensibilidade de 85,0% e especificidade de 80,0% (Mari e Williams, 1986). No presente estudo, para compor a variável TMC foi atribuído 1 ponto para cada resposta positiva e zero ponto para cada resposta negativa. Após o somatório, foi considerado suspeito de TMC (TMC Sim) os pesquisados com pontuação igual ou maior a 8 e não suspeito de TMC (TMC Não) os pesquisados com pontuação menor ou igual a 7, sem distinção de sexo. Para a digitação dos dados foi usado o programa EPIINFO® na versão 3.5.2. Para análise dos dados foi utilizado o IBM SPSS Statistics versão 20.0. A descrição das variáveis se deu por meio de análise de frequências e investigou-se a associação da violência com os transtornos mentais comuns, estimando-se os odds ratio (OR) simples e os intervalos de confiança a 95% (IC95%). Por se tratar de um estudo de caráter exploratório, não foram analisados fatores de confundimento ou interação.

ao trabalho por problema de saúde 5 ou mais vezes nos últimos 12 meses. Apenas 8,8% referiu ser fumante e 13,1% referiu consumir bebida alcoólica regularmente. A frequência de TMC foi igual a 37,1% (Tabela 1). Tabela 1 - Prevalência dos Sintomas Psíquicos Avaliados pelo Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e de Transtornos Mentais Comuns (TMC) em Professores da Rede Municipal de Ensino de Jaboatão dos Guararapes-PE Variáveis

N=525

%

Não

300

57,1

Sim

225

42,9

Não

443

84,4

Sim

82

15,6

Não

335

63,8

Sim

190

36,2

Não

360

68,6

Sim

165

31,4

Não

460

87,6

Sim

65

12,4

Não

294

56,0

Sim

231

44,0

Dores de cabeça frequentes

Falta de apetite

Dorme mal

Assusta-se com facilidade

Tem tremores nas mãos

Sente-se nervoso, tenso ou preocupado

Tem má digestão

RESULTADOS

Não

366

69,7

Devido a grande adesão dos pesquisados, a pesquisa coletou informações de 525 sujeitos. Não foram registradas perdas ou recusas. Dentre os professores pesquisados, a maioria era do sexo feminino (86,1%), tinha idade maior que 36 anos de idade (62,5%), cor da pele auto referida não branca (72,2%) e heterossexuais (94,3%). Houve predomínio de professores especializados e pós-graduados (53,5%). A renda média do domicílio era menor ou igual a dez salários mínimos (68,4%) tendo quatro ou mais dependentes dessa renda (54,3%). Alguns entrevistados já trabalhavam como professores há vinte anos ou mais (26,5%) e alguns referiram uma carga horária igual ou maior que quarenta horas semanais (86,5%). Sobre a valorização profissional, os professores responderam que se sentiam valorizados pelos colegas de trabalho (93,0%), pela chefia (88%) e pelos alunos (93,9%). Sobre a saúde geral dos professores, aproximadamente 70% dos pesquisados referiu ter faltado

Sim

159

30,3

Tem dificuldade em pensar com clareza Não

412

78,5

Sim

113

21,5

Não

315

60,0

Sim

210

40,0

Não

415

79,0

Sim

110

21,0

Tem se sentido triste ultimamente

Tem chorado mais do que costume

Dificuldade em encontrar satisfação nas atividades diárias Não

335

63,8

Sim

190

36,2

Não

390

74,3

Sim

135

25,7

Dificuldade para tomar decisões

Tem dificuldade no serviço (seu trabalho é penoso, causa sofrimento) Não

442

84,2

Sim

83

15,8

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É incapaz de desempenhar um papel útil em sua vida Não

89

17,0

Sim

436

83,0

Não

423

80,6

Sim

102

19,4

Tem perdido o interesse pelas coisas

Sente-se uma pessoa inútil, sem préstimo

Tabela 2 - Associação entre Transtornos Mentais Comuns e as Situações de Violência na Escola Vivenciadas pelos Professores TMC

Variáveis

Sim n (%)

Não n (%)

Não

281(69,4)

124(30,6)

Sim

49(40,8)

71(59,2)

497

94,7

Sim

28

5,3

Não

477

90,9

Sim

48

9,1

Não

360

68,6

Não

319(65,4)

169(34,6)

Sim

165

31,4

Sim

11(29,7)

26(70,3)

Sente-se cansado o tempo todo

Tem sensações desagradáveis no estomago

IC 95%

Agressão física contra o professor dentro da escola

Não Tem tido a ideia de acabar com a vida

OR

3,28

2,15 – 5,00

Agressão verbal e/ou ameaça contra o professor dentro da escola Não

220(73,3)

80(26,7)

Sim

110(48,9)

115(51,1)

2,87

1,99 – 4,14

Agressão ou ameaça com arma de fogo ou arma branca dentro da escola 4,46

2,15 – 9,25

Tráfico ou venda de drogas dentro da escola

Não

360

68,6

Não

310(65,7)

162(34,3)

Sim

165

31,4

Sim

20(37,7)

33(62,3)

Cansa com facilidade

3,15

1,75 – 5,67

2,48

1,42 – 4,32

Consumo de drogas dentro da escola

Não

349

66,5

Não

305(65,3)

162(34,7)

Sim

176

33,5

Sim

25(43,1)

33(56,9)

Não suspeito

330

62,9

Não

319(63,5)

183(36,5)

Suspeito

195

37,1

Sim

11(47,8)

12(52,2)

TMC (score do SRQ-20)*

Consumo de bebida alcoólica dentro da escola 1,90

0,82 – 4,39

Legenda: N = valor absoluto; % = valor percentual, (*) ponto de corte 7/8.

Legenda: N = valor absoluto; % = valor percentual; OR = Odds Ratio

Sobre a violência na escola, os entrevistados apontaram como principais acontecimentos a agressão verbal e/ou ameaça contra o professor (42,9%) e a agressão física contra o professor (22,9%), sendo o aluno apontado como o principal perpetrador em 76,8% e 80% dos casos respectivamente. Os professores referiram também ter sofrido agressão ou ameaça com arma de fogo ou arma branca (7,0%), ter presenciado tráfico ou venda de drogas ilícitas (10,1%), presenciado consumo de drogas ilícitas (11,0%) e presenciado consumo de bebida alcoólica (4,4%) dentro da escola. Nas quatro situações, os estudantes eram os principais perpetradores da violência (72,8%, 81,1%, 84.5% e 78,3% respectivamente). Analisando a associação dos TMC com as situações de violência vivenciadas pelos professores no ambiente escolar, dentre todas as variáveis questionadas apenas o consumo de bebida alcoólica dentro da escola não se mostrou associado ao desfecho pesquisado (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 34

Este estudo analisou a associação entre transtornos mentais comuns (TMC) e a violência na escola. Descreve a prevalência dos TMC e das formas de violência numa realidade bastante frequente, não só da capital pernambucana, mas do Brasil: a do elevado registro de atos violentos e ameaças contra professores no ambiente escolar. O estudo assinala a importância de se conhecer como as situações no âmbito das instituições de ensino influenciam na saúde física e mental dos docentes, comprometendo a qualidade de vida daqueles que se comprometeram com a sociedade a tornar o mundo melhor através da educação. As características gerais da população estudada como sexo, idade e escolaridade são semelhantes às encontradas em outros estudos realizados no país com professores (Souza et al., 2011; Ferreira et al., 2015). A prevalência de casos suspeitos de TMC neste estudo foi de 37,1%, valor intermediário entre os achados de Silva e Silva (2013) e Oliveira (2013), que foi de 17,8% e 54,7%, respectivamente, em estudos com professores.


Estes valores são maiores que os encontrados para a população geral pelo estudo de Coêlho et al. (2009) de 30,2% e para a população de trabalhadores urbanos pelo estudo de Farias e Araújo (2011) de 25,2%. Tais números sugerem que a docência, em diferentes cenários e áreas do Brasil, afeta a saúde mental do professor. Sobre as situações de violência vivenciadas na escola, neste estudo a agressão verbal ou ameaça e a agressão física foram apontadas como as formas mais frequentes, tendo o estudante como principal perpetrador. Este resultado se assemelha ao encontrado por Tiesman, Konda, Hendricks, Mercer & Amandus (2013) no qual 60,4% dos professores relataram ter sofrido agressão verbal e em 73% dos casos partindo dos estudantes. Kauppi & Pörhöla (2012) avaliando a violência contra o professor a partir do bullying e da vitimização, afirmam que alguns professores atribuem a violência à falta de valorização profissional. Costa, Barbosa e Carraro (2014) destacam que o sentimento de insegurança e fragilidade emocional que os professores enfrentam em situações de violência podem levar ao desgaste profissional, a desmotivação para o trabalho e ao adoecimento mental o que, por sua vez, poderia repercutir no absenteísmo. O estudo mostra que a agressão física (OR=3,28 IC95%=2,15-5,00) e a agressão verbal (OR=2,87 IC95%=1,99-4,14) contra o professor, bem como a agressão ou ameaça com arma branca ou arma de fogo (OR=4,46 IC95%=2,15-9,25), o tráfico (OR=3,15 IC95% 1,75-5,67) e o consumo de drogas na escola (OR=2,48 IC95%=1,42-4,32) estão associados aos TMC. Sobre isso, Türküm (2011) discute que apesar de existirem normas legais para proteger os indivíduos dessas situações, muitas vezes esses não pedem ajuda e, por não obter o apoio necessário e o atendimento especializado de que necessitam para tratar o trauma causado por essa violência, acabam desenvolvendo tal tipo de transtorno. Este estudo, por uma limitação do desenho transversal, não pode confirmar a sequência temporal dos eventos. Para aumentar a segurança dos pesquisados sobre o anonimato das informações, não foi questionado o nome das escolas nas quais os mesmos lecionavam e, por este motivo, não foi possível mapear a violência na rede pública de ensino do Município.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditando que a escola seja um ambiente de desenvolvimento e crescimento, não somente para o aluno, mas também para o professor, é preciso uma maior compreensão sobre o fenômeno crescente da violência na escola e de como ele afeta a vida e a saúde destes trabalhadores e de todos os envolvidos. Por ser a violência um problema complexo e multifatorial, ao mesmo tempo em que se faz necessário investir na promoção da saúde mental e na capacitação do professor para o enfrentamento e prevenção da violência por meio de medidas de segurança, é preciso intervir no contexto social no qual a escola está inserida. Para tanto, é preciso dar visibilidade ao problema aumentando o debate científico e da sociedade. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Devido aos Transtornos Mentais Comuns serem a morbidade psiquiátrica mais prevalente na sociedade, fazse necessário a realização de estudos que investiguem a prevalência dos TMC, seus fatores associados e sua influência na saúde física e mental dos trabalhadores de modo a estimar o impacto destes diante da prática clínica. Tais investigações servirão de subsídio teórico e empírico no planejamento de ações da prática clínica, seja no âmbito da prevenção e/ou da promoção da saúde mental dos trabalhadores e/ou na reabilitação e reinserção social/profissional daqueles que necessitarem de tratamento psíquico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Base de Dados do Estado. (2016). Perfil municipal Jaboatão dos Guararapes. Disponível em http:// w w w.b de.p e.gov.br/ArquivosPerf ilMunicipal/ JABOAT%C3%83O%20DOS%20GUARARAPES.pdf Coelho F. M. C., Pinheiro R. T., Horta B. L., Magalhães P. V. S., Garcias C. M. M., e Silva C. V. (2009). Common mental disorders and chronic non-communicable diseases in adults: A population-based study. Cadernos de Saúde Pública, 25(1), 59-67. doi: 10.1590/S0102311X2009000100006 Costa M. S. G. A., Barbosa N. D., e Carraro P. R. (2014). A importância do trabalho do psicólogo escolar aos docentes em escolas públicas. Revista EIXO, 3(2), 73-80. Disponível em http://revistaeixo.ifb.edu.br/index.php/ RevistaEixo/article/viewFile/146/118

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Artigo de Investigação

6

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0190

ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA COMO PREDITORES DO ESTADO COGNITIVO EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS | Cristina Imaginário1; Paulo Machado2; Magda Rocha3; Cristina Antunes4; Teresa Martins5 |

RESUMO CONTEXTO: Partimos do pressuposto que a preservação do desempenho das atividades básicas e instrumentais de vida diária em idosos institucionalizados contribui para a potenciação e conservação da função cognitiva. OBJETIVOS: Avaliar se a capacidade funcional para as atividades de vida diária prediz a função cognitiva dos idosos institucionalizados em Equipamentos Residenciais. MÉTODOS: Estudo transversal correlacional preditivo, com recurso a amostra aleatória simples constituída por 475 sujeitos. Instrumentos: Mini-Mental State Examination (Guerreiro et al., 1994); Índice de Barthel (Araújo, Ribeiro, Oliveira e Pinto, 2007) e Escala de Lawton & Brody (Araújo, Ribeiro, Oliveira, Pinto e Martins, 2008). RESULTADOS: Os idosos que residem nas instituições residenciais são maioritariamente do género feminino, com idades compreendidas entre 65 e 104 anos (M = 83,94, DP = 7,21), na maioria viúvos e analfabetos. O modelo de regressão múltipla sugere que as atividades básicas e instrumentais de vida diária explicam cerca de 49% da variância existente do estado mental dos idosos. Verificou-se que as atividades instrumentais de vida diária correspondem ao preditor com maior peso, embora a contribuição das atividades básicas de vida diária seja também, estatisticamente, significativa para o modelo. CONCLUSÕES: O modelo sugere que a manutenção da execução das atividades de vida diária beneficia o estado cognitivo nestes utentes. Através de intervenções de estimulação motora e social, os idosos poderão preservar a sua autonomia na realização de atividades de vida diária, que por sua vez potenciam uma maior saúde mental, melhor bem-estar e maior autoestima. PALAVRAS-CHAVE: Atividades básicas e instrumentais de vida diária; Estado cognitivo; Idosos institucionalizados

RESUMEN

ABSTRACT

“Actividades diarias como predictores del estado cognitivo en ancianos institucionalizados”

“Activities of daily living as cognitive state predictors for the institutionalized elderly”

CONTEXTO: Partimos del presupuesto que la preservación del desarrollo de actividades básicas e instrumentales de la vida diaria en ancianos institucionalizados contribuye para la mejoría y preservación de la función cognitiva. OBJETIVOS: Evaluar si la capacidad funcional para las actividades de la vida diaria predice la función cognitiva de los ancianos institucionalizados en aparatos residenciales. METODOLOGÍA: Una correlación predictiva con encuesta, usando muestra aleatoria simple de 475 sujetos. Instrumentos: Mini-Mental State Examination, (Guerrero et al., 1994) Índice de Barthel (Araujo, Ribeiro, Oliveira e Pinto, 2007) y la escala de Lawton & Brody (Araújo, Ribeiro, Oliveira, Pinto e Martins, 2008). RESULTADOS: Los ancianos que viven en instalaciones residenciales son en su mayoría mujeres, con edades comprendidas entre los 65 y 104 años (M = 83.94, SD = 7.21), en su generalidad viudos y analfabetos. El modelo de regresión múltiple sugiere que las actividades básicas e instrumentales de la vida diaria explican aproximadamente el 49% de la variación existente del estado mental de las personas mayores. Se comprobó que las actividades instrumentales de la vida diaria corresponden al predictor con mayor peso, aunque la contribución de las actividades básicas de la vida diaria es, estadísticamente, significativa para el modelo. CONCLUSIONES: El modelo sugiere que la manutención de ejecución continuada de las actividades diarias favorece el estado cognitivo en estos usuarios. A través de las intervenciones motora y social, las personas mayores pueden preservar su independencia en la realización de actividades de la vida diaria, que a su vez mejoran y potencializan una mejor y mayor salud mental, un mayor bien-estar y una mayor autoestima.

BACKGROUND: This study was based on the notion that preserving basic and instrumental activities of daily living can help the institutionalized elderly enhance and maintain their cognitive functions. AIM: The aim of this study was to assess if the functional capacity for activities of daily living can predict cognitive functions of the institutionalized elderly in assisted living residences. METHODS: A predictive transversal correlational study was carried out, using simple random sampling of 475 participants. Instruments: MiniMental State Examination (Guerreiro et al., 1994); Barthel’s index (Araújo, Ribeiro, Oliveira and Pinto, 2007) and Lawton & Brody’s scale (Araújo, Ribeiro, Oliveira, Pinto and Martins, 2008). RESULTS: The elderly in assisted living residences are primarily female, with ages ranging from 65 to 104 (M = 83,94, DP = 7,21), most of them widowed and illiterate. The model of multiple regression suggests that basic and instrumental activities of daily living explain approximately 49% of the existing variance in the mental state of the elderly. The instrumental activities of daily living were shown to be the most significant predictor, though the contribution of basic activities of daily living is also statistically significant for the model. CONCLUSIONS: The model suggests that these patients’ cognitive state can benefit from maintaining their activities of daily living. The elderly might preserve their autonomy in carrying out activities of daily living through social and motor stimulation interventions, which in turn can improve mental health, well-being and self-esteem.

DESCRIPTORES: Actividades instrumentales y básicas de la vida diaria; Estado cognitivo; Ancianos institucionalizados

KEYWORDS: Basic and instrumental activities of daily living; Cognitive state; Institutionalized elderly Submetido em 30-05-2017 Aceite em 09-11-2017

1 Doutoranda em Ciências de Enfermagem na Universidade do Porto, ICBAS, Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Vila Real, imaginario@utad.pt 2 Professor Adjunto na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal, paulom@esenf.pt 3 Doutorada em Psicologia; Investigadora no Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde, 4200-450, Porto, psi.magdarocha@gmail.com 4 Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Vila Real, 5000-801 Vila Real, Portugal, mantunes@utad.pt 5 Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072 Porto, Portugal, teresam@esenf.pt Citação: Imaginário, C., Machado, P., Rocha, M., Antunes, C., & Martins, T. (2017). Atividades de vida diária como preditores do estado cognitivo em idosos institucionalizados. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 37-43. doi: 10.19131/rpesm.0190 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 37


INTRODUÇÃO A avaliação da capacidade funcional é efetuada com base no desempenho das atividades de vida diária (AVD), sendo divididas em: atividades básicas de vida diária (ABVD), associadas ao autocuidado e à sobrevivência (como o alimentar-se, vestir-se, tomar banho, deambular, controlar esfíncteres); atividades instrumentais de vida diária (AIVD), que abrangem tarefas que permitem a manutenção da vida em comunidade (como realizar compras, utilizar o telefone, gerir assuntos económicos ou utilizar meios de transporte); e atividades avançadas de vida diária (AAVD), mais complexas, que se subdividem nos domínios físico, lazer, social e produtivo. Estas últimas exigem como expectável, maiores níveis de funcionalidade (Dias, Andrade, Duarte, Santos e Lebrão, 2015). O declínio cognitivo pode associar-se a um padrão específico de perdas funcionais das AVD. Estas perdas de funcionalidade iniciam-se com um comprometimento nas AAVD, seguidas pelas AIVD e por último pelas ABVD (Dias et al., 2015). Os autores (Ibidem) reforçam a ideia de que a preservação do desempenho das AVD é um fator protetor na conservação das funções mentais. Assim, um estilo de vida ativo pode favorecer a proteção das funções cognitivas. Os idosos deverão ser incentivados a executar atividades quer instrumentais, quer intelectuais visando a promoção ou manutenção da capacidade cognitiva. O processo de envelhecimento normativo é, na maioria das vezes, acompanhado de défices cognitivos. Deste modo, no idoso, a saúde mental tem uma importância primordial na prevenção do declínio cognitivo e do retardamento da dependência e da perda da capacidade de se autocuidarem (Apóstolo, Cardoso, Marta e Amaral, 2011). Há autores que defendem que a avaliação/ monitorização do estado cognitivo permite a deteção precoce de défices na funcionalidade, sendo por isso uma estratégia relevante na intervenção junto a populações idosas institucionalizadas (ou não) (Zimmermann, Leal, Zimmermann e Marques, 2015). Esta avaliação pode orientar para intervenções terapêuticas específicas, que de acordo com o estado inicial detetado, contribuem para a redução das perdas cognitivas (Mello, Haddad e Dellaroza, 2012; Zimmermmann et al.,2015). A literatura destaca que a estimulação cognitiva e atividade física são fundamentais na preservação da saúde dos idosos, particularmente dos institucionalizados (Loureiro, Lima, Silva e Najjar, 2011). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 38

Assim, restrições na execução das ABVD e AIVD, nas atividades físicas e de lazer contribuem para o isolamento e limitam a interação social dos idosos, tornando-os mais dependentes, e concorrendo para a diminuição da capacidade funcional e cognitiva (Zimmermann, Leal, Zimmermann, Marques e Gomes, 2015). Com base no exposto Mello et al. (2012) defendem que a manutenção da atividade nos idosos quer no domínio mental, quer físico, permite o aumento da autonomia e promove uma melhor qualidade de vida. Os mesmos autores (Ibidem) referem ainda que a diminuição na realização das tarefas quotidianas desestimula a atividade mental, contribuindo para uma potencialização da institucionalização em Equipamentos Residenciais para Pessoas Idosas. Mais ainda, Bertoldi, Batista e Ruzanowsky (2015) referem que a alteração de ambiente, em concreto a institucionalização é uma das situações de risco para a potenciação do défice cognitivo, dado que o isolamento social conduz à perda da identidade, da liberdade, da autoestima e fatores conducentes à solidão, o que pode, por si só, justificar o declínio cognitivo. Tendo em conta a associação entre capacidade cognitiva e funcionalidade, reforça-se a importância de intervenções no âmbito da reabilitação cognitiva, de modo a promover um melhor potencial de saúde. Reconhece-se que as atividades de estimulação cognitiva conduzem a uma melhoria na capacidade cognitiva (Loureiro et al., 2011). Desta forma, a implementação de programas deste tipo é essencial para a saúde e para o bem-estar dos idosos institucionalizados, a fim de estimular a cognição, melhorar a autonomia e atenuar o impacto dos défices que surgem naturalmente nesta época do ciclo vital. As intervenções de estimulação cognitiva, se bem delineadas e estruturadas, constituem-se um coadjuvante elementar das terapêuticas farmacológicas (Costa e Sequeira, 2013). O presente estudo tem por objetivo a resposta a duas questões de investigação: 1) Qual a percentagem de variância explicada no estado cognitivo dos idosos em estudo através dos preditores a) Atividades Básicas de Vida Diária e b) Atividades Instrumentais de Vida Diária; 2) Qual o preditor, entre os dois acima referidos com maior peso no critério estado cognitivo dos idosos institucionalizados em estudo.


MÉTODO Desenho do Estudo Este é um estudo transversal que recorreu à estatística multivariada para tratamento dos dados. Trata-se de um desenho correlacional preditivo que recorreu à estatística paramétrica (regressão linear múltipla) em ordem a testar as questões de investigação formuladas à priori. A variável critério constitui-se enquanto o estado mental dos respondentes, sendo os preditores do modelo as AIVD e as ABVD. Amostra e Participantes Em abril de 2011 realizou-se a consulta à Carta Social (Ministério da Solidariedade e Segurança Social, 2011) com vista à identificação dos Equipamentos Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) existentes no distrito de Vila Real e em cada um dos seus conselhos, tendo sido identificados 56 ERPI com capacidade total para 2000 idosos. Estes ERPI apresentam-se, juridicamente, como Instituições Privadas de Solidariedade Social. À época encontravam-se institucionalizados 1913 utentes. Após a identificação dos ERPI existentes, efetuou-se um primeiro contacto (telefónico) com os responsáveis de cada uma das 56 instituições, cujo objetivo foi o agendamento de uma reunião de apresentação do projeto e dos responsáveis pelo mesmo. Deste contacto resultou a deslocação física do primeiro autor a cada instituição e respetiva apresentação do estudo a realizar. Por fim, foi efetivado o pedido de autorização, anexando ao mesmo o comprovativo da frequência do primeiro autor no curso de doutoramento em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e ainda, a declaração do consentimento livre e informado a utilizar no estudo. Só foram constituídas intervenientes nesta investigação as instituições que outorgaram a sua autorização escrita à sua participação e destas, aquando da colheita de dados, as que expuseram disponibilidade na ocasião para integrarem a amostra. No momento imediatamente anterior à recolha de dados, foi dado conhecimento aos responsáveis de cada instituição do protocolo a utilizar na recolha de dados. A colheita dos dados foi efetivada no período que mediou os meses de agosto de 2014 e julho de 2015. Do ponto de vista da recolha geográfica da amostra, trata-se de uma amostra de conveniência, porém que tomou em linha de conta, dentro de cada instituição participante no estudo, a aleatoriedade da recolha de dados.

