Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, 2 (Dez., 2009)
2 Programa de intervenção para a promoção da autonomia na toma da terapêutica Margarida Sotto Mayor 1
RESUMO O programa de intervenção para a promoção da autonomia na toma da terapêutica (P.I.P.A.) é um programa com a finalidade de reabilitar as pessoas idosas que, por razões de saúde, são sujeitas a períodos de internamento em hospitais e em geral impedidas de realizar a tarefa de preparar a sua medicação. Este programa visa diminuir os riscos associados ao uso inadequado de fármacos em contexto domiciliário. Centra-se na partilha de responsabilidades dos técnicos de saúde e das pessoas idosas pelo sucesso terapêutico após a alta. PALAVRAS-CHAVE: Reabilitação, Terapêutica, Idosos. ABSTRACT The intervention programme for the promotion of autonomy in the taking of therapeutic (PIPA) is a program that aims to rehabilitating the elderly who for health reasons are subjected to periods of confinement in hospitals and in general prevented from performing the task of preparing their medication. This program aims to reduce the risks associated with inappropriate use of drugs in home care context. It focuses on the shared responsibility of health professionals and the elderly for the therapeutic success after discharge. KEYWORDS: Rehabilitation, Thearapy, Elderly INTRODUÇÃO A educação para a saúde é um pilar fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas. Da evolução demográfica das últimas décadas espera-se que o número de pessoas idosas aumente e na sequência aumente também proporcionalmente o número de perturbações mentais. Na continuidade desse acréscimo populacional e do crescendo de famílias monoparentais, cada vez mais haverá pessoas idosas a viverem sós. O programa de intervenção para a promoção da autonomia na toma da terapêutica (P.I.P.A.) tem sido aplicado desde há quatro anos com sucesso às pessoas idosas internadas no Serviço de Psicogeriatria, do Hospital de Magalhães Lemos. O objectivo
deste programa é avaliar a competência da pessoa idosa para preparar a sua terapêutica aquando da alta. Intervêm no P.I.P.A., enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais e farmacêuticos. Este programa centra-se na partilha de responsabilidades entre os profissionais envolvidos na multiplicidade de variáveis implicadas no processo e na própria pessoa idosa. O protocolo de avaliação a que são sujeitas as pessoas idosas, com o objectivo de avaliar a sua capacidade para viverem sozinhas em casa, integra aspectos da história clínica, referência e motivo de consulta, história do adoecer pessoal e antecedentes familiares, exame físico e mental (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975), exames subsidiários, diagnóstico provável, prognóstico e plano de intervenção (Leuschner, 2005). A avaliação das actividades de vida diária e instrumentais também é realizada (Collins, Wade, Davies, & Horne, 1988; Lawton & Brody, 1969). A preparação da terapêutica é uma dessas actividades instrumentais (AIVDS) que têm que ser avaliadas para monitorizar a capacidade da pessoa viver sozinha em casa. Com esta avaliação reduzem-se os riscos associados com a troca e/ou má utilização de fármacos e aumenta-se a segurança em contexto domiciliário. As motivações para este programa resultaram do posicionamento face à prática no cuidar em psicogeriatria. Com frequência surgiam dúvidas sobre a autonomia funcional de algumas pessoas que tinham pequenos episódios de internamento e que viviam sozinhas em casa. A reflexão incidia sobre a capacidade dessas pessoas fazerem a selecção dos fármacos segundo prescrição médica e de manipularem com precisão algumas das apresentações medicamentosas. Questionava-se sobre se o seu estado mental lhes permitia recuperar a funcionalidade e retomar a tarefa de preparar a terapêutica suspensa aquando da entrada no hospital. Colocava-se a dúvida quer da continuidade terapêutica quer da segurança acerca do uso de fármacos. Em contexto de boas práticas, estas reflexões diárias estimularam para a construção do P.I.P.A. Da nossa experiência, suspeitava-se que havia idosos que vivam sós, tinham alta e não tinham autonomia para a toma da terapêutica (Sotto Mayor, 2006). A proposta de aplicação deste programa foi discutida, mostrou-se fácil, de adesão imediata e tem sido aplicada com sucesso. No quadro 1 indicam-se os principais passos do programa e a envolvente multidisciplinar que este requer.
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Hospital de Magalhães Lemos, EPE, Doutorada ICBAS, UP, mgsottomayor@gmail.com. Colaboração: Enfermeiros do Serviço de Psicogeriatria do HMLemos Recebido em 09/2009. Aceite em 11/2009. 1
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Quadro 1 Programa de intervenção para a promoção da autonomia na toma da terapêutica (P.I.P.A.)
No final de cada operação correctamente realizada pelo doente, reforça-se o sucesso. Após esta avaliação, o enfermeiro procede ao registo informático onde refere, a título de exemplo, que, “O Sr. X deu início ao programa de intervenção para promoção de autonomia na toma da terapêutica” e, no segundo dia, “O Sr. X está no 2o dia do programa de intervenção para promoção da autonomia na toma da terapêutica”. Estes registos devem mencionar sempre em que dia do programa o doente se encontra, para haver acesso fácil aos resultados obtidos pelo doente. Regista-se sequencialmente até atingir 7 dias de programa de intervenção para promoção da autonomia na toma de terapêutica. Se tudo decorreu favoravelmente, considerase que a pessoa está capaz de preparar a sua terapêutica. Caso haja algum tipo de erro, repete o programa durante mais 7 dias e, se aquele permanecer, só após a informação dada pelo enfermeiro, em notas de evolução, se poderá providenciar a ajuda de alguém para preparar a terapêutica, em casa, a decidir pela família com a orientação de um membro da equipa assistente que alerta para os resultados do programa.
Após aplicação do protocolo de avaliação do serviço de Psicogeriatria para os idosos aí internados, identifica-se a pessoa que requer integração no P.I.P.A. Em reunião de equipa, todos os elementos das diferentes áreas de intervenção actuam no sentido de serem reunidas as condições para que o doente possa preparar a sua própria medicação. A avaliação da tarefa de preparar a terapêutica é da responsabilidade do enfermeiro que fornece ao doente um guia terapêutico em papel, prescrito pelo médico, a partir do qual o doente se orienta para realizar a tarefa em avaliação. Junto do doente, o enfermeiro segue os procedimentos apresentados no quadro 1 e avalia a acção desenvolvida pela pessoa idosa internada. Os parâmetros para avaliar a preparação da terapêutica são: “prepara adequadamente”, “prepara adequadamente embora hesite” e “prepara mas pede ajuda”. Os parâmetros utilizados traduzem um crescendo de dificuldade. Caso os resultados desta primeira parte sejam positivos deve reforçar-se a pessoa até haver 2 a 3 preparações com sucesso e, nestas condições, o programa termina ao fim de 7 dias inclusive. No entanto, se o doente prepara, não pede ajuda e erra sem consciência do erro, deve ser reavaliado na globalidade e muda-se a modalidade de intervenção que passa de avaliação para treino de competências, durante mais 7 dias. Se mesmo assim, erra ou parece não compreender como executar a tarefa, esta deverá ser delegada em alguém (situação a resolver no seio da equipa multidisciplinar).
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IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA Este tipo de programa dirigido às pessoas idosas internadas tem uma componente de reabilitação que deve ser lembrada. A avaliação precoce dos aspectos funcionais e mentais, proporciona uma intervenção atempada e permite que os idosos envolvidos no programa, prolonguem a sua autonomia, preservem competências durante os períodos de internamento e reduzam a ocorrência de riscos desnecessários ao ministrarem a si próprios fármacos mal preparados, em contexto domiciliário. Por outro lado, os enfermeiros envolvidos no programa experimentam satisfação com a actividade desenvolvida estando assim mais despertos para as atitudes de reabilitação com os idosos. A equipa reconhece a importância da integração dos princípios de reabilitação a todos os níveis de intervenção e promove intervenções para que os idosos preservem a funcionalidade na toma da terapêutica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Collins, C., Wade, D. T., Davies, S., & Horne, V. (1988). The barthel adl index: A reliability study. International Disability Studies, 10, 61-63. Folstein, M. F., Folstein, S. E., & McHugh, P. R. (1975). Minimental state. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research, 12(3), 189-198. Guerreiro, M., Silva, A. P., Botelho, M. A., Leitão, O., Castro-
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Caldas, A., & Garcia, C. (1994). Adaptação à população portuguesa da tradução do “mini-mental state examination” (mmse). Revista Portuguesa de Neurologia, 1(9). Lawton, M. P., & Brody, E. M. (1969). Assessment of older people: Self-maintaining and instrumental activities of daily living. The Gerontologist, 9(3), 179-186. Leuschner, A. (2005). Os auxílios disponíveis: Os serviços de saúde mental. In A. Castro Caldas & A. Mendonça (Eds.), A doença de alzheimer e outras demências em portugal.Lisboa. Porto. Coimbra: Lidel.
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3 Vivências do “conforto-desconforto” nos doentes internados em serviços de clínica psiquiátrica João Luís Alves Apóstolo 1
RESUMO Objectivo: compreender as vivências do “confortodesconforto” nos doentes internados em serviços de clínica psiquiátrica. Enquadramento teórico: Os doentes mentais internados em serviços de clínica psiquiátrica experienciam a sua condição num contexto existencial complexo relacionado com a carga sintomática resultante da situação de doença e do internamento em si mesmo. Método: Estudo interpretativo de cariz fenomenológico, no qual participaram 18 doentes que relataram as suas experiências através de entrevista não estruturada. As unidades naturais de significado foram indutivamente identificadas e delimitadas sendo, de seguida, organizadas por abdução, primeiro em sub-temas e de seguida numa estrutura temática compreensiva. Resultados: Os achados revelam um conflito entre a avaliação de si como ser em potencialidade e o constrangimento percebido decorrente do processo de doença. Não obstante provocar desconforto, pela falta de liberdade na decisão e pela convivência incómoda com outros doentes, a hospitalização é assumida como uma necessidade, como um espaço de refúgio e de libertação onde são desenvolvidos afectos positivos com os pares sendo valorizadas as capacidades humanas e técnicas dos profissionais de saúde como fundamentais no processo de recuperação. Conclusão: A doença mental aprisiona a pessoa e a hospitalização, apesar de desconfortável, é essencial para que a pessoa possa vir-a-ser. PALAVRAS-CHAVE: Doente Mental; Hospital; Conforto ABSTRACT Objective: To understand the lived experience of comfort/ discomfort of psychiatric mental inpatients. Background: The psychiatric mental inpatients live their condition in un-existential related complex context that results from the symptomatic load of the situation of illness and the hospitalisation itself. Method: Phenomenological study developed with 18 psychiatric mental inpatients submitted to a non-structured interview. The natural units of meaning were inductively identified, delimitated and afterwards organized by abduction, firstly in sub-themes and then into a comprehensive thematic structure. Results: findings disclose a conflict between the evaluation of themselves as a being
in potentiality and the perceived constraint that outcomes from the illness process. In spite of increasing discomfort, for the lack of freedom related with personal decision and with the uneasiness coexistence with other sick patients, the hospitalization is assumed as a need, as a refuge and a space of liberation where positive affects are developed with pairs and health professionals. Patients valued health professional human abilities and knowledge as basic in the recovery process. Conclusion: The mental illness arrests the person and the hospitalization, although uncomfortable, it is essential to whatever the person might be or become more. KEYWORDS: Mental Patient; Hospital, Comfort INTRODUÇÃO A pessoa mentalmente doente, em contexto hospitalar, reflecte e vivencia uma experiência subjectiva inerente à doença e ao processo de internamento. A investigação compreensiva dessa vivência é essencial para o entendimento do processo, favorecendo uma actuação mais efectiva e ajustada. Porém, na literatura, não é feita referência a estudos desta natureza. Partindo do pressuposto de que os doentes mentais internados, em serviços de clínica psiquiátrica, experienciam a sua condição num contexto existencial complexo relacionado com a carga sintomática resultante da situação de doença e do internamento em si, tornou-se relevante a realização de um estudo com o objectivo de compreender as vivências de “conforto-desconforto” destes doentes. Desenvolvemos, assim, um estudo interpretativo, de cariz fenomenológico. ENQUADRAMENTO ONTO-EPISTEMOLÓGICO A fenomenologia é uma consciência filosófica que surgiu como alternativa metodológica à perspectiva epistemológica empírica-analítica. Significa o estudo dos fenómenos, ou seja, daquilo que é dado à consciência. A consciência é intencional porque é consciência de alguma coisa, dirige-se, pois, para um objecto. A fenomenologia procura descrever a experiência
PHD, Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra – Portugal. Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Domínio de Enfermagem, apostolo@esenfc.pt. Recebido em 09/2009. Aceite em 11/2009. 1
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tal como ela é vivida. É o estudo das essências, a procura da coisa em sí, utilizando uma forma de reflexão que permita olhar as coisas como elas se manifestam (Merleau-Ponty, 1999; Lyotard, 1999). A fenomenologia pode, assim, caracterizar-se como um método, ou seja, como um modo de tornar a filosofia numa ciência de rigor, face ao relativismo e ao subjectivismo psicológico. É uma ciência descritiva, não dedutiva. A fenomenologia não procura explicar ou analisar, antes, descrever, não existindo, inerente à utilização desta metodologia, a intenção em encontrar relações causais, mas sim, em desvelar a essência do fenómeno. Para que se possa compreender as afirmações da atitude natural é necessário colocá-la em “suspenso” (Cordón & Martinez, 1998; Lyotard, 1999; Loureiro, 2002). METODOLOGIA Questão de Investigação: Que “conforto-desconforto” é vivenciado pelos doentes internados em serviços de clínica psiquiátrica? Participantes: Amostra e Contexto O estudo foi feito com uma amostra de 18 doentes internados em Serviços de Clínica Psiquiátrica de dois Hospitais Psiquiátricos da região centro de Portugal. A amostragem fez-se por selecção racional, no sentido de incluir os participantes que apresentassem uma condição clínica estável e capacidade para descrever a experiência vivida. Foram seleccionados os indivíduos que, aquando da presença do investigador nos respectivos serviços, fossem capazes de descrever esta vivência até a saturação da informação ter sido conseguida, entre 21-04 e 01-07-2004.
Quadro 1. Características sociodemográficas e clínicas da amostra (n=18)
Características da Amostra Como se pode observar no quadro 1, os 18 doentes entrevistados são de ambos os sexos, com os diagnósticos mais usuais nos serviços, mas maioritariamente com perturbações depressivas, diversificadas experiências de internamentos anteriores e com formação e actividade profissional também variada. Recolha de Informação Para a recolha de informação, além de dados relativos a variáveis sociodemográficas e clínicas dos indivíduos, foi utilizada a entrevista tendo por base um guião, pouco estruturado, com as seguintes questões: • Recorde uma situação aqui vivida que considere confortável ou imagine-se a viver uma situação confortável. Descreva-me essa situação. • Recorde uma situação aqui vivida que considere desconfortável ou imagine uma situação desconfortável. Descreva-me essa situação. • Aqui, o que é para si o conforto? As entrevistas foram realizadas nas unidades de clínica psiquiátrica, masculina e feminina, dos dois hospitais referidos, num gabinete de consulta e audio-gravadas. Cada entrevista terminou quando os informantes acreditavam que haviam esgotado a sua descrição. A duração das várias entrevistas variou entre quarenta a sessenta minutos. Análise da Informação O conteúdo da gravação foi transcrito para uma folha de processamento de texto tendo, de seguida, sido importado para o programa “Non-numerical Unstructured Data * Indexing Searching and Theorizing” (NUD*IST - N5). O processo de análise da informação (figura 1) teve início com uma leitura flutuante das entrevistas de modo a favorecer a apreensão intuitiva do fenómeno na sua globalidade. No seguimento, foram, por via indutiva, identificadas e delimitadas as unidades naturais de significado referentes aos aspectos individuais da experiência e organizadas em códigos, utilizando neste processo, sempre que possível, a linguagem utilizada pelos informantes. Estas unidades de significado foram organizadas por abdução, numa primeira fase, em sub-temas e depois numa estrutura temática compreensiva. Por último, foi descrito o fenómeno, definindo-se o perfil constitutivo dos temas constituintes da sua estrutura, com referência à experiência vivida. A validade do estudo foi acautelada, ao longo de todo o trabalho, por um processo interactivo de análise e síntese entre o investigador e os peritos colaboradores. O estudo foi sendo orientado pelos pressupostos metodológicos inerentes à fenomenologia que é, assumidamente, um aspecto relevante da validade. Entrevistas posteriores com sujeitos a vivenciar, no mesmo contexto, um processo de doença idêntico corroboram os achados deste estudo.
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Figura 1: Processo de análise e validação da informação relativa ao “conforto-desconforto” vivido pelos doentes internados em serviços de clínica psiquiátrica.
Procedimentos Éticos
Antes do início da recolha de dados, o projecto de pesquisa foi aprovado pelas Comissões de Ética dos dois hospitais psiquiátricos referidos. Aos indivíduos que aceitaram participar na pesquisa solicitou-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, após terem sido apreciados os aspectos éticos inerentes ao processo. Foi dado a conhecer a natureza e os objectivos do estudo, bem como outra informação que lhes permitisse decidir acerca da sua participação. ANÁLISE DOS RESULTADOS A análise dos achados permitiu aceder a um esquema compreensivo (figura 2) organizado numa estrutura interactiva com cinco temas: a avaliação de si como ser em potencialidade; o encarceramento na doença; a liberdade para decidir em relação ao seu projecto de vida e ao processo de internamento; o internamento sofrido em oposição ao internamento necessário para escapar ao aprisionamento da doença. O desconforto parece ter subjacente a incapacidade percebida para “vir-a-ser”, e a liberdade perdida pelo processo de doença e pelo incómodo provocado pelo internamento. Assim, a pessoa reconhece-se como um ser em potencialidade que quer “vir-a-ser”, que quer realizar projectos, que tem necessidade de produzir trabalho, ter uma família e de ser autónoma para satisfazer os seus compromissos sociais, laborais e financeiros, pertencer a um espaço sociocultural onde se sinta compreendido e parte integrante, sendo capaz de lançar-se para a vida.
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E8: - Um emprego fixo. Não peço um bom emprego. Um emprego que me desse para comprar uma casa daqui a uns tempos. Uma família também; E5: - O futuro é que está a mexer... o presente, este ambiente, tenho levado com calma; o passado é para esquecer, já não existe; agora o futuro é que estou a encarar as coisas. E7: - Ter uma vida ... como os outros têm ...que não tenho possibilidades de ter, querer ser uma pessoa realizada na vida, não tenho essa possibilidade (...). Tenho que lançarme para a vida e seja o que Deus quiser. E11: Só tenho para dizer que estou aqui, há muito tempo, e eu não posso sustentar a família e estou a ver a minha vida a andar para trás, e a minha mãe é que tem que pagar tudo porque a minha mulher pediu (...) No seu projecto de vida a pessoa perspectiva um ambiente saudável, protector, seguro, onde não sofra o estigma de ser um doente mental, onde seja compreendido. O estigma ligado à doença mental é sentido como um obstáculo principal para a melhoria da qualidade de vida e para a inserção social e laboral. E11: Queria ir para outro ambiente - quando tiver alta, queria recomeçar noutro local onde não estivesse rotulado; E5: - Penso. Quando me for embora, penso. Queria ir para outro, outro ambiente, onde ninguém .... Fazer a minha vida particular do princípio, sem ter que dar confiança a ninguém, sem ter que pedir a a,b,c para me indicar o que é que eu devo fazer, que eu graças (...)
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Mas sente-se encarcerado na doença, percebendo as suas dificuldades e constrangimentos limitadores do desenvolvimento do projecto de vida e, para tal, é necessário melhorar a condição de saúde que lhe possibilite desenvolver esses projectos e lançar-se para a vida. E5: - Aquilo para mim não é ambiente, por isso é que eu farto-me de pensar como é que vai ser a minha saída daqui. Eu até, se quisesse ter pedido à Doutora, já me tinha ido embora, mas eu ainda não estou preparado para enfrentar ... essa situação. E7: (...) Só sei que vou para casa e depois se vê, da minha vida ...o que for... E3: (...) não tenho força, parece que estou a quebrar. O discurso destes doentes notifica um sentimento de solidão e abandono a que são, por vezes, lançados pelos entes queridos, reforçando este sentimento de aprisionamento e de incapacidade para se transcender. E5: Tenho uma filha com 20 anos. Não tenho ninguém, estou separado, não vejo a minha filha há dois anos e tal. Penso que não tenho ninguém, tenho que começar a minha vida de novo. E7: (...) a minha filha virou-me as costas. É triste viver assim, nesta solidão, mas Deus é grande. Este constrangimento e incapacidade para se transcender é, por vezes, equacionado numa única saída, o suicídio. O discurso de alguns doentes aponta-o como a única saída do aprisionamento sentido. E12: Tentei-me suicidar e graças a Deus que não me aleijei. Tentei a 2a vez, mas estava com a fotografia da minha filha na mão. Acabar com a minha vida só vai dar problemas e, um dia, ela perguntava pelo pai e diziam-lhe: o teu pai matouse. E tive que pedir ajuda. Mas, apesar desta percepção do Si doente e do sentimento de constrangimento, de impotência, de desconforto, sentem necessidade de se (re)construir para continuar a viver. Esta (re)construção tem inerente a assumpção de uma nova imagem de Si. O estado de conforto será atingido quando existir um equilíbrio entre a imagem de si e um projecto de vida adequado a essa imagem. O processo de transição, no sentido desse equilíbrio, pode ser facilitado com o internamento em serviços de clínica psiquiátrica. O internamento é, assim, percebido como uma necessidade, como um espaço de refúgio tranquilo e de libertação, onde são desenvolvidos afectos positivos com os pares, profissionais de saúde e família, fundamentais à recuperação. Os doentes valorizam a competência técnica e humana dos profissionais de saúde, sobressaindo a
capacidade de escuta e de aconselhamento como aspecto essencial à recuperação do estado de saúde. E1: Depois também a pessoa sente-se confortável porque está dentro de um sítio que está mais ou menos protegida, porque tem sempre alguém que se acontecer alguma coisa pode dar algum auxílio e pronto, é isso. E5: Este ambiente é confortável para mim (...) E16: (...) nós, com a medicação, para tomarmos os comprimidos baralhamos as horas, não sabemos se é de tarde ou de manhã e há um cuidado muito especial da parte dos enfermeiros para dar os comprimidos a horas. E7: Relativamente a lá fora encontrei um canto onde é um refúgio para mim, onde eu vivi um mês e meio com comer, com uma família, aqui nós todos. Lá fora, não tenho certas condições, principalmente nós estamos aqui para tratar-se. E8: (...) acho que nunca vamos chegar ao bemestar como conseguimo-lo aqui, conseguem-no com medicamentos, com medicação. (...) fico mais tranquilo, mais calmo, mais confortável comigo. E8: Aqui não tenho medo, mas em casa, agora há um fantasma que me diz: mete a corda ao pescoço. Mas é fraco, não é capaz de mostrar a cara. E18: (...) uma pessoa sente-se confortável com a ajuda que os médicos nos prestam, sente-se confortável com a actuação que eles dispensam e ajudam a minorar o sofrimento e sente-se confortável também com o auxílio dado pelo pessoal de enfermagem e sente-se confortável com a solidariedade dos colegas que estão aqui internados. Valorizam ainda as condições hoteleiras das instituições, reconhecendo-lhes esta qualidade. E11: Conforto, isto é bom, a comida é boa, as pessoas são sociáveis. (...) Confortável, a comida é boa, tomase o banhinho a horas, parece um hotel. A difícil remissão da doença reforça a percepção de aprisionamento na doença e a perda do sentido da vida. E7: Sinto-me ninguém. Sinto-me uma pessoa traída, sem vida, alegria para (...) por mais que eu tente, não tem sentido. Perdi o sentido de viver. Cada re-internamento reforça também a percepção da necessidade do internamento e do espaço de refúgio que este proporciona. E13: Estava no oito (serviço de psiquiatria cínica), estava a recuperar, mas indo para casa parecia que voltavam os sintomas, só por eu ter mudado de lugar. No oito sentia-
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me normal, mas indo para casa sentia um comportamento estranho (...).
sobre a própria vida porque foi um familiar próximo que decidiu, unilateralmente, o internamento hospitalar.
Mas, apesar do internamento ser percebido como um espaço de libertação e refúgio, como um bom invólucro afectivo onde recebem os cuidados essenciais, é, no entanto, um espaço onde experienciam desconforto e sofrimento, um lugar onde a liberdade é coarctada. Esta limitação prende-se com o cumprimento de regras instituídas, com a restrição da circulação no espaço físico dos serviços e com o transtorno inerente ao processo de internamento. No entanto, o discurso dos doentes orienta-se para a compreensão da existência destas regras, dada a necessidade de organização do tempo e do espaço dentro dos serviços.
E8: (...) senti-me enganado. Deram-me um comprimido e mandaram-me para aqui. Uma má situação foi quando no primeiro internamento que eu vim para aqui injectaram-me não sei o que era, não sei o nome do medicamento, fiquei parado, depois tentei fugir, depois apanharam-me e injectaram-me não sei o quê e eu fiquei a babar-me todo e não me consegui mexer.
E1: (...) nada. Quando temos acesso à cama, não temos acesso à sala, quando temos acesso à sala, não temos acesso à cama, e tirando algumas excepções muito raras, em que eles com facilidade desautorizam as duas coisas mas isso é mais à base de excepções. Ora, o que para doentes de psiquiatria é angustiante.
E1: Eu, por exemplo, uma coisa que me surpreendeu é que parece que ninguém assinou para eu ser internado, senão o médico. Para ser internado, alguém por mim, ou eu, tem de assinar o internamento. A minha esposa diz que não assinou nada, acho esquisito (...) o médico ter autoridade suficiente para me internar. Figura 2: Esquema compreensivo do “conforto-desconforto” vivido pelos doentes internados em serviços de clínica psiquiátrica.
E10: No primeiro dia não foi nada confortável. Sou a favor da liberdade e nesse dia senti-me presa, sufocada aqui dentro. Se abriam uma porta aqui fechavam outra ali. O desconforto está também relacionado com a necessária convivência diária com outros doentes mentais que é geradora de alguma desordem e agitação, dentro dos serviços, bem como com conflitos interpessoais e ainda, com a impossibilidade de contactar com o exterior e com os familiares. Aguardam, de forma angustiante, um telefonema que, muitas vezes, tarda em chegar. E6: As outras pessoas, é..., acho que há algumas, pronto, uma pessoa vê alguém a bater umas às outras e não gosta nem descansa um bocado mais a cabeça, mas tenho passado um tormento com ela, que eu sei lá... E2: Depois ela bate nas pessoas e depois aos pontapés, antes de ontem dei-lhe uma bofetada porque ela pôs-se a arrepelar-me os cabelos e a bater-me na cara (...) E1: Aqui nem acesso ao telefone nós temos, se eu quiser telefonar (...) Não obstante reconhecerem que o programa terapêutico é parte essencial do processo de tratamento e os liberta do aprisionamento da doença, o discurso aponta também para o desconforto que advém dos seus efeitos secundários. A questão da liberdade emerge também no que respeita ao processo de decisão relativo ao estar internado. Se as palavras de alguns doentes apontam no sentido de que a decisão do internamento foi livre e com o objectivo de melhorar o estado de saúde, apesar de todos os aspectos negativos inerentes ao processo, as de outros traduz uma incapacidade ou incerteza na decisão de ser ou estar internado. Nestes casos, sentem-se incapazes de decidir
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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A tensão entre a avaliação de si e das potencialidades enquanto ser-em-projecto, entre o constrangimento a que está sujeito e a liberdade para decidir, são aspectos fundamentais da vivência do doente internado em psiquiatria. Para lidar com este conflito, estes doentes têm que se consciencializar da doença, dar sentido ao internamento e ter acesso a recursos (o contexto terapêutico, os técnicos, os outros doentes, a família, os afectos e a sua competência percebida). A escolha parece ser um tema inerente a todo o processo. Para “vir-a-ser” é necessário escolher estar internado, pondo em causa a liberdade, experienciando o desconforto provocado pelo internamento. De facto, o homem está condenado a ser livre. Lança-se, enquanto projecto, em direcção ao futuro e, portanto, a consciência vive o seu projecto e procura incessantemente realizá-lo. É o projectar-se a si próprio e perder-se para lá de si próprio que faz o homem existir. Assim, o homem superase e é o centro dessa transcendência (Sartre, 1978; 2001).
