Stella Maria Righini Novaes SĂŁo Paulo @ 2020
Uma reflexĂŁo sobre Orwell na atualidade
Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Design
Stella Maria Righini Novaes
Uma reflexão sobre Orwell na atualidade
Trabalho de Conclusão de Curso – Relatório Científico apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie, Curso Design, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Design.
Orientadora Prof. Ms. Zuleica Schincariol São Paulo @ 2020
Termo de Autorização
Material Bibliográfico: Trabalho de Conclusão de Curso Título do Trabalho: 2 Minutos de Ódio: Uma reflexão sobre Orwell na atualidade Número de Páginas: 150 páginas Nome da Autora: Stella Maria Righini Novaes Orientadora: Prof. Ms. Zuleica Schincariol Na qualidade de titular dos direitos autorais da publicação supracitada, de acordo com a Lei nº 9.610/98, _ AUTORIZO _ NÃO AUTORIZO¹ a Universidade Presbiteriana Mackenzie –UPM, a disponibilizar gratuitamente, sem ressarcimento dos direitos autorais, o documento, em meio eletrônico, no site da base de dados Adelpha², para fins de leitura e/ou impressão pela internet, a título de divulgação da produção científica gerada pela Universidade, a partir desta data. Igualmente, declaro que a versão do Trabalho de Conclusão de Curso entregue em meio eletrônico corresponde fielmente e na íntegra à versão similar depositada de forma impressa em papel para a defesa ou apresentação. São Paulo, 26 de novembro de 2020. Assinatura da Autora Assinatura da Orientadora ¹ Esta classificação poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à Coordenação do Curso. Todo resumo estará disponível para reprodução. ² Texto (PDF com proteção); Imagem (GIF ou JPEG); Som(WAV, MPEG, AIFF, SND); Vídeo (MPEG, AVI, QT); Outros (Específico da área).
Banca Examinadora
Stella Maria Righini Novaes
Trabalho de Conclusão de Curso – Relatório Científico apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie, Curso Design, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Design.
Uma reflexão sobre Orwell na atualidade
Orientadora Prof. Ms. Zuleica Schincariol Prof. Ms. Ana Paula Calvo
Prof. Ms. Marcos Aurélio Castanha Júnior
“The sculpture is already complete within the marble block, before I start my work. It is already there, I just have to chisel away the superfluous material.� Michelangelo
Agradecimentos
Em tempos tão difíceis, agradeço, primeiramente, por ter tanto à agradecer: Aos que reforçaram a certeza de que tenho com quem contar sempre que for preciso. Aos que compreenderam minha ausência e se fizeram ainda mais presentes. Aos meus irmãos e família que dão sentido à tudo isso. Aos amigos que fiz nas salas, laboratórios, ruas e corredores que tanto contribuiram para a conclusão de mais uma etapa. Aos mestres que estiveram presentes durante toda a minha graduação, contribuindo para a construção de uma nova geração de designers. Principalmente, à Zuleica, Ana Paula e Andrea, mulheres que servem de espelho e inspiração, e cujo incentivo ao pensamento crítico fundamentaram e abriram o caminho para a designer que me tornei. Por fim, aos que já se foram e não puderam estar aqui, mas sei que ainda me acompanham. Obrigada.
Resumo Este relatório documenta o processo de fundamentação e desenvolvimento do projeto editorial “2 Minutos de Ódio: Uma reflexão sobre Orwell na atualidade”, constituído sob a metodologia do duplo diamante e um longo processo de pesquisa literária, sociopolítica e artística, trazendo, sobretudo, o papel social do design para o centro do debate. Para isso, esse apresenta uma abordagem do cenário político atual a partir da obra “1984” de George Orwell, visando promover diálogos, tornar a obra mais acessível e proporcionar uma experiência de leitura diferenciada para o público jovem-adulto pouco ativo politicamente, tudo isso utilizando o design gráfico, o design editorial e a ilustração como plataforma de disseminação e transformação. Palavras-chave: design gráfico, design editorial, livro-objeto, George Orwell, verdade.
Sumário
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introdução Formulação do problema Justificativa Objetivo geral Objetivos específicos
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fundamentação teórica Design Gráfico e Editorial Uma breve história do Design Editorial O Livro e as abordagens do Design O Livro Ilustrado Materialidade, livro de artista e livro-objeto A Arte Sequencial A presença política no design e nos quadrinhos 1984 e suas reflexões 1984 O Duplipensamento de Orwell Totalitarismo e Verdade Pós verdade e vigilância Polarização e democracia O público não leitor e o jovem político
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procedimentos metodológicos concepção e processo do projeto
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Condicionantes do projeto Encontrando o conceito-chave Aplicando os conceitos ao projeto editorial A identidade visual Formatos e espelhos O livro-objeto Formas de distribuição
146 referências 148
considerações finais
Formulação do problema
[...] a desqualificação de qualquer valor estético ou ético, o esvaziamento do objeto de design, de comunicação, até virar objeto. O enunciado como degradação da linguagem. As fake news são isso: a deformação da informação até virar desinformação, ou seja, lixo. Será que o lixo pode ser ou ter design? (CARDOSO, 2018, s.p.)
introdução 16
A sociedade atual apresenta-se inserida na era da informação, sujeita a uma enorme quantidade de dados a todo momento, diariamente. O crescimento da produção de bens e conteúdo e a democratização do acesso a eles não são proporcionais à capacidade e tempo do receptor para consumí-lo ou sequer processá-lo. “O final do século 20 tem se definido por excelência pela saturação de imagens, pela poluição visual, pelo bombardeio da publicidade, pelo olhar como forma de consumir.” (CARDOSO, 2000, p.212). Junto a esse cenário, é evidente o processo de polarização política e o controle da informação crescentes que traçam a opinião pública e consequentemente os rumos da sociedade, não exclusivamente no Brasil, mas em diversos países democráticos. Tais democracias vem sendo minadas por esse mesmo processo que, diferentemente dos ataques conhecidos como golpes ou ações armadas, é sutil e progressivo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018). Já a pulverização e automatização dos meios e mídias faz com que presencie-se o esvaziamento e desqualificação da informação e suas fontes, a exemplo do fenômeno das fake news e a popularidade do termo “pós-verdade”.
Não por acaso, em 2017 o romance 1984 de George Orwell, publicado há mais de 70 anos, atingiu o topo da lista dos mais vendidos da livraria virtual Amazon após uma série de declarações incorretas de Donald Trump (WELLE, 2017). A obra, apesar de ficcional, possui uma conexão notável com a conjuntura atual, tange de forma distópica os conceitos de vigilância, totalitarismo, e domínio social através do controle da informação. Sendo assim, mostra-se, não só um trabalho atual mas também extremamente relevante. O avanço da globalização e o sucesso da indústria das mídias digitais tornaram obsoletas diversas formas de mídia analógica, como os vinis e fitas cassete, levando até mesmo o futuro dos livros a ser colocado em questão (PIEPMEIER, 2008). O mercado editorial passa por ajustes em diversas áreas, porém algumas tipologias permanecem firmes e até mesmo em expansão, como acontece com as histórias em quadrinhos. Apesar da expansão, esse gênero não apresenta-se ileso, seu crescimento é também fruto da indústria cultural descrita que traça caminhos divergentes do design social. Fazendo isso, consolida não apenas um um público leitor, mas um público consumidor de massa. A cultura deixa de ser uma decorrência espontânea da condição humana para se tornar mais um campo da exploração econômica (DUARTE, 2003). Frente ao panorama sócio político apresentado, vem a tona o papel do designer como agente crítico, protagonista na concepção e organização da matéria como forma de ativismo. Esse é visto como uma importante ferramenta nessa guerra da informação, fazendo necessária a ressignificação do seu papel social. Tendo em vista o contexto apresentado, é possível identificar uma grande oportunidade para a atuação do designer, sendo assim, colocamos o seguinte problema: Como abordar o cenário político atual em um projeto editorial ilustrado a partir da obra “1984” de George Orwell, capaz de promover diálogos, tornar a obra mais acessível e proporcionar uma experiência de leitura diferenciada para o público jovem-adulto consumidor da indústria cultural e pouco ativo politicamente?
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Justificativa
Propomos uma inversão das prioridades em favor de formas mais democráticas, duradouras e úteis de comunicação – uma mudança de mentalidade que nos distanciará do marketing de produtos em direção à exploração e produção de um novo tipo de sentido. A abrangência do debate está encolhendo e precisa ser ampliada (GARLAND, 1964, s.p.).
introdução 18
Em seu ensaio Por que escrevo, Orwell (2008, p.30) coloca que nenhum livro pode genuinamente evitar ser politicamente tendencioso, expondo sua postura frente a controvérsia da possibilidade de um objeto neutro: “A opinião de que a arte nada deve ter a ver com política é em si uma atitude política.” Seu texto é de 1946 mas já trazia esclarecidamente um debate existente entre designers até os dias atuais: a influência política e social sob o projeto, seja ele de escrita ou de arte. O Manifesto First Things First de Ken Garland (1964) trazia o mesmo impasse para o ambiente do design, propondo que existem tarefas mais importantes e carentes da ação do designer do que as atividades mercadológicas apresentadas como o uso mais adequado e efetivo dos esforços da profissão:
O modelo de atuação mercadológica do designer apontado por Garland (1964) é comumente observado na grande indústria de quadrinhos. As funções e tarefas são bastante hierarquizadas e segmentadas, distanciando mais ainda autor e artista, o projeto gráfico frequentemente coloca-se a serviço de uma demanda do mercado. Esse padrão de desenvolvimento reforça mais ainda a ideia simplista de que “é isso que os designers fazem”, atuam sempre como “braços” e não como “cabeça”. O evidente esvaziamento do papel do designer torna-se ainda mais grave quando vivemos uma situação de polarização extrema. Todo o potencial de comunicação, a exemplo do próprio design, pode ser e é utilizado como ferramenta política, colocando os “fazedores” em uma posição passiva. O momento pede maior conhecimento do nosso potencial para que tomemos decisões conscientemente. “Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar.” (ORWELL, 2019, p.52) Num cenário de batalhas políticas acirradas, a vigilância surge para manutenção da opinião pública e controle da verdade. O fenômeno pôde ser observado nas últimas eleições presidenciais em diversos países e continua sendo observado em declarações de figuras políticas que parecem testar os limites da verdade, como ocorreu em 2017 quando a equipe de Trump defendeu a existência de “fatos alternativos” para justificar a contagem falsa do número de pessoas em sua posse (SWAINE, 2017, s.p.). Quatro dias após o ocorrido, as vendas de “1984” subiram mil por centro nos EUA. A obra faz 71 anos de publicação e já não exige mais direitos autorais por sua idade, entretanto nunca se mostrou tão atual e relevante. Tendo em vista a grande lacuna na indústria dos quadrinhos e na atuação social e política do profissional de design, além da atual relevância do tema apresentado, pode-se identificar uma grande oportunidade de fazer algo novo, distanciando-se das práticas de mercado e abordando o projeto editorial de forma mais expressiva como Haslam (2007) observa em sua obra, que será tratada detalhadamente mais tarde.
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Objetivo geral e objetivos específicos
introdução 20
objetivo geral Desenvolver um projeto editorial ilustrado capaz de traduzir parte do contexto histórico atual relacionando-se com a obra 1984 de George Orwell voltado para o público jovem-adulto consumidor da chamada “cultura pop” e pouco ativo politicamente.
objetivos específicos Promover diálogos sobre o cenário político/ social atual utilizando o design gráfico e a arte sequencial como base comunicacional para o público jovem-adulto. Tornar a temática tratada mais interessante para o público jovem-adulto por meio de uma experiência diferenciada de leitura.
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Imagem realizada a partir do livro Design Methods for Developing Services publicado pelo Design Council.
Visando expor o desenvolvimento do projeto de forma mais organizada e visual, o processo foi reduzido por meio da ferramenta conhecida como duplo diamante popularizada pelo British Design Council em 2005. A partir dessa definição e a posterior segmentação temporal no cronograma, propõe-se destrinchar o projeto de forma mais coerente e objetiva.
procedimentos metodológicos 22
Dadas as fases de desenvolvimento apresentadas, foi elaborado um cronograma levando em consideração dois semestres de trabalho e um mapa conceitual capaz de esclarecer o problema e as delimitações iniciais do projeto.