Assim a amostra descreve-se como não representativa do ponto de vista geográfico, embora tenha sido projetada como probabilística em cada instituição. A recolha foi levada a cabo de acordo com a colheita aleatória simples, com a atribuição de um número relativo ao nome de cada utente dentro de um saco, sendo retirados posteriormente, ao acaso, 30% dos sujeitos residentes em cada instituição. A percentagem foi restituída sempre que não existia aceitação por parte do respondente em participar no estudo. Os participantes são oriundos na sua totalidade do interior norte de Portugal, estando distribuídos por 25 ERPI, aqueles que concordaram participar no estudo. Esta amostra é formada por 475 respondentes, de ambos os géneros (nmasculino = 152; nfeminino = 323), apresentando idades entre os 65 e 104 anos (M = 83,94, DP = 7,21). Quanto ao estado civil, 16,00% (n = 76) são casados ou encontram-se em situação de união de facto, 21,50% (n = 102) são solteiros, sendo a amostra maioritariamente 60,00% (n = 285) constituída por indivíduos viúvos. Ainda ao nível do estado civil, a amostra contou com a participação de 2,50% (n =12) idosos divorciados. A grande maioria dos participantes são analfabetos 53,60% (n = 254) representando mais de metade do efetivo. Seguem-se-lhe em termos de escolaridade, aqueles que completaram 4 anos do 1º ciclo do ensino básico 22,80% (n = 108), em seguida o grupo que completou 3 anos do 1º ciclo do ensino básico 17,50% (n = 83). Os restantes participantes distribuem-se em termos de escolaridade com um ano 1,70% (n = 8), dois anos 1,50% (n = 7), cinco ou nove anos 0,40% (n = 2), seis anos 0,80% (n = 4), sete, oito ou 10 anos 0,20% (n = 1) e, apenas 3 entre eles com 11 anos de escolaridade (0,60%). Materiais e Procedimentos Em ordem a avaliar o grau de independência para a realização das ABVD recorreu-se ao Índice de Barthel, foi desenvolvido por Mahoney & Barthel em 1965. O instrumento foi posteriormente validado para a população portuguesa por Araújo, Ribeiro, Oliveira e Pinto (2007). De acordo com os autores originais e com a versão portuguesa do instrumento (Ibidem), este faculta informação pertinente, não só a partir das pontuações totais, mas também a partir das classificações parciais, permitindo deste modo, observar quer as incapacidades específicas, quer o ajustamento dos cuidados às necessidades individuais de cada utente. O índice tem demonstrado uma elevada consistência interna (α = 0,96) (Araújo et al., 2007). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 39


A funcionalidade relativa às AIVD foi avaliada com recurso à Escala de Lawton & Brody (1969). O instrumento foi validado para a população portuguesa por Araújo, Ribeiro, Oliveira, Pinto e Martins (2008). A escala apresenta um nível de fidelidade elevado, avaliado através do alfa de Cronbach (α = 0,94). Araújo et al. (2008) indica tratar-se de uma medida genérica que avalia o nível de dependência da pessoa idosa na realização das suas AIVD. A pontuação atribuída varia entre 0 (máxima dependência) e os 23 pontos (independência total). Quanto à avaliação do estado mental dos respondentes, foi utilizado o Mini-Mental State Examination (MMSE), desenvolvido por Folstein, Folstein & McHugh (1975), cuja adaptação sistemática e transcultural para a população portuguesa foi efectuada por Guerreiro et al. (1994). O MMSE está amplamente creditado como sendo o instrumento mais adequado para a avaliação cognitiva breve de populações com baixa escolaridade, em idades avançadas. Estudos internacionais, transversais e longitudinais, referenciados por vários autores portugueses (Morgado, Rocha, Maruta, Guerreiro e Martins, 2009), estabeleceram valores normativos ajustados à idade e/ou à escolaridade dos sujeitos submetidos a avaliação. O MMSE é constituído por 30 questões, sendo atribuído um ponto por cada resposta correta, num total de 30 pontos. Os valores de corte para detecção de défice cognitivos propostos por Morgado et al. (2009) foram: 22 pontos para sujeitos com escolaridade entre zero e os dois anos; 24 pontos com literacia entre três e seis anos e 27 pontos para sujeitos com escolaridade superior a sete anos. Finalmente foi utilizado um questionário de recolha de dados sociodemográficos, construído especificamente para este estudo, de modo a obter os dados que permitem a descrição aturada da amostra em estudo. Ao nível dos procedimentos, todos os dados do protocolo foram recolhidos pela primeira autora. Foram salvaguardados os princípios éticos e os direitos do anonimato, de sigilo e de confidencialidade dos dados (ao nível da recolha e do tratamento dos mesmos). O procedimento relativo ao consentimento livre e informado por parte dos idosos foi levado a cabo tendo em conta os preceitos éticos da investigação em ciências humanas, observando a transferência da informação referente ao investigador, à natureza da investigação e aos objetivos da mesma. Devido às limitações etárias e de escolaridade dos participantes, os questionários foram aplicados oralmente. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 40

O projeto foi aprovado pela comissão de ética do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar com número de registo 166/2016. Estatísticas e Análises dos Dados Na análise de dados utilizou-se a regressão linear múltipla, com recurso ao programa IBM® SPSS® (versão 22). A magnitude do efeito à posteriori, foi calculada com recurso ao f de Cohen (f2Cohen)), utilizando a calculadora online de Soper (2016). RESULTADOS Análises Preliminares Foram testados os pressupostos relativos à utilização da regressão linear múltipla, tendo-se verificado a existência de correlações positivas e significativas entre as variáveis preditoras e a variável critério. Assim a correlação entre o score total do MMSE e o somatório do Índice de Barthel é positivo e moderado (r = 0,57, p ≤ 0,01), o mesmo sucedendo no resultado relativo à correlação de Pearson entre a variável critério e o preditor constituído pelo score da Escala de Lawton & Brody (r = 0,65, p ≤ 0,01). Estes valores indicam uma associação média entre variáveis, dando conta, como esperado, da não existência de multicolinariedade (Tabachnick & Fidell, 2013). Também o valor da tolerância da colinariedade obtido (0,58) confirma que não há violação deste pressuposto. Em termos de normalidade, a análise do gráfico P-P normal dos resíduos da regressão estandardizada observa os pontos da distribuição como contíguos à reta de regressão hipotética. Mais ainda, o gráfico de dispersão dá conta de uma distribuição onde a maior parte dos resíduos do score estão no centro, reforçando mais uma vez o cariz normativo da distribuição em estudo. Foram ainda observados os outliers tendo em conta a existência dos preditores e o respetivo valor crítico de avaliação dos valores da distância Mahalanobis para um valor de significância de p ≤ 0,01. O valor critério obtido foi de 13,82. Tendo em conta a observação dos valores extremos verificou-se a existência de três outliers, optando-se pela decisão teóricoempírica da sua não retirada considerando o tamanho da amostra (N = 475). Regressão Linear Múltipla A análise do sumário do modelo da regressão linear múltipla, cujos preditores do Estado Mental foram, respetivamente, os scores obtidos nas ABVD e ainda a funcionalidade AIVD, indicou que este modelo explica cerca de 49% da variância existente no Estado Mental dos idosos em estudo (R2 = 0,49).


Tendo em conta o resultado obtido na Análise Univariada de Variância (ANOVA) verificou-se que este resultado é estatisticamente significativo [F (2, 474) = 223,89, p ≤ 0,01], sendo o tamanho do efeito, ou a magnitude da associação entre preditores e critério, considerado grande (f2Cohen = 0,96) de acordo com Cohen (como citado em Lindenau e Guimarães, 2012). Considerando a segunda questão de investigação, verificou-se que o preditor com maior peso no modelo são os scores obtidos a partir da Funcionalidade relativa às AIVD, representadas pelo score total da Escala de Lawton & Brody, pese embora a contribuição das ABVD, avaliada através do Índice de Barthel seja igualmente estatisticamente significativa para o modelo. A Tabela 1 sumariza estes resultados. Tabela 1 - Sumário da Regressão Linear Múltipla para as variáveis Preditoras do Estado Cognitivo em Idosos Variável Critério (Estado Mental1) Coeficientes não Coeficientes estandardizados estandardizados Variáveis

Teste t

B

EP

β

t

p

ABVD

0,23

0,05

0,22

5,09

0,00

AIVD

0,62

0,05

0,54

12,41 0,00

R2

0,49

F

223,89**

Nota. 1 = Estado Mental tal como avaliado através do score total do Mini Mental State Examination, adaptação à população portuguesa de Guerreiro et al. (1994); ABVD = Atividades Básicas de Vida Diária; AIVD = Atividades Instrumentais de Vida Diária. * p ≤ .05; ** p ≤ .01; B = Valor de Beta não estandardizado; EP = Erro Padrão; β = Valor Beta Estandardizado; t = valor do Teste t, p = significância do Teste t.

DISCUSSÃO O modelo explicativo mostra que, a capacidade funcional para as ABVD e as AIVD explicam 49% da variância existente do estado mental dos idosos, ou seja, um valor bastante expressivo. Daqui resulta a importância de se promover programas que exercitem as ABVD e AIVD, de acordo com uma cuidada avaliação de necessidades de cada pessoa. Poderemos também equacionar que se o idoso mostrar uma baixa adesão a atividades de estimulação cognitiva, ou por outro lado, não haja grande oferta destas atividades, poderemos recorrer a atividades instrumentais, de lazer ou sociais com vista à promoção/preservação da capacidade cognitiva. Contudo, programas que alinhem o desenvolvimento de atividades de estimulação cognitiva e programas de treino de exercício e participação social serão ainda mais potenciadores de uma vida com maior significado e qualidade de vida.

Sendo indiciado pela literatura que existem múltiplos fatores de ordem física, psicológica e social que podem afetar o estado cognitivo (Pereira, Roncom e Carvalho, 2011), a execução das ABVD e AIVD, em particular das últimas, porque de complexidade mais elevada parecem, assim, promover a estimulação mental, constituindo-se como fator protetor da estabilidade das funções cognitivas. Quando analisamos o peso de cada um dos tipos de AVD, para explicar um bom desempenho cognitivo, verificamos que a capacidade funcional para realizar AIVD tem maior peso como preditor no modelo, que a capacidade para realizar ABVD. A realização de AIVD favorece a exercitação das funções mentais, já que colocam o indivíduo perante situações cuja resolução exige um maior nível de complexidade que as ABVD. Zimmermann et al. (2015) referem que a restrição na execução de AIVD ou de lazer contribui para a diminuição das capacidades cognitivas. Deste modo, os estímulos intelectuais, recreativos e sociais, convergem para a manutenção mais saudável das funções cognitivas. Perante estes resultados considera-se que nos ERPI devam existir equipas multidisciplinares com formação e competências necessárias à estimulação cognitiva e de AIVD. Esta equipa deverá incluir obrigatoriamente o profissional de enfermagem, já que este profissional mostra reunir um conjunto de competências alargadas, quer no planeamento e execução dessas atividades, quer na avaliação e monitorização dos resultados obtidos. O enfermeiro é detentor de competências que lhe permitem identificar e implementar intervenções no âmbito da promoção da autonomia, vigilância da saúde, reabilitação, prevenção de eventuais dificuldades clínicas, supervisão de atividades e estimulação para a execução das AVD e atividades interpessoais e socioculturais (Aleixo, Escoval, Fontes e Fonseca, 2011). Assim a presença de profissionais de enfermagem nessas instituições contribui para a diminuição do agravamento do estado de saúde dos idosos bem como no declínio da funcionalidade ao nível das AVD (Aleixo et al., 2011). É necessário mostrar aos responsáveis pelos ERPI e ao poder político que o investimento em cuidados de promoção e manutenção do potencial de saúde traduz ganhos em saúde, nomeadamente na autonomia e funcionalidade dos idosos.

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CONCLUSÕES Face aos resultados deste estudo verificamos que a inexistência ou privação de atividades intelectuais e físicas sugerem a indução de declínios cognitivos. Reconhecese que a manutenção de atividades estimulantes ao nível mental e físico beneficiam a preservação da função cognitiva. Sendo assim, consideramos que o proporcionar de atividades de estimulação da memória, cálculo, memorização visual, leitura (ou equivalente) entre outras, devam estar disponíveis com o desenvolvimento crescente nos estabelecimentos residenciais para idosos. A este propósito, e reforçando o que acabou de ser dito, Loureiro et al. (2011) afirmam que, para a reabilitação cognitiva eficaz devem ser utilizadas atividades que estimulem a manutenção das atividades de concentração, a sequência de pensamento, a atenção e a capacidade de autonomia. Apesar dos resultados explicativos do modelo serem robustos, uma das limitações do estudo decorre da ausência de outras variáveis explicativas concorrentes no bloco dos preditores. O padrão nutricional, o sedentarismo, o perfil de autocuidado, ou mesmo variáveis psicossociais poderão complementar os preditores do estado cognitivo. Quanto a pistas para futuras investigações seria interessante realizar estudos comparativos entre idosos a participar em programas de estimulação de AIVD e ABVD, e comparar o desempenho cognitivo com um grupo de idosos sem esse tipo de estimulação. Estes estudos deverão ter em conta a avaliação prévia das linhas basais de funcionamento cognitivo, podendo assim observar-se até que ponto a eficácia destas intervenções se verifica. Por outro lado, as avaliações e a promoção, de programas de estimulação de AIVD e ABVD ‘à medida’, implicam a existência de equipas multidisciplinares nos equipamentos residenciais, equipas essas que não podem prescindir do enfermeiro, quer enquanto promotor destas ações, quer enquanto formador dos membros das equipas que estão mais continuamente no terreno, caso dos auxiliares dos equipamentos residenciais. Também a implementação destes programas em contexto comunitário será uma mais-valia, na medida que promovem não só o bem-estar dos idosos, mas também, mantêm por mais tempo a autonomia e a atividade dos idosos, retardando a sua institucionalização. A estas questões não estará alheia a manutenção das redes interpessoais significativas, ou seja, uma maior proximidade de laços afetivos com filhos, cônjuge e demais família alargada. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 42

Urge assim a criação de políticas de incentivo e proteção ao envelhecimento ativo, num país que como sabemos se apresenta demasiadamente envelhecido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aleixo, T., Escovala, A., Fontes, R., e Fonseca, C. (2011). Indicadores de qualidade sensíveis aos cuidados de enfermagem em lares de idosos. Revista de Enfermagem Referência, serIII(3),141-149. Apóstolo, J. L. A., Cardoso, D. F. B., Marta, L. M. G., e Amaral, T. I. O. (2011). Efeito da estimulação cognitiva em idosos. Revista de Enfermagem Referência, III série(5), 193-201. Araújo, F., Ribeiro, J. L. P., Oliveira. A., Pinto, C., e Martins, T. (2008). Validação da escala de Lawton e Brody numa amostra de idosos não institucionalizados. In I. Leal, J. L. P. Ribeiro, I. Silva, e S. Marques (Eds.), Actas do 7º congresso nacional de psicologia da saúde (pp. 217-220). Lisboa: ISPA. Araújo, F., Ribeiro, J. L. P., Oliveira, A., e Pinto, C. (2007). Validação do Índice de Barthel numa amostra de idosos não institucionalizados. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 25(2), 59-66. Bertoldi, J. T., Batista, A. C., e Ruzanowsky, S. (2015). Declínio cognitivo em idosos institucionalizados: Revisão da literatura. Cinergis, 16(2), 152-156. Costa, A. R. D., e Sequeira, C. (2013). Efetividade de um programa de estimulação cognitiva em idosos com défice cognitivo ligeiro. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (3), 14-20. Dias, E. G., Andrade, F. B., Duarte, Y. A. O., Santos, J. L. F., e Lebrão, M. L. (2015). Atividades avançadas de vida diária e incidência de declínio cognitivo em idosos: Estudo SABE. Cadernos de Saúde Pública, 31(8), 1623-1635. Folstein, M., Folstein, S., & McHugh, P. (1975). MiniMental State: A practical method for granding the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research, 12(3), 189-198.


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Artigo de Investigação

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0191

EFEITO DE UM PROGRAMA DE ATIVIDADE FÍSICA NA CAPACIDADE FUNCIONAL PARA O EXERCÍCIO E NÍVEL DE ATIVIDADE FÍSICA DE PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA – UM ESTUDO PILOTO | Eluana Gomes1; Tânia Bastos2; Raquel Costa3; Rui Corredeira4 |

RESUMO CONTEXTO: A esquizofrenia é uma doença grave e debilitante. Somado a isso, a maioria das pessoas com esquizofrenia apresenta um estilo de vida pouco saudável, que inclui níveis insuficientes de atividade física diária. OBJETIVO: O propósito do presente estudo foi avaliar a eficácia de um programa de Atividade Física (AF) de 24 semanas na capacidade funcional para o exercício e no nível de AF de pessoas com esquizofrenia. MÉTODOS: Nove pessoas (cinco homens e quatro mulheres) com diagnóstico de esquizofrenia participaram durante 24 semanas num programa de AF. O programa contemplou duas sessões por semana, com a duração de 60 minutos/sessão. As avaliações ocorreram no início (M0), após 12 semanas (M1) e 24 semanas (M2). A capacidade funcional e o nível de AF foram avaliados através do Teste de caminhada de 6 minutos e do Questionário Internacional de AF, versão curta, respetivamente. RESULTADOS: Verificaram-se melhorias significativas na capacidade funcional para o exercício. Apesar da ausência de significância estatística, observou-se um aumento no nível de AF e redução nos valores da circunferência da cintura e da anca entre M0 e M2. CONCLUSÕES: Os resultados sugerem que o programa de AF pode promover um estilo de vida saudável nas pessoas com esquizofrenia. PALAVRAS-CHAVE: Espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos; Atividade motora; Caminhada

RESUMEN

ABSTRACT

“Efecto de un programa de actividad física en la capacidad funcional para el ejercicio y la actividad física de las personas con esquizofrenia - un estudio piloto”

“Effect of a 24-week physical activity program in functional exercise capacity and level of physical activity in people with schizophrenia – a pilot study”

CONTEXTO: La esquizofrenia es una enfermedad grave y debilitante. Sumado a ello, gran parte de la población presenta un estilo de vida poco saludable, que incluye niveles insuficientes de actividad física diaria. OBJETIVO: El objetivo del presente estudio fue evaluar la eficacia de un programa de actividad física (AF) de 24 semanas en la capacidad funcional para el ejercicio y en el nivel de AF de personas con esquizofrenia. MÉTODOS: Nueve personas (cinco hombres e cuatro mujeres) con diagnóstico de esquizofrenia participaron durante 24 semanas en un programa de AF. El programa contempló dos sesiones por semana, con una duración de 60 minutos / sesión. Las evaluaciones ocurrieron al principio (M0), después de 12 semanas (M1) y 24 semanas (M2). La capacidad funcional y el nivel de AF fueron evaluados a través del prueba de caminata de 6 minutos y el Cuestionario Internacional de la Actividad Física – versión corta, respectivamente. RESULTADOS: Se observaron mejoras significativas en la capacidad funcional para el ejercicio. Aunque no se observaron diferencias estadísticamente significativas, se observó un aumento en el nivel de AF y reducción en los valores de la circunferencia de la cintura y de la cadera entre M0 y M2. CONCLUSIONES: Los resultados sugieren que el programa de AF puede promover un estilo de vida saludable en las personas con esquizofrenia.

BACKGROUND: Schizophrenia is a most debilitating disease. In addition, much of this people had an unhealthy lifestyle, which includes insufficient daily physical activity levels. AIM: The purpose of this study was to evaluate the effects of a 24-week physical activity (PA) program in functional exercise capacity and level of PA in people with schizophrenia. METHODS: Nine persons (five men and four women) with diagnose of schizophrenia participated for 24 weeks in a PA program. The program occurred twice a week, with 60 minutes per session. The evaluations occurred at baseline (M0), after 12 weeks (M1) and 24 weeks (M2). The functional capacity and the level of PA were evaluated through the 6-minute Walk Test and the International Physical Activity Questionnaire – Short Form, respectively. RESULTS: There were significant improvements in functional exercise capacity. Although there were no significant statistically differences, there was an increase in the level of PA and a reduction in waist and hip circumferences between M0 and M2. CONCLUSIONS: The results suggest that the PA program can promote a healthy lifestyle in people with schizophrenia.

DESCRIPTORES: Espectro de esquizofrenia y otros trastornos psicóticos; Actividad motora; Caminata

Submetido em 20-03-2017 Aceite em 11-11-2017

KEYWORDS: Schizophrenia spectrum and other psychotic disorders; Motor activity; Walking

1 Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer, 4200-450 Porto, Portugal, aeluana@yahoo.com.br 2 Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto; Instituto Universitário da Maia, Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano, 4475-690 Maia, Portugal. 3 Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer, 4200-450 Porto, Portugal. 4 Universidade do Porto, Faculdade de Desporto, Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer, 4200-450 Porto, Portugal Citação: Gomes, E., Bastos, T., Costa, R., & Corredeira, R. (2017). Efeito de um programa de exercício na capacidade funcional para o exercício e nível de atividade física de pessoas com esquizofrenia – um estudo piloto. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 44-50. doi: 10.19131/rpesm.0191 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 44


INTRODUÇÃO As pessoas com esquizofrenia apresentam uma esperança média de vida inferior, bem como um risco de mortalidade duas a três vezes superior à população em geral (Ministério da Saúde, 2008). Em causa estão os inadequados estilos de vida que são comumente reportados pelas pessoas com esquizofrenia. Mais especificamente, a maioria das pessoas com esquizofrenia são sedentárias, ingerem frequentemente bebidas alcoólicas, são fumadores e apresentam uma inadequada dieta alimentar (Faulkner & Biddle, 1999) Somado a isso, os medicamentos antipsicóticos regularmente utilizados para controlo dos sintomas da doença, podem provocar ganho de peso corporal, bem como o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, Diabetes Mellitus e síndrome metabólica (Allison et al., 2009; Attux et al., 2011; Ministério da Saúde, 2008). Neste sentido, as intervenções psicossociais apresentam-se como essenciais no tratamento da esquizofrenia (Attux et al., 2011). Diferentes modelos de intervenção psicossocial têm sido desenvolvidos nos últimos anos com o objetivo de auxiliar na promoção um estilo de vida saudável nestas pessoas (Allison et al., 2009; Attux et al., 2011; Beebe et al., 2005). Especificamente, os benefícios da prática de atividade física (AF) têm despertado o interesse dos investigadores na área da saúde mental (Faulkner & Biddle, 1999; Faulkner, Cohn, & Remington, 2006). Diversos estudos têm demonstrado que a prática de AF regular contribui para a redução do peso corporal (Vancampfort et al., 2011a), da circunferência da cintura (Attux et al., 2011), da percentagem de massa gorda (Beebe et al., 2005), contribuindo ainda para a melhoria da autoestima e de funções cognitivas e sociais (Marzolini, Jensen, & Melville, 2009; Vaz-Serra et al., 2010). Somado a isso, a prática de AF auxilia na redução dos sintomas negativos da doença (e.g., avolição, dificuldade no discurso, dificuldade nas relações sociais) e na dosagem dos medicamentos antipsicóticos (Vancampfort et al., 2011a). Os sintomas negativos têm um impacto direto na redução da capacidade funcional e, consequentemente, na redução do desempenho físico, social e cognitivo (Vaz-Serra et al., 2010), comprometendo desta forma a realização das atividades da vida diária. Nesta medida, a prática regular de AF pode contribuir para a redução de custos na saúde pública, uma vez que existe uma relação direta entre a redução de um estilo de vida sedentário e a redução dos cuidados básicos de saúde (Allison et al., 2009; Attux et al., 2011).

Assim, torna-se fundamental promover hábitos regulares de prática de AF nas pessoas com esquizofrenia, bem como desenvolver programas de AF ajustados às suas necessidades (Vancampfort et al., 2012). Importa realçar que, parte dos estudos relacionados com a implementação de programas de AF em pessoas com esquizofrenia incluem pacientes residentes na comunidade, ou seja, indivíduos que não se encontram institucionalizados. Este enfoque é fundamental no processo de reabilitação destes pacientes, uma vez que auxilia na diminuição do número de reinternamentos nos serviços de saúde (Marzolini et al., 2009). Neste contexto, profissionais de saúde mental devem considerar o desenvolvimento de estratégias de adesão destes doentes aos programas de AF (Vancampfort et al., 2011a). No que diz respeito ao contexto nacional, importa referir que, foi possível identificar apenas um estudo relacionado com a aplicação de um programa de AF para pessoas com esquizofrenia em Portugal (Gomes et al., 2014). O mesmo ofereceu um programa de AF com duração de 16 semanas. A análise do nível de AF foi realizada através da utilização de aparelho acelerómetro. No entanto, é necessário ter em consideração a utilização de instrumentos que sejam de baixo custo e fácil aplicação em contexto clínico (Vancampfort et al., 2011b). A forma mais comum de avaliação dos programas de AF é através de questionários, uma vez que os mesmos são ferramentas para avaliar padrões, frequência, tipo e contexto da AF (Vanheesa et al., 2005). O Plano Nacional de Saúde Mental 2008-2016 (PNSM) aponta a inexistência de programas de promoção da saúde para a população com doença mental em Portugal. Deste modo, torna-se necessário o desenvolvimento de programas que promovam a melhoria física e, consequentemente, a autonomia destas pessoas na respetiva comunidade, bem como aumentar a produção científica na área da saúde mental (Ministério da Saúde, 2008). O presente estudo piloto pretendeu avaliar a eficácia de um programa de AF de 24 semanas na capacidade funcional para o exercício físico e no nível de AF de pessoas com esquizofrenia. MÉTODOS O presente estudo foi realizado através de uma abordagem longitudinal, no qual se recolheu medidas antropométricas, aplicou-se um teste de terreno e um questionário, antes e após a aplicação de um programa de intervenção de AF, adaptado às caraterísticas dos participantes com diagnóstico de esquizofrenia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 45


De forma mais específica, a metodologia utilizada é caraterizada por: Participantes Participaram neste estudo 9 pessoas (homens = 5; mulheres = 4) com diagnóstico de Esquizofrenia e Transtorno Esquizoafetivo, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV-TR; American Psychiatric Association [APA], 2000), residentes na comunidade, com idades entre 27 e 55 anos (M = 43.11 ± DP = 9.6). Os participantes foram selecionados no serviço de psiquiatria de um Hospital Público da cidade do Porto/Portugal. Após esclarecimento acerca dos objetivos do estudo e a garantia de confidencialidade dos dados, os participantes assinaram o consentimento livre e esclarecidos de acordo com os princípios da Declaração de Helsinki. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética do Hospital de proveniência da amostra (nº 21529). A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra relativamente ao grau de escolaridade, estado civil e condição de residência dos participantes. Tabela 1 - Caracterização dos Participantes Quanto ao Grau de Escolaridade, Estado Civil e Condição de Residência (N=9) Características

n

Grau de escolaridade Ensino básico

6

Ensino médio

2

Ensino superior

1

Estado Civil Solteiro

7

Casado

2

Vive com Mãe/Pai

5

Esposa/Esposo

2

Sozinho

1

Avós

1

No que se refere à caracterização do regime de tratamento medicamentoso, todos os participantes utilizavam antipsicóticos atípicos, bem como ansiolíticos (n = 4) e antidepressivos (n = 2). Todos os participantes indicaram que não praticavam AF regular há pelo menos 2 anos. No que diz respeito às vivências desportivas anteriores, os participantes indicaram as aulas de educação física durante o percurso escolar, assim como atividades de musculação, culturismo, ténis, futebol e spinning. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 46

Caracterização do Programa de Atividade Física Os participantes realizaram durante 24 semanas um programa de AF com sessões bissemanais e duração aproximada de 60 minutos/sessão. As sessões de AF apresentavam a seguinte estrutura: exercícios de alongamento dos grandes grupos musculares (aproximadamente 10 minutos), abdominal, exercícios reduzidos da modalidade futebol e voleibol (aproximadamente 40 minutos) e exercícios de retorno à calma (aproximadamente 5 a 10 minutos). Durante as sessões, a intensidade dos exercícios foram controladas através da Escala de Borg (Borg, 1998). Foi utilizado um diário de campo para registo da presença dos participantes às sessões e observações sobre a aula (participação nas atividades, reações sobre as atividades propostas). A aplicação da bateria de testes ocorreu no início (M0), após 12 semanas (M1) e no final de 24 semanas (M2) de aplicação do programa de AF. Instrumentos De forma a responder aos objetivos propostos, uma bateria de testes foi aplicada em três momentos de avaliação (M0; M1 e M2). A bateria de testes é composta por diferentes tipos de instrumentos (i.e., medições, questionário e teste de terreno), que se encontram validados e são frequentemente aplicados em pessoas com esquizofrenia. De uma forma mais específica, os instrumentos utilizados no presente estudo foram: Medidas Antropométricas Foram avaliadas as medidas antropométricas relativas à altura e peso corporal, para posterior cálculo do índice de massa corporal (IMC). A altura foi medida com um estadiómetro da marca Holtain (Holtain Ltd., Crymmych, UK) e o peso corporal foi medido com uma balança eletrónica Welmy. Procedeu-se ao cálculo do IMC através da fórmula (kg/m2). A circunferência da cintura e da anca foram medidas com uma fita métrica e registadas em centímetros. Nível de Atividade Física O Questionário Internacional de Atividade Física, versão curta (IPAQ-SF) (Craig et al., 2003) foi utilizado para avaliar o nível de AF dos participantes. Este questionário fornece informações sobre o número de dias e minutos de caminhada e de atividades de intensidade moderada e vigorosa ao longo de uma semana. O IPAQSF é considerado um instrumento confiável para avaliar o nível de AF em pessoas com esquizofrenia (Faulkner et al., 2006).