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A existência é um acto de escolher ir na direcção de ser, na direcção daquilo que a pessoa elegeu como sendo o seu objectivo, o seu projecto. Existir é ir em direcção às escolhas individuais; é sair da prisão, da doença, e partir em direcção à autoconstrução da vida individual. Se a decisão de estar internado implica escolher, não estar internado é também uma escolha. A pessoa está condenada a ser livre e ser livre é ter a possibilidade de escolher (Sartre, 2001). Esta escolha é limitada porque o homem encontra-se sempre numa situação e só pode escolher dentro dela. A pessoa saudável pode escolher permanecer no seu contexto sociocultural, desenvolver as suas actividades laborais, movimentar-se no seio da sua rede social e familiar, mas quando afectado pela doença mental, em situação de crise, a decisão que lhe cabe pode ser escolher ser internada, mesmo que isso a prive da liberdade. Não pode escolher não ser internada porque não está na posse de recursos que lhe permitam a recuperação sem ajuda. É de facto essa ajuda, esses recursos, que reconhece estar ao seu alcance nos serviços de internamento psiquiátrico. As pessoas querem determinar as suas próprias metas, envolverem-se na sua própria vida, acreditar na capacidade própria para crescer e ter esperança. Estes são os ingredientes de natureza humana. Não nos devemos espantar, então, que as pessoas com doença mental queiram as mesmas coisas que a maioria das pessoas, tal como aceder a um trabalho significativo, um lugar decente para viver e a amizade dos outros (Anthony, 2004). De facto, a necessidade de realizar as próprias potencialidades é considerada por Jahoda (1958) como um critério de saúde mental. A incapacidade para sair do aprisionamento provocado pela doença pode levar os doentes a perspectivarem o suicídio como uma possibilidade de escolha. Os desejos suicidas podem ser encarados como uma expressão extrema do desejo de escapar, uma vez que o doente vê o seu futuro negativamente, não conseguindo visualizar uma forma de melhorar a sua situação, pelo que o suicídio, perante estas condições, parece ser uma solução razoável, prometedora de um fim para o seu sofrimento e o alívio da carga familiar. Quanto mais forte for o sofrimento, mais desesperado o doente se sentir, mais sem sentido a vida se torna, maior será o desejo de escapar desta vida, de escapar da sua existência e maior será a atracção pelo suicídio, uma vez que este parece ser uma alternativa (Beck, 1970). Schopenhauer (n. d.) reconhece que o suicídio não tem a ver com negação da vontade de viver, ao invés, ele confirma-a. A morte representa o verdadeiro objectivo da vida humana. O suicida deixa de existir porque não pode deixar de desejar, sendo incapaz de atingir o quietismo. Para que possa deixar de desejar e evitar sofrer, obriga-se a deixar de viver e, neste sentido, o suicídio não é a negação da vontade mas, pelo contrário uma forte confirmação da vontade.
A doença aprisiona e é fonte das limitações existenciais, dos projectos futuros de desconforto e de sofrimento. A pessoa sofre quando um obstáculo se opõe ao objectivo momentâneo da vontade, e, pelo contrário, o sucesso da vontade é aquilo que Schopenhauer (n. d.) reconhece como satisfação, bemestar e felicidade. Este aprisionamento parece ser a principal fonte do desconforto vivenciado. A avaliação de si, enquanto ser em projecto, a necessidade sentida de se reconstruir, de lançarse para a vida, de sair do aprisionamento são consonantes com a noção de conforto de Paterson e Zderad 1988 cit. in O’Connor (1993), e significam a capacidade e a liberdade de escolha para “vir-a-ser” (more-being ou become more) relacionada com o potencial de cada pessoa. É também consonante com uma dimensão do conforto de Kolcaba (1991; 2003), a transcendência, considerada como o estado no qual cada pessoa sente que tem competências ou potencial para planear, controlar o seu destino e resolver os seus problemas. O reconhecimento, por parte dos doentes, da necessidade de internamento, pelos cuidados a que podem aceder do ponto de vista técnico, mas sobretudo afectivo parece ser um factor de conforto social. A capacidade dos técnicos de saúde para comunicar (falar e escutar) é reconhecida por estes doentes como um factor de conforto. Morse (1983) considerou que o falar é um componente major e ouvir é um componente minor do processo do conforto e Paterson e Zderad 1988 cit. in O’Connor (1993) consideraram a capacidade de escuta como uma competência para a promoção do conforto. Os resultados deste estudo são ainda consonantes com os de Hamilton (1989), em que os doentes reconhecem os aspectos relacionais e os cuidados providenciados pelos elementos da equipa de saúde como fundamentais para alcançar o conforto. No estudo que desenvolvemos, o abandono e a solidão são referenciados como um factor de desconforto social. Nos serviços de psiquiatria em situações em que os doentes têm uma rede social de suporte pobre (Wells & Sherbourne, 1999), os enfermeiros podem ser a sua maior fonte de conforto social. Os enfermeiros e outros elementos da equipa podem aumentar o conforto social, promovendo e gerindo um ambiente acolhedor e o contacto com o exterior e interior do serviço de internamento. Este é um aspecto delicado no contexto de clínica psiquiátrica, uma vez que os elementos da família podem ser um factor de stresse que deve ser gerido pela equipa de saúde. No entanto, o estudo desenvolvido por Boydell, Gladston e Crawford (2002), onde foram entrevistados vinte e um doentes psiquiátricos, focando o sentido e a importância das relações interpessoais, revelou resultados paradoxais relativamente à necessidade de desenvolvimento de relações com os outros. Enquanto uns apontavam o esforço para se relacionarem afectivamente, outros referiam a necessidade de estar sós.
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A estigmatização parece ser um factor de desconforto social vivenciado por estes doentes. As raízes de estigmatização da pessoa com doença mental são complexas e embutidas em cada cultura. As pessoas estigmatizam os doentes mentais porque os consideram perigosos. Os raros, mas amplamente publicitados incidentes violentos associados com pacientes mentalmente doentes, fundamentam esse medo. Dificuldades de comunicação assumidas e a não produtividade social reforçam a tendência para discriminar o doente mental (Crisp et al. 2000; Rüsch, Angermeyer & Corrigan, 2005). O sentimento de discriminação parece provocar nas pessoas com doença mental vulnerabilidade, baixa auto-estima e diminuição do empowerment, ou seja, auto-estigma (Rüsch, et al. 2006).
Anthony, W. A. (2004). The principle of personhood: The field’s transcendent principle. Psychiatric Rehabilitation Journal, 27 (3), 205-205.
CONCLUSÕES
Hamilton, J. (1989). Comfort and the hospitalized chronically ill. Jounal of Gerontological Nursing, 15 (4), 28-33.
A realidade dos pacientes com doença mental é uma questão ontológica no sentido mais profundo. Os doentes mentais internados sentem-se constrangidos, impotentes, desconfortáveis, aprisionados na doença, necessitando de se reconstruir para continuar a viver percebendo que esta reconstrução pode ser feita através da hospitalização. O hospital é percebido como um refúgio e um espaço de liberdade, mas também é um lugar onde sentem que a liberdade está limitada, pelo sofrimento, pelo mal-estar e desconforto inerentes à hospitalização. O desconforto é também vivido pela perda da capacidade de decisão e de sentido, ou seja, relaciona-se com alterações da identidade pessoal, no sentido de controlo de si, das limitações existenciais e dos projectos futuros, mas é, essencialmente, provocado pelo aprisionamento na doença. Sentir-se confortável é sentir-se parte do mundo, capaz de fazer face às exigências da vida, de superar as fragilidades e incapacidades. Viver confortável é uma forma de existir, uma maneira de ser e de se encontrar na relação com os outros, consigo e com mundo. É viver ligado ao mundo. Estar internado num serviço de clínica psiquiátrica pode ser vivido como uma experiência positiva onde o contexto terapêutico é encarado como um ambiente protector e renovador dos afectos e da condição física ou, pelo contrário, como uma perda de autonomia e da decisão para gerir a própria vida. O doente psiquiátrico sente-se confortável quando não percepciona que o seu projecto de vida está posto em causa, quando deixa de se sentir constrangido, impotente, aprisionado na doença e é capaz de aliviar o seu sofrimento.
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Boydell, K. M., Gladstone, B. M., & Crawford, E. S. (2002). The dialectic of friendship for people with psychiatric disabilities. Psychiatric Rehabilitation Journal, 26 (2), 123131. Cordón, J. & Martinez, T. (1998). História da filosofia (Vol. 3). Lisboa: Edições 70. Crisp, A. H., Gelder, M. G., Rix, S., Meltzer, H. I., & Rowlands, O. J. (2000). Stigmatisation of people with mental illnesses. British Journal of Psychiatry, 177, 4-7.
Jahoda, M. (1958). Current concepts of positive mental health. New York: Basic Books. Morse, J. M. (1983). An ethnoscientific analysis of comfort: A preliminary investigation. Nursing Papers, 15 (1), 6-20. Kolcaba, K. Y. (1991). A taxonomic structure for the concept comfort. Image, 23 (4), 237-240. Kolcaba, K. Y. (2003). Comfort theory and practice. A vision for holistic health care and research. New York: Springer. Loureiro, L. (2002). Orientações teórico-metodológicas para aplicação do método fenomenológico na investigação em enfermagem. Referência, 8, 5-16. Lyotard, J. F. (1999). A fenomenologia. Lisboa: Edições 70. Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção (2ª ed.). São Paulo: Martins Fontes. O’Connor, N. (1993). Paterson e Zderad: Humanistic nursing theory. Newbury Park: Sage. Rüsch, N., Angermeyer, M. C., & Corrigan, P. W. (2005). Mental illness stigma: concepts, consequences, and initiatives to reduce stigma. European Psychiatry, 20 (8), 529-539.
Agradecimentos: Ao Exmº Srº Professor Manuel Gameiro pela ajuda preciosa na análise e síntese dos achados.
Rüsch, N., Lieb, K., Bohus, M., & Corrigan, P. W. (2006). Self-stigma, empowerment, and perceived legitimacy of discrimination among women with mental illness. Psychiatric Services, 57 (3), 399-402.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Beck, A. T. (1970). Depression. Causes and treatment. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
Sartre, J. P. (2001). O ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica (9ª ed). Petrópolis: Editora Vozes.
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Schopenhauer, A. (n.d.). O mundo como vontade e representação (M. F. S. Correia, Trad.). Porto: Rés-Editora. Wells, K. B. & Sherbourne, C. D. (1999). Functioning and utility for current health of patients with depression or chronic medical conditions in managed, primary care practices. Archives of General Psychiatry, 56 (10), 897-904.
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4 Acompanhamento terapêutico: Um relato de experiência Márcia Shiguemi Yaegashi1; Sônia Maria Alves de Paiva 2; Cristiane Aparecida Silveira 3
RESUMO O Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma modalidade de tratamento que tem sido utilizada pelos profissionais de saúde como forma de reconstruir identidades, integrar pessoas, reduzir a ansiedade e proporcionar a construção da autoestima. Nesse tipo de abordagem, o Enfermeiro poderá actuar principalmente como modelo e estímulo para o paciente. O objectivo da pesquisa foi desenvolver a actividade de AT com um paciente que freqüenta o CAPS II, de um município do interior de Minas Gerais. O estudo tratou-se de um relato de experiência e fez parte do Fundo de Incentivo à Pesquisa. Foi desenvolvido em três etapas. Na primeira etapa, realizou-se um estudo sobre o papel do AT, aspectos práticos do trabalho do AT, Ética e AT; técnicas comportamentais, transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade, transtornos alimentares, depressão, psicoses; e noções básicas de psicofarmacologia, visando à capacitação para a função de AT. A segunda etapa consistiu na actividade prática, sendo a investigadora inserida em campo, para a observação do ambiente e para conhecer e selecionar os usuários. A terceira etapa constituiu-se a partir do desenvolvimento da actividade de AT. Como resultado, obteve-se a melhoria no relacionamento social e familiar da paciente, maior autoconfiança e iniciativa para tomar decisões, em relação ao seu tratamento e maior confiança no futuro. Como conclusão, constatou-se a importância do AT como um meio eficaz de incluir socialmente o portador de doença mental na comunidade, e a necessidade dos Enfermeiros se capacitarem para implementarem o AT, como uma estratégia de atendimento de enfermagem e de ampliar o seu papel profissional. PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem Psiquiátrica; Acompanhamento Terapêutico ABSTRACT The Therapeutic Caregiver (TC) is a treatment modality that health professionals have used to rebuild identities, integrate people, reduce anxiety, and develop self-esteem. By using this approach, nurses are able to work mainly as a role model and encourage patients. The objective of this study was to develop the TC practice with a patient who attended
the Psychosocial Care Center II (CAPS II; abbreviation in Portuguese) located in a municipality in the state of Minas Gerais. This study is an experience report and is part of the Fund for Research Incentives (Fundo de Incentivo à Pesquisa), and consisted of three stages. The first stage was performed with a view to train individuals for TC activities. Therefore, a study was performed on the following issues: TC roles; practical aspects of TC work; ethics and TC; behavioral techniques; psychiatric disorders, including anxiety, eating disorders, depression, psychotic disorders; and basic psychopharmacology. The second stage consisted of practical activities. At the studied location, the student observed the environment to get to know the service users and select a patient. The third stage consisted of developing the TC activity. As a result, there were improvements to the patient’s social and family relationships, improved selfconfidence and initiatives to make decisions, and greater confidence regarding the future and the treatment. It was found that the TC is important as an efficient means of including the mental disorder patient in the community, and there is a need for nurses to be trained for implementing TC practice as a nursing service strategy and as a way to broaden their professional role. KEYWORDS: Psychiatric Nursing; Caregiver INTRODUÇÃO O acompanhamento terapêutico (AT) é uma modalidade de tratamento que tem sido utilizada pelos profissionais de saúde como forma de reconstruir identidades, integrar pessoas, reduzir a ansiedade e proporcionar a construção de autoestima. Nesse tipo de abordagem, o Enfermeiro poderá actuar principalmente como modelo e estímulo para o paciente (Andrade & Pedrão, 2005). Desse modo, o AT contribui para a inclusão dos trabalhadores de enfermagem como agentes terapêuticos nos serviços de saúde mental, favorecendo o deslocamento da posição de vigias e repressores que os mesmos tinham no modelo manicomial, na medida em que trouxe a possibilidade desses profissionais oferecerem uma atenção mais singular ao portador de doença mental.
Acadêmica do 9º Período do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC Minas, marcia.shiguemi@gmail.com Profª. Drª. Orientadora do TCC do Curso de Graduação em Enfermagem da PUC Minas, paiva@pucpcaldas.br 3 Profª Drª. Coordenadora do Curso de Graduação de Enfermagem da PUC Minas, ristiane@pucpcaldas.br Recebido em 08/2009. Aceite em 10/2009. 1 2
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A manutenção do indivíduo no seu trabalho proporciona muitos benefícios, como aumento da autoestima, ganhos econômicos, interação com colegas de trabalho e com a comunidade onde vive e, sem dúvida, evita recaídas, agudização do quadro e reinternamentos (Furegato, 2006). De acordo com Andrade & Pedrão (2005), o Enfermeiro está cada vez mais actuante e consciente do seu novo papel, e tem a condição de explorar diversas modalidades terapêuticas no desempenho da sua actividade profissional, colocando em prática alternativas de atenção ao doente, para que mantenham o exercício da sua autonomia e cidadania. Essas alternativas fazem com que o tratamento oferecido ao paciente seja menos sacrificante e mais prazeroso, podendo até mesmo reduzir o tempo de internamento hospitalar, caso se faça necessário. Ainda segundo os autores, um planeamento sobre a actividade de AT para ser realizado deve ser muito bem estruturado, pensando sempre no ambiente e nos recursos, materiais e humanos necessários. Qualquer actividade proposta deve ser pertinente à realidade do local escolhido, e pode ser adaptada para ser realizada tanto em unidades de assistência fechadas, como em hospitais, e em abertas, como nos Hospitais Dia (HDs), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), e Ambulatórios de Saúde Mental. Relatam que as actividades devem agradar aos pacientes e não apenas ao Enfermeiro, que deve adoptar uma posição mais democrática, deixando o paciente escolher as actividades que deseja e necessita realizar. O profissional deve repensar a sua prática e as suas atitudes, avaliando constantemente o que está sendo feito e proposto, pois não adianta utilizar uma alternativa de actuação se essa não fizer sentido aos usuários, ou se a sua acção ainda reproduzir as práticas tradicionais e cristalizadoras de assistência. Justificação do Estudo: Considerando-se os novos paradigmas de assistência de enfermagem no campo de saúde mental, o estudo pareceu-nos pertinente para ampliar o conhecimento sobre a prática do AT pelos profissionais de enfermagem. Este trabalho justifica-se na medida em que tenta estimular os Enfermeiros da área de saúde mental a utilizar actividades não tradicionais, as quais possam complementar e melhorar a assistência já prestada ao portador de doença mental. Objectivo Geral: Realizar uma pesquisa sobre o acompanhamento terapêutico como dispositivocomplementar de intervenções terapêuticas, no contexto das práticas em saúde mental. Objectivo Específico: Desenvolver a actividade de AT com pacientes que freqüentam o CAPS II de um município do interior de Minas Gerais.
METODOLOGIA A pesquisa refere-se a um relato de experiência que envolve a observação sistemática da realidade, sem o objetivo de testar hipóteses, mas com o estabelecimento de correlações entre achados dessa realidade e as bases teóricas pertinentes (Dyniewicz, 2004, p.117). A pesquisa realizada fez parte do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP), através do qual uma das investigadoras foi bolseira no período de 2007 à 2008; a outra participou como voluntária do trabalho. O estudo foi desenvolvido no CAPS II num município do interior de Minas Gerais, com uma equipe composta por: 2 (dois) Médicos Psiquiatras, 2 (dois) Psicólogos, 1 (uma) Terapeuta Ocupacional, 1 (uma) Enfermeira, 2 (duas) Técnicas de Enfermagem, 1 (uma) Secretária, 2 (duas) Ajudantes de Serviços Gerais e 1 (uma) Cozinheira. A pesquisa teve início após a aprovação do Comitê de Ética da PUC Minas, da equipe do CAPS II, e da paciente, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após os esclarecimentos sobre o objetivo da pesquisa e sigilo das informações. Inicialmente realizou-se um estudo sobre: o papel do AT, aspectos práticos do trabalho do AT, Ética e AT, técnicas comportamentais, transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade, transtornos alimentares, depressão, psicoses, e noções básicas de psicofarmacologia, visando à capacitação para a função de AT. Foram realizadas 17 (dezessete) reuniões com supervisão do docente responsável pelo projeto, para nortear o estudo através de revisão bibliográfica e planeamentos das actividades. Após esse período, a investigadora bolseira permaneceu no CAPS II durante 15 (quinze) dias para realizar a observação do ambiente, das actividades e dos usuários. Neste período foi feita a monitorização através de reuniões com a equipe do CAPS II para orientações e troca de informações. O período de permanência no CAPS II foi importante para a familiarização do ambiente, para estabelecimento de vínculos com os usuários, visando facilitar a selecção do participante do estudo, e ocorreu diariamente no período da manhã, acompanhando o trabalho da equipe. A escolha da paciente para participar da pesquisa foi realizada juntamente com a equipe, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão consideraram-se as condições clínicas e psíquicas favoráveis para a atividade de AT, ou seja, paciente consciente, orientada, sem riscos de agressividade, que mantivesse assiduidade no CAPS II, bom nível de compreensão e interesse em participar da pesquisa.
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Como critérios de exclusão foram considerados pacientes em crise psicótica, agressivos, que apresentassem algum risco, que não mantinham assiduidade no serviço ou que não aceitaram participar da pesquisa. A actividade de AT ocorreu de 16 de junho a 21 de julho de 2008, duas vezes por semana e em períodos alternados (manhã, tarde e noite), dependendo da actividade proposta. As actividades eram planeadas previamente com a paciente participante e com a equipe do CAPS II. Semanalmente, foram realizadas encontros das investigadoras com a orientadora, para orientação e solução de dúvidas que surgiram durante o desenvolvimento do projecto da actividade de AT, e do projecto. RELATO DA EXPERIÊNCIA Para ser mantido o sigilo da identidade da paciente, foi-lhe atribuído o nome fictício de Margarida. As informações complementares sobre a história da paciente foram obtidas no, processo clínico onde se constatou que era portadora de esquizofrenia (F-29), de acordo com o (CID10) Classificação Internacional de Doenças (1993), e teve 5 (cinco) internamentos, uma delas por tentativa de suicídio. A paciente tinha 51 anos de idade, era mãe de 2 (duas) filhas e estava em processo de divórcio. Fazia uso diário dos medicamentos: haloperidol de 5 mg, maleato de levomepromazina de 100mg, diazepam de 10mg, prometazina e carbamazepina de 200mg. Na entrevista, relatou que morava sozinha, mantinha poucas relações sociais, recebia benefício do INSS, e que uma das suas dificuldades era administrar a sua renda, gerando constantes conflitos familiares, principalmente com as filhas, devido a pedidos constantes de auxílio financeiro. Baseado nos dados recolhidos foi elaborado um Programa de Acompanhamento Terapêutico para a paciente, junto com a equipe multiprofissional do CAPS II. O Programa foi apresentado à paciente, que aceitou participar do estudo. As actividades foram programadas junto com a paciente e com a participação da equipe, de acordo com as suas necessidades e opções. Os encontros tinham objectivos previamente estabelecidos para cada actividade, com uma frequência de duas vezes por semana. No primeiro encontro, a paciente relatou que gostaria de
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conhecer o shopping local, que foi inaugurado há três anos, e que ela não conhecia, por vergonha e medo de seu comportamento. Como também iria ocorrer uma festa junina no CAPS II, prontificou-se em pedir prendas no supermercado do shopping. O objectivo dessa actividade foi estimular a interacção social e observar o comportamento compulsivo com relação aos recursos financeiros. O segundo encontro ocorreu para acompanhar a paciente a um supermercado. Foi combinado com a mesma de listar no dia anterior os suprimentos necessários e durante a actividade, esta realizou as compras dentro das expectativas do orçamento programado. Também foi organizada juntamente com ela uma caixa com cinco potes etiquetados, sendo um para o aluguer da água e luz; um para contas a pagar; um para o almoço no Restaurante Popular e um para o lazer; para que ela pudesse distribuir e controlar os seus gastos mensais e o que sobrasse, seria colocado no pote da poupança. Foi adoptado ainda um caderno para controle diário dos gastos. No terceiro encontro a paciente escolheu como actividade de lazer ir ao cinema, actividade essa que não fazia há 15 (quinze) anos. Esse acompanhamento teve como objectivo, além da proposta de interacção social, estimulá-la a fazer escolhas individuais, como escolher aonde ir e o filme que gostaria de assistir. Além disso, foi oportuno para orientá-la sobre a maneira de comportar-se na sala, o tom de voz, e que os comentários do filme deveriam ser feitos após a sessão. O quarto encontro foi para acompanhá-la em consulta na Unidade Básica de Saúde, e após, almoçar no Restaurante Popular. Essa actividade tinha como objectivo incentivá-la a preocuparse com a sua saúde, controlar sua pressão arterial, estimular o interesse na obtenção de informações sobre o seu tratamento, pois ela mostrava-se alheia a essas orientações, e havia parado de tomar parte dos medicamentos para controlar a pressão arterial. Ao chegar ao restaurante, ela solicitou o ticket, e só então deu-se conta que não havia levado o dinheiro. Comentou que essa situação já havia ocorrido outras vezes e que havia sido muito constrangedor, pois ela comia antes e, ao pagar a conta, percebia que estava sem dinheiro. Dessa forma, ela foi orientada a fazer a programação para sair de casa e levar o dinheiro na quantia necessária para aquela actividade.
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No quinto encontro foi realizado o acompanhamento da paciente ao laboratório de análises clínicas e Unidade Básica de Saúde. A paciente mostrou-se ainda pouco interessada em obter informações sobre os exames e datas de entrega. Foi novamente apontado o seu desinteresse em relação à sua saúde. Também se aproveitou a oportunidade para orientála quanto aos cuidados que ela deveria ter na travessia das ruas, atravessando-a mais prudentemente, sempre pela faixa de pedestres. No sexto encontro a paciente foi acompanhada até o Mercado Municipal para compra de frutas. Comportou-se adequadamente, atentando para os recursos financeiros que tinha disponíveis, pesquisou os preços e a qualidade dos produtos. Nesse encontro, a paciente foi lembrada que esse seria o último, conforme combinado no início da proposta do AT. Na semana seguinte, a investigadora compareceu ao CAPS II para avaliar os resultados do acompanhamento terapêutico com a paciente e equipe. Na avaliação da paciente, ela referiu que foi muito importante, porque ajudou a reaproximar-se dos familiares, o convívio com as filhas melhorou, e também o relacionamento com os comerciantes vizinhos da sua residência, porque antes gastava além das suas posses e ficava devendo-lhes, ocasionando conflitos com os mesmos. Relatou estar sentindo-se menos ansiosa, o que contribuiu para diminuir o consumo de cigarros diários, que estava feliz porque havia recebido elogios da equipe do CAPS, dos vizinhos e da própria família. Demonstrou sentir-se mais confiante quanto ao tratamento.
através da ampliação do relacionamento interpessoal e da área de circulação. Com a experiência do AT pelas investigadoras, constatou-se que o acompanhamento possibilitou à paciente frequentar os espaços sociais e explorar outras dimensões de sua vida e adquirir uma maior autonomia. Estimulou sua capacidade criativa e actuou como facilitadora na resolução dos conflitos da paciente com os familiares. O relacionamento social ampliou- se, adquiriu maior autoconfiança e maior iniciativa para tomar decisões e escolher as melhores opções referentes a situações diversas de seu quotidiano, elevando a sua autoestima e adesão ao tratamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, R. L. P. & Pedrão, L. J. (2005). Algumas considerações sobre a utilização de modalidades terapêuticas não tradicionais pelo enfermeiro na assistência de enfermagem psiquiátrica. Revista Latino-Americana de Enfermagem, (13)5, 737-742. CID-10 (1993). Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Editora Artmed. Dyniewicz, A. (2004). M. Metodologia da pesquisa em saúde para iniciantes. São Caetano do Sul: Difusão Editora. Furegato, A. R. F. (2006). Resenha de acompanhante terapêutico: a construção de uma estratégia clínica. Psychê, (18), 183-184.