> design gráfico > design editorial > livro ilustrado
pós verdade, vigilância, capitalismo tardio, totalitarismo
como abordar o cenário político atual em um projeto editorial ilustrado a partir da obra “1984” de george orwell?
objetivo geral? desenvolver um projeto editorial gráfico capaz de traduzir parte do contexto histórico atual relacionando-se com a obra 1984 de george orwell.
para que? promover diálogos sobre o cenário político/social atual utilizando o design gráfico e a arte sequencial. tornar a temática tratada mais interessante para o público jovem-adulto por meio de uma experiência diferenciada de leitura.
para quem? público jovem-adulto adepto à leitura de quadrinhos e ao consumo da “cultura pop”, porém pouco participativo/ ativo politicamente.
por que isso importa? tema pouco abordado no cenário dos quadrinhos, polarização política, esvaziamento do papel do designer, ressignificação do conceito de privacidade e vigilância comportamental.
o que? projeto editorial de narrativa gráfica realizado a partir da releitura e adaptação da obra “1984” de george orwell.
como? referências teóricas? ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. CARDOSO, Rafael. Uma introdução a história do design gráfico. CRARY, Jonathan. 24/7: Capitalismo Tardio e os fins do sono. LEVITSKY, Steven. Como as democracias morrem. O’NEIL, Cathy. Weapons of Math Destruction ORWELL, George. Por que escrevo. ORWELL, George. 1984. ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism.
referências metodológicas? BRAGA, Marcos da Costa. O papel social do design gráfico. CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: Princípios e práticas do lendário cartunista. HASLAM, Andrew. O livro e o designer II. LINDEN. Sophie Van Der. Para ler o livro ilustrado. MCCLAUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos.
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O desenvolvimento de uma narrativa de teor político e social e sua respectiva adaptação para um projeto gráfico ilustrado, tange diversos campos de conhecimento, fazendo-se necessária a segmentação inicial de sua fundamentação. Sendo assim, o projeto pode ser organizado em cinco frentes de trabalho: o embasamento teórico para a narrativa e sua interpretação, a formatação e abordagem editorial, a criação das ilustrações dentro dos conceitos de arte sequencial, a situação do público leitor e a análise de referências projetuais. Para o desenvolvimento da narrativa, os textos de Rafael Cardoso (2011) e Marcos Braga (2011) aparecem como uma lente para interpretar o momento político e social descrito por meio do design social e entender como aplicá-lo no que Cardoso chama de “mundo complexo”. Ou seja, utiliza-se a perspectiva do designer, contextualizado no mundo contemporâneo, para interpretar a bibliografia política e social. Essa etapa se relaciona diretamente com a fundamentação teórica do projeto que destrincha alguns conceitos da sociedade atual. Já na parte mais executiva do projeto, a organização do conteúdo e conceituação do projeto gráfico, O Livro e o Designer II de Haslam (2007) surge como pedra fundamental. Haslam (2010) expõe as componentes do livro-objeto e guia a sua concepção a partir das possíveis abordagens editoriais que serviram como base para a interpretação de 1984 (ORWELL, 2019). As abordagens podem se tratar de documentação, análise, expressão e conceito. Somando-se a isso, Sophie Van der Linden (2011) coloca em pauta as especificidades de uma obra ilustrada, retratando as interações entre os quatro códigos: linguístico, literário, icônico e plástico. Eisner (2012) e McCloud (2005) aparecem para auxiliar na execução das ilustrações e na organização da narrativa em arte sequencial. Essa fase pode ser dividida nas micro etapas de roteirização, concept art, storyboard, definição de formato, produção das páginas e criação da identidade. Muitas dessas etapas interagem diretamente com os conceitos editoriais apresentados por Haslam (2010) e Linden (2011). Os levantamentos de campo e de referências projetuais são uma peça chave para compreender o que já existe no mercado e qual é o comportamento de consumo do público que visa-se atingir.Serão analisadas publicações de diferentes gêneros, buscando relação com o problema delimitado, sendo essas as publicações editora independente Lote 42, os quadrinhos de Mike Mignola, Maus de Art Spiegelman, Persépolis de Marjane Satrapi, além, é claro, de 1984 (ORWELL, 2019). Também serão estudadas pesquisas relacionadas aos hábitos de leitura como Retratos da Leitura no Brasil para um exame mais quantitativo do tema. Como apresentado no duplo diamante, após o levantamento bibliográfico e sua análise, são sintetizados os condicionantes do projeto para que inicie-se a concepção. Essa fase começa pelo processo de conceituação, levando a definição do formato, organização da narrativa em roteiro e seus desdobramentos.
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Com esses elementos definidos, é possível começar a produção das ilustrações. Concept art e storyboard antecedem a realização da arte final que é colorida e finalizada. A configuração tipográfica e experimentações de diagramação são feitas em cima do resultado da arte sequencial, testando as soluções em a partir de bonecos e experiências com o público alvo. Por fim, realizam-se testes de impressão e as correções necessárias. As etapas retratadas ficam mais claras no cronograma parcial abaixo.
Plano dePlano projeto de projeto Levantamento Levantamento bibliográfico bibliográfico Bibliografia editorial Bibliografia editorial Bibliográfia metodológica Bibliográfia metodológica Bibliografia Bibliografia conceitual conceitual AnáliseAnálise e fichamento e fichamento bibliográfico bibliográfico Leitura Leitura e análise e análise da obra da obra 1984 1984 EscolhaEscolha do texto do texto e interpretação e interpretação Levantamento de referências projetuais Levantamento de referências projetuais Ilustração e cores Ilustração e cores HQs e formatos HQs e formatos Tipografia Tipografia e diagramação e diagramação Levantamento Levantamento de campo de campo HábitosHábitos de leitura de leitura AnáliseAnálise de mercado de mercado SínteseSíntese dos condicionantes dos condicionantes Conceituação Conceituação Execução Execução do pré-projeto do pré-projeto Organização Organização do conteúdo do conteúdo RoteiroRoteiro Rascunho Rascunho da narrativa da narrativa gráfica gráfica Execução do projeto gráfico Execução do projeto gráfico EspelhoEspelho e storyboard e storyboard Ilustração Ilustração Coloração Coloração EstudosEstudos tipográficos tipográficos Diagramação Diagramação Bonecos Bonecos Testes de impressão Testes de impressão Correções Correções ProjetoProjeto final final Apresentação Apresentação Relatório Relatório científico científico
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Design gráfico e editorial
fundamentação teórica 26
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Uma breve história do design editorial
A majestosa cultura egípcia sobreviveu por mais de 3 mil anos. Hieróglifos, papiros e manuscritos ilustrados são seu legado em comunicações visuais. Com as realizações da Mesopotâmia, essas inovações desencadearam o desenvolvimento do alfabeto e da comunicação gráfica na Fenícia e no mundo greco-romano. (MEGGS, 2009, p.33)
design gráfico e editorial 28
É sabido que o homo sapiens, como um animal social, esteve em busca de formas de se expressar e se comunicar desde os seus primórdios. Os primeiros registros deixados, remontam o período Paleolítico, cerca de 35000 anos a.c, sendo esses anteriores a invenção da escrita, eram apenas representações visuais deixadas nas paredes de cavernas ou canais de água. Apesar do uso recorrente do termo arte rupestre, esses registros não podem ser atribuídos ao início do que entendemos por arte devido ao seu caráter utilitário, mas sim ao princípio das comunicações visuais e, posteriormente, às origens da escrita (MEGGS, 2009). A simplificação, estilização e abstração presentes nessas figuras caminharam progressivamente para a chegada da escrita na Mesopotâmia que, somada a necessidade de registrar as atividades econômicas e religiosas, evoluiu rapidamente. As tabuletas sumérias, mesmo muito distantes dos livros, já apresentavam inteligência na organização de seu conteúdo em linhas e colunas. A escrita desenvolveu-se então por milhares anos em suportes de argila ou rocha e só passou para algo similar a uma página com os egípcios que, além dos hieróglifos, também desenvolveram o papiro. O desenvolvimento desse suporte, acrescido dos rituais religiosos da sociedade egípcia, permitiu e incentivou registros para além de atividade econômicas, tornando o uso mais barato e generalizado. Além disso, o papiro expandiu os limites do projeto gráfico, sendo os egípcios o primeiro povo a confeccionar manuscritos ilustrados, que também possuem grande importância para a história da arte sequenci0al.
“Livro dos Mortos”, Vinheta do Papiro de Ani, c. 1420 aC. Fonte: MEGGS, 2009, p.31
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Enquanto os alfabetos evoluíam junto a cultura de seus povos, os suportes para esse conteúdo passaram por um processo histórico diferente. Posto o advento de um suporte mais apto à escrita no Egito, outros povos iniciaram sua busca concorrente por materiais mais resistentes, leves e baratos. O pergaminho, por exemplo, surge em Pérgamo, cidade rival de Alexandria que detinha o monopólio do papiro. Esse suporte era feito de peles de animais, o que possibilitava dobras e costuras, sendo mais uma inovação a caminho do surgimento dos livros. (PAIVA, 2010)
Diamond Sutra, 868 d.C. Pergaminho budista impresso em xilogravura conhecido como o livro mais antigo do mundo. HASLAM, 2010, p.10.
Já a invenção do papel como conhecemos é atribuída a Ts’ai Lun, um funcionário do governo chinês em 104 d.c, porém, diz-se que foi desenvolvido por volta de 200 a.c. (HASLAM, 2010). Esse levou cerca de 600 anos para ser disseminado fora da China e pode ser visto como o último grande passo para os suportes da escrita. O processo era muito econômico e veio a ser um ótimo substituto para a seda e o bambu utilizados anteriormente, sendo utilizado não apenas para a escritas mas também para motivos de higiene e decoração. A confecção era tão barata e eficaz que passou praticamente inalterada até o século XIX como a mecanização na Inglaterra (MEGGS, 2009).
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Tendo estabelecido um material de produção eficaz e barata como o papel, o maior desafio agora residia em replicar o conteúdo com a mesma eficácia. O alemão Johannes Gutenberg produziu o primeiro livro europeu com tipos móveis em 1455 e é considerado por muitos o pai impressão. Esse título carrega um visão enganosa e eurocêntrica da história, ignorando o fato de que ferramentas similares às utilizadas por Gutemberg já haviam aparecido muito antes no Oriente, como os módulos de madeira chineses e os tipos móveis coreanos. Mesmo com as discordâncias em torno da real origem da impressão, sua relevância histórica não pode ser negada, especialmente na Europa. A superação da necessidade dos letristas e iluminadores com a chegada da xilogravura e da prensa proporcionou uma disseminação muito mais rápida e barata de informação, expandindo o cristianismo e a alfabetização pelo continente e industrializando a produção da linguagem (HASLAM, 2010).
A 35° Bíblia de Gutenberg. Fonte: Acervo da Library of Congress.
Nos séculos posteriores, os europeus ocuparam-se em evoluir o projeto gráfico explorando layouts, fontes tipográficas e formas de relacionar texto e imagem, isso até a chegada da Revolução Industrial. A industrialização promoveu um novo pano de fundo para a impressão, agora com funções comerciais e publicitárias, que acarretaria em inovações tipográficas e, principalmente, na comunicação de massa. Apesar do termo design editorial existir há apenas algumas décadas, a história do livro já se desdobra a mais de 4 mil anos e está intimamente ligada à história da humanidade. Tendo esclarecido as origens do objeto livro, agora aplicam-se esforços em defini-lo e desmembrá-lo.
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O livro e as abordagens do design
De Novo por Gustavo Piqueira, 2018. Fonte: bancatatui.com
design grรกfico e editorial 32
Tendo em vista a complexidade da história por trás do livro e de suas funções, Andrew Haslam (2010) preocupou-se em examinar os elementos e características que constituem esse objeto, começando por sua definição: “Um suporte portátil que consiste de uma série de páginas impressas e encadernadas que preserva, anuncia, expõe e transmite conhecimento ao público, ao longo do tempo e do espaço.” (HASLAM, 2010, p.9). A palavra impressa mostrou-se poderosa no decorrer da história, a exemplo de obras como a Bíblia, o Corão, o Manifesto Comunista e Minha Luta de Hitler. Esses textos são lembrados e possuem grande influência até hoje, porém descarta-se a importância dos demais atores que tornaram a disseminação dessas ideias possível. Atores esses que adicionam sua visão a obra ao no ato de sua configuração, o que pode ser melhor compreendido com o estudo das abordagens do design. Sendo o processo de desenvolvimento do designer gráfico caracterizado por uma soma de decisões racionais e subconscientes, as abordagens apresentadas por Haslam (2010) oferecem uma tentativa de racionalizar esse processo classificando possíveis abordagens em quatro categorias: documentação, análise, conceito e expressão. Essas não são excludentes e costumam apresentar-se implementadas em conjunto, além de serem diretamente ligadas ao repertório e interpretação do designer. A documentação está presente em todo projeto editorial, já que o livro tem, por definição, a função de documentar, entretanto é preciso destacá-la como categoria pois essa pode ser a abordagem principal de um projeto, como em reportagens, por exemplo. A análise por sua vez trata de livros que lidam com informações factuais complexas que exigem uma estruturação para que sejam melhor compreendidas, essa pode ser feita por meio de segmentação, hierarquização, entre outros. Parte-se agora para as abordagens mais subjetivas, as de expressão e conceito. A abordagem expressiva destina-se a posicionar o leitor emocionalmente por meio dos recursos do design gráfico com cores e simbolismos. Nessa, muitos apontam para uma alteração na cadeia de produção editorial convencional, colocando o designer na posição de autor ao adicionar sua interpretação pessoal à obra. Por último, a abordagem conceitual busca destilar ideia complexas em elementos visuais concisos. Visto isso, a escolha da abordagem a ser utilizada no projeto editorial é uma decisão fundamental para que seja possível partir para a definição de formato, material, estruturação, tipografia, entre outros componentes. Além disso, a abordagem norteará um quesito crucial para esse trabalho sobre o qual falaremos no próximo capítulo: a articulação entre texto e imagem.