Capacidade Funcional para o Exercício O Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6) (American Thoracic Society, 2002) avalia a capacidade funcional para o exercício. É um teste de esforço submáximo e avalia, de forma global e integrada, as respostas do sistema cardiovascular e pulmonar (American Thoracic Society, 2002). As vantagens descritas na literatura sobre a aplicação do TC6 são: i) correlação com VO2 (i.e., consumo máximo de oxigénio); ii) fácil aplicação por parte dos investigadores; iii) baixo custo; iv) relação com a execução das atividades de vida diária. O TC6 é amplamente utilizado em estudos com pessoas com esquizofrenia (Beebe et al., 2005; Marzolini et al., 2009; Vittaca, Paneroni, Comini, & Bianchi, 2013). A validação preliminar do TC6 para este grupo foi desenvolvido em nível internacional (Vancampfort et al., 2011b) e nacional (Gomes et al., 2016).

Análise Estatística Procedeu-se à análise dos dados através da utilização do Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Foram utilizadas as medidas descritivas convencionais. Foi utilizado o Teste de Friedman para explorar possíveis diferenças nas variáveis contínuas nos três momentos de avaliação (M0, M1 e M2) no programa estruturado de AF. O nível de significância foi estabelecido em p <0.05. RESULTADOS A média de assiduidade dos participantes nas sessões foi de 85% e a adesão ao programa de AF foi de 90% ao longo de 24 semanas. A estatística descritiva relativa aos dados antropométricos, TC6 e IPAQ-SF nos três momentos de avaliação do programa de AF encontrase apresentada na Tabela 2.

Tabela 2 -Valores Médios e Desvios Padrão para as Variáveis Antropométricas, TC6 e IPAQ-SF no Início (M0), Após 12 Semanas (M1) e no Fim de 24 Semanas de Intervenção (M2) M0

M1

M2

p

Peso Corporal (Kg)

77.73 ± 16.14

77.73 ± 15.37

78.03 ± 15.05

0.787

IMC (Kg/m²)

28.09 ± 4.80

28.13 ± 4.60

28.26 ± 4.51

0.794

Circunferência cintura (cm)

97.11 ± 13.68

95.11 ± 15.62

91.66 ± 19.61

0.692

Circunferência anca (cm)

104.00 ± 9.39

100.55 ±12.06

96.27 ± 19.83

0.193

TC6 (m)

464.77 ± 79.50

552.38 ± 103.86

587.55± 00.06a,b

<0.001

Total AF (min.)

158.33 ± 94.60

316.66 ± 281.08

235.00 ± 75.69

0.224

AF vigorosa (min.)

17.22 ± 28.84

2.77 ± 5.65

23.88 ± 45.94

0.776

AF moderada (min.)

62.22 ± 35.00

159.44 ± 137.94

101.66 ± 68.64

0.156

AF caminhada (min.)

78.88 ± 73.94

154.44 ± 182.61

109.44 ± 23.27

0.313

Total AF (MET/min./semana)

569.83 ± 95.68

1281.66± 1021.63

958.94 ± 28.71

0.224

IPAQ-SF

AF= Atividade Física; MET= Equivalente Metabólico. aM0 < M1; bM0 < M2

Figura 1 -TC6 no início (M0), após 12 semanas (M1) e no fim de 24 semanas de intervenção (M2).

Apesar de não se terem verificado diferenças estatisticamente significativas, observou-se entre M0 e M2 uma redução nos valores da circunferência da cintura e da anca. No que diz respeito à capacidade funcional para o exercício verificaram-se melhorias significativas nos valores médios de distância percorrida durante os três momentos de avaliação do TC6 (X2F(2) = 12.400; p < 0.001). Tal como ilustra a figura 1, a média de distância percorrida aumentou significativamente entre o M0 e M1 (p = 0.01) e entre M0 e M2 (p < 0.001).

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 47


Por último, verificou-se um aumento na média do nível de AF (i.e., total minutos de AF, minutos de AF vigorosa/semana, minutos de AF moderada/semana, minutos de caminhada/semana e total de MET/minuto/semana) no final das 24 semanas de intervenção, ainda que não tenham sido observadas diferenças estatisticamente significativas. No entanto, ainda que a média do nível de AF relatado pelos participantes tenha aumentado de M0 para M2 foi notória uma oscilação dos valores entre os três momentos de avaliação (tabela 2). DISCUSSÃO O presente estudo piloto avaliou a eficácia de um programa de AF de 24 semanas na capacidade funcional para o exercício e no nível de AF de pessoas com esquizofrenia. A média de frequência dos participantes ao programa foi de 67%, corroborando com outros programas de AF relatados na literatura especializada (Marzolini et al., 2009; Vittaca et al., 2013) O programa de AF indicou a melhoria da capacidade funcional para o exercício dos participantes. Esta evidência assume particular importância uma vez que o aumento da média de distância caminhada favorece a melhoria dos parâmetros fisiológicos (i.e., sistema cardiovascular e respiratório) e das capacidades motoras (i.e., equilíbrio e força) influenciando, deste modo, a capacidade funcional para a realização das atividades da vida diária das pessoas com esquizofrenia (Vancampfort et al., 2011a). Os resultados deste estudo piloto são similares a estudos prévios nos quais foram observadas melhorias significativas na média de distância caminhada após 24 semanas de aplicação de um programa de caminhada e ginásio (bicicleta ergométrica e abdominal) (Vittaca et al., 2013). Em contrapartida, foram encontrados na literatura especializada alguns estudos no qual não foram observadas melhorias significativas na capacidade funcional para o exercício após a implementação de um programa de AF de 12 e 16 semanas, respetivamente (Beebe et al., 2005; Marzolini et al., 2009). Possivelmente, a duração e os exercícios desenvolvidos no programa aplicado no presente estudo promoveu melhorias significativas neste parâmetro. Relativamente ao nível de AF, não se verificaram alterações significativas ao fim de 24 semanas de aplicação do programa de AF, ainda que se tenham obtido melhorias em todas as variáveis avaliadas pelo IPAQ-SF. A ausência de significância estatística poderá estar relacionada, com o reduzido número de participantes no estudo (n = 9). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 48

Neste contexto, sugere-se que estudos futuros aumentem o tamanho da amostra de modo a permitir alcançar resultados mais conclusivos acerca do nível de AF de pessoas com esquizofrenia envolvidos em programas dessa natureza. No entanto, importa realçar a importância do programa no aumento nos níveis de AF dos participantes. Isto porque, o aumento no nível de AF está associado a redução do risco de doenças crónicas (Faulkner & Biddle, 1999; Vancampfort et al., 2012). Ainda no que diz respeito ao nível de AF, de uma forma geral, foi observada uma redução do M1 para M2. A prática regular de AF, proporcionada pelo programa, possivelmente influenciou a perceção de intensidade (exercício moderado ou vigoroso) dos participantes, uma vez que estas pessoas relataram apresentar estilo de vida sedentário há pelo menos dois anos. Após 12 semanas de intervenção julgamos que a sua perceção inicial de intensidade do exercício alterou-se devido aos efeitos do programa na adaptação fisiológica do organismo à prática regular de AF. No entanto, a não progressão do nível de AF dos participantes ao longo programa (M1-M2) sugere que, possivelmente, houve um desfasamento entre a perceção de intensidade do exercício reportada pelos participantes no M0. Esta situação poderá ser consequência das características associadas à esquizofrenia, nomeadamente as alterações no pensamento e a perceção da realidade (Awad & Voruganti, 2012). Outra possível explicação para o resultado anteriormente citado poderá estar relacionada com a possível dificuldade dos participantes em classificarem as atividades moderadas e vigorosas durante a aplicação do IPAQ-SF, situação frequentemente descrita na literatura (Faulkner et al., 2006). Somado a isso, a discussão dos resultados relativos ao nível de AF se encontra limitada uma vez que este é o único estudo ao nível nacional e internacional, que seja do nosso conhecimento, no qual o IPAQ-SF foi utilizado no contexto desportivo em pessoas com esquizofrenia, residentes na comunidade. Relativamente às medidas antropométricas, observouse uma diminuição da circunferência da cintura e da anca após 24 semanas de intervenção, apesar da ausência de significância estatística. A tendência verificada no presente estudo torna-se relevante para a melhoria da saúde das pessoas com esquizofrenia, uma vez que o aumento da circunferência da cintura e anca estão relacionados com o risco de doenças cardiovasculares e Diabetes Mellitus tipo 2 (The American Journal Of Clinical Nutrition, 1998).


Não foram verificadas alterações significativas no peso corporal e IMC ao longo do programa de AF. Estes resultados corroboram com estudos sobre programas desta natureza aplicados em pessoas com esquizofrenia (Beebe et al., 2005; Marzolini et al., 2009). A ausência de controlo dos hábitos alimentares dos participantes (Marzolini et al., 2009), bem como a falta de avaliação da massa magra e massa gorda dos participantes ao longo do programa de AF, dificulta a discussão sobre os resultados encontrados. Estudos que implementaram programas de AF com acompanhamento nutricional apresentaram melhorias no peso corporal e IMC (Attux et al., 2011). CONCLUSÕES O presente estudo indicou a melhoria da capacidade funcional para o exercício dos participantes do programa de AF proposto. Apesar de não se terem verificado diferenças estatisticamente significativas, observou-se um aumento no nível de AF e redução nos valores da circunferência da cintura e da anca entre M0 e M2. Os profissionais de saúde mental devem também considerar intervenções não farmacológicas que promovam efeitos benéficos na saúde física e mental de cada pessoa com esquizofrenia. Neste sentido, programas de AF têm sido identificados como uma possível estratégia na promoção de um estilo de vida saudável para estas pessoas. Atualmente, a enfermagem é solicitada para dar sua contribuição numa proposta multidisciplinar, ajudando a pessoa a enfrentar o sofrimento psíquico. O desafio que se faz presente é o da continuidade do aprofundamento de conhecimento dos benefícios, bem como do aprimoramento de estratégias utilizadas nos programas desta natureza nas pessoas com esquizofrenia. Neste sentido, futuros estudos devem desenvolver pesquisas de natureza experimental, com seleção aleatória da amostra, incluir novas variáveis para a análise (fatores que influenciam a motivação para o exercício, hábitos alimentares, avaliar se os benefícios são mantidos por um longo período de tempo, entre outros). Estas ações poderão oferecer ferramentas para o desenvolvimento de um programa mais eficaz na promoção de um estilo de vida saudável para pessoas com esquizofrenia.

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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 49


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Artigo de Investigação

8

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0192

ANSIEDADE E DEPRESSÃO ENTRE PROFISSIONAIS DE PROGRAMAS DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL | Elizangela Gonsalez1; Luciano Lourenção2; Priscila Teixeira3; Daniela Rotta4; Cláudia Gazetta5; Maria Pinto6 |

RESUMO INTRODUÇÃO: Os programas de formação em serviço são estressantes e podem desencadear o desenvolvimento de ansiedade e depressão, comprometendo as condições de saúde dos profissionais e a qualidade do atendimento prestado aos clientes dos serviços de saúde. OBJETIVO: Avaliar os níveis de ansiedade e depressão dos profissionais matriculados nos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento de uma instituição pública do interior do Estado de São Paulo. MÉTODOS: Estudo transversal entre 82 profissionais matriculados em programas de formação em serviço de uma instituição pública no Estado de São Paulo, utilizando-se três instrumentos: um para dados socioeconômicos e demográficos, e as Escalas de Ansiedade e Depressão de Beck (Cunha, 2001). RESULTADOS: Os profissionais apresentam perfil de susceptibilidade aos desgastes físicos e emocionais relacionados ao trabalho – faixa etária de 20 a 25 anos (47,6), sexo feminino (85,4%), solteiras (90,2%). 46,8% dos profissionais apresentaram algum grau de ansiedade e/ou depressão. CONCLUSÃO: Os níveis de ansiedade e depressão encontrados são significativos e evidenciam a presença de fatores desestimulantes e/ou desgastantes relacionados com a formação profissional nos programas avaliados. PALAVRAS-CHAVE: Ansiedade; Depressão; Educação em saúde; Internato e residência

RESUMEN

ABSTRACT

“Ansiedad y depresión entre los profesionales de programas de mejoramiento professional”

“Anxiety and depression between workers at professional improvement programs”

INTRODUCCIÓN: Programas de formación son estresantes y pueden desencadenar el desarrollo de ansiedad y depresión, comprometer la salud de profesionales y la calidad del servicio prestado a los clientes de los servicios de salud. OBJETIVO: Evaluar los niveles de ansiedad y depresión de profesionales matriculados en los programas de mejora y mejora de una institución pública en el Estado de São Paulo en Brasil. METODOLOGÍA: Estudio transversal entre los 82 profesionales inscritos en los programas de formación en servicio de una institución pública en el Estado de Sao Paulo, utilizando tres instrumentos: una para los datos socioeconómicos y demográficos, y las Escalas de Ansiedad y Depresión de Beck (Cunha, 2001). RESULTADOS: Los profesionales muestran perfil de susceptibilidad a un desgaste emocional y física relacionada con el trabajo - grupo de edad de 20-25 años (47,6), mujeres (85,4%), sola (90,2%). 46,8% de los encuestados tenía algún grado de ansiedad y / o depresión. CONCLUSIÓN: Los niveles de ansiedad y depresión que se encuentran son significativos y muestran la presencia de factores desalentadores y/o estresante relacionados con la formación profesional en los programas evaluados.

INTRODUCTION: In-service training programs are stressful and can trigger the development of anxiety and depression, compromising the health conditions of professionals and the quality of care provided to users of health services. AIM: To evaluate the anxiety and depression levels of professionals enrolled in the improvement and improvement programs of a public institution in the interior of the State of São Paulo. METHODS: Cross-sectional study of 82 professionals enrolled in inservice training programs of a public institution in the State of São Paulo, using three instruments: one for socioeconomic and demographic data, the Beck Anxiety and Beck Depression Scales (Cunha, 2001). RESULTS: Professionals presented a susceptibility profile to physical and emotional exhaustion related to work - age range of 20 to 25 years (47.6), female (85.4%), single (90.2%). 46.8% of the professionals presented some degree of anxiety and / or depression. CONCLUSION: The levels of anxiety and depression found are significant and show the presence of discouraging and / or debilitating factors related to professional training programs evaluated.

DESCRIPTORES: Ansiedad; Depresión; Educación em Salud; Internado y Residencia

KEYWORDS: Anxiety; Depression; Health education; Internship and residency Submetido em 20-09-2017 Aceite em 17-11-2017

1 Enfermeira; Mestre em Enfermagem, gianinicaberlin@hotmail.com 2 Enfermeiro; Doutor em Ciências da Saúde; Professor Titular-Livre na Universidade Federal do Rio Grande, 90040-060, Rio Grande, Brasil, luciano.famerp@gmail.com 3 Psicóloga; Mestre em Enfermagem, priscilapsicologa@yahoo.com.br 4 Enfermeira; Mestre em Enfermagem, danielarotta@yahoo.com.br 5 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professor Adjunta na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva e Orientação Profissional, 15090-000 São José do Rio Preto, SP, Brasil, claudiagazetta@yahoo.com.br 6 Enfermeira; Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Enfermagem Geral, mariahelena@famerp.br Citação: Gonsalez, E. G., Lourenção, L. G., Teixeira, P. R., Rotta, D. S., Gazetta, C. E., & Pinto, M. H. (2017). Ansiedade e depressão entre profissionais de programas de aprimoramento profissional. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 51-58. doi: 10.19131/rpesm.0192 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 51


INTRODUÇÃO Os programas de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional, desenvolvidos na modalidade de formação em serviço, sob supervisão, objetivam transmitir e desenvolver nos profissionais de saúde recém-graduados, os conhecimentos inerentes às ciências da saúde, de forma a atender as demandas sociais e clínico-epidemiológicas, contribuindo para a melhoria do atendimento prestado à comunidade usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) (Lourenção, Moscardini & Soler, 2013; Secretaria de Estado da Saúde, 2015). Possibilitam, portanto, que estes profissionais adquiram conhecimentos específicos e habilidades nas respectivas áreas de conhecimento. No Estado de São Paulo, o Programa de Aprimoramento Profissional da Secretaria de Estado da Saúde (PAP/SES), oferece oportunidades de formação em diversas áreas da saúde - exceto medicina, por meio de instituições vinculadas ao SUS (Secretaria de Estado da Saúde, 2015). A Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), instituição de ensino pública do Estado de São Paulo, além das vagas para o Programa de Aprimoramento Profissional da Secretaria de Estado da Saúde, possui um Programa de Aperfeiçoamento Profissional, desenvolvido nos mesmos moldes do Programa de Aprimoramento Profissional da Secretaria de Estado da Saúde e mantido com recursos próprios, com vagas em diferentes especialidades, de diferentes áreas da saúde (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto [FAMERP], 2015). Estes programas têm como objetivo capacitar os profissionais para exercerem a profissão com maior qualidade, atendendo a demanda dos clientes do sistema público de saúde (Secretaria de Estado da Saúde, 2015). Os programas de formação em serviço são considerados estressantes, podendo desencadear o desenvolvimento de ansiedade e depressão, comprometendo as condições de saúde, a qualidade de vida dos profissionais e a qualidade do atendimento prestado aos usuários dos serviços de saúde (Rotta et al., 2016; Carvalho, Melo-Filho, Carvalho & Amorim, 2013; Lourenção et al., 2013). Fatores como a presença de pacientes e doenças graves, a convivência com o sofrimento e a morte, a pressão para tomada de decisões, o medo de errar, o excesso de trabalho e, muitas vezes, a falta de infraestrutura adequada dos serviços de saúde, causam temores entre os profissionais, desestruturando o seu desempenho e gerando desgastes físicos e emocionais, como ansiedade e depressão (Carvalho et al., 2013; Lourenção et al., 2013). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 52

A ansiedade pode ser definida como uma preparação do organismo para agir diante de estímulos e contingências que ameaçam a integridade da sua estrutura. É um sentimento vago, indescritível e desagradável, de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto, derivado de antecipação do perigo, de algo estranho, desconhecido. Quando a ansiedade extrapola os limites da normalidade, surgem os transtornos de ansiedade, considerados muito comuns, mas que causam sofrimento e comprometimento funcional importante, podendo impedir o adequado funcionamento do profissional (Gomes & Oliveira, 2013; Schmidt, Dantas & Marziale, 2011). Os sinais e sintomas de ansiedade podem ser caracterizados como sensações físicas de aceleração respiratória, alteração do batimento cardíaco, polaquiúria, diarréia, falta de forças nas pernas, palidez, contrações ou relaxamento dos músculos faciais, sudorese, tremores, etc. (Gomes & Oliveira, 2013; Apóstolo, Figueiredo, Mendes & Rodrigues, 2011; Schmidt et al., 2011). A depressão é considerada uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo. Estima-se que 350 milhões de pessoas são afetadas pela depressão, sendo mais comum entre mulheres. É caracterizada por um emaranhado de sensações e alterações no comportamento dos indivíduos, como tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa ou baixa auto-estima, distúrbios do sono ou do apetite, cansaço e falta de concentração (World Health Organization [WHO], 2015). A depressão pode ser de longa duração ou recorrente, prejudicando a capacidade das pessoas no trabalho e na vida diária. Entre as alterações que podem ocorrer e estarem relacionadas com um quadro depressivo destacam-se: afastamento das atividades sociais, perda de interesse nas atividades profissionais, acadêmicas e lúdicas, perda do prazer nas relações interpessoais, sentimento de culpa ou auto-depreciação, baixa autoestima, desesperança, apetite e sono alterados, sensação de falta de energia e dificuldade de concentração. Além das manifestações nos comportamentos dos indivíduos e nas suas formas de se comportar e se relacionar, podem ser identificadas algumas alterações em aspectos físicos, além de surgirem cefaleias constantes, disfunções relacionadas com o sono, náuseas, dores na região das costas, perda ou diminuição do interesse sexual, entre outras. Diferentemente da tristeza e do luto, a depressão não é uma sensação voluntária do indivíduo, mas algo indesejável (WHO, 2015; Apóstolo, et al., 2011).


Em virtude dos desgastes físicos e emocionais vivenciados pelos profissionais durante o processo de formação nos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional, capazes de desestruturar o desempenho laboral durante o treinamento, torna-se importante verificar o nível de ansiedade e depressão destes indivíduos, buscando a humanização da vida profissional e pessoal, a partir da promoção da saúde física e mental destes profissionais. Assim, este estudo objetivou avaliar os níveis de ansiedade e depressão dos profissionais matriculados nos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento de uma instituição pública do interior do Estado de São Paulo. MÉTODOS Estudo transversal entre os profissionais matriculados nos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no ano de 2013. Ambos são programas de pós-graduação multiprofissionais, que objetivam a formação profissional em serviço, sob supervisão, desenvolvidos com jornada semanal de 40 (quarenta) horas, constituindo-se de atividades teóricas (20%) e práticas (80%), conforme determina a legislação (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, 2015). A população do estudo foi composta por todos profissionais matriculados nos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, que consentiram participar, depois de informados sobre os objetivos e a finalidade do estudo, totalizando 82 profissionais de diferentes áreas, dos quais 31 eram aprimorandos e 51 aperfeiçoandos. Todos frequentando o semestre letivo entre 2013 e 2014. O critério de inclusão no estudo foi ser aprimorando ou aperfeiçoando matriculado no programa. Foram excluídos aqueles que estavam afastados das atividades profissionais por qualquer natureza durante o período de coleta dos dados. Para a coleta de dados foram utilizados três instrumentos autoaplicáveis: um instrumento elaborado pelos autores, contendo dados pessoais como idade, sexo, estado civil, categoria profissional, renda familiar, se está satisfeito com o programa e se já pensou em desistir do programa (dados demográficos e socioeconômicos); a Escala de Ansiedade de Beck ou Inventário de Ansiedade de Beck (BAI); e a Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck (BDI-II).

O BAI foi desenvolvido por Beck, Epstein, Brown e Steer, em 1988 e adaptado para o Brasil por Cunha (2001), apresentando bons coeficientes de fidedignidade e validade. É composto por 21 questões que abordam diversos itens relacionados aos sintomas depressivos como desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar sendo punida, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido. A aplicação do BAI seguiu as recomendações do Manual de Escalas Beck. Após leitura das instruções aos participantes do estudo, foi entregue o protocolo do teste para respostas. A correção foi realizada por uma psicóloga e a classificação dos níveis de ansiedade dos profissionais seguiu a seguinte classificação: 0 a 10 pontos = Nível Mínimo de Ansiedade; 11 a 19 pontos = Nível Leve de Ansiedade; 20 a 30 pontos = Nível Moderado de Ansiedade; 31 a 63 pontos = Nível Grave de Ansiedade (Cunha, 2001). O BDI-II, criado por Beck, Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh em 1961, apresenta coeficientes de fidedignidade e evidências de validade satisfatórias para o Brasil (Cunha, 2001). É composto por 21 questões que abordam diversos itens relacionados aos sintomas depressivos como desesperança, irritabilidade e cognições como culpa ou sentimentos de estar sendo punida, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido. Como no BAI, a aplicação do BDI-II seguiu as recomendações do Manual de Escalas Beck. Após leitura das instruções aos participantes do estudo, foi entregue o protocolo do teste para respostas. A correção foi realizada por uma psicóloga e a classificação dos níveis de depressão dos profissionais seguiu a seguinte classificação: 0 a 11 pontos = Nível Mínimo de Depressão; 12 a 19 pontos = Nível Leve de Depressão; 20 a 35 pontos = Nível Moderado de Depressão; 36 a 63 pontos = Nível Grave de Depressão (Cunha, 2001). Todos os profissionais matriculados nos programas, que não estavam afastados no momento da coleta dos dados, participaram da pesquisa e responderam ao questionário no início de uma aula teórica do programa, com a prévia permissão do professor responsável. A análise dos dados foi realizada com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Os dados demográficos e socioeconômicos foram utilizados para caracterizar a população do estudo. Os níveis de ansiedade de depressão foram categorizados em ausência de depressão/ansiedade, depressão/ansiedade leve, depressão/ansiedade moderada e depressão/ ansiedade grave e apresentadas segundo as variáveis sociodemográficas dos profissionais. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 53


Para testar associações entre as variáveis sociodemográficas e os níveis de ansiedade e depressão utilizou-se o teste qui-quadrado, com nível de significância de 5%. O teste de concordância de Kappa foi utilizado para medir a relação entre os níveis de ansiedade e depressão, considerando significância de 5%. Respeitando os preceitos Éticos de Pesquisas envolvendo seres humanos, este projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, sob Protocolo CAAE 17116413.4.0000.5415 e aprovado em 11 de junho de 2013 com o Parecer n. 319.203. RESULTADOS Participaram do estudo 82 profissionais de diferentes categorias, dos quais 31 eram aprimorandos e 51 aperfeiçoandos. Em relação às categorias profissionais, 21 (25,6%) eram enfermeiros, dois (2,4%) farmacêuticos, 25 (30,5%) fisioterapeutas, seis (7,3%) fonoaudiólogos, duas (2,4%) nutricionistas, 12 (14,6%) psicólogos, oito (9,8%) assistentes sociais e seis (7,3) terapeutas ocupacionais. Observou-se prevalência do sexo feminino (70 - 85,4%). A faixa etária variou de 22 a 32 anos, com idade mediana de 25 anos, sendo que 39 (47,6%) profissionais tinham entre 20 e 25 anos, 29 (35,4%) entre 26 e 30 anos, um (1,2%) entre 31 e 35 anos. Em relação ao estado civil, observou-se que a maioria era solteira (74 - 90,2%). Sete (8,5%) profissionais tinham rendimento familiar de até 1 salário mínimo; 45 (54,9%), de dois a cinco salários mínimos; 23 (28,0%), de seis a 10 salários mínimos e seis (7,3%), mais de 10 salários mínimos. Destaca-se que 49 (59,8%) profissionais referiram estar satisfeitos com o programa no qual está matriculado, e 50 (61,0%) já pensaram em desistir do programa. A análise do nível de ansiedade (Tabela 1) evidenciou que 46,80% dos profissionais apresentaram algum grau de ansiedade, sendo 37,0% com ansiedade leve, 4,9% ansiedade moderada e 4,9% ansiedade grave. Os maiores percentuais de ansiedade foram observados em profissionais das áreas de: Farmácia – 100% dos profissionais com ansiedade leve; Serviço Social – 62,5% dos profissionais com ansiedade leve; Nutrição – 50% dos profissionais com ansiedade leve e 50% com ansiedade grave; Fisioterapia: 37,5% dos profissionais com ansiedade leve e 12,5% com ansiedade moderada; Enfermagem – 33,3% dos profissionais com ansiedade leve e 14,3% com ansiedade grave. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 54

Tabela 1 - Níveis de Ansiedade, Variáveis Sociodemográficas dos Profissionais Matriculados nos Programas de Aprimoramento e Aperfeiçoamento Profissional da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, São Paulo, 2013-2014 Ansiedade Ausência n (%)

Leve n (%)

Moderada n (%)

Grave n (%)

Valor-p

Categoria Profissional Enfermagem (n = 21)

11 (52,4)

7 (33,3)

-

3 (14,3)

Farmácia (n = 02)

-

2 (100,0)

-

-

Fisioterapia (n = 24)

12 (50,0)

9 (37,5)

3 (12,5)

-

Fonoaudiologia (n = 06)