Na opinião da equipe, a paciente teve um ganho significativo, apesar dos poucos encontros. A maioria da equipe referiu que apesar do conhecimento teórico sobre o AT, não tinham vivência na prática, e tiveram uma confirmação de que a actividade é eficaz, traz uma resposta rápida, melhora a adesão do paciente ao tratamento e inclusive na frequência do CAPS. CONCLUSÃO Os dados obtidos demonstraram que o trabalho do Acompanhamento Terapêutico é um procedimento que tem grande eficácia no auxílio das pessoas portadoras de doença mental que apresentam dificuldades de relacionamento e convívio social, uma vez que, ao trabalhar as mais variadas situações da vida diária, proporciona a descoberta de novas oportunidades de inserção social,
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5 Mobbing: Um fenómeno da actualidade Eva Carla Cunha Costa Gonçalves Salgado1; Ana Elisa Coelho Freitas Ferreira Pedrosa 2; Ana Filipa Anjos Pereira 3; Inês Marques Duarte4 ; Marta Isabel Lopes Silva 5
RESUMO O Mobbing é um termo ainda pouco conhecido na sociedade portuguesa porém, tem recebido, nos últimos anos, uma crescente atenção na Europa sendo a sua principal consequência, segundo vários autores, desgaste físico e emocional do trabalhador. Este artigo foi elaborado com o principal objectivo de explorar, mais aprofundadamente, o tema em questão, de modo a contribuir para uma sociedade mais informada e mais capaz de dar resposta a este tipo de problema. O Mobbing pode ser encarado como uma patologia do trabalho, na medida em que tem o potencial de contribuir para muitas desordens nesse contexto. Não se sabe ao certo, quantas vítimas de Mobbing desenvolvem problemas de saúde, porém, sabe-se que existe uma influência da duração e intensidade dos agentes stressores. A personalidade da vítima pode assumir um papel protector ou favorecedor do desenvolvimento dos distúrbios. Os sintomas que advêm deste tipo de comportamento podem considerar-se psicopatológicos, psicossomáticos e comportamentais. O foco principal da profissão de Enfermagem caracterizase pelo estabelecimento de relações interpessoais perspectivando a contribuição para uma prestação de cuidados de excelência. Constatámos a existência de inúmeros factores, relacionados com o desenvolvimento da profissão de enfermagem, que podem conduzir ao Mobbing. Após análise exaustiva da informação consultada constatamos que este fenómeno emerge repentinamente, podendo afectar qualquer pessoa em qualquer altura da vida profissional. PALAVRAS-CHAVE: Mobbing; Enfermagem; Bem-estar. ABSTRACT Mobbing is a less known term in Portuguese society, as of lately, however, it has been increasingly drawing attention in Europe. Being its main effect, according to several authors, both the physical and emotional depletion physical of the
worker. This article was written with the main purpose of researching this subject in order to contribute to a more informed and capable society in addressing this problem. Mobbing can be viewed as labor pathology, in a way that it has the potential to cause or contribute to several disorders on this context. It is not known, for sure, how many Mobbing victims develop other health problems; it is known, however, as an influence on the duration and intensity of the stressing agents. The personality of the victim can have a protecting or disrupting role in the development of the disorders. The symptoms that can be observed from this behavior can be considered as psychopathological, psychosomatic and behavioral. The main focus of nursing is characterized by the establishment of interpersonal relationships with the goal of contributing to the excellence of caretaking. We have ascertained the existence of innumerable factors, related to the development of the profession of nursing, which can lead to Mobbing. After a thorough analysis of the acquired information and as we were deepening the knowledge on this subject we realized that this phenomenon emerges suddenly and may affect any person at any time of his/her professional life. KEYWORDS: Mobbing; Nursing; Well-Being INTRODUÇÃO A revisão de literatura, na busca incessante de conhecimento contribui para a investigação que tem vindo a assumir um papel cada vez mais importante na vida do homem. Existe em cada um de nós uma vontade e necessidade intrínseca de adquirir ou reformular novos conhecimentos, que nos permitam encontrar respostas capazes de atender às exigências da sociedade moderna. Sendo o Mobbing um assunto tão discutido noutros países e, tendo este sido abordado pela primeira vez em 1984 na Suécia por Heinz Leymann (Carvalho, 2006), verifica-se que, passados 25 anos, este tema se encontra fortemente camuflado no campo da Enfermagem em Portugal.
Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave (ESSVA) do Instituto Politécnico da Saúde do Norte (IPSN), ecgsalgado@yahoo.com Licenciada em Enfermagem pela ESSVA - IPSN, ana_pedrosa_4@hotmail.com 3 Licenciada em Enfermagem pela ESSVA - IPSN, anafilipaanjos@portugalmail.pt 4 Licenciada em Enfermagem pela ESSVA - IPSN, nesita_nesita@hotmail.com 5 Licenciada em Enfermagem pela ESSVA - IPSN, martinha_fcp1@hotmail.com Recebido em 07/2009. Aceite em 11/2009. 1 2
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Para Leymann (1996) in Sá (2007), o Mobbing é definido como “uma forma de terrorismo psicológico que implica uma atitude hostil e desprovida de ética praticada de forma sistemática – e não ocasional ou episódica - por parte de uma ou mais pessoas... a um individuo que acaba por se encontrar numa situação indefesa e tornar-se objecto de uma série de iniciativas vexatórias e persecutórias”. Considerando o nosso interesse e motivação pelo tema e, na tentativa de delinearmos o campo de pesquisa para revisão de literatura efectuada, definimos os seguintes objectivos: conceder visibilidade ao tema; conhecer o avanço da investigação no domínio do Mobbing; enriquecer o campo de conhecimento sobre Mobbing e reflectir sobre a prática do Mobbing. O tema poderia ser abordado segundo perspectivas distintas, contudo, neste artigo constam aspectos que, no nosso entender, são os mais pertinentes e que sustentam, da melhor forma, o conceito em desenvolvimento enquadrandoo no âmbito da Enfermagem enquanto profissão. MOBBING: OS FUNDAMENTOS Debruçando-nos sobre os aspectos conceptuais do Mobbing, o assédio moral, também conhecido como Bullying, Psychological Harassment, Emotional Abuse, Bossing, Victimization, Psychological Violence, Harcèlement Moral, Harcèlement Psychologique, Acosso Moral, entre outros, é um fenómeno que vem crescendo em todo o mundo. O conceito de Mobbing, deriva do verbo inglês to mob, ao qual em português lhe é atribuído o significado de atacar, maltratar alguém, rodear, cercar e tumultuar e amotinar. Por sua vez, e atendendo ao subjectivo mob, significa multidão. Em 1984, surge a primeira publicação onde é empregue o conceito de Mobbing. Neste contexto, Leymann (1984) in Carvalho (2006), utiliza a palavra Mobbing para descrever “um comportamento hostil e imoral praticado directamente de forma sistemática por um ou mais indivíduos contra outro indivíduo que acaba por se encontrar numa posição indefesa” (p.40). Verificámos, pela revisão bibliográfica, que a última definição de Mobbing, foi referida por Hirigoyen (2002) e Pereira (2004) in Peixoto e Pereira (2005), definindo o mesmo como “qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em perigo o seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho” (p.135). O Mobbing caracteriza-se pela adopção de estratégias, por parte de alguém, com a finalidade de provocar um desgaste emocional constante no seu trabalho e, consequentemente,
tornar a vida de uma pessoa impossível. Assim, distinguemse diferentes formas de apresentação do Mobbing sendo: o Mobbing Vertical Descendente (quando o mesmo é praticado por um superior hierárquico em relação ao seu subordinado); Vertical Ascendente (quando é praticado por um subordinado em relação a um superior); e, por último, Horizontal (quando é praticado entre trabalhadores – colegas) (Guedes, 2003; Hirigoyen, 2002; Leymann, 1996; Luna, 2003 in Carvalho 2007). O que constatamos de comum em todos os conceitos é a necessidade da repetição e prolongamento do comportamento hostil praticado através de gestos e atitudes. O assédio moral não é considerado um desentendimento eventual que pode ocorrer em qualquer contexto de trabalho, mas sim, a presença de um conjunto de condutas indesejáveis e desprovidas de ética, para com o trabalhador, que se manifestam na evidente intenção do assediador prejudicar deliberadamente o assediado ao longo do tempo. Durante a análise dos diferentes conceitos constatamos que não é necessário que o profissional assediado seja desleixado ou que tenha deixado de cumprir as suas obrigações, bastando unicamente que o assediador não simpatize com o assediado por qualquer razão e assim, se consolida o Mobbing. Assim, achamos pertinente abordar agora as implicações do Mobbing na saúde dos trabalhadores, uma vez que, o reconhecimento do papel do trabalho na determinação e evolução do processo de doença dos trabalhadores tem implicações éticas, técnicas e legais que se reflectem sobre a organização e principalmente sobre a vida do trabalhador. O Mobbing, assume-se como uma doença profissional que resulta de um processo que deriva, directamente, das condições de trabalho, das características do próprio trabalhador e das relações interpessoais, causando incapacidade para o exercício da profissão. Segundo o IV inquérito europeu sobre condições de trabalho realizado, em 2005, pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, in Uva (2007), a importância do assédio moral é considerável e configura características que se podem resumir da seguinte forma: • 5% (1 em cada 20) dos trabalhadores europeus referem ter sofrido exposição a violência ou ameaças de violência nos últimos 12 meses; • As mulheres são mais atingidas (6%) que os homens (4%); • Existem grandes variações entre os diversos países da União Europeia: 17% na Finlândia; 12% na Holanda e 2% em Itália ou na Bulgária; • Portugal tem um nível inferior à média comunitária, mas mais elevado, por exemplo, que a Itália ou a nossa vizinha Espanha; • Os sectores da Saúde e da Segurança Social (15,2%) são os mais afectados e os profissionais de saúde (15,3%)
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e os serviços de protecção (14,5%) os trabalhadores mais atingidos; • Os maiores níveis de assédio moral observam-se em empresas de grande dimensão, com 250 ou mais trabalhadores; • 40% dos inquiridos que referem assédio moral dizem-se afectados por seis ou mais sintomas dos dezassete propostos (contra 15% da totalidade dos inquiridos); • Globalmente o sector público é mais atingido: 6% dos trabalhadores europeus refere já ter sido alvo de assédio moral no trabalho, enquanto essa percentagem é de 4% no sector privado. A profissão de Enfermagem engloba, na sua prática, uma diversidade de interacções sociais que expõem os enfermeiros a constantes alterações no seu meio de trabalho. A auto-estima e a auto-confiança alteradas são, muitas vezes, o início da predisposição para o processo de Mobbing que se manifesta através de sintomatologia quer somática, quer psicológica. Não há uma definição única de assédio moral no trabalho acordada mundialmente. Diferentes autores vêm contribuindo para a cristalização de um conceito, ainda não estabilizado. Nesta perspectiva, diferentes autores apresentam diferentes conotações, sejam estas influenciadas pela relação chefe e subordinado, bem como, a nível organizacional e os seus propósitos de admissão. Parreira (2003), afirma que as situações mais frequentes de assédio moral no trabalho, assim como as circunstâncias que as propiciam, podem ser resumidas em quatro aspectos primordiais: 1) A necessidade de impor uma lógica com a finalidade de marginalização de uma pessoa que se destaca do grupo; 2) A inveja, o ciúme e a rivalidade entre os diversos trabalhadores, influenciado pelos patamares hierárquicos que pretendem atingir, gerados pela forte necessidade de competição; 3) O medo caracterizado como o motor básico do assédio moral em termos psicológicos, uma vez que o assediador identifica o assediado como um perigo real ou imaginário encarando-o como um inimigo a abater; 4) Por último a existência de certas regras, muitas vezes ocultas e ilícitas, que provocam o destaque de certos trabalhadores que não as pretendem cumprir no rigoroso respeito da lei. Por outro lado, e de acordo com Zapf e Cross (2001) in Guimarães e Rimoli (2006), o Mobbing é um grande causador do stress social, sendo as causas do mesmo impróprias e com carácter multicausal. O Mobbing, conceito em desenvolvimento, é uma prática
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reiterada, constante e regular, concretizado, algumas vezes, através de agressões pontuais e diversificadas. Segundo Leymann (1996) in Pedroso et al. (2006), o Mobbing causa efeitos diversos e a vários níveis: individuo, organização e sociedade. A sociedade é afectada devido aos elevados custos que tem de suportar com hospitalizações, medicamentos, faltas por doença originada no meio laboral e incapacidades (permanentes ou periódicas) para o trabalho. Pode, também, surgir a perda de recursos humanos válidos, na fase em que são mais produtivos, que deixam de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Nas organizações podem surgir dois tipos de custos como resultado do Mobbing: os que resultam das consequências que afectam os trabalhadores assediados com custos pelo absentismo, faltas por doenças prolongadas, baixa produtividade, entre outros; e os custos acrescidos pela necessidade de melhorar o ambiente de trabalho pela falta de motivação do pessoal com consequente diminuição da produtividade. Nos indivíduos, segundo Hirigoyen (2002) in Pedroso et al. (2006), o Mobbing tem consequências físicas e psicológicas com sintomas semelhantes aos do stress, da ansiedade, da depressão e ainda perturbações psicossomáticas. Os sintomas contextualizam-se no âmbito psicopatológico, psicossomático e comportamental: Sintomas psicopatológicos: ansiedade, apatia, reacções de esquiva, problemas de concentração, humor deprimido, reacções de medo, insónia, insegurança, irritabilidade, pesadelos recorrentes, falta de iniciativa, melancolia, labilidade afectiva, crises de choro (ocorre com mais frequência nas mulheres), ideias suicidas, entre outros. Sintomas psicossomáticos: hipertensão arterial, palpitações, dermatites, alopécia, cefaleias, dores musculares e articulares, taquicardia, distúrbios gastrointestinais. Sintomas comportamentais: reacções de auto e heteroagressividade, distúrbios alimentares, isolamento social, aumento do consumo de álcool e drogas. No nosso entender, o que na realidade distingue o assédio moral das outras formas de sofrimento no trabalho é, sobretudo, o predomínio da vergonha e da humilhação, a par de uma ausência de ódio face ao agressor; as vítimas só querem ser reabilitadas e recuperar a sua honra escarnecida, sentem vontade de se esconder e de se retirar do mundo do trabalho.
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PREVENÇÃO DO MOBBING Emerge a necessidade de prevenção neste tipo de comportamento. Segundo a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (2002), a prevenção do assédio moral é fundamental para melhorar a vida profissional dos trabalhadores e evitar a exclusão social e desemprego. Assim, é fundamental o estabelecimento de planos preventivos de informação e formação para prevenir situações mais problemáticas. Prevenir a violência no trabalho e identificar as causas que lhe estão subjacentes torna-se fundamental. Nesta perspectiva, a natureza das relações entre várias pessoas e o contexto organizacional são identificadas como factores determinantes do aumento da probabilidade de ocorrência da violência no ambiente de trabalho. Para a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (2002), existem medidas que podem melhorar o ambiente psicossocial do trabalho: permitir a cada trabalhador a possibilidade de escolher a forma de realizar o seu trabalho; reduzir a quantidade de trabalho monótono e repetitivo; aumentar a informação sobre os objectivos organizacionais; desenvolver o estilo de liderança empresarial e evitar a falta de clareza na especificação de funções e tarefas. A organização do trabalho delimita um primeiro eixo estratégico para a abordagem do Mobbing: o estabelecimento de planos preventivos, tanto de informação e formação como de implementação. Estes protocolos permitiriam orientar a abordagem através de medidas de: 1) Criação de uma cultura organizacional que minimize e evite o Mobbing; 2) Gestão de estilos de liderança e gestão do conflito e de liderança participativos; 3) Criação de instrumentos de comunicação formal do problema na organização; 4) Produção de indicadores que circunscrevam a situação com relação ao assédio moral, como acontece relativamente aos acidentes de trabalho. O planeamento de estratégias para a avaliação dos riscos psicossociais e organizacionais revela-se uma medida importante. O segundo eixo de tratamento do assédio moral assenta principalmente em atenuar os efeitos do Mobbing e tratar as consequências que este pode ter causado (Guimarães & Rimoli, 2006). Deste modo, pode dizer-se que uma solução eficaz seria adoptar uma dupla estratégia que incluísse os esforços para combater o assédio moral e, concomitantemente, promovesse melhorias ao nível do ambiente psicossocial do trabalho. Em Portugal, na sociedade moderna, deparamo-nos com a ausência de legislação específica sobre o Assédio Moral no Trabalho. Parreira (2003), afirma que no artigo 18º
de Constituição da República Portuguesa, encontramos previstos, no título II deste diploma, princípios possíveis de serem violados por comportamentos de assédio moral. Por outro lado, diversas normas programáticas previstas no título III impõem certos deveres ao Estado, nomeadamente, o de legislar sobre esta matéria. De acordo com Parreira (2003), no âmbito Penal, em Portugal, certas condutas utilizadas pelo mobber podem ser punidas como crime. O autor aborda inúmeros Artigos com conceitos e pareceres que pretendem determinar parâmetros no âmbito deste tema, dos quais salientamos, o Artigo 135º que foca aspectos relacionados com o incitamento ao suicídio; o nº1 do Artigo 143º, onde é possível ler acerca das ofensas ao corpo e à saúde; o Artigo 154º respeitante à coação; o Artigo 180º com enfoque nos parâmetros que caracterizam a difamação; Artigo 181º que aborda o que concerne a injúrias e nº1 do Artigo 192º, onde são focalizados pareceres relacionados com devassa da vida privada. Por sua vez, o mesmo autor defende que no âmbito do Código Civil, a protecção surge a propósito dos direitos de personalidade, alvo principal do assédio moral. De acordo com o nº1 do artigo 70º, o mobbed pode recorrer a diversas providências em sua defesa, como as providências cautelares inominadas, com a finalidade de evitar a continuação da violação dos seus direitos. No âmbito da Legislação Laboral, verificamos algumas conjecturas que podem ser violadas pela prática do assédio moral. É de salientar o facto dos danos provocados no trabalhador (a vítima), não se poderem considerar ao abrigo do regime actual dos Acidentes de Trabalho (Lei nº 100/97, de 13/9) por não concretizam um facto fortuito, mas sim um acto deliberado do mobbed, nem como doenças profissionais por não integrarem a lista taxativa legal. Analisando o impacto do Mobbing nestes campos de acção verificámos que a tutela penal não apresenta resultados reguladores suficientes, na medida em que não criminaliza todos os comportamentos indutores de assédio moral, deixando a maioria deles por aferir. É importante que a vítima, o mobbed, denuncie a situação, que a mantém numa guerra psicológica, já que está perdida desde o início, devido à fraqueza psicológica em que o assediado se encontra. Acreditamos que, por muito que no final de um processo penal a definição da culpa do assediador e a prova dos seus actos ajude à recuperação psicológica, o tempo que o processo demora em tribunal pode aumentar irreversivelmente os danos causados. É urgente invocar a responsabilidade Governamental para defender o trabalhador, vítima de assédio, contra o ataque, severo e insidioso, provocado pelo assédio moral.
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Se existe uma preocupação tão grande com a igualdade entre sexos, com a descriminação sexual e com a descriminação noutras áreas, por força de obrigações comunitárias... porquê deixar, a monte, a violação de direitos humanos fundamentais? MOBBING: O PERCURSO O Mobbing assenta num processo que promove uma nova patologia da sociedade contemporânea. Nesta perspectiva, é importante abordar o Mobbing, numa altura em que o stress profissional é tão discutido. Torna-se imprescindível manter segurança e confiança no local de trabalho dos profissionais de Enfermagem, para que estes possam prestar cuidados de saúde com qualidade e que, acima de tudo, desenvolvam a prestação de cuidados com eficácia, eficiência e gosto pelo trabalho desenvolvido. Relacionamos o Mobbing com a Enfermagem, sendo que os factores inerentes à prática profissional, a considerarem propícia para a ocorrência de episódios deste tipo de fenómeno. Atendendo a que o trabalho dos enfermeiros se desenrola no seio de equipas multidisciplinares, verificam-se elevados níveis de stresse. Esta constante diária encontrase associada à necessidade, não só, de gestão de conflitos interpessoais entre pares, mas também à necessidade de lidar com diversas pessoas (utente/família/comunidade) com perspectivas de vida e personalidades variadas. As contrariedades relacionadas com gestão organizacional e de matérias pode, também, ser promotora de desgastes que desencadearão, mais facilmente, gestão de conflitos ineficazes. A revisão bibliográfica revelou-nos apenas alguns estudos realizados com enfermeiros em Portugal, uma vez que, o mobbing é já estudado, noutros países, desde 1980. De acordo com um estudo realizado por Sá & Fleming (2008), numa amostra de 416 enfermeiros, verificou-se que, segundo os 3 critérios de análise da prevalência de assédio moral a frequência era de 16,6% para o 1º critério, o menos exigente; 7,5% para o 2º e 4,1% para o 3º. As condutas de assédio mais frequentes estavam relacionadas com aspectos laborais (ocultar informação, ser obrigado a desempenhar funções abaixo das suas competências, ser exposto a uma quantidade excessiva de trabalho, berrarem-lhe ou ser alvo de explosões de raiva, ignorar os seus pontos de vista e intimidação). Os assediadores foram, na maioria, mulheres, mais velhas e de uma posição hierárquica superior. A maioria das situações de assédio ocorreu após uma mudança organizacional. Dos não assediados, 33 conhecem outros colegas que o são e 157 referem ter assistido a algumas situações de assédio moral. As estratégias mais usadas para lidar com o assediador foram “ignorar” e “confrontar a pessoa”.
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Os apoios a que os assediados mais recorrem são a família, os colegas e os amigos. Raramente recorrem a apoios institucionais (recursos humanos, saúde ocupacional e sindicatos). Os autores verificaram que os casos de assédio moral se encontram intimamente associados à insatisfação no trabalho, à intenção de abandono do emprego e a uma pior saúde mental, com elevada sintomatologia psicossomática, mais ansiedade e insónia, mais sintomatologia depressiva e acusando níveis mais elevados de disfunção social. Se tal fenómeno implica um rol de consequências perniciosas para a saúde física, mental, psicológica e social, como é possível, actualmente, não existir uma legislação que actue no sentido de proteger as vítimas de Mobbing? Tal como constatamos ao analisar a legislação que rege a profissão. Assim, deparamo-nos com lacunas legais, visto que diferentes itens presentes no Mobbing, são legislados isoladamente. Porém, associados ao Mobbing deixam de ser punidos por lei. As áreas de investigação de maior prevalência, onde o fenómeno de Mobbing é abordado, são: a área de gestão, direito e economia. Sendo tal facto considerado um ponto crucial e de emergente reflexão. A área da saúde, em toda a sua complexidade, é considerada a de maior risco psicossocial (Estêvão & Estêvão, 2006). Porém, este episódio é na maioria das vezes ignorado pelos próprios profissionais de saúde com a finalidade de minimizar os riscos que advêm do seu contexto laboral. Serra (2002) in Estêvão e Estêvão (2006), defende que, de entre os grupos de profissionais da saúde, os enfermeiros são aqueles que mais sofrem condutas mobbizantes propícias de influenciar o seu bem-estar. CONCLUSÃO A complexidade do fenómeno Mobbing como objecto de estudo emergiu recentemente. Surge a necessidade de uma homogeneidade de terminologia e conceptualização utilizadas de forma a poderem ser compartilhadas por diferentes sujeitos de diferentes áreas do saber evitando, assim, a desfragmentação dos conhecimentos alcançados. A competitividade, actualmente crescente, nas organizações é um factor que, cada vez mais, promove a degradação das condições de trabalho, gerando um mau ambiente que, por sua vez cria um maior nível de conflitos conduzindo, muitas vezes, ao assédio moral. No mundo do trabalho, dentro das organizações, encontrámos diferentes tipos de assédio ocorrendo em vários níveis hierárquicos e com autores distintos. Como autor surge o assediador, que pretende demonstrar o seu poder e controlo de forma perversa e continuada, sem qualquer culpabilidade, atingindo a dignidade e a integridade psíquica e física do assediado.
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O que verificámos através da análise de diversos artigos, é que pouco ou nada tem sido feito pelo Estado para travar o Mobbing. Este, em nosso entender deverá legislar, enquadrando legalmente o fenómeno permitindo, assim, um maior apoio às vítimas e sancionando os agressores. Constatámos que o processo de assédio moral, no trabalho, origina custos económicos e sociais, bem como de saúde pública que afectam os indivíduos, as organizações e, em sentido lato, a sociedade.
dos Enfermeiros. Paper presented at the 7º Congresso Internacional de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. Sá, L., & Fleming, M. (2008). Bullying, Burnout, and Mental Health Amongst Portuguese Nurses. Issues in Mental Health Nursing, 29(4), 411-426. Uva, A. (2007). Saúde Ocupacional e Assédio Moral no Local de Trabalho. Paper presented at the “O Assédio Moral no Local de Trabalho: emergência de uma nova realidade”.
Nesta perspectiva, qualquer um de nós, enquanto ser humano e dotado de uma capacidade extrema para o estabelecimento de uma relação interpessoal imprescindível à sobrevivência, pode sofrer de condutas mobbizantes que afectam o seu bem-estar físico, psíquico e social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (FACTS) (2002). O assédio Moral no Local de Trabalho [Versão electrónica]. Acedido a 28 de Outubro de 2008, disponível em: http://agency.osha.eu.int. Assembleia da República (1997). Lei nº 100/97 de 13 de Setembro. Diário da República, 1ª Série - A, nº212. Carvalho, G. D. (2007). Mobbing: Assédio Moral em Contexto de Enfermagem - Estudo Preliminar. Revista Investigação em Enfermagem, 15. Carvalho, M. (2006). Assédio Moral/Mobbing. TOC - Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, 77, 40-49. Estevão, C.& Estevão, M. (2006). Enfermagem: Profissão de Stress. Nursing, 215, 40-43. Guimarães, L. A., & Rimoli, A. O. (2006). “Mobbing” (assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 22, 183-192. Parreira, I. (2003). O Assédio Moral no Trabalho. In V Congresso Nacional de Direito do Trabalho (1ª ed.,pp. 209243). Coimbra: Almedina. Pedroso, V. G., Limongi, A. C., Martins, F. d. A. S., Hrdlicka, H., Jorge, S. M., & Cornetta, V. K. (2006). Aspectos Conceituais de Assédio Moral: um estudo exploratório Acedido a 6 de Janeiro de 2008, disponível em: http://www.cqh.org.br/files/ RAS33_aspectos.pdf. Peixoto, O. & Pereira, I. (2005). Assédio Moral no Trabalho: repercussões sobre a saúde do trabalhador. Revista Brasileira da Medicina no Trabalho, 3, 135-137. Sá, L. (2007). O Impacto de Violência Psicológica no Trabalho (assédio moral/mobbing/bulling) na Saúde Mental
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6 Consulta de enfermagem de saúde mental e psiquiatria de adesão ao regime terapêutico Daniel Lopes1
RESUMO Em Portugal existe uma lacuna ao nível da continuidade de cuidados de saúde mental, manifestada por hospitalizações recorrentes das pessoas com doenças mentais. Esta continuidade de cuidados relaciona-se nomeadamente com a reabilitação psicossocial. Vários exemplos e orientações internacionais apontam para a constituição de equipas multidisciplinares, cujo trabalho desenvolva em torno de conceitos como o recovery e o empowerment, como a antítese da institucionalização. No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa identificamos esta lacuna, especialmente na adesão ao regime terapêutico. A síndroma revolving door é bem conhecida entre os profissionais de saúde mental e resulta deste défice de acompanhamento sistemático das pessoas que têm alta dos internamentos. Este trabalho apresenta um caso clínico desenvolvido durante os ensinos clínicos do curso de especialização em enfermagem de saúde mental e psiquiatria que decorreram nesta instituição, nos quais, perante a preocupação descrita, desenvolvemos uma consulta de enfermagem de saúde mental. O ponto de partida desta consulta foi o diagnóstico segundo a North American Nursing Diagnosis Association de “Controlo eficaz do regime terapêutico”. Recorremos à aplicação de grelhas de indicadores em comportamento de aceitação, de adesão, auto cuidado: medicação e participação do familiar nos cuidados de saúde. Os resultados obtidos indicam, através da avaliação de indicadores, os aspectos que devem ser considerados de intervenção prioritária e os ganhos significativos em saúde em avaliações posteriores. PALAVRAS-CHAVE: Consulta de Enfermagem; Saúde Mental; Adesão ao Regime Terapêutico ABSTRACT There is a severe lack of continuity in mental health care in Portugal, which is manifested by repeated hospitalizations of people with mental illnesses. This continuity of care is related mainly to the psychosocial rehabilitation. Several international examples and recommendations suggest the creation of multidisciplinary teams that focus their work on recovery and empowerment, as the antithesis of institutionalization. In the Lisbon Psychiatric Hospital Centre, we identify this need, particularly on the compliance with the therapeutical regime. Enfermeiro EESMP, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, dsalopes@gmail.com Recebido em 08/2009. Aceite em 11/2009. 1
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The revolving door syndrome is very well known amongst mental health professionals and is the result of this lack of continuity of care. This work presents a case study developed during two clinical education periods for a psychiatric and mental health nursing specialization course. These clinical education periods took place in this facilities, in which we developed a mental health nursing consultation, after the previous concerning. The starting point was the nursing diagnose according to North American Nursing Diagnosis Association of “Effective control of the therapeutic regime”. In this consultation it was applied four tables of indicators on: acceptance behaviour, adherence behaviour, self care: medication and family participation in health care. The results show, through the application of objective indicators, which aspects should be considered a priority as well as significant health improvements in the patient. KEYWORDS: Nursing Consultation; Mental Health; Adherence to the Therapeutic Regimen INTRODUÇÃO O Plano Nacional de Saúde Mental (2008) prevê diversas necessidades de intervenção e de melhoria no actual cenário português de prestação de cuidados. Estas necessidades são a diversos níveis: melhoria da rede de serviços locais de saúde mental, reabilitação e desinstitucionalização dos doentes mentais graves, melhoria dos serviços regionais de saúde mental e dos hospitais psiquiátricos. Estas necessidades surgem porque temos actualmente em Portugal uma realidade de prestação de cuidados de saúde mental desactualizada. Desactualizada porque tem um nível significativo de institucionalização de doentes psiquiátricos, o que é contrário às recomendações da Organização Mundial de Saúde (2002) e da Comissão das Comunidades Europeias (2005). A estratégia que melhor garante a melhoria da qualidade de cuidados de saúde mental, de acordo com o Plano Nacional de Saúde Mental (2008), é a transição do modelo de hospitais psiquiátricos para uma rede de serviços com base na comunidade que promova a manutenção dos doentes no seu meio em vez de os confinar a instituições psiquiátricas. Em Portugal existe uma grande carência destas respostas, o
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que resulta de uma política ineficaz de desinstitucionalização. Quanto a recursos financeiros, por exemplo, a análise dos dados disponíveis mostra que se encontram distribuídos de uma forma muito assimétrica no que respeita a diversos vectores, entre os quais se destaca a assimetria entre o internamento e a comunidade. Já internacionalmente observamos que se evoluiu para alternativas na prestação de cuidados que promovem a autonomia e a integração social. Para que ocorra esta transição do modelo de hospitais psiquiátricos para os cuidados baseados na manutenção dos doentes no seu meio, é necessário assegurar a continuidade dos cuidados. Em Portugal, esta continuidade de cuidados é precária.. Esta afirmação é justificada por exemplo, pelo grande intervalo de tempo que ocorre entre a alta e a consulta subsequente que se associa à proporção de reinternamentos ocorridos sem qualquer outro contacto em ambulatório (Plano Nacional de Saúde Mental, 2008). O estudo de Jylha et al (2005), Finlândia, corrobora-nos a importância da continuidade nos cuidados. As autoras afirmam que a continuidade é um factor crucial nos cuidados psiquiátricos em serviços de pós alta e que é essencial na prevenção de hospitalizações de longo termo e em assegurar melhores resultados no tratamento de utentes gravemente doentes. Contrariamente a esta concepção, damo-nos conta no estudo de Vazquez (2001), que nos Estados Unidos da América, devido a cuidados inadequados após a alta, milhares de pessoas com esquizofrenia continuam a exibir o sindroma revolving door. Este sindroma traduz-se em ser admitido em crise num hospital, ter alta frequentemente de forma prematura, entrar em instituições penais, e posteriormente regressar aos hospitais. Na tentativa de colmatar esta lacuna de continuidade de cuidados, Bondan (2006) desenvolveu uma consulta de enfermagem. Consistia no agendamento de consultas a partir do encaminhamento realizado pelo médico. O médico e a enfermeira acompanhavam mais facilmente o doente quanto ao uso adequado da medicação. Sabiam como minimizar as dúvidas dos doentes quanto à sua patologia, como incentivar a resolução das suas dificuldades, contribuindo assim para a melhoria da sua qualidade de vida. Quanto a resultados, a autora revela-nos que no período em estudo os participantes não voltaram a ter nova hospitalização. Considera que este facto tenha sido influenciado e favorecido pelo apoio recebido durante os encontros. Quanto a prevenir os episódios de recaídas posteriores, a autora afirma que a consulta contribuiu para minimizar estes momentos. Esta possibilitou aos clientes manterem-se em equilíbrio, em boas condições de saúde e de qualidade de vida. Os clientes referiram sentir-se mais motivados a retomar os seus relacionamentos, tanto com familiares e amigos como no trabalho, pois conseguiram minimizar as suas limitações e visualizar novas alternativas em prol de um futuro com menos dor e sofrimento.