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O livro ilustrado
design grรกfico e editorial 34
Como apresentado anteriormente, ao examinar a trajetória da escrita e do design editorial, é possível observar inúmeras aparições de ilustrações junto a textos, em especial na sociedade egípcia. Entretanto, os elementos visuais foram perdendo seu posto ao longo da história visto que a escrita mostrava-se cada vez mais eficiente em abstrair ideias em pequenos símbolos. Ademais, com o advento da prensa, enquanto textos podiam ser formulados com tipos móveis, as imagens ainda dependiam de processos mais trabalhosos como a xilogravura, que só voltou a ser valorizada posteriormente. Como aponta Meggs (2005), os impressores de xilografias viam seu trabalho ameaçado pela impressão tipográfica antes da popularização dos trabalhos ilustrados. Foi apenas por volta de 1460 em Bamberg, quando Albrecht Pfister usou xilografias e os tipos de Gutenberg para configurar a primeira edição do livro Der Ackerman aus Böhmen (A morte e o lavrador), que os livros ilustrados se viram contrastados com os trabalhos teológicos e eruditos amplamente publicados na época, tendo uma recuperação de seu valor. “ À medida que décadas se passaram, os impressores tipográficos aumentaram radicalmente o uso de ilustrações xilográficas. Isso gerou intensa demanda por xilogravuras, e os ilustradores gráficos melhoraram de status.” (MEGGS, 2005, p.107).
Fig4: Biblia Pauperum, A Bíblia dos Pobres produzida por Albrecht Pfister por volta de 1462. A impressão dos textos e ilustrações era conjunta, o que tornava o processo mais rápido e fácil, substituindo os desenhos à mão. Pode ter servido para instruir membros do baixo clero. Fonte: Biblioteca Digital Mundial.
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Apesar desse processo de revalorização, a linguagem não verbal tornou-se predominante em livros para o público não alfabetizado ou em processo de alfabetização, sendo o livro ilustrado moderno uma consequência do interesse em recursos utilizados na literatura infantil (POWERS, 2008).
Devido a associação errônea do livro ilustrado com o livro infantil, é necessário esclarecer o potencial e importância desse formato. Se a mensagem linguística nasce da linguagem visual, a conexão entre essas é inerente. Todavia, Linden (2011) ressalta a importância do trabalho dessa articulação para que não se trate de um livro com ilustrações, mas sim de um livro ilustrado, onde texto e imagem são igualmente importantes.
A fórmula texto e imagem só tem alguma significação se for reconhecido nesse ‘e’, não a marca indiferente de uma colaboração acidental, mas o indício de um vínculo essencial entre os elementos heterogêneos do visível reunidos num mesmo suporte que está na origem da escrita. Mas para isso é indispensável também admitir que olhar não consiste em identificar objetos ou em matar o outro, e sim em compreender os vazios, ou seja, em inventar (CHRISTIN, 2004 apud LINDEN, 2011, p.89). Dadas as definições do livro ilustrado, agora é preciso determinar suas características e tipos de articulação que determinarão a abordagem realizada. Essas relações entre linguagem verbal e não verbal foram apresentadas por Linden (2011) em três categorias funcionais: a redundância, a colaboração e a disjunção. Os nomes são bastante auto descritivos, mas em resumo, a ilustração pode trabalhar a mesma narrativa que o texto de forma redundante, pode construir um sentido comum de forma colaborativa, ou desenvolver uma narrativa independente na disjunção. Aqui, pode-se perceber uma conexão direta com as abordagens estabelecidas por Haslam (2010), sendo o livro ilustrado uma forma diferente de expressão e não um gênero literário, a ilustração apresenta-se como um meio para transmitir e abordar a mensagem.
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O preconceito comum de que os livros ilustrados são literatura para crianças muito novas aparentemente está baseado na noção lacaniana de linguagem pré-verbal, imaginária, que é se não dominante, certamente evidente nos livros ilustrados quando comparados aos romances. Ao que parece, os livros ilustrados, combinando com sucesso o imaginário e o simbólico, o icônico e o convencional, alcançaram algo que nenhuma outra forma literária conseguiu dominar (NICOLAVEJA; SCOTT, 2011, p. 330).
Le Colporteur d’images por Anne Quesemand Laurent Berman, 1997.
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Materialidade, livro de artista e livro-objeto
O livro é uma categoria (ou prática) artística que desenvolve tanto a experiência das linguagens visuais como a experimentação das possibilidades expressivas dos elementos constituintes do livro. O transporte do significado do texto para o volume em si pode ser muito radical, caso específico em que a obra passa a ser denominada livro-objeto. (SILVEIRA, 2008, p.77)
design gráfico e editorial 38
Quando considerado o formato de um projeto editorial, o designer se vê frente a múltiplos ou até mesmo infinitos caminhos possíveis. Esses caminhos bifurcam-se mais ainda quando adicionadas outras variáveis físicas como o material, sua textura ou seu peso. Essas escolhas não determinam apenas a forma como o projeto deverá ser diagramado, organizado ou impresso, mas determinam também a presença desse objeto no mundo, a forma como ele será descoberto, aberto, lido e experienciado.
Libro Illeggibile MN1, Livro Ilegível de Bruno Munari, 1984. Fonte: pinterest.com
O termo formato, diferentemente de como costuma ser usado, faz referência à proporção do livro independente de suas dimensões. Como dito anteriormente, são inúmeras as possibilidade, porém, devido a questões de conveniência para leitura e viabilidade econômica, existem padrões mais amplamente utilizados. São esses três formatos: vertical, também chamado de à francesa, horizontal ou à italiana, e o quadrado. A ideia de experimentar novos formatos é tentadora, mas sobre isso Haslam (2010) ressalta que não devem ser tomadas decisões de forma arbitrária ou render-se a convicções pessoais: um livro de bolso precisa caber num bolso, assim como um atlas necessita de grandes dimensões para ser consultado. Ou seja, um novo formato deve abrigar intenções claras.
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Em termos práticos, a escolha do formato de um livro determina o design do modelo que conterá as ideias do autor. Contudo, sob a perspectiva do designer, é muito mais: o design do livro representa para o mundo da escrita o que a cenografia e direção teatral significam para o mundo da fala no teatro. O autor fornece a peça, e o designer faz a coreografia do espetáculo. (HASLAM, 2010, p.30) Sendo assim, as preocupações com a materialidade e formato não são novidade, o que mudam são os objetivos e condições dessas experimentações. Na Idade Média, por exemplo, livros sacros constituíam suportes luxuosos, que ostentavam de marfim à pedras preciosas, a técnica ficou conhecida como treasure binding e transbordava a dupla finalidade de proteger e convidar. Já no século XIX, as evoluções no âmbito editorial e impresso ampliaram e tornaram mais acessíveis os experimentos editoriais. A viabilidade econômica acarretou projetos mais simples e a produção em maior escala, sem perder o caráter artístico, o livro apresenta-se de outra forma. Nos séculos seguintes, as possibilidades criativas se multiplicaram em cores, texturas, formatos e gramaturas, dando ainda mais significado para as decisões estéticas, já que agora quase tudo é possível.
Lindau Gospels, 875. Manuscrito iluminado com capa de metal e pedras. Fonte: The Morgan Library & Museum
Se Haslam acertou ao retratar o design editorial como um espetáculo, é preciso considerar que uma parte crucial do espetáculo do designer reside em seu espectador. Essa preocupação pôde ser observada e muito bem exemplificada durante os anos 70 com o experimentos visuais e sensoriais do movimento Neoconcretista. O movimento teve como fundador Ferreira Gullar que, entre muitas outras colocações, propõe a seguinte reflexão ao compor a Teoria do Não-Objeto: “A ação não consome a obra, mas a enriquece: depois da ação a obra é mais que antes - essa segunda contemplação já contém, além da forma vista pela primeira vez, um passado em que o espectador e a obra se fundiram: ele verteu nela o seu tempo.” (GULLAR, 2007, p.94).
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As reflexões de Gullar correspondiam ao movimento neoconcretista fundado pelo mesmo, entretanto cabem perfeitamente quando justapostas a atenção a experiência do usuário exigida no trabalho do designer. “O não objeto reclama o espectador, não como testemunha passiva de sua existência, mas como a condição mesma de seu fazer-se. Sem ele, a obra existe apenas em potência, à espera do gesto humano que a atualize.”(GULLAR, 2007, p.94). A Teoria do Não-Objeto fica ainda mais interessante quando pensada na esfera do livro-objeto já que suas ideias, mesmo que conflitantes nominalmente, convergem na prática, como Silveira deixa claro na apresentação de sua obra:
Possuo um grande carinho por livros, como provavelmente também o tenha quem está pretendendo ler este trabalho. Mas confesso que esse carinho sempre foi mais voltado para o volume, propriamente dito, do que pelo texto que ele comporta (ou suporta). [...] E gosto de suas marcas de tempo: as páginas amareladas, manchas de uso, anotações nas margens, os nomes em esferográfica de seus donos. Tudo evidenciando que um livro é um objeto. Ele não é a obra literária. A obra literária é de escritores, pesquisadores, publicadores. O livro é de artistas, artesãos, editores. É de conformadores. (SILVEIRA, 2008, p.13) A arte concreta e neoconcreta construiu um novo cenário de experimentação aberto ao questionamento das formas de leituras, manuseios, diagramações e até mesmo de sequência, por sua vez, fez-se terreno fértil para o design gráfico e editorial e deu espaço para o crescimento dos livros-objeto e livros de artista, a exemplo do Livro Obra de Lygia Clark (1983). Como pode-se observar nos dias de hoje, estava aberto o caminho para uma nova demanda por publicações independentes e exploratórias. O designer agora abraça outras funções, assumindo toda a editoração do projeto do livro e evidenciando o caráter material do mesmo.
Livro-obra de Lygia Clark. Fonte:.artbasel.com
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A arte sequencial
design grรกfico e editorial 42
Sabe-se que o uso de imagens como forma de comunicação dá-se desde os primórdios da humanidade, antecedendo até mesmo a criação da escrita. Entretanto, é possível ser mais assertivo em relação a comunicação “não-verbal” - termo que será discutido mais tarde - analisando seus marcos e desmembrando as características somadas ao longo de sua história. Por exemplo, pode-se dizer que os primeiros registros de arte sequencial derivam da arte rupestre, já que eram exatamente isso: arte em sequência. Porém, os primeiros em que se observam imagens junto a textos de forma articulada derivam do Egito Antigo (MEGGS, 2009). Dessa forma, deram-se diversos pequenos acréscimos que levaram ao que hoje chamamos de arte sequencial mas que nem sempre possuem um marco definitivo e acordado na história.
Bayeux Tapestry. Fonte: bayeuxmuseum.com
A fim de estabelecer esses marcos, Scott McCloud (2005a) cita obras de diferentes épocas e civilizações, comprovando o fato de que a história da arte sequencial caminha para muito além do atual milênio, começando com os hieróglifos em 1300 a.c., sobre o qual já foi falado anteriormente. Em seguida, ele apresenta a famosa “Bayeux tapestry” de 1066, uma tapeçaria de 70 metros que descreve a conquista normanda da Inglaterra de forma linear, articulando texto e imagem bordados em lã. Já na América Latina, a peça pré- colombiana encontrada por Hernán Cortés em torno de 1519 não possuía nenhuma escrita mas indicava uma evolução comunicacional similar a dos egípcios, relatando eventos históricos por meio de ilustrações.
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“A Harlot’s Progress” feita por William Hogarth em 1731 é a primeira amostra de uma obra sequencial mais sofisticada, sendo essa constituída por 6 quadros em sequência com sátiras e lições morais, assemelhava-se a um storyboard. Inúmeros casos de pirataria ocorreram após o sucesso da obra o que resultou na primeira lei de direitos autorais relacionada a trabalhos visuais em 1735 (VERHOOGT, 2007). Também na Europa, Rodolphe Töpffer apresenta uma nova forma de linguagem, somando a arte sequencial a imagens satíricas e caricaturas. Esse não era desenhista nem escritor, trabalhava como professor de literatura, mesmo assim, introduziu a primeira combinação interdependente de palavras e figuras em 1833 na Suíça com a publicação de Histoire de Mr. Jabot, sendo considerado o pai da história em quadrinhos moderna.
A Harlot’s Progress por William Hogart, 1732. Fonte: Royal Collection Trust.
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Assim como Haslam (2007) definiu abordagens no âmbito editorial, McCloud (2005b) também destrinchou as possíveis abordagens de uma história em quadrinhos, organizando essas em quadrantes com “graus” de tradição e revolução, arte e vida. As subdivisões, entretanto, não seriam aplicáveis apenas na arte sequencial, mas também nas belas-artes e na música, por exemplo. Os quadrantes consistem em classicistas, animistas, formalistas e iconoclastas e podem ser relacionados a outras teorias como as funções psicológicas fundamentais de Carl Jung.
tradição
classicistas
animistas
sensação
intuição
arte
vida
formalistasi
i conoclastas
pensamento
sentimento
revolução
Imagem realizada a partir da obra de Scott McCloud.