4 (66,7)

2 (33,3)

-

-

Nutrição (n = 02)

-

1 (50,0)

-

1 (50,0)

Psicologia (n = 12)

8 (66,7)

3 (25,0)

1 (8,3)

-

Serviço Social (n = 08)

3 (37,5)

5 (62,5)

-

-

Terapia Ocupacional (n = 06)

5 (83,3)

1 (16,7)

-

-

Total (n = 81)

43 (53,1)

30 (37,0)

4 (4,9)

4 (4,9)

Masculino (n = 12)

9 (75,0)

3 (25,0)

-

-

Feminino (n = 69)

34 (49,3)

27 (39,1)

4 (5,8)

4 (5,8)

Total (n = 81)

43 (53,1)

30 (37,0)

4 (4,9)

4 (4,9)

20 - 25 anos (n = 46)

23 (50,0)

18 (39,1)

2 (4,3)

3 (6,5)

26 - 30 anos (n = 30)

18 (60,0)

10 (33,3)

1 (3,3)

1 (3,3)

31 - 35 anos (n = 03)

1 (33,3)

1 (33,3)

1 (33,3)

-

Total (n = 79)

42 (53,2)

29 (36,7)

4 (5,1)

4 (5,1)

Casado (n = 04)

2 (50,0)

1 (25,0)

-

1 (25,0)

Solteiro (n = 73)

40(54,8)

27 (37,0)

3 (4,1)

3 (4,1)

Outros (n = 04)

1 (25,0)

2 (50,0)

1 (25,0)

-

Total (n = 81)

43 (53,1)

30 (37,0)

4 (4,9)

4 (4,9)

0,110

Sexo 0,359

Faixa etária

0,398

Estado civil

0,231

Renda Familiar (salários mínimos) Até 1 (n = 07)

4 (57,1)

2 (28,6)

-

1 (14,3)

2 a 5 (n = 45)

23 (51,1)

17 (37,8)

3 (6,7)

2 (4,4)

6 a 10 (n = 22)

12 (54,5)

9 (40,9)

-

1 (4,5)

Mais de 10 (n = 06)

3 (50,0)

2 (33,3)

1 (16,7)

-

Total (n = 80)

42 (52,5)

30 (37,5)

4 (5,0)

4 (5,0)

0,817

Satisfeito com o programa Sim (n = 48)

26 (54,2)

18 (37,5)

3 (6,3)

1 (2,1)

Não (n = 33)

17 (51,5)

12 (37,5)

1 (3,0)

3 (9,1)

Total (n = 81)

43 (53,1)

30 (37,0)

4 (4,9)

4 (4,9)

0,496

Pensou em desistir do programa Sim (n = 49)

23 (46,9)

18 (36,7)

4 (8,2)

4 (8,2)

Não (n = 32)

20 (62,5)

12 (37,5)

-

-

Total (n = 81)

43 (53,1)

30 (37,0)

4 (4,9)

4 (4,9)

0,106


Entre os 33 profissionais que referiram não estar satisfeitos com o programa, 49,6% apresentaram ansiedade, sendo 37,5% com ansiedade leve, 3,0% moderada e 9,1% grave. Já entre aqueles que pensaram em desistir do programa (n=81), 53,1% apresentaram ansiedade, dos quais: 36,7% tiveram ansiedade leve, 8,2% moderada e 8,2% ansiedade grave. Tabela 2 - Níveis de Depressão, Variáveis Sociodemográficas dos Profissionais Matriculados nos Programas de Aprimoramento e Aperfeiçoamento Profissional da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, São Paulo, 2013-2014 Depressão Ausência n (%)

Leve n (%)

Moderada n (%)

Grave n (%)

Enfermagem (n = 20)

13 (65,0)

6 (30,0)

1 (5,0)

-

Farmácia (n = 02)

1 (50,0)

1 (50,0)

-

-

Fisioterapia (n = 25)

21 (84,0)

3 (12,0)

1 (4,0)

-

Fonoaudiologia (n = 06)

5 (83,3)

1 (16,7)

-

-

Nutrição (n = 02)

1 (50,0)

1 (50,0)

-

-

Psicologia (n = 12)

8 (66,7)

4 (33,3)

-

-

Serviço Social (n = 08)

6 (75,0)

2 (25,0)

-

-

Terapia Ocupacional (n = 05)

4 (80,0)

1 (20,0)

-

-

Total (n = 80)

59 (73,8)

19 (23,8)

2 (2,5)

-

Masculino (n = 12)

11 (91,7)

1 (8,3)

-

-

Feminino (n = 68)

48 (70,6)

18 (26,5)

2 (2,9)

-

Total (n = 80)

59 (73,8)

19 (23,8)

2 (2,5)

-

20 - 25 anos (n = 46)

31 (67,4)

13 (28,3)

2 (4,3)

-

26 - 30 anos (n = 29)

25 (86,2)

4 (13,8)

-

-

31 - 35 anos (n = 03)

2 (66,7)

1 (33,3)

-

-

Total (n = 78)

58 (74,4)

18 (23,1)

2 (2,6)

-

Casado (n = 04)

3 (75,0)

-

1 (25,0)

-

Solteiro (n = 72)

54 (75,0)

18 (25,0)

-

-

Outros (n = 04)

2 (50,0)

1 (25,0)

1 (25,0)

-

Total (n = 80)

59 (73,8)

19 (23,8)

2 (2,5)

-

Valorp

Categoria Profissional

0,961

Sexo 0,304

Faixa etária

0,404

Estado civil

0,001

Não houve diferença estatística entre os níveis de ansiedade e as variáveis sociodemográficas. A Tabela 2 apresenta os níveis de depressão, segundo as variáveis sociodemográficas dos profissionais estudados. Destaca-se que nenhum profissional apresentou níveis graves de depressão. Contudo, 26,3% dos profissionais apresentaram depressão leve e/ou moderada, sendo que 5,0% dos enfermeiros e 4,0% dos fisioterapeutas apresentaram depressão moderada. Em todas as categorias profissionais foi observada depressão leve, cujos índices foram: 50,0% dos farmacêuticos e nutricionistas; 33,3% dos psicólogos; 30,0% dos enfermeiros; 25,0% dos assistentes sociais; 20,0% dos terapeutas ocupacionais; 16,7% dos fonoaudiólogos e 12,0% dos fisioterapeutas. Dos 31 profissionais que referiram não estar satisfeitos com o programa, 36,8% apresentaram depressão, sendo 35,5% com depressão leve e 6,5% moderada. Entre os que pensaram em desistir do programa (n=49), 32,7% apresentaram depressão leve e 4,1%, depressão moderada, totalizando 36,8% dos profissionais com algum nível de depressão. Observou-se diferença estatística significante entre depressão e estado civil (p=0,001), depressão e satisfação com o programa (p=0,020), e depressão e desejo de desistir do programa (p=0,025), evidenciando que essas variáveis contribuem para o surgimento da depressão. A Tabela 3 apresenta a relação entre ansiedade e depressão nos profissionais, mostrando que 45,6% dos profissionais apresentaram sintomas de ansiedade associada ou não à depressão. Ainda, destaca-se que, 20,3% dos profissionais apresentaram ansiedade e depressão associadas. Houve baixa concordância entre profissionais com ansiedade e depressão (K=0,171) e não houve significância estatística (p=0,089). Tabela 3 - Relação entre Ansiedade e Depressão nos Profissionais Matriculados nos Programas de Aprimoramento e Aperfeiçoamento Profissional da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto, São Paulo, 2013-2014

Renda Familiar (salários mínimos) Até 1 (n = 07)

6 (85,7)

1 (14,3)

-

-

2 a 5 (n = 43)

28 (65,1)

13 (30,2)

2 (4,7)

-

6 a 10 (n = 23)

18 (78,3)

5 (21,7)

-

-

Mais de 10 (n = 06)

6 (100,0)

-

-

-

Total (n = 79)

58 (73,4)

19 (24,1)

2 (2,5)

-

0,502

41 (83,7)

8 (16,3)

-

-

Não (n = 31)

18 (58,1)

11 (35,5)

2 (6,5)

-

Total (n = 80)

59 (73,8)

19 (23,8)

2 (2,5)

-

31 (63,3)

16 (32,7)

2 (4,1)

-

Não (n = 31)

28 (90,3)

3 (9,7)

-

-

Total (n = 80)

59 (73,8)

19 (23,8)

2 (2,5)

-

Leve n (%)

Moderada n (%)

Grave n (%)

Total

Ausência

38 (65,5)

5 (26,3)

-

-

43 (54,4)

Leve

19 (32,8)

8 (42,1)

1 (50,0)

-

28 (35,4)

1 (1,7)

3 (15,8)

-

-

4 (5,1)

Grave

-

3 (15,8)

1 (50,0)

-

4 (5,1)

Total

58 (73,4)

19 (24,0)

2 (2,6)

-

79 (100,0)

Kappa

pvalor

0,171

0,089

Ansiedade 0,020

Pensou em desistir do programa Sim (n = 49)

Ausência n (%)

Variáveis

Satisfeito com o programa Sim (n = 49)

Depressão

Moderada 0,025

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 55


DISCUSSÃO A distribuição dos profissionais observada neste estudo está relacionada ao perfil institucional dos programas estudados. Ligado à Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, o Hospital de Base está entre os maiores complexos hospitalares do Estado de São Paulo. É referência para o atendimento de mais de dois milhões de habitantes dos 102 municípios que integram a Direção Regional de Saúde de Rio Preto (DRS 15) e conta com equipes multidisciplinares formadas por médicos, enfermeiros, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fisioterapeutas, psicólogos e cirurgiões-dentistas, entre outros profissionais (Hospital de Base de São José do Rio Preto, 2016). Este perfil é coerente com o público alvo dos programas multidisciplinares de Aprimoramento Profissional da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e Aperfeiçoamento Profissional da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, que ofertam 113 vagas, sendo 55 para o aprimoramento e 58 vagas para o aperfeiçoamento (FAMERP, 2015; Secretaria de Estado da Saúde, 2015). O perfil sociodemográfico dos profissionais deste estudo está em concordância com o perfil identificado em outros estudos, ou seja, mulheres, jovens, solteiras, com rendimento familiar médio entre dois e cinco salários mínimos (Fernandes, Miyazaki & Silvares, 2015; Lourenção et al., 2013; Franco, Barros, Nogueira-Martins & Zeitoun, 2011). De acordo com a literatura, profissionais com este perfil (mulheres, jovens, solteiras e no início da carreira) estão mais susceptíveis a desgastes físicos e emocionais relacionados ao trabalho (Franco et al., 2011). Este estudo observou que um elevado percentual dos profissionais, por algum motivo não já pensou em desistir do programa de formação. Estudo sobre qualidade de vida, realizado em 2009 com profissionais desses mesmos programas, identificou comprometimento da vida sexual e das atividades da vida cotidiana dos profissionais, além de dificuldades de enfrentamento das situações estressantes (Lourenção et al., 2013), evidenciando a existência de fatores desestimulantes e/ou desgastantes relacionados ao processo de formação. Esses resultados também são semelhantes aos encontrados em outro estudo realizado numa universidade pública da região sul do Brasil, com residentes multiprofissionais (Guido, Silva, Goulart, Bolzan & Lopes, 2012). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 56

Na avaliação da ansiedade, observou-se que 46,80% dos profissionais apresentaram algum grau de ansiedade, corroborando com os resultados encontrados por outros estudos com residentes multiprofissionais e residentes médicos, nos quais os percentuais de profissionais com ansiedade variou entre 40 e 60% (Carvalho et al., 2013; Guido et al., 2012; Silva, Koch, Sousa, Gasparetto & Buys, 2010). Apesar dos resultados não mostrarem diferença estatisticamente significante no percentual de profissionais com ansiedade em relação às variáveis sociodemográficas analisadas, algumas questões chamam a atenção, como o percentual de profissionais de Farmácia, Serviço Social e Nutrição ansiosos; o percentual de mulheres com ansiedade foi superior ao dos homens; houve maior percentual de ansiosos entre os profissionais mais jovens; quase a metade dos profissionais insatisfeitos apresentava ansiedade e mais de 50,0% dos profissionais que pensaram em desistir do programa apresentavam ansiedade. Estudo realizado na cidade de Recife, Estado de Pernambuco, com residentes médicos e residentes não médicos aponta importante diferença na prevalência de transtornos mentais comuns entre os profissionais. Para os autores, essas diferenças podem ser justificadas pelas particularidades de cada profissão e, embora todos sejam profissionais de saúde, é comum se depararem com situações específicas que exigem atitudes e responsabilidades em níveis diferentes, podem gerar maior ou menor desgaste ao profissional (Carvalho et al., 2013). Em relação à depressão, os resultados mostram percentuais importantes de profissionais com algum nível da doença, especialmente nas áreas de Nutrição, Farmácia, Enfermagem, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos com residentes médicos de radiologia - 56,0% (Silva et al., 2010) e estudantes de enfermagem - 28,6% para licenciatura e 15,4% para bacharelado (Furegato, Santos & Silva, 2010). Destaca-se, ainda, que estudos sobre Síndrome de Burnout com médicos residentes em Goiânia, Estado de Goiás (Soares et al., 2012) e na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo (Fabichak, Silva-Junior & Morrone, 2014), e residentes multiprofissionais no Estado do Rio Grande do Sul (Guido et al., 2012), relatam que os profissionais apresentam altos índices de exaustão emocional (50,0%, 75,0% e 37,0%, respetivamente), com risco para Síndrome de Burnout de 23,61%, 50,0% e 27,0%, na devida ordem.


Quando analisamos a associação entre ansiedade e depressão entre os profissionais estudados, os resultados encontrados (19,5% dos profissionais com ansiedade e depressão associadas) confirmam a magnitude destes transtornos nos profissionais estudados, pertencentes à população de risco para transtornos emocionais e comportamentais (Silva et al., 2010). Ao comparar profissionais de programas de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional, com aqueles inseridos em programas de residência médica e/ou residência multiprofissional, destaca-se que o ambiente e o processo de trabalho são os mesmos para ambos os profissionais, havendo apenas distinção da carga horária total a ser cumprida que, para os aprimorandos e aperfeiçoandos é de 40 horas semanais (FAMERP, 2015; Secretaria de Estado da Saúde, 2015) e para os residentes médicos e multiprofissionais é de 60 horas semanais (Lei nº 12.514; Portaria Interministerial nº 1.077). Acerca desta questão, sabe-se que, se o número de horas trabalhadas for menor, o nível de exaustão emocional e despersonalização diminui (Asaiag, Perotta, Martins & Tempski, 2010). Entretanto, fatores comuns a todas as categorias profissionais inseridas em programas de formação são descritos como desgastantes, como a relação com pacientes rebeldes, a comunicação de uma doença grave, o medo de contrair um doença transmissível, o lidar com a morte, a rotatividade entre diferentes setores, o medo de cometer erros, a falta de supervisão adequada, a falta de infraestrutura para atendimento, sobrecarga de trabalho, entre outros (Carvalho et al., 2013; Franco et al., 2011; Silva et al., 2010). A associação desses fatores comportamentais e ambientais, as condições de trabalho do local de estudo e as características sociodemográficas dos profissionais estudados, pode justificar os percentuais de profissionais com depressão entre aqueles que referiram não estar satisfeitos com o programa (42,0%) e os que já pensaram em desistir (36,8%). Finalmente, para alguns pesquisadores, ações como supervisão constante e permanente dos profissionais em treinamento; melhor organização do trabalho, com equilíbrio entre a realização das atividades profissionais e o descanso; ações de promoção de saúde e bem-estar; reconhecimento e valorização institucional são importantes e contribuem para reduzir o estresse, evitando desgastes e o desenvolvimento de ansiedade e depressão (Rotta et al., 2016; Fabichak et al., 2014; Soares et al., 2012; Silva et al., 2010).

CONCLUSÃO Este estudo permitiu identificar o perfil de susceptibilidade para desgastes físicos e emocionais relacionados ao trabalho. Os índices de ansiedade e depressão encontrados nos profissionais estudados são significativos e evidenciam a presença de fatores desestimulantes e/ou desgastantes relacionados ao processo de formação nos programas avaliados. Os resultados evidenciam a necessidade de ações de promoção de saúde e bem-estar dos trabalhadores. A implementação de medidas que identifiquem precocemente sintomas de ansiedade e estresse e promovam controle das causas de ansiedade e estresse; previna incapacidades individuais decorrentes destes transtornos. Este estudo demonstrou que transtornos emocionais, conhecidamente frequentes entre residentes médicos, também acometem os profissionais dos programas de aprimoramento e aperfeiçoamento. Contudo, o delineamento transversal deste estudo representa uma limitação por não permitir o estabelecimento de relações causais, o que requer a realização de novos estudos, para a investigação da relação de causa e efeito entre os transtornos avaliados, as características comportamentais, ambientais e as condições de trabalho desses profissionais. A população restrita a uma única instituição impossibilita estender os resultados para o universo dos profissionais inseridos em programas de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional, apontando a necessidade de investigações com profissionais de diferentes instituições/localidades. Assim, conhecer a realidade dos profissionais matriculados em programas de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional em saúde é fundamental para a análise e intervenção sobre os fatores negativos, bem como fortalecimento dos aspectos positivos do ambiente/processo de formação, assegurando maior desenvolvimento do profissional e melhoria na qualidade da assistência aos utentes dos serviços de saúde. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Apóstolo, J. L. A., Figueiredo, M. H., Mendes, A. C., & Rodrigues, M. A. (2011). Depression, anxiety and stress in primary health care users. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 19(2), 348-353. doi: 10.1590/S010411692011000200017 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 57


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Artigo de Investigação

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Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0193

PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM ADULTOS NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE | Luís Souza e Souza1; Bruna Barbosa2; Carla de Oliveira e Silva3; Antônia de Souza4; Tadeu Ferreira5; Leila Siqueira6 |

RESUMO CONTEXTO: Os transtornos mentais comuns (TMC) abrangem sintomas de fadiga, esquecimento, irritabilidade, dificuldades de concentração, queixas somáticas e sentimento de inutilidade. Altas prevalências destes agravos têm sido observadas em adultos no contexto da Atenção Primária, sendo consideradas uma das maiores problemáticas de saúde no mundo. OBJETIVO: Estimar a prevalência e fatores associados aos TMC em adultos assistidos por uma equipe da Estratégia Saúde da Família no Brasil. MÉTODOS: Estudo transversal e analítico, realizado no ano 2016, com uma amostra aleatória de 297 adultos. Para coleta dos dados, utilizou-se o questionário Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), além de informações sociodemográficas, sobre condições de vida e saúde. Para presença de TMC, considerou-se ponto de corte o escore igual ou maior que 7 para homens e mulheres. Testaram-se as associações dos TMC com as variáveis de interesse, por meio de análise univariada (qui-quadrado), com nível de significância de 5%. RESULTADOS: A prevalência dos TMC foi de 23,2%. A prevalência do desfecho foi significativamente maior nos adultos do sexo feminino, em união estável, com 0 a 4 anos de estudos, que faziam uso de medicamento controlado, e que informaram diagnóstico prévio/confirmado de TMC pessoal ou na família. CONCLUSÕES: Os resultados apresentados evidenciam que as características associadas são passíveis de serem investigadas e acompanhadas na prática clínica. Destaca-se a necessidade de qualificação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, visando à detecção e acolhimento das pessoas com TMC, com enfoque em uma assistência integral e que envolva a família. PALAVRAS-CHAVE: Transtornos mentais; Atenção primária à saúde; Assistência à saúde mental

RESUMEN

ABSTRACT

“Prevalencia de trastornos mentales comunes en adultos en el contexto de la Atención Primaria de Salud”

“Prevalence of common mental disorders in adults in the context of Primary Health Care”

CONTEXTO: Los trastornos mentales comunes (TMC) cubren los síntomas de fatiga, falta de memoria, irritabilidad, dificultades de concentración, quejas somáticas y sentimientos de inutilidad. Se han observado en adultos en contexto de atención primaria, siendo considerado un daos de problema de salud más importantes del mundo. OBJETIVO: Estimar la prevalencia y factores asociados a TMC en adultos asistidos por un equipo de la Estrategia de Salud de la Familia en Brasil. METODOLOGÍA: Estudio transversal y analítico, conducido en el año 2016, con una muestra aleatoria de 297 adultos. Para la recolección de datos, se utilizó el cuestionario Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), así como información sociodemográfica sobre las condiciones de vida y la salud. Para establecer la TMC, se consideró la puntuación igual o superior a 7 para hombres y mujeres. Las asociaciones fueron probados TMC con las variables de interés, a través de análisis univariado (Chi-cuadrado), con un nivel de significancia del 5%. RESULTADOS: La prevalencia de TMC fue 23,2%. La prevalencia del evento fue significativamente mayor en mujeres adultas, en establo, con 0 a 4 años de estudio, que hacen uso de drogas controladas, y con diagnóstico previo y confirmado de TMC individualmente o en família. CONCLUSIONES: Los resultados presentados muestran que las características asociadas suelen ser investigados y seguidos en la práctica clínica. Destaca la necesidad de capacitación de profesionales de Salud Primaria, dirigidas a la detección y recepción de las personas con TMC, centrándose en una asistencia integral y participación de la familia.

BACKGROUND: The common mental disorders (CMD) cover symptoms of fatigue, forgetfulness, irritability, concentration difficulties, somatic complaints and feelings of worthlessness. Has been observed high prevalence of these diseases in adults in adults in the context of Primary Health Care, being considered one of the biggest health problems in the world. AIM: Estimate the prevalence and factors associated with CMD in adults assisted by a team from the Family Health Strategy in Brazil. METHODS: Cross-sectional study and analytical, performing in the year 2016, with a random sample of 297 adults. For data collection, we used the questionnaire Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), as well as sociodemographic information on living conditions and health. For presence of CMD, cut-off score equal to or greater than 7 for men and women. Associations between the CMD with interest variables were tested, through univariate analysis (Chi-square), with a significance level of 5%. RESULTS: The prevalence of CMD was 23.2%. The prevalence of the event was significantly higher in female adults, in stable, with 0 to 4 years of study, that made use of controlled drug, and that reported prior diagnosis or confirmed of CMD individual or in the family. CONCLUSIONS: The results presented show that the associated features are likely to be investigated and followed up in clinical practice. Highlights the need for qualification of Primary Health Care professionals, aimed at the detection and reception of the people with CMD, focusing on a comprehensive assistance and involving the family.

DESCRIPTORES: Trastornos mentales; Atención primaria de salud; Atención a la salud mental

KEYWORDS: Mental disorders; Primary health care; Mental health assistance Submetido em 22-03-2017 Aceite em 17-11-2017

1 Enfermeiro; Mestre em Enfermagem; Doutorando em Saúde Pública na Universidade Federal de Minas Gerais; Professor na Universidade Federal de São João del Rei, Campus Dom Bosco, Departamento de Medicina, Praça Dom Helvécio, 74, 36301-160 São João del Rei, Minas Gerais, Brasil, luis.pauloss@hotmail.com 2 Discente na Universidade Estadual de Montes Claros, Curso de Graduação em Enfermagem, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, bruna.barbosab@hotmail.com 3 Enfermeira; Doutora em Ciências; Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Enfermagem, 39401-089 Brasil, prof.carlasosilva@gmail.com 4 Discente nas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, Curso de Graduação em Psicologia, 39408-007 Minas Gerais, Brasil, antoniagoncalves8@gmail.com 5 Enfermeiro; Mestrando em Tecnologia da Informação Aplicada à Biologia Computacional na Única Educacional; Professor na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Enfermagem, 39401-089 Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, tadeu.nunes@hotmail.com 6 Enfermeira; Doutora em Ciências da Saúde; Professora na Universidade Estadual de Montes Claros, Departamento de Enfermagem, leila.siqueirasantos@yahoo.com.br Citação: Souza, L. P. S., Barbosa, B. B., Silva, C. S. O., Souza, A. G., Ferreira, T. N., & Siqueira, L. G. (2017). Prevalência de transtornos mentais comuns em adultos no contexto da Atenção Primária de Saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 59-66. doi: 10.19131/rpesm.0193 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 59


INTRODUÇÃO Os transtornos mentais comuns (TMC) compreendem sintomas como insônia, fadiga, esquecimento, irritabilidade, dificuldades de concentração, queixas somáticas e sentimento de inutilidade (Morais & Segri, 2011; Portugal, Campos, Gonçalves, Mari & Fortes, 2016). A denominação de TMC se refere a transtornos mentais menos rigorosos, sendo, às vezes, difusos e inespecíficos em comparação com outros quadros mais definidos pelos sistemas classificatórios e diagnósticos vigentes. São, também, menos distintos e socialmente menos perturbadores e, por isso, seu impacto e prevalência têm recebido pouca atenção por parte das políticas públicas e, consequentemente, do sistema de saúde, mais especificamente na Atenção Primária à Saúde (Morais & Segri, 2011). Os TMC possuem significativa prevalência nas sociedades modernas, afetando pessoas de diversas faixas etárias, com destaque para os adultos, pois é nesta fase que, geralmente, iniciam-se as responsabilidades, o que acarreta sofrimento tanto para o indivíduo, quanto para a família e comunidade (Rocha, Almeida, Araújo & Virtuoso, 2010). Tanto no contexto nacional quanto no internacional, reconhece-se que diversos fatores podem acarretar baixa autoestima, aumentando assim a suscetibilidade de transtornos mentais comuns, tais como: eventos de vida estressantes e desempenho insatisfatório de papéis sociais; problemas interpessoais; internações hospitalares; problemas de saúde; acesso desigual aos cuidados de saúde; estar desempregado ou não ter nenhuma ocupação; condições inadequadas de habitação; abuso do tabaco e do álcool; sedentarismo; ser do sexo feminino; ser imigrante; baixo nível de escolaridade; vítimas de violência (Fonseca, Guimarães & Vasconcelos, 2008; Gonçalves & Kapczinski, 2008; Silva et al., 2010; Chandra & Satyanarayana, 2010; Jenkins, Mbatia, Singleton & White, 2010; Rocha et al., 2011; Jansen et al., 2011; Coutinho, Rodrigues & Ramos, 2012; Coutinho et al., 2012; Franken, Coutinho & Ramos, 2012; Lucchese, Bonfin, Vera & Santana, 2014). No Brasil, a prevalência de TMC na população geral é de 29,9%, chegando a 38% nos usuários da Atenção Primária à Saúde (APS) (Gonçalves, Tetelbon & Kapczinski, 2008; Rocha et al., 2010). No contexto mundial, as projeções para 2030 são no sentido de incluírem estas perturbações entres as mais incapacitantes do ser humano (Skapinakis et al., 2013). Estes dados justificam a relevância de medidas de rastreamento dos grupos vulneráveis para o desenvolvimento do TMC na população Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 60

geral, sobretudo, no âmbito da APS. A investigação de possíveis casos de TMC neste nível de atenção à saúde é um grande problema enfrentado na atualidade, uma vez que os sintomas nem sempre são valorizados. Esta lacuna na identificação por parte dos profissionais da APS compromete a saúde das populações e representa elevado ônus para a saúde pública, tendo em vista que se espera que este nível de atenção rompa com o modelo médico hegemônico, englobe práticas de saúde mental, envolva a família em sua dimensão sociocultural como objeto de atenção, planeje, construa e execute tecnologias para melhoria da qualidade de vida das pessoas nas dimensões bio-psico-socio-espirituais (Rocha et al., 2010; Portugal et al., 2016; Murcho, Pacheco & Jesus, 2016). Embora seja assegurado à população o acesso aos cuidados primários e à melhoria de sua qualidade de vida, principalmente quando relacionam as articulações entre Estratégia Saúde da Família (ESF) e atenção à saúde mental, observam-se limitações no rastreamento dos casos de TMC. Assim, identificar a presença destes agravos e dos seus fatores de risco na comunidade torna os profissionais da APS aptos para buscarem meios de atenuar ou eliminar as dificuldades e prestar melhor assistência a esta população (Pie et al., 2013; Lucchese et al., 2014). Torna-se importante que as equipes da ESF estejam atentas aos aspectos da saúde mental da população atendida, para que realizem, efetivamente, a abordagem biopsicossocial, concretizando o papel da APS de reorganização do sistema de atenção à saúde, por meio uma abordagem multidisciplinar e integrada à comunidade que atende, visando ações de educação em saúde, promoção da saúde mental, prevenção de agravos relacionados aos transtornos mentais por meio de intervenção precoce (Gonçalves & Kapczinski, 2008). Neste sentido, a presente investigação objetivou estimar a prevalência e fatores associados aos TMC em adultos assistidos por uma equipe da Estratégia Saúde da Família de um município da região Sudeste do Brasil. MÉTODOS Estudo transversal e analítico, desenvolvido com adultos cadastrados em uma equipe de Estratégia Saúde da Família no município de Montes Claros, estado de Minas Gerais, região Sudeste do Brasil. A ESF em estudo possuía uma população de 2.527 habitantes em 2014, sendo que destes, 1.492 eram adultos com idade entre 18 a 59 anos. Entre os adultos, 53,5% eram mulheres e 46,5% homens.