Na realidade portuguesa, damo-nos também conta que, de uma maneira geral, as equipas de saúde mental continuam a contar com um escasso número de enfermeiros e outros profissionais não médicos (Plano Nacional de Saúde Mental, 2008). A maior parte das equipas mantém o padrão tradicional dos serviços de internamento psiquiátrico em vez do padrão hoje seguido nos serviços modernos de saúde mental. A composição e funcionamento do padrão recomendado são de equipas multidisciplinares que incidem na recuperação e aprendizagem de competências individuais e sociais. Wirt (1999) diz-nos que os conceitos de recovery e de empowerment, nos quais se insere o trabalho dessas equipas multidisciplinares, são precisamente a antítese teórica do processo de institucionalização. Só através de intervenções que contemplem estes conceitos se consegue levar a cabo um processo de reabilitação psicossocial que compense a perda ou diminuição das capacidades de relacionamento, de adaptação social e de desempenho profissional a que as perturbações mentais dão frequentemente origem na pessoa. Importa ainda referir que a valorização destes conceitos no trabalho destas equipas só tem significado se enquadrados num conceito abrangente de pessoa. O conceito de pessoa que seguimos é aquele definido pela Ordem dos Enfermeiros (2002). A pessoa é vista como um ser social e agente intencional de comportamentos baseados nos valores, nas crenças e nos desejos da natureza individual, o que torna cada pessoa num ser único, com dignidade própria e direito a autodeterminar-se. Os comportamentos da pessoa são influenciados pelo ambiente no qual ela vive e se desenvolve. Toda a pessoa interage com o ambiente: modifica-o e sofre a influência dele durante todo o processo de procura incessante do equilíbrio e da harmonia. Na medida em que cada pessoa, na procura de melhores níveis de saúde, desenvolve processos intencionais baseados nos valores, crenças e desejos da sua natureza individual, podemos atingir um entendimento no qual cada um de nós vivencia um projecto de saúde. A pessoa pode sentir-se saudável quando transforma e integra as alterações da sua vida quotidiana no seu projecto de vida, podendo não ser feita a mesma apreciação desse estado pelo próprio e pelos outros. A pessoa é também centro de processos não intencionais. As funções fisiológicas, enquanto processos não intencionais, são factor importante no processo de procura incessante do melhor equilíbrio. Apesar de se tratar de processos não intencionais, as funções fisiológicas são influenciadas pela condição psicológica das pessoas, e, por sua vez, esta é influenciada pelo bem-estar e conforto físico. Esta inter-relação torna clara a unicidade e indivisibilidade de cada pessoa; assim, a pessoa tem de ser encarada como ser uno e indivisível. Perante esta tendência política nacional de desinstitucionalização e os contributos internacionais apresentados apercebemo-nos de um vazio de continuidade de cuidados no contexto do Centro Hospitalar Psiquiátrico
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de Lisboa. Um acompanhamento que garanta uma continuidade de cuidados através de uma atenção cuidada e sistemática aos doentes que têm alta. Apesar de existirem algumas equipas de visita domiciliária prevalece um défice na continuidade dos cuidados, nomeadamente ao nível da adesão ao regime terapêutico, o que é preocupante. Por outro lado, tem-se assistido no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa a uma crescente sensibilização da comunidade hospitalar para a necessidade da consulta de enfermagem. É com esta preocupação descrita que surgiu o projecto de consulta de enfermagem no âmbito dos ensinos clínicos I e II do curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria na Escola Superior de Enfermagem de S. João de Deus, que tentasse explorar uma resposta possível ao vazio existente de continuidade de cuidados. METODOLOGIA Este artigo baseia-se num estudo de caso cujo foco de atenção que nos propusemos trabalhar foi a adesão ao regime terapêutico. Entendemos a adesão na forma definida pela Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem versão 1.0 (Ordem dos Enfermeiros, 2005): Trata-se de uma volição com as características específicas: acção auto-iniciada para promoção de bem-estar, recuperação e reabilitação, seguindo as orientações sem desvios, empenhado num conjunto de acções ou comportamentos. Cumpre o regime de tratamento, toma os medicamentos como prescrito, muda o comportamento para melhor, sinais de cura, procura os medicamentos na data indicada, interioriza o valor de um comportamento de saúde e obedece às instruções relativas ao tratamento. (Frequentemente associado ao apoio da família e de pessoas que são importantes para o cliente, conhecimento sobre os medicamentos e processo de doença, motivação do cliente, relação entre o profissional de saúde e o cliente). Assim, para a colheita de dados relativa à avaliação diagnóstica, propomo-nos utilizar uma grelha de indicadores que monitorize a adesão dos doentes ao regime terapêutico depois da alta e que será aplicada em contexto de entrevista. Relativamente às intervenções de adesão ao regime terapêutico estas serão desenvolvidas em âmbito de entrevistas de relação de ajuda (Phaneuf, 2005), indo ao encontro da continuidade de cuidados iniciados durante a hospitalização no período pós-alta. Entrevista O método proposto para a entrevista envolve várias fases. Inicia-se com uma fase de “Preparação” na qual é considerada a preparação pessoal, o tipo de entrevista, a recolha de informação prévia, o local, as formas de registo
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dos dados e as questões éticas. A primeira entrevista tem várias fases: 1ª Fase – Definição de papéis e espaços” ocorre o acolhimento, a apresentação pessoal, o posicionamento dos actores, a clarificação dos papéis, objectivos e os aspectos pragmáticos da entrevista; 2ª Fase – Avaliação Diagnóstica” centra-se na problemática do doente. É explorada a perspectiva do doente: o que sabe, o que pensa e sente, o que preocupa o doente, estratégias/ capacidades do doente, na sua perspectiva, no que diz respeito ao seu regime terapêutico; 3ª Fase – Avaliação diagnóstica” trata do encerramento na qual se procede a explicações sobre a continuidade e o compromisso estabelecidos; 4ª Fase – Avaliação diagnóstica” compõe a análise e diagnóstico: procede-se à análise da interacção, à aplicação das grelhas de indicadores, à análise dos dados e à elaboração da hipótese diagnóstica. Nas entrevistas subsequentes decorre um processo de avaliação diagnóstico contínuo e o desenvolvimento de estratégias terapêuticas. Grelhas de Indicadores De forma a monitorizar a progressão terapêutica dos doentes acompanhados propomo-nos aplicar grelhas de indicadores. As grelhas de indicadores propostas baseiamse na Classificação de Resultados de Enfermagem – NOC (Johnson, Maas, & Moorhead, 2004). Para o diagnóstico segundo a North American Nursing Diagnosis Association de “Controlo eficaz do regime terapêutico: indivíduo”, que vai ao encontro do foco de atenção: Adesão ao regime terapêutico; a Classificação de Resultados de Enfermagem – NOC (Johnson, Maas, & Moorhead, 2004) sugere vários “resultados esperados”. Dentre estes, seleccionámos os resultados esperados e os indicadores de resultados considerados adequados. Assim, no âmbito do foco de atenção, consideramos pertinente a monitorização dos resultados seguintes: Comportamento de aceitação, Comportamento de adesão, Autocuidado: medicação e Participação familiar no cuidado profissional. O primeiro resultado trata-se do consentimento do doente e é avaliado pelas acções demonstradas por este com base em aconselhamento profissional para promover o bem-estar, a recuperação e a reabilitação. O segundo engloba acções auto-iniciadas efectivadas para promover o bem-estar, a recuperação e a reabilitação. O Auto-cuidado: medicação, reflecte a capacidade para auto administrar medicamentos orais para atingir as metas terapêuticas. Por último a Participação familiar no cuidado profissional reflecte o envolvimento da família no processo decisório, na oferta
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e na avaliação dos cuidados oferecidos por profissionais de saúde. Proveniência do Doente O estudo de caso apresentado diz respeito ao “João”, um utente integrado no programa terapêutico do Hospital de Dia do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa – Pólo Júlio de Matos. Estratégias Terapêuticas Implementadas Os diagnósticos de enfermagem que se apresentam foram elaborados de acordo com a CIPE versão 1.0. As intervenções foram retirados de diversos autores e foi feita uma adaptação para a linguagem CIPE., com excepção da “aplicação das grelhas de indicadores” que foi introduzida para os quatro diagnósticos directamente relacionados com o foco de atenção. Diagnósticos Identificados e Intervenções Planeadas: Diagnóstico: Aceitação do estado de saúde diminuída Intervenções: Disponibilizar presença; Promover uma relação de confiança; Negociar um contrato terapêutico; Aumentar o auto-conhecimento; Providenciar apoio emocional; Aumentar a auto-estima; Aplicar Grelhas de indicadores (McCloskey & Bulechek, 2004). Diagnóstico: Adesão diminuída Intervenções: Ensinar a pessoa sobre comportamento de procura de saúde; Reforçar comportamento de procura de saúde; Promover a autoresponsabilização; Determinar metas com a pessoa; Aplicar Grelhas de Indicadores ( McCloskey & Bulechek (2004). Diagnóstico: Adesão ao regime medicamentoso comprometida Intervenções: Escutar activamente; Executar biblioterapia; Ensinar sobre o processo de Saúde/doença; Aplicar Grelhas de Indicadores (McCloskey & Bulechek, 2004; Executar técnica de reestruturação cognitiva (Beck, 2002; Ellis & Grieger, 1990). Diagnóstico: Processo familiar comprometido Intervenções: Apoiar a família; Promover integridade familiar; Promover o envolvimento familiar; Aplicar Grelhas de Indicadores (McCloskey & Bulechek, 2004).
Diagnóstico: Sono alterado Intervenções: Promover o sono; Instruir técnica de relaxamento muscular progressivo; Gerir a medicação (McCloskey & Bulechek, 2004). Diagnóstico: Alucinações presentes Intervenções: Gerir as alucinações; Gerir o ambiente físico; Promover a toma de medicação (McCloskey & Bulechek, 2004). Diagnóstico: Risco de padrão alimentar comprometido Intervenções: Monitorizar a nutrição; Monitorizar o peso corporal (McCloskey & Bulechek, 2004). ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O “João” integrou o programa terapêutico do Hospital de Dia a X/11/08. Nesta data realizou-se uma entrevista/consulta de avaliação diagnóstica na qual se aplicaram as grelhas de indicadores. Desta forma, o “João” usufruiu de um conjunto de intervenções terapêuticas multidisciplinares que constituíam a oferta terapêutica do Hospital de Dia. O “estado” de saúde/doença presente, à data da conclusão deste trabalho é portanto o somatório destas várias intervenções e ainda de outras variáveis que não controlamos nem conhecemos aprofundadamente, como sejam as relações familiares, de amizade, entre outras. Sendo esta área de especialidade a enfermagem de saúde mental e psiquiatria, as intervenções de enfermagem são sobretudo relacionais. Assim, o plano de cuidados delineado não constituiu um conjunto de procedimentos rígido e de execução imperativa, precisamente porque a interacção humana é complexa e quase imprevisível. Desta forma, o plano de cuidados constituiu antes um guia orientador para a clínica de enfermagem. As intervenções apresentadas no plano de cuidados subdividiam-se ainda em actividades concretas e individualizadas que não considerámos pertinente apresentar. Ao longo do percurso terapêutico do “João” foram sendo feitas avaliações frequentes dos resultados e actualizações do plano de cuidados. Contudo, uma vez que a consulta de enfermagem estava estruturada em função da aplicação de quatro grelhas de indicadores, compete apresentar os resultados obtidos na segunda aplicação das grelhas, após dois meses de ter sido admitido ao programa e a evolução observada.
Diagnóstico: Risco de uso de substâncias Intervenções: Diminuir a ansiedade; Instruir técnica de relaxamento; Prevenir o uso de substâncias; Promover o controlo do comportamento; Executar terapia por reminiscências; Providenciar actividades de distracção (McCloskey & Bulechek, 2004); Executar técnica de relaxamento muscular progressivo; Payne, 2003).
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Gráfico 1: Comportamento de Aceitação
Como podemos observar no gráfico anterior, houve um aumento na pontuação atribuída aos quatro indicadores que avaliam o Comportamento de Aceitação. O João demonstra confiar mais nos profissionais, cumprir o regime terapêutico, aceitar o diagnóstico dos profissionais de saúde, manter os compromissos e modificar o regime de acordo com as orientações. Foi o caso da alteração de medicação que teve a 16/12/08, à qual aderiu bem. É importante destacar o ganho ao nível da aceitação dos diagnósticos dos profissionais de saúde: É importante destacar a evolução do «João» em termos da percepção do seu problema (aceitação dos diagnósticos dos profissionais de saúde): o João inicialmente rejeitava a ideia de ter qualquer problema e presentemente reconhece algumas vezes que está melhor e que a intervenção no Hospital de Dia tem contribuído para essa melhoria. Tem agora 15 em 25 pontos possíveis, registando-se uma subida de 6 pontos desde a primeira avaliação (9 pontos). Olhando agora para o Comportamento de Adesão observamos também uma subida generalizada na pontuação atribuída aos indicadores. Gráfico 2: Comportamento de Adesão
benefícios de estilos de vida saudáveis, descreve estratégias para eliminar comportamentos não saudáveis e descreve estratégias para maximizar a sua saúde. No total tem agora 13 em 20 pontos possíveis, tendo subido 5 pontos desde a primeira avaliação (8 pontos). O Autocuidado: medicação é onde se verifica um maior ganho. É importante referir que a mãe do “João” o substituía completamente nesta actividade dando-lhe medicação sem o seu conhecimento. Presentemente identifica a medicação e enuncia a dosagem correcta de forma totalmente independente; descreve os efeitos terapêuticos da medicação; ajusta adequadamente a medicação ainda que com a ajuda de pessoa auxiliar; necessita de pessoa e de mecanismo auxiliar para descrever as precauções a ter com a medicação; não sabe os efeitos secundários da medicação; armazena adequadamente a medicação com a ajuda de uma pessoa, neste caso dos enfermeiros; não traz a medicação do exterior, ao contrário, leva-a do Hospital de Dia para casa. Por este motivo não mantém as quantidades de medicação, havendo mesmo episódios em que não leva medicação para alguns dias. Toma correctamente a medicação desde que tenha a ajuda de uma pessoa. Soma agora 31 de 55 pontos possíveis, tendo subido 20 pontos desde a primeira aplicação das grelhas (11 pontos). Presentemente identifica a medicação e enuncia a dosagem correcta de forma totalmente independente; descreve os efeitos terapêuticos; ajusta-a adequadamente, ainda que com a ajuda de pessoa auxiliar. De igual modo necessita ainda de pessoa e de mecanismo auxiliar para descrever as precauções a ter com a medicação. Também não sabe os efeitos secundários, mas armazena adequadamente a medicação com a ajuda de uma pessoa, neste caso dos enfermeiros. Não traz a medicação do exterior, ao contrário, leva-a do Hospital de Dia para casa. Toma correctamente a medicação desde que tenha a ajuda de uma pessoa. Soma agora 31 de 55 pontos possíveis, tendo subido 20 pontos desde a primeira aplicação das grelhas (11 pontos). Gráfico 3: Autocuidado Medicação
Destacamos a subida de 2 para 4 pontos do recurso que o João faz dos serviços de saúde de forma adequada e de acordo com a sua necessidade, no qual insiro a sua adesão ao programa terapêutico do Hospital de Dia. Os outros indicadores, embora tenham subido só para 3 pontos revelam também demonstrar que pondera mais os riscos e os
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A Participação familiar nos cuidados de saúde manteve a mesma pontuação na segunda avaliação que a atribuída na
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primeira (29 pontos). Isto deve-se ao facto de não ter sido possível desenvolver a participação familiar nos cuidados de saúde prestados ao João. Gráfico 4: Participação familiar nos cuidados de saúde
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os ganhos em saúde são notórios no caso clínico do “João”. O recurso à utilização de grelhas de indicadores específicos evidencia os ganhos em saúde em aspectos muito concretos, os quais a Classificação de Resultados de Enfermagem – NOC (Johnson, Maas, & Moorhead, 2004) sugere como importantes para o diagnóstico segundo a North American Nursing Diagnosis Association de “Controlo eficaz do regime terapêutico”. A segunda aplicação das grelhas de indicadores ocorre a 19/01/09, portanto, dois meses depois de iniciado o acompanhamento do doente. A confirmação dos ganhos em saúde apurados com as grelhas é reafirmada na reunião clínica comunitária (espaço terapêutico no âmbito do Hospital de Dia) realizada a 23/01/09. Nesta reunião o “João” surpreende positivamente toda a equipa quando revela ter elaborado e entregue numa sapataria um curriculum vitae por sua iniciativa para se candidatar a um posto de trabalho. Inscreveu-se ainda nas Novas Oportunidades numa escola, de forma a terminar o 9º ano. Esta iniciativa própria era impensável no início do acompanhamento no Hospital de Dia. A participação do “João” na Consulta de Enfermagem de Adesão ao Regime Terapêutico contribuiu para os ganhos em saúde identificados com as grelhas de indicadores. Porém, a iniciativa demonstrada é também uma melhoria que se enquadra num conceito mais abrangente de saúde. Este desenvolvimento configura, no João, um verdadeiro caso de sucesso da reabilitação psico-social de pessoas com alterações de saúde/doença mental.
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7 Adolescência e alcoolismo Jorge Manuel de Oliveira Monteiro1; Pedro Miguel Rodrigues2
RESUMO A adolescência é uma etapa de aquisições, por exemplo, das operações formais, da internalização da moralidade, de um novo modo de consciência; e também de profundas e significativas mudanças: físicas, emocionais, sociais, culturais. Por isso que a adolescência é o período por excelência de risco para o ingresso no uso de substâncias psicoactivas. Não só pelo facto de querer experienciar o novo, procurar novas emoções e desafios, mas também encontrar nessas novas buscas “respostas” para o seu viver. Na elaboração da sua identidade o adolescente pode conceber que o álcool pode minorar momentos de angústias e interferir na elaboração da procura do novo sentido de si mesmo, porém, esse minorar, pode comprometer num sentido de vida fragilizado. Geralmente, o adolescente percebe que quando consome álcool “teoricamente” as coisas ficam mais fáceis, contudo, irreflectidamente o consumo de álcool passa a constar como ingrediente indispensável na elaboração de sua crise. Objectivo: Analisar o impacto dos consumos de bebidas alcoólicas nos adolescentes. Conhecer a realidade escolar através da aplicação do Alcohol Use Disorders Identification (AUDIT) numa amostra de 27 alunos do 10o ano da Escola Secundária de Rio Tinto. Metodologia: Os instrumentos de avaliação utilizados para o estudo estatístico foram o Audit Test, sustentado pela pesquisa bibliográfica e exploração de estudos de investigação online, concertados com o tema. Resultados: A maioria dos estudos analisados apontam para um inicio precoce (11 a 13 anos) dos consumos de bebidas alcoólicas. Segundo dados de 2003 do Instituto da droga e toxicodependência, 47% dos alunos de 13 anos já tinham experimentado bebidas alcoólicas. Os resultados deste estudo demonstram que 93% dos alunos se situam na zona de risco I (baixo risco) e 7% na zona de risco IV (risco elevado). Mais de 90% dos alunos experimentaram o uso de álcool. Conclusão: O alcoolismo é um fenómeno complexo, multifactorial e com repercussões em diversas valências (biológica, psicológica, social e cultural). Desta forma, os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, não podem limitar o seu campo de intervenção única e exclusivamente na componente biológica, mas sim de forma holística, singular e relacionada com um determinado contexto situacional. Este estudo demonstrou que o panorama escolar merece uma especial atenção, principalmente no campo psicoeducacional, através de campanhas de informação e desmistificação dos benefícios do álcool.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescência; Alcoolismo; Alunos; Escola Secundária de Rio Tinto ABSTRACT Adolescence is a stage of acquisition, for example, of formal operations, the internalization of morality, a new mode of consciousness, and also of profound and significant changes: physical, emotional, social, and cultural. Why adolescence is the period par excellence of risk for entry into the use of psychoactive substances. Not only because of wanting to experience the new, look for new thrills and challenges, but also find these new search “answers” to your life. In developing its identity the adolescent can conceive that alcohol can reduce times of distress and interfere with the development demand for the new sense of self, however, this ease may compromise a fragile sense of life. Usually, the teen realizes that when you drink alcohol “theory” makes things easier, however, rashly alcohol consumption is shown as indispensable ingredient in the development of its crisis. Objective: Analysis of the impact of alcohol consumption in adolescents, conceptualization, and statistics of drug abuse among teenagers. schooling know reality through the application of the Alcohol Use Disorders Identification (AUDIT) in a sample of 27 students in 10th grade High School Rio Tinto Methodology: The assessment instruments used for the statistical analysis were the Audit Test, supported by literature study and exploitation of research online, agreed with the subject. Results: Most studies reviewed indicate an early start (11 to 13 years) consumption of alcoholic beverages. According to the IDT (2003), 47% of students aged 13 and 94% of youth had tried alcohol. Analysis of the study shows that 93% of students are located in the danger zone I (low risk) and 7% in the danger zone IV (high risk). More than 90% of students reported having tried alcohol use. Conclusions: Alcoholism is a complex phenomenon with multifactorial impact on various aspects (biological, psychological, social and cultural). Thus, health professionals, including nurses can not limit their scope of action solely on the biological component, but in a holistic, natural and related to a specific situational context. This study demonstrated that the school landscape deserves special attention, especially in the field psychoeducational through information campaigns and demystification of the benefits of alcohol. KEYWORDS: Adolescence, Alcoholism, Students, High School Rio Tinto
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Estabelecimento Prisional do Porto – jorgedeoliveira.mtc@gmail.com Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Bloco Operatório da Unidade II do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho E.P.E. Recebido em 09/2009. Aceite em 11/2009. 1 2
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INTRODUÇÃO A adolescência enquanto estádio de desenvolvimento inserida no ciclo de vida é essencialmente, marcada por mudança e constitui um período vulnerável para a precocidade no consumo de bebidas alcoólicas. Estudos têm procurado estabelecer as causas do alcoolismo, como factores individuais, sociais e culturais, ou a sua interacção. Tais estudos têm estimulado o desenvolvimento de teorias biológicas, psicológicas, psicodinâmicas, comportamentais e socioculturais para determinar a etiologia do alcoolismo (DSM-IV, 1995; Shuckit, 1999; Frances & Franklin, 1992). O alcoolismo tem sido estudo também como condição psicopatológica que está relacionada com uma elevada taxa de transmissão familiar. Os filhos de alcoólicos apresentam um risco quatro vezes maior de se tornarem alcoólicos na idade adulta quando comparados com a população geral. Conforme Serrão (2007): “Uma família de alcoólicos gera filhos alcoólicos e num ambiente profissional e social, onde o abuso de bebidas com álcool é uma regra de convivência, os que chegam de novo são naturalmente integrados numa cultura de abusadores de bebidas com álcool”. O mesmo autor conclui ainda: “ nestes ambientes a embriaguez é socialmente tolerada, é aceite como banal, é até aplaudida como ritual de entrada no grupo profissional e social”. Os meios de comunicação social, através da publicidade ao álcool essencialmente dirigida aos jovens, acentuam a falsa crença nas vantagens do acto de beber, nomeadamente ao nível dos amigos, prestigio, sensualidade e divertimento, sem o qual a diversão não será a mesma. Apesar do consumo abusivo de álcool ser a droga mais comum junto dos jovens, esta é remetida para segundo plano, mais discreto em relação à problemática das drogas ilegais. Em pleno século XXI, a Saúde Mental constitui um dos maiores desafios com os quais a ciência dos cuidados se depara. O alcoolismo é um problema de saúde pública, logo um problema pelo qual a Enfermagem de Saúde Mental deverá intervir. O objectivo desta investigação é analisar o impacto dos consumos de bebidas alcoólicas nos adolescentes e deste modo conhecer a realidade escolar através da aplicação do Alcohol Use Disorders Identification (AUDIT) numa amostra de 27 alunos do 10º ano da Escola Secundária de Rio Tinto. ADOLESCÊNCIA Ao longo das diversas épocas, a sociedade tem privilegiado algumas fases da vida em detrimento de outras. A sociedade tende a organizar-se consoante as regras, leis, costumes e tradições que, através da cultura, se perpetuam como valores grupais comummente aceites pelos seus integrantes. Nesta linha de pensamento, as sociedades estabelecem os
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elementos que definem o status infantil e adulto, assim como o conjunto de critérios socialmente aceites de resolução desta transição. A adolescência segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa é aquele que: “Está no começo, que ainda não atingiu todo o vigor” A puberdade como estado evolutivo é muitas vezes confundida com a adolescência, sendo a puberdade um processo subsequente de modificações biológicas, enquanto a adolescência é basicamente psicossocial. A adolescência é desencadeada e concomitante às alterações biológicas que intercedem na maturação das ostentações pulsionais e são intrínsecos a este período. O que tipifica o Adolescente é a velocidade de maturação sectorial (biológico, social e psicológico), sendo distintas e inter-actuantes. O processo da adolescência depende de factores extrínsecos e regionais, pese embora muitos podem ser considerados universais (Levisky, 1995). As sociedades modernas induzem a conceptualização da adolescência pelo seu significado social através da aquisição da capacidade reprodutora (início da ejaculação e menarca). Actualmente as sociedades acrescem mais uma função para poder alcançar a idade adulta e ser reconhecido pela sociedade, designadamente a capacidade de condução do seu próprio destino. O pré-requisito estabelecido pelas sociedades compulsa o jovem a confrontar-se com aspectos sociais, políticos, filosóficos, religiosos, económicos e profissionais, descorando todo o processo afectivo subjacente. Certas sociedades incrementam “rituais de passagem”, os quais facilitam o processo de integração à comunidade adulta. Estes rituais marcam a ruptura dos jovens dos seus laços domésticos e consagram a passagem da vida circunscrita à família para a vida comunitária. Estes rituais de passagem variam de uma sociedade para outra, mediante as características de determinada cultura. (Levisky, 1995). A adolescência como período de crise e de desequilíbrio é comummente aceite por diversos autores, autonomamente do contexto sociocultural. Estas especificidades correspondem tanto às mudanças fisiológicas quanto às repercussões psicológicas de inserção do jovem à comunidade adulta. Rivier citado por Levisky (1995) afirma que, em relação ao adolescente: “O que difere um indivíduo de outro, e uma cultura da outra é a amplitude e a intensidade da crise, sua forma de expressão e a solução que se lhe dá”. Nas sociedades modernas existe uma grande disparidade entre os processos de maturação biológica, psicológica e social, originando focos de tensão entre os jovens. Exemplo disso é a maturação das funções sexuais e as suas repercussões culturais objectivas e subjectivas numa sociedade, do desenvolvimento e libertação dessas mesmas funções. Neste nível surgem questões de fundo, tais como a presença de doenças sexualmente transmissíveis (HIV, hepatite, sífilis), possibilidade de gravidez, prática de aborto.