O quadrante formalista corresponderia à função do pensamento, um tipo de arte que tenta compreender como o mundo funciona através da observação. Os classicistas, como o nome já diz, abraçam a “arte clássica”, a beleza e a técnica, correspondendo à função da sensação. Já os animistas acreditam na pura transparência do conteúdo, a intuição. Por fim, os iconoclastas enfatizam a autenticidade da experiência humana, a honestidade e a crueza, ou seja, o sentimento (MCCLOUD, 2005b). Tendo isso em mente, pode-se dizer que, para a execução desse projeto, parecem mais adequadas as visões animista e formalista que podem resultar em uma abordagem mais fiel e representativa do tema tratado. Vale ressaltar que não pretende-se alcançar uma história em quadrinhos tradicional, com quadros padrões, personagens característicos e balões de fala, mas sim abstrair todos esses conceitos e somá-los às abordagens editoriais para um resultado único.
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A presença política no design gráfico e na arte sequencial
Eu vejo o designer como tendo três possibilidades de introduzir seu próprio talento para a cultura. A primeira é por meio do design, que é, fazendo coisas. A segunda é por meio de uma articulação crítica acerca das condições culturais que elucidam o efeito do design na sociedade. E a terceira possibilidade é por meio da condução de um engajamento político. (MARGOLIN, 2006, p.150)
design gráfico e editorial 46
Sabe-se que os debates sobre o papel social do design se fazem cada vez mais presentes, em grande parte propondo os mesmos questionamentos feitos por Ken Garland em seu manifesto First Things First: o impasse entre uma atuação mercadológica, principalmente publicitária, e uma atuação socialmente responsável do designer. Esse tipo de preocupação já pode ser muito percebida na área de produtos, mas é preciso estendê-la para o design gráfico, explorando seu potencial, como Flávia Neves (2011) coloca ao citar Sylvia Margolin:
Atelier Populaire. Fonte: aap68.yale.edu
Agora colocam-se à mesa as proposições de Gui Bonsiepe (2010) em Design and Democracy, onde pode-se encontrar proposições convergentes à ideia do design social, porém dissemelhantes no momento em que tangem outra esfera: a política. Como proposto por Margolin, a condução de um engajamento político é uma possibilidade de atuação do designer e essa afirmação se faz mais verdadeira ainda quando colocam-se os olhos sob o design gráfico e seu potencial comunicacional.
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O design gráfico possui uma agilidade de confecção e replicação que o coloca como uma ferramenta potente de ativismo. A história pode ser documentada de diversas formas, mas o cartaz tem papel de destaque por sua capacidade de circulação, agitação e propaganda. A origem do cartaz político pode ser datada na Revolução Francesa (SACCHETTA, 2012), e esse persistiu em diversos momentos da história como nas atuações de resistência das ditaduras latino-americanas, nos eventos de Maio de 68 com a união de professores e estudantes no Atelier Populaire ou até mesmo em obras mais isoladas como os cartazes feministas e anti-consumistas de Barbara Kruger.
Your body is a battleground por Barbara Kruger. Fonte: icp.org
Toda atividade profissional tem sua dimensão política porque vivemos em sociedade, e as sociedades se organizam por meios políticos. Mesmo quem diz que não tem posição ou não faz política, está adotando um posicionamento. Se você não faz, deixa o campo livre para que os outros façam. (CARDOSO, 2018, s.p.) 48
Oui a La Revolution do Atelier Populaire. Fonte: letterformarchive.org
Liberdade por Movimento Feminino pela Anistia do Brasil. Fonte: Os Cartazes desta História
Liberation School por Chicago Women’s Graphics Collective. Fonte: cwluherstory.org
Inimigo Público por Vertentes Coletivo. Fonte: vertentescoletivo.com
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Se toda atividade profissional tem sua dimensão política, a arte sequencial não se viu fora disso. Apesar de o uso de imagens ter sido atrelado ao público infantil na evolução histórica do livro ilustrado, essa afirmação pode ser questionada quando tratam-se das histórias em quadrinhos. Desde The Yellow Kid, considerada a primeira “tirinha” já feita, os quadrinhos sempre estiveram muito atrelados à vida política, protagonizando críticas e sátiras, relembrando até mesmo as caricaturas de Rodolphe Töpffer. O caráter político do suporte se fortaleceu muito com o surgimentos dos super-heróis na Era Dourada. Esses geralmente serviam como representantes de valores éticos e morais, dando palco para temas mais adultos e, principalmente, conflitos geopolíticos, muito presentes nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Em parte herdeira da caricatura, a banda desenhada esteve desde a sua origem comprometida ideologicamente. Töpffer, um suíço liberal, desenhou em 1845 uma sátira dos revolucionários com L’Histoire d’Albert Simon de Nantua. Pelo seu lado, o republicano francês Nadar, mais conhecido pelos seus trabalhos de fotografia, imaginou em 1848 uma sátira dos conservadores com La Vie Publique Et Privée de Monsieur Réac. Do mesmo modo, as bandas desenhadas militantes – comprometidas numa ação guerreira ou política – são manifestamente ideológicas [..] (RENARD, 1981 apud. VIANA, 2011, p. 178) Mesmo com o possível objetivo de passar uma lição, os quadrinhos foram, por muito anos, marginalizados, principalmente durante o pós-guerra. A frequência de temas como violência, sexo e drogas em um suporte amplamente disseminado serviu de preceito para que o suporte fosse atrelado a corrupção de seu público leitor, argumento reforçado com a publicação do livro Seduction of the Innocent (1954). O debate foi levado às autoridades, culminando na criação de um código para a autorregulamentação dos revistas através de um selo, o Comics Code Authority. O uso do selo era opcional mas conveniente o que tornou-o o responsável pela regulamentação e censura das revistas por décadas, causando quedas nas vendas das grandes editoras e alterando muito o conteúdo publicado.
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Maus. Fonte: SPIGELMAN, Art. 1980. The Yellow Kid indulges in a cock fight... A waterloo, 1896. Fonte: commons.wikimedia.org
Por outro lado, a existência do código também serviu para fortalecer um movimento de contracultura: demanda pelos temas banidos ainda existia e a distribuição de títulos sem o selo no cenário independente obteve grande sucesso. Além disso, o crescente conflito entre grandes editoras nos anos 80 levou suas obras para a televisão, deu mais credibilidade ao suporte e abriu mais espaço para novas editoras no mercado que traziam temas ainda mais complexos ou políticos, a exemplo de Maus que chegou a ganhar um Pulitzer. Conclui-se que a sátira, a crítica e a política estiveram junto ao design gráfico e a arte sequencial, lado a lado ao longo de sua história. Isso porque ambas as formas de expressão apresentam e apresentaram uma importante função de documentação e comunicação. A relação entre design e sociedade é um aspecto central da atividade de projeto e a contemporaneidade traz novos desafios ainda mais complexos para essa reflexão. Desafios que não apenas impulsionam, mas obrigam a retomada da conscientização para com políticas sociais, públicas, humanitárias e sustentáveis no design (MOURA, 2018).
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1984 e suas reflexões
fundamentação teórica 52
inimigo comum Hรก uma ameaรงa em seu sistema. Deseja eliminรก-la? eliminar
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1984
A principal preocupação do romance de Orwell é reconhecer a ligação íntima entre liberdade humana e a veracidade histórica, o fiel relato do passado. Seus personagens vivem num presente desenraizado, desinformado e amedrontado, que olha para trás por entre as brumas do passado, em vez de conquistar a história com pesquisa e mantê-la viva com o respeito. (MANN, 1949)
1984 e suas reflexões 54
Apesar do título da obra publicada em 1949, a sociedade não-fictícia do ano de 1984 não encontrava muitas semelhanças com as “previsões” de Orwell. Isso porque a data em que o romance se passa foi escolhida arbitrariamente, e não se tratavam de previsões. “Não acredito que o tipo de sociedade que descrevo irá necessariamente existir, mas acredito (admitindo-se, é claro, o fato de que o livro é uma sátira) que algo semelhante a ela poderia existir.” (ORWELL, 1968). Trata-se, portanto, de um futuro distópico que o autor retrata, não como fato consumado, mas como um alerta sobre caminhos possíveis. Muitos leitores compreenderam a narrativa, mas não o objetivo por trás dela. O contexto político que cercou 1984 acarretou diversos maus usos, muitos desses ainda podem ser vistos hoje em dia. Orwell declarava-se socialista e dedicou-se ao Partido Trabalhista Britânico por muitos anos, o que rapidamente levou o livro a ser rotulado como uma crítica exclusiva a esse tipo de governo, fazendo do mesmo uma “panfletagem” anticomunista. Sendo assim, o autor prontamente dissociou-se dessa interpretação, apontou para o perigo do totalitarismo que vive em nós mesmos, logo, em todos os sistemas políticos de nossa época, acabando com a autoconfiança dos leitores que se viam livres desse mal.
Compreendido o contexto político e histórico da obra, dedica-se a desmembrá-la e compreendê-la, agora como peça literária. Nessa tarefa, Raymond Williams (1984) teve grande êxito quando construiu sua crítica publicada na Monthly Review. Williams (1984) escreve que o romance possui três camadas, começando com a infraestrutura, onde estaria situada a narrativa do herói-vítima Winston Smith e os conflitos de sua vida no cenário colocado. A segunda camada refere-se a estrutura de argumentações, reconhecida em trechos de descrições da sociedade que quase assemelham-se a um monólogo paralelo do autor. A terceira é a veste satírica que leva o texto a parecer fantasia, com situações e personagens aparentemente absurdos.
Capa da primeira edição publicada em 1949. Fonte: commons. wikimedia.org
Este trabalho dedica-se, fundamentalmente, ao estudo da segunda camada, não de forma a descartar as outras, mas sim de decifrar o que as torna tão excepcionais. Ou seja, as outras camadas podem ser percebidas como uma casca moldada a partir do conceito central que difere o trabalho de Orwell , ou melhor, os conceitos. Conceitos esses que devem ser isolados para que seja feito um exame claro. Ao colocar o foco sob a terceira camada, por exemplo, não é possível perceber relações diretas com o momento atual, olhos ingênuos enxergarão apenas sátiras e exageros. Ademais, para atingir a abordagem editorial pretendida é essencial o descobrimento do conceito-base que retém em si a mensagem, as ideias complexas destiladas (HASLAM, 2010). Tendo isso em vista, discorre-se sobre essas ideias a seguir.
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O Duplipensamento de Orwell
Ao analisar o totalitarismo nos anos 1930 e 1940, Orwell identificou vários fenômenos perniciosos, como sistemas de vigilância, pensamento de grupo, autoengano, que permanecem hoje. As intuições dele sobre como o poder manipula a tecnologia e a linguagem são, infelizmente, atemporais. Fenômenos da última década, como o retorno do populismo autoritário, a difusão de desinformação na internet e a tecnologia minando a privacidade, são dolorosamente orwellianos. Nunca houve tanto desprezo pela verdade nas democracias ocidentais (LYNSKEY, 2020, s.p.)
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Por diversas vezes na atualidade, a sociedade voltou os olhos para as obras de Eric Blair quando enfrentou acontecimentos que pareciam distópicos, como o ocorrido em 2013 quando Edward Snowden tornou público o sistema de vigilância global norte americano ou após a cerimônia de posse de Trump em 2016 que contou posteriormente com declarações evidentemente falsas e desconexas da realidade. Mas por que isso acontece?
A recorrência dessa conexão imediata levou até mesmo ao cunho do adjetivo “orwelliano” que, apesar de muito lembrado no vocabulário jornalístico, é usado frequentemente de forma equivocada. O fato de “1984” (ORWELL, 2019) retratar uma sociedade opressiva e um governo autoritário leva a interpretação precipitada e errônea de que “orwelliano” significa algo como “autoritário”. A interpretação precipitada não está apenas incorreta, como também faz exatamente o que a obra nos alerta para não fazer: reduz a linguagem.
Eric Blair escrevendo. Fonte: The New Yorker
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As formas de controle mais apontadas ao relacionar a atualidade com “1984” (ORWELL, 1949) são, em geral, as mais evidentes de um governo totalitário, como por exemplos os sistemas de vigilância. Entretanto, existe uma forma de controle muito menos óbvia sobre a qual o termo “orwelliano” se refere. A grande preocupação do autor reside na importância da linguagem como meio de disseminar ideologias, moldar pensamentos e opiniões. Orwell escancara como é possível minar o significado das palavras ao apresentar o “mantra” do governo em “1984”: “Guerra é Paz, é Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força.” (ORWELL, 2019, p.57). Mantra esse que parte de um conceito concebido pelo autor como “duplipensamento”: a incapacidade cognitiva de perceber significado que leva o indivíduo a desconfiar de sua própria percepção e aceitar o que é colocado por outrem como um “dado oficial” (TAVLIN, 2015). O problema não é o fato de os cidadãos da Oceania ouvirem frequentemente o oposto da verdade. O problema real reside no fatos de as experiências se tornarem tão limitadas que falta perspectiva e linguagem para diferenciar grandes conceitos.