A população elegível para este estudo foram os adultos entre 18 e 59 anos de idade que possuíam cadastro na ESF escolhida. Realizou-se o cálculo de amostragem probabilística por meio da equação para estudos de proporção com população finita (Pagano & Gauvreau, 2011), obtendo amostra estimada de 297 adultos. A amostra foi estratificada por sexo, pelo fato de outros estudos relatarem risco significativamente maior para o TMC no sexo feminino. A amostra foi dividida de forma proporcional entre todas as seis microáreas, sendo, em média, 22 homens e 27 mulheres em cada microárea. Os participantes foram identificados de forma aleatória e convidados a participar da pesquisa, desde que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: ser cadastrado na Estratégia Saúde da Família indicada; ter idade entre 18 a 59 anos; não apresentar déficit de comunicação, deficiência mental, transtorno mental severo ou estar sob efeito de álcool e/ou drogas (Carlotto, Amazarray, Chinazzo & Taborda, 2011; Pie et al., 2013). A coleta de dados foi realizada no domicílio do entrevistado, no período de agosto de 2015 a março de 2016, utilizando o instrumento Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Este instrumento foi validado no Brasil em 1986, tendo sido readequado como ponto de corte para rastreamento dos TMC na comunidade em 2008. Apresenta uma escala dicotômica (sim/não) para cada uma das suas questões, em que cada resposta “sim” equivale a um ponto. O SRQ-20 é considerado como teste de triagem adequado para estudos de populações, sendo muito útil para uma primeira classificação de possíveis casos e não casos (Santos, Araújo, Pinho & Silva, 2010). Como resultado, observa-se variação entre 0 (nenhuma probabilidade para TMC) a 20 (extrema probabilidade para TMC). Neste estudo, o ponto de corte utilizado foi o escore de valor igual ou maior que sete (07) para homens e mulheres, conforme recomendado por outros estudos (Gluloum, Bener & Abou-Salen, 2011; Pie et al., 2013). Além disso, coletaram-se informações sociodemográficas, de condições de vida e de saúde, com instrumento construído pela equipe de pesquisadores, tendo sido embasados por instrumentos de outros estudos que avaliaram TMC em adultos (Rocha et al., 2010; Carlotto et al., 2011; Pie et al., 2013). A tabulação dos dados foi realizada pelo programa Excel for Windows (2003-2007), após dupla conferência. A análise descritiva dos dados foi obtida por medidas de frequência absoluta e relativa, utilizando o Minitab Statistical Software versão 20.

Para análise de associação univariada, considerou-se como desfecho a pontuação obtida pelo escore maior ou igual a sete (presença de TMC); e como variáveis explicativas, as sociodemográficas, condições de vida e condições de saúde. O teste utilizado foi o Qui-Quadrado de Pearson, com nível de significância de 5%. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros Brasil, por meio do parecer consubstanciado número 1.145.395, de 10 de julho de 2015. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). RESULTADOS Observou-se que a prevalência de transtorno mental comum na amostra de adultos pesquisada foi de 23,2%. A Tabela 1 mostra os dados sociodemográficos dos 297 adultos, segundo presença ou não de transtorno mental comum. Tabela 1 - Variáveis Sociodemográficas Segundo Presença ou Não de Transtornos Mentais Comuns Variáveis

n(%)

< 7 SRQ-20 ≥ 7 SRQ-20 n(%) n(%)

Sexo Feminino

163 (54,88)

113 (69,33)

50 (30,67)

Masculino

134 (45,12)

115 (85,82)

19 (14,18)

18-29

115 (38,72)

91 (79,13)

24 (20,87)

50 a 59

70 (23,57)

51 (72,86)

19 (27,14)

30 a 39

64 (21,55)

52 (81,25)

12 (18,75)

40 a 49

48 (16,16)

34 (70,83)

14 (29,17)

Sim, praticante

206 (69,36)

159 (77,18)

47 (22,82)

Sim, não praticante

47 (15,82)

36 (76,60)

11 (23,40)

Não

44 (14,82)

33 (75,00)

11 (25,00)

União Estável

15 (5,05)

7 (46,67)

8 (53,33)

Casado(a)

130 (43,77)

107 (82,31)

23 (17,69)

Separado(a)

10 (3,37)

5 (50,00)

5 (50,00)

Viúvo(a)

17 (5,72)

10 (58,82)

7 (41,18)

Solteiro(a)

125 (42,09)

99 (79,20)

26 (20,80)

Não

271 (91,25)

210 (77,49)

61 (22,51)

Sim (< 5 anos)

17 (5,72)

12 (70,59)

5 (29,41)

Sim (> 5 anos)

9 (3,03)

6 (66,67)

3 (33,33)

Sim

272 (91,58)

209 (76,84)

63 (23,16)

Não

25 (8,42)

19 (76,00)

6 (24,00)

Idade

Religião

Estado Civil

Cônjuge Falecido

Filhos

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 61


Número de filhos

Renda Mensal Familiar

Nenhum

110 (37,04)

86 (78,18)

24 (21,82)

1a3

140 (47,14)

113 (80,71)

27 (19,29)

4a6

32 (10,77)

19 (59,38)

13 (40,62)

7 ou mais

15 (5,05)

10 (66,67)

5 (33,33)

0a4

64 (21,55)

35 (54,69)

29 (45,31)

5a8

68 (22,90)

58 (85,29)

10 (14,71)

9 ou mais

165 (55,56)

135 (81,82)

30 (18,18)

Anos de estudos

Atividade Remunerada

Até 1 salário mínimo

125 (42,08)

90 (72,00)

35 (28,00)

2 a 3 salários mínimos

140 (47,13)

111 (79,29)

29 (20,71)

4 a 5 salários mínimos

18 (6,07)

15 (83,33)

3 (16,67)

6 a 8 salários mínimos

12 (4,04)

10 (83,33)

3 (16,67)

9 ou mais salários mínimos

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Própria

258 (86,86)

197 (76,36)

61 (23,64)

Alugada

22 (7,40)

19 (86,36)

3 (13,64)

Cedida

16 (5,40)

11 (68,75)

5 (31.25)

Financiada

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Nenhuma

88 (29,63)

64 (72,73)

24 (27,27)

Nenhuma

Trabalho com carteira assinada

77 (25,93)

65 (84,42)

12 (15,58)

Habitação

Autônomo(a)

65 (21,89)

52 (80,00)

13 (20,00)

Trabalho sem carteira assinada

33 (11,11)

23 (69,70)

10 (30,30)

Aposentado(a)/ Afastado(a)

22 (7,40)

13 (59,09)

9 (40,91)

Vínculo Público

11 (3,70)

10 (90,91)

1 (9,09)

Estágio

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Maior parte da amostra era do sexo feminino (54,88%); com idade entre 18 e 29 anos (38,72%); com religião praticante (69,36%); casada (43,77%); com filhos (91,58%), sendo que 47,14% afirmaram ter de 1 a 3 filhos. Além disso, 55,56% possuíam nível de escolaridade com nove ou mais anos de estudo; 29,63% afirmaram não exercer nenhuma atividade remunerada. Já a Tabela 2 mostra os dados relacionados às condições de vida dos participantes, separados entre aqueles que apresentaram transtorno mental comum e entre os que não apresentaram. Tabela 2 - Variáveis Relacionadas às Condições de Vida Segundo Presença ou Não de Transtornos Mentais Comuns Variáveis

n(%)

< 7 SRQ-20 ≥ 7 SRQ-20 n(%) n(%)

Provedor(a) da Família Não

122 (41,08)

89 (72,95)

33 (27,05)

Total

88 (29,63)

71 (80,68)

17 (19,32)

Parcial

87 (29,29)

68 (78,16)

19 (21,84)

Renda Mensal Individual Até 1 salário mínimo

135 (45,45)

101 (74,81)

34 (25,19)

2 a 3 salários mínimos

65 (21,88)

55 (84,62)

10 (15,38)

4 a 5 salários mínimos

4 (1,35)

4 (100,00)

0 (0,00)

6 ou mais salários mínimos

4 (1,35)

3 (75,00)

1 (25,00)

89 (29,97)

65 (73,03)

24 (26,97)

Nenhuma

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 62

Número de pessoas na residência 1

14 (4,71)

9 (64,29)

5 (35,71)

2a3

102 (34,34)

80 (78,43)

22 (21,57)

4a5

122 (41,08)

87 (71,31)

35 (28,69)

6 ou mais

59 (19,87)

52 (88,14)

7 (11,86)

Esgoto

296 (99,66)

227 (76,69)

69 (23,31)

Fossa

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Sim

296 (99,66)

227 (76,69)

69 (23,31)

Não

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Destino dos Dejetos

Energia Elétrica

Foi possível observar que 45,45% dos participantes informaram renda individual mensal de até um salário mínimo; 47,13% informaram renda familiar mensal de um a três salários mínimos. Em relação às condições de moradia, maioria (86,86%) possuía casa própria, com acesso à energia elétrica (99,66%) e rede de esgoto (99,66%). As famílias eram compostas, em sua maioria, por quatro a cinco moradores (41,08%). Entre os que apresentaram TMC (n=69), maior parte era do sexo feminino; adulta jovem (18-29 anos de idade); com religião praticante; solteira; não possuíam cônjuge falecido; tinha filhos; tinha 9 ou mais anos de estudo; sem atividade remunerada; com renda individual mensal de até 1 salário mínimo; habitação própria; acesso à rede de esgoto e energia elétrica. Já a Tabela 3 mostra os dados relativos às condições de saúde dos 297 adultos, segundo presença ou não de transtorno mental comum.


Tabela 3 - Variáveis Relacionadas às Condições de Saúde Segundo Presença ou Não de Transtornos Mentais Comuns Variáveis

n(%)

< 7 SRQ-20 ≥ 7 SRQ-20 n(%) n(%)

Plano de Saúde

A Tabela 4 traz as variáveis que se mantiveram associadas estatisticamente (p < 0,05) à presença de transtorno mental nos adultos investigados. Tabela 4 - Variáveis Sociodemográficas, Condições de Vida e Condições de Saúde que Apresentaram Associação Positiva com os Transtornos Mentais Comuns (escore ≥ 7 SRQ-20

Sim

82 (27,61)

65 (79,27)

17 (20,73)

Não

215 (72,39)

163 (75,81)

52 (24,19)

Não

240 (80,80)

190 (79,17)

50 (20,83)

Sim, Hipertensão

35 (11,78)

24 (68,57)

11 (31,43)

Feminino

113 (69,33)

50 (30,67)

Sim, Diabetes

9 (3,05)

8 (88,89)

1 (11,11)

Masculino

115 (85,82)

19 (14,18)

Sim, Hipertensão e Diabetes

10 (3,36)

4 (40,00)

6 (60,00)

Estado Civil

Sim, Hipotireoidismo

2 (0,67)

1 (50,00)

1 (50,00)

União Estável

7 (46,67)

8 (53,33)

Casado(a)

107 (82,31)

23 (17,69)

1 (0,34)

1 (100,00)

0 (0,00)

Separado(a)

5 (50,00)

5 (50,00)

Viúvo(a)

10 (58,82)

7 (41,18)

Solteiro(a)

99 (79,20)

26 (20,80)

0a4

35 (54,69)

29 (45,31)

5a8

58 (85,29)

10 (14,71)

9 ou mais

135 (81,82)

30 (18,18)

Variáveis

Doença Crônica

Sim, Esquizofrenia

Uso de medicamento controlado** Sim

63 (21,21)

39 (61,90)

24 (38,10)

Não

234 (78,79)

189 (80,77)

45 (19,23)

Diagnóstico prévio/confirmado de TMC no indivíduo ou alguém na família Sim

59 (19,87)

34 (57,63)

25 (42,37)

Não

238 (80,13)

194 (81,51)

44 (18,49)

Uso de álcool e outras drogas do indivíduo e/ou alguém na família Sim

90 (30,30)

67 (74,44)

23 (25,56)

Não

207 (69,70)

161 (77,78)

46 (22,22)

**Observação: Medicamentos controlados são aqueles comercializados apenas mediante receituário médico ou de outro profissional habilitado pela legislação do país. No Brasil, somente poderão prescrever estes medicamentos os profissionais inscritos no Conselho Regional de Medicina ou no Conselho Regional de Medicina Veterinária ou no Conselho Regional de Odontologia. Estes medicamentos são submetidos a um regime especial de controle pelas autoridades e são divididos em entorpecentes, psicotrópicos, retinóides de uso sistêmico e imunossupressores (Ministério da Saúde, 1998).

Como observado, maioria dos adultos não possuía plano de saúde (72,39%); não fazia uso de medicamentos controlados (78,79%); não apresentava doenças crônicas (80,80%). Além disso, 80,13% dos pesquisados negaram diagnóstico confirmado de TMC pessoal ou na família. Quando questionados sobre uso de álcool e outras drogas, 69,70% negaram uso pessoal ou na família. Entre os que apresentaram TMC (n=69), maior parte não possuía plano de saúde; relatou não possuir doença crônica; não faziam uso de medicamento controlado; referiram não apresentar diagnóstico prévio e confirmado de TMC individualmente ou em alguém da família; não fazia uso de álcool e outras drogas individualmente ou alguém da família.

< 7 SRQ-20 ≥ 7 SRQ-20 n(%) n(%)

Sexo

p-value 0,001

0,002

Anos de estudos

0,000

Uso de medicamento controlado

0,002

Sim

39 (61,90)

24 (38,10)

Não

189 (80,77)

45 (19,23)

Diagnóstico prévio/confirmado de TMC no indivíduo ou alguém na família Sim

34 (57,63)

25 (42,37)

Não

194 (81,51)

44 (18,49)

0,000

A prevalência dos TMC foi significativamente maior (p < 0,05) nos adultos do sexo feminino, em união estável, com 0 a 4 anos de estudos, que faziam uso de medicamento controlado, e que informaram diagnóstico prévio/confirmado de TMC pessoal ou na família. DISCUSSÃO A prevalência de TMC evidenciada neste estudo (23,2%) foi semelhante àquelas encontradas em outras pesquisas (Rocha et al., 2010; Morais & Segri, 2011; Lucchese et al., 2014). Em relação aos dados sociodemográficos dos adultos com TMC apresentados aqui, estudos nacionais e internacionais corroboram estes achados, evidenciando maiores prevalências em mulheres adultas jovens, solteiras. Entretanto, houve diferença quanto ao nível de escolaridade, em que as demais pesquisas encontraram maior prevalência em pessoas com baixo nível e este estudo Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 63


mostrou o contrário (Silva & Menezes, 2008; Rocha et al., 2010; Silva et al., 2010; Estevam, Marcon, Antonio, Munari & Waidman, 2011; Morais & Segri, 2011; Lucchese et al., 2014). Foi evidenciado que a renda mensal familiar dos portadores de TMC era, em sua maioria, de até 1 salário mínimo. Sobre isso, autores discorrem que a baixa renda, geralmente, está associada à dificuldade de inserção no mercado de trabalho, à pouca valorização e à condições de vida incertas, podendo ser considerada raiz de outros problemas sociais que induzem a má qualidade de vida e, consequentemente, problemas psicológicos futuros. Em relação às demais condições de vida e às condições de saúde, outras pesquisas encontraram resultados semelhantes (Morais & Segri, 2011; Rocha et al., 2010; Lucchese et al., 2014; Silva et al., 2010; Silva & Menezes, 2008; Estevam et al., 2011). Apenas na variável “uso de álcool e outras drogas do indivíduo e/ou alguém na família”, em que maioria desta amostra negou, foi possível identificar divergência com outra pesquisa realizada no Acre, região Norte do Brasil, que encontrou maior prevalência de TMC nos indivíduos que faziam consumo de álcool (Silva, Corradi-Webster, Donato, Hayashida & Siqueira, 2014). Na análise dos fatores associados, quanto à variável sexo feminino apresentar-se com maior prevalência do desfecho, outros estudos confirmam este achado. A explicação para isso se deve às desvantagens das mulheres com a dupla jornada de trabalho, baixos salários e aspectos relacionados à reprodução, pois a mulher que vivencia o trabalho e o encargo familiar, geralmente, renuncia ao próprio cuidado para dedicar-se ao próximo, culminando em quadros de consternação, ansiedade, frustração, angústia, adoecimento e, sobretudo, ocorrência de transtornos mentais. Além disso, as mulheres percebem facilmente o adoecimento, expressam prontamente seus sintomas e informam com maior frequência problemas de saúde, quando comparadas aos homens (Morais & Segri, 2011; Rocha et al., 2010; Santos et al., 2010; Murcho et al., 2016). Ao analisar a situação conjugal, os resultados revelaram associação no nível univariado dos TMC com a condição de união estável. Este achado diverge do encontrado por outro estudo, o qual mostrou associação de proteção com a condição de ser casado e associação de vulnerabilidade com ser solteiro ou viúvo (Rocha et al., 2010). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 64

Apresentar zero a quatro anos de estudos se mostrou associado aos TMC, conforme esperado, uma vez que estudos já evidenciaram que a baixa escolaridade é um prenunciador importante de vulnerabilidade para o desenvolvimento dos TMC (Rocha et al., 2010; Carlotto et al., 2011; Silva & Menezes, 2008). Observou-se, ainda, associação do uso de medicamentos controlados com TMC nos adultos estudados. Explicação para esta associação advém do fato de que, possivelmente, ao procurarem o serviço de saúde, muitos usuários apresentam queixas somáticas inespecíficas, assim, há uma dificuldade no manejo correto dessas manifestações de sofrimento, levando ao subdiagnóstico e prescrição abusiva de benzodiazepínicos, exames e encaminhamentos sem necessidade (Silva & Menezes, 2008). Mesmo que a maioria da amostra não referiu presença de doença crônica, autores discutem que outra explicação para a associação entre uso de medicamento controlado e TMC se refere ao fato de que na ESF é comum encontrar adultos portadores de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, revelando a existência mais alta do TMC quando avaliadas populações que necessitam de acompanhamento de saúde por doença crônica, possivelmente, devido às limitações impostas pela doença (Silva & Menezes, 2008). Quanto à associação entre TMC aferido pelo SRQ-20 e diagnóstico confirmado de TMC no indivíduo ou na família, poucos estudos discutem esta relação. Sobre isso, os autores debatem que, muitas vezes, a família não conhece o significado da doença e isso leva os familiares a se sentirem perdidos em relação ao cuidado com o doente e isolados pelos serviços de saúde, agravando quadros de ansiedade ou depressão. Assim, uma maior atenção para detecção de sintomas de comprometimento da saúde mental dos adultos e de seus familiares deve ser tomada, estabelecendo assistência integrada, capaz de satisfazer às reais necessidades do doente e da família para o reestabelecimento da saúde, minimizando o sofrimento e melhorando a qualidade de vida (Gluloum et al., 2011; Estevam et al., 2011). Reforça-se, também, o fato das questões “Diagnóstico prévio/confirmado de TMC no indivíduo ou alguém na família” e “Uso de álcool e outras drogas do indivíduo e/ou alguém na família” apresentarem limitações nos resultados, uma vez que é importante reconhecer que o impacto de cada uma destas situações é diferente se estiver presente no próprio ou no familiar.


Neste estudo, não foram incluídas outras questões sobre os estilos de vida das pessoas, na intenção de manter um questionário não extenso, uma vez que na etapa de pré-teste, alguns participantes já haviam sinalizado acerca do tempo para respostas. Contudo, reconhece-se como uma possível limitação do estudo, pois os estilos de vida podem se constituir como fatores promotores ou protetores da TMC. Esperava-se que outras variáveis se mantivessem associadas ao desfecho ao nível univariado, tais como número de filhos, ter cônjuge falecido há mais de 5 anos, apresentar doenças crônicas, fazer uso de álcool ou outras drogas e renda mensal. Entretanto, a frequência do desfecho nas categorias de algumas variáveis explicativas foi baixa, dificultando as comparações. Além disso, a maneira como as variáveis foram avaliadas e categorizadas pode ter influenciado os resultados, mesmo que a decisão pela categorização tenha sido embasada em outros estudos que avaliaram TMC em adultos na tentativa de facilitar as comparações (Rocha et al., 2010; Carlotto et al., 2011; Pie et al., 2013). CONCLUSÕES Observou-se elevada prevalência de TMC, sendo corroborada por outros estudos nacionais e internacionais. Mantiveram-se associadas, no nível univariado, as variáveis sexo feminino; estar e união estável; apresentar 0 a 4 anos de estudos; fazer uso de medicamento controlado; apresentar diagnóstico prévio/confirmado de TMC pessoal ou em alguém na família. É importante reforçar que os resultados deste estudo devem ser avaliados com cautela em função das possíveis limitações da pesquisa. Uma delas se deve ao tipo de estudo. Por ser se tratar de um estudo transversal, não é possível concluir relações causais, devido ao fato de não evidenciar uma relação de temporalidade e causalidade entre as variáveis envolvidas. Assim, não se pode descartar a hipótese de causa reversa, ou seja, não é possível identificar se os TMC influenciaram os fatores associados ou vice-versa, principalmente nos casos que faziam uso de medicamento controlado e que referiram diagnóstico confirmado de TMC. Os resultados apresentados evidenciaram que as características associadas são passíveis de serem investigadas e acompanhadas na prática clínica e cotidiana. Destaca-se, portanto, a necessidade de qualificação dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, visando à detecção e acolhimento das pessoas com TMC, tendo em vista a “invisibilidade” destes transtornos devido à ausência de sinais e sintomas mais severos.

Ações de educação direcionadas à promoção da saúde e à uma assistência integral, com a efetivação da saúde mental dos usuários em todos os programas já existentes na Estratégia Saúde da Família, devem ser implementadas. Por fim, é preciso enfatizar o acolhimento, a escuta qualificada, o trabalho com grupos, o cuidado no tratamento e no uso de medicamentos diversos e o foco na família, fortalecendo as redes de apoio e instituindo ações intersetoriais no cuidado aos usuários com TMC, no sentindo de promover saúde e melhorar a qualidade de vida desta população. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carlotto, M. S., Amazarray, M. R., Chinazzo, I., & Taborda, L. (2011). Common mental disorders and associated factors among workers: An analysis from a gender perspective. Cadernos de Saúde Coletiva, 19(2), 172-178. Chandra, P. S., & Satyanarayana, V. A. (2010). Gender disadvantage and common mental disorders in women. International Review of Psychiatry, 22(5), 513-524. Coutinho, M. P. L., Rodrigues, I. F., & Ramos, N. (2012). Transtornos mentais comuns no contexto migratório internacional. PSICO, 43(3), 400-407. Estevam, M. C., Marcon, S. S., Antonio, M. M., Munari, D. B., & Waidman, M. A. P. (2011). Living with mental disorders: Family members’ perspective have on primary care. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 45(3), 679-686. doi: 10.1590/S0080- 62342011000300019 Fonseca, M. L. G., Guimarães, M. B. L., & Vasconcelos, E. M. (2008). Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: Uma revisão bibliográfica. Revista APS, 11(3), 285-294. Franken, I., Coutinho, M. P. L., & Ramos, M. N. P. (2012). Representações sociais, saúde mental e imigração internacional. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(1), 202-219. doi: 10.1590/S1414-98932012000100015 Gluloum, S., Bener, A., & Abou-Salen, M. T. (2011). Prevalence of mental disorders in adult population attending primary health care setting in Qatari population. Journal of Pakistan Medical Association, 61(3), 216-221. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 65


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Artigo de Revisão

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0194

10 COMPORTAMENTO AUTOLESIVO AO LONGO DO CICLO VITAL:

REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA1 | Aline Conceição Silva2; Nadja Cristiane Lappann Botti3 |

RESUMO CONTEXTO: O comportamento autolesivo deliberado é caracterizado pelo comportamento de autodano intencional e sem intenção consciente de suicídio. Permeia todo ciclo vital, sendo mais prevalente na adolescência, principalmente no sexo feminino. O fenômeno está relacionado com mecanismos adaptativos mal elaborados e outras circunstâncias de vida. OBJETIVO: Identificar na literatura científica os fatores associados ao comportamento autolesivo deliberado no ciclo vital. MÉTODOS: Realizado estudo de revisão integrativa da literatura, sendo utilizada como base de dados a Biblioteca Virtual em Saúde. Foram utilizados como termos de busca self harm AND fator de risco, sendo encontrados 173 artigos. De acordo com critérios de inclusão foram elegíveis 23 artigos para compor o estudo. RESULTADOS: Após leitura e análise crítica dos artigos emergiram duas categorias de análise: conceito polissêmico da automutilação e automutilação ao longo do ciclo vital. Verificou-se a existência de vários termos sobre o fenômeno e diversas definições. Quanto aos fatores de risco para o comportamento autolesivo identificou-se generalidades no ciclo vital, bem como fatores específicos para cada etapa. Ainda, observou-se a necessidade de estudos sobre os fatores protetores presentes na automutilação. CONCLUSÃO: O conhecimento sobre os fatores de risco auxilia profissionais e estudiosos na identificação e manejo de casos e futuros estudos sobre automutilação. PALAVRAS-CHAVE: Automutilação; Fator de risco; Ciclo vital

RESUMEN

ABSTRACT

“Conductas autolesivas a lo largo de del ciclo vital: Revisión integradora de la literatura1”

“Self-injurious behavior along the vital cycle: Integrative literature review1”

CONTEXTO: El comportamiento autolesivo deliberado se caracteriza por el comportamiento de autodano intencional y sin intención consciente de suicidio. Permecia todo ciclo vital, siendo más prevalente en la adolescencia, principalmente en el sexo femenino. El fenómeno está relacionado con mecanismos adaptativos mal elaborados y otras circunstancias de vida. OBJETIVO: Identificar en la literatura científica los factores asociados al comportamiento autolesivo deliberado en el ciclo vital. METODOLOGÍA: Realizado estudio de revisión integrativa de la literatura, siendo utilizada como base de datos la Biblioteca Virtual en Salud. Fueron utilizados como términos de búsqueda self harm AND factor de riesgo, siendo encontrados 173 artículos. De acuerdo con criterios de inclusión fueron elegibles 23 artículos para componer el estudio. RESULTADOS: Después de lectura y análisis crítico de los artículos surgieron dos categorías de análisis: concepto polisémico de la automutilación y automutilación a lo largo del ciclo vital. Se verificó la existencia de varios términos sobre el fenómeno y diversas definiciones. En cuanto a los factores de riesgo para el comportamiento autolesivo se identificó generalidades en el ciclo vital, así como factores específicos para cada etapa. Se observó la necesidad de estudios sobre los factores protectores presentes en la automutilación. CONCLUSIÓN: El conocimiento sobre los factores de riesgo auxilia a profesionales y estudiosos en la identificación y manejo de casos y futuros estudios sobre automutilación.