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Estas questões acentuam a disparidade entre a maturação biológica e a maturação emocional e cognitivo. (Levisky, 1995). A mesma sociedade que forma, impõe regras e condutas aos adolescentes, por vezes, não confere aos mesmos refúgios às suas necessidades afectivas e de valores. Diversas contradições são apresentadas pela própria sociedade, ao considerar um jovem suficientemente adulto aos 18 anos para votar, aos 16 anos para escolher o rumo escolar, sendo que frequentemente nem aos 21 anos apresentam uma independência económica para atingir a tão desejada emancipação. Deste modo quanto mais complexa, for a sociedade, maiores serão os pré-requisitos necessários para que o jovem possa integrar a sociedade adulta. A consequência directa é o prolongamento do processo de transição. Emparelhados com os factores externos anteriormente assinalados, ainda participam no processo de adolescência, os aspectos da personalidade, o carácter, a história biográfica, incluindo o conjunto de experiências traumáticas e prazerosas, toldando o quadro psicológico e comportamental. Muitos indivíduos vivem o processo adolescente de forma extremamente curta, no seguimento de condicionalidades socioeconómicas, alcançando precocemente a vida adulta sem o amadurecimento natural dos seus conflitos maturacionais. Esta passagem rápida pela adolescência confina-os de certas possibilidades vivenciais, delimitando o campo das experiencias intelectuais e afectivas. Por outro lado, outros prorrogam de modo interminável o processo adolescente, mantendo-os num estado de dependência afectiva e económica. Os critérios que definem as sociedades modernas são: maturidade, independência, autodeterminação, responsabilidade e actividade sexual afectivamente adulta. O último item pressupõe a possibilidade de procriação e a condições socioeconómicas para estabelecer uma família (Levisky, 1995). A velocidade de difusão dos meios de comunicação contribui cada vez mais para aumentar os conflitos e a complexidade do processo de adolescência, onde impera uma panóplia de dúvidas, incertezas, descrenças e uma ambiguidade de valores. Estes meios de comunicação invadem as casas, muitas vezes de forma errónea, descaracterizando e sublimando valores culturais, valores relacionados com a sexualidade (conceito de virgindade, liberdade sexual, homossexualidade). A par das modificações somáticas, afectivas e sociais, a componente cognitiva também sofre alterações. A inteligência outrora do tipo lógico-concreto evolui para o formal, expresso pelo pensamento hipotético-dedutivo. Esta capacidade permite-lhe ampliar o campo de conhecimentos e participa do processo identificativo. As repercussões desta aptidão são observáveis no seu comportamento,
possibilitando desvendar um novo mundo externo e, principalmente o seu próprio mundo interno. Embora o seu pensamento se aproxime do pensamento adulto, o carecimento de experiencias emocionais e funcionais não possibilita a sistematização e o senso crítico. O adolescente colmata este carecimento com a veemência como projecta as suas ideias, numa tentativa de auto-afirmação, roçando por vezes a certo grau de fanatismo. (Mello Barrias e Breda; 2001). A inteligência formal participa activamente no processo de elaboração da crise da adolescência. O mundo afectivo do jovem está dominado pela impulsividade sexual e agressiva, o que torna o seu aparelho psíquico frágil para abarcar tal fardo e adequar os impulsos às condições ambientais, mormente em sociedades onde tais impulsos são fortemente coibidos (Levisky, 1995). ALCOOLISMO A definição de alcoolismo, desde os tempos mais remotos, mantém-se associada a status social, espécie de suporte de relações e interacções sociais. Apenas na segunda metade do século XIX, em 1851 que surge o termo alcoolismo e uma das primeiras definições, com Magnus Huss, médico sueco, que definiu o alcoolismo como: “Forma de doença correspondendo a uma intoxicação crónica, descrevendo quadros patológicos desenvolvidos em pessoas com hábitos excessivos e prolongados de bebidas alcoólicas.” Em 1960, com Morton Jellinek citado por Ádes & Lejoyeux (1997) a definição de alcoolismo foi reestruturada, e o comportamento do alcoólico passa a ser classificado como uma doença conferindo-lhe uma noção de repercussão negativa e social, definindo o alcoólico como: “Todo o indivíduo cujo consumo de bebidas alcoólicas possa prejudicar o próprio, a sociedade ou ambos.” Hoje em dia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) citado por Ádes & Lejoyeux, (1997), define o alcoólico como: “Como um bebedor excessivo, cuja dependência em relação ao álcool se acompanha de perturbações mentais, da saúde física, da relação com os outros e do seu comportamento social e económico. Alguns autores alertam para se romper com uma perspectiva simplista e redutora da problemática do alcoolismo, sugerindo uma visão mais alargada do fenómeno, não alicerçada apenas na díade abuso/efeitos, analisando sim esta problemática do alcoolismo à luz de um complexo sistema de inter-relação da dimensão individual e sociocultural. Em 1982, a OMS define Problemas Ligados ao Álcool (PLA) dado a vasta e multiforme leque de situações relacionadas com o álcool, designadamente “...a sinistralidade rodoviária, a criminalidade, a patologia laboral, as perturbações familiares, o rendimento escolar, etc.”. Desta forma, para a OMS (citado por Ádes & Lejoyeux, 1997):
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O alcoolismo não constitui uma entidade nosológica definida, mas a totalidade dos problemas motivados pelo álcool, no indivíduo, estendendo-se em vários planos e causando perturbações orgânicas e psíquicas, perturbações da vida familiar, profissional e social, com as suas repercussões económicas, legais e morais.
ADOLESCÊNCIA, CRISE DE IDENTIDADE E O ÁLCOOL No estádio de criança impera a dependência, apoio e protecção parental nas suas decisões e respectivas consequências O turbilhão de transformações incontroláveis e involuntários, impulsionam a criança para a maturidade. A transição para a fase adulta implica a perda irremediável dos privilégios infantis. Neste processo evolutivo há tanto uma desestruturação como reorganização estrutural da personalidade e da identidade, rumo à personalidade adulta. Os momentos de instabilidade vão diminuindo à medida que o jovem encontra maior clarividência e aceitação em respeito a si mesmo, ao elaborar as suas perdas e ao sentir-se aceite e tolerado no seu ambiente. Por vezes numa tentativa de auto-afirmação o jovem agride e desvaloriza os pais, o que não significa desinteresse pelo afecto e protecção dos pais, mas sim uma busca incessante por novos modelos de identificação (professores, artistas, atletas, etc.), a partir dos quais procura encontrar novos e próprios valores e características. Durante esta procura, formam-se os grupos de jovens, onde reina a uniformidade (modo de vestir, linguagem, hábitos). O grupo funciona como protector frente às angústias e temores, volvendo-se em última instância substituto parental. A terminologia “fenómeno de grupo” é transversal ao estádio da adolescência, no qual os jovens podem exaltar os seus impulsos sexuais e agressivos, surgindo no seio do grupo e dos seus membros o idealismo que se reflecte no interesse pelas causas sociais, politicas, económicas, estudantis e religiosas. A manifestação destes impulsos por vezes envolvem metamorfoses no que concerne ao vestuário, quer pela negligência do asseio corporal como manifesto de comportamentos contestatários, quer por ostentação extravagante de vestuário como atitude provocatória. Uma parcela de jovens aliena-se da sociedade, integrando grupos delinquentes, nos quais os impulsos sexuais e agressivos, confundem-se numa mistura de prazer e frustração, expressando o vazio e a falta de perspectivas no seu mundo interior. A adolescência é um período de experimentação, socialização, sendo considerada como uma fase de alto risco de comportamentos abusivos. No que se refere ao álcool, o problema é mais grave. Por ele estar tão próximo, tão acessível, deixa a impressão de que é semelhante a um animal doméstico que não causa mal algum. O álcool está inserido na cultura, presente nos lazeres e encontros adolescentes, presente dentro das casas, presente tanto na
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vida profana como no ritual religioso. Desse modo, consumir álcool pode parecer normal para o adolescente, sem muita censura ou orientação por parte dos pais. EVIDÊNCIA CLÍNICA A intoxicação alcoólica deliberada e o “binge drinking” (mais de seis bebidas por homem ou quatro por mulher numa ocasião) são muito comuns, com 11,7% nas idades compreendidas entre os 14-19 anos e de 14,7% nas idades compreendidas entre os 20-29 anos. Embora este grupo não veja estes comportamentos abusivos como nocivos, a investigação conclui que estes mesmos comportamentos, nesta fase precoce evolutiva no ciclo de vida levam a um futuro alcoolismo crónico (Shand; Gates; Fawett; Mattick, 2003). Alves (2007) refere: Apesar de nem sempre gostarem de álcool, os adolescentes, e em especial os mais novos ou aqueles que atravessam fases críticas ou, ainda os que vivem crises de auto-confiança bebem para se sentirem integrados no grupo, para terem a mesma “onda”, para se sentirem “cool” e, em muitos casos, para ficarem mais desinibidos. O aumento do consumo de álcool entre os adolescentes do sexo feminino é um facto de alerta destacado pelo Grupo de Trabalho de Educação Sexual divulgado no site da DirecçãoGeral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. Segundo o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) (2003), 47% dos alunos de 13 anos e 94% dos jovens já tinham experimentado bebidas alcoólicas. Segundo o Correio da Manhã: 50% dos jovens entre os 15 e 16 anos consome bebidas alcoólicas, preferencialmente nas discotecas, bares e pubs, locais em que a diversão está associada ao álcool...8478 mortes estimadas ligadas ao consumo de bebidas alcoólicas, em Portugal, no ano de 1998. Este valor coloca o álcool como quarta causa de morte no país. Segundo a DSM-IV-TR (2002) o primeiro episódio de intoxicação alcoólica pode ocorrer na adolescência e os transtornos decorrentes surgiram próximo dos 40 anos. A mais perigosa das drogas nacionais é, sem dúvida, o álcool etílico pois induz o vício. Aparentemente a nossa sociedade valoriza os aspectos benéficos do uso de bebidas alcoólicas mais do que teme as consequências maléficas pela facilidade de acesso de forma ilimitada (Michel, 2002). Cabral (2004), citando um estudo realizado no serviço de urgência pediátrica do hospital de S. Teotónio de Viseu, revelou que num período de um ano (Outubro a Setembro), surgiram a este serviço 97 casos de etilismo juvenil sendo que o maior número incidiu no sexo masculino e no grupo dos 18 anos. De mencionar ainda que os meses de maior afluxo ao serviço de urgência foram relacionados com fins de período escolar e festejos académicos. Borges (1993)
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citado por Cabral (2004) refere: “É preocupante o impacto do consumo de álcool no desenvolvimento cognitivo e psicossocial dos adolescentes contribuindo acentuadamente para as perturbações psiquiátricas e comprometimentos a nível da Saúde Mental.” De acordo com dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), pesquisa com estudantes de 1º e 2º Graus de 10 capitais brasileiras, 65% dos entrevistados afirmaram consumo de bebidas alcoólicas, dos quais 50% iniciaram o uso entre os 10 e 12 anos de idade (Galduróz, Noto & Carlini, 1997). Em amostras universitárias e do ensino politécnico, de Coimbra, cerca de 10 a 20% dos indivíduos apresentavam problemas ligados ao álcool, sendo no ensino secundário, digno de registo o elevado número de embriaguezes referidas no último ano (18% dos rapazes e 10% de jovens, com idade média de 16 anos, dizem ter-se embriagado mais de vinte vezes) (Breda, 1997). Mais de 60% dos jovens com idades compreendidas entre 12 e 16 anos e mais de 70% acima dos 16 anos consomem regularmente bebidas alcoólicas. Em Portugal, nas décadas de 60 e 70 tiveram início as primeiras abordagens epidemiológicas, através de estudos e inquéritos em escolas e grupos de jovens (Mello; Barrias; Breda & 2001). Num estudo realizado por Freitas (2003) na Escola Básica e Secundária de Santana na Região Autónoma da Madeira, cuja população alvo eram os adolescentes (442 alunos) de ambos os sexos com idades compreendidas entre os 11 e 22 anos, que frequentavam o 7º ao 12º ano de escolaridade, a grande percentagem dos adolescentes (75,3%) já experimentou bebidas alcoólicas, em que as bebidas destiladas (76,3%) surgem como líder da iniciação. Outros dados relevantes e pertinentes deste estudo prendem-se ao facto de 33,9% dos adolescentes iniciaram o consumo de álcool sob a supervisão e aceitação dos pais. As principais razões apontadas pelos adolescentes, com justificação para a ingestão de bebidas são: “para desfrutar melhor as festas e noite” (52,9%); “para relaxar e desinibir” (20,9%); “porque gosta e dá prazer” (19,8%).
METODOLOGIA Material: Para a colheita de dados foi utilizado o seguinte instrumento: AUDIT Test O AUDIT divide-se em 10 questões. Os primeiros três pontos avaliam a quantidade e a frequência do consumo regular e ocasional de álcool. As três questões seguintes centram-se sobre a ocorrência de possíveis sintomas de dependência, e as quatro últimas perguntas versam sobre problemas recentes e passados associados ao consumo de álcool.
Zona de Risco I – cotação AUDIT de 0 a 7 pontos: Indicadores de um consumo de baixo risco. Embora não seja necessária qualquer intervenção, para muitos indivíduos, a informação sobre o álcool é adequada. Zona de Risco II – cotação AUDIT de 8 a 15 pontos: Consiste no consumo de álcool de acordo com as normas estabelecidas. Embora estas normas variem de país para país, os dados epidemiológicos sugerem que os riscos de problemas relacionados com o álcool aumentam significativamente quando o consumo ultrapassa os 20 gramas de álcool puro por dia, o que equivale aproximadamente a duas bebidas standard em diversos países. Zona de Risco III – cotação AUDIT de 16 a 19 pontos: Engloba um padrão de consumo de álcool que já está a ser nocivo para o indivíduo, que já poderá apresentar sintomas de dependência. Os doentes enquadrados nesta zona podem ser acompanhados através de uma combinação de conselhos simples, aconselhamento breve e monitorização constante. Sugere frequentemente um consumo nocivo ou dependência, para a qual é recomendada uma abordagem mais profunda. Zona de Risco IV – cotação AUDIT de20 a 24 pontos: Enquadra os doentes dependentes de álcool, que devem portanto fazer tratamento. AUDIT (Alcohol Use Disorders Identification Test, por Babor et al. 1989) é um questionário de 10 perguntas, desenvolvido no âmbito do “World Heath Organization (WHO) Colaborative Project on Identification and Management of Alcohol-Related Problems”, em conjugação com uma equipa de investigadores internacionais, passível de se integrar numa entrevista clínica semi-estruturada ou apresentado como um formulário para auto-avaliação. O questionário comporta 10 itens, com perguntas sobre consumo (frequência, episódios de ingestão excessiva), sintomas de dependência (incapacidade de parar, ingestão desde o despertar, amnésias transitórias, culpabilidade) e problemas causados pelo consumo de álcool (dificuldade em realizar as actividades normais, auto e hetero-ferimentos, preocupação expressa pelos outros), escolhidos em função das definições de consumo nocivo e de dependência do álcool, proporcionados pela Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10 R). As respostas são cotadas numa escala de 0 a 4, determinando uma pontuação total entre 0 e 40. Neste intervalo, uma pontuação baixa indica consumo reduzido de álcool e poucas consequências com o seu uso, enquanto uma pontuação alta indica consumo elevado e severas consequências. Um dos méritos deste instrumento é o facto de a sua validade ter sido estudada e comprovada em diferentes países de várias regiões do mundo, conferindo-lhe uma espécie de validade intercultural. O AUDIT possui também boas propriedades psicométricas, nomeadamente de fiabilidade, validade e
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critério normativo, utilizando como indício de abuso de álcool uma ingestão etílica igual ou superior a 40g de álcool/dia nos homens e de 20g ou mais nas mulheres, tendo a sensibilidade demonstrada por este instrumento ronda em média os 80% enquanto a especificidade foi de 89%.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
O AUDIT permite ainda efectuar interpretações sobre o risco e consequências do uso de álcool, com base na análise parcelar a subconjuntos de itens. Assim enquanto a pontuação aos três primeiros itens constitui uma medida de consumo de álcool, a pontuação aos itens 4, 5 e 6 sugere a presença ou ausência de dependência ao álcool, cabendo à pontuação atribuída aos restantes itens (7, 8, 9 e 10) indiciar a grandeza de um provável consumo patológico de álcool.
Gráfico 1 – Caracterização da amostra segundo o sexo
Foram pesquisados 27 alunos do 10º ano, 14 do sexo masculino e 13 do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 15 e 17 anos.
Legenda: M – Masculino; F – Feminino
Tipo de Estudo O presente estudo, é do tipo descritivo, analítico e transversal. A pesquisa centrou-se na análise do impacto dos consumos de bebidas alcoólicas e do posicionamento dos adolescentes nas quatro “zonas” de risco do AUDIT Test. Participantes Amostra de 27 alunos com idades compreendidas entre os 15 e os 17 que frequentam o 10º Ano da Escola Secundária de Rio Tinto. A escolha amostra seleccionada foi de encontro aos pré-requisitos iniciais (alunos entre os 15 e 17 anos), ficando a cargo da instituição escolar, particularmente da Prof.ª Márcia Pacheco (Coordenadora do Projecto: “Jovens Promotores de Saúde”). Colheita de Dados A colheita dos dados decorreu no dia 21 de Abril de 2009, numa sala de aula da Escola Secundária de Rio Tinto com a colaboração directa da Prof.ª Márcia Pacheco e supervisão do Enf.º Jorge Monteiro. O questionário foi entregue individualmente a cada aluno, com um tempo de 20 minutos para a sua execução.
Após esta caracterização, foi solicitado aos sujeitos a participação no questionário AUDIT Test, onde cada sujeito responde às diferentes questões. Tabela 1 – Distribuição quantitativa da amostra por sexo e zonas de risco
Legenda: M – Masculino; F – Feminino; Zona de risco I - AUDIT de 0 a 7 pontos, Indicador de um consumo de baixo risco; Zona de risco II - AUDIT de 8 a 15 pontos, consumo de álcool de acordo com as normas estabelecidas; Zona de risco III AUDIT de 16 a 19 pontos, consumo de álcool nocivo ou dependência; Zona de risco IV - AUDIT de 20 a 24 pontos, dependência do álcool.
Gráfico 2 – Distribuição quantitativa da amostra por sexo e zonas de risco
O tratamento dos dados foi realizado em formato Microsoft Office Excel. Aspectos Èticos Os sujeitos do estudo foram detalhadamente esclarecidos sobre o intuito académico dos dados obtidos, respeitando a confidencialidade e o anonimato dos mesmos, assim como a liberdade de participar ou recusar o estudo. Foi assinado o Termo de Consentimento livre e esclarecido, na presença da Coordenadora do Projecto: “Jovens Promotores de Saúde”, Prof.ª Márcia Pacheco.
Legenda: M – Masculino; F – Feminino; Zona I - AUDIT de 0 a 7 pontos, Indicador de um consumo de baixo risco; Zona II - AUDIT de 8 a 15 pontos, consumo de álcool de acordo com as normas estabelecidas; Zona III - AUDIT de 16 a 19 pontos, consumo de álcool nocivo ou dependência; Zona IV - AUDIT de 20 a 24 pontos, dependência do álcool.
Perante a análise deste gráfico podemos observar que mais de 90% dos sujeitos apresentam-se em zona I, ou seja, baixo risco de dependência alcoólica. A etapa seguinte pretendeu-se a clarificação dos diversos itens, nomeadamente os grupos de questões que classificam uma medida de consumo de álcool (Grupo 1 - 3 primeiras
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questões), a presença ou ausência de dependência ao álcool (Grupo 2 - questões 4, 5 e 6), e os restantes questões (Grupo 3 - 7, 8, 9 e 10) indiciam a grandeza de um provável consumo patológico de álcool. Gráfico 3 – Distribuição quantitativa da amostra por grupos de questões
A recomendação do AUDIT test no que respeita às zonas de risco dos sujeitos, que neste estudo pertencem à zona I corresponde à informação sobre o álcool, adequada por diversas razões: contribui para a consciencialização geral dos riscos do álcool na comunidade; pode servir como medida preventiva; pode ser eficaz para doentes que subavaliam o seu grau de consumo nas respostas do AUDIT; e pode relembrar os doentes com problemas no passado quanto aos riscos de voltarem a consumir álcool em excesso. Mediante este cenário foi realizado uma sessão de psicoeducação de informação e desmistificação dos efeitos do álcool, amplamente aceite e valorizada pelos diversos intervenientes (alunos e professores).
Legenda: G1 – Grupo 1 - 3 primeiras questões; G2 – Grupo 2 - questões 4, 5 e 6; G3 - Grupo 3 – questões 7, 8, 9 e 10
Da análise gráfico 3, constata-se que 62% dos sujeitos apresentam baixa medida de consumo de álcool, Nas questões 4, 5 e 6, correspondentes ao grupo 2, 11 % dos sujeitos sugerem a presença ou ausência de dependência ao álcool e 27% dos sujeitos inquiridos correspondentes ao grupo 3 de questões (7, 8, 9 e 10) indiciam a grandeza de um provável consumo patológico de álcool. Gráfico 4 – Distribuição quantitativa da amostra por grupos de perguntas e sexo
Legenda: G1 – Grupo 1 - 3 primeiras questões; G2 – Grupo 2 - questões 4, 5 e 6; G3 - Grupo 3 – questões 7, 8, 9 e 10
Da análise do gráfico 4, constata-se que no que concerne às questões do grupo 1, o sexo masculino apresenta-se em dobro em relação ao sexo feminino. Os restantes grupos de perguntas dizem somente respeito ao sexo masculino, onde existe uma prevalência muito discreta de abuso (grupo 2) e dependência do álcool (grupo 3). DISCUSSÃO Após a análise dos diferentes gráficos, depreendemos que a grande maioria dos sujeitos inquiridos nesta amostra (+ 90%) apresentam um risco baixo de dependência alcoólica, não obstante, particularmente no sexo masculino, existem indícios de alguns comportamentos abusivos, por embora ténues, mas indicativos de alguma apreensão no que concerne hábitos saudáveis.
CONCLUSÕES É fácil fazer-se o diagnóstico de abuso quando se vê alguém em estado de embriaguez. No entanto, é difícil fazer este diagnóstico quando a ingestão, embora menos maciça, é mais frequente e prolongada. Este tipo de consumidores geralmente trabalham e estão integrados na sociedade, mantendo um ligeiro ou moderado nível de alcoolemia ao longo do dia, e não entendem que têm um problema com o álcool. Muitos acidentes de trabalho e de viação, assim como muitos problemas de relação familiar e laboral são devidos a este tipo de consumo. O abuso do álcool é responsável por muitos óbitos e incapacidades (devido aos acidentes e doenças que provoca), falta de produtividade no trabalho e violência familiar e criminal. Isto, aliado ao facto de provocar grave dependência física e psíquica e ser das poucas substâncias que causam lesões físicas irreversíveis, faz do álcool, uma das drogas mais “duras” de sempre. O AUDIT Test mostrou-se eficaz na caracterização da amostra relativamente aos consumos de álcool, demonstrando que mais de 90% dos 27 alunos do 10º ano da Escola Secundária de Rio Tinto apresentam-se em zona de baixo risco de dependência alcoólica, pese embora a presença de alguns comportamentos abusivos adoptados pelo sexo masculino. Os objectivos deste estudo foram amplamente conseguidos, demonstrados através dos dados em formato de tabelas e gráficos supracitados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adés, J.; Lejoyeux, M.(2004) – Comportamentos Alcoólicos e seu Tratamento. 2ª ed. Lisboa: Climepsi Editores American Psychiatric Association (APA). (2002) - DSM-IVTR – Manual de Diagnósticos e Estatística das Perturbações Mentais. 4ª ed., Lisboa: Climepsi Editores. Breda, João (1997) – Bebidas Alcoólicas e Jovens Escolares: Um Estudo sobre Consumos, Conhecimentos e Atitudes. In:
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8 O idoso institucionalizado – rastreio da função cognitiva e prevalência da sintomatologia depressiva em pessoas idosas residentes num lar Carla Lopes Cardoso1; Maria Conceição Rodrigues2; Maria Gustava Martins3; Ricardo Filipe Rocha4
RESUMO A realização deste estudo tem o intuito de caracterizar os participantes relativamente às características sociodemográficas e analisar o rastreio da função cognitiva e prevalência de sintomatologia depressiva na pessoa idosa institucionalizada, num lar do Grande Porto. Participaram no estudo 55 pessoa idosas, 10 do sexo masculino e 45 do sexo feminino. Relativamente à idade é uma amostra relativamente heterogénea, com um intervalo de idades situado entre os 70 e os 97 anos, com uma média de 83,6 anos e um desvio-padrão de 6,8 anos. A maioria dos sujeitos é viúva (41,8%), seguida de solteiros (36,4%) e por fim, de 18,2% de casados. Constatámos que a maioria dos sujeitos possui um baixo nível escolar, em que 18,2% não tem qualquer grau de escolaridade e 50,8% completou apenas o 1º ciclo. A média de anos de estudo situa-se em 4,2 anos, com um desviopadrão de 2,9 anos, correspondendo o mínimo a zero anos e o máximo a 12 anos de escolaridade. A média de anos de institucionalização é de 6,1 anos. Para efectuar o rastreio da função cognitiva recorremos ao Mini Mental State Examination de Folstein (Folstein & McHugh, 1975), validada para a população portuguesa. Aqui verificamos que as sub-provas do MMSE se encontram positiva e estatisticamente correlacionadas entre si e com a pontuação total. No que concerne à correlação existente entre as pontuações totais do MMSE e as variáveis sociodemográficas analisadas, verificamos que existe um forte correlação entre os anos de escolaridade dos nossos participantes e as suas pontuações totais no referido instrumento. Sendo este um dado coerente com a literatura. Para avaliação da sintomatologia depressiva recorremos à Escala Geriátrica de Depressão de Yesavage (1983), cuja adaptação portuguesa foi realizada pelo Serviço de Psicologia da Faculdade de Medicina do Porto. Quanto à sintomatologia depressiva, constatámos que a maioria dos pessoa idosas que participaram no nosso estudo apresenta sintomatologia depressiva ligeira ou moderada, resultado que contraria as nossas previsões iniciais, baseadas em pressupostos inerentes à institucionalização, tais como sair do ambiente familiar, ter pouco suporte familiar e emocional, etc. Contudo, apesar da correlação entre os anos de institucionalização
e a sintomatologia depressiva ser positiva, não se revelou estatisticamente significativa. Consideramos importante que este tipo de estudos continue a ser desenvolvido, no sentido de um melhor conhecimento das características individuais das pessoas idosas institucionalizadas em diferentes lares. Achamos também importante que sejam efectuados mais estudos que comparem o rastreio da função cognitiva e a prevalência da sintomatologia depressiva em pessoas idosas institucionalizadas vs pessoas idosas não institucionalizadas. PALAVRAS-CHAVE: Pessoa Idosa; Institucionalização; Função Cognitiva; Sintomatologia Depressiva ABSTRACT: This study aims to characterize the participants regarding its socio-demographic characteristics and to screen the cognitive function and prevalence of depression symptomatology in a group of elderly institutionalized in a home in Porto. 55 individuals participated in the study, 10 males and 45 females. It is a rather heterogeneous sample in what age is concerned, with an age range from 70 to 97, with an average age of 83.6 years and a standard deviation of 6.8 years. It is noteworthy that most subjects were widowed (41.8%), followed by the single (36.4%) and, finally, the married (18.2%). We found that most subjects have a low educational level, 18.2% have no schooling and 50.8% only completed the 1st cycle. The average years of schooling is 4.2 years, with a standard deviation of 2.9 years, with a minimum of zero years and a maximum of 12 years of schooling. The average number of institutionalization years is 6,1. To evaluate the cognitive function, we relied on Folstein’s Mini Mental State Examination (Folstein & McHugh, 1975), which has been validated for the Portuguese population. We found that the sub-tests of the MMSE are positive and statistically correlated with each other and with the total score. Regarding the correlation between total scores of MMSE and socio-demographic analysis, we found that there is a strong correlation between the years of schooling of our participants
Licenciada em Enfermagem, Instituto da Droga e Toxicodependência - Unidade de Desabituação do Norte, carlaloc@gmail.com Licenciada em Enfermagem Centro de Terapêutica Combinada do Hospital Joaquim Urbano, mcrodrigues@hotmail.com 3 Licenciada em Enfermagem, Unidade de Queimados do Hospital S. João, gustava.a.martins@gmail.com 4 Licenciado em Enfermagem, Centro de Terapêutica Combinada do Hospital Joaquim Urbano, ricardo_enfermeiro@hotmail.com Recebido em 08/2009. Aceite em 11/2009. 1 2
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and their total scores on that instrument, which is consistent with the literature.
clínicos que acompanham e caracterizam as pessoas idosas, resultando numa melhoria da sua qualidade de vida.