Orwell na Home Guard, 1940-33. Fonte: British Library. UCL: © Orwell Archive, UCL Library Special Collections.
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Controlar a linguagem é um meio para se moldar opiniões, pensamentos e, consequentemente, a verdade. “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” (ORWELL, 2019, p.100). Sendo assim, o termo não aponta diretamente para a definição de totalitarismo, mas apresenta uma característica que tem grande potencial para levar a esse tipo de regime. Regime esse rejeitado por Orwell, que se viu em meio ao imperialismo e colonialismo britânico, bem como ao socialismo de Stalin na União Soviética. Apesar da tentativa de posicionar 1984 e A Revolução dos Bichos nos conceitos modernos de direita e esquerda, essas obras apresentam-se não só como uma crítica ao comunismo vivenciado pelo autor, mas também ao capitalismo, tendo esse se aliado ao Partido Obrero de Unificación Marxista em 1936, quando foi à Espanha para combater o líder fascista Franscisco Franco. O duplipensamento também possui seu espaço no contexto atual: a ideia de produzir e reproduzir notícias ou discursos falsos em massa diferencia-se da velha mentira política pelo propósito muito específico de destruir a fé na verdade (LYNSKEY, 2020). Ou seja, o esvaziamento de sentido das palavras facilita mais ainda a desinformação já que o indivíduo passa a desconfiar de si mesmo, dos seus próprios pensamentos e definições, aceitando naturalmente o que lhe é entregue como verdade. “Examinar não apenas o que lemos, mas também o que pensamos, porque o pior engano é o autoengano. Desinformação só funciona se nos permitirmos ser enganados.” (LYNSKEY, 2020, s.p.).
Cartaz da primeira adaptação de 1984 para o cinema, 1956. Fonte: allposters.com
Iniciada a contextualização do controle da verdade como forma de poder na atualidade, é preciso entender além da obra distópica e analisar como o totalitarismo se estabelece fora dos livros. A manutenção do poder vai muito além da disseminação de conceitos e notícias falsas, ela também possui grande base no apoio popular e relações sociais muito bem articuladas. O próximo capítulo dedica-se a exposição dessas ideias.
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Totalitarismo e Verdade É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abaladas por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da pressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrário: para o assombro de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que o seu status como membro do movimento permaneça intacto (ARENDT, 2013, p. 356)
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O posicionamento de Lynskey (2020) ao dizer que a sociedade permite ser enganada vai de encontro a colocação de Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo (2013). A autora ressalta que nenhum líder ou regime totalitário se manteve no poder, sobrevivendo a inúmeras crises e lutas partidárias sem a confiança das massas, a ascensão e o comando do regime depende da conivência dessas. O apoio chega a ser compreensível quando possui um inimigo em comum, mas o que surpreende é a colaboração existente até mesmo quando o alvo é o próprio apoiador, assemelhando-se a um altruísmo do adepto.
Esse comportamento dos seguidores expõe uma forte característica do totalitarismo: a abdicação dos desejos individuais ou de classe abrindo espaço para a colocação de uma vontade comum, uma massa disposta a abrir mão de seus interesses pela prosperidade de um governo. Portanto, diferentemente do que se vê no autoritarismo, o indivíduo apresenta-se isolado para que o coletivo caminhe rumo ao mesmo destino, mesmo que esse caminho venha a ferir vontades ou necessidades individuais, o desejo do líder é o desejo da massa.
Fasce romana usada pelo Fascismo de Benito Mussolini na Itália como símbolo de força através da união. Expressa com clareza o aspecto da desindividualização no regime totalitário, onde o indivíduo é sobreposto pela “massa” e pelo bem comum. Fonte: Encyclopædia Brittanica.
Sendo assim, um governo totalitário vem precedido por um movimento totalitário, uma convicção comum que legitima e dá popularidade àquela forma de poder. Para Arendt (2013), essa popularidade não pode ser atribuída ao sucesso da propaganda política já que essa apresentou-se fraca e baseada em argumentos conhecidamente falsos durante a instauração dos regimes. Essas declarações falsas entretanto são vistas pelos seguidores como uma “esperteza tática” do líder e não como uma enganação, jamais responsabilizando esse por suas mentiras ou despertando desconfiança no movimento que se mostra, portanto, fruto de um autoengano coletivo (ARENDT, 2013). Arendt (2013) conclui que substituição da verdade factual por mentiras não leva só a uma aceitação da mentira como verdade, nem a uma difamação, mas a destruição do próprio senso pelo qual a sociedade se orienta no mundo real. “Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas haviam chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro” (ARENDT, 2013, p.432). Esse fenômeno já havia sido observado por ela em 1951, mas reaparece na atualidade com a popularização do termo “gaslighting” que refere-se a um abuso psicológico que leva a vítima a duvidar de suas próprias convicções, e do termo “pós-verdade” sobre o qual falaremos a seguir.
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Pós-verdade e a nova vigilância
Não é apenas falar uma mentira. Ao dizer ‘pós’, é como se a verdade tivesse acabado e não importa mais. Essa é a diferença entre pós-verdade e todas as formas de manipulação das informações que tivemos antes. É a ideia de que teríamos deixado um tempo em que nos preocupamos com isso e passamos então a um tempo em que seria avançado relativizar ou mesmo desdenhar a verdade (RIBEIRO, 2016, s.p.)
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Pós- verdade foi eleita a palavra do ano pela Universidade de Oxford em 2016. O termo foi adicionado ao dicionário como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (OXFORD, 2020). A escolha não foi arbitrária, veio junto aos diversos ocorridos que circundaram a política ao longo do ano, como a eleição de Trump e a campanha para o Brexit.
Apesar do frequente uso ser recente, a ideia inserida na palavra já aparecia no livro 1984 antes mesmo do termo ser popularizado com os acontecimentos atuais. Quando o protagonista, Winston Smith, vai ao seu trabalho no Ministério da Verdade apagar e reescrever o passado diariamente, esse mostra como a sociedade é capaz de esquecer, fazendo de seus sentimentos a verdade na qual acreditam. É explorando esse tipo de efeito social que muitos têm se aproveitado na internet, fazendo uso de informações falsas para aflorar medos que geram grandes consequências sociais e políticas. A internet não tem se mostrado um ambiente propício apenas pelo seu potencial de disseminação, mas também pela nova capacidade de comunicar-se de forma perfeitamente assertiva. As redes sociais trazem um sistema capaz de fornecer dados sobre o consumo e o comportamento de indivíduos conectados à elas, traçando um perfil que pode ser agrupado para os mais diversos usos. Essas bases de dados são o retrato de um novo tipo de vigilância, muito diferente do policiamento explícito de “1984”, onde a própria população monitora seus conterrâneos, agora o monitoramento é digital, voluntário e muito mais sutil. A extração desses dados pode trazer dezenas de benefícios quando o assunto é a customização e praticidade, entretanto pode-se obter outra percepção quando examinam-se os rumos que essa tecnologia tem tomado (O’NEIL, 2016) .
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Os resultados práticos dessa atividade puderam ser observados de perto durante o plebiscito para a saída do Reino Unido da União Europeia em 2016, o chamado Brexit. A campanha para que a saída ocorresse contou com um planejamento publicitário extremamente estruturado que teve como protagonista a empresa de dados Cambridge Analytica. A estratégia de mídia mirava nos públicos mais propensos a “comprar a ideia” por meio de ferramentas de big data, porém, durante a campanha, foi descoberto que muitas informações falsas circulavam, principalmente no Facebook. Informações que obtiveram alcance graças a anúncios pagos sobre os quais não se pode saber quais eram as fontes ou os financiadores já que não existe tal registro (CADWALLADR, 2017).
Anúncio veiculado no Facebook durante a campanha do Brexit. Através de perfis comportamentais e tecnologias de big data, a publicidade mirava em usuário ligados à causas animais. Fonte: bbc.com.
O caso tomou grande proporções e levantou inúmeras questões sobre a legalidade e os tipos de ameaças que essa atividade poderia acarretar. O Brasil não passou imune, tendo presenciado ocorridos semelhantes durante as eleições de 2018 que são investigados até hoje. A repercussão levou até mesmo ao sancionamento da lei 13.834 em 2019 que pune a divulgação de informações falsas com finalidade eleitoral.
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Apesar da questão dos anúncios já gerarem grande preocupação, as redes sociais apresentam mais um problema quando colocam-se os sistemas para retenção do usuário sob a mesa. A lógica é simples: as plataformas de conteúdo tendem a recomendar assuntos relacionados ao que o usuário já consome e que estão em alta naquele momento, isso o manterá por mais tempo na plataforma consumindo. Essa lógica é benéfica ao apresentar um grau de personalização ao consumidor, mas também pode gerar um ciclo de polarização no momento em que praticamente blinda o indivíduo de ter acesso a novas ideias. O mecanismo é ainda mais reforçado pelo “mercado de engajamento” que nasce dessa lógica: mais pessoas consumindo determinado conteúdo são mais pessoas assistindo aos anúncios que aparecem nele, e assim o criador ganha sua parte. conteúdos com maior apelo acabam recebendo mais dinheiro e é aí que entram as notícias falsas. Esse fenômeno tem gerado inúmeras respostas de ONGs populares ou até mesmo de grandes empresas que exigem uma mudança no modelo de funcionamento de anúncios em redes sociais. Esse tipo de atividade ainda é recente no Brasil, com algumas ações “importadas” como o Sleeping Giants, organização que, com a ajuda de usuários de redes sociais, pressiona marcas para a desmonetização de sites que promovem conteúdos falsos na internet. Por outro lado, observam-se grandes empresas tomando atitudes similares como o recente movimento Stop Hate for Profit que conta com gigantes como a Coca-Cola, Unilever, Honda e Levi’s em um boicote conjunto a rede social Facebook. O movimento prevê um prejuízo de 70 bilhões de dólares a rede social, o que levaria a revisão de políticas frente a discursos de ódio e incitação de violência. O fenômeno das fake news já é extremamente debatido e estudado por suas consequências mais diretas e imediatas que vem exigindo a criação e revisão de políticas para contenção. Mas, se por um lado a proliferação de notícias falsas gera desgastes, difamações e descrença, por outro lado ela alimenta uma situação ainda mais problemática para o convívio social e político: a polarização. Marca do movimento Stop Hate for Profit. Fonte: stophateforprofit.org
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Polarização e democracia
As democracias funcionam melhor – e sobrevivem mais tempo – onde as constituições são reforçadas por normas democráticas não escritas. Duas normas básicas preservaram os freios e contrapesos dos Estados Unidos, a ponto de as tomarmos como naturais: a tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitem umas às outras como rivais legítimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 21)
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Frente a conjunção de dificuldades econômicas a uma crise governamental, constitui-se um terreno fértil para o acirramento político e o florescimento do desejo de encontrar um responsável pelo mal vivenciado no país. Essa culpabilização resulta em uma desvalorização do adversário de forma a invalidar seu posicionamento, uma situação em que diferentes espectros políticos não conseguem conviver ou entrar em consenso por verem no outro o grande mal da nação. Essa incapacidade de diálogo, apesar de não ferir a constituição, fere fundamentalmente os preceitos da convivência democrática, como bem coloca Steven Levitsky (2018) ao retratar a realidade norte-americana:
Entendia-se por fim de uma democracia algo fruto de convulsões sociais violentas, golpes militares ou revoltas armadas. Mas as evidentes manifestações da existência de um processo gradual de fragilização das instituições trouxe outra percepção e levou ao cunho do termo “democracy backsliding”, caracterizando um processo de recessão democrática global. “Recessão” precisamente por não ser mais determinada por uma ruptura brusca e escancarada, mas sim uma movimentação progressiva, sutil e legal. As quedas dramáticas observadas durante a Guerra Fria apresentaram um padrão diferente, três em cada quatro colapsos democráticos partiram de golpes de Estado. Dividindo o mundo em dois polos, nações como Brasil, Argentina, Grécia, Tailândia e Guatemala caíram nas mãos do autoritarismo (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018).
Policiais agredindo um civil. Fonte: Wikimedia Commons
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Faz-se um retrato preciso das mudanças nesses colapsos ao colocar em pauta a ascensão de governos autoritários na América Latina entre 1990 e 2012. É possível apresentar como grande exemplo o governo de Hugo Chávez na Venezuela que, com finalidades autoritárias, fez uso de todos os processos democráticos para alcançar o poder, bem como mantê-lo. Trata-se portanto de um “paradoxo trágico da via eleitoral”: por meios legais e instituições democráticas, destroem a mesma. Esse tipo de movimentação política é muito percebida no populismo por algumas de suas características específicas. Populistas tendem a negar a legitimidade dos partidos estabelecidos, atacando-os como antidemocráticos e mesmo anti patrióticos. Eles dizem aos eleitores que o sistema não é uma democracia de verdade, mas algo que foi sequestrado, corrompido ou fraudulentamente manipulado pela elite. E prometem sepultar essa elite e devolver o poder “ao povo”. [...]. Na América Latina, por exemplo, todos os quinze presidentes eleitos na Bolívia, no Equador, no Peru e na Venezuela entre 1990 e 2012 eram outsiders populistas: Alberto Fujimori, Hugo Chávez, Evo Morales, Lucio Gutiérrez e Rafael Correa. Todos os cinco acabaram enfraquecendo as instituições democráticas (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p.35).