BACKGROUND: Deliberate self-injurious behavior is characterized by intentional self-harm behavior and no conscious intention of suicide. It permeates the entire life cycle, being more prevalent in adolescence, especially in females. The phenomenon is related to poorly elaborated adaptive mechanisms and other life circumstances. AIM: To identify in the scientific literature the factors associated with deliberate self - injurious behavior in the life cycle. METHODS: An integrative review of the literature was carried out, and the Virtual Health Library was used as a database. Self harm and risk factor were used as the search terms, and 173 articles were found. According to inclusion criteria, 23 articles were eligible to be included in the study. RESULTS: After reading and critically analyzing the articles, two categories of analysis emerged: polysemic concept of self-mutilation and self-mutilation throughout the life cycle. There were several terms on the phenomenon and several definitions. Regarding the risk factors for self-injurious behavior, generalities were identified in the life cycle, as well as specific factors for each stage. Furthermore, it was observed the need for studies on the protective factors present in self-mutilation. CONCLUSION: Knowledge about risk factors helps professionals and scholars to identify and manage cases and future studies on self - mutilation.

DESCRIPTORES: Automutilación; Factor de riesgo; Ciclo vital

KEYWORDS: Self-mutilation; Risk factor; Life Cycle Submetido em 30-03-2016 Aceite em 16-10-2017

1 Artigo retirado da Dissertação de Mestrado “Comportamento autolesivo em redes sociais virtuais”. 2 Enfermeira; Aluna de Mestrado na Universidade Federal de São João del-Rei, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Minas Gerais, Brasil, csilvaaline@hotmail.com 3 Enfermeira; Psicóloga; Doutora em Enfermagem Psiquiátrica; Docente na Universidade Federal de São João del-Rei, Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 35501-296 Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, nadjaclb@terra.com.br Citação: Silva, A. C., & Botti, N. C. L. (2017). Comportamento autolesivo ao longo do ciclo vital: Revisão integrativa da literatura. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 67-76. doi: 10.19131/rpesm.0194 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 67


INTRODUÇÃO

MÉTODOS

Automutilação deliberada constitui a destruição deliberada direta ou alteração do tecido do corpo sem intenção consciente de suicídio, mas que resulta em ferimentos graves o suficiente para a ocorrência de lesões (Giusti, 2013). Este comportamento está associado a mecanismos mal adaptativos de enfrentamento ou estratégias de regulação de emoção, neste sentido a automutilação deliberada pode ser utilizada para alívio de emoções muito fortes e diminuição da tensão. Além das inequívocas consequências físicas observa-se que a automutilação deliberada está associada com uma variedade e complexidade de interferências negativas como na terapia e relacionamentos interpessoais ou extremos como no caso de resultar, involuntariamente, em morte (Gratz, 2001). O comportamento autolesivo ocorre em diversas faixas etárias, sendo predominante em adolescentes do sexo feminino (Cedaro & Nascimento, 2013). Em geral, tem início entre os 13 e 14 anos e pode persistir por 10 ou 15 anos ou ainda, por mais tempo (Giusti, 2013). Em relação à prevalência do comportamento autolesivo nessa faixa etária encontra-se 6,9% entre estudantes ingleses, 35,8% entre adolescentes japoneses do sexo masculino e encarcerados e 45% entre adolescentes americanos. (Hawton, Rodham, Evans & Weatherall, 2002) No tocante aos adolescentes canadenses de 12 a 16 anos de idade encontra-se prevalência de 13,9% (Matsumoto et al., 2005) e entre os adolescentes americanos de 13% a 39% (Lloyd-Richardson, Perrine, Dierker & Kelley, 2007). No Brasil, os estudos sobre prevalência do comportamento autolesivo ainda se apresentam incipientes, entretanto verifica-se aumento significativo na busca por esse comportamento (Giusti, 2013). Os fatores comumente relacionados ao comportamento se dividem em fatores demográficos, sociais e familiares, desordens psiquiátricas, características psicológicas, aspectos neurobiológicos e genéticos e situacionais (Skegg, 2005). Um sistema adaptativo mal elaborado constitui um dos principais fatores relacionados a automutilação e detém importante atenção principalmente por se tratar de característica da adolescência, fase prevalente do comportamento (Skegg, 2005). Neste contexto a automutilação deliberada é um comportamento que cada vez mais desafia a atenção dos pesquisadores e clínicos (Gratz, 2001). Dessa forma o objetivo do presente estudo é identificar na literatura científica fatores associados ao comportamento autolesivo deliberado.

Realizada Revisão Integrativa da Literatura que se caracteriza pelo seguimento de um método minucioso de procura, seleção e avaliação das pesquisas frente à relevância e validade desejada. (Souza, Silva & Carvalho, 2011) A revisão integrativa de literatura consiste na mais ampla abordagem metodológica referente às revisões, pois permite a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais aliados a dados da literatura teórica e empírica para uma compreensão completa do fenômeno analisado (Souza, Silva & Carvalho, 2011). A pergunta elaborada como questão norteadora da revisão integrativa da literatura foi: Quais os fatores relacionados ao comportamento autolesivo? A busca dos estudos primários foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde nas bases de dados Indice Bibliográfico Español de Ciencias de La Salud (IBECS), Avaliações de tecnologias Sanitárias (HTA), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Ensaios Clínicos Controlados (CENRTAL) e Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE). Para compor a estratégia de pesquisa mais sensível, utilizamos um descritor sobre o assunto combinada com uma palavra chave comumente utilizada pelos autores sobre o tema Assim, utilizou-se selfharm AND fatores de risco na técnica booleana de descritores em Ciências da Saúde indexados. Para a revisão definiu-se como critérios de inclusão artigos publicados em inglês, espanhol e português que apresentavam fatores para o comportamento autolesivo deliberado. Como critérios de exclusão foram eleitos: referências que não permitiram acesso gratuito ao texto completo on-line e artigos repetidos. Nesta revisão não ocorreram restrições quanto ao período de publicação dos manuscritos analisados. Portanto após identificar os manuscritos que atendiam os critérios de inclusão e exclusão foram analisados artigos publicados no período de 1996 a 2014.

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 68

RESULTADOS A partir da busca encontrou-se 173 manuscritos sendo 164 MEDLINE, 05 CENRTAL, 02 LILACS, 01 HTA, 01 IBECS. Dentre os 173 artigos encontrados, 158 possuíam resumo disponível. Destes, apenas 29 estavam dentro do tema proposto para a revisão. Dos 29 artigos foram excluídos 06 artigos (02 foram excluídos por não possuir texto completo disponível, 03 artigos estavam em outro idioma, e 01 artigo em banco de dados repetido), sendo utilizado nesta Revisão Integrativa da Literatura o total de 23 artigos (Quadro 1). Todos os artigos encontrados são publicações na língua inglesa.


Quadro 1 - Artigos Selecionados por Etapas do Ciclo Vital Título do artigo

Autores/Ano

Natureza do estudo

Etapa do ciclo vital

Deliberate self harm in adolescents: self report survey in schools Hawton, Rodham, Evans & Weatherin England all, 2002

Transversal

Infanto/ Juvenil

Revictimization and Self-Harm in Females Who Experienced Childhood Sexual Abuse

Noll, Horowitz, Bonanno, Tricketti & Putnam, 2003

Prospectivo

Infanto/ Juvenil

Rates, risk factors and methods of self harm among minority ethnic groups in the UK: a systematic review

Bhui, Mckenzie & Rasul, 2007

Revisão Sistemática

Infanto/Juvenil e Adulto

The prevalence of self-cutting and other self-harm among 13- to 18-year-old Finnish adolescents

Laukkanen, Rissanen, Honkalampi, Kylmã, Tolmunen & Hintikka, 2009

Caso Controle

Infanto/ Juvenil

Risk factors and correlates of deliberate self-harm behavior: A systematic review

Fliege, Lee, Grim & Klapp, 2009

Revisão Bibli- Infanto/Juveográfica nil e Adulto

Bullying victimisation, self harm and associated factors in Irish adolescent boys

McMahon, Reulbach, Keeley, Perry & Arensman, 2010

Transversal

Infanto/ Juvenil

Deliberate self-harm and psychological problems in young adolescents: Evidence of a bidirectional relationship in girls

Lundh, Wângby-Lundh & Bjärehed, 2011

Longitudinal Prospectivo

Infanto/ Juvenil

Bullying victimisation and risk of self harm in early adolescence: Fisher, Moffitt, Houts, Belsky, Arselongitudinal cohort study neault & Caspi, 2012

Longitudinal Coorte

Infanto/ Juvenil

Self-harm in young adolescents (12–16 years): onset and short-term continuation in a community sample

Stallard, Spears, Montgomery, Phillips Randomizado Infanto/ & Sayal, 2013 Juvenil

Associations of deliberate self-harm with loneliness, self-rated health and life satisfaction in adolescence: Northern Finland Birth Cohort 1986 Study

Rönka, Taanila, Koiranen, Sunnari & Rautio, 2013

Longitudinal Coorte

Infanto/ Juvenil

Clinical and social outcomes of adolescent self harm: population Mars, Heron, Crane, Hawton, Lewis, based birth cohort study Macleod, Tilling & Gunnel, 2014

Coorte

Infanto/ Juvenil

Deliberate self harm and the Probation Service; an overlooked public health problem?

Wessely, Akhurst, Brown & Moss, 1996

Transversal

Adulto

Is suicide risk taken seriously in heavy drinkers who harm themselves?

Taylor, Cooper & Appleby, 1999

Transversal

Adulto

Antidepressant treatment and the risk of fatal and non-fatal self harm in first episode depression: nested case-control study

Martinez, Rietbrock, Wise, Ashby, Chick, Moseley, Evans & Gunnel, 2005

Longitudinal Coorte

Adulto e Idoso

Risk of Harm: Inmates Who Harm Themselves While in Prison Psychiatric Treatment

Young, Justice & Erdberg, 2006

Transversal

Adulto

Adverse incidents, patient flow and nursing workforce variables on acute psychiatric wards: the Tompkins acute ward study

Bowers, Allan, Simpson, Nijman & Warren, 2007

Transversal

Adulto

Prevalence and Correlates of Self-Injury Among University Students

Gollust, Eisenberg & Golberstein, 2008

Transversal

Adulto

Temperament as a propective predictor of self -injury among patients with Borderline personality disorder

Chapman, Derbidge, Cooney, Hong & Linehan, 2009

Transversal

Adulto

Self-injury, psychiatric symptoms, and defense mechanisms: Findings in an Italian nonclinical sample

Sarno, Madeddu & Gratz, 2010

Transversal

Adulto

Deliberate self-harm in older people revisited

Lamprecht, Pakrasi, Gash & Swann, 2005

Observacional

Idoso

Suicide and deliberate self harm in older Irish adults

Corcoran, Reulbach, Perry & Arensman, 2010

Transversal

Idoso

Self-injurious behavior in the nursing home setting

Mahgoub, Klimstra, Kotbi & Docherty, 2011

Revisão Bibli- Idoso ográfica

The association between personality disorder and an act of deliberate self harm in the older person

Ritchie, King, Nolan, O’Connor, Evans, Toms, Kitchen, Evans, Bielawski, Lee, & Blanchard, 2011

Caso Controle

Idoso

A partir da leitura e análise crítica dos artigos emergiram duas categorias de análise: automutilação conceito polissêmico e automutilação deliberada ao longo do ciclo vital. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 69


DISCUSSÃO Automutilação Conceito Polissêmico Encontrado diversidade de conceitos nos artigos referentes à automutilação, entre eles citam-se: automutilação deliberada (Deliberate self harm – DSH) (Mars et al., 2014) (Wessely, Akhurs, Brown & Moss, 1996), automutilação não fatal (Self Harm - SH) (Bhui, McKenzie & Rasul, 2007), comportamento de auto dano (Selfinjurious behavior – SIB) (Mahgoub, Klimstra, Kotbi & Docherty, 2001), auto dano (Self-Injury - SI) (Sarno, Madeddu & Gratz, 2010) refere-se a qualquer ato deliberado (Wessely et al., 1996) autoinduzido (Noll, Horowitz, Bonanno, Trickett & Putnam, 2003) (Lundh, Wângby-Lundh & Bjärehed, 2011) intencional (Lundh et al., 2011) de auto dano (Wessely et al., 1996) (Ronka, Taanila, Koiranen, Sunnari & Rautio, 2013) (para destruir ou prejudicar o próprio corpo) com um resultado não fatal (Wessely et al., 1996), mas resultando em danos relevantes nos tecidos (Fliege, Lee, Grim & Klapp, 2009) (Gollust, Elsenberg & Golberstein, 2008) (Laukkanen et al., 2009). A autolesão é um ato com um resultado não-fatal que o indivíduo faz deliberadamente com a intenção de se prejudicar (Ronka et al., 2013) (Laukkanen et al., 2009) (sem a intervenção de outros (Corcoran, Reulbach, Perry & Arensman, 2010). No entanto, há definições que incluem outros responsáveis pelo ato prejudicial, neste caso além do próprio indivíduo, o dano pode ser produzido pela família ou tratamento médico que deliberadamente causaram dano físico (Ritchie et al., 2011). Ressalta-se que a automutilação enquanto qualquer ação contra si mesmo apresenta gravidade que necessita de cuidados médicos (Young, Justice & Erdberg, 2006). A automutilação também é conhecida como parasuicídio (Wessely et al., 1996), auto envenenamento ou auto lesão (Hawton, Rodham, Evans & Weatherall, 2002), é muito comum entre adolescentes (Lundh et al., 2011) (Hawton et al., 2002). É um problema que produz sobrecarga nos serviços de saúde (Bhui et al., 2007) e, apesar da dificuldade de se avaliar o grau de intenção suicida, sabe-se que a automutilação é importante fator de risco para o suicídio consumado e para futuro comportamento autolesivo (Bhui et al., 2007). Neste aspecto, encontra-se que a automutilação deliberada enquanto comportamento auto induzido pode apresentar-se sem intenção suicida (Fliege et al., 2009) ou sem consciente intenção suicida (Gollust et al., 2008) (Laukkanen et al., 2009) (McMahona, Reulbach, Keeley, Perry & Arensman, 2010). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 70

Autolesão ou automutilação deliberada encontra-se, tradicionalmente, ligada a transtornos limítrofes de personalidade, depressão, ansiedade, abuso de substâncias e transtornos alimentares (Gollust et al., 2008). Em geral, o auto dano é considerado uma má adaptação ou estratégia para tentar reduzir, evitar ou regular determinadas emoções avassaladoras para o indivíduo (Sarno et al., 2010). São comuns entre as pessoas que produzem automutilação deliberada determinadas características, tais como: dificuldade em identificar, entender ou expressar suas emoções, maior frequência de emoções negativas na vida diária, menores recursos pessoal de enfrentamento, baixa autoestima, baixa habilidades de resolução de problemas, menor crença na auto eficácia e maior tendência de auto-culpabilização como forma de enfrentamento. Verificam-se também evidências entre fatores psicopatológicos específicos e o comportamento de autoagressão, tais como desrealização/dissociação e alexitimia (falta de expressividade emocional) (Fliege et al., 2009). O comportamento de auto dano pode ser direto (por exemplo, auto corte) ou indireto (por exemplo, alimento ou recusa a medicação (Mahgoub et al., 2011). Engloba uma variedade de comportamentos com a intenção de causar um auto dano como produzir um auto corte com quaisquer instrumentos (Ronka et al., 2013) (Laukkanen et al., 2009), mas não inclui tatuagem e bodypiercing (McMahona et al., 2010). Também inclui saltar de altura (McMahona et al., 2010) (Ronka et al., 2013), ingerir medicamento prescrito em excesso ou para além da dosagem terapêutica reconhecida (Ronka et al., 2013) (McCMahona et al., 2010) (Corcoran et al., 2010) ou ingerir drogas lícita ou ilícita em excesso, ingerir uma substância ou objeto não-ingerível (Ronka et al., 2013) (McMahona et al., 2010) altura ou produzir uma queimadura (Ronka et al., 2013).


Automutilação Deliberada ao Longo do Ciclo Vital Elencou-se os fatores de risco para o comportamento autolesivo de acordo com etapas do ciclo vital que se encontram no Quadro 2. Quadro 2 - Fatores de Risco para o Comportamento Autolesivo de acordo com Etapas do Ciclo Vital Ciclo Vital

Fatores de risco

Infanto-juvenil

Individuais: fatores psicopatológicos específicos, tais como transtorno de conduta, personalidade borderline, depressão , ansiedade e sintomas psicóticos; consumo de álcool e outras drogas (lícitas e ilícitas); preocupações com a orientação sexual e níveis de impulsividade e baixa autoestima; história de comportamento autoagressivo. Familiares: História familiar de tentativa de suicídio ou suicídio consumado; história de maltrato físico por um adulto ou pais; problema de parentalidade; assédio, abuso físico e sexual; negligência emocional; separação precoce dos pais, morar com apenas um dos pais; familiares com história de automutilação. Sociais: isolamento social; bullying; baixa escolaridade, formação profissional e/ou emprego; amigos com história de automutilação.

Adultos

Individuais: associação com transtornos mentais: depressão, transtorno alimentar, ansiedade; consumo diário de álcool e outras drogas (lícitas e ilícitas); tipo de relacionamento; bissexuais e homossexuais femininos; experiências traumáticas na infância; evento negativo nos 06 meses anteriores; dificuldades de relacionamento com parceiros, amigos, cônjuges e vizinhos. Sociais: imigrantes negros; desemprego; crises financeiras.

Idosos

Individuais: Demência, depressão e sintomas psicóticos; baixa qualidade de vida e saúde física precária, doença debilitante; história anterior de automutilação deliberada; dependência alcoólica; Sociais: idosos institucionalizados

Automutilação Deliberada na População InfantoJuvenil O estudo de Fliege et al. (2009) evidencia que a automutilação é característica da adolescência, as taxas de automutilação em indivíduos de 12 anos é de 2,7% entre meninas e 3,1% entre meninos, sendo que aos 15 anos, as taxas aumentam para 12,6% para meninas e 4,6% para meninos. Cerca de 19% dos pacientes com 16 anos em estudo de coorte de base populacional apresentaram histórico de auto dano na vida, sendo que 40% dos adolescentes com auto dano apresentaram depressão e transtornos de ansiedade e 35% com problemas de uso de substâncias (Mars et al., 2014)

O que corrobora com estudo realizado com adolescentes ingleses que evidencia que 13,2% alunos relatam automutilação deliberada na história da vida (Hawton et al., 2002). Em relação aos métodos utilizados para infligir as lesões, identificou-se entre meninas de 13-18 anos a prevalência de 11% de auto corte e 10% em outros métodos (abuso de drogas lícitas e ilícitas) (Laukkanen et al., 2009). O estudo de Hawton et al (2002) também apresenta alta prevalência para o auto corte (64,6%) e intoxicação (30,7%), sendo que 12,6% dos casos necessitaram de tratamento hospitalar. Tem sido sugerido que as meninas expressam através de um comportamento auto prejudicial a sua incapacidade de adaptação e equilíbrio psicológico, neste caso o auto corte é utilizado como método auto terapêutico para alívio de tensão (Laukkanen et al., 2009). Entre os fatores associados à automutilação entre crianças de 5, 7, 10 e 12 anos encontram-se história familiar de tentativa de suicídio ou suicídio consumado e história de maltrato físico por um adulto. Verificam-se também evidências entre fatores psicopatológicos específicos, tais como transtorno de conduta, personalidade borderline, depressão e sintomas psicóticos (Fisher et al., 2012). Estudo de base populacional investigando a frequência de automutilação deliberada entre adolescentes mostra que 18,0% das meninas e 5,3% dos meninos não tinha amigos íntimos, 24,7% das meninas e 13,7% dos meninos sentiam que ninguém gostava deles e 40,5% das meninas e 15,4% dos meninos estavam insatisfeitos com a própria vida, sendo a solidão um fator importante a ser considerado entre adolescentes (Ronka et al., 2013). Exposição à violência (psicológica, física ou sexual) também está associada ao comportamento de auto dano. Intimidação frequente ou bullying entre crianças e adolescentes, bem como maus tratos por familiar, problemas de parentalidade e abuso sexual estão implicados em aumento das taxas de automutilação. (Fisher et al., 2012) Investigação sobre maus tratos na infância e automutilação mostram associação entre abuso sexual na infância e posterior automutilação na adolescência mostrando as consequências traumáticas e persistentes de abuso sexual na infância. A incidência de automutilação entre vítimas de abuso sexual é maior mesmo quando comparada com outras formas de maus-tratos infantis (Noll et al., 2003). Adolescentes de 15, 16 e 17 anos com experiência de vitimização de bullying apresentam maior associação com pensamentos e história de automutilação. (McMahona et al., 2010). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 71


Entre adolescentes de 15-16 anos, para ambos os sexos, observa-se maior associação de automutilação deliberada com relato de aumento de consumo de cigarros ou álcool e número de embriagues (Hawton et al., 2002). Entre adolescentes de 13 a 18 anos observa-se maior risco de auto corte e outros tipos de automutilação entre aqueles que apresentam relato consumo frequente de drogas lícitas e ilícitas (Laukkanen et al., 2009). Adolescentes com problemas de saúde mental ou uso de substâncias, sem escolaridade, formação profissional e/ou emprego são grupo de alto risco para automutilação. No total, 19% da amostra relataram história da vida de auto danos na idade de 16 anos; destes participantes 24% não estavam em educação, emprego, ou formação na idade de 19 anos, e 40% das pessoas estavam com depressão e transtornos de ansiedade, e mais de 35% das pessoas com problema de uso de substâncias na idade de 18 anos (Mars et al., 2014). Em relação aos transtornos mentais verificou-se que entre as meninas os problemas psicológicos e a automutilação podem entrar num círculo vicioso na forma de um sistema de feedback dinâmico tanto para o surgimento quanto para a estabilização de padrões patológicos. De maneira contrária, a relação problemas psicológico e automutilação entre os meninos não indica um problema igualmente sério, ou seja, embora a automutilação representa um sintoma de problemas psicológicos entre os meninos, ela pode não apresentar repercussões graves sobre desenvolvimento da saúde mental (Lundh et al., 2011). Os níveis de depressão, ansiedade, impulsividade e baixa autoestima foram associados com automutilação entre adolescentes de 15, 16 e 17 anos (McMahona et al., 2010). Entre os fatores sociais e familiares, observou-se que as taxas de automutilação são mais elevadas entre os adolescentes que apresentaram preocupações recentes com a orientação sexual (Hawton et al., 2002) (McMahona et al., 2010).. Observou-se ainda associação entre automutilação deliberada no ano anterior entre as adolescentes que tiveram amigos ou familiares com história de automutilação, uso de drogas, depressão, ansiedade, impulsividade e baixa autoestima (Hawton et al., 2002). Entre os adolescentes do sexo masculino observa-se entre os fatores associados à automutilação deliberada no ano anterior a presença de amigos ou familiares com história de automutilação, uso de drogas e baixa autoestima (Hawton et al., 2002). A automutilação está evidenciada também entre meninas de 15-16 anos que vivem com um dos pais. (McMahona et al., 2010). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 72

Entre os meninos com relato de vitimização verifica-se maior risco de automutilação quando há história anterior de automutilação, problemas com trabalhos escolares, abuso físico grave, e pensamentos de automutilação. De maneira diversa, observam-se entre os meninos sem relato de bullying maiores chances de automutilação quando há história de automutilação por um amigo ou familiar, pensamentos automutilação e consumo de drogas. (McMahona et al., 2010). De acordo com Stallard, Spears, Montgomery, Phillips & Sayal (2013) em estudo realizado com 2547 adolescentes com idade entre 12-16 anos os pensamentos e atos autolesivos são evidentes, sendo que um em cada cinco adolescentes apresentou pensamentos e um em cada dez executou pelo menos um ato de automutilação no decorrer de um período de seis meses. Compreende que a automutilação não possui intencionalidade suicida, mas que corresponde com um fator preditor de comportamento suicida fututo. Na pesquisa de Hawton et al. (2002) entre os 13,2% adolescentes de 15-16 anos que relatam automutilação deliberada na vida verifica-se que 45,0% disseram que queriam morrer. Entre adolescentes de 15-16 anos a ideação suicida (sem automutilação deliberada) no ano passado foi relatada por 15,0%, sendo mais comum entre as meninas (Hawton et al., 2002). O que sugere maior foco em programas de identificação e prevenção de lesões autoprovocadas. Automutilação Deliberada na População Adulta Nesta revisão foram considerados dados referentes a adultos jovens os estudos realizados com universitários. Estudo de prevalência de autolesão entre universitários norte-americanos mostra que alunos de graduação (7,9%) são mais propensos do que os alunos de pósgraduação (6,0%) para relatar autolesão. Entre os universitários que relataram autolesão, os comportamentos mais frequentes foram feridas (36,7%), bater a cabeça ou outras partes do corpo (35,8%), perfuração (20,7%), arranhão (18,4%), mordida (17,5%) e corte (11,1%), sendo mais comum entre as mulheres o relato de bater a cabeça ou outras partes do corpo e perfurar-se (Gollust et al., 2008). Dentre os universitários com história de autolesão observa-se que 32,5% apresentam associação com transtorno depressivo, 25,9% com transtorno alimentar, 16,6% com ansiedade e 11% relataram pensamentos suicidas durante as últimas 4 semanas. Sendo que a prevalência de pensamentos suicidas entre os universitários com história de autolesão foi maior entre os homens do que nas mulheres (Gollust et al., 2008).