To assess depression we used Yesavage’s Geriatric Depression Scale (Yesavage, 1983), the Portuguese adaptation was produced by the Psychology Faculty of Medicine of Porto. As for depression symptomatology, we found that most seniors who participated in our study had of mild or moderate levels, a result that contradicts our original estimates based on assumptions relating to institutionalization, such as leaving the household, little family and emotional support, etc. However, despite the fact that the correlation between years of institutionalization and depression symptomatology is positive, it is not statistically significant.
A elaboração deste estudo foi apoiada na pesquisa bibliográfica e na reflexão. A metodologia utilizada baseia-se no método descritivo/reflexivo.
We believe that studies such as this should continue to be developed, contributing towards a better understanding of the individual characteristics of institutionalized elderly in different homes. Additionally, more studies should be carried out comparing the screening of cognitive function and prevalence of depression symptomatology in institutionalized elderly vs non-institutionalized elderly. KEYWORDS: Elderly; Institutionalization; Function; Depression Symptomatology
Cognitive
INTRODUÇÃO O presente artigo tem como finalidade caracterizar a população residente num lar de pessoas idosas do grande Porto quanto a: variáveis sociodemográficas, prevalência de sintomatologia depressiva e rastreio da função cognitiva. Deste modo, foram definidos os seguintes objectivos: • Caracterizar as pessoa idosas institucionalizadas num lar do Grande Porto • Analisar a relação entre: Variáveis sociodemográficas (género, idade, nível de escolaridade e anos de institucionalização) e os resultados obtidos num instrumento de rastreio da função cognitiva; Variáveis sociodemográficas (género, idade, nível de escolaridade e anos de institucionalização) e os resultados obtidos num instrumento de avaliação da sintomatologia depressiva. A motivação subjacente à realização deste estudo está relacionada com o facto de este tipo de estudos proporcionarem um melhor conhecimento das características individuais das pessoas idosas institucionalizadas. Este conhecimento irá permitir uma melhor adequação dos cuidados prestados, uma melhor intervenção das equipas multidisciplinares e, consequentemente, promoverá uma melhoria dos quadros
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A PESSOA IDOSA INSTITUCIONALIZADA As alterações sociais ocorridas nas últimas décadas trouxeram com elas algumas preocupações relativamente à população idosa, uma vez que levaram à criação de novos valores, atitudes e posições sociais que poderemos dizer que de certa forma, entram em contradição com os valores e tradições dos membros mais pessoa idosas da nossa sociedade. É de salientar que, actualmente, os principais valores da sociedade, inclusivamente os mais prioritários, são a produção, a rentabilidade, o consumo e o lucro. Face a estes valores, e de acordo com as normas sociais actuais, as pessoas com 65 anos ou mais têm dificuldades em manter-se activas. No dizer de alguns autores, a reforma é então um sinal da atitude egoísta da actual sociedade face às pessoas idosas, que são afastadas do mercado de trabalho, o que faz com que muitas destas pessoas idosas se sintam inúteis. Muitos outros acontecimentos têm como consequência a dependência da pessoa idosa relativamente aos seus familiares. O facto de ambos os elementos do casal trabalharem fora de casa, na maior parte dos casos, faz com que não haja muita disponibilidade para dar apoio às pessoas idosas da família, principalmente a nível emocional. A cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela a nossa forma de envelhecer, pois influencia todos os outros factores determinantes do envelhecimento. Todavia, e tal como foi referido anteriormente, a capacidade de adaptação vai diminuindo tornando-o cada vez mais sensível ao seu meio ambiente que, consoante as restrições ao funcionamento da pessoa idosa pode ser um obstáculo para a sua vida. Sendo assim, o bem-estar psicológico deste grupo etário está muito associado à sua satisfação em relação ao seu ambiente residencial. Podemos dizer que a casa, tanto para a pessoa idosa como para qualquer outra pessoa, adquire um significado psicológico único, uma vez que há grandes laços afectivos através da memória ao seu espaço e ao seu “cantinho”. As pessoas idosas, ao longo do tempo, vão tendo um apego de forma especial à sua casa, criando um sistema de espaço – ambiente. Este espaço é bastante importante, ao qual estão associados um conjunto de sentimentos que fazem com que a pessoa idosa esteja emocionalmente vinculada àquele lugar. Por isso, esta encontra aí, um sentimento de auto - estima positivo, uma vez que ao manter-se na sua casa demonstra aos outros que ainda mantém a sua autonomia e independência. Há também pessoas idosas que estão muito ligadas ao recheio da sua casa. Os bens pessoais têm grande valor sentimental
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para elas, pois levam-nas a recordar acontecimentos, pessoas, épocas e até os locais que fizeram parte da sua vida. Por tudo isto, é fácil percebermos que a decisão, de viver numa instituição, nunca é uma tarefa fácil e não deve ser tomada de ânimo leve ou apenas porque outros assim o querem. Porém, há vários motivos que podem levar a pessoa a optar pela institucionalização, entre os quais, problemas de incapacidade e/ou dependência física, viuvez, recursos económicos insuficientes para manter a sua casa, etc. Por outro lado, algumas vezes é a própria que deseja ir para um lar como forma de garantir a segurança de um futuro que se apresenta difícil, porque nos dias de hoje em que os filhos trabalham fora de casa com o respectivo cônjuge é difícil atender às necessidades da pessoa idosa e por esse facto em vez de se sentir um estorvo em casa dos filhos prefere ir para um lar. Após a ida para o lar desenvolvem-se todo um conjunto de problemas. A pessoa deixa para trás tudo o que tinha significado para ela (casa, objectos pessoais, etc.) e é despojada do que lhe dava “segurança” afectiva. Este processo de transição é muito difícil e por vezes não é conseguido da melhor forma, porque há pessoas idosas que não conseguem fazer por si só este processo de transição. E é importante pensarmos duma forma que englobe a pessoa como um todo. A visão completa do indivíduo concebe o Homem como um todo, em que as dimensões biológicas, psicológicas e sociais se ligam e fazem parte de um todo e não podem ser fragmentadas ou compartimentadas. A preocupação centrase no que é mais visível e mais palpável, isto é, na parte biológica, deixando para segundo plano, frequentemente, as outras dimensões da pessoa idosa, já fragilizada pela idade e pela situação de perdas que foi tendo e incluindo a perda de saúde. Isto, faz-nos reflectir, tendo em conta que a “[...] saúde não depende do êxito isolado de um factor de equilíbrio, quer este seja de natureza biológica, psicológica ou sociocultural, mas sim da sua recíproca capacidade e adequação à resposta dos mecanismos de defesa pessoais, sociais e culturais.” (Gomes, 1995, p.27) Nas instituições as pessoa idosas reduzem grandemente a sua actividade e sabemos que a actividade mantém o normal funcionamento cognitivo e é pelo movimento que o Homem comunica, se expressa, estabelece relações e se sente útil e eficaz. A privação na pessoa idosa de estímulos exógenos, ambientais e pessoais, pode ser descrito como um desespero caracterizado por reacções de angústia e ansiedade que se traduzem por insónias, queixas constantes, agitação, suores, palpitações e outras projecções somáticas, alertando a todo o momento os enfermeiros e a própria família. METODOLOGIA Participantes A população alvo deste estudo é constituída por pessoas idosas residentes num lar do Grande Porto.
Os critérios de inclusão na amostra foram a aceitação do consentimento informado e a compreensão oral das questões colocadas. Instrumentos Os instrumentos a utilizar serão três: um questionário de caracterização sociodemográfica, o Mini Mental State Examination de Folstein (Folstein & McHugh, 1975) e a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage (1983). Questionário de caracterização sociodemográfica: O questionário para a caracterização da amostra, construída para este estudo, é composto por questões de resposta fechada. Teve como objectivo a recolha de dados relativos às características individuais dos sujeitos. Os itens referemse ao género, idade, estado civil, nível de escolaridade e anos de institucionalização. Mini Mental State Examination (MMSE): O Mini Mental State Examination é uma prova de rastreio cognitivo breve e de fácil interpretação que permite obter uma informação geral dos processos cognitivos, mas não permite realizar um diagnóstico clínico. Designa-se “mini” por se concentrar apenas nos aspectos cognitivos das funções mentais, excluindo as questões que dizem respeito ao “humor” e à forma de pensamento, fornecendo, pois, o aspecto quantitativo do estado cognitivo do sujeito. Os resultados obtidos devem ser sempre integrados na avaliação clínica do sujeito, no sentido de determinar a eventual causa da deficiência ao nível cognitivo. O MMSE consta de um total de 30 pontos e consiste numa avaliação estruturada de algumas funções cognitivas tais como: orientação temporal (5 pontos); orientação espacial (5 pontos); memória de retenção (3 pontos); atenção e cálculo (5 pontos); memória de evocação (3 pontos); linguagem oral e escrita (8 pontos); construção (1 ponto). O ponto de corte habitualmente utilizado para a presença de demência é a transição dos 23 para os 24 pontos, sendo considerada mais adequada na identificação de demência em pessoas idosas a transição 21/22. (Botelho, 2000). Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage: para avaliação da sintomatologia depressiva recorremos à Escala Geriátrica de Depressão de Yesavage (1983), cuja adaptação portuguesa foi realizada pelo Serviço de Psicologia da Faculdade de Medicina do Porto. A escala não incide sobre sintomas físicos, dando mais relevo às cognições depressivas, sendo constituída por 15 (versão breve) ou 30 (versão integral) perguntas de resposta simples (Sim ou Não). Tem a vantagem de ser uma escala específica para pessoas idosas. Recolha dos Dados A amostra foi recolhida durante os meses de Março e Abril de 2009.
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Antes de iniciar o estudo, foi efectuado um pedido formal à instituição com o objectivo de solicitar a autorização para levar a cabo a presente investigação. Após a obtenção da autorização do lar, e dada a explicação do estudo e obtida a aceitação do consentimento informado, foi solicitado aos utentes o preenchimento dos questionários. O preenchimento dos questionários junto dos utentes foi realizado pelos Enfermeiros que se encontravam em período de estágio no âmbito do Curso de Especialidade em Saúde Mental e Psiquiatria da Escola Superior de Enfermagem do Porto. No sentido de minimizar os prejuízos da avaliação, as perguntas foram sempre lidas aos utentes na presença dos Enfermeiros responsáveis pelo estudo. Análise dos Dados Para o tratamento estatístico dos dados, foi utilizado o programa informático SPSS (Statistical Package for Social Sciences – versão 16).
Quanto à variável estado civil, é de salientar que a maioria dos sujeitos é viúva (41,8%), seguida de solteiros (36,4%) e, por fim, de casados (18,2%). Ao analisar a amostra de acordo com a variável nível de escolaridade, constatamos que a maioria dos sujeitos possui um baixo nível escolar, em que 18,2% não tem qualquer grau de escolaridade e 50,8% completou apenas o 1º ciclo. Quantitativamente, a média de anos de escolaridade situase em 4,2 anos, com um desvio-padrão de 2,9 anos, com um mínimo de zero e um máximo a 12 anos de escolaridade. Quanto à variável anos de institucionalização, verificámos que a média de anos é de 6,1, com um desvio-padrão de 3,3 anos, variando num intervalo de 1 a 12 anos. Quadro 1 – Caracterização dos participantes em função das características sociodemográficas
A análise estatística dos dados compreendeu, num primeiro momento, a análise descritiva com recurso aos valores das frequências, absolutas e relativas, e medidas de tendência, central e de dispersão. Para o estudo das diferenças de adesão tendo em conta as variáveis sociodemográficas, foi utilizado o U Mann-Whitney Test para variáveis dicotómicas e a análise de variância ANOVA para as variáveis operacionalizadas em mais do que duas categorias. Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (r) para conhecer a força de associação entre as diferentes variáveis, sendo este uma medida de intensidade de associação existente entre variáveis quantitativas. Nos resultados dos testes de hipóteses, o limite inferior de significância assumido foi p≤0,05 (grau de confiança de 95%), após assumida a normalidade da amostra. RESULTADOS São apresentadas as análises estatísticas referentes aos instrumentos utilizados para a recolha dos dados e a sua relação.
Resultados obtidos pelos participantes nos instrumentos de avaliação MMSE e EDG: Passamos a apresentar os resultados obtidos pelos participantes que integraram a amostra nos instrumentos MMSE e EDG. No caso particular do MMSE, são também apresentados os resultados de cada sub-prova que compõe o referido instrumento. Quadro 2 – Pontuações obtidas pelos participantes no Mini Mental State Examination (MMSE)
Caracterização dos participantes em função das características sociodemográficas: Pela análise do Quadro 1, podemos observar que se trata de uma amostra com 55 idosos, relativamente heterogénea quanto à idade, com um intervalo de idades situado entre os 70 e os 97 anos, com uma média de 83,6 anos e um desvio-padrão de 6,8 anos. Relativamente à variável género, verificamos que a amostra é constituída maioritariamente por sujeitos do género feminino, correspondendo a 81,8% do total, sendo apenas 18,2% do género masculino.
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De acordo com a análise do Quadro 2, podemos verificar que a média das pontuações totais obtidas pelos participantes é 23,3 pontos, com um desvio-padrão de 5,4, a variar no intervalo de 9 a 30 pontos.
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Analisando as pontuações obtidas pelos participantes em cada sub-prova do MMSE, podemos verificar que, para a sub-prova “orientação”, a média das respostas correctas se situa em 7,7 pontos, com um desvio-padrão de 2,7, a variar entre zero (significa que não houve nenhuma resposta correcta nesta sub-prova) e 10 (corresponde à totalidade das respostas correctas nesta sub-prova). Relativamente à sub-prova “retenção”, a média das respostas é de 2,9 pontos, com um desvio-padrão de 0,3, a variar entre 1 e 3 (corresponde à pontuação máxima que se pode obter nesta sub-prova). Relativamente à sub-prova “evocação”, a média das respostas situa-se em 1,7 pontos, com um desvio-padrão de 1,2, a variar no intervalo de 0 (ausência de respostas correctas) e 3 (totalidade das respostas correctas). No que se refere à “atenção e cálculo”, podemos constatar que a média das respostas se situa em 3,5 pontos, com um desvio-padrão de 1,7, a variar entre 0 (ausência de respostas correctas nesta sub-prova) e 5 (totalidade das respostas correctas nesta sub-prova). Por fim, na “linguagem”, verificamos que a média das respostas se situa em 7,4, com um desvio-padrão de1,4, a variar entre 3 e 9 (corresponde à pontuação total possível para esta sub-prova). Analisemos agora os resultados obtidos pelos participantes na Escala de Depressão Geriátrica. De acordo com o Quadro 3, podemos verificar que a média das respostas dadas pelos participantes é de 14,8 pontos, com um desvio-padrão de 6,5, a variar no intervalo de 3 e 27 pontos. De acordo com os pontos de corte definidos pelo instrumento em questão, podemos verificar que 25,5% dos participantes se encontra na “Normalidade”, não apresentando sintomas evidentes de depressão. Já 50,9% dos participantes apresenta “Sintomatologia depressiva ligeira ou moderada” e 23,6% apresentam “Sintomatologia depressiva grave”. Quadro 3 – Resultados obtidos pelos participantes na Escala de Depressão Geriátrica (EDG)
para a variável “género” relativamente às pontuações obtidas no instrumento MMSE para rastreio da função cognitiva. No que se refere à variável “estado civil”, não foi encontrada qualquer diferença estatisticamente significativa. Através da análise do Quadro 4, podemos observar que existem diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino (M=37,30) e os sujeitos do género feminino (M=25,39; DP=6,81; z=-2,04; p=0,04), a favor dos sujeitos do género masculino. Quadro 4 – Estudo das diferenças da “Função Cognitiva – MMSE” em função da variável “Género”
Efectuámos também o estudo das diferenças relativamente à variável “género” e a Função Cognitiva avaliada pelo MMSE, atendendo aos resultados obtidos em cada sub-prova do instrumento. Pela análise do Quadro 5, podemos verificar que não existem diferenças estatisticamente significativas na sub-prova “orientação” entre os sujeitos do género masculino (M=8,5, DP=1,7) e os sujeitos do género feminino (M=7,5, DP=2,8, z=-0,5, p=0,5). O mesmo se verifica na sub-prova “retenção”, em que não se verificam diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino (M=3,0, DP=0,0) e os sujeitos do género feminino (M=2,9, DP=0,2, z=-0,4, p=0,6). Na sub-prova “atenção e cálculo” podemos verificar, contrariamente às anteriores, que existem diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino (M=4,4, DP=1,5) e os sujeitos do género feminino (M=3,3, DP=1,7, z=-2.3, p=0,01) a favor dos sujeitos do género masculino. Na sub-prova “evocação”, não existem diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino (M=2,3, DP=0,6) e os sujeitos do género feminino (M=1,6, DP=1,1, z=-1,5, p=0,1).
Estudo das diferenças da “Função Cognitiva” em função das variáveis sociodemográficas: Passamos a apresentar as análises diferenciais em função das variáveis. Verificouse a existência de diferenças estatisticamente significativas
Por fim, na sub-prova “linguagem” também não se verifica a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino (M=8,0, DP=1,0) e os sujeitos do género feminino (M=7,2, DP=1,3, z=-1,6, p=0,1).
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Quadro 5 – Estudo das diferenças da “Função Cognitiva em cada sub-prova do MMSE” em função da variável “Género”
cálculo” (r=0,27, p≤0,05) e com a pontuação total obtida no MMSE (r=0,36, p≤0,01). No que se refere à “atenção e cálculo”, esta correlacionase estatística e positivamente com a “linguagem” (r=0,28, p≤0,05) e com a pontuação total obtida no MMSE (r=0,80, p≤0,01). Relativamente à “evocação”, podemos constatar que apresenta correlações positivas e estatisticamente significativas com a pontuação total obtida no MMSE (r=0,63, p≤0,01).
Relativamente aos valores obtidos na Escala de Depressão Geriátrica, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas para a variável “género” e “estado civil”. Análises Correlacionais em função das variáveis sociodemográficas: Foi efectuada uma análise correlacional entre os valores obtidos no MMSE e na EDG e as variáveis. No caso particular do MMSE, foram também realizadas as correlações de Pearson entre os valores obtidos pelos participantes em cada sub prova e a pontuação total. Pela análise do Quadro 6, podemos verificar que apenas existe uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre a variável “anos de escolaridade” e a pontuação total obtida pelos participantes no instrumento de rastreio da função cognitiva MMSE (r=0,43, p≤0,01). Este resultado indica-nos que quanto mais elevado for o grau de escolaridade dos participantes, mais elevadas serão as pontuações obtidas no MMSE, sugerindo assim uma forte associação entre estas variáveis. Quadro 6 – Correlações de Pearson entre “MMSE”, “EDG” e variáveis sociodemográficas
Por fim, a “linguagem” correlaciona-se positiva e estatisticamente com a pontuação total obtida no MMSE (r=0,48, p≤0,01). Quadro 7 – Correlações de Pearson entre as sub-provas e a pontuação total obtidas no MMSE
DISCUSSÃO O perfil das pessoa idosas residentes neste lar é maioritariamente constituído por indivíduos do género feminino e com idades compreendidas entre os 70 e os 97 anos. Os sujeitos são, na sua maioria, viúvos, com baixo nível de escolaridade, sendo de salientar que cerca de 18% não tem qualquer escolaridade e a maioria concluiu o 1º ciclo de estudos. A média de anos de institucionalização é de 6, sendo que o número máximo de anos de institucionalização é de 12 anos.
No que se refere às correlações existentes entre a pontuação total do MMSE e as sub-provas que o constituem, podemos analisar os resultados apresentados no Quadro 7. Relativamente à “orientação”, podemos verificar que existem correlações estatisticamente significativas e positivas com a “retenção” (r=0,28, p≤0,05), com a “atenção e cálculo” (r=0,69, p≤0,01), com a “evocação” (r=0,62, p≤0,01) e, finalmente, com a pontuação total obtida no MMSE (r=0,92, p≤0,01). Relativamente à “retenção”, verificámos que esta se correlaciona estatística e positivamente com a “atenção e
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Relativamente aos resultados obtidos pelos participantes no instrumento de rastreio da função cognitiva MMSE, verificámos que existem diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos do género masculino e feminino que integram a nossa amostra, no sentido de serem os homens a apresentar valores mais elevados comparativamente com as mulheres. No entanto, não podemos extrapolar estas diferenças encontradas, uma vez que o tamanho da amostra é reduzido e, por outro lado, não existe homogeneidade de número entre os grupos. Verificámos que as sub-provas do MMSE se encontram positiva e estatisticamente correlacionadas entre si e com a pontuação total, não se verificando resultados incoerentes entre cada sub-prova.
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No que concerne à correlação existente entre as pontuações totais do MMSE e as variáveis analisadas, verificámos que existe uma forte correlação entre os anos de escolaridade dos nossos participantes e as suas pontuações totais no referido instrumento. Relativamente à sintomatologia depressiva, constatámos que a maioria das pessoas idosas que participaram no nosso estudo apresenta índices de sintomatologia depressiva ligeira ou moderada. Inicialmente, considerámos que as pessoas idosas institucionalizadas há mais anos apresentariam índices de sintomatologia depressiva superiores. Partimos deste pressuposto, atendendo aos factores inerentes à institucionalização como, sair do ambiente familiar, ter pouco suporte familiar e emocional, com visitas esporádicas, que tanto contribui para o humor depressivo das nossas pessoas idosas. No entanto, apesar da correlação entre os anos de institucionalização e a sintomatologia depressiva ser positiva, não se revelou estatisticamente significativa, não nos permitindo assim corroborar o pressuposto inicialmente considerado, baseado num estudo de Fernandes (2002), que cita Herrero (1993). Este estudo, em consonância com o que é proposto por Herrero, defende que um elevado número de factores são susceptíveis de contribuir negativamente no surgimento da sintomatologia depressiva na pessoa idosa institucionalizada, entre os quais se incluem “a vida monótona e rotineira, a desinserção familiar e comunitária e o tratamento de todos da mesma forma, “mecanicista”, sem ter em conta as diferenças individuais.”(Fernandes, 2002, p.177) Consideramos que este tipo de estudos deve continuar a ser desenvolvido, para que se possa obter conhecimento acerca das características individuais das pessoas idosas institucionalizadas. Tal irá permitir uma prestação de cuidados mais adequados às necessidades de cada um e uma intervenção mais eficiente por parte das equipas multidisciplinares. Desta forma, promove-se a melhoria dos quadros clínicos que acompanham e caracterizam esta população, em benefício da sua qualidade de vida. CONCLUSÕES Envelhecer é um processo complexo, influenciado por muitos factores, entre os quais se destacam: a hereditariedade, a nutrição, a doença e as condições. As recentes alterações sociais, que provocaram uma alteração do modelo de família, criaram um fenómeno, a institucionalização da pessoa idosa, aliado ao aumento da esperança média de vida, que convém estudar e compreender, nomeadamente o efeito que provoca na pessoa idosa. O progressivo envelhecimento da população coloca os lares como peça fundamental do apoio social às pessoas idosas, sobretudo tendo em conta factores como o crescimento notório do número de pessoas idosas, as alterações da estrutura familiar, as pessoas idosas que vivem sós
ou são maltratadas, a desadaptação e degradação das habitações e a degradação da condição de saúde, factores que são agravados pelo facto de os apoios de proximidade continuarem a ser insuficientes. As pessoas idosas são muitas vezes tratadas como crianças e acabam por se comportar como tal, sendo esta a grande ameaça de regressão psíquica. Esta atitude é protagonizada, na maioria das vezes, pela família no domicílio ou até pelo pessoal de instituições sociais, num excesso de zelo pela segurança da pessoa idosa. Para concluir, podemos dizer que a privação de estímulos ambientais e afectivos pode desencadear situações de confusão e deterioração da capacidade mental, podendo assim gerar-se uma relação de conflito com os cuidadores. É, por isso, importante repensar a forma como tratamos as nossas pessoas idosas, sem esquecer que amanhã seremos nós a encetar essa caminhada. Este trabalho será ainda mais produtivo se forem efectuados mais estudos nos restantes lares do Grande Porto, já que, assim sendo, a amostra seria maior, o que permitiria obter resultados mais fiáveis e possíveis de extrapolar. Finalmente, não podemos deixar de destacar a colaboração de todos os utentes participantes neste estudo, que nos trataram sempre com respeito e simpatia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bizze, R. & Vallier, C. (1985). Uma vida nova: a terceira idade. Lisboa/S.Paulo: Verbo. Botelho, M. A. (2000). Autonomia Funcional em Pessoa idosas: caracterização multidimensional em pessoa idosas utentes de um centro de saúde urbano. Porto: Bial. Cordeiro, J.C.D. (1979). A terceira idade na perspectiva preventiva. O médico, 1439, 581-583. Costa, M. A. (2002). Cuidar pessoa idosas: formação, práticas e competências dos enfermeiros. Lisboa: Educa e Formasau. Fernandes, P. (2002). A depressão no Pessoa idosa. Coimbra: Quarteto Editora. Fontaine, R. (2000). Psicologia do Envelhecimento (1aed.). Lisboa: Climepsi Editores,. Folstein & McHugh (1993). Mini Mental State - MMS. Adapt. Manuela Guerreiro e Colaboradores, Hospital de Santa Maria. Gomes, C.A. (1995). Desemprego: Repercussões na saúde Mental do Individuo. Coimbra.
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La Rue, J. (1998). Guia de Psiquiatria Geriátrica (1a ed.). Lisboa: Climepsi Editores. Netto, M. (2006). Tratado de gerontologia (2a ed.). São Paulo: Atheneu. Paúl, M. C. (1997). Lá Para o Fim da Vida – pessoa idosas, família e meio ambiente. Coimbra: Livraria Almedina. Sequeira, C. (2007). Cuidar dos Pessoa idosas Dependentes. Coimbra: Quarteto Editora. Yesavage, J. (1983). Escala de Depressão Geriátrica. Tradução do Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demência, Unidade de Psicogeriatria do Hospital de Magalhães Lemos, Porto.