Hugo Chavéz em campanha, 2003. Fonte: The Independent.
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Tanques circulando Visto os aspectos populistas que acarretam algum tipo de preonas ruas do Rio de cupação, estudiosos dedicaram-se a reunir um conjunto de sinais Janeiro, concretizando que pudessem ajudar a reconhecer e prever esse tipo de fenômea tomada do Governo no. Chegaram portanto a quatro pontos: “1) rejeitam, em palavras
pelos militares. ou ações, as regras democráticas do jogo; 2) negam a legitimidade Fonte: Arquivo/ de oponentes; 3) toleram e encorajam a violência; e 4) dão indica-
Agência O Globo
ções de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.”(LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p.34). Pode-se perceber que, assim como alertado por Orwell, o autoritarismo e o totalitarismo independem dos lados ou posições tomados. Uma vez que o perigo mora na fragilização e na intolerância em si, esses pequenos deslizes podem acontecer em qualquer lugar do mundo. É em cima dessas colocações que propõe-se refletir sobre possíveis causas e soluções para esse obstáculo. Afinal, se não cabe às democracias o ato de banir ou proibir candidatos e posições, como resguardar-se de sua própria destruição? Pois bem, evitam-se esses tipos de processos estabelecendo diálogos racionais, a partir informações verdadeiras. Conhecer o passado impede que fatos alternativos e revisionismos desorientem os debates, como Orwell já havia proposto até mesmo em “A Revolução dos Bichos”. A democracia não é permanentemente garantida e exige que a tolerância e a legitimidade dos opostos seja constantemente reforçada. A separação do joio do trigo cabe a sociedade que só pode fazê-lo se bem informada.
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O público não-leitor e o jovem político
[..] de acordo com os dados e estimativas disponíveis, é possível supor que por volta de 75% da população – ou cerca de 120 milhões de brasileiros – são incapazes de utilizar a leitura e a escrita em benefício próprio. Refiro-me a ler livros, jornais, revistas, bulas de remédio, manuais e contratos. São informações chocantes tanto do ponto de vista de uma ética social quanto de uma vida em sociedade minimamente equilibrada. Ao mesmo tempo, demonstram que levar em conta a “cultura popular” ou a “mentalidade popular” pode ser muito importante para a compreensão do contexto brasileiro (AZEVEDO, 2006, p.1)
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A formação de leitores no Brasil vem sendo um desafio há décadas. São inúmeros os obstáculos que passam do analfabetismo à falta de ambientes domésticos aptos para a leitura, preços de livros e a ausência de “influenciadores”. Além disso, há um crescente desinteresse pela uma plataforma que não é digital nem multimídia e, diferentemente de como costuma ser apresentada, não é algo como uma “viagem mágica”. A leitura exige esforço, treino e condições específicas para que venha a se tornar uma jornada prazerosa para o público infanto-juvenil (AZEVEDO, 2006).
Segundo estudos do Instituto Pró-Livro, os não leitores, pessoas que não leram ao menos um livro inteiro nos últimos 3 meses, representam 44% da população brasileira, (FAILLA, 2016).Apesar disso, o estudo alimenta uma visão otimista: os números apontam para um aumento na quantidade de leitores de cerca de 6 pontos percentuais entre 2011 e 2015. Não é possível afirmar que esse número é exato, já que são diferentes amostras, mas houve sim uma ampliação, acompanhada da melhora de alguns índices de escolaridade como mostra o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Entretanto esse número precisa ser analisado mais de perto:
Mas nossa inquietação para responder com consistência à principal questão – se a ampliação no número de leitores se deve à melhoria na escolaridade do brasileiro – nos leva a outros indicadores. O Indicador Nacional de Alfabetização Funcional (INAF) nos diz que, apesar de detectar uma melhora nos últimos 15 anos – o percentual da população funcionalmente alfabetizada passou de 61%, em 2001, para 73%, em 2015 –, ainda constata que apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura e escrita. Ou seja, o aumento da escolaridade média da população brasileira teve um caráter mais quantitativo (mais pessoas alfabetizadas) que qualitativo (do ponto de vista do incremento na compreensão leitora). (FAILLA, 2016, p.28). 71
Sendo assim, esse aumento apresenta-se verídico mas ainda frágil e multifacetado, ademais, as visões sobre a leitura no Brasil ainda carregam muitos falsos estigmas que podem ser analisados de perto com dados estatísticos, à exemplo da ideia de que o jovem brasileiro não lê ou não gosta de ler. Sobre isso, o Instituto Pró-Livro aponta que esse público lê mais do que o brasileiro de modo geral e que a leitura para o prazer prevalece sob a leitura utilitária como motivação, contrariando o julgamento de que leem mais por estarem em idade escolar, o que nos leva a próxima pergunta: o que esses jovens leem?
Fonte: FAILLA, 2016, p.217.
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A partir dos números apresentados pelo estudo é possível chegar a algumas conclusões acerca do perfil do jovem leitor. Se considerada a faixa etária dos 14 aos 24 anos, percebe-se um aumento na leitura do gênero História, Economia, Política, Filosofia ou Ciências Sociais, sendo que a faixa de 18 a 24 é a que mais lê o mesmo, apresentando um possível florescimento do interesse pelo assunto nessa fase. Mesmo assim, a Bíblia e os gêneros religiosos ainda representam grande parte do que é consumido no Brasil, mesmo entre o público mais jovem. Aqui encontra-se um grande vácuo ao colocarmos o jovem sob a perspectiva do seu papel como agente na social e político.
Uma das mais importantes tarefas das instituições, hoje, é contribuir para que os jovens possam realizar escolhas conscientes sobre suas trajetórias pessoais e constituir os seus próprios acervos de valores e conhecimentos que já não mais são impostos como heranças familiares ou institucionais. O peso da tradição encontra-se diluído e os caminhos a seguir são mais incertos. (CARRANO, 2012, p.86). Esse vácuo também pode ser percebido ao analisar o engajamento político ao longo dos anos. Dados divulgado pelo TSE apontam para uma queda no eleitorado adolescente desde 2002, sendo 2018 o ano com a menor participação. Segundo especialistas, o cenário de desinteresse é fruto de uma falta de perspectiva frente às crises econômicas e políticas e uma desconexão entre candidatos e o eleitorado jovem (MORENO; COSTA, 2018).
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O jovem é ator-chave nos processos de mudança de uma sociedade e deposita-se sobre ele a esperança da transformação, como coloca Paulo Carrano (2012, p.85) ao referenciar Melucci (1994) “[..] ser jovem não é tanto um destino, mas implica na escolha de transformar e dirigir a existência. É nesta perspectiva que os jovens são considerados a ponta de um iceberg que, se compreendida, pode explicar as linhas de força que alicerçarão as sociedades no futuro (MELUCCI, 2001 e 2004)”.
Fonte: G1.com
Compreendido isso, podem ser apontados diversos movimentos e até mesmo revoluções que partiram da juventude ao longo da história do mundo como o Movimento por Direitos Civis no EUA, o Protesto na Praça de Tiananmen na China e A Primavera Árabe. No Brasil não foi diferente com o Diretas Já em 1983, os Caras Pintadas em 1992 e os protestos de 2013 que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho, mais recentemente, o protagonismo foi ainda mais jovem com o Movimento dos Secundaristas em 2015. A força de renovação social e política da juventude não pode ser ignorada e com isso faz-se essencial a existência de estímulos para que essa renovação tenha alicerces, conhecimento e consciência histórica.
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Membros do movimento estudantil, no Rio de Janeiro, nas manifestaçþes de 2013 contra o aumento das tarifas. Fonte: Wikimedia Commons
Estudantes na Praça de Tiananmen, 1989. Fonte: New York Times
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Condicionantes do projeto
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concepção e processo do projeto
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Dado o processo de pesquisa realizado até aqui, visa-se alcançar um livro-objeto ilustrado que traduza o cenário atual e consiga abstrair as ideias de Orwell por meio do design gráfico, motivado pela necessidade de abrir diálogos e reflexões entre o público jovem-adulto. Como colocado no procedimento metodológico do duplo diamante, após o processo de expansão na fundamentação teórica, inicia-se agora o primeiro afunilamento onde definem-se as condicionantes do projeto, considerando uma análise dos temas propostos anteriormente. Partindo das abordagens editoriais propostas por Haslam (2010), foi escolhido o caráter conceitual para nortear o desenvolvimento projetual de forma a potencializar as ideias “destiladas” do tema tratado e transmiti-las com clareza em todos os âmbitos do objeto. “Uma abordagem conceitual procura a “grande ideia” — conceito-base que retém em si a mensagem. [...] e é definida pelo pensamento reduzido no lugar de expandido: ideias complexas são destiladas em visuais sucintos e vigorosos” (HASLAM, 2010,p.27). Sendo assim, busca-se encontrar a chamada “ideia gráfica” que transpareça a mensagem imagéticamente. Junto a isso, é preciso levar em conta o contexto das ilustrações. Assim como o design editorial, essas também podem ser abordadas das mais diversas maneiras, principalmente quando se colocam os olhos sob a arte sequencial. A intenção não é criar uma narrativa sequencial tradicional, mas sim uma linguagem simbólica e conceitual que norteia a abordagem macro escolhida. Para isso, não objetiva-se a valorização da beleza clássica como na área classicista, mas a exploração da forma e conteúdo unindo a interpretação formalista a interpretação animista. Um tipo de arte que tenta compreender como o mundo funciona através da observação e outro que preza pela transparência do conteúdo. Com a abordagem da ilustração definida, não se pode deixar de pensar em como os dois elementos, forma e conteúdo, linguagem verbal e não verbal, serão articulados. Sendo assim, utilizam-se as proposições de Linden (2011) para definir os tipos de construção mais adequados para alcançar o resultado desejado. Ao considerar-se a imposição de proporcionar um solo fértil para diálogo, faz-se necessário que hajam lacunas de compreensão, um espaço de reflexão para leitor capaz de evitar uma interpretação óbvia e redundante. Deste modo, texto e imagem construirão ora um sentido comum de forma colaborativa porém instigante, ora uma narrativa independente na disjunção. Outro fator crucial como condicionante deste projeto é a materialidade e seus desdobramentos, visto que essa possui grande valor de expressão e campo de oportunidade. Há um padrão enraizado entre os livros que traça um longo caminho de experimentações e austeridade, o que torna a exploração do objeto ainda mais divertida e espirituosa. A forma, o formato e as texturas somam à constituição da sensação experienciada pelo leitor. Como esse manuseia o livro? Esse parece grande, pequeno, áspero, macio? Tudo isso condiciona o desenvolvimento do livro-objeto em questão. Apesar do objeto de estudo se tratar de um livro-objeto, não é possível ignorar o caráter de sistema comunicacional presente na construção do mesmo, por isso proposições fundamentais do design para a criação de uma identidade visual e para a direção artística, como teoria das cores, tipografia, serão tratadas como mesmo grau de relevância.
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Em resumo, foram determinadas as seguintes proposições como ponto de partida:
01
Desenvolver uma narrativa gráfica relacionando 1984 e a atualidade, extraindo e exaltando uma ideia central “destilada”.
02
Criar uma linguagem gráfica e material simples e convidativa para o público jovem por meio da ilustração, que conecte-se também com a história brasileira.
03
Utilizar uma abordagem editorial conceitual com o uso de ilustrações simples formalistas e iconoclastas referentes ao pensamento e o sentimento, de forma a ressaltar a contradição razão x emoção no discurso político.
04
Proporcionar uma interação material com o leitor a partir do formato do projeto, ressignificando a forma como esse se relaciona com o objeto livro.
05
Criar uma narrativa mais questionadora e menos argumentativa para que haja espaço para as ideias e reflexões do leitor e para que não se confunda com uma “panfletagem política”. 79
Encontrando o conceito-base
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concepção e processo do projeto
Como colocado anteriormente, o primeiro passo para o desdobramento da abordagem editorial conceitual é a descoberta da “grande ideia”. Dada a complexidade do tema abordado e do cenário em que se deseja abrir esse diálogo, foi realizada uma leitura exaustiva da obra, além do estudo da trajetória de Eric Blair, para que seu trabalho fosse visitado com maior precisão e para que as conexões políticas e históricas fossem realizadas com a devida responsabilidade. Depois de deixar sua carreira no exército para dedicar-se ao jornalismo, algumas preocupações parecem se repetir nas estórias e na história do autor, emergindo como a zona de atuação que consagrou seus romances. Essas inquietações intersectam-se na reflexão metalinguística sobre a importância da palavra escrita e da documentação, além da imposição da honestidade e da autocrítica sob qualquer posicionamento político. Sendo assim, ao passear por diversas ideias e acontecimentos históricos de sua época, esse não só percebe a importância inerente de suas preocupações com linguística e com a verdade, mas também o potencial destrutivo que o descuido com as mesmas pode trazer.