Aqueles que relataram autolesão foram mais propensos a relatar o consumo diário de cigarros e uso de maconha do que os seus pares sem história de autolesão. Os estudantes que relataram estar em um relacionamento foram mais propensos a autolesão do que os universitários solteiros. Estudantes homens bissexuais e mulheres lésbicas apresentaram mais relato de autolesão do que universitários heterossexuais (Gollust et al., 2008). Em relação à percepção de necessidade de ajuda observa-se que entre os universitários que relataram autolesão cerca da metade (50,9%) percebiam necessidade de ajuda, 15,7% usaram alguma medicação psiquiátrica e mais de 80% estiveram com um profissional de saúde no ano passado, ainda se encontra que 19,9% apresentam história de ter feito terapia e 25,9% algum diagnóstico de problema de saúde mental (Gollust et al., 2008). O estudo de prevalência de autolesão entre universitários italianos mostra que 20,6%relataram história de comportamento de auto dano pelo menos uma vez na vida. Em relação à frequência observa-se que 82,5% referiram mais de um episódio, 31,6% mais de 10 episódios, e 3,9% mais de 100 episódios de comportamento de auto dano. Quanto às formas específicas observa-se que 61,3% fizeram uso de um único método e 38,7% de vários métodos. Verifica-se maior frequência do comportamento de auto dano referente à interferência na cicatrização de feridas (35,6%), seguido por corte (25,4%), mordida (18,6%), escarificações coçar grave (16,9%) e inserção de pinos, agulhas e grampos sob a pele (15,3%) (Sarno et al., 2010). Observa-se associação entre comportamento de auto dano recorrente e psicopatologia ou sofrimento psíquico em geral. No que diz respeito às associações entre comportamento de auto dano entre universitários e mecanismos de defesa há evidências de associação com mecanismos de defesa mal adaptativos, incluindo projeção, acting out, dissociação, repressão, fantasia, conversão e evitação sugerindo maior desajustamento entre indivíduos com comportamento de auto dano recorrente. Ainda identifica-se maior variedade de sintomas psiquiátrico entre os universitários que apresentarem comportamento de auto dano recorrente, sugerindo a presença de maior gama de psicopatologia (Sarno et al., 2010). Constata-se que pacientes adultos jovens e adultos possuem mais risco ao comportamento autolesivo quando em uso de inibidores seletivos de receptação (ISRS) do que com prescrição de antidepressivos tricíclicos (Martinez et al., 2005).

Estudo de revisão sobre fatores de risco e métodos de automutilação entre grupos de minoria étnica no Reino Unido mostra que as disputas interpessoais precipitando automutilação foram mais frequente entre imigrantes negros, sugerindo o estresse situacional como fator de risco para a ocorrência de atos impulsivos de automutilação entre os imigrantes, neste sentido a automutilação pode surgir em resposta à aflição interpessoal (Bhui et al., 2007). Entre os imigrantes sul-asiáticos encontram-se as substâncias domésticas, tais como água sanitária, gás, carvão e medicamentos, as mais utilizadas, entre os índios ocidentais são os medicamentos psicotrópicos mais comumente utilizados. Mais de 70% dentre as mulheres asiáticas internadas em uma unidade de tratamento de queimaduras após tentativa de suicídio usaram parafina para atear fogo em si mesmo (Bhui et al., 2007). Estudo de revisão mostra que é mais frequentemente mulheres utilizarem tratamento médico para a automutilação. Dados prospectivos apontam que desemprego e não ter parceiros como preditivo de recorrência de lesões autoprovocadas no prazo de 12 meses. Identifica-se associação entre automutilação e experiências traumáticas na infância, neste aspecto são fatores significativos: problemas psicológicos por parte de um dos pais, separação dos pais, e separação precoce ou prolongada de um dos pais. Ainda se observam experiências na infância de negligência emocional, abuso físico ou psicológico, especialmente abuso sexual, entre adolescentes e adultos com comportamento de automutilação (Fliege et al., 2009). Verifica-se maior vulnerabilidade para Automutilação deliberada entre adultos que apresentaram pelo menos um evento negativo grave vida negativo nos últimos 6 meses. Entre os eventos de vida relatados encontram-se dificuldades de relacionamento com parceiros, amigos, cônjuges e vizinhos, crises financeiras e história de transtorno mental (Ritchie et al., 2011). Inquérito-piloto de prevalência de automutilação deliberada entre a população adulta carcerária de duas prisões do Reino Unido mostra que 71% cometiam automutilação, sendo que a maioria respondeu que foram tentativas de suicídio. Ainda observa-se que 48% dos que receberam ordem de prisão preventiva foram encaminhados para tratamento psiquiátrico devido a risco de auto ferimento (Wessely et al., 1996). Estudo americano com presos do sexo masculino em tratamento psiquiátrico mostra que 60% apresentavam história ou ameaça de automutilação, sendo que 18% exibiram episódio de automutilação na prisão. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 73


Quanto às formas específicas verifica-se maior frequência do comportamento de automutilação não fatal (45%), tentativa de enforcamento (34%), overdose de droga (5%) e outras automutilações como asfixia, afogamento, bater a cabeça ou saltar de lugares altos (16%) (Young et al., 2006). Pacientes homens com padrão de uso pesado de bebida alcoólica apresentam maior risco de suicídio e de comportamento de automutilação deliberada. Entre os fatores de risco mais comuns para o suicídio entre usuários com padrão de uso pesado de bebida alcoólica encontram-se: sexo masculino, viver sozinho, desemprego, presença de pensamento e plano suicida, história de automutilação e de tratamento psiquiátrico (Taylor, Cooper & Appleby, 1999). Estudo realizado nas enfermarias de hospitais psiquiátricosde Londres mostra que a automutilação e o suicídio estão dentro dos incidentes mais frequentes, sendo que a automutilação se encontra associada com aumento da agressão física e ausência de pessoal (Bowers, Allan, Simpson, Nijman & Warren, 2007). Estudo com mulheres entre 18 e 45 anos recrutadas a partir de clínicas de tratamento comunitárias norteamericanas mostra que a intenção suicida e a letalidade da autolesão encontram-se associada com tentativa de suicídio. Observa-se associação da impulsividade de autolesão tanto na presença de tentativa de suicídio quanto comportamento de autolesão sem intenção suicida (Chapman, Derbidge, Cooney, Hong & Linehani, 2009). Automutilação Deliberada na População Idosa A Demência é o diagnóstico psiquiátrico mais comum associado com o comportamento de auto dano entre idosos institucionalizados. O comportamento de auto dano em adultos mais velhos está associado à baixa qualidade de vida e saúde física precária. Estudo de revisão mostra que idosos institucionalizados com demência apresentam comportamento de auto dano, sendo mais frequente o auto beliscar, arranhar e bater o próprio punho. Evidencias mostram que 26,8% dos idosos institucionalizados com idade média de 82,3 anos apresentam comportamento de auto dano indireto, como a recusa em comer (Mahgoub et al., 2011). Ao longo dos três anos foram identificados 99 episódios de automutilação deliberada envolvendo 84 pacientes com mais de 65 anos de idade encaminhados pelo departamento de acidente e emergência de hospitais do Reino Unido. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 74

A análise dos casos mostra que a relação entre homens e mulheres foi de 1:1,4. A média de idade para os idosos foi 72,5 anos e para as idosas, 75,3 anos. Dezenove dos 34 idosos eram casados em comparação com 13 das 48 idosas (Lamprecht, Pakrasi, Gash & Swann, 2005). Em relação às características do comportamento de automutilação entre os idosos observam-se que 37%apresentavam história anterior de automutilação deliberada, em 93% dos episódios a overdose de comprimidos foi o método de escolha, 25% estavam sob cuidados de serviços psiquiátricos na época do episódio, 32% teve contato anterior com serviços psiquiátricos e58% viu seu médico clínico geral dentro de 4 semanas antes do episódio. Ainda se observa que 37% tiveram depressão maior no momento da automutilação deliberada, 40% sofria de uma doença debilitante, 10% apresentavam dependência alcoólica (Lamprecht et al., 2005). Entre 2006 e 2008 registraram-se 2.352 casos de automutilação deliberada entre pessoas com 55 anos ou mais atendidas em hospitais irlandeses, sendo a maioria por mulheres (56,7%). O número médio de episódio por pessoa por ano foi de 1,22 (máximo = 13). Apenas um episódio por ano foi encontrado em 85,4% dos pacientes. A taxa de automutilação deliberada anual ajustada por idade taxa foi de 67,4 por 100 mil habitantes para os homens enquanto a taxa feminina, de 83,4 por 100 mil habitantes, portanto 24% de aumento. A incidência de automutilação deliberada entre os homens foi de 3,5 vezes enquanto para as mulheres, a incidência foi de 14,0. Os métodos de suicídio mais comuns foram enforcamento (41%) e afogamento (29%) entre os homens e afogamento (39%) e ingestão de medicamentos (24%) entre as mulheres (Corcoran et al., 2010). CONCLUSÃO O conceito polissêmico do comportamento autolesivo comprova a complexidade da manifestação do fenômeno. Entretanto diferentes definições obstem a compreensão do comportamento, principalmente na prática profissional, tornando-se um fator limitante para seu estudo. Em relação aos fatores de risco para o comportamento autolesivo, observaram-se generalidades do comportamento presentes em todas as etapas do desenvolvimento humano, bem como fatores específicos que se apresentam particularmente em cada fase do ciclo vital e de acordo com especificidades de cada gênero. Ressalta-se também a necessidade da contribuição de estudos relacionados aos fatores protetivos do comportamento autolesivo.


Dessa forma, evidencia-se a importância de novos estudos sobre o comportamento autolesivo em diferentes etapas do ciclo vital, de acordo com especificidades de gêneros e principalmente a comparecia de fatores protetivos para o fenômeno. Torna-se imprescindível também a compreensão do fato em diversos lócus, por exemplo, a Internet, uma vez que o comportamento manifesta-se principalmente na adolescência, sendo os jovens os maiores utilizadores de tal ferramenta, tornando-se fonte de estudos para melhor apreensão da sua influência.

Corcoran, P., Reulbach, U., Perry, I. J., & Arensman, L. (2010). Suicide and deliberate self harm in older Irish adults. International Psychogeriatrics, 22(8), 1327– 1336. doi: 10.1017/S1041610210001377

IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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A apropriação do conhecimento dos fatores de risco do comportamento autolesivo é importante para possibilitar que profissionais de saúde estejam capacitados para operar na prevenção e m anejo do fenômeno. O presente estudo apresenta informações que propiciam o profissional na identificação de casos de automutilação em relação ao ciclo vital possibilitando o olhar para possíveis lócus de ocorrência do fenômeno. Ainda proporciona informações que podem auxiliar em ações de prevenção e também o manejo de casos clínicos que apresentem na prática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bhui, K., McKenzie K., & Rasul F. (2007). Rates, risk factors & methods of self harm among minority ethnic groups in the UK: A systematic review. BioMed Central Public Health, 19, 7-336. doi: 10.1186/1471-2458-7-336 Bowers, L., Allan, T., Simpson, A., Nijman, H., & Warren J. (2007). Adverse incidents, patient flow and nursing workforce variables on acute psychiatric wards: The Tompkins acute ward study. International Journal of Social Psychiatry, 53(1), 75-84. Cedaro, J. J., & Nascimento, J. P. G. (2013). Dor e gozo: Relatos de mulheres jovens sobre automutilações. Psicologia USP, 24(2), 203-223. doi: 10.1590/S010365642013000200002 Chapman, A. l., Derbidge, C. M., Cooney, E., Hong, P. Y., & Linehani, M. M. (2009). Temperament as a propective predictor of self-injury among patients with Borderline personality disorder. Journal of Personality Disorders, 23(2), 122-140.

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Artigo de Revisão

Disponível em http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0195

11 RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PESSOAL NA DOENÇA CRÓNICA:

UMA REVISÃO INTEGRATIVA | Helga Rafael1 |

RESUMO Viver com doença crónica afeta a identidade pessoal. O objetivo deste artigo é rever os estudos empíricos e teóricos sobre como a experiência de conviver com doença crónica afeta a identidade pessoal. Não se conhece nenhuma revisão da literatura sobre este assunto. Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, tendo-se procedido à análise de 12 estudos. Os resultados mostram que as pessoas procuram naturalmente definir e expressar a sua identidade pessoal. A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar três categorias: Elementos identitários postos em causa na doença crónica; Sentimento de si na doença crónica; e Fases da (Re)construção da Identidade Pessoal. Vários elementos identitários, como o grau de atividade, as capacidades físicas ou o grau de dependência, ficam perturbados, podendo conduzir a sentimentos de perda, estranheza, insegurança ou isolamento. A pessoa percorre diferentes fases até à reconstrução da sua identidade. É necessária mais investigação para clarificar este processo. PALAVRAS-CHAVE: Saúde mental; Doença crónica; Enfermagem

RESUMEN

ABSTRACT

“Reconstrucción de la identidad personal en la enfermedad crónica: Una revisión integradora”

“Personal identity rebuilding in chronic illness: An Integrative Review”

Vivir con la enfermedad crónica afecta a la identidad personal. El propósito de este artículo es revisar los estudios empíricos y teóricos sobre como la experiencia de vivir con una enfermedad crónica afecta a la identidad personal. No se conoce ninguna revisión de la literatura sobre este tema. Hemos llevado a cabo una revisión integradora de la literatura y se procedió al análisis de 12 estudios. Los resultados muestran que las personas buscan naturalmente, definir y expresar su identidad personal. El análisis de la muestra de la literatura identificó tres categorías: Elementos de identidad cuestionados en la enfermedad crónica; Sintiéndose en la enfermedad crónica; Etapas de (re)construcción de la identidad personal. Varios elementos de identidad, tales como el grado de actividad, la capacidad física o el grado de dependencia, son perturbados y pueden conducir a sentimientos de pérdida, la torpeza, la inseguridad o el aislamiento. La persona pasa por diferentes fases de la reconstrucción de sua identidad. Se necesita más investigación para aclarar este proceso.

Living with chronic illness affects one’s personal identity. The purpose of this article is to review empirical and theoretical studies about how the experience of living with chronic illness affects personal identity. There is no known literature review on this subject. An integrative review of the literature was carried out and 12 studies were analysed. The results show that people naturally seek to define and express their personal identity. The analysis of the bibliographic sample allowed to identify three categories: Identity elements questioned chronic disease; Sense of self in chronic illness; And Phases of (re)construction of personal identity. Identity elements, such as degree of activity, physical capacities or degree of dependence, are disturbed and can lead to feelings of loss, strangeness, insecurity or isolation. The person goes through different phases until the reconstruction of a new identity. More research is needed to clarify this process.

DESCRIPTORES: Salud mental; Enfermedad crónica; Enfermería

Submetido em 06-01-2017 Aceite em 29-10-2017

KEYWORDS: Identity; Chronic disease; Nursing

1 PhD in Nursing; MSc in Nursing; Postgraduate Diploma in Medical-Surgical Nursing; Nursing Diploma; Researcher at Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Unit of Research & Development in Nursing; Assistant Professor at Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Av. Prof. Egas Moniz, 1600-190 Lisboa, Portugal, hrafael@esel.pt Citação: Rafael, H. (2017). Reconstrução da identidade pessoal na doença crónica: Uma revisão integrativa. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (18), 77-84. doi: 10.19131/rpesm.0195 Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 77


INTRODUÇÃO As pessoas com doença crónica – utilizadores frequentes dos serviços de saúde – têm muitas vezes associados problemas de saúde mental (EUROPEAN UNION [EU], 2016). As mais recentes orientações recomendam um reconhecimento precoce das desordens mentais destas pessoas a fim de desenvolver ações que possam contribuir para melhorar a saúde, a qualidade de vida e resiliência, reduzindo a adesão a comportamentos aditivos, à inatividade física e à má alimentação (EU, 2016). Para este reconhecimento é imperativo um acesso à perceção que cada pessoa tem de si. Identidade pessoal é a compreensão que cada um faz de si, incluindo as suas habilidades, valores, posição social, sentido de vida e impacto nos outros. A identidade pessoal deve ser entendida como algo inacabado, que se vai construindo ao longo da vida e na interação com o outro. Representa aquilo que cada um atribuí para si mesmo como sendo aceitável e congruente com o seu passado e com o que espera ser o seu futuro (Nordenfelt, 2009). É através da identidade que a pessoa se define e se distingue dos outros, o que se reflete nas preferências, desejos, esperança e planos para o futuro. Representa, por isso, a fronteira entre o indivíduo e a sociedade (Karnilowicz, 2011). Trata-se, portanto, de um conceito ligado à autoperceção de integralidade que, quando perturbada, compromete a saúde (Herdman & Kamitsuru, 2014), transformando-se em doença mental (Mathews, 2013). O sentimento da identidade pessoal está fortemente dependente de sentimentos de autoconfiança, autorrespeito, autoestima e autoimagem (Nordenfelt, 2009). Está ligado a conceitos como autonomia (Dale, Soderhamn, & Soderhamn, 2012), dignidade e respeito (Dale et al., 2012). Identidade pessoal é um conceito que tem merecido uma atenção crescente na área da saúde nos últimos tempos. A revisão da produção científica no âmbito dos cuidados de enfermagem mostra que o conceito identidade pessoal nem sempre é clarificado, surgindo muitas vezes apenas nomeado com sentidos equivalentes ou próximos do conceito de pessoa (Rafael, 2012). A identidade pessoal é um conceito multidimensional que, tal como o conceito de pessoa, integra as dimensões individual, profissional, familiar, social e de lazer. Para Meleis, Sawyer, Im, Messias, & Schumacher (2000) a identidade pessoal sofre mudanças importantes nos momentos de transição, tornando-se integra e fluida quando ocorre uma transição saudável. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 78

No entanto, pouco se conhece acerca do processo de redefinição de uma identidade congruente com uma transição saudável. O objetivo deste artigo é, deste modo, rever os estudos empíricos e teóricos sobre como a experiência de conviver com doença crónica afeta a identidade pessoal. Embora alguns investigadores apontem para a necessidade de investigar a identidade pessoal na doença crónica (Henriques, 2015; Luyckx, et al., 2008), não é conhecida nenhuma revisão sistemática ou integrativa sobre este assunto. Este fenómeno ganha um maior interesse na disciplina de enfermagem quando percebemos que vários referenciais teóricos salientem a necessidade de se reconhecer a experiência de saúde subjetiva e singular de cada pessoa para desenvolver cuidados de enfermagem holísticos (Meleis et al., 2000) e, assim, respeitando a sua identidade pessoal. MÉTODOS A revisão integrativa da literatura é considerada a mais ampla abordagem metodológica referente às revisões da literatura. Permite, por isso, uma compreensão abrangente do fenómeno em estudo, recorrendo a estudos experimentais e não experimentais e a dados da literatura teórica e empírica (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Com o propósito de identificar artigos empíricos e teóricos publicados sobre a identidade pessoal em relação com a experiência de convivência com a doença crónica na pessoa adulta ou idosa, realizou-se uma pesquisa online nas bases de dados Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE). Tal como Souza et al. (2010) defendem recorreu-se também à utilização de material não-publicado para garantir uma maior representatividade da amostra, através do acesso ao Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). As pesquisas foram realizadas com restrições de data nos últimos 10 anos (2006-2016), utilizando como palavras-chave identidade pessoal, personal identity, self-identity, identity, doença crónica, chronic illness, chronic disease, Chronically Ill, long-term disease. Nas bases de dados CHINAL e MEDLINE pesquisouse individualmente em cada base de dados, utilizando a seguinte estratégia: [TI(Personal identity OR selfidentity OR identity)] AND [AB OR SU(chronic illness OR chronic disease OR Chronically Ill OR long-term disease)].


Obteve-se 70 artigos nas duas bases de dados, sendo que apenas 42 estavam disponíveis em texto completo. A análise foi canalizada apenas para os artigos referentes à pessoa adulta ou idosa e eliminaram-se 11 artigos. Dos 31 artigos restantes, foram eliminados os que estavam repetidos, tendo ficado 23 artigos. Eliminaram-se 5 artigos com data inferior a 2006. A análise do texto integral permitiu eliminar 7 artigos por não se enquadrarem no estudo do fenómeno em análise. Obteve-se 11 artigos. No RCAAP utilizámos uma estratégia semelhante: [Título (Identidade pessoal OR Personal identity OR self-identity OR identity)] AND [Descrição (doença crónica OR chronic illness OR chronic disease OR Chronically Ill OR long-term disease)]. Identificouse apenas um documento, que integrou a amostra final. Após a extração dos dados dos artigos selecionados, procedeu-se à análise categorial dos mesmos, ponderando o rigor de cada estudo.

Uma das categorias - fases de reconstrução da identidade pessoal - foi definida à priori e descrita com base no Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (Prochaska, Redding, & Evers, 2008). RESULTADOS E DISCUSSÃO A amostra bibliográfica final foi constituída por 12 estudos empíricos, envolvendo 538 pessoas com doença crónica. As investigações foram conduzidas em países como os EUA (n=5), o Reino Unido (n=5), a Bélgica (n=1) e Portugal (n=1). Três estudos tinham uma abordagem quantitativa e os restantes 9 eram baseados numa abordagem qualitativa, com participantes com cancro coloretal, cancro da mama, cancro da próstata, artrite reumatoide, diabetes tipo 1, HIV-positivo, doença respiratória crónica, cancro do estômago e cancro do pulmão, entre outras. Todos os estudos têm como foco a identidade pessoal na experiência de conviver com uma doença crónica (Quadro 1).

Quadro 1 - Estudos que Integram a Revisão Integrativa da Literatura Estudo

País

Participantes

Objetivo

Tipo de estudo

Quadro concetual

Hubbard, G., Kidd, L., & Kearney, N. (2010).

Reino Unido

18 pessoas com cancro colo-retal

Explorar em que medida as pessoas experienciam o cancro como disrupção biográfica no primeiro ano após o diagnóstico.

Estudo longitudinal qualitativo

Teoria da disrupção biográfica

Karnilowicz, W. (2011).

EUA

1 pessoa com cancro da próstata e doença crônica.

Explorar a propriedade psicológica e identidade relacionada com cancro da próstata e doença crônica.

Auto-etnografia

Construtivismo social.

Luyckx, et al.. (2008).

Bélgica

194 Jovens-adultos com diabetes tipo 1 e 344 não diabéticos.

Examinar em que medida o desenvolvimento da identidade foi afetado por ter diabetes, comparando com o desenvolvimento numa amostra de não-diabéticos; Examinar como a identidade se relaciona com sintomas depressivos, coping com a diabetes, e problemas relacionados com a diabetes na amostra de diabéticos; Examinar em que medida os percursos do desenvolvimento da identidade para problemas com diabetes e sintomas depressivos são mediados por estratégias de coping na amostra de diabéticos.

Estudo quantitativo Corte transversal

Teoria do desenvolvimento psicossocial

Golub, S. A., Rendina, H. J., & Gamarel, K. E. (2013).

EUA

129 homens HIVpositivo

Descrever o desenvolvimento e a pilotagem de um novo instrument, designado Impact on Self Concept Scale (ISCS).

Estudo quantitativo Corte transversal

Evidência sobre crescimento póstraumático

Golub, S. A., Gamarel, K. E., & Rendina, H. J. (2014).

EUA

60 pessoas HIVpositivo

Examinar a influência do autocrescimento na perceção de perda de saúde física e mental entre as pessoas que vivem com HIV.

Estudo quantitativo

Evidência sobre crescimento póstraumático

Shepherd, M. (2010).

Reino Unido

31 pessoas com diabetes monogénica.

Explorar as experiências de doentes identificados com diabetes monogénica e o impacto da transferência de insulina para sulfoniluréias

Estudo qualitativo longitudinal

Teoria da disrupção biográfica

Guise, J., McKinlay, A., & Widdicombe, S. (2010).

Reino Unido

12 pessoas com doença cónica 5 cuidadores

Examinar o modo como os doentes falam sobre o AVC precoce e sobre os efeitos que esta doença crónica teve na identidade.

Focus grupo

Construtivismo social

Baumgartner, L. M. (2007).

EUA

18 pessoas HIVExaminar como as pessoas incorporam a identidade positivo (10 hoHIV nos seus selves em três momentos. mens e 8 mulheres)

Estudo qualitativo

Evidência sobre o efeito da doença crónica na identidade

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Lempp, H., Scott, D., & Kingsley, G. (2006).

Reino Unido

26 pessoas com artrite reumatoide.

Compreender a experiência pessoal de viver com artrite reumatoide e o impacto da doença na vida dos doentes.

Estudo qualitativo

Construtivismo social

Adams, W. E., Todorova, I. G., Guzzardo, M. T., & Falcón, L. M. (2015).

EUA

30 pessoas com doença crónica.

Compreender a forma como significados pessoais e multiculturais sobre medicação estão relacionados e integrados na identidade.

Estudo longitudinal qualitativo

Evidência sobre adesão à medicação e significados

Reynolds, F., & Prior, S. (2006).

Reino Unido

2 mulheres com cancro da mama e 1 homem com cancro no estomago e no pulmão

Compreender porquê que algumas pessoas com cancro assumem a arte como atividade de lazer e como a arte visual no dia-a-dia pode suportar a manutenção/reconstrução da identidade.

Estudo fenomenológico

Evidência sobre o efeito da doença crónica na identidade e no self.

Henriques, H. (2015).

Portugal

16 pessoas com DPOC

Compreender de que modo a pessoa idosa que vive com DPOC em sua casa é afetada pela experiência de autocuidado na sua identidade pessoal

Estudo fenomenológico

Fenomenologia

Os participantes foram recrutados de vários locais, incluindo consultórios médicos, consultas hospitalares de especialidade, laboratórios, grupos de suporte, grupos de terapia ocupacional, registos nacionais de doentes, associações de doentes e comunidade. A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar um conjunto de três grandes categorias que integram o tema ‘Identidade pessoal na doença crónica’: Elementos identitários postos em causa na doença crónica; Sentimento de si na doença crónica; e Fases de (re)construção da identidade pessoal (Quadro 2). Quadro 2 - Categorias e Subcategorias que Integram o Tema ‘Identidade Pessoal na Doença Crónica’ CATEGORIA

Elementos identitários postos em causa na doença crónica

Sentimento de si na doença crónica

Fases de (re)construção da identidade pessoal

SUB-CATEGORIA

Grau de Atividade Capacidades físicas Grau de dependência Disposição emocional Autoestima Autoimagem Autoconceito Papel Social

Sentimento de perda Sentimento de estranheza: ‘o outro eu’ Sentimento de insegurança Sentimento de luta permanente pela normalidade Sentimento de isolamento

Identidade antiga Ameaça à identidade Negociação identitária (Des/re)construção da identidade Identidade reconstruída

Elementos Identitários Postos em Causa na Doença Crónica A pessoa com doença crónica está sujeita a uma experiência de mudança que coloca em causa diferentes dimensões da identidade pessoal. Existe a necessidade de reconfigurações nos elementos identitários grau de atividade, capacidades físicas, grau de dependência, disposição emocional, autoestima, autoimagem, autoconceito e papel social (Quadro 3). Quadro 3 - CATEGORIA: Elementos Identitários Postos em Causa na Doença Crónica SUBCATEGORIA Grau de Atividade

Há uma transição forçada de uma vida ativa para uma vida passiva (Henriques, 2015; Lempp et al., 2006);

Capacidades físicas

Verifica-se uma progressiva perda de capacidades físicas (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006);

Grau de dependência

Há um aumento da dependência (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006).

Disposição emocional

Há alterações na disposição emocional (Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006).

Autoestima

Alterações na autoestima (Henriques, 2015).

Autoimagem

Alterações na autoimagem (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010).

Autoconceito

Alterações no autoconceito (Golub at al., 2014).