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9 Caracterização dos doentes com esquizofrenia e que têm filhos José Carlos Carvalho1; António Leuschner2; Paula Pinto Freitas3
RESUMO Com este estudo preliminar, pretendemos selecionar o grupo alvo, para um estudo mais aprofundado do funcionamento das famílias dos doentes com esquizofrenia e com filhos, nomeadamente as repercussões nos filhos e conjuge. As pessoas com esquizofrenia estão sujeitas a uma significativa quantidade de dificuldades e diferenças. A perda de funcionalidade devido à doença, a perda de competências, a vulnerabilidade aos acontecimentos de vida, os efeitos da terapêutica e a sintomatologia da doença, podem provocar alterações no seio familiar com repercussões na familia e nos filhos. Em Portugal, existe alguma investigação sobre a esquizofrenia e sobre a família do doente com esquizofrenia, no entanto, não conhecemos trabalhos que façam referência aos descendentes dos doentes, pelo que esta caracterização das famílias de doentes com esquizofrenia e com filhos nos pareceu pertinente. Verificamos que os doentes com esquizofrenia e com filhos, são maioritariamente casados, com uma média de idade a rondar os 50 anos e que 63,3% dos filhos vivem com o progenitor doente. Quando os filhos vivem apenas com um progenitor, vivem habitualmente 37,8% com a mãe, 22,3% com a mãe não doente e 15,4% com a mãe doente. PALAVRAS-CHAVE: Esquizofrenia; Filhos; Família ABSTRACT We aim to optimize responses of this target group in order to contribute to an improvement of the quality of life, as well as a reduction in the incidence of repercussions for families and children. People with schizophrenia are subject to a significant amount of differences and difficulties. The loss of functionality due to illness, loss of skills, life events, the effects of therapy and symptoms of the disease can cause or provoke changes within the family, having a consequent impact on family and children.
In Portugal, there is some research on schizophrenia and the family of the patient with schizophrenia, however, it is not known research that refers to the offsprings of patients with schizophrenia. Hence, this characterization seems to pertinent. Provided that individuals diagnosed with schizophrenia are one of the aims of our study, we intend to present some preliminary data in order to select patients and to compose the sample. We verified that parents with schizophrenia are mostly married, with an average age of around 50 years, 63.3% of offspring live with the patient. When living with only one parent, the mother has the largest high value with 37.7% of the situations. KEYWORDS: Schizophrenia; Children; Family INTRODUÇÃO Desde Kraepelin e Bleuler, a esquizofrenia nunca deixou de suscitar interrogações e investigações, aliado ao facto de ser cada vez maior o interesse na investigação da matriz familiar como geradora de factores predisponentes e/ou de manutenção da patologia mental grave. Para a pessoa com doença psiquiátrica a família é um elemento-chave: as alterações das relações no seu seio, a comunicação e os métodos de resolução de problemas influenciam o bem-estar dos seus membros e podem contribuir para o desenvolvimento da doença e/ou agravamento da sintomatologia da doença pré-existente. Mesmo antes do diagnóstico, as manifestações da doença têm efeitos destabilizadores no sistema familiar e o rótulo de “doente psiquiátrico” vem agravar a situação - a estigmatização social e o cariz crónico da doença, aliados aos efeitos que esta tem sobre as expectativas de vida, da pessoa e da família. No passado, diversas teorias estabeleceram uma relação directa entre a doença e inter-relação familiar, o que se traduziu numa culpabilização da família pelo processo da
Prof. Adjunto na Escola Superior Enfermagem do Porto (ESEP), zecarlos@esenf.pt Prof. Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) 3 Prof.ª Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) Recebido em 09/2009. Aceite em 10/2009. 1 2
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doença e numa relação de desconfiança entre as instituições psiquiátricas e a unidade familiar. Apesar deste pressuposto ser errado, uma vez que toda e qualquer doença psiquiátrica tem uma génese multifactorial, a própria Comissão Nacional de Saúde Mental (2007), reforça que o “ambiente” inafectivo e stressante é causa fundamental da actual subida em flecha das perturbações psiquiátricas. Torna-se premente envolver e intervir na família. Curiosamente durante muitos anos, as famílias do doente psiquiátrico foram consideradas como parte do problema, não como parte da solução. Quando se fala na família, esta temática centra-se, na reinserção social, na inclusão na comunidade, na reformulação da rede de cuidados assistênciais psiquiátricos, da sobrecarga familiar e dos cuidadores (na sua maioria os pais), não direccionando a atenção, para aqueles que estando no seio familiar, precisam também de atenção, de cuidados, de educação/formação por parte do doente e da família - os filhos. As perturbações emocionais e comportamentais das crianças e dos adolescentes, têm uma prevalência estimada, entre os 10 e 20 % (OMS, 2001), identificando como preocupantes situacões como atrasos e perturbações do desenvolvimento, défices cognitivos e psicossociais, absentismo escolar, comportamentos desajustados/delinquência, uso substâncias, problemas que poderão manter-se e a agravarse na idade adulta. A saúde mental das crianças e dos adolescentes é uma prioridade identificada pela OMS e reconhecida no plano nacional de saúde de 2007, no âmbito da saúde global da população portuguesa, sendo prioritária o diagnostico precoce das situações problemáticas recomendando-se para tal uma boa articulação entre os cuidados de saúde primários e os serviços de saúde mental infantil e juvenil e de adultos. ESQUIZOFRENIA A esquizofrenia encontra-se entre as dez principais causas de sobrecarga social a longo prazo. Como doença psicótica, perturba intensamente as diferentes áreas da actividade psicológica: o pensamento (existência de ideias delirantes); o afecto (embotamento afectivo); percepções (existência de alucinações); atenção e concentração; volição (apatia); e o comportamento (instabilidade) ... Ebert, Loosen, & Nurcombe (2002). A esquizofrenia caracteriza-se por uma combinação de sinais e sintomas, com prejuízo no funcionamento ocupacional ou social e afecta pessoas de todas as classes sociais e persiste por toda a vida. Não existe consenso, quanto aos factores que influenciam ou causam o aparecimento da esquizofrenia pelo que existem
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algumas teorias explicativas: factores genéticos (estudos de adopção e em gémeos, demonstram que existe uma predisposição genética para a esquizofrenia), a probabilidade de uma qualquer pessoa desenvolver a doença é de 0,5 a 1%, mas esta aumenta quando há familiares com esquizofrenia, com um dos pais doente - 12% e com ambos os pais afectados é da ordem dos 40%, a teoria neuroquímica ou hipótese dopaminérgica; a doença macroscópica cerebral e as teorias psicodinâmicas e sociais (em que existem factores relevantes no desenvolvimento da esquizofrenia como: a personalidade, a dinâmica familiar e os acontecimentos de vida) e os factores ambientais, tem menor influência em comparação com os factores genéticos, no entanto, em 70% dos casos de indivíduos diagnosticados, o doente não tem parentes afectados (Sadock & Sadock, 2008). A existência de comportamentos potenciadores de agressividade ou comportamentos desajustados/ despropositados, poderá destabilizar o ambiente familiar, aumentar os níveis de stress na família e criar ambientes familiares menos protectores e securizantes para os filhos. A FAMÍLIA DO DOENTE COM ESQUIZOFRENIA A esquizofrenia é uma doença que afecta profundamente a família. A família vivencia um processo de “luto interminável” pelo familiar que é doente. Acresce um sentimento de impotência, o medo do futuro, do desconhecido, o isolamento e a falta de suporte social e emocional com que a família se poderá deparar. Os familiares mais próximos à pessoa doente são os primeiros a percepcionar uma alteração da personalidade e/ ou do comportamento desse membro da família (alteração: apetite, do padrão de sono/repouso, do desempenho escolar ou do trabalho, comportamentos sociais, falta interesse por actividades e passatempos...). Existem particularidades da doença que têm maior impacto na estabilidade familiar, como a negligência no autocuidado; a desconfiança; a existência de delírios, assim como comportamentos que, não sendo específicos da esquizofrenia, a família considera perturbadores como a não adesão ao regime terapêutico, falta de motivação, dificuldade para completar tarefas e a má gestão financeira. Estes doentes com frequência isolam-se socialmente, tendo maior dificuldade em entrar/continuar no mercado de trabalho (pelos déficits provocados pela doença, pelos comportamentos não adequados e imprevisíveis e mesmo pelo estigma social existente, com consequente perda de poder económico da familia. A doença apresenta uma evolução contínua, podendo ocorrer uma deterioração gradual das capacidades do indivíduo. Apesar do risco de detioração existe margem para recuperação (Barraclough, 2004) e para a reabilitação.
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As relações familiares “anormais” já não são consideradas como um factor causal da doença, são pelo contrário muitas vezes consideradas como uma consequência da doença. Por outro lado, os acontecimentos de vida podem ser desencadeadores de um episódio agudo, uma vez que, se verificou que existe um excesso de acontecimentos aos quais a pessoa não se consegue adaptar nos meses que precedem o primeiro episódio da doença. A família é a maior fonte de apoio social e pessoal de que podem dispor as pessoas, tanto em períodos de dependência (doença, desemprego), como de independência ou interdependência (estabilidade laboral, pessoal e profissional). Alguns estudos têm demonstrado que as pessoas que dispõem de um sistema de apoio familiar efectivo suportam melhor as crises da vida, assim como o impacto do stress é muito menor nas pessoas que têm este tipo de apoio disponível (Martí, Lluch & Lopez de Vergara, 2000). A esquizofrenia representa em Portugal a primeira entidade responsável pela doença mental, com 21,2% dos casos (65,1% M./34,9% F.), seguida da depressão com 14,9%. Estes são valores relativos a doentes, referenciados nos serviços de Psiquiatria (internamento, consultas e urgência). A região Norte é a que apresenta os valores mais elevados... para a esquizofrenia e para as psicoses afectivas (3o Censo Psiquiátrico em Portugal - Nov 2001). Num estudo realizado por Marques-Teixeira e col. (2006), 64,4% dos doentes com esquizofrenia vivem dependentes da família, apenas 18,6% referem ter uma relação com um cônjuge ou companheiro, a maioria está desempregada (35%) ou reformada (33,7%) e 41,5% dos doentes referiram não ter actividades sociais com os amigos ou familiares. No que se refere à qualidade de vida destes doentes, concluiu-se que 70,5% sente dificuldade em executar as suas actividades diárias, 76,5% apresenta co-morbilidade de ansiedade e depressão, cerca de metade acusa desconforto ou dor, 25% não é capaz de realizar os cuidados pessoais e 60% sofre de disfunção sexual. Assim sendo, os doentes portugueses com esquizofrenia, estarão entre os mais dependentes da família, em toda a Europa. PROCEDIMENTOS O objectivo principal deste estudo preliminar era identificar e caracterizar os doentes de um hospital psiquiátrico com o diagnóstico de esquizofrenia (CID9: 295) e que tinham filhos. Foram respeitados todos os procedimentos éticos, nas diversas fases do estudo. Para a concretização deste objectivo e uma vez que não existia informação estruturada, foram utilizadas várias estratégias com a finalidade de obter o máximo de doentes referenciados e o maior rigor na caracterização da população.
1. Para identificação de todos os doentes com o diagnóstico de esquizofrenia (CID9: 295), recorreu-se à base de dados de uma instituição psiquiátrica (registos dos serviços da consulta e do internamento). Foram identificados 3056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia. 2. Para identificação do sub-grupo de doentes com esquizofrenia e com filhos recorremos a múltiplas estratégias: 2.1 Foi solicitado o apoio ao pessoal de Enfermagem da consulta externa, que ajudou a referenciar o maior número de doentes (melhor conhecimento dos doentes) com possibilidade de terem filhos. 2.2 Foi solicitada uma colaboração multidisciplinar aos profissionais de saúde mental (enfermeiros, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais), pelo conhecimento que podiam ter junto dos doentes e famílias. 2.3 Foram consultados os processos clínicos no arquivo da instituição, para detecção de referências à existência de filhos. Esta consulta revelou-se pouco eficaz pela dificuldade em encontrar referências explícitas, relativamente aos descendentes. 3. Depois desta 1ª etapa de referenciação dos doentes com filhos e de cruzar os dados com a informação dos processos clinicos, foram contactados os doentes e familiares, para validar e completar informações relativas ao agregado familiar (situação conjugal do doente identificado, conferir a existência de filhos, número, sexo, idades, com quem viviam os filhos - ambos os progenitores, progenitores não doente ou progenitores doente). Este primeiro contacto foi realizado quer pessoalmente, no espaço da consulta externa, quer pelo telefone, aos doentes/ familiares. Eram explicados os objectivos e a finalidade do estudo e solicitada a participação para a 2ª fase do estudo. A Organização da base de dados foi efectuada com ao programa Excel da Microsof e ao SPSS 17.0. Foi efectuada a comparação entre os grupos da população com esquizofrenia e dos doentes com esquizofrenia e com filhos. Os dados são apresentados com o número e percentagem de ocorrências. RESULTADOS 1. A partir do registo da instituição psiquiátrica, foi possível identificar 3056 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia. 2. Pelo método citado anteriormente, conseguimos referenciar 213 (6,9%) doentes com o diagnóstico de esquizofrenia e que tinham filhos.
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3. Foi possível contactar 155 (72,8%) e temos a informação da existência de 274 filhos.
afectiva têm mais filhos em comparação com o grupo total dos doentes com esquizofrenia.
Foi efectuada a comparação entre a população dos doentes com o diagnóstico de esquizofrenia e os doentes seleccionados com filhos relactivamente às variáveis: sexo e estado civil (tabela 1).
Tabela 2 – Comparação entre população dos doentes com o diagnóstico de esquizofrenia e os doentes seleccionados com filhos.
A esquizofrenia é mais prevalente no sexo masculino (60,97%), mas no grupo com filhos, este valores são praticamente iguais nos dois sexos. No grupo com filhos 51,6% são mulheres enquanto no grupo total de doentes só 39,0% são mulheres. Este facto poderá estar relacionado com o aparecimento mais tardio da doença no sexo feminino o que poderia facilitar a constituição da família e o nascimento dos filhos das mulheres com esquizofrenia relativamente aos homens (McGrath et al. 1999). O estado civil (solteiro) é o responsável por 59% da população total com esquizofrenia, já nos doentes com filhos, este valor situa-se pelos 20%. O grupo de doentes com filhos são maioriamente casados (58 %). Relativamente aos doentes divorciados e apesar de o n ser pequeno constatamos que a percentagem de doentes divorciados e com filhos é praticamente o dobro da percentagem de divorciados no grupo total de doentes. Interrogamo-nos se o nascimento dos filhos será factor agravante de instabilidade conjugal. Tabela 1 – Comparação das variáveis sexo e estado civil, entre a população dos doentes com o diagnóstico de esquizofrenia e os doentes seleccionados com filhos.
*média em anos
O número médio de filhos por doente, situa-se em 1,77, com uma amplitude de [1-7]. Verificamos que relativamente ao tempo de doença existe uma amplitude bastante grande, entre [1-46] base de dados e entre [1-40] no grupo com filhos, com uma média de 23,5/18,5 anos de doença. Os Filhos: Dos 155 doentes contactados, foi possível caracterização o sexo e com coabitavam os filhos (tabela 3). Inquiridos sobre com quem vivem os filhos, 119 (63,29%) vivem com o doente (quer seja mãe ou o pai, quer com os dois progenitores). Na situação em que os filhos vivem apenas um progenitor, a mãe apresenta o maior valor com 71 filhos (37,7%). Um aspecto algo surprendente, ainda com um n baixo, é o facto de os filhos que vivem apenas com o pai sendo este o doente, ser mais do dobro dos casos em que o pai é o projenitor não doente [11 (5,85%) / 5 (2,65%)].
Comparamos estes dois grupos relactivamente às variáveis: idade e diagnóstico (tabela 2). Não existe uma diferença significativa na idade, com médias a oscilar entre os 45 e os 49 anos. Relativamente aos diagnósticos médicos, são praticamente coincidentes nos dois grupos. Apenas os doentes com a esquizofrenia na forma esquizo-
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A viver com familiares (avós, tios, padrinhos) existem 14 filhos, com uma média de idade de 12,5 anos.
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Tabela 3 – Caracterização dos filhos dos doentes.
Este trabalho de caracterização além de permitir selecionar a amostra para o estudo, visa melhorar o conhecimento das famílias e dos agregados familiares dos doentes com esquizofrenia. A ausência de referências aos filhos e à familia dos doentes com esquizofrenia, no processo clínico poderá querer indiciar que os técnicos de saúde mental, não estão sensibilizados para as questões familiares dos doentes.
* os progenitores (45 doentes do sexo feminino / 34 doentes do sexo masculino)
Apresentam uma média de idades de 20,1 anos [1-50]. Existem filhos que estão institucionalizados/tutela do tribunal de menores, em 8 casos com uma média de idade de 11,2 anos [7-17]. É interessante verificar que é nestas duas situações que a média de idade dos filhos é mais baixa. Existe a referência que 13 dos filhos, vivem com os pais fora do país (EU). Existe um número considerável de filhos que já constituiu família e que vivem maritalmente. CONCLUSÕES Com este primeira caracterização, podemos constatar como se organizam os agregados familiares, com quem coabitam os doentes e a presença dos filhos no seio familiar. Nas famílias que analisamos, os filhos na sua grande maioria coabitam com o progenitor doente, sendo que a mãe é o projenitor com maior número de filhos a coabitar consigo. Os doentes casados e divorciados são os que têm maior número de filhos, ao contrário do grupo sem filhos, o que está de acordo com resultados da investigação na esquizofrenia. O género feminino surge com os valores ligeiramente mais altos no grupo dos doentes com filhos ao contrário do grupo da população em estudo. Podemos constactar que os doentes com esquizofrenia e com filhos, são maioritariamente casados, com uma média de idade a rondar os 50 anos, 63,3% dos filhos vivem com o doente. Quando os filhos vivem apenas com um progenitor, vivem habitualmente 37,8% com a mãe, 22,3% com a mãe não doente e 15,4% com a mãe doente.
A recolha de informação dos filhos e das famílias dos doentes com esquizofrenia, é particularmente útil para a qualidade de informação e para a melhoria dos serviços, numa altura em que não há ainda um sistema de informação nacional, uma vez as políticas de saúde preconizam que se deve melhorar as respostas disponíveis para a esquizofrenia e outras perturbações psicóticas, uma vez que, estas doenças de evolução crónica com episódios agudos exigem respostas diversificadas, nomeadamente de diagnóstico e intervenção precoces, de reabilitação psiquiátrica e de unidades especializadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barraclough, J. & Gill, D. (2004) - Bases da Psiquiatria Moderna. Climepsi Editores. Bosonac, P.; Buist, A. & Burrows, G. (2003) – Mother and schizophrenic illnesses: a review of the literature. Aust N Z J Psychiatry. 37:24-30. Campos, L. (2008) - Os caminhos das experiências positivas e negativas na prestação de cuidados informais na esquizofrenia. Tese de Doutoramento, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Castle, D.; McGrath, J & Kulkarni, J. (2003) – As mulheres e a esquizofrenia. Climepsi Editores. 1ª ed. Lisboa. Caton CL; Cournos F & Dominguez B. (1999) - Parenting and adjustment in schizophrenia. Psychiatr Serv. Feb; 50(2):23943. Caton, CL; Cournos, F; Felix, A. & Wyatt, RJ. (1998) Childhood experiences and current adjustment of offspring of indigent patients with schizophrenia. Psychiatr Serv. Jan; 49(1):86-90. Clarke, L. (2008) – Child & Youth Mental Health Services Children of Parents with Mental Illness (COPMI) Best Practice Guide Draft Document - Vancouver Community Vancouver Coastal Health. Direcção Geral de Saúde – 3o Censo Psiquiátrico [consult.15 de Maio de 2008] em linha, disponível em http://www.dgs. pt/
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Ebert, M.; Loosen, P.& Nurcombe, B. (2002) – Psiquiatria diagnóstico e tratamento. Artmed Editora. Gonçalves-Pereira, M. (1996) – Repercussões da doença mental na família – Um estudo de familiares psicóticos. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da UNL. Lisboa. Marques-Teixaira, J. [et al.] (2006) - Caracterização de doentes portugueses com esquizofrenia: resultados da avaliação do estudo observacional SOHO no início do estudo. Saúde Mental (Volume VII; nº 4: 13-21) McGrath, J [et al] (1999) - The fertility and fecundity of patients with psychoses. Acta Psychiatr Scand.;99(6):441-6 Novel M., G.; Lluch Canut, M.; Lopez de Vergara, M. (2000) – Enfermeria psicosocial y salud mental. Barcelona: Mason. O’brien, A. (2005) – The effects of schizophrenia on the family: a review and personal account. Kansas State University. Portugal (2004) - Direcção-Geral da Saúde. Direcção de Serviços de Planeamento. Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental. Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental. – Lisboa: Direcção-Geral da Saúde. Portugal (2007) - Ministério da Saúde. Comissão Nacional para a reestruturação dos serviços de Saúde Mental. Plano de Acção para a Reestruturação e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde Mental em Portugal 2007-2016, Lisboa. Sadock, B. & Sadock, V. (2008) – Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. Porto Alegre: Artmed Ed., 2ª ed. Stuart, G.; Laraia, M. (2001) - Enfermagem Psiquiátrica – Princípios e prática. Porto Alegre: Artmed Editora. Xavier, M.; Pereira, M.G.; Correa, B.B.& Caldas de Almeida, JM. (2002) - Questionário de problemas familiares: desenvolvimento da versão portuguesa de um instrumento de avaliação da sobrecarga familiar”. Psicologia, Saúde e Doenças. 3(2): 165-177.
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Manual de Boas Práticas Canadianas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica EDIÇÃO PORTUGUESA Porto – 2009
SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL
Ficha técnica
TITULO ORIGINAL CANADIAN STANDARDS FOR PSYCHIATRICMENTAL HEALTH NURSING. AUTORES Canadian Federation of Mental Health Nurses EDIÇÃO © Canadian Federation of Mental Health Nurses; 3rd Edition January 2006
Edição Porto: SPESM, 2009. Tiragem 500 exemplares Depósito legal 303887/09 ISBN 978-989-96144-0-6
COPYRIGHT © EDIÇÃO PORTUGUESA, 2009, SPESM TÍTULO DA VERSÃO PORTUGUESA MANUAL DE BOAS PRÁTICAS CANADIANAS EM ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL E PSIQUIÁTRICA TRADUÇÃO Bruno Santos, Cármen Garrido, Gisela Barros, José Carlos Osório, Luís Silva, M. Inês Abreu. REVISÃO CIENTIFICA Carlos Sequeira, José António Pinho, José Carlos Carvalho e Luís Sá CAPA António Carlos Amaral Direcção de Edição Portuguesa SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL (SPESM) IMPRESSÃO Invulgar
Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, sem a autorização prévia, por escrito, da SPESM.
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Índice
NOTA INTRODUTÓRIA ....................................................................................................................................... . AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................................... .. PREFÁCIO À EDIÇÃO CANADIANA ..................................................................................................................
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PREFÁCIO À EDIÇÃO PORTUGUESA ..............................................................................................................
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DESENVOLVIMENTO DAS BOAS PRÁTICAS ................................................................................................ .... FINALIDADE DAS BOAS PRÁTICAS .................................................................................................................
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TEMAS ACTUAIS ................................................................................................................................................. . CRENÇAS/VALORES .......................................................................................................................................... .
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BOAS PRÁTICAS BOA PRÁTICA Nº1: FORNECER CUIDADOS PROFISSIONAIS COMPETENTES, ATRAVÉS DO DESENVOLVIMENTO DE UMA RELAÇÃO TERAPÊUTICA ...........................................................................
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BOA PRÁTICA Nº2: REVER AS AVALIAÇÕES DO CLIENTE ATRAVÉS DO DIAGNÓSTICO E DA MONITORIZAÇÃO DA ACTIVIDADE ..................................................................................................................
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BOA PRÁTICA Nº3: ADMINISTRAR E MONITORIZAR INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS ........................ .......... BOA PRÁTICA Nº4: GESTÃO EFICAZ DE SITUÇÕES CRÍTICAS ............................................................... .... BOA PRÁTICA Nº5: INTERVIR ATRAVÉS DA FUNÇÃO ENSINAR/TREINAR ........................................... ... BOA PRÁTICA Nº6: MONITORIZAR E GARANTIR A QUALIDADE DAS PRÁTICAS DOS CUIDADOS DE SAÚDE ................................................................................................................................................................... BOA PRÁTICA Nº7: PRÁTICAS DE ACORDO COM A ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA FUNCIONAL .......................................................................................................................................................... . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................... GLOSSÁRIO ......................................................................................................................................................... . APÊNDICE ............................................................................................................................................................ .
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Nota introdutória
Agradecimentos
A tradução destas normas de boas práticas para Portugal surge na sequência dos objectivos da SPESM: contribuir para a melhoria das práticas de Enfermagem em Saúde Mental. A sua divulgação surge na sequência e da necessidade de partilharmos, com os enfermeiros portugueses que se interessam por esta temática, a qualidade das práticas adoptadas pelos enfermeiros canadianos.
Estamos muito gratos à Federação Canadiana de Enfermagem de Saúde Mental pela cedência dos direitos de autor, o que possibilitou a sua tradução para português, bem como às várias pessoas que fizeram um esforço para assegurar que a tradução captaria o espírito do conteúdo escrito em inglês, na expectativa que esta tradução se reflicta numa leitura rápida, prática e útil, em prol de uma reflexão crítica e pessoal, pela melhoria das práticas de Enfermagem nos contextos de Saúde Mental e Psiquiatria.
É nossa esperança que esta edição em Português seja um contributo para todos os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria (EEESMP). Chamamos a atenção de que este termo – EEESMP - foi utilizado aqui como substituto do termo utilizado no documento original - Enfermeiros de Saúde Mental e Psiquiatria – por se revelar, no nosso entender, mais adequado ao contexto português. Esperamos também que todos os cidadãos possam, deste modo, beneficiar de uma excelência crescente na prática de Enfermagem, cujos profissionais se empenham pelo cumprimento das boas práticas actuais, internacionalmente aceites, e que devem servir de referência ou introspecção crítica.
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Prefácio à edição canadiana
Prefácio à edição portuguesa
Durante a sua longa história, a prática de Enfermagem em Saúde Mental no Canadá tem contribuído para o enriquecimento da saúde e do bem-estar dos canadianos.
Caros colegas,
Os Enfermeiros de Saúde Mental e Psiquiatria continuam a expandir os seus conhecimentos e compreensão da saúde mental e das doenças mentais, enquanto prestam cuidados de forma competente, segura e ética aos canadianos. “Canadian Standards of Psychiatric and Mental Health Nursing” (PMHN) fornece orientações a todos os enfermeiros e ao público sobre as práticas expectáveis do Enfermeiro de Saúde Mental e Psiquiatria. O actual documento é o reflexo da terceira edição de “Canadian Standards of Psychiatric and Mental Health Nursing”. O documento inclui uma breve discussão sobre o processo de desenvolvimento das boas práticas, sobre a finalidade das boas práticas, questões actuais, crenças, boas práticas revistas, glossário e apêndice. A história da Enfermagem de Saúde mental e Psiquiátrica fornece um importante contexto informativo para facilitar a plena compreensão das boas práticas. O apêndice fornece uma visão histórica.