Time Saving Truth from Falsehood and Envy, François Lemoyne, 1737. Fonte: https://commons.wikimedia.org/
Quando analisa-se ainda mais a fundo, percebe-se que Orwell não passou sua vida apenas dissecando a desonestidade e contradição ao seu redor, mas também em sua própria vida, com o debate em torno do posicionamento político de “A Revolução dos Bichos” e “1984” durante a Guerra Fria. Tudo isso reforça a relevância desse trabalho ao trazer uma tentativa de colocar olhares mais sensíveis e atentos sob os resultados e desdobramentos dos escritos em questão, além de apontar para o conceito central trazido por eles.
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Portanto, pretendendo encontrar o conceito norteador da narrativa gráfica em meio a tantas ideias, foi realizada uma nuvem de ideias-chave para o romance, diretamente e indiretamente ligada a temas de debate no cenário sociopolítico atual. A nuvem propõe aglomerados de conceitos com maior proximidade, formando um “mapa de calor” a fim de encontrar o ponto central mais quente. A ideia central então encontrada é a verdade. Essa não só é intersecção de todos os acontecimentos que a orbitam, mas também possibilita inúmeras interpretações no desenrolar do projeto de design editorial, carregando em si própria a consideração da responsabilidade adquirida ao colocar palavras à serviço de quem projeta, tema recorrente para Orwell. O ponto de encontro dessa ideia-chave com a atualidade revela-se facilmente ao que observam-se os constantes esforços de movimentos políticos para minar a verdade, revisar a história e a ciência, e, por fim, desconstruir a capacidade de compreensão do povo através de sinais contraditórios. Todos esses eventos, que podem parecer dispersos e desconexos, se encontram em torno da ideia de verdade e do dever de preservá-la.
Painel de anotações de conceitos tirados da leitura de “1984” e da análise de fatos ocorridos ao longo do ano. 2020.
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reflexo
contradição
vigilância repetição
duplipensamento desinformação novafala
verdade passado memória
controle da informação
tempo
política ódio
massa
polarização recessão democrática Nuvem de palavras realizada pela autora.
Visto isso, coloca-se a reflexão sobre o papel social do design e 2020. como trazer possíveis soluções. Sabe-se que o objeto de estudo é um livro-objeto ilustrado para o público jovem não leitor, mas como esse deve ser para atingir seus objetivos? E, se o design é capaz de mudança, como esse pode tratar de um problema tão intangível? A solução proposta como argumento editorial é portanto a ideia de lembrança e registro como forma resistência e mote final do projeto.
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Aplicando os conceitos ao projeto editorial
embalagem primária cápsula do tempo: preservação do passado e da memória política
livro objeto “principal” caderno vermelho/ 1˚ pecado de winston
poster-luva jornal para remeter ao tema e “esconder” o caderno
linha de amarração remete a amarração que fazemos no dedo para lembrar de algo
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concepção e processo do projeto
Resumo da aplicação dos conceitos propostos pelo projeto na
narrativa temática
ideação do livro-objeto
1. crise 2. necessidade de encontrar o inimigo comum 3. não aceitação do diferente 4. ódio 5. polarização 6. emoção > razão 7. informações falsas como forma de ataque 8. descrença 9. duplipensamento 10. desinformação 11. controle da verdade 12. revisionismo 13. controle da história 14. quem controla o passado controla o futuro
formato retrato 25 cm x 33,3 cm 40 páginas texturas variadas
abordagem editorial conceitual / expressiva conceito destilado: preservação do passado arte sequencial
abordagem da ilustração colaboração disjunção
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A identidade visual
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concepção e processo do projeto
Tendo sido republicado por diversas vezes, “1984” possui uma espécie de visão comum de sua identidade visual, que permeia pelas dezenas de capas que o livro já teve. São 70 anos de capas contendo, em sua maioria, textos em caixa alta, em fontes sem serifa ou fontes decorativas que tentam atingir a ideia de futuro da época. Ademais, a cor vermelha aparece frequentemente, em geral ao lado da cor azul. Já o olho, começa a aparecer pelo menos a partir de 1964, em publicação pela Penguin Books.
Signet Classics, 1983. Fonte: ORWELL, 2019.
Houghton Mifflin H., 2017. Fonte: amazon.com
Penguin Book, 2013. Fonte: livro da autora.
A partir de tais referências, pretende-se conectar essa linguagem gráfica ao livro-objeto como uma homenagem, evitando a zona do óbvio. Além do mais, o projeto não se trata apenas do romance de Orwell. Esse é apenas o ponto de partida para o trabalho de diversos outros conceitos e pontos de contato trazidos por eles na história. A fim de amarrar o projeto à história brasileira, fugindo de modismos e do excesso de estrangeirismos no desenvolvimento, foram trazidas referências gráficas e literárias expressivas do Brasil. Considerado também o tema central que é fundamentalmente político, escolhe-se um período de efervescência social e, consequentemente, artística para a captação desse material: os anos 60. Debruçando-se sobre a obra de Chico Homem de Melo (2006), surgem figuras como Aloísio Magalhães, Carlos Scliar e Glauco Rodrigues, sendo que o primeiro inaugura o modernismo no Brasil e os segundos, artistas- designers, reinventam o design editorial, a frente da Revista Senhor. Junto a isso, somam-se referências de produções populares feitas por movimento de resistência, como os cartazes políticos presentes em “Os Cartazes desta História” (2012), tema já tratado anteriormente.
Capa feita por Bea Feitler na Editora do Autor. MELO, 2006.
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Naming A escolha do nome parece evidente ao realizar uma primiera leitura e se deparar com um dos mais famosos, e pitorescos eventos de “1984”: os dois minutos de ódio. As massas se reúnem em frente a uma grande teletela para vaiar e odiar Emmanuel Goldstein, o principal inimigo de estado da Oceania, responsável pela escrita e disseminação da obra proibida Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico. Goldstein só era visto nas telas, sendo, provavelmente, apenas um inimigo comum fabricado pelo Ministério da Verdade. O evento do romance sintetiza de forma caricata parte do que se vivencia nos dias de hoje. Cria-se a ideia de uma ameaça comum, quase sempre invisível e irreal, porém capaz de canalizar o ódio e a culpa de uma massa. Nessa “expurgação coletiva”, os ânimos exaltados favorecem a manipulação em meio a um processo de “irracionalização” onde os sentimentos se sobrepoem aos fatos. Não muito mais tarde, é possível examinar os efeitos desse processo com uma sociedade em polarização extrema e incapacidade de diálogo. “Em seu segundo minuto, o Ódio virou desvario. As pessoas pulavam em seus lugares, gritando com toda a força de seus pulmões no esforço de afogar a exasperante voz estentórea que saía da tela. A mulher esguia e ruiva adquirira uma tonalidade rosa-vivo, e sua boca se abria e se fechava como a boca de um peixe fora d’água.” (ORWELL, 1949. Pág. 55) Com todo o panorama conceitual do livro examinado, o nome ainda carrega outros valores de significação para o naming do projeto. Ao falar em “dois minutos”, é possível reconhecer uma sensação de velocidade, como o famoso “só um minutinho”, reforçando o aceno ao público não-leitor que pode enxergar a leitura como algo longo e exaustivo. O contraste entre um sentimento tão intenso quanto o ódio e um período tão curto de tempo traz ainda um ar de impulso e irracionalidade, capaz de gerar curiosidade no receptor. Este é portanto fácil, expressivo, impactante e pregnante.
Cena dos dois minutos de ódio na adaptação cinematográfica de 1984.
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Logotipo Agora, com o nome definido, inicia-se o projeto de representação gráfica do mesmo. Para isso, consideram-se os referenciais visuais utilizados, principalmente do design gráfico brasileiro nos anos 60, nas cores e tipografia. Já que o aspecto jornalístico é extremamente relevante para a temática do projeto, foram trazidas referências editoriais de jornais impressos, como o Jornal da Tarde, também da década de 60. Visto que se trata de um livro-objeto, a marca não vem como essencial, mas sim como uma forma de potencializar a disseminação do projeto, bem como outros elementos gráficos criados. Um desses elementos gráficos é o cursor de mouse do antigo sistema operacional Windows, composto com uma fita de lembrete no dedo indicador. Esse adiciona a questão tecnológica na discussão visual de forma irônica, ao representar algo que, atualmente, parece tão antigo. Mas, tem uso especial para simbolizar o argumento final do livro-objeto, para o qual foi escolhido a frase “lembrar é vencer”. A frase refere-se ao famoso ditado “relembrar é viver” e serve de reforço a ideia de lembrança e registro como forma resistência
Jornal da Tarde, 8 de junho de 1970. Fonte: MELO, 2006.
Logotipo final em vermelho e amarelo para aplicações sobre fundo claro e escuro.
Desdobramento horizontal do logotipo para aplicações sobre fundo claro.
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Tipografia Devido a menor presença de conteúdo textual corrido, a tipografia aparece como um elemento gráfico crucial para a composição gráfica, posicionando-se como protagonista junto as ilustrações. Essa posição permite a exploração de famílias tipográficas com mais personalidade, força e expressão, carregando um caráter mais ilustrativo. A Degular foi desenhada por James Edmondson da OH no Type Co com o intuito de ser uma fonte mais neutra dentre as diversas fontes display do estúdio. Assim sendo, essa foi escolhida para compor os os textos menores e mais sóbrios do projeto editorial, como os textos de abertura e esse relatório, por exemplo. Além disso, a Degular vem como uma grande família tipográgica, contendo uma quantidade significativa de variações, o que facilita os desdobramentos necessários na versão Text e Display.
2 minutos de ódio 2 minutos de ódio Degular Display Bold
Degular Text Bold
As fontes Text são desginadas para blocos de texto maiores, geralmente de texto corrido em tamanhos entre 6pt e 14pt, possibilitando uma leitura mais suave e transparente do conteúdo. Para isso, essas possuem formas mais simplificadas ritmicas e repetitivas, uma altura x maior e mais espaçamento entre as palavras. Já as fontes Display caminham para o lado oposto, buscando realmente ilustrar ideias para além da palavra escrita. Essas foram, portanto, as mais exploradas no desenvolvimento do livro-objeto em questão, sendo apropriadas como parte da composição ilustrativa das páginas. Tendo isso em mente, foram eleitas mais duas famílias tipográficas para dar cara aos conceitos propostos no conteúdo da narrativa.
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A Libre Baskerville, baseada na Baskerville de 1941, foi trazida para contrastar com toda a estética “modernista” e “atemporal” carregada pelas outras formas sem serifa. Essa diferenciação é capaz de traduzir o conflito central da narrativa entre futuro e passado, portando uma ideia de antiguidade. Para muito além disso, o debate entre as serifadas e as não-serifadas e, consequentemente, os significados que essas carregam, é amplamente estudado, podendo até mesmo ser conectado à história brasileira que esse trabalho visa discutir.
serifadas conservadoras
A simbologia política na tipografia foi objeto de estudo de Haenschen e Tamul (2019) que concluíram que o design de tipos tem forte influência na representação dos candidatos no EUA, podendo fontes possuirem caráter liberal ou conservador. Sendo os democratas guadiões das fontes geométricas e sem serifa e os republicanos das fontes serifadas.
Unity Typeface desenvolvida para a campanha presidencial de Hillary Clinton em 2016. Fonte: typeroom.eu
Classificação de fontes famosas pelo seu posicionamente ideológico de acordo com as pequisas. Fonte: Haenschen e Tamul, 2019.
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Entretanto, não pode-se dizer o mesmo no Brasil. A onda modernista na estética do design brasileira não ficou apenas entre os revolucionários, mas foi absorvida pelo regime militar junto a ideia do desenvolvimentismo. Desta forma, é possível traçar uma contradição graficamente interessante para esse projeto, como um ideal serifado por trás de uma fonte sem serifa.
Propagandas da ditadura militar de 1964 com slogans ufanistas. Fonte: stoodi.com
Falando ainda da apropriação da estética modernista por governos conservadores, seleciona-se a família tipográfica Dystopian para, coincidentemente, carregar a aura distópica de “1984”. Essa foi desenhada pelo estúdio Sudtipos e influenciada pela Bauhaus, DeStijl e o Art Deco. Os traços transferem a ideia com precisão e apresentam uma conexão clara com as tipografias modernistas.
Distopias modernas Dystopian Bold
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Cores
O verde e o azul aparecem com menor intensidade no intuito de trazer tons diretamente associados ao Brasil e à sua bandeira, servindo como cores de secundárias de apoio para a identidade. Vermelho escarlate presente no caderno do protagonista Winston Smith e na cinta da liga antissexo de Julia. Ambos os objetos foram interpretados como símbolos do pecado no contexto de “1984”, sendo esse o ato sexual ou o ato de registrar ideias. Amarelo como é resgatado como símbolo da democracia. Esse já foi associado à ditadura militar e simbolizou também a campanha das Diretas Já.