Papel Social

Regista-se uma perda de atividades ligadas ao papel social que desempenhavam no passado (trabalho, vida social, vida intima e familiar) (Henriques, 2015; Hubbard et al.,2010; Lempp et al., 2006).

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Quando os elementos identitários se encontram afetados, a perceção de si pode surgir desintegrada e/ou incompleta e a saúde mental pode ser posta em causa, existindo, por isso, ‘risco de perturbação da identidade pessoal’, tal como é descrito NANDA – North American Nursing Diagnosis Association 2015-2017. Este risco pode converter-se num problema real, quando a referida perturbação ocorre de forma persistente, ou seja, quando permanece uma “incapacidade em manter uma perceção do self integrada e completa” (Herdman & Kamitsuru, 2014, p. 268) . Sentimento de Si na Doença Crónica A experiência de viver com doença crónica afeta a identidade pessoal de uma forma disruptiva: Sentimento de perda; Sentimento de estranheza: ‘o outro eu’; Sentimento de insegurança; Sentimento de luta permanente pela normalidade; Sentimento de isolamento. Sentimento de perda. Na perceção dos participantes, viver com doença crónica é uma experiência de permanente ameaça e de perda do Self e da identidade passada (Golub et al., 2013) e de perda de qualidade de vida (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Golub et al., 2013). Perde-se a motivação para as diferentes atividades (Guise et al., 2010), a independência (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006), a autoestima (Reynolds & Prior, 2006), a aparência e a autoimagem (Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006; Reynolds & Prior, 2006). Perdem-se relações íntimas e afeto, pela frequente falta de energia, pelas limitações e pelas mudanças na aparência. Perdem-se relações com a família, no trabalho e com os grupos de recreação, o que se traduz na perda dos diferentes papéis sociais (Lempp et al., 2006). A adesão ao regime terapêutico pode igualmente conduzir a um conjunto de perdas de hábitos diários (Adams et al., 2015; Shepherd, 2010). Sentimento de estranheza: ‘o outro eu’. Com a doença crónica a experiência do corpo alterase, pois corpo e Self deixam de ser percecionados como unidade. O corpo, que está permanentemente impedido de agir de acordo com a identidade habitual, passa a ser percecionado como desconhecido, o que leva a flutuações no sentimento de si, com momentos de desilusão (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006; Shepherd, 2010).

Existe o sentimento de que se está preso no corpo que não se reconhece, nem se deseja, um ‘outro eu’ (Henriques, 2015) que passa a estar sujeito à dependência, a uma vida restritiva (Henriques, 2015; Hubbard at al., 2010; Lempp et al., 2006), a um regime terapêutico imposto (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Shepherd, 2010) e a novas ações de autocuidado não-familiares e frequentemente ineficazes (Henriques, 2015; Hubbard at al., 2010; Lempp et al., 2006). Os sonhos, os planos, os objetivos e até a longevidade estão constantemente sob ameaça (Henriques, 2015). Assiste-se a uma grande dificuldade em manter as habituais atividades de vida diária, pelas limitações que o corpo enfrenta e pela perda de funcionalidade (Guise et al., 2010; Hubbard et al., 2010). O espaço e o tempo em que ocorrem as atividades diárias passam a ter significados diferentes (Henriques, 2015). Verifica-se a necessidade de construir um novo ritmo, com necessidade de introduzir pausas regulares, pela fadiga instalada (Henriques, 2015). A performance ocupacional e laboral ficam afetadas (Baumgartner, 2007; Lempp et al., 2006), assim como o perfil emocional e de personalidade, que adquirem atributos com os quais a pessoa não se reconhece (Lempp et al., 2006). Sentimento de insegurança. Verifica-se imprevisibilidade nos sintomas, o que faz com que a pessoa perceba a morte mais próxima (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010). As perdas são, por isso, acompanhadas de preocupações com o futuro (Henriques, 2015; Lempp et al., 2006) e por sentimentos de insegurança (Henriques, 2015; Shepherd, 2010), frustração (Guise et al., 2010), perda de espontaneidade e controlo sobre a vida (Henriques, 2015). Sentimento de luta permanente pela normalidade. Na convivência com a doença crónica self e identidade pessoal sofrem um processo de mudança (Baumgartner, 2007; Guise et al., 2010; Reynolds & Prior, 2006). Neste processo as várias áreas da vida carecem de ser redefinidas, o que acontece com diferentes graus de reconciliação com a identidade passada ou de resignação passiva (Luyckx K. , et al., 2008). É preciso integrar novas práticas no quotidiano, sejam pelas limitações que afetam as diferentes atividades de vida, sejam pelo novo regime terapêutico (Adams et al., 2015; Shepherd, 2010). Assiste-se a uma reorganização da rotina e capacidades mobilizadas no quotidiano (Adams at al., 2015). Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 81


Neste processo de mudança, a pessoa reavalia diferentes áreas da sua vida (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015), desenvolvendo uma luta permanente para ser normal (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Hubbard et al., 2010; Shepherd, 2010). O contexto em que a pessoa está inserida pode ser um facilitador ou tornar-se um obstáculo neste processo (Adams et al., 2015; Guise et al., 2010;). A (re)construção da identidade está muito dependente de processos internos de descentralização da doença, em que a pessoa, na procura de equilíbrio e de novas formas de autocuidado, aprende a entender-se como sendo mais do que a própria doença (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006). Na procura de mestria e de competência no funcionamento quotidiano, a pessoa passa a conseguir diferenciar a identidade antiga da identidade que está em (re)construção (Adams et al., 2015; Henriques, 2015; Reynolds & Prior, 2006; Shepherd, 2010). Sentimento de isolamento. Viver com doença crónica interfere na interação com os outros e a autoperceção de desempenho eficaz do papel social (Baumgartner, 2007; Golub et al., 2013; Guise et al, 2010; Henriques, 2015; Lempp et al., 2006; Luyckx K. , et al., 2008). Esta é uma dimensão importantíssima, pois a reconstrução da identidade pessoal está muito dependente da visão dos outros. As diferentes limitações trazem agregadas o sentimento de inutilidade (Hubbard et al., 2010). Quando se tenta preservar a imagem de individuo socialmente ativo, coloca-se em risco a saúde física e mental (Baumgartner, 2007; Golub et al., 2014; Lempp et al., 2006; Luyckx K. , et al., 2008). Os doentes crónicos passam a ter receio da exposição pública (Henriques, 2015), pelo estigma e discriminação a que são sujeitos (Baumgartner, 2007; Golub at al., 2013; Guise et al., 2010; Lempp et al., 2006), o que conduz a situações de redução da participação social (Lempp et al., 2006). Fases da (Re)construção da Identidade Pessoal Para que ocorra adaptação à doença crónica, é necessário que a pessoa desenvolva mudanças de comportamento e aprendizagem de novos hábitos. Recorrendo ao Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (Prochaska et al., 2008), identificou-se os atributos que permitem caracterizar cada fase da mudança comportamental até à (re)construção da identidade pessoal. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 82

Identidade antiga. Nesta fase (de pré-contemplação) a pessoa não tem consciência da sua doença crónica ou não conhece as suas implicações, apesar de, por vezes, conseguir antecipar o seu diagnóstico (Baumgartner, 2007). Nesta etapa, a doença crónica não tem a importância suficiente para que seja iniciada uma tentativa de mudança de comportamento, pelo que a pessoa enceta diferentes tentativas para retomar as atividades que integram a identidade pessoal anterior (Henriques, 2015; Lempp et all., 2006). As pessoas lutam para fazer parte da sociedade, colocando até em risco a sua saúde (Henriques, 2015). Ameaça à identidade. Esta fase (de contemplação) inicia-se com o momento em que é atribuído um diagnóstico médico (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006; Shepherd, 2010). Neste estágio a pessoa clarifica as suas suspeitas, reconhece o problema e inicia uma discussão (interna e/ou externa) acerca da necessidade de mudar comportamentos. Apesar de conhecer a direção que pretende tomar, de identificar os prós e os contras em manter comportamentos ligados à identidade atual, há uma certa hesitação em enfrentar a mudança. Um menor sentimento de identidade implicará mais tempo nesta fase e um maior sentimento de identidade conduzirá, pelo contrário, a uma mais rápida transição para as fases seguintes (Prochaska et al., 2008). Negociação identitária. Esta fase (de preparação) é um momento de desconstrução cognitiva, afetiva e psicomotora da identidade atual, para introduzir novos elementos identitários (Shepherd, 2010). Nesta etapa existe uma clara consciência da necessidade de mudança e uma determinação para iniciar esse processo num futuro próximo. A doença passa a ser integrada na definição de si, o que permite aos indivíduos construírem um conjunto de estratégias de coping adaptativas para lidar com a cronicidade (Henriques, 2015; Luyckx K. , Seiffge-Krenke, Schwartz, Goossens, Hendrieckx, & Groven, 2008). A doença traz tempo de reflexão, o que leva a uma reavaliação dos hábitos e limites (Henriques, 2015), a uma reinterpretação do sentido da vida e a uma redefinição de objetivos (Hubbard et al., 2010) e desejos (Adams et al., 2015


O desejo de ser independente e autónomo, não se constituindo uma sobrecarga para os outros, é o que mais acompanha estas pessoas (Henriques, 2015; Hubbard et al., 2010; Lempp et al., 2006). Passa a existir um planeamento meticuloso para evitar a exposição pública (Henriques, 2015). (Des/re)construção da identidade. Nesta fase (de ação) dão-se início a um conjunto de comportamentos observáveis que evidenciam uma mudança comportamental e uma reorganização do quotidiano. A pessoa vai construindo os seus novos hábitos, adaptando os que faziam parte da identidade antiga ou eliminando outros (Hubbard et al., 2010; Henriques, 2015). Esta (des/re)construção da identidade assenta num trabalho biográfico de ajuste da forma de se autocuidar, tendo em conta o que faz sentido a cada um (Henriques, 2015). A ausência de sentido de um novo hábito pode motivar uma recaída no comportamento antigo (Henriques, 2015), o que significa um retrocesso para a fase de contemplação. Estas situações reduzem o sentimento de identidade, dificultam o sentimento positivo do self e estão associadas a sintomas depressivos e a um pior controlo sintomático (Golub et al., 2014; Guise et al., 2010; Luyckx K. , et al., 2008). É nesta fase que alguns doentes passam a integrar grupos de ajuda ou associações de doentes (Baumgartner, 2007; Henriques, 2015) e que se verificam comportamentos de adesão ao regime terapêutico proposto (Adams et al., 2015; Baumgartner, 2007; Shepherd, 2010). Identidade reconstruída. Na última fase, (de manutenção), a pessoa mantém comportamentos procurando não perder o que foi conquistado na fase anterior. Mantém-se o desejo de mudança e o esforço de prevenir recaídas que levem ao comportamento indesejado. Nesta etapa as pessoas compreendem melhor as suas prioridades, desenvolvem novos talentos ou preservam os elementos identitários que têm maior significado para si (Henriques, 2015). Demonstram grande capacidade de adaptação interna e externa às novas limitações que surgem. É uma fase que se caracteriza pelo aumento da autoestima, pela integridade pessoal e por um incremento no conhecimento (Prochaska et al., 2008). Há a perceção de crescimento pessoal e um sentimento de reconstrução pessoal (Golub et al., 2013; Golub et al., 2014). Existe um sentimento de continuidade, de conexão com o self prévio à doença (Henriques, 2015) e de normalidade (Shepherd, 2010).

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA CLÍNICA Esta é a primeira revisão da literatura conhecida sobre a identidade pessoal na experiência de conviver com a doença crónica. A análise da amostra bibliográfica permitiu identificar os elementos identitários postos em causa na doença crónica, o sentimento de si na doença crónica, bem como as fases de reconstrução da identidade pessoal na doença crónica. Cada uma destas categorias foi descrita através de um conjunto de subcategorias. As pessoas procuram naturalmente definir e expressar a sua identidade pessoal. A procura de unidade, coerência consigo própria e consistência, pode estar perturbada pela convivência com a doença crónica. Vários elementos identitários, como o grau de atividade, a capacidade física ou o grau de dependência, ficam perturbados, podendo conduzir a sentimentos de perda, estranheza, insegurança ou isolamento. A pessoa percorre diferentes estádios até reconstruir a sua identidade pessoal: identidade antiga, ameaça à identidade, negociação identitária, (des/re)construção da identidade e identidade reconstruída. Esta revisão integrativa permite ampliar a compreensão do processo de reconstrução da identidade pessoal na doença crónica, dando subsídios importantes para uma enfermagem assente numa apreciação holística e desafiando para uma prática de cuidados onde a saúde mental ganha transversalidade. Esta orientação para o que constitui a identidade pessoal do cliente de cuidados de enfermagem desafia os enfermeiros a assumirem a responsabilidade de expressar autenticidade e ser parte do mundo-vivido do cliente, no sentido de perceber que elementos identitários são importantes preservar no processo de reconstrução identitária. Os resultados desta revisão deixam também contributos para estruturar investigações futuras sobre a reconstrução da identidade pessoal na doença crónica, principalmente ao nível da clarificação das diferentes fases deste processo, bem como na definição de intervenções de enfermagem ajustadas às diferentes perdas. Abrem igualmente a possibilidade de desenvolver instrumentos de medida que permitam quantificar a perturbação (ou risco de) da identidade pessoal na doença crónica, bem como a eficácia das intervenções de enfermagem. Esta revisão integrativa da literatura apresenta algumas limitações metodológicas, que devem ser consideradas. A categorização criada para apresentar os resultados muda em função da interpretação do investigador, o que inviabiliza a replicação do estudo. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 83


Também o facto de a revisão ter sido realizada apenas por um investigador pode ter tornado a análise mais pobre. Os resultados são, ainda, indicativos, mas não generalizáveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adams, W. E., Todorova, I. G., Guzzardo, M. T., & Falcón, L. M. (2015). The problem here is that they want to solve everything with pills’: medication use and identity among Mainland Puerto Ricans. Sociology of Health & Illness, 37(6), 904-919. Baumgartner, L. M. (2007). The incorporation of the HIV/AIDS identity into the self over time. Qualitative Health Research, 17(7), 919-931. European Union. (2016). European framework for action on mental health and wellbeing. Joint Action on Mental health and wellbeing. Brussel: União Europeia. Golub, S. A., Gamarel, K. E., & Rendina, H. J. (2014). Loss and growth: Identity processes with distinct and complementary impacts on well-being among those living with chronic illness. Psychology, Health & Medicine, 19(5), 572-579.

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12 NORMAS

DE PUBLICAÇÃO DA ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL

REVISTA

PORTUGUESA

DE

A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental é publicada duas vezes por ano, em junho e dezembro, tratando-se de uma revista indexada em bases de dados nacionais e internacionais. A Revista apresenta, atualmente, as seguintes secções: Artigos de Investigação; Artigos de Revisão (Narrativa, Sistemática e Integrativa) da Literatura; Artigos de Boas Práticas/Reflexão. 1 – Procedimentos de Submissão do Artigo: 1.1 – Submissão eletrónica: os artigos devem ser sempre submetidos eletronicamente no sítio da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental: http://www.aspesm.org/. 1.2 – Para a submissão dos artigos, deverão sempre ser enviados os seguintes documentos: a) Artigo integral, obedecendo às normas da revista; b) Checklist de autoverificação, preenchida na totalidade c) Declaração de Cedência de Direitos de Autor e de Observação dos Princípios Éticos da Investigação, provando que os autores concordam que o artigo, uma vez aceite, fique da propriedade d’ ASPESM, não podendo, por isso, ser publicado noutra fonte, e que foram cumpridos todos os princípios éticos inerentes a um trabalho de investigação. Nota: a Direção da Revista reserva-se o direito de retirar um artigo do processo de revisão ou das bases de dados (no caso dos artigos publicados), sempre que se verifique que os autores publicaram uma versão idêntica noutra Revista. 2 – Processo de Revisão: Os artigos propostos são apreciados num processo Double Blinded (duplamente cego). Neste processo, o artigo é enviado por dois Peer Reviewers (Pares Revisores), os quais o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações que julgarem convenientes. Sempre que não se verifique acordo entre os dois revisores, o Diretor da Revista reserva-se o direito de indicar um terceiro revisor. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a eventual aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação. No caso da aceitação com alterações, os autores receberão os pareceres e recomendações sugeridas pelos Peer Reviewers. O autor deve efetuar as alterações e reenviar o documento, via eletrónica, no tempo regulamentado. Nota: caso não se verifique o cumprimento rigoroso do tempo estipulado para correção do artigo, este pode ser excluído do processo de revisão. Cada artigo será, posteriormente, verificado pelo Diretor e Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. O processo de revisão será efetuado online. As fases do processo de revisão e recomendações encontram-se descritos no quadro abaixo: Fase Receção do Artigo Revisão Reformulação do Autor Verificação Redatorial Publicação

Procedimento Após o envio do artigo, este será submetido a um processo de revisão técnica (revisão dos aspetos formais e de normalização, de acordo com as normas de publicação da Revista). O artigo é enviado para 2 Peer Reviewers, que o examinam e arbitram sobre a sua qualidade, dando as recomendações convenientes. A Direção da Revista enviará ao autor informação sobre a aceitação definitiva, aceitação com alterações, ou não aceitação, bem como os pareceres e recomendações dos Peer Reviewers. As alterações a efetuar pelo autor deverão ir, rigorosamente, de acordo com as recomendações dos Peer Reviewers. Cada artigo deverá ser verificado pelo Diretor e pelo Coordenador da Revista, que analisam a primeira versão do artigo e a versão corrigida, em função das recomendações dos Peer Reviewers. A oportunidade de publicação é da inteira responsabilidade da Direção da Revista.

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3 – A decisão final acerca da oportunidade de publicação dos artigos é da responsabilidade do Diretor da Revista. 4 – O artigo: 4.1 – Tipo de artigo: devem ser artigos científicos originais e versarem temas de saúde mental, Enfermagem de saúde mental ou educação em saúde mental. O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade dos seus autores, aos quais compete respeitar os princípios éticos da investigação e cumprir as normas da edição da Revista. A Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental poderá incluir artigos em língua portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa, consoante a origem dos artigos. 4.2 – Estrutura do artigo 4.2.1 - Título: o artigo deverá incluir um título informativo (que vá de encontro ao âmbito do trabalho) e sucinto (em português, espanhol e inglês); máximo de 16 palavras, sem abreviaturas e sem a indicação da localização geográfica da investigação. 4.2.2 - Autores: os autores devem estar devidamente identificados, com o nome, habilitações académicas, categoria profissional, instituição onde exercem funções, contactos (morada, e-mail e telefone institucionais) e informação no caso de o artigo ser extraído de Dissertação ou Tese (indicando o título, ano e instituição onde foi apresentada). O nome e afiliação dos autores deve surgir imediatamente após o título em português. As afiliações devem estar por extenso (ex.: Local de Trabalho – Escola Superior de Enfermagem do Porto). Os endereços de correio eletrónico dos autores dos artigos devem estar com hiperligação (com link disponível). 4.2.3 - Resumo: o resumo do trabalho deve ser apresentado em português, espanhol e inglês, e não deve exceder as 250 palavras, devendo incluir a descrição do contexto, objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões. 4.2.4 - Palavras-Chave: o artigo deve apresentar, no máximo, 4 palavras-chave, transcritas de acordo com os descritores MeSH (em português, ver DeCS), em português, espanhol e inglês. 4.2.5 - Corpo do artigo: O artigo (tratando-se de um trabalho de investigação) deve ser estruturado em secções, devendo incluir os seguintes capítulos: Introdução, Metodologia, Resultados, Discussão, Conclusão, e Implicações para a Prática Clínica). Os artigos de revisão e de boas práticas/reflexão não têm que obedecer, necessariamente, a esta divisão. 4.3 - Formato: • O texto deve ser apresentado em formato Word, letra Arial, tamanho 11, espaçamento 1,5, páginas em formato A4, em coluna única, evitando negritos e sublinhados, variação do tipo de letra, fundos de cor, etc.; • Todas as margens devem ter 2,5 cm.; • Não devem ser incluídas notas de rodapé. • O artigo não deve ultrapassar as 15 páginas incluindo resumo (em português, espanhol e inglês), referências, tabelas, quadro e figuras. • O artigo não deverá ser paginado. • Os parágrafos não devem ser indentados. • O artigo deve ser redigido de acordo com o Novo Acordo Ortográfico (caso não o seja, a Comissão Editorial reserva-se o direito de realizar a conversão). Nota: caso o(s) autor(es) se recuse(m) a redigir o artigo segundo o Novo Acordo Ortográfico devem, aquando do seu envio, manifestar essa posição de forma clara e inequívoca. • Na primeira utilização de uma sigla esta deve estar, primeiramente, por extenso, por exemplo: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). • Quando se realizarem citações de três a cinco autores, todos os nomes devem ser mencionados na primeira vez que a citação é feita (ex.: Bradley, Ramirez, & Soo, 1999). Nas vezes seguintes, deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.” (ex.: Bradley et al., 1999). Caso a citação seja de seis ou mais autores, logo na primeira vez em que a citação é feita deve utilizar-se apenas o nome do primeiro autor seguido de “et al.”. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 86


• No corpo do artigo, ao citar autores coletivos, na primeira vez que a citação é feita, deve ser mencionado o nome por extenso (ex.: National Institute of Mental Health [NIMH], 2003). Nas vezes seguintes, pode ser utilizada a abreviatura (ex.: NIMH, 2003). • Os títulos dos capítulos devem seguir a seguinte estrutura: Nível do Título Formato 1 Centrado, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 2 Alinhado à Esquerda, Negrito, com Maiúsculas e Minúsculas 3 Indentado, negrito, em minúsculas terminando com ponto final. 4 Indentado, negrito, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 5 Indentado, itálico, em minúsculas terminando com ponto final. 4.3.1 - Tabelas, quadros, gráficos e figuras: devem ser incluídos apenas os que sejam absolutamente essenciais para a compreensão do artigo e numerados por ordem de inclusão no texto, em função de cada tipo. As tabelas e quadros devem apresentar o título em cabeçalho e os gráficos e figuras devem apresentar o título por baixo. Para tabelas e quadros o tamanho da letra pode ser reduzido até um mínimo de 9 e sem espaçamentos. As tabelas, quadros, gráficos e figuras devem surgir imediatamente após o parágrafo em que é feita referência às mesmas. 4.3.2 - Citações: todos os autores citados no artigo devem constar da lista de referências bibliográficas. Exemplo: Sequeira (2006), (Sequeira, 2006), ou “Em 2006, Sequeira (...)”. Deve indicar-se o número de página, no caso de citação textual, tal como nos exemplos: Sequeira (2006, p. 32) ou (Sequeira, 2006, p. 32). Quando citar dois ou mais autores numa mesma paráfrase, deve ordená-los por ordem alfabética, tal como no exemplo: (Miller, 1999; Shafranske & Mahoney, 1998). Nota: utilizar o símbolo “&” apenas nas paráfrases em que os autores citados sejam de países em que o português não é uma língua oficial (ex.: EUA, Reino Unido, etc.). 4.3.3 - Referências Bibliográficas: • As referências selecionadas devem permitir evidenciar as publicações mais representativas do “estado da arte” da problemática em estudo (últimos 5 anos, extensíveis a 10 anos para problemáticas que tenham sido pouco estudadas), resultando da pesquisa de bases de dados de revistas indexadas nacionais e internacionais. • As referências bibliográficas devem estar elaboradas de acordo com as normas da 6ª Edição da American Psychological Association (APA). Todas elas deverão estar citadas no artigo. • Nas referências bibliográficas, independentemente do número de autores, estes devem ser todos referidos, não sendo permitido o uso de “et al.”. • O título das revistas nunca deve ser abreviado nas referências bibliográficas. Por exemplo, não se deve escrever “RPESM”, mas sim “Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental”. • Sempre que se inclua um site nas referências bibliográficas, a sua hiperligação deve estar presente e funcionante. Nota: as fontes devem ser alvo de seleção criteriosa, em função da sua pertinência, e não devem ultrapassar um total de 20 referências, organizadas por apelido do autor e ordenadas por ordem alfabética. APA 6ª Edição (Exemplos – consultar http://www.apastyle.org/) 4.3.3.1 Modelo de referências (indicar o nome de todos os autores – não usar “et al.”): Livros Shotton, M. A. (1989). Computer addiction? A study of computer dependency. London, England: Taylor & Francis. Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 87


Trabalho académico (Dissertação/Tese) Healey, D. (2005). Attention deficit/hyperactivity disorder and creativity: An investigation into their relationship. Tese de Doutoramento, University of Canterbury, Christchurch, New Zealand. Editor literário Barkley, R. A. (Ed.) (2008). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Manual para diagnóstico e tratamento (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed. Capítulos de livros Haybron, D. M. (2008). Philosofy and the science of subjective well-being. In M. Eid & R. J. Larsen (Eds.), The Science of subjective well-being (pp. 17-43). New York, NY: Guilford Press. Autor coletivo American Psychological Association. (2010). Publication manual of the American Psychological Association (6ª ed.). Washington, DC: Author. Artigos de publicações periódicas Com DOI Herbst-Damm, K. L. & Kulik, J. A. (2005). Volunteer support, marital status, and the survival times of terminally ill patients. Health Psychology, 24, 225-229. doi: 10.1037/0278-6133.24.2.225 Sem DOI Light, M. A. & Light, I. H. (2008). The geographic expansion of Mexican immigration in the United States and its implications for local law enforcement. Law Enforcement Executive Forum Journal, 8(1), 73-82. Documentos eletrónicos Livros Schiraldi, G. R. (2001). The post-traumatic stress disorder sourcebook: A guide to healing, recovery, and growth [Adobe Digital Editions version]. doi: 10.1036/10071393722 Artigos de publicações periódicas Wheeler, D. P. & Bragin, M. (2007). Bringing it all back home: Social work and the challenge of returning veterans. Health and Social Work, 32(1), 297-300. Acedido em http://www.naswpressonline.org Outros (póster, comunicação livre, etc.) Leclerc, C. M. & Hess, T. M. (2005, agosto). Age diferences in processing of affectively primed information. Póster apresentado na 113ª Annual Convention of the American Psychological Association, Washington, DC. Nota: no caso de os autores serem de países de língua oficial portuguesa, nas referências bibliográficas o “&” deve ser substituído por “e”. 5 – Formato Padrão do Artigo a submeter: Primeira Página • Título (em português, espanhol e inglês) • Nome dos autores (separados por ponto e vírgula); • Afiliações dos autores (uma afiliação por linha); • Indicação caso o artigo seja extraído de Dissertação/Tese. Nota: esta página, posteriormente, é retirada pelo Coordenador da Comissão Editorial, sendo atribuído um número codificado que identifica o artigo junto dos revisores Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Nº 18 (DEZ.,2017) | 88


Segunda Página • Titulo (em português); • Resumo (em português); • Palavras-Chave (em português); • Título (em espanhol); • Resumen; • Descriptores; • Titulo (em inglês); • Abstract; • Keywords. Páginas Seguintes: • Introdução; • Metodologia; • Resultados; • Discussão; • Conclusões; • Referências bibliográficas; • Apêndices (se existentes), agradecimentos (se existentes), conflitos de interesses (se existentes), fontes de financiamento (se existentes), e contribuições dos autores (se aplicável).

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