A tradução das Boas Práticas Canadianas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, enquadra-se no desígnio da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental. De facto, a partilha do conhecimento é uma via de excelência para capacitar os enfermeiros com mais condições para o exercício de práticas de qualidade. Não foi nossa intenção apresentar uma realidade distinta da portuguesa, como modelo de referência, mas sim, facilitar o acesso ao que se pratica em outros contextos, nomeadamente a realidade canadiana, para que cada um possa retirar o que entender e/ou considerar mais adequado ao seu contexto de trabalho. A criação das boas práticas é um documento fundamental porque permite “balizar” a prática de Enfermagem, responsabilizar os seus autores e informar o público-alvo sobre o “catálogo” de cuidados que os enfermeiros têm para lhe oferecer. Permite ainda ao cidadão ter uma noção mais aproximada do tipo de cuidados de que será alvo e de que forma poderá participar, caso necessite de cuidados de Enfermagem. A análise sobre as práticas inseridas em realidades distintas da portugesa, permite-nos tomar consciência de um caminho que pode ser/ ou não o nosso, todavia, fornecendo-nos dados para uma crítica mais sustentada. Na tradução do documento, importa clarificar em primeiro lugar alguma dificuldade na interpretação de
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uma realidade diferente em termos organizacionais e profissionais. Procuramos fazer uma tradução o mais fidedigna possível, de modo a descrever o documento em análise com o máximo de rigor. Contudo, é possível a existência de outras interpretações. A descrição das sete boas práticas inclui: boas práticas relacionadas com o próprio enfermeiro enquanto pessoa (competências pessoais), e que no caso concreto se centram na relação terapêutica; boas práticas relacionadas com o processo de diagnóstico (capacidade de avaliar, sistematizar, documentar e diagnosticar); boas práticas relacionadas com as intervenções de Enfermagem (execução e monitorização) onde se dá ênfase à gestão de situações específicas; a intervenção relacionada com o ensino/treino, o que é interessante porque, a qualidade, a forma e o conteúdo da informação a transmitir são aspectos fundamentais na promoção da saúde e na prevenção da doença. o papel do enfermeiro ao nível das organizações e ao nível da sua participação nas políticas de saúde. Em síntese, trata-se de um documento que nos permite viajar entre o expectável para o exercício da Enfermagem no contexto da Saúde Mental e Psiquiatria, em termos das características pessoais, 1
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Presidente da Direcção da SPESM (Mandato: 2008-2011)
do diagnóstico, da intervenção, dos resultados e da participação do enfermeiro numa organização de cuidados de saúde e, de uma forma geral, na sociedade. Desejamos a todos uma boa leitura, na expectativa de que este documento vos possa ser útil. Aos colegas que participaram na tradução e revisão um muito obrigado. Porto, 10 de Outubro de 2009
A Direcção da SPESM
(Carlos Sequeira, Ph.D. 1)
Desenvolvimento das boas práticas
A primeira edição de “Canadian Standards of Psychiatric and Mental Health Nursing” foi publicada em 1995 (Austin, Gallop, Harris, Spencer, 1996). A segunda edição, focada na saúde mental na comunidade e no modelo de desenvolvimento da comunidade, foi concluída em 1998 (Buchanan, Harris, Greene, Newton & Austin, 1998). A terceira edição amplia as anteriores com a inclusão de questões actuais que afectam a prática da Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica. Em consonância com esta perspectiva, o Comité das Boas Práticas criou grupos de trabalho com diferentes grupos de clientes em todo o país com o objectivo de obter a opinião dos mesmos sobre as boas práticas. Os membros do Comité das Boas Práticas que conduziram os grupos consideraram esta experiência muito enriquecedora. Os clientes deram excelentes perspectivas sobre as suas necessidades e sobre as intervenções que poderiam ajudar simultaneamente a si e às suas famílias. Os clientes deram sugestões valiosas no que diz respeito à forma como o Comité poderia melhorar as boas práticas e criar parcerias com eles na prática em contexto real. A edição actual reflecte fortemente essa perspectiva do cliente.
As competências são sistematizadas em sete domínios: i) A relação terapêutica, ii) A avaliação sistemática e tomada de decisão, iii) A administração e monitorização de intervenções terapêuticas, iv) A gestão eficaz de situações críticas, v) A intervenção ensino/treino, vi) A monitorização e garantia da qualidade das práticas de cuidados de saúde, vii) As competências organizacionais e do papel de trabalho (funcionais).
As Boas Práticas continuam a usar os “domínios da prática” de Benner (1984) como grelha conceptual subjacente (Austin, Gallop, Harris, & Spencer, 1996).
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1 Finalidade das boas práticas
“O principal objectivo de ter boas práticas é o de fornecer orientação para a prática profissional, no sentido de promover um serviço competente, seguro e ético para com os clientes” (CNA, 2002a, p.9). Através destas boas práticas, os enfermeiros podem articular com os outros, aquilo que é o nível de desempenho desejável e possível de alcançar na área de especialidade, possibilitando igualmente a sua responsabilização. O documento “Canadian Standards of Psychiatric and Mental Health Nursing” fornece um guia para avaliação dessas práticas, inserido num quadro ético e profissional.
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2 Temas actuais
A obtenção das boas práticas profissionais reflectem o estado actual do conhecimento e compreensão de uma disciplina, pelo que devem ser encaradas como contextualizadas e dinâmicas. O enquadramento teórico da prática influencia a forma como cada EEESMP atinge essas normas de conduta aceites como boas práticas. A prática de Enfermagem é também fortemente influenciada pelos contextos em que os cuidados são prestados. Estes contextos incluem as influências sociais, culturais, económicas e políticas (CNA, 2002b).
• Múltiplas morbilidades resultando no aumento da gravidade e complexidade das problemáticas. • Maior atenção sobre os factores determinantes da saúde na compreensão das questões e necessidades referentes à saúde mental e psiquiátrica. • Uma visão ampliada da equipa de saúde para incluir parcerias/relações colaborativas com os clientes e os seus sistemas de suporte natural, defesa e grupos de auto-ajuda.
Tais contextos desafiam os EEESMP a agirem segundo um paradigma social justo. As questões actuais incluem: • Desigualdades no acesso aos cuidados de saúde num contexto político que privilegia um modelo de eficiência. • Mudanças demográficas e diversidade cultural (por exemplo: idade, sexo, etnia, raça, orientação sexual, linguagem, estatuto socioeconómico, religião/espiritualidade). • Igualdade na dotação financeira de recursos a cuidados agudos e crónicos. • Aumento da prevalência de morbilidades adicionais (dependências). • Tendência para a integração das dependências e da saúde mental por parte das políticas e do planeamento de programas.
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3 Crenças/valores
A Saúde Mental/Psiquiatria é uma área de especialização em Enfermagem, educação e investigação. O EEESMP utiliza o conhecimento baseado na evidência e na experiência da prática de Enfermagem e o conhecimento de ciências da saúde relacionadas. Esta prática é baseada no Canadá no “Código de Ética da Associação Canadiana de Enfermagem” (CNA, 2002a), enquanto em Portugal, se rege pelo “Código Deontológico de Enfermagem”. A prática envolve a promoção da saúde mental, a prevenção, tratamento e a gestão dos distúrbios mentais. Os EEESMP acreditam: • Que o relacionamento terapêutico enfermeirocliente, baseado na confiança e respeito mútuo, são centrais para a prática. • Na erradicação do estigma e da discriminação. • Na realização e utilização da investigação para a melhoria dos cuidados. • Na acção social para promover a sensibilização política e social, de modo a influenciar a política da saúde e política organizacional. • Nas relações de colaboração com o indivíduo, família, comunidade, populações e entidades sociais. • Numa abordagem holística que é essencial para a compreensão da experiência única do cliente.
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• Num acesso equitativo a cuidados culturalmente ajustados. • Numa prática ética reflectida e num compromisso de aprendizagem contínua. • Na protecção dos direitos humanos num contexto de compromisso cívico, atendendo aos contornos que envolvem a jurisprudência. • Na defesa de contextos de prática que facilitem e garantam relações de trabalho seguras e positivas. • Na promoção de um legado moral e de uma Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica pioneira/líder.
Boas Prรกticas
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Boa prática nº1 Fornecer cuidados profissionais competentes, através do desenvolvimento de uma relação terapêutica A meta principal da Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica é a promoção da saúde mental e a prevenção ou diminuição da doença mental. O desenvolvimento de uma relação terapêutica é a base através da qual o EEESMP pode “entrar em parceria com os clientes, e através do uso das ciências humanas e da arte do cuidar, desenvolver relações de ajuda” (RNAO, 2002b). Espera-se que o enfermeiro demonstre competência na relação terapêutica através dos seguintes pressupostos: 1. Avalia e esclarece a influência das crenças pessoais, valores e experiência de vida na relação terapêutica e distingue as relações sociais das terapêuticas. 2. Trabalha em parceria com o cliente, família e outros membros relevantes, para determinar objectivos direccionados para as necessidades do cliente e para estabelecer um ambiente que conduza ao alcance desses objectivos. 3. Utiliza um conjunto de habilidades terapêuticas de comunicação verbal e não verbal, que incluem a empatia, escuta activa, observação, autenticidade e curiosidade. 4. Reconhece a influência da cultura, classe, etnia, língua, estigma e exclusão social no processo terapêutico e negoceia cuidados que são sensíveis a estas influências. 5. Mobiliza e informa sobre os recursos que aumentem o acesso dos clientes e das famílias aos serviços de saúde mental e que melhorem a sua integração na comunidade.
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6. Compreende e responde às reacções humanas ao stress e perda de controlo, que podem ser expressas como raiva, ansiedade, medo, tristeza, desamparo, desesperança e humor. 7. Orienta o cliente através da mudança comportamental, desenvolvimental, emocional ou espiritual, enquanto reconhece e defende a participação do cliente, responsabilidade e escolhas sobre o seu próprio cuidado. 8. Apoia o sentido de resiliência, auto-estima, poder e esperança do cliente e da sua família. 9. Fomenta a mutualidade do relacionamento pela crítica reflexiva sobre a eficácia terapêutica, através da informação e reacções do cliente e da família, da supervisão clínica e da auto-avaliação. 10. Compreende a natureza da doença crónica e aplica os princípios da promoção da saúde e prevenção da doença quando trabalha com clientes e famílias.
Boa prática nº2 Revê as avaliações do cliente através do diagnóstico e da monitorização da actividade
A avaliação efectiva, o diagnóstico e a monitorização são actividades centrais para o papel do enfermeiro e dependem do modelo teórico em que se baseiam, bem como da compreensão do significado da experiência de saúde ou doença na perspectiva do cliente. O enfermeiro explica ao cliente o processo de avaliação e conteúdo e fornece informação (feedback). O conhecimento do enfermeiro sobre a prática de Enfermagem é baseado no modelo conceptual adoptado pelo próprio, e fornece uma grelha para o processamento de informações do cliente e para o desenvolvimento de um plano de cuidados centrado neste. O enfermeiro realiza juízos clínicos profissionais considerando a informação recolhida, reconhecendo e incluindo o cliente como um parceiro valioso.
3. Elaborar e registar o plano de cuidados em colaboração com o cliente e a equipa de saúde mental, reconhecendo a variabilidade na capacidade do cliente para participar no processo.
O enfermeiro concretiza-o através das seguintes actividades:
6. Determinar a modalidade terapêutica mais adequada e disponível, que vá de encontro às necessidades do cliente, e auxiliar o cliente a aceder a esses recursos.
1. Colaborar com os clientes e com os outros membros da equipa de saúde para efectuar avaliações holísticas através da observação, análise, entrevista e consulta, considerando simultaneamente as questões de confidencialidade e dos estatutos legais pertinentes.
4. Reformular e expandir a análise da informação do cliente, avaliando e registando mudança (s) significativa (s) no estado do cliente, comparando as novas informações com a avaliação inicial e com os objectivos do cliente. 5. Avaliar continuamente e antecipar potenciais necessidades e riscos. Colaborar com o cliente na análise do seu ambiente em relação a factores de risco: auto-cuidado, alojamento, alimentação, factores económicos, factores psicológicos e sociais.
2. Registar e analisar a informação inicial que identifica: o estado de saúde, o potencial para o bemestar, os défices de saúde, o potencial perigo para o próprio e para os outros; alterações no conteúdo e/ou processo do pensamento, alterações no comportamento de afecto, comunicação e aptidões de tomada de decisão; o uso de substâncias e dependências; histórias de trauma e/ou abuso (emocional, físico, negligência, sexual ou verbal).
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Boa prática nº3 Administrar e monitorizar intervenções terapêuticas
Devido à natureza dos problemas de saúde mental e doenças mentais, existem questões práticas específicas que se colocam ao EEESMP na avaliação e administração das intervenções terapêuticas. Muitos clientes estão em risco de causar dano a si e/ou aos outros, e/ou autonegligenciar a sua segurança, o que constitui uma matéria importante. Todos os esforços deverão ser feitos para incluir o cliente em todos os aspectos inerentes à tomada de decisão. O EEESMP deve estar alerta e responder às possíveis reacções adversas do cliente.
6. Utilizar adequadamente a tecnologia disponível para realizar intervenções de Enfermagem seguras, eficazes e eficientes. 7. Administrar medicamentos de uma forma rigorosa e segura, monitorizar as respostas terapêuticas, reacções, efeitos secundários, toxicidade e potenciais incompatibilidades com outros medicamentos ou substâncias. Fornecer informação sobre a medicação usando linguagem compreensível.
O enfermeiro deverá:
8. Utilizar os elementos terapêuticos dos processos de grupo.
1. Utilizar e avaliar as intervenções baseadas na evidência de modo a fornecer cuidados de Enfermagem seguros, eficazes e eficientes.
9. Incorporar conhecimentos sobre a dinâmica familiar, valores culturais e crenças, no âmbito da prestação de cuidados.
2. Fornecer informação aos clientes e seus familiares/outros significativos, em conformidade com a legislação existente.
10. Colaborar com o cliente, prestadores de cuidados e comunidade para aceder e coordenar os recursos, procurando obter feedback do cliente e dos outros intervenientes sobre a intervenção.
3. Auxiliar, educar e capacitar os clientes para seleccionar opções, o que reflecte uma tomada de decisão informada. Fornecer informações sobre a(s) possível(eis) consequência(s) da escolha tomada. 4. Apoiar os clientes a potenciar os seus pontos fortes em prol do seu auto-cuidado e do desempenho das actividades de vida diária, mobilizando os seus recursos e promovendo a sua saúde mental. 5. Determinar as intervenções clínicas com base no conhecimento e nas respostas do cliente.
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11. Encorajar e auxiliar os clientes na procura de grupos de apoio e ajuda mútua, sempre que necessário. 12. Identificar o feedback e a percepção do cliente sobre as intervenções do enfermeiro e outras intervenções terapêuticas, incorporando-as na prática.
Boa prática nº4 Gestão eficaz de situações críticas
A gestão eficaz de situações críticas é essencial em circunstâncias críticas que podem ser denominadas de emergências psiquiátricas. Estas situações incluem risco para a auto-agressão, comportamentos agressivos e alterações rápidas do estado de saúde física e mental (SERPN, 1996).
b) Em contexto comunitário, inclui o uso dos sistemas de apoio comunitário, incluindo a polícia, serviços de ambulância, e recursos de resposta a crises.
O enfermeiro deve:
8. Desenvolver e registar o plano de intervenção e a intervenção propriamente dita.
1. Utilizar a relação terapêutica para gerir situações críticas. 2. Avaliar o cliente usando uma abordagem holística sobre os problemas de saúde reais ou potenciais, factores de risco e/ou de crise/emergência/ situações catastróficas. 3. Conhecer os recursos necessários para gerir crises/emergências/situações catastróficas, reais ou potencias, e os planos de acesso a esses recursos. 4. Monitorizar a segurança do cliente e efectuar uma avaliação contínua para detectar precocemente alterações no estado do cliente, intervindo em conformidade. 5. Implementar intervenções adequadas para a idade e para a situação específica do cliente na crise/emergência/catástrofe, sempre que necessário. 6. Iniciar procedimentos de situações críticas: a) Em contexto hospitalar - inclui sempre que necessário a prevenção de suicídio, contenção de emergência, precauções de fuga e gestão de doenças infecciosas;
7. Utilizar uma abordagem o menos restritiva possível na prestação dos cuidados.
9. Coordenar os cuidados para evitar erros e a duplicação de esforços onde a intervenção rápida é imperativa. 10. Avaliar com o cliente a eficácia das respostas rápidas (situações críticas) e reformular o planeamento se necessário. 11. Colaborar com o cliente para facilitar o envolvimento da família e de outros membros significativos de forma a identificar os factores precipitantes do evento e planear a diminuição dos riscos de recorrência. 12. Participar no processo de revisão com: cliente, família, equipa e outros prestadores de serviços, sempre que necessário. 13. Utilizar medidas de segurança para proteger o cliente, a si próprio, e aos colegas, de situações potencialmente abusivas no ambiente de trabalho. 14. Participar e implementar actividades que melhorem a segurança do cliente no contexto prático.
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Boa prática nº5 Intervir através da função ensino/treino
Todas as interacções são potencialmente situações de ensino/aprendizagem. O EEESMP tenta compreender a experiência de vida do cliente e utiliza esse conhecimento para apoiar e promover a aprendizagem relacionada com a saúde e o desenvolvimento pessoal. O enfermeiro fornece informação relacionada com a promoção da saúde dos indivíduos, famílias, comunidades e populações. O enfermeiro: 1. Identifica as necessidades de aprendizagem do cliente, em colaboração com o mesmo. 2. Planeia e implementa com o cliente a educação para a promoção da saúde, considerando o contexto de experiências de vida do mesmo. Integra: a motivação, a cultura, a literacia, a linguagem, o estilo preferido de aprendizagem e os recursos disponíveis. 3. Explora com o cliente as opções e recursos disponíveis para aumentar o conhecimento, deste modo, permitindo a tomada de escolhas informadas relacionadas com as necessidades no âmbito da saúde e o acesso ao sistema de saúde para as resolver. 4. Incorpora conhecimentos de uma ampla variedade de modelos e princípios de aprendizagem, quando cria oportunidades de aprendizagem para os clientes. 5. Critica e fornece informação relevante, orientação e suporte aos clientes, às famílias e outros significativos.
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6. Regista o processo de ensino/aprendizagem (avaliação inicial, plano, implementação, envolvimento do cliente e avaliação final). 7. Determina com o cliente a eficácia do processo educativo e em colaboração com ele desenvolve ou adapta os meios para satisfazer as suas necessidades educativas. 8. Promove oportunidades de ensino/aprendizagem enquanto parceiros com os clientes, famílias e estruturas sociais.
Boa prática nº6 Monitorizar e garantir a qualidade das práticas dos cuidados de saúde
O enfermeiro tem a responsabilidade de defender o direito do cliente receber cuidados da forma menos restritiva possível e de respeitar e afirmar o direito dos clientes à auto-determinação num contexto seguro e justo. No Canadá, os cuidados de saúde mental ocorrem sobre a orientação das “Actas de Saúde Mental província/territorial” e demais legislação relacionada. O enfermeiro: 1. Identifica a filosofia, atitudes, valores e crenças da cultura do local de trabalho, que afectam a sua capacidade para agir com competência, segurança e compaixão, tomando as medidas necessárias.
7. Defende o cliente no contexto de cuidados de saúde. 8. Empenha-se pela melhoria contínua das estruturas organizacionais e do sistema de saúde para a manutenção dos princípios de prestação de cuidados seguros, éticos e competentes. 9. Reconhece as mudanças dinâmicas nos cuidados de saúde, local e globalmente, em colaboração com os intervenientes e apoia as estratégias para gerir essas mudanças.
2. Compreende a forma como os determinantes de saúde afectam a saúde da comunidade e afectam a prática de Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica. 3. Compreende e utiliza a legislação relevante bem como as suas implicações para a prática de Enfermagem. 4. Amplia e integra o conhecimento de inovações e mudanças na prática de Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica para garantir uma prestação de cuidados segura, confidencial e eficaz. 5. Garante e regista a reformulação contínua do plano de cuidados e actividades. 6. Participa no diálogo e reflexão crítica sobre as funções interdependentes da equipa em relação ao plano integrado de cuidados.
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Boa prática nº7 Práticas de acordo com a estrutura da organização e estrutura funcional
A prestação de cuidados de Enfermagem de saúde mental ocorre tanto no contexto da comunidade como em contextos hospitalares. Para o EEESMP os cuidados devem ser baseados na relação terapêutica, e na prática reflectida, eticamente sustentada, baseada na evidência e inserida num contexto de situações complexas e dinâmicas. Assim, é essencial para o EEESMP estar informado e colaborar de forma a ser capaz de planear e implementar cuidados multidisciplinares, e capaz na promoção da saúde mental, na advocacia e na consulta na comunidade. O enfermeiro: 1. Trabalha em parceria com os clientes/famílias/ outros significativos e outras partes interessadas para garantir ambientes que promovam segurança, apoio e respeito por todas as pessoas. 2. Participa activamente na promoção de um clima que apoie uma prática baseada na ética e na moral instituída numa determinada comunidade (Varcoe, Rodney & McCormack, 2003). 3. Compreende e utiliza indicadores de resultados de qualidade e luta pela melhoria contínua dos cuidados. 4. Procura utilizar abordagens construtivas e colaborativas na gestão de diferenças entre os membros da equipa de saúde que possam afectar a prestação de cuidados (CNA 2002a). 5. Participa no desenvolvimento, implementação e análise da política de saúde mental.
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6. Defende e apoia um papel de liderança para a Enfermagem. 7. Apoia e participa no “treino” de novos licenciados. 8. Utiliza o conhecimento das estratégias multidisciplinares no âmbito da acção social no trabalho com clientes e grupos de advocacia.
Referências bibliográficas
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Glossário
Estas descrições aplicam-se para efeitos do presente documento. Ambiente Menos Restritivo: o doente/cliente tem direito a tratamento num ambiente que limite o menos possível o exercício da sua liberdade; um indivíduo não pode ser confinado a uma instituição quando ele pode ser bem sucedido se tratado no seio da comunidade (Boyd, 2005, p.920). Autoconsciência: a capacidade do indivíduo para reflectir sobre a sua acção, pensamentos, sentimentos, necessidades, medos, forças e fraquezas e a compreensão de como estes podem afectar as suas acções e a relação enfermeirocliente (RNAO, 2002b) Cliente: indivíduos, famílias, grupos, populações ou comunidades. Os sinónimos podem ser doentes, beneficiários, parceiros, consumidores. Os clientes são parte dos sistemas sociais que podem influenciar o aparecimento e duração da doença e da extensão de saúde mental. (in RNAO, Nursing Best Practice Guideline: Client Centered Care 2002a). Competências: O conhecimento integrado, as competências, atitudes e juízos esperados do ESMP (CNA, 2002). Comunidade Moral: é uma comunidade em que há coerência entre o que uma organização de saúde publicamente professa ser, por exemplo, a promoção de um ambiente de ajuda, tratamento, e cuidado que envolve valores intrínsecos à prática de cuidados de saúde, e que os funcionários, os doentes e outros podem testemunhar e no qual podem participar (Webster & Baylis, 2000)
Crise: um abalo emocional, decorrente de factores contextuais, de desenvolvimento, biológicos, psicológicos, sócio-culturais, e/ou espirituais. Este estado de distress emocional resulta numa incapacidade temporária de adaptação, por meio dos recursos habituais e dos mecanismos de coping. A menos que os stressores que precipitaram a crise sejam aliviados e/ou os mecanismos de coping sejam reforçados, pode surgir maior desequilíbrio. É reconhecido que a crise é um estado subjectivo e, como tal, pode ser definido pelo cliente, a família ou outros membros da comunidade (in RNAO, Nursing Best Practice Guideline, Crisis Intervention 2002b). Doença Mental: é caracterizada por alterações de pensamento, humor ou comportamento ou alguma combinação destes, associada a distress significativo e prejuízo funcional durante um período alargado de tempo. Os sintomas de doença mental variam de leves a graves, dependendo do tipo de doença mental, do indivíduo, da família e do ambiente sócio-económico (Health Canadá, 2002). Família: Ser singular e pessoa que o cliente define como sendo da família. A condição de membros da família não está limitada aos pais, filhos e irmãos mas pode incluir vizinhos e pessoas importantes na comunidade (RNAOd. 2002). Factores Contextuais: As variáveis pessoais, interpessoais e ambientais que compõem a experiência de vida única de uma pessoa. Mudança Rápida do Estado da Saúde Mental (situações críticas): compromisso grave das capacidades do pensamento e julgamento, que
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constitui uma emergência médica, e pode estar associado a psicose aguda (um síndrome clínico que pode ser causada por uma variedade de distúrbios, como mania, esquizofrenia, abuso de drogas) Outros Significativos: aqueles por quem o cliente sente afeição, com quem mantém laços emocionais e um sentimento de pertença (adaptado de Wright & Leahey, 1994). Problema de Saúde Mental: a diminuição das capacidades da pessoa - cognitiva, emocional, interpessoal, motivacional ou comportamental que interferem com a fruição da vida ou afectam negativamente as interacções com a sociedade e o meio ambiente (Stephens, 1999). Promoção da Saúde Mental: o processo de reforço da capacidade dos indivíduos e comunidades para ter o controlo das suas vidas e melhorar a sua saúde mental. A promoção da saúde mental utiliza estratégias para fomentar ambientes de apoio e a resiliência individual, e ao mesmo tempo assegura o respeito pela cultura, equidade, justiça social, interligações e dignidade pessoal (Joubert & Raeburn, 1997, p.4). Relação Terapêutica: o relacionamento terapêutico é fundamentado num processo interpessoal que ocorre entre o enfermeiro e o(s) cliente(s). O relacionamento terapêutico é intencional, e visa promover os melhores interesses e resultados para o cliente (RNAO, 2002b). Saúde Mental: a capacidade de sentir, pensar e agir de forma a aumentar a capacidade de fruir a vida e lidar com os desafios. Refere-se a
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várias capacidades, incluindo as capacidades de: compreender-se a si mesmo e à sua vida, relacionar-se com outras pessoas e responder às solicitações do meio ambiente; sentir prazer e gozo; suportar o stresse e o desconforto; avaliar desafios e problemas; perseguir objectivos e interesses; e explorar as opções e tomar decisões. (Health Canada, http://www.hc.gc.ca’hppb/mentalhealth/ mhp/cfaq.html). Transtorno Mental: distúrbio que está associado à presença de distress psicológico que determina o prejuízo do seu funcionamento psicológico, social ou ocupacional; ou um aumento significativo do risco de morte, dor, incapacidade ou uma importante perda da liberdade (Boyd, 2005, p 920).
Apêndice
História da enfermagem em saúde mental e psiquiátrica no Canadá
História da Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica do Canadá * (Boschma, 2003 & Tipliski, 2002) Até o final do século XIX, as pessoas com doença mental eram geralmente assistidos pelas suas famílias. A partir desse momento, o cuidado institucional para a pessoa com doença mental, considerada como “perigosa para estar à solta”, tornou-se disponível com a legislação aprovada nas províncias para a admissão formal destas pessoas, e os cuidados no asilo passaram a ser da responsabilidade do Estado. As províncias constituíram asilos dirigidos por médicos intitulados “médicos superintendentes”, e onde o pessoal assistente era leigo. No início do século XX, vários asilos em Ontário, Nova Escócia e Quebec, criaram escolas de formação de enfermeiros especialistas em saúde mental, segundo o modelo das escolas dos hospitais gerais. Sob a liderança da Enfermagem generalista, os enfermeiros de saúde mental graduados tornaram-se, eventualmente, elegíveis para a certificação como enfermeiros generalistas, naquelas províncias. Noutros asilos do oeste canadiano, as escolas de formação surgiram mais tarde, mas os enfermeiros generalistas não eram elegíveis para a certificação provincial, o que conduziu a um sistema de certificação separado. O financiamento público dos hospitais psiquiátricos do Canadá continuou a ser um desafio, e os problemas de recursos limitados e a sobrelotação das instituições, em breve, tornaria a sua gestão difícil, resultando na sua pobre reputação. Sob a influência do movimento de higiene mental, surgido na década de 1920, as ideias sobre a assistência à pessoa com doença mental mudaram e, gradualmente, foi atribuída mais ênfase à prevenção
da doença mental e à promoção da saúde mental, no seio da população geral. Após a Segunda Guerra Mundial, o sistema de saúde rapidamente se expandiu, novos medicamentos psicotrópicos ficaram disponíveis, e a assistência aos doentes mentais tornou-se mais diversificada. Os grandes hospitais de saúde mental permaneceram, mas nos hospitais gerais foram criados departamentos de psiquiatria e clínicas ambulatórias, e assim, se expandiram os serviços. A partir de meados dos anos 1960, o centro da assistência em saúde mental foi lentamente transferido das instituições para os cuidados comunitários, e uma maior diversidade de serviços profissionais ficaram disponíveis. Houve um decréscimo significativo no número de doentes atendidos nos hospitais provinciais. Ao longo dos anos do pós-guerra e da transição para os cuidados na comunidade, a Enfermagem de saúde mental psiquiátrica permaneceu fundamental na assistência à pessoa com doença mental, não obstante, as mudanças operadas na formação e papel dos enfermeiros. Actualmente, em todas as províncias, a Enfermagem de saúde mental e psiquiátrica está integrada nos programas genéricos de formação em Enfermagem, preparando enfermeiros graduados para a prática nesta especialidade como parte da profissão de Enfermagem. Nos nossos dias, os enfermeiros de saúde mental e psiquiátrica são parte integrante das equipas multidisciplinares, fornecendo uma ampla diversidade de serviços de saúde mental, hospitalares e comunitários, em parceria com os clientes e as suas famílias.
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SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL
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com o apoio:
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