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Formato e espelhos
Colunas posicionadas visando a divisão da horizontal em 6, eficiente para proporção a 3x4 do livro. Uma grande margem interna foi deixada para que as perfurações fossem possíveis.
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concepção e processo do projeto
Como proposto por Haslam (2005), a escolha do formato é um dos primeiros passos para a execução de um projeto editorial. Logo, refletiu-se muito sobre o formato que melhor serviria aos propósitos do livro-objeto, sendo selecionada a proporção 3:4. Essa reforça a sensação de identidade e documentação e, somada a grades “espelho”, visa transmitir a conexão com a realidade atual. Ademais, havia o intuito de cria um objeto muito grande para proporcionar um leitura interativa diferente e relacionar-se com a materialidade e manuseio de um jornal impresso, além do caráter de cartaz. O tamanho atingido foi o de 27cm x 36cm, considerando a otimização para impressão em A3.
Colunas posicionadas visando a divisão da horizontal em 6, eficiente para proporção a 3x4 do livro. Uma grande margem interna foi deixada para que as perfurações fossem possíveis.
Grade com a inclusão de linhas horizontais que dividem a vertical em 8 segmentos, uma proporção eficiente para o formato 3x4.
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Bonecos A fim de confirmar a funcionalidade do formato e do espelho proposto, foi produzido um boneco domesticamente, com a impressão de algumas páginas à laser em sulfite A4. Surgiram questões relacionadas à presença tipográfica, que precisava ser trabalhada melhor e à expansão do experimentação material. Além disso, validaram-se as páginas onde a margem interna era mais preocupante para correções posteriores.
Boneco reduzido impresso domesticamente em papel sulfite 75g, A4.
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Boneco reduzido impresso domesticamente em papel sulfite 75g, A4.
Durante a produção desse boneco, foi confirmada a hipótese do parafuso como forma de encadernação. Esse trouxe a possibilidade de montagem e desmontagem pelo leitor e fortaleceu o conceito operário por trás da obra de Orwell. Foram utilizados apenas dois parafusos e foi percebida a necessidade e incluir mais um para a confecção final no A3.
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O livro-objeto
concepção e processo do projeto 98
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O texto escolhido para abrir o livro-objeto é um trecho escrito por Winston Smith em seu diário ao questionar-se para quem escrevia tanto. Nesse, o protagonista saúda o futuro, na esperança de que seu registro fosse lido por alguém em um momento histórico melhor, uma época talvez imaginária. A construção da página propõe uma sensação de espelho com a presente simetria, e de separação física entre o futuro e o passado, visto que ambos não existem materialmente. Há também uma brincadeira com a ideia de que o protagonista Winston se vê no passado, falando para ao futuro mas, para o leitor, esse encontra-se em um futuro distópico.
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“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” (ORWELL, 1949). Com essa frase é possível resumir do que se trata toda a reflexão. Sendo assim, essa abre o livro, apresentando-se incompleta, incluindo apenas “controla o passado, controla o futuro”, para que o resto da frase encerre o livro e conclua por fim a reflexão proposta. Nas páginas que seguem, dá-se o primeiro passo para o processo político e social do totalitarismo abordado por Orwell: uma crise. Uma crisse é motivo para uma convulsão social suficiente para exaltar os ânimos e colocar a emoção acima da necessidade de raciocínio. Faz-se também uma crítica a ideia e que uma crise é algo eventual a ser superado, quando na verdade essas são cíclicas e inerentes ao sistema em que se encontram.
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Após uma crise, apontam-se os culpados, ou melhor, os inimigos comuns. Para Levitsky (2018), essa culpabilização resulta em uma desvalorização do adversário, de forma a invalidar seu posicionamento, o que muitas vezes é prejudicial para o debate e convivência pública. Com isso, oponentes não conseguem conviver ou entrar em consenso por verem no outro o grande mal da nação, algo a ser eliminado. Tal posicionamento pôde ser percebido até mesmo nas propagandas durante a ditadura de 64, com slogans como “ame-o ou deixe-o”. Os que eram capazes de apontar críticas ao sistema não eram bem vindos e eram responsabilizados pela desgraça coletiva. Essa polarização é retrada na bandeira do Brasil dividida em polos, com suas estrelas espalhadas e o lema “cada um no seu canto”.
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O ódio é fruto inevitável do processo de polarização colocado anteriormente. Para representá-lo foram ilustradas cenas do ex-presidente estadunidense Donald Trump gritando em suas aparições, quase sempre incitando o ódio. Em seguida, o resultado e também fonte dessa dinâmica: a eliminação da razão e, com ela, a eliminação da verdade e dos fatos, priorizando os sentimentos e achismos de um coletivo.
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Nos tempos atuais, o ódio não se trata mais só de um sentimento ou de algumas poucas manifestações públicas, mas surge com potência no terreno fértil da internet. Por isso, a ilustração apresenta dois teclados, como espelhos, como duas pessoas em seus lados da tela. O teclado possui somente as teclas O, D e I para a escrita da palavra ódio, entregando a ideia de que a comunicação limita-se a isso. Agora, a primeira aparição do termo duplipensamento como consequência dessa limitação comunicacional. As letras se embaralham, entregando a mensagem de outra forma num processo de contradição e confusão mental.
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“Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”, esse é o lema do Partido em “1984”. A presença de tantos termos contraditórios em conjunto não poderiam representar melhor a ideia de duplipensamento. Nessa parte do livro, encontram-se 3 páginas, sendo que as palavras “guerra”, “escravidão” e “ignorância” estão impressas em um acetado, posicionado sobre o texto em cinza. A transparência do acetato faz alusão a ideia da verdade, como a retirada de um véu, sendo esses os termos incoerentes. “Liberdade é liberdade de dizer que dois mais dois são cinco, se isso for admitido, tudo o mais é decorrência.” Para o Partido, era necessário rejeitar as provas materiais que seus olhos e ouvidos oferecem. Logo, se esse disser que dois mais dois são cinco, essa é a verdade absoluta, e a aceitação disso é a prova final da fidelidade de um indivíduo e do fim de sua individualidade.
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Enquanto escrevia em seu diário, Winston refletia sobre seu dia e, quanto voltou a fitar sua página, como num lapso de memória, percebeu que havia escrito repetidademente, em letras grandes e nítidas “abaixo o grande irmão”. Houve uma fisgada de pânico, mas escrever aquelas palavras não era mais perigoso do que o ato incial de começar um diário (ORWELL, 1949). A ilustração mostra então uma feixe de luz relevando esses pensamentos na cabeça de Winston, como a Policia das Ideias faria. Ao lado da página, uma referência à páginas não encontradas na internet, brincando com a ideia da página de livro e o esquecimento na distopia. Seguido do esquecimento e do negacionismo vem a descrença e a distribuição da ideia de que não se pode mais acreditar em nada, nem em seus próprios pensamentos.
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Um poema inglês aparece em duas versões diferentes. O poema é citado por diversas vezes no romance, mas apenas na versão em vermelho. A ideia de Orwell era mostrar que a sociedade não se lembrava mais do seu passado, ao não se lembrar mais de como o poema realmente era, repetindo uma versão modificada provavelmente pelo Partido. A famosa imagem de fundo do Windows XP apresenta-se ironicamente como um cenário de natureza que ilustra o poema. Como num choque de realidade, uma imagem fotográfica surge em meio a toda a linguagem ilustrativa do livro-objeto até então. A colagem contém uma foto famosa da ditadura, aqui retratada como apenas um jogo de futebol. Essa vem junto a frase “Tudo se transformou em névoa. O passado foi apagado, o apagamento foi esquecido, a mentira tornou-se verdade.”, reforçando o processo de reescritura e esquecimento do passado.
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As palavras “controla o presente, controla o passado” encerram então a frase aberta no começo do livro “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.” (ORWELL, 1949). Por fim, a poesia “O Povo Escreve a História nas Paredes” de Mário Lago (1943), é colocada ao lado do cartaz embutido no livro-objeto. O poema finaliza a narrativa com a argumentação da resistência e transformação por meio da manifestação e do registro, dados como conceito-base para a direção desse projeto editorial.
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Com todas as ilustrações e trabalhos tipográficos finalizados, realizam-se os refinamentos na daigramação e o preparo do arquivo para impressão, que deve seguir diversas especificações técnicas. A procura por uma gráfica capaz de confeccionar o projeto com o devido cuidado também foi crucial para atingir o resultado desejado. A gráfica escolhida foi a Arrisca Encadernações em Pinheiros, São Paulo. O projeto foi então impresso e encadernado nas seguintes configurações: Capa e contracapa: 2 páginas, 25 x 33,3 cm, frente e verso em papel Ningboo star 350g/ m² com laminação e vinco. 3 Perfurações 7mm de diâmetro. Miolo: 43 páginas, 25 x 33,3 cm, frente e verso em papel Alta alvura 240g/m². 3 Perfurações 7mm de diâmetro. Parafusamento com parafuso sextavado, anilha e porca calota.
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Formas de distribuição
Tendo em vista o objetivo de impacto social e político do projeto, faz-se necessária a disseminação do “2 Minutos de Ódio”, considerando ainda as limitações de alcance de um livro-objeto. Para isso, foram criados cartazes inspirados nos cartazes políticos e outras produções de movimentos brasileiros nos anos 60. O movimento Arte Postal também serviu de base no desenvolvimento outros ativos, visando, principalmente, atingir o público mais jovem de forma mais lúdica, material e virtualmente.
concepção e processo do projeto 132
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Cartazes impressos em papel Alta Alvura 90g/m².
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Cartão postal 10 cm x 14 cm impresso em papel Ningboo Star 350g/m².
Cartão postal 10 cm x 14 cm impresso em papel Ningboo Star 350g/m².
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Os postais aparecem não somente pelo seu potencial de distribuição, que pode-se dizer mais limitado em 2020, mas como uma alusão a prática da escrita e da comunicação. Também remetem aos postais vindos de diversos países ao Brasil durante a ditadura militar, demonstrando apoio a entidade como a OAB e a ABI. Por fim, os adesivos abraçam o público jovem, são artigos mais familiares e divulgam o projeto de forma divertida.
Postal, Belim, fevereiro de 1975. Fonte:SANCCHETTA, 2012.
Adesivo, 6 cm x 5 cm, impresso em vinil com recorte digital.
Adesivo, 6 cm x 9 cm impresso em vinil com recorte digital.
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parte interna Faca de embalagem para distribuição do livro junto aos cartazes, cartþes postais e adesivos. A estrutura se assemelha a uma pasta escolar, utilizando um parafuso para o fecho.
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Um projeto de design editorial onde o objeto de estudo é um livro-objeto possui uma grande limitação de acesso por exercer seu maior potencial em seu caráter físico. Junto a isso, ainda somam-se as limitações impostas pela atual pandemia e a ausência de uma editora para a reprodução em massa da obra. Sendo assim, no intuito de contornar esses obstáculso e aumentar o alcançe do projeto, foi desenvolvida uma página online do 2 Minutos de Ódio. A plataforma está dividida em 5 páginas, sendo elas a página inicial, “o projeto”, “making of”, “imprima o seu” e “2 minutos por aí”. Essa traz informações sobre o conceito do projeto, o seu processo de produção, e áreas para contato, entretanto, o ponto central é a disponibilização do livro. Ao acessar, encontra-se um botão para download ou leitura digital do material e o alerta para utilização “Esse material está disponível apenas para usos não comerciais, ou seja, sem fins lucrativos. Você pode adaptar e criar a partir desse trabalho , desde que atribua o devido crédito.”
Mockup psd created by rezaazmy
O resultado final pode ser conferido e testado acessando o QR Code abaixo.
2minutosdeodio.site
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Considerações Finais
A relevância do “2 Minutos de Ódio” foi se confirmando ao longo de seu desenvolvimento. Viam-se referências aos conceitos tratados no dia a dia da política brasileira e global, em discussões na internet ou até na fila do supermercado. Aqui era possível observar a capacidade reduzida do design de solucionar efetivamente grandes questões sociais, mas também era reforçada a necessidade de não posicionar-se como um espectador imóvel dessas questões. Mesmo dentro dos limites do design como transformador, o livro-objeto foi capaz de gerar curiosidade sobre a obra de George Orwell no público jovem ao criar uma narrativa mais questionadora que dá espaço para reflexões, além de proporcionar uma interação material que ressignifica a forma como o usuário se relaciona com a leitura. Junto a isso, foi descoberto o potencial do projeto para além do design editorial, podendo ser ainda mais disseminado ao desdobrar-se em um sistema de comunicação, com inúmeras possibilidades no âmbito do design e da internet. Visto isso, evidencia-se a responsabilidade do designer como ator político. Sendo esse apto a colocar holofotes e trazer o debate para temas de seu desejo, seus limites de atuação, inflência e alcance são subestimados. Por fim, a solução encontrada no limite de tempo e espaço proposto alcançou os objetivos e condicionantes previstos, e constituiu muito espaço para evolução. Pretende-se expandir o “2 Minutos de Ódio” como um movimento e um espaço de debate para jovens, como receptores, e designers, como produtores de conteúdo no contexto do design social.